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recomendações

Atualização de Condutas em Pediatria


nº 61 Departamentos Científicos SPSP - gestão 2010-2013
Agosto 2012

Departamento de Emergências
Tratamento da
crise asmática
na infância
Departamento
de Gastroenterologia
Intolerância
à lactose

Sociedade de Pediatria de São Paulo


Alameda Santos, 211, 5º andar
01419-000 São Paulo, SP
(11) 3284-9809
recomendações
Departamento de Gastroenterologia

Intolerância à lactose

E ntende-se como in-


tolerância à lactose
a repercussão clínica
da redução dos níveis de lac-
tase na mucosa intestinal.
na, importante para o me-
tabolismo, principalmente
no cérebro.
A lactose é o açúcar pre-
dominante no leite de ma-
A lactase é uma enzi- míferos e produtos lácteos.
ma que se localiza nas mi- A lactase pode estar redu-
Autora:
Lívia Carvalho Galvão
crovilosidases do intestino zida em dois tipos de situa-
delgado, principalmente no ções: por controle genético
DEPARTAMENTO
DE GASTROENTEROLOGIA
jejuno. Possui dois sítios ou por doenças que cursem
Gestão 2010-2013 de atividade: um hidrolisa com destruição da mucosa
Presidente: a lactose, dando origem a intestinal (Quadro 1).
Mauro Batista de Morais uma molécula de glicose
Vice-presidente:
Vera Lúcia Sdepanian e uma de galactose, que Fisiopatologia
Secretário:
Ceres Concilio Romaldini
são absorvidos através de Se a lactose não for ab-
Membros: transportadores. O outro sorvida, seu efeito osmóti-
Adriana Maria Alves de
Tommaso, Adriano de Castro
sítio é responsável pela hi- co na luz intestinal do íleo
Filho, Ana Maria Magni, Cesar drólise de florizina, com a terminal e principalmente
Augusto Lunardi, Dorina Barbieri,
Eliana Vidolin, Elizete Ap. Lomazi formação de esfingomieli- do cólon eleva o conteúdo
da C. Pinto, Eraldo Samogin
Fiore, Gabriel Hessel, Gilda
Porta, Helga Verena L. Maffei,
Irene Kazue Miura, Izaura G. Quadro 1
Ramos Assumpção, Jane Oba,
José Espin Neto, Liliane Maria Classificação da hipolactasia
Salgado de Castro, Lívia Carvalho
Galvão, Luiz Henrique Hercowitz,
Maraci Rodrigues, Marcela Primária Alactasia congênita
Duarte de Sillos, Maria de Fátima
C. Pimenta Servidoni, Maria Hipolactasia do adulto
Fernanda M. D’Amico, Maria Inez
M. Fernandes, Maria Teresa T.
Alves, Marisa da Silva Laranjeira,
Mauro Sérgio Toporovski, Secundária Diarreia aguda/persistente
Nancy T. B. Cordovani, Ramiro
Anthero de Azevedo, Regina Doença celíaca
Sawamura, Renata Alessandra
Cazzaniga, Rosa Helena M. Enterites alérgicas
Bigelli, Silvio Kazuo Ogata,
Soraia Tahan, Soraya Goshima, Outras: giardíase, D. Chron
Ulysses Fagundes Neto, Yu Kar
Ling Koda.
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de água e eletrólitos, le- consequente eructação, fla-


vando ao aumento do pe- tulência e borborigmo. Em
ristaltismo, dor abdominal teoria, o metano poderia
e diarreia. Parte desse car- reduzir a motilidade intes-
boidrato sofre ação da flora tinal, mecanismo este que
bacteriana, que o desdobra explicaria alguns casos de
em glicose e galactose ou constipação associados à
em lactato, ácidos graxos hipolactasia do adulto (ver
de cadeia curta e gases, com Figura 1).

Figura 1
Fisiopatologia da má absorção de lactose

Cólon Lactose não digerida

Ação bacteriana

Lactato
Gases (H2 +CO2 gCH4)

Ac.graxos cadeia curta

Efeito osmótico

Dor abdominal Diarreia Flatulência, borborigmo

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Características outras. Nestes casos,


clínicas que geralmente ocorrem
no lactente, o quadro
ÆÆAlactasia clínico predominante é
congênita de diarreia fermentativa.
Trata-se de uma Podem ocorrer
doença muito rara, vômitos esporádicos
há alguns casos e desidratação. Além
descritos na Finlândia. disso, estão presentes as
É caracterizada por manifestações típicas da
diarreia intensa que doença de base.
se inicia logo após o
início da alimentação ÆÆIntolerância à lactose
do recém-nascido. Este por hipolactasia do
quadro regride apenas tipo adulto
com a retirada da lactose Na hipolactasia do
da dieta. adulto, acontece a
redução dos níveis
ÆÆIntolerância à lactose desta enzima após o
por hipolactasia período de lactância,
secundária à semelhança do
As principais doenças ocorrido em todos
que causam lesão os demais animais
importante de mucosa mamíferos. O padrão de
de delgado são: persistência da lactase
diarreia persistente e ou normolactasia seria
doença celíaca e, mais mutação genética,
raramente, a giardíase ocorrida a partir do
e a alergia à proteína período em que o
do leite de vaca, entre homem passa a utilizar

ATENÇÃO
Hipolactasia não é sinônimo de
intolerância à lactose! Pelo menos
metade da população hipolactásica
tolera um a dois copos de leite ao dia e
derivados lácteos.

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o leite de outros Nestes casos, os


animais mamíferos sintomas mais comuns
para o seu sustento (há são: dor abdominal,
cerca de 10.000 anos eructação e flatulência
a.C.). A frequência e diarreia leve. Mais
da hipolactasia varia raramente ocorrem
segundo as diversas náuseas, vômitos
populações (Quadro 2). e sinais sistêmicos
A idade mais comum como cefaleia,
dessa manifestação tonturas, artralgia e
é em torno de cinco mialgia. Comumente,
anos, mas pode ocorrer há dificuldade em
a partir de um ano de relacionar os sintomas
vida e até no idoso. com a ingestão de leite,
O quadro clínico já que os sintomas não
difere dos demais surgem imediatamente
tipos de hipolactasia, após a ingesta do leite
provavelmente devido e por ser um alimento
à ocorrência em considerado inócuo até
idade mais avançada. esta idade.

Quadro 2
Prevalência da hipolactasia do
adulto

Rara Europeus
Brancos nos EUA

Comum Negros
Índios
Árabes
Orientais

Brasil ± 60%

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Diagnóstico tras investigações, como a


determinação de atividade
Clínico em mucosa intestinal, teste
É feito por meio da sin- genético e estudo histoquí-
tomatologia e da relação mico da mucosa são reser-
com a ingestão de lactose vados a estudos de investi-
(lembre-se: pode não ser gação e a casos de alactasia
referida). Na intolerância congênita.
secundária, o diagnóstico da
doença de base é essencial. Tratamento

Laboratorial ÆÆIntolerância
Não é necessário na in- secundária
tolerância secundária. No Nesses casos, a lacto-
entanto, a medida de pH e se deve ser retirada por
substâncias redutoras nas cerca de quatro semanas,
fezes pode ser útil, desde esperando-se recuperação
que seguidas as recomen- da mucosa neste período,
dações necessárias (fezes pelo tratamento da doença
recém-emitidas, separadas de base. Na doença celíaca
de urina, porção líquida). com lesão intestinal grave,
Na hipolactasia do adul- pode ser necessária restrição
to, o ideal seria a investiga- mais prolongada.
ção laboratorial, já que se
trata de alteração para toda ÆÆHipolactasia
a vida. Se não for possível, do adulto
pode-se realizar o teste te- Princípios básicos:
rapêutico de retirada de lac- • Não há ausência
tose e observação por duas de lactase, apenas
a três semanas e provoca- redução significativa.
ção se houver regressão de • Consequentemente,
sintomas. a maioria dos
Os dois testes laborato- indivíduos tolera
riais mais utilizados são o cerca de 12 a 15
teste de tolerância à lactose gramas de lactose
através da curva glicêmica (cerca de 300 ml de
e o teste do H2 no ar ex- leite), parcelado em
pirado. O último é consi- duas tomadas.
derado o padrão ouro. Ou- • A restrição
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absoluta de leite mecanismo de


e derivados pode tolerância por
levar à predisposição adaptação colônica.
de osteopenia e • Os queijos em geral
osteoporose, pelo têm baixo conteúdo
baixo aporte de de lactose (Tabela 1).
cálcio. Além disso, a • Os iogurtes
proteína láctea pode costumam ser mais
ser necessária em bem tolerados,
situações de falta provavelmente
de outros alimentos pela presença de
proteicos na dieta. microrganismos
• Alguns indivíduos com ação de
desenvolvem β-galactosidase.

Tabela 1
Conteúdo de lactose em leite e
derivados (g%)
Referências bibliográficas
Campbell AK, Wand JP, Mathews
Leite de vaca 3,5 – 4,5 SP. The molecular basis of lactose
intolerance, Sci Progress 2005; 88:
157-202.
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and regulation of lactase expression.
Queijos* prato 0,03 Biochim Biofhys Acta 2005; 1723:
19-32..
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Functional Characteristics in Brazilian
Patients at a University Hospital.
estepe 0,09 J Pediatr Gastoenteol. Nutr. 2004;
39: 361-5.
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Gremse DA, Greer AS, Vacik J,
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of H2-breath testing in gastrointestinal
* Produtos brasileiros diseases: the Rome Concensus
Conference. Aliment. Pharmacol. Ther.
2009; 30: 1-49.
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Regras gerais

1
Teste a quantidade de leite tolerável:
por exemplo, meio copo duas vezes
ao dia.

2 Associe alimentos ao leite (por


exemplo: pão, cereais). Eles podem
minimizar os sintomas pela redução
da velocidade de esvaziamento
gástrico.

3
Existem, no mercado nacional, leites
fluidos com redução de lactose, que
podem ser recomendados.

4
Estimule a prática de ingestão de
queijos. Os produtos fermentados
(coalhadas e iogurtes) deverão ser
tentados se necessário (intolerância
Savaiano DA, Boushey CJ, McCabe
GP. Lactose Intolerance Synptoms total ao leite).
Assessed by Meta-Analysis: A Grain
of Truth That leads to Exageration. J.

5
Nutr. 2006; 136:1107-13.
Galvão LC, Troncon LEA, Fernandes Informe ao paciente e familiares que
MIM, Carrer JC, Hyppólito Luciane.
Absorção de lactose e tolerância a não se trata de doença e sim de
diferentes tipos de iogurtes em adultos
com hipolactasia. Arq Gastreoenterol.
comportamento genético normal.
1996; 33: 10-6.
Kull M, Kallikorm R, Lember M. Impact
of molecularly defined hypolactasia,
self-perceived milk intolerance and milk
consumption on bone mineral density
Medicamentos Nos casos de intolerân-
in a population sample in Northern
Europe. Scand J Gastroenterol. 2008;
Existem sob forma de cia grave, sem condições de
27: 1-7. enzimas que desdobram lac- ingestão de quantidades nor-
Di Stefano M, Veneto G, Malservici
S, Cecchetti L, Minguzzi LStrocci
tose, mas não estão dispo- mais de cálcio, recomenda-
A et al. Lactose Malabsorption and
Intolerance and Peak Bone Masss.
níveis no mercado brasilei- se introduzir cálcio medica-
Gastroenterology2002; 122: 1793-9. ro. Segundo os estudos, os mentoso pelo menos a partir
Montalto M, Curigliano V, Santoro
L, Vastola M, Cammarota G, Manna
resultados terapêuticos são do início da puberdade, pelo
R et al. Management and treatment variáveis segundo tipo, dose aumento de velocidade de
of lactose malabsorption. World J
Gastroenterol.2006; 12: 187-91. e resposta individual. crescimento.
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