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As transformações das primeiras décadas do século XX

1. Um novo equilíbrio global


Com a assinatura do armistício pela Alemanha, a 11 de novembro de 1918, terminava o
primeiro grande conflito mundial e ficava aberto caminho para os países vencedores
iniciarem o processo de reordenamento do espaço europeu e do Médio Oriente e de
estabelecimento de uma nova ordem internacional, capaz de garantir a coexistência
pacífica dos povos.
Com os presidentes Clémenceau, da França e Wilson, dos Estados Unidos, e o
primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Lloyd George na direção dos trabalhos, a
Conferência de paz teve início em janeiro de 1919, em Paris, e terminou com a assinatura
de vários acordos. Entre eles, destacou-se o Tratado de Versalhes, assinado pela
Alemanha, pelas consequências que dele advieram para a História da Europa nos anos
seguintes.

A geografia política após a Primeira Guerra Mundial


A Primeira Guerra Mundial terminou com a vitória das democracias do Ocidente
Europeu sobre os velhos impérios da Europa Central e de Leste e do Império Otomano.
➔ O Império Russo
Em consequência da Revolução Socialista de 1917 a Rússia retirou–se do conflito com
cujos motivos deixou de se identificar e o velho império autocrático deu lugar a uma
nova unidade geopolítica republicana de partido único, a URSS, com consideráveis
prejuízos territoriais. Perdeu territórios para a nova Polónia e para a Ucrânia, abandonou
o interesse geoestratégico sobre a Finlândia e assistiu à emancipação dos estados bálticos
da Estónia, Letónia e Lituânia.
➔ O Império Alemão
Derrotada e considerada responsável pela guerra, a Alemanha foi obrigada a abandonar
territórios que passaram a integrar a Polónia e perdeu, definitivamente, as ricas regiões da
Alsácia e da Lorena, que regressaram à soberania francesa. Outros territórios alemães
contribuíram para o alargamento das fronteiras da Bélgica, Dinamarca e Checoslováquia.
Ficou ainda separada da Prússia Oriental pela ligação da Polónia ao mar (corredor de
Danzig).
Limitado no seu espaço, o velho império (2º Reich) deu lugar a uma nova Alemanha, que
pôs fim à monarquia e instaurou uma república.
➔ O Império Austro-Húngaro
O antigo império Austro-Húngaro foi integralmente desmembrado. Sobre os seus
escombros nasceram os novos Estados independentes da Áustria, Hungria e
Checoslováquia. Outros territórios foram integrados nas fronteiras da Itália, da Roménia,
da Jugoslávia, que se constituía como novo país independente, e da Polónia,
geograficamente reconstruída.
➔ O Império Otomano
Herdeiro do antigo Império Romano do Oriente, viu o seu espaço reduzido à atual
Turquia, depois de perder os seus vastos domínios espalhados pelo Médio Oriente, onde
nasceram novos Estados: a antiga Mesopotâmia deu lugar ao atual Iraque, que se
manteve sob influência britânica; a Síria e o Líbano constituíram-se como protetorados
da França; a Transjordânia, a Palestina e o Egito ficaram sob tutela britânica; a Península
Arábica viu surgir o reino independente da Arábia Saudita.
Entretanto, outros Estados que se declararam unilateralmente independentes viram a sua
luta reconhecida pela grande comunidade internacional e passaram a afirmar-se como
Estados de pleno direito.

Na sua grande maioria, os novos Estados constituíram-se como repúblicas parlamentares,


assentes no sufrágio universal e na democracia representativa, consolidando o triunfo da
democracia liberal no Leste e Sul da Europa.

No último dos 14 pontos que serviram de base às negociações de paz, propostos pelo
Presidente Wilson, era feito um apelo à formação de uma organização geral das nações,
que tivesse por objetivo “assegurar as garantias mútuas de independência política e
integridade territorial tanto aos pequenos como aos grandes Estados”.
A organização proposta pelo presidente dos EUA concretizou-se, ainda em 1919, com a
formação da Sociedade das Nações - a SDN.
A organização tinha como objetivo fundamental desenvolver a cooperação entre as
nações e garantir a paz e a segurança. Para isso, os 45 países signatários
comprometiam-se a manter relações francas e abertas fundadas na justiça e na honra e a
salvaguardar a paz pela subordinação rigorosa das suas relações às prescrições do Direito
Internacional. Em conformidade, eventuais conflitos que surgissem entre as partes
contrastantes eram resolvidos pela arbitragem de um órgão judicial - o Tribunal
Permanente de Justiça Internacional.
Para salvaguarda destes princípios, eram previstas medidas tendentes ao desarmamento,
era claramente expressa a obrigação de os estados-membros respeitarem a integridade
territorial e a independência recíproca. Para o Estado que infringisse qualquer dos
princípios acordados eram definidas sanções a aplicar. Finalmente, era também acordado
que a agressão a um dos países membros obrigava os outros a intervir na defesa do país
agredido.
A ordem internacional saída da Conferência de Paz e traduzida nos vários acordos e
tratados assinados não favoreceu o sucesso político da SDN. Com efeito:
● a paz entre vencedores e vencidos não foi “tratada” como pressupõe a designação
dos pretensos acordos estabelecidos entre os países beligerantes. Como mais tarde
hão de clamar os nacionalistas alemães, em particular, os tratados foram “ditados”
(impostos) pelos países vencedores aos países vencidos, que nem sequer
participaram na elaboração dos textos. Desta forma, o fim da Primeira Guerra
Mundial mais não trouxe à Europa do que a afirmação prepotente e humilhante dos
países vencedores sobre os países vencidos;
● entre os vencedores, cedo sobressaíram as tradicionais rivalidades e ambições
hegemónicas interrompidas durante o conflito;
● a distribuição das reparações de guerra gerou descontentamento entre alguns dos
países participantes no conflito, que se consideraram secundarizados nos seus
interesses, como Portugal;
● outros sentiram-se frustrados nos interesses geoestratégicos que tinham motivado a
sua intervenção ao lado dos Aliados. Por exemplo, a Itália, que abandonou a
neutralidade inicial e entrou na guerra ao lado da Tríplice Entente, considerava a
sua vitória incompleta por não lhe ser reconhecido o direito sobre os territórios que
lhe tinham sido prometidos pelas democracias triunfantes;
● na redefinição das fronteiras, a questão das minorias nacionais não foi devidamente
considerada. Por interesses particulares de quem decidia, uma multiplicidade de
povos ficou dispersa por vários dos novos países, sem respeito pela sua identidade
étnica e cultural. Milhões de pessoas decidiram abandonar as suas áreas de
residência e deslocaram-se para os seus novos Estados, dando origem a uma das
mais violentas movimentações de povos da História;
● para complicar mais o sucesso político da SDN, no senado americano triunfou o
tradicional isolacionismo face à política mundial, apenas contrariado pelo
Presidente Wilson. Assim, o Senado recusou ratificar o Tratado de Versalhes, e,
consequentemente, a adesão dos EUA a esta organização. Os senadores americanos
opunham-se às pretensões hegemónicas das potências europeias e mostravam
desagrado com o facto de os vencedores reconstruírem as suas economias à custa
da asfixia dos vencidos.
Assim, a ordem internacional definida pela SDN saía claramente ameaçada pela própria
associação dos países que a instituíram.

O declínio da Europa
Para além das alterações geopolíticas, a Primeira Guerra Mundial provocou profundas
alterações na situação económica e financeira da Europa, o principal palco das
destruições.
● Alterações demográficas. As elevadíssimas perdas humanas, provocadas por
milhões de mortos e estropiados, provocaram alterações na demografia europeia.
Além da diminuição da mão de obra, assistiu-se ao envelhecimento da população e
ao excedente da população feminina, numa altura em que toda a força de trabalho
era pouca para arrancar o processo de reconstrução.
● Perdas materiais. Sobretudo na Europa Central, todo o setor produtivo foi atingido:
solos agrícolas devastados, casas, fábricas e minas destruídas, vias de comunicação
desorganizadas constituíam a imagem de uma Europa em ruínas.
● A inflação galopante. Como a procura excedia a oferta, tornou-se prática o
racionamento dos bens essenciais. Em consequência, os preços galoparam e
tornaram-se incomportáveis para as classes médias de rendimentos fixos, cujos
aumentos nos salários não acompanhavam o aumento dos preços. Para obviar às
dificuldades, os governos limitavam-se a aumentar a massa monetária em
circulação, sem ser acompanhada pelo desenvolvimento do processo produtivo.
Assim, a moeda circulante não tinha correspondência na riqueza dos Estados e
rapidamente perdia o seu valor, agravando ainda mais a inflação.
● Agravamento do défice. A situação económica e financeira da Europa tornava-se
ainda mais complicada pela crescente dependência dos empréstimos e
fornecimentos de material estrangeiro imprescindíveis para o lançamento dos
grandes empreendimentos. Como as exportações eram quase inexistentes,
tornava-se muito difícil equilibrar a balança de pagamentos. A contração de novos
empréstimos era o recurso inevitável dos governos. O agravamento dos Estados era
a consequência imediata.

A ascensão dos Estados Unidos e a recuperação económica europeia


Fornecedores dos países beligerantes e dos mercados mundiais, durante e após da guerra
(na qual só entraram depois de 1917) e possuidores de uma elevada parcela de ouro
mundial, os Estados Unidos apresentavam, em 1919, uma imagem de sucesso, patente
numa prodigiosa capacidade de produção e na prosperidade da sua balança de
pagamentos. Mas a economia americana não ficou imune às dificuldades da Europa. Em
1920-21, registou uma crise breve, mas violenta, relacionada com a diminuição da
procura externa. A produção industrial desceu, o índice de preços caiu e o desemprego
cresceu.
Um esforço na aplicação dos métodos de racionalização do trabalho, a fim de diminuir
os custos de produção, permitiu que muitas empresas, embora com baixa de lucros,
continuassem viáveis. O taylorismo conheceu um período áureo, nos Estados Unidos e na
Europa. A concentração capitalista de empresas tornou-se, igualmente, uma medida
necessária para rentabilizar esforços e relançar a economia dos países industrializados.
Entretanto, a Europa procurava a estabilidade monetária e, depois da Conferência de
Génova e de decididas as medidas a aplicar, já a estabilidade monetária era maior e, para
além do dólar, que nunca perdeu a sua convertibilidade, em 1925, já a libra tinha voltado
a ser convertível em ouro.
Foi, porém, nos créditos americanos que repousou a recuperação económica europeia.
Sabendo como a economia capitalista se enreda numa teia de ligações e
interdependências financeiras, comerciais e industriais a nível mundial, os Estados
Unidos prestaram uma especial atenção às finanças europeias. Empréstimos avultados
seguiram, desde 1924, para a Europa, nomeadamente para a Alemanha, permitindo-lhe
pagar as reparações devidas à França e à Inglaterra. Ficaram estes países, em
consequência, em condições de reembolsar os Estados Unidos das dívidas de guerra e
dos empréstimos entretanto efetuados. A dependência da Europa em relação aos Estados
Unidos estava consagrada.
Entre 1925 e 1929, finalmente, o período capitalista respirou fundo. Sob o lema da
produção em massa para um consumo em massa, viveram-se os anos da prosperidade
americana e os “felizes anos 20” na Europa, caracterizados por um clima de otimismo e
de confiança no capitalismo liberal. A produção de petróleo e de eletricidade conheceu
notáveis progressos, tal como a siderurgia e a química. Eletrodomésticos e automóveis
satisfaziam a febre consumista de americanos e europeus.

2. A implantação do marxismo-leninismo na Rússia


Em outubro de 1917, a Rússia viveu uma revolução que fez do país o primeiro estado
socialista do mundo. Em Marx buscaram os revolucionários a inspiração. Em Lenine
encontraram o líder incontestado e o grande responsável pela implementação dos
princípios marxistas. As suas ideias e ação deram corpo ao chamado marxismo-leninismo
- desenvolvimento teórico e aplicação prática das ideias de Marx Engels na Rússia por
Lenine.

1917: o ano das revoluções


Quando o ano de 1917 se iniciou, o imenso Império Russo, governado autoritariamente
pelo Czar Nicolau II, era palco de inúmeras tensões sociais e políticas. Os camponeses,
que constituíam 85% da população, clamavam por terras, concentradas nas mãos dos
grandes senhores e latifundiários. O operariado, escasso mas fortemente reivindicativo,
exigia maiores salários e melhores condições de vida e de trabalho. Quanto à burguesia e
à nobreza liberal, desejavam a abertura política e a modernização do país.
A contestação política era, por sua vez, protagonizada pelos socialistas-revolucionários,
que reclamavam a partilha de terras; pelos sociais-democratas, divididos em
bolcheviques e mencheviques; pelos constitucionais-democratas, adeptos do
parlamentarismo à maneira ocidental. Uma tímida liberalização, ensaiada após a
Revolução de 1905, falhara completamente.
A participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, desde 1914, na qualidade de país
da Entente, mais não fizera do que agravar as fraquezas do regime. Se a desorganização
da economia, a falta de géneros e a fome justificaram as manifestações e as greves, as
derrotas face à Alemanha estimulavam o anticzarismo.

Num ambiente de generalizado descontentamento e oposição ao czarismo, sucederam-se


na capital do Império, Petrogrado, entre 23 e 27 de fevereiro, grandiosas manifestações
de mulheres, acompanhadas de greves dos operários da cidade. Reunidos numa
assembleia popular denominada Soviete, os operários incitavam ao derrube do czar. A
adesão dos soldados ao Soviete resultou no assalto ao Palácio de Inverno. Desprovido de
apoios, Nicolau II abdicou a 2 de março. O czarismo chegou ao fim e a Rússia tornou-se
uma república.
O Governo Provisório, em cujas mãos ficaram os destinos da Rússia, enfrentou
momentos bem atribulados. Dirigido por Lvov e, depois, por Kerensky, empenhou-se na
instauração de uma democracia parlamentar e na continuação da guerra com a Alemanha,
que acreditava poder ganhar. Entretanto, toda a Rússia se enchia de sovietes que
contavam nas suas fileiras com operários, camponeses, soldados e marinheiros.
Controlados pelos bolcheviques, sobretudo após o regresso, em abril, de Lenine à Rússia,
os sovietes apelavam à retirada imediata da guerra, ao derrube do Governo Provisório
que apelidavam de burguês, à entrega do poder aos sovietes, à confiscação da grande
propriedade. Estas reivindicações estavam incluídas nas famosas “Teses de Abril”,
documento que Lenine divulgou logo que chegou à Rússia. A Rússia vivia uma autêntica
dualidade de poderes.
Em 24 e 25 de outubro, Petrogrado assistiu a uma nova revolução. Milícias bolcheviques,
conhecidas por Guardas Vermelhos, controlaram pontos estratégicos da cidade,
assaltaram o Palácio de Inverno e derrubaram o Governo Provisório nele sediado.
O II Congresso dos Sovietes, reunido em Petrogrado, entregou, de imediato, o poder ao
Conselhos dos Comissários do Povo, composto exclusivamente por bolcheviques. Lenine
ocupou a presidência, Trotsky a Pasta da Guerra e Estaline a das Nacionalidades.
Pela primeira vez na História, os representantes do proletariado conquistaram o poder
político. Exatamente como Marx preconizara: recorrendo à luta de classes e à revolução.

Da democracia dos sovietes ao centralismo democrático


O novo governo iniciou funções com a publicação dos decretos revolucionários que
procuraram responder às aspirações das massas populares e às reivindicações dos
sovietes. O decreto sobre a terra aboliu, sem indemnização, a grande propriedade,
entregando-a a sovietes camponeses.
O decreto sobre o controlo operário atribui aos operários das empresas a
superintendência e a gestão da respetiva produção.
O decreto sobre as nacionalidades conferia a todos os povos do antigo Império Russo o
estatuto de igualdade e o direito à autodeterminação.
Inspiradores e beneficiários diretos dos decretos revolucionários, os sovietes
converteram-se nos grandes protagonistas da Revolução. Daí dizer-se que os primeiros
tempos da Revolução de outubro se viveram sob o signo da democracia dos sovietes.
Circunstâncias várias, no entanto, dificultaram a ação do Governo revolucionário. Depois
de arrastadas negociações em Brest-Litovsk, sob a direção de Trotsky, a Rússia assinou
em 3 de março de 1918 uma paz separada com a Alemanha. Perdeu a Polónia, a Ucrânia,
as províncias balcânicas (Estónia, Letónia e Lituânia) e a Finlândia, ou seja, ¼ da sua
população e das suas terras cultiváveis, ¾ das minas de ferro e de carvão. Foi, segundo
Lenine, uma paz desastrosa mas necessária.
Entretanto, proprietários e empresários criavam os maiores obstáculos à aplicação dos
decretos relativos à terra e ao controlo operário. O regresso de 7 milhões de soldados,
sem hipótese imediata de reintegração na vida civil, a persistência da carestia e da
inflação e o banditismo que se fazia sentir concorreram, igualmente, para a débil adesão
da população russa ao projeto bolchevique.
A resistência ao bolchevismo resultou num dos mais dramáticos episódios da revolução
russa, a terrível guerra civil iniciada em março de 1918 e que se prolongou até 1920.
Custou a vida a 10 de milhões de seres humanos, tendo a grande maioria perecido de
fome, frio e epidemias. Os brancos, designação pela qual ficaram conhecidos os
opositores ao bolchevismo, contaram com o apoio de corpos expedicionários da
Inglaterra, França, Estados Unidos e Japão, desejosos de evitar a expansão do
bolchevismo.
Os desentendimentos gerados nas hostes brancas e o receio das populações do regresso
dos antigos privilegiados contribuíram para o desfecho da guerra: a vitória dos
vermelhos, os bolcheviques, que dispuseram de um coeso e disciplinado Exército
Vermelho, organizado por Trotsky desde janeiro de 1918.
A ditadura do proletariado, conceito-chave da teoria marxista, assume-se como uma
etapa transitória, embora necessária, no processo de construção da sociedade socialista.
Servindo-se da “supremacia política”, o proletariado retiraria “todo o capital à burguesia”
e centralizaria todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, entendido como
representante exclusivo e legítimo do proletariado. Deste modo, se chegaria a um estádio
em que as diferenças sociais se apagavam e o Estado, enquanto instrumento de domínio
de uma classe sobre a outra, deixava de fazer sentido e se extinguia também.
Esse estádio é o comunismo, a que Marx chamava “a forma mais alta da organização da
sociedade”. Nela, o Homem alcançaria o verdadeiro bem-estar, a verdadeira liberdade.
Profundamente fiel ao marxismo, Lenine nunca escondeu os seus propósitos de
implementação imediata da ditadura do proletariado. Na Rússia bolchevista, ela revestiu
de aspetos bem específicos. Um deles relacionou-se com a composição do proletariado.
Marx entendia-o formado pelos operários, vítimas da exploração capitalista. Já Lenine
incluía nele os camponeses, pois tinha em consideração o atraso industrial da Rússia e as
suas estruturas rurais e arcaicas.
Outra especifidade do proletariado na Rússia bolchevista prendeu-se com as condições
em que ela se concretizou, nomeadamente com a resistência aos decretos revolucionários
e o clima da guerra civil vivido. Longe de ceder, porque entendia a construção do
socialismo como uma inevitabilidade, Lenine tomou medidas energéticas. Ficaram
conhecidas pelo nome de comunismo de guerra e conferiram à ditadura do proletariado
um carácter violento e implacável.
A democracia dos sovietes chegou ao fim com o abandono dos decretos revolucionários
que concediam a terra aos camponeses e o controlo das fábricas aos operários.
Toda a economia foi nacionalizada, o que está de acordo com a proposta de Marx de
“centralização dos meios de produção nas mãos do Estado”. Obrigaram-se os
camponeses à entrega das colheitas. Os bancos, o comércio interno e externo, a frota
mercante e as empresas, com mais de cinco operários e um motor, foram nacionalizados.
Ao Estado competia a distribuição de bens de acordo com os novos critérios de justiça
social.
Apelando ao heroísmo revolucionário para desenvolver a produção, o Governo
bolchevique instaurou o trabalho obrigatório dos 16 aos 50 anos; prolongou o tempo de
trabalho; reprimiu a indisciplina; atribuiu o salário de acordo com o rendimento.
Para emancipar o povo e subtrair ao controlo de influências nefastas, o novo poder
soviético apostou na promoção cultural. Combateu-se o analfabetismo e
nacionalizaram-se os museus, obras artísticas, literárias e científicas, declarados
património do Estado e do povo.
A ditadura do proletariado foi, antes de mais, a ditadura do Partido Comunista, nome
adotado pelo Partido Bolchevique. Em janeiro de 1918, a Assembleia Constituinte foi
dissolvida e, até 1922, todos os partidos políticos estavam proibidos - à exceção do
comunista -, tal como os jornais “burgueses”. A mesma orientação seria seguida nos
sovietes, que se viram depurados dos seus membros mencheviques e
socialistas-revolucionários.
O terror institucionalizou-se. A Tcheca, polícia política criada em dezembro de 1917, foi
investida de elevados poderes, na ausência de uma justiça organizada. Prendia os
suspeitos e julgava-os rapidamente. Os campos de concentração proliferavam, tal como
as execuções sumárias.

Desde 1922, a Rússia converteu-se na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas


(URSS), um Estado multinacional e federal cujas repúblicas, iguais em direitos,
dispunham de uma constituição de uma certa autonomia.
Para Lenine, impunha-se que o Estado Soviético fosse forte, disciplinado e democrático,
de modo a garantir a vitória do socialismo. A conciliação da disciplina e da democracia
conseguiu-se com a fórmula do centralismo democrático - princípio básico que norteia a
organização do Partido e do Estado comunistas, segundo o qual todos os corpos
dirigentes são eleitos de baixo para cima, enquanto as suas decisões são de cumprimento
obrigatório para as bases.
Teoricamente, todo o poder emanava da base, isto é, dos sovietes, escolhidos por sufrágio
universal. Tinham âmbito local e regional, cabendo-lhes representar o conjunto das
repúblicas federadas e das nacionalidades no Congresso dos Sovietes, que reunia
anualmente. A este competia, por sua vez, designar o Comité Executivo Central, uma
espécie de Parlamento, dotado de duas câmaras: o Conselho de União e o Conselho das
Nacionalidades. Eram eles que, em conjunto, escolhiam os órgãos do poder executivo: o
Presidium, espécie de chefe de Estado colegial; e o Conselho dos Comissários do Povo,
espécie de conselho de ministros, a quem pertencia o poder real.
A esta estrutura democrática, baseada no sufrágio universal e exercida de baixo para
cima, impunha-se, porém, o controlo de duas forças. Uma exercia-se de cima para baixo,
por parte dos órgãos do topo de Estado, cujas diretrizes eram rigorosamente obedecidas
pelas bases. A outra fazia-se sentir por parte do Partido Comunista, uma hierarquia
paralela ao Estado e que o subordinava. Frequentemente, eram as mesmas personalidades
que desempenhavam funções nos órgãos do Partido e nos órgãos do Estado. Por isso, ao
contrário do Ocidente, onde o Estado é neutro e se distancia dos partidos, na Rússia
comunista o Estado identificava-se com a organização partidária que dele se apropriava.
A hegemonia do Partido Comunista na organização do Estado acabava por fazer dos
sovietes simples elementos de transmissão entre as instâncias dirigentes do Partido e da
população da URSS.
Acrescenta-se que, na ótica de Lenine, tal facto não fazia diminuir o caráter democrático
do Estado soviético, pois o Partido Comunista era o único partido proletário. E a
democracia, tal como Lenine a teorizou, existia unicamente enquanto expressão
exclusiva dos interesses proletários. Lenine chamava-lhe a democracia dos pobres, o que
implicava necessariamente “uma série de restrições à liberdade para os opositores, os
exploradores, os capitalistas”.
O Estado forte e democrático da URSS era, por conseguinte, impensável no quadro do
pluralismo partidário à maneira ocidental, em que os diferentes grupos de opinião e
ideologias têm direito à representação política.

Foi bem alto o preço a pagar pela vitória da Rússia bolchevista na guerra civil
(1918-1920). Em inícios de 1921, a economia do país estava na ruína. A produção de
cereais descera para metade da de 1913. Obrigados à requisição de géneros, os
camponeses não produziam, escondiam ou destruíam as suas colheitas. Depois de um
inverno difícil em 1920-21, a seca do verão de 1921, nas regiões meridionais, fez 3
milhões de mortos de fome. Nas cidades e nas fábricas, a situação não se mostrava mais
favorável. A produção industrial diminuíram ¾ relativamente à de 1913. As minas de
hulha estavam inutilizadas, os caminhos de ferro paralisados.
Em fevereiro de 1921, os operários e camponeses de Cronstadt revoltaram-se contra o
rumo que a revolução socialista tomara. Pediam liberdade de expressão e de imprensa,
eleições democráticas e libertação dos presos políticos. Embora o Exército Vermelho
tenha esmagado a revolta com ferocidade e a ameaça parecesse controlada, Lenine
obteve, de imediato, a autorização do Congresso dos Sovietes para inverter a marcha da
Revolução. O comunismo de guerra cedeu lugar à Nova Política Económica (NEP), um
recuo estratégico que recorreu ao capitalismo, já que o socialismo não deveria edificar-se
sobre ruínas.
Com a NEP, o Governo socialista aceitava a iniciativa privada em setores secundários,
mas essenciais da produção, mantendo no Estado os setores fundamentais da economia.
Assim, era permitido aos setores privados agrícola, industrial e comercial intervir no
mercado com alguma liberdade, para travar o agravamento da carência de bens e de
primeira necessidade. A Rússia conseguiu modernizar-se e, em 1927, a pequena e a
média burguesia dos negócios, os nepmen, e pequenos proprietários rurais, os kulaks,
resultantes da adoção de algumas medidas de tipo capitalista, tinham resposto e até
ultrapassado os níveis de produtividade anteriores à Grande Guerra. Falecido em 1924,
Lenine já não pôde assistir aos resultados da sua Nova Política Económica.

3. A regressão do demoliberalismo
Os anos que se seguiram ao pós-guerra foram atravessados por profundas dificuldades
económicas. Neste contexto, grandes greves e movimentos revolucionários irromperam
na Europa, alimentados pelo exemplo da revolução bolchevique na Rússia Soviética.
Assistiu-se a uma radicalização social e política.

O impacto do socialismo revolucionário


O estímulo fornecido pela Rússia Soviética à causa do socialismo revolucionário
sentiu-se mais fortemente após a fundação em Moscovo, em março de 1919, da III
Internacional, também chamada de Internacional Comunista ou Komintern. Em nome do
princípio marxista do internacionalismo proletário, o Komintern propunha-se a coordenar
a luta dos partidos operários a nível mundial, para que o marxismo-leninismo triunfasse.
Para os bolcheviques russos, o Komintern apresentava-se como uma condição de
sobrevivência da sua revolução. Se outros países aplicassem a ditadura do proletariado,
cessariam os respetivos boicotes e oposições à Rússia Soviética. Lembrar que a Rússia
Soviética, em 1919, estava mergulhada numa guerra civil, na qual os exércitos brancos
dispunham do apoio dos estados europeus. Segundo Lenine e Trotsky, os mentores do
Komintern, a revolução socialista europeia deveria ser conduzida por partidos comunistas
decalcados do modelo russo e fiéis ao marxismo-leninismo.
Em consequência, ao longo dos anos 20, a Europa foi sacudida por uma vaga
revolucionária que evidenciou as dificuldades dos regimes demoliberais. As democracias
europeias assistiram, apavoradas, a tentativas de ocupação do poder por forças inspiradas
no socialismo marxista, na Alemanha ou na Hungria, por exemplo; à ocupação de
fábricas e de propriedades agrícolas, com grande violência na Itália; a um surto de
manifestações e de greves, que se intensificava à medida que se agravavam as
consequências da crise económica, cujos efeitos também se fizeram sentir em Portugal.

A emergência dos autoritarismo


A principal consequência da ação revolucionária da III Internacional foi a eclosão dos
movimentos fascistas por toda a Europa, numa reação violenta e organizada contra o
avanço do comunismo.
Com efeito, os setores conservadores, onde preponderava as classes médias e os
proprietários burgueses, tremeram perante a intensificação da agitação social que punha
em causa a sua propriedade e o seu bem-estar físico, sentiram-se ameaçados e
organizaram-se em movimentos de reação ao avanço do comunismo:
● lançaram violentas e agressivas campanhas anticomunistas;
● apelam ao orgulho nacional, à grandeza do passado, à ordem e à estabilidade que
tinham feito a grandeza das nações, contra as doutrinas socialistas que, com o seu
internacionalismo, punham em causa a coesão nacional;
● culpam a incapacidade dos governos democráticos de resolverem as situações de
crise económica e de instabilidade social;
● denunciam as fragilidades do parlamentarismo geradas nas permanentes lutas
partidárias que inviabilizavam a ação governativa;
● organizam, armam e financiam milícias populares que espalham o terror entre as
organizações socialistas;
● procuram o apoio das altas patentes militares e preparam-se para a luta política.

As classes médias têm diferentes reações:


● alguns setores empobrecidos e proletarizados engrossaram as fileiras da agitação
revolucionária;
● a maioria, todavia, humilhada na sua honra, indignada e revoltada contra a
ascensão de alguns setores do proletariado, amante da ordem e da disciplina,
sente-se facilmente atraída pela propaganda nacionalista e pelas promessas de
autoridade e disciplina anunciadas demagogicamente por forças políticas em forte
ascensão.

Era o tempo das ditaduras que se aproximava com o avanço da extrema-direita e o triunfo
de regimes totalitários na Hungria, em 1920, na Itália, em 1922, na Turquia e na Espanha,
em 1923, na Albânia, em 1925, na Lituânia, na Polónia e em Portugal, em 1926, na
Jugoslávia, em 1929.
Mas era a evolução política da Alemanha aquela que prenunciava consequências mais
trágicas para a História europeia do século XX, já que Hitler e o partido nazi ganhavam
cada vez mais adeptos.

4. Mutações nos comportamentos e na cultura

As transformações da vida urbana


O século XX foi o século das grandes cidades. Esta urbanização maciça, que não parou
de se acentuar, operou transformações profundas na vida e nos valores da civilização
ocidental.

Nas grandes cidades, o indivíduo perde-se no meio da multidão. A via despersonaliza-se


e segue um modelo estandardizado: os citadinos dirigem-se para o trabalho à memso
hora, partilham os mesmos transportes, consomem os mesmos produtos, habitam casas
semelhantes e mesmo os lazeres tendem para a massificação.
O crescimento da classe média e, sobretudo, a melhoria do nível de vida proporcionam
uma nova cultura do ócio, que a cidade fomenta, oferecendo diversas distrações. A
anterior ênfase no trabalho vê-se, pouco a pouco, substituída pelo prazer do consumo e
pela ânsia de divertimento. A convivência entre os sexos tornou-se mais livre e ousada.
Sobretudo após o primeiro conflito mundial, a mulher adquire visibilidade: sai para ir às
compras nos grandes armazéns, para tomar chá e refrescos, para ir à praia, para dançar
num clube noturno.
O advento do automóvel alarga estes espaços de lazer e incute o gosto pela velocidade.
Quem pode desloca-se com frequência, de carro ou de comboio, quer para um dia
passado nos arredores, quer para uma viagem entre as grandes cidades da Europa ou da
América. Este gosto pelo movimento, pela “ação”, fomenta a prática desportiva que, pela
primeira vez, entra nos hábitos do quotidiano. O ritmo de vida, outrora lento e pacato,
acelera-se e, nos anos 20, torna-se quase frenético.
Embora esta nova sociabilidade se confine, em muitos aspetos, às classes médias e
abastadas, é ela que imprime uma marca de modernidade às primeiras décadas do século,
evidenciando a rutura com os valores e as convenções da rígida moral oitocentista.

Subitamente, entre 1914 e 1918, todas as certezas e esperanças depositadas na civilização


ocidental desmoronaram-se. A brutalidade da Primeira Guerra Mundial pôs em causa as
instituições, os valores espirituais e morais, todo o edifício social que tinha sustentado a
ordem burguesa do século XIX.
Quando o conflito terminou, tinham morrido nove milhões de homens e um exército de
estropiados lembrava, a cada instante, a carnificina e a barbárie. A miséria tomara conta
das ruas das grandes cidades europeias, outrora prósperas e ativas.
O impacto da destruição deixou um sentimento de descrença e pessimismo, que afetou
tanto os intelectuais como a gente comum. Do choque da guerra e da decepção por ela
provocada nasceu, pois, a convicção de que o mundo não mais voltaria a ser o que era.
Uma vaga de contestação a todos os níveis abalou a sociedade que, mergulhada numa
profunda crise de consciência, se viu sem referentes sólidos. A família, a
indissolubilidade do casamento, a moral sexual, o papel da mulher, os preceitos
religiosos, as regras de conduta social deixaram de ter um padrão rígido e foram aberta e
sistematicamente subvertidas. Instalou-se, pois, um clima de anomia, isto é, de ausência
de normas morais e sociais que, com clareza, distinguem o certo e o errado.
Este relativismo de valores, que tudo punha em questão, acelerou as mudanças já em
curso que invadiram o dia a dia das grandes cidades. De todas elas, a emancipação
feminina foi, certamente, a que mais perturbou os contemporâneos.

A imagem da rapariga estouvada que, de saia curta e cabelo arrapazado, desafia todas as
convenções marcou, sem dúvida, a década de 20, durante a qual a mulher deu grandes
passos no caminho da sua emancipação. No entanto, ela é apenas o lado mais
escandaloso e fútil do longo e difícil percurso que conduziu à emancipação feminina. O
movimento feminista remonta ao século XIX. Por volta de 1850, as reivindicações
centravam-se no direito das mulheres casadas à propriedade dos seus bens, à tutela dos
filhos (em caso de viuvez, o poder paternal era exercido por um parente masculino), ao
acesso à educação e a um trabalho socialmente valorizado. Em suma, as primeiras
feministas lutaram por alterações jurídicas que terminassem com o estatuto de eterna
menoridade que a sociedade burguesa oitocentista reservava à mulher.
Cerca de 1900, o direito de participação na vida política (direito ao voto) passou a
assumir um papel preponderante nas reivindicações femininas. Organizaram-se então
numerosas associações de sufragistas que, com um enorme espírito de militância,
desencadearam uma luta tenaz pelo voto feminino.
Na Europa, destacaram-se as sufragistas britânicas lideradas pela célebre Emmeline
Pankhurst que viria a marcar o feminismo do princípio do século.
Em Portugal fundou-se, em 1909, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e, mais
tarde, a Associação de Propaganda Feminista (1911), que perseguiram vários objetivos
idênticos aos das suas congéneres europeias e contaram com a dedicação e o esforço de
mulheres prestigiadas como Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Adelaida
Cabete, Mariva Veleda, entre outras.
Com exceção de um pequeno punhado de países como a Austrália ou a Finlândia, as
pretensões políticas femininas chocaram, até à Primeira Guerra Mundial, com uma forte
oposição, sendo alvo de censura e do escárnio dos poderes políticos e da própria
sociedade, maioritariamente conservadora.
As convulsões da guerra vieram alterar este estado de espírito. Com os homens nas
trincheiras, as mulheres viram-se libertas das suas tradicionais limitações como donas de
casa, assumindo a autoridade do lar e o sustento da família. Podiam ser vistas a trabalhar
nas fábricas de armamento, a conduzirem carrinhas e autocarros, a fazerem reparações
elétricas, a carregarem materiais pesados. No campo, realizavam também o trabalho
masculino e mesmo na frente de batalha se tornaram imprescindíveis, assegurando os
cuidados de enfermagem. Este esforço reforçou a autoconfiança feminina e granjeou-lhe
a valorização social que até aí lhe faltava. Nas décadas subsequentes ao final do conflito,
em grande parte dos países ocidentais as mulheres adquiriram o direito de intervenção
política, consolidaram a sua posição jurídica na família e viram aberto o acesso a
carreiras profissionais prestigiadas.

As novas conceções científicas e a descrença no pensamento positivista


Para a crise da consciência europeia contribui também um conjunto de novas descobertas
ocorridas nas ciências físicas e humanas, que, ao abrirem novas perspectivas sobre o
conhecimento, vieram abalar o pensamento positivista que marcou o século XIX.
Logo na primeira década do século, os velhos conhecimentos sobre a constituição da
matéria, considerados imutáveis, são postos em causa pela teoria dos quanta de Max
Planck, segundo a qual não é possível obter-se um conhecimento exato das partículas
constituintes da matéria, mas apenas um conhecimento assente em probabilidades, e
sobretudo pela revolucionária teoria da relatividade, de Albert Einstein, segundo a qual,
em termos muito simples, o espaço e o tempo não eram grandezas absolutas, mas sim
relativas, dependendo uma da outra.
Era um novo caminho que se abria às ciências físicas, que rompia definitivamente com as
certezas objetivas e imutáveis do século XIX.

Nesta conjuntura intelectual, a crença de que o ser humano conseguiria desvendar, com
uma certeza absoluta, todas as leis que regem o Universo e aplicar essas leis a todas as
áreas do conhecimento, incluindo as ciências sociais e humanas, é profundamente
abalada com a formulação de teorias que defendem a existência de áreas do
conhecimento em que a certeza é impossível, não se podendo ir além das probabilidades
e da intuição. Abriam-se novos campos do conhecimentos que, gradualmente, têm de
abandonar o culto do racionalismo clássico, da certeza positivista e adotar a incerteza e o
relativismo.
Da certeza objetiva caminhou-se para a subjetividade do conhecimento. O sujeito que
conhece impõe-se ao objeto que é conhecido, resultando deste pressuposto que todo o
conhecimento é uma construção subjetiva que nunca poderá ser absoluta, mas relativa ao
sujeito e condicionada pelas suas emoções.

Neste campo do conhecimento e no conjunto dos notáveis avanços que se verificaram,


destacou-se Sigmund Freud, com a criação da psicanálise, ao mostrar a importância do
inconsciente no comportamento humano.
Freud chegou à conclusão de que o comportamento do ser humano é também comandado
por impulsos inconscientes, escondidos na profundidade da mente humana. Entre todos,
considerou como dominante os impulsos sexuais - a libido.
Estudou numerosos doentes que sofriam de perturbações mentais e concluiu que muitas
das neuroses resultavam de complexos provocados pelo recalcamento, no inconsciente,
de recordações, pensamentos desagradáveis e de desejos que a pessoa não tinha podido
satisfazer no passado, devido a limitações e proibições de ordem moral e social. Entre
todos, os mais graves eram os que resultavam do recalcamento de tendências eróticas e
de conflitos emocionais em idade infantil. Com a psicanálise, análise dos sonhos e dos
pensamentos, através sua associação livre feita pelo paciente com recurso à hipnose,
Freud pretendeu não só investigar os processos mentais e emocionais que estavam na
base dessas perturbações, mas também procurou trazer à consciência esses recalcamento,
libertando o paciente dos seus complexos e neuroses.
Foi uma revolução nas conceções que definiam o indivíduo como um ser exclusivamente
obediente à razão, capaz de controlar racionalmente todos os seus impulsos através da
sua vontade. A psicologia do inconsciente afirmava-se como ciência.

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