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RESUMO
O crime de receptação está previsto no Código Penal Brasileiro, mais especificamente em seu artigo
180. Diante disso, aquele que, por exemplo, adquire produto proveniente do crime, sendo conhecedor
desta situação, irá responder penalmente pela sua conduta. Trata-se de um tipo penal de extrema
relevância, eis que os crimes de roubo e de furto, tão constantes na sociedade atual, apenas existem
em tamanha quantidade justamente pelo fato de que há diversos indivíduos que se sujeitam à compra
dos produtos deles provenientes, eis que vendidos por valor muito inferior ao de mercado. Portanto,
não há dúvidas de que as penas cabíveis devem incidir sobre estes agentes. Mas, é interessante aqui
sinalizar que no decorrer do processo penal muitas destas pessoas que respondem pelo crime de
receptação alegam ignorância, isto é, que não sabia que o produto adquirido tinha origem ilícita.
Portanto, o fim pretendido neste Trabalho de Conclusão de Curso é averiguar a possibilidade de ser
aplicada a teoria da cegueira deliberada nos casos que envolvem o crime de receptação.
ABSTRACT
The crime of receipt is provided for in the Brazilian Penal Code, more specifically in its article 180.
Therefore, those who, for example, acquire proceeds from the crime, being aware of this situation, will
be criminally liable for their conduct. This is an extremely important criminal offense, as the crimes of
robbery and theft, so common in today's society, only exist in such a large amount precisely because
there are several individuals who are subject to the purchase of products from them, behold, sold for a
value much lower than the market. Therefore, there is no doubt that the applicable penalties must be
imposed on these agents. But, it is interesting here to point out that during the criminal proceedings,
many of these people who are responsible for the crime of receipt claim ignorance, that is, that they
did not know that the product purchased had an illicit origin. Therefore, the intended purpose of this
Final Course Paper is to investigate the possibility of applying the theory of deliberate blindness in
cases involving the crime of reception.
1 INTRODUÇÃO
Há, portanto, três fatores: a) o resultado não é querido pelo agente de forma direta;
b) todavia, entende que ele é possível; e, c) aceita-o.
Para Greco (2017, p. 319), a teoria do assentimento contempla que a
produção do dolo é aceita com indiferença, sendo que o sujeito irá prever o
resultado e, por conseguinte, aceitar os riscos para fins de produção.
Greco (2017, p. 319) também abarca a teoria da representação,
reconhecendo-se o injusto doloso quando se verificar que o sujeito tinha a previsão
do resultado como possível, mas, mesmo assim, não se abstém de praticar a
conduta. Para esta teoria, não há o que se falar na distinção entre dolo eventual e
culpa consciente, eis que o fato de indivíduo prever o resultado já se alavanca uma
conduta a título de dolo.
A respeito da teoria da probabilidade, Greco (2017, p. 319) explicita que esta
teoria “[...] trabalha com dados estatísticos, ou seja, se de acordo com determinado
comportamento praticado pelo agente, estatisticamente, houvesse grande
probabilidade de ocorrência do resultado, estaríamos diante do dolo eventual”.
Por fim, tomando como base o conteúdo inserto no artigo 18, inciso I, do
Código Penal, tem-se que a norma penal brasileira adotou tanto a teoria da vontade,
quanto do assentimento, caracterizando-se o tipo doloso nos casos em que o sujeito
efetivamente deseja a produção do resultado, além das hipóteses em que não
deseja de maneira direta, mas assume o risco para produzir, nos moldes de Greco
(2017, p. 320).
Cumpre ainda analisar as espécies de dolo, residindo, basicamente, no fato
de que a sua distinção primordial recai sobre o fato de ser direto e indireto O dolo
direto, na concepção de Greco (2017, p. 320), condiz com o dolo por excelência, de
tal modo que o indivíduo se comporta para o fim de praticar a conduta descrita no
tipo, com vontade e consciência. É, portanto, a incidência expressa do conteúdo
inserto no artigo 18, inciso I, do Código Penal.
O mesmo entendimento é apontado por Capez (2015, p. 371), sinalizando
que o dolo direto, igualmente nominado como determinado, reside na vontade de
realizar a conduta e, como consequência, produzir o resultado. Assim sendo, o
agente quer a produção do resultado de forma direta.
Por outro lado, cabe trazer a definição a respeito do dolo indireto, que, na
concepção de Nucci (2019, p. 549), consiste na vontade dirigida para o atingimento
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Assim sendo, segundo bem explanado por Bitencourt (2012, p. 854), percebe-
se de modo nítido que o bem jurídico que é objeto de proteção no caso em tela
consiste no patrimônio, podendo ser ele público ou privado. Levando-se em
consideração que a posse igualmente abarca um instituto de suma importância,
igualmente é passível de ser objeto de roubo ou furto.
A respeito do tema em apreço, Masson (2018, p. 627) fala na autonomia da
receptação, de forma que, muito embora seja compreendida como um crime
acessório, eis que intimamente vinculada à prática de um delito anterior, prescinde
que subsista o conhecimento relativo à autoria ou a possibilidade de punição. Dentro
deste enfoque, apenas se mostra indispensável à existência material do crime
anterior, o que leva a crer em uma independência relativa.
Além do mais, Masson (2018, p. 628-629) desmembra que para fins de
caracterização do crime de receptação prescinde que o crime anterior seja de
idêntica natureza. Portanto, com o escopo de preencher este pressuposto, basta que
o crime anterior seja compatível com a futura receptação. Ainda, o crime se
implementará ainda que a ação penal seja exclusivamente privada ou se esteja
diante de uma ação penal pública condicionada e a vítima se quedar inerte.
Portanto, o que se requer é que o crime de receptação se desencadeie como
verdadeiro produto do crime, ou seja, provenha de seu resultado, pouco importando
ser mediato ou imediato. Ainda, é relevante esclarecer que pouco importa que o
produto tenha substituído por outro, eis que, mesmo assim, restará configurada a
receptação. Isso porque, não há o que se falar no desaparecimento da ilicitude em
razão da sub-rogação da coisa, de acordo com Bitencourt (2012, p. 858). Frise-se
que o resultado do crime pode ser tanto mediato, quanto imediato.
Nesse particular, é interessante também abranger que no termos do
parágrafo 5.º, do artigo 180, “Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o
juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na
receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155”.
De acordo com Estefam (2018, p. 534-536), se está diante, aqui, da
receptação privilegiada, aplicando-se mais especificamente na modalidade de
receptação culposa e dolosa simples. Assim sendo, verificando-se que o criminoso é
primário, aliado ao fato da coisa ser de pequeno valor, plenamente viável que o
magistrado promova a substituição da pena de reclusão pela detenção, abrindo-se
também a possibilidade de minimizar a sanção de um a dois terços, podendo aplicar
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3.2 RECEPTAÇÃO
É importante esclarecer, desde logo, que o caput, do artigo 180, traz em seu
bojo o tipo geral que pertine a receptação. Elenca, para tanto, diversos verbos,
como, por exemplo, adquirir ou conduzir coisa que sabe ser proveniente do crime,
tanto em proveito próprio, quanto em proveito de terceiro. Nesse passo, a pena
cominada é de um a quatro anos de reclusão, sem prejuízo de multa.
Observe o contido no dispositivo em discussão: “Adquirir, receber, transportar,
conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de
crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena -
reclusão, de um a quatro anos, e multa”.
Em relação ao objeto material, Capez (2018, p. 464) assimila se tratar do
produto do crime, qual seja, a coisa proveniente da prática de crime anterior, cuja
conduta criminosa igualmente se desencadeou em face do patrimônio. Veja-se, aqui,
que o entendimento que sobressai é que o produto do crime deve ser uma coisa
móvel, ou, ainda, o semovente.
Esse mesmo entendimento é partilhado por Bitencourt (2012, p. 856),
explanando que o objeto de receptação apenas pode ser a coisa móvel, muito
embora inexista no bojo do Código Penal Brasileiro qualquer exigência explícita
neste sentido. Para fins de receptação, é imprescindível que reste viabilizado o
deslocamento da coisa furtada, roubada ou extorquida.
Nesse passo, há de ser mencionado o fato de o indivíduo saber que o objeto
material que está adquirindo é produto do crime se constitui como sendo verdadeiro
requisito típico, como ocorre, por exemplo, com um relógio que foi furtado ou joias
que foram subtraídas. Para Estefam (2018, p. 529), não há o que se falar em delito
na hipótese em que a conduta incide sobre o instrumento, ou, ainda, sobre o preço.
A respeito do sujeito ativo, Nucci (2019, p. 716) enfatiza que qualquer pessoa
pode figurar como autora do crime, ao passo que o sujeito passivo consiste no
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proprietário, ou, ainda, no possuidor da coisa que condiz com o produto do crime.
Ressalta, neste contexto, que a aplicação do princípio da insignificância aos casos
concretos requer a presença de alguns requisitos, a saber: mínima ofensividade da
conduta, ausência de periculosidade social relativamente à ação, mínimo grau de
reprovação quanto ao comportamento desencadeado pelo agente e, ainda, a lesão
jurídica deve ser inexpressiva.
Diante destas circunstâncias, entendeu o julgador pela inaplicação do
princípio da insignificância no caso em discussão, sob o fundamento de que a parte
recorrente é duplamente reincidente, circunstância que inviabiliza a incidência do
aspecto principiológico na situação em voga, conforme Nucci (2019, p. 716).
Averigua-se que o caput, do artigo 180, dispõe a respeito da receptação
simples, que, de acordo com Greco (2017, p. 951-952), alavanca duas espécies,
quais sejam, a receptação própria e a receptação imprópria. Diante disso, será
própria a partir do momento em que se evidenciar que o comportamento do agente
se encaixa perfeitamente a uma das hipóteses transcritas no dispositivo.
Tomando como base os ensinamentos de Estefam (2018, p. 529), a
receptação simples engloba uma série de verbos, como “adquirir”, “receber”,
“ocultar”, “transportar” e, ainda, “conduzir”. Frise-se, ainda, que na hipótese em que
o sujeito praticar mais de uma conduta não restará caracterizado o concurso de
crimes, eis que, diante do princípio da alternatividade, consubstancia-se o
reconhecimento de um delito único.
Mais precisamente em relação à receptação imprópria, Cunha (2017, p. 414)
ensina que o agente do delito não será o receptador, mas sim aquele que proceder
para o fim de influenciar um terceiro, para, por exemplo, adquirir a coisa proveniente
do crime. Todavia, é oportuno esclarecer que o terceiro deve agir de boa-fé, pois,
carecendo tal atributo, figurará como receptador próprio, de forma que o
influenciador irá encenar como partícipe.
De acordo com Greco (2017, p. 952), a receptação será imprópria quando o
indivíduo incorrer na parte final da regra, que contempla a influência exercida sob
terceiro: “Denomina-se imprópria a receptação quando o agente leva a efeito o
comportamento previsto na segunda parte do caput do art. 180 do Código Penal, ou
seja, quando influi para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”.
No que tange o elemento subjetivo, Bitencourt (2012, p. 910) esclarece que
no aspecto doloso há duas questões a serem observadas. A primeira delas reside
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montar, remontar, vender, expor à venda e utilizar, de qualquer forma, coisa que
deva saber ser produto de crime”. Esta modalidade é punida a título de dolo.
Diante disso, conforme bem assevera Cunha (2017, p. 417), não há dúvidas
de que a receptação qualificada traz em seu bojo uma série de verbos que
viabilizam a configuração do tipo penal, como, por exemplo, “ter em depósito”,
“montar” e “expor à venda” de coisa que o agente deva saber que é proveniente de
produto de crime.
Paz (2020, p. 63) ainda enfatiza que “Se esse grupo não desconsiderasse
todas as circunstâncias de que a origem do objeto é ilícita, colaborando para uma
sociedade melhor ao recusar a compra desses objetos [...]”tanto os crimes de
receptação, quanto de lavagem de dinheiro, não necessitariam estarem tipificados
no Código Penal Brasileiro.
Para Sannini Neto (s.d., p. única), não se está diante, aqui, da incidência da
responsabilidade penal objetiva, eis que, para fins de aplicação da teoria da cegueira
deliberada, é relevante que o conjunto probatório traga em seu bojo a efetiva
demonstração de que o agente tinha motivos suficientes no sentido de suspeitar da
origem ilícita do bem, mas, fechou os olhos para o que não era de seu interesse.
Assim sendo, considerando as explanações de Paz (2020, p. 63) a teoria da
cegueira deliberada ganha espaço nos crimes de receptação a partir do momento
em que o indivíduo deixa de lado a vantagem indevida que restou obtida de um
terceiro, possibilitando a sua condenação em razão de ter fechado os olhos para a
origem ilícita do bem.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É indiscutível que esta teoria não tem aplicação quando se estiver diante dos
crimes culposos, mas apenas dolosos. Isso porque, o agente deve agir de maneira
deliberada, com consciência e vontade.
Observando-se o entendimento jurisprudencial, há posicionamentos do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e do Superior Tribunal de justiça que
aplicaram a teoria da cegueira deliberada em situações submetidas ao seu crivo,
tornando-se mais flexível o campo de incidência deste instituto, o que é bem
importante em uma sociedade que constantemente adquire produtos provenientes
de origem ilícita (furto e roubo), incentivando cada vez mais a prática destes delitos.
REFERÊNCIAS
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