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Paulo Fochi
Escuta
Observar é um modo de escutar o mundo do outro. E escutar, o que é? Comecemos com um
vídeo “Como aprender a escutar o outro” do psicanalista Christian Dunker
https://www.youtube.com/watch?v=Zo-jk4kVtE8
O exercício de escutar, para além do que literalmente associamos à palavra escuta, está o de
exercitar a alteridade, ou seja, de conseguir ver-perceber-escutar-acolher o outro a partir do
outro e não a partir de nós mesmos. Portanto, pensar a escuta como renúncia de si e suspensão
de nossas ideias é um exercício difícil e que precisa ser problematizado se pretendermos
observar o cotidiano pedagógico para transformá-lo, já que a transformação parte do
pressuposto de aprender a explicitar o que está dado.
#DICA
Recentemente foi publicado o livro “O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode
transformar vidas” de Christian Dunker e Cláudio Thebas. A obra é um belo convite para pensar
a arte de escutar na vida cotidiana.
1ª parte
Assista esse vídeo. Ele estará com legendas em árabe. Isso mesmo, em árabe. A ideia é que você
não se prenda nas palavras, mas nas expressões de Francine. Enquanto assistir o vídeo de
Francine em árabe, tome nota do que você sente ao olhar para o modo como Francine narra
uma certa rapsódia de sua vida.
https://www.youtube.com/watch?v=WLN3Al5BeNM
Se na primeira vez que assistir o vídeo não conseguir perceber nuances na expressão de
Francine, veja outra vez. Quem sabe: maximize o vídeo na tela, de pausas e procure se
concentrar no que você está conseguindo perceber, se atente para as diferentes matizes da voz
de Francine, se atente aos silêncios.
2ª parte
Agora veja a história de Francine com legenda em português. Escreva em poucas palavras sobre
o que Francine narrou.
https://www.youtube.com/watch?v=s5zpv-JyBAk
Compare o que você sentiu sobre a história de Francine ao ver o primeiro vídeo (em árabe) e
quando você escutou a história de Francine com a legenda em português.
É importante observar que quando nos propomos a observar e escutar o mundo do outro, há 2
sempre uma diferença entre o mundo como o outro narra e o mundo como nós o vemos e
narramos. Compreender que nosso ponto de vista é só um ponto de vista, nos ajuda a
problematizar e compreender a complexidade daquilo que observamos.
****
Marianella Sclavi fala que um bom ouvinte é um explorador de mundos possíveis. Exercitar a
escuta da história de Francine sem compreender sua língua é como quando nos aventuramos a
olhar um bebê explorando e descobrindo o mundo. Precisamos estar atentos a todos os gestos,
pausas, olhares. Se encararmos o outro como um desconhecido, talvez isso também altere nosso
estado de atenção para querer saber, ver, ouvir, sentir.
Veja as sete regras para a escuta ativa que Marianella Sclavi destaca:
1 - Não tenhas pressa de chegar às conclusões. As conclusões são as partes mais efêmeras do
que estás buscando.
2 - Aquilo que vê depende da perspectiva em que cada um se encontra. Para conseguir mudar
teu ponto de vista, deve mudar de perspectiva.
3 - Se quiser compreender aquilo que o outro está dizendo, deve assumir que ele tem razão e
lhe perguntar para te ajudar a ver as coisas e os acontecimentos a partir da perspectiva dele.
7 - Para tornar-se um especialista na arte de escutar deve adotar uma metodologia humorística.
Mas quando aprende a ouvir, o humorismo vem de si mesmo.
Fonte: https://www.ascoltoattivo.net/le-7-regole/
#DICA
No livro “Diálogos com Reggio Emilia” de Carla Rinaldi, há um texto dedicado a escuta. O capítulo
4 – Documentação e Avaliação: como se relacionam, a autora aborda sobre o conceito da
Pedagogia da Escuta no pensamento de Loris Malaguzzi e estabelece uma relação entre essa
metáfora com o conceito da documentação pedagógica e da avaliação.
Se gostou do tema e desejar saber mais, acesse esse livro Escuta e observação de crianças:
processos inspiradores para educadores organizado pela antropóloga Adriana Friedman.
https://www.academia.edu/36620650/Escuta_e_observa%C3%A7%C3%A3o_de_crian%C3%A
7as_processos_inspiradores_para_educadores
Sobre a atenção, as autoras recuperam duas acepções do dicionário para a palavra: (i) a
“concentração da atividade mental em um objeto determinado” e (ii) “a concessão de cuidados,
gentilezas ou obséquios”. Nesse sentido, elas destacam que no caso de uma visitação a uma
exposição de artes, mesmo antes da obra em si, “o principal efeito de estarmos atentos se realiza
em nós. [...] A experiência da atenção em si e já em seus primeiros instantes (da disponibilidade
para atender ou do estado de atenção) transforma profundamente o sujeito.
Partindo dessas ideias, as autoras organizam uma espécie de jogo de cartas que convida o
visitante da Bienal para estar atento não apenas para as obras em si, mas também para sua
relação com as obras. Segundo Helena e Lilian, “a atenção levava o observador à sua relação
com a obra e não em relação a alguma compreensão ou percepção consideradas mais
adequadas.” Essa ideia de assumir a subjetividade de quem está em relação com a obra também
pode ser uma grande estratégia para nós educadores que nos colocamos diante de uma cena
educativa para olhar. É preciso também pensar no nosso mundo que olha, que se coloca diante 4
de algo para querer compreender, sentir, refletir.
Assim, as autoras convocam o que Jan Masschelein e Maarten Simons problematizam sobre a
atenção: “A atenção não nos oferece qualquer perspectiva, mas se abre ao que lhe é
apresentado como evidência. Atenção é a ausência de intenção. Trata-se de suprimir o
julgamento e implica também uma espécie de espera”. Também recorrem a filósofa francesa
Simone Weil para afirmar que “a condição para a atenção é um olhar e não um apego” e, com
essa pista, acrescentam que “nessa condição é possível deixar de lado, pelo menos
temporariamente, aquilo que acreditamos, gostamos, conhecemos para entrar em contato com
a obra de outra maneira”. No nosso caso, a obra representa todas as cenas pedagógicas que
queremos nos colocar atentos para efetivamente conhecer.
#DICA
Para ler o texto na íntegra, veja o texto O exercício de atenção das autoras Helena Freire Weffort
e Lilian L’Abbate Kelian, no caderno do material educativo disponível no link a seguir, entre as
páginas 34 e 55.
http://exercicio33.org.br/
Antes de tudo: reserve um momento de um dia do seu trabalho para fazer esse exercício. Avise
seus colaboradores de que durante um certo tempo você não poderá atender a ninguém pois
precisará se envolver com essa prática estética de atenção ao cotidiano pedagógico. Assim que
conseguir fazer isso, atente-se ao seguinte protocolo:
A EMOÇÃO DO ENCONTRO
Nesse exercício de atenção, não iremos definir o que você irá se dedicar a estar atento, já que
“o fato de não sabermos qual seria a obra observada [leia-se, a cena pedagógica] nos deixava
em alerta, nos preparava para a experiência”. Por isso, ande pela escola observando e
atentando-se ao seu entorno. Observe a si inicialmente: aos seu ritmo andando pela escola, ao
que está a sua volta, às suas escolhas de focagem do olhar, até você se perceber fisgado por
algo.
SUSPENSÃO DO GOSTO
IMERSÃO NA CENA
Observe a cena que te capturou “possibilitada pelo tempo de atenção à obra [leia-se cena
pedagógica] e pelo mergulho que toda a experiência provoca”. Se dedique a realmente estar de
fora da cena e olhar para ela. Não se envolva com a cena. Perceba como essa cena se relaciona
com o seu entorno. Permaneça atento a cena buscando renunciar aos seus gostos ou suas ideias
do que poderia ali acontecer. Fique por mais de 10 minutos observando.
DESLOCAMENTO NARCÍSICO
Com o propósito de “abrir-se a uma experiência em que o observador não ocupa lugar central”,
com o celular no modo avião (e isso é bem importante para não desviar sua atenção), registre 1
minuto da cena. Assista ao vídeo que acabou de fazer e volte a ficar atento a cena. Volte a
registrar mais 1 minuto da cena, mas agora com algum tipo de modificação: zoom, filtros, entre
outros. Assista ao vídeo que acabou de fazer e volte a cena.
Para pensar a respeito do quanto “a obra [leia-se a cena] age em você”, escreva como você está
se sentindo após o momento em que se dedicou a olhar a cena. Faça anotações livres com base
na experiência que você teve com a cena e dedique-se apenas às suas divagações, rabiscos...
No site da Bienal você encontra todos os cards do jogo criado para o exercício a atenção na
visitação a Bienal. Clique aqui e baixe esse material: http://exercicio33.org.br/
E você pode assistir um vídeo em que o curador da 33ª Bienal, Gabriel Pérez-Barreiro, discute
sobre o propósito de fazer uma Bienal com essa temática. Pode ser inspirador para outros
campos da vida. Veja esse e outros vídeos aqui:
http://www.bienal.org.br/exposicoes/33bienal/videos/6687
Nesse exercício estético, a ideia foi propor um caminho que ajude a pensar o estado da atenção
como uma suspensão do eu, para acolher a emoção do acontecimento e ajudá-lo a entrar
efetivamente em contato com a cena pedagógica.
Para fechar as reflexões aqui propostas em torno da observação, vamos pensar em algumas
ideias sínteses que podem ajudar no exercício de escuta e de atenção para construirmos
referentes para a observação.
Para elaborar essas ideias, recorro para algumas perguntas que Alfredo Hoyuelos sugere como
exercício auto reflexivo a ser feito durante uma prática de observação.
• Localize os seus desejos quando observa. Tente separá-los da cena que está observando.
• De que paradigma observa? Identifique suas crenças teóricas para compreender o modo
como está observando e interpretando.
Esse roteiro pode ser interessante para nos ajudar a pensar sobre a observação e a estruturar a
observação realizada. Essas são algumas das tantas perguntas que podem guiar o olhar. Reflita
com sua equipe quais dessas perguntas fazem sentido e quais são as outras que podem lhe
ajudar a olhar.
#DICA
Também pode ler a reportagem que a jornalista Carmen Guerreiro escreveu sobre a observação
na Educação Infantil para a revista Educação
https://www.revistaeducacao.com.br/educacao-infantil-observacao-essencial-para-realizacao-
do-projeto-pedagogico/