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A adesão da Turquia à União Europeia: perspectivas e desafios

contemporâneos

Gabriel Rezende Cruz1

Resumo: ​A adesão da Turquia à União Europeia (UE) é um dos casos mais controversos na
sua política de alargamento desde a sua criação como a instituição que conhecemos hoje, em
1992, através do Tratado de Maastricht. Embora a adesão da Turquia pareça, atualmente,
estar muito distante da realidade, o país está integrado de forma funcional à União Europeia
de múltiplas formas, desde o comércio, política externa e de segurança comum, justiça e
assuntos internos até à cooperação energética. O presente artigo trata, então, da questão da
possível entrada da Turquia na UE, de forma a avaliar as vantagens para ambos os lados da
relação, e as principais barreiras culturais e históricas à adesão.

Palavras-chave: Turquia; União Europeia; questão curda; direitos humanos; vantagens;


desvantagens.

Abstract​: Turkey’s accession to the European Union (EU) is one of the most controversial
cases in its enlargement policy since its creation as the organisation we know nowadays, in
1992, with the Treaty of Maastricht. While Turkey’s accession seems to be further away, it
is, nonetheless, functionally integrated to the EU in multiple ways, ranging from trade,
common foreign and security policy, justice and home affairs to energy cooperation. This
article addresses the question of Turkey's possible entry into the EU and analyses thee
benefits to both sides and the main cultural and historical barriers to accession.

Keywords​: Turkey; European Union; kurdish issue; human rights; advantages;


disadvantages.

1. Introdução
O pedido da Turquia para se juntar à União Europeia, apresentado pela primeira vez
em 1987, tem gerado grande controvérsia entre os Estados europeus nos últimos anos. Desde
o final da década de 1990, a UE avançou consideravelmente nas perspectivas de adesão da
Turquia, embora o pedido em si tenha sido objeto de discussão entre muitos de seus

1
​Graduando em Direito na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 5º período.
Estados-membros. Criou-se, assim, uma sensação de mal-estar europeu, pois muitos
opositores acreditam que a adesão turca criaria uma série de dificuldades específicas para a
UE, além do fato de a Turquia ser vista como um país extremamente discrepante nos planos
social e cultural em relação ao restante da Europa.
A gravidade da controvérsia que a candidatura turca gerou pode ser ilustrada por
declarações e manobras políticas de líderes europeus no período que antecedeu a reunião do
Conselho Europeu de dezembro de 2004, onde se discutiria essa questão. Na época, o francês
Valery Giscard D'Estaing, presidente da Convenção Constitucional (“Convenção pelo Futuro
da Europa”, estabelecida pelo Conselho Europeu para avaliar a adoção de uma Constituição
geral para a UE), advertiu que a adesão da Turquia seria ​"o fim da Europa" e que ​"mudaria a
natureza do projeto europeu”. Já o Comissário Europeu do Mercado Interno, o holandês Frits
Bolkestein, alertou para a ​“islamização da Europa” e declarou que a Turquia como membro
da UE faria com que ​“os esforços de Viena em 1683 tivessem sido em vão”2.
Hoje, treze anos após o início efetivo das negociações, pode-se dizer que essa relação
encontra graves obstáculos, tendo em vista que as referidas negociações de adesão da Turquia
foram praticamente congeladas. Entre os motivos, pode-se destacar o conflito entre a Turquia
e a República do Chipre, a questão curda, o desrespeito aos direitos humanos em território
turco, entre outros, que serão tratados no presente artigo.

2. Contexto histórico
O quadro de negociações entre a Turquia e a União Europeia já é antigo. Desde a
segunda metade do século XX, as relações turcas com o principal eixo político, econômico e
social do continente europeu são constantes e frequentes. A Turquia assinou o Tratado de
Ancara em 1963 para associação com a Comunidade Econômica Europeia (CEE);
candidatou-se à plena adesão à CEE em 1987; aderiu à União Aduaneira com a União
Europeia em 1996; e tornou-se um país candidato à UE em 1999.
Todas essas datas foram marcos importantes na jornada da Turquia em direção à UE.
O ano de 2005, entretanto, marcou a conversão da candidatura turca em um plano

2
​TRAYNOR, Ian. In 1683, Turkey was the invader. In 2004 much of Europe still sees it that way. T
​ he
Guardian. Vienna: Set. 2004. Seção Middle East. Disponível em
<​https://www.theguardian.com/world/2004/sep/22/eu.turkey​>. Acesso em 01 jun. 2018.
efetivamente realista, uma vez que finalmente permitiu o início das negociações bilaterais,
com a previsão de relatórios e elaboração de metas conjuntas entre ambas as partes.

3. Ponto de vista europeu


A questão da adesão da Turquia à União Europeia perpassa, atualmente, por
problemas institucionais da própria organização, que a assombram há algum tempo e que
foram agravados depois da crise econômica mundial de 2008. Tais problemas dizem respeito
à própria base ideológica e aos objetivos da integração europeia em larga escala, que acabam
encontrando discussões controversas, como a Crise da Zona do Euro.
Geralmente, os membros da UE que apoiam um bloco de livre comércio baseado nos
direitos econômicos não se opõem à Turquia tão veementemente quanto aqueles que apoiam
uma união política mais ampla. Estes últimos, em particular, estão preocupados com o fato de
a unificação ser frustrada e o projeto europeu ser ameaçado pela inclusão da Turquia.3
Assim como em qualquer tratado bilateral, são esperadas vantagens de múltiplas
ordens, tais como melhorias socioeconômicas, políticas, culturais e de cooperação
internacional, principalmente no que concerne à segurança dos Estados-membro da União
Europeia. Ao mesmo tempo, espera-se que as partes façam concessões para melhor conduzir
os objetivos almejados.

3.1. Vantagens
Pode-se dizer que os termos econômicos da possível adesão são certamente os mais
tangíveis. Afinal, a União Europeia e a Turquia já estão vinculadas por um acordo de União
Aduaneira desde 1996. O acordo promove uma notória facilitação para o comércio exterior
de ambas as partes, de modo que os principais destinos das exportações da Turquia são4 a
União Europeia (56,4%), a Rússia (4,4%), os ​Estados Unidos (3,9%), os Emirados Árabes
Unidos (3,0%) e o Iraque (2,6%), enquanto suas principais importações provêm da União
Europeia (40,8%), da Rússia (14,0%), da China (7,9%), dos Estados Unidos (4,8%), do Irã
(3,9%) e da Suíça (3,1%). A União Europeia, portanto, figura como a absoluta e principal
parceira econômica da Turquia em todos os pólos econômicos. A relação travada por essa

3
​ROMPUY, Van. “​Turkey will never be part of Europe”. 7 de junho de 2015.
4
​GARCÍA, Susana. “A União Aduaneira Turquia - União Europeia”. ​EENI - Escola de Negócios &
Universidade Hispano-Africana de Negócios Internacionais, 2010.
União Aduaneira não cobre pouquíssimos setores comerciais, como os produtos
agroalimentares, o carvão e o aço, que podem ter seu quadro revertido na hipótese de
membresia turca na UE. Assim, dar as boas vindas à Turquia significaria, para a UE, um
novo mercado de cerca de 70 milhões de consumidores, bem como laços mais estreitos como
o Oriente Médio e a Ásia Central, que seriam mediados pelo país candidato.
Em termos demográficos e sociais, a adição da Turquia aos membros da UE
representaria uma possível solução a um problema - já antigo - enfrentado pelos países mais
desenvolvidos da Europa, referente ao envelhecimento populacional em decorrência da
conclusão do processo de transição demográfica5. A Turquia, assim como outros países
menos desenvolvidos, apresenta um superávit populacional, isto é, uma taxa de natalidade
maior que a taxa de mortalidade. Consequentemente, o país conta com uma força de trabalho
muito mais jovem do que a UE - 60% de sua população está abaixo dos 35 anos. O
alargamento da parcela mais jovem da população beneficiaria diretamente os números da
PEA (População Economicamente Ativa) da UE e traria outros benefícios de ordem
econômica como reflexo da superação do déficit demográfico europeu.
Em termos geopolíticos, a UE gozaria de uma localização geoestratégica de sumária
importância para as suas relações internacionais: o eixo Europa-Ásia, ainda com fronteiras
comuns com o Oriente Médio. Isso significaria um maior empreendimento e controle sobre a
rota comercial de commodities primordiais no comércio internacional, como o petróleo e o
gás. Ter uma Turquia democraticamente estável dentro da União Europeia significaria, para o
bloco, uma chance de exercer seu ​soft power6 em países do Oriente Médio e demais vizinhos.
Por fim, as vantagens de teor político são sustentadas tanto por um viés prático,
quanto por um viés histórico. Há décadas, o senso comum e o imaginário político de que
Malta, Chipre e Turquia fazem parte da Europa vem aumentando. Trata-se de crença que o
contexto da Guerra Fria acabou por reforçar, tendo a Turquia aderido ao Conselho da Europa,
em 1949, e à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 1951, tornando-se

5
​“Transição demográfica” é um conceito que descreve a dinâmica do crescimento populacional, decorrente dos
avanços da medicina, urbanização, desenvolvimento de novas tecnologias, taxas de natalidade e outros fatores.
Dizer que um país completou o processo de transição demográfica significa dizer que as taxas de natalidade e
mortalidade se encontram muito baixas, de modo que estabilizam o crescimento populacional, tendo por
consequência uma taxa de crescimento natural nula ou negativa.
6
​“Soft power” é uma expressão usada na ​teoria das relações internacionais para descrever a habilidade de um
corpo ​político - um ​Estado​, por exemplo - para influenciar indiretamente o comportamento ou interesses de
outros corpos políticos por meios ​culturais​ ou ​ideológicos​.
uma entidade primordial do dispositivo estratégico ocidental no Mediterrâneo Oriental.7
Ademais, o exército turco é o segundo maior da OTAN, com cerca de 700.000 soldados,
perdendo apenas para o exército dos Estados Unidos8. ​Ao permitir a adesão da Turquia, a UE
se posicionaria de forma clara e efetiva como adepta de uma política multilateral. De acordo
com Carlos Coelho, deputado do Parlamento Europeu, ​“a UE será mais segura ao integrar
uma Turquia laica e democrática dentro dos seus membros do que ao barrar a sua entrada e
fechar-se dentro das suas próprias fronteiras. Para ser uma potência global, a UE deve
aceitar o multilateralismo e ter ligações estratégicas com os seus vizinhos.”

3.2. Desvantagens
A principal desvantagem aparente do casamento entre a União Europeia e a Turquia -
e a que mais preocupa diversos líderes políticos conservadores - é o aumento exponencial do
fluxo migratório da população turca, uma vez que a Turquia, caso aceita na UE, gozaria do
benefício da livre circulação de pessoas, tanto de trabalhadores, quanto de estudantes. Essa
ideia é vista com certa desconfiança por países influentes, como a França e a Alemanha, e foi
um dos argumentos utilizados pelo Reino Unido no ​Brexit, seu processo de saída da União
Europeia. Isso porque, apesar de a Turquia ser um gigante populacional (sua população
representa cerca de 15% da população total da configuração atual da UE), o seu PIB equivale
a apenas 2% do PIB geral da UE. O PIB per capita, também inferior em uma lógica
comparada, representa menos de 30% do PIB per capita médio da UE. Tal disparidade de
renda motivaria a busca de empregos, por parte dos turcos, em outros países, que oferecem
salários mais altos e melhores condições de vida.
Após o alargamento de 2004, a UE abriu as portas a países com condições
socioeconômicas semelhantes às da Turquia atual, como ​Chipre, Estônia, Hungria, Letônia,
Lituânia, Malta e Polônia. De acordo com o relatório anual de 2007, elaborado pela Comissão
Europeia, o ​Reino Unido, ao não impor restrições à livre circulação de trabalhadores, atraiu
cerca de 500.000 trabalhadores da Europa Central e Oriental em menos de 3 anos. O
alargamento previsto para a entrada da Turquia poderia trazer estatísticas semelhantes e/ou
agravadas para outras áreas da Europa, tendo em vista seu contingente populacional. Como

7
​LEITÃO, Augusto Rogério; BARRINHA, André. "​A União Europeia e a Turquia: ambiguidades e
indefinições para a presidência portuguesa", 2007.
8
​Commission of the European Communities. ​Turkey 2005 Progress Report, Bruxellas: Nov. 2005.
foi observado anteriormente, o movimento de mão-de-obra da Turquia poderia trazer
benefícios econômicos aos países da UE, mas também poderia trazer problemas de ordem
social: problemas que vão do ressentimento dos trabalhadores nacionais a pressões sobre os
salários.
Outra grande preocupação diz respeito ao fato de que, se aceita, a Turquia se tornaria
o segundo maior Estado da União Europeia, atrás apenas da Alemanha, desbancando gigantes
como França, Reino Unido e Itália. ​A atribuição de votos no Conselho Europeu é feita em
relação ao número de habitantes que cada Estado-Membro possui. ​De acordo com as regras
da Constituição Europeia, modificada pelo Tratado de Lisboa, as políticas públicas comuns
dependem de uma maioria de dois terços dos europeus.9 Nesse paradigma, o papel que poderá
vir a ser exercido pela Turquia no processo de tomadas de decisões será demasiadamente
grande para um membro tão novo e tão controverso. Os grandes países europeus não estariam
dispostos a perder a sua influência com a entrada de um membro igualmente poderoso e que,
aliado com outros Estados, poderia ditar as regras do jogo europeu.

4. Ponto de vista turco


O ponto de vista turco na situação baseia-se muito na história do território e da
população. Culturalmente falando, a origem do Cristianismo oriental se deu em Byzantium,
que posteriormente se tornou Constantinopla. Da mesma forma, a civilização helênica nasceu
em Anatólia, região que hoje em dia compõe a maior parte do território turco.
Os laços da Turquia com a Europa se iniciaram ainda na época do Império
Turco-Otomano, primeiro em sua aliança com a França Católica contra o Império Habsburgo,
na Áustria-Hungria, e posteriormente, com a Grã-Bretanha contra a Rússia.10 O estado turco
surgiu após a desintegração do Império Turco-Otomano, ao fim da Primeira Guerra Mundial.
A partir de então, iniciou-se o processo de aproximação do país à civilização
ocidental, com medidas como a substituição do alfabeto árabe pelo alfabeto latino, a

9
​PEREIRA, Miguel Lourenço. Turquia na UE: os contras. ​JPN. Porto: Nov. 2004. Seção Mundo. Disponível
em <​https://jpn.up.pt/2004/11/25/turquia-na-ue-os-pros/​>. Acesso em 01 jun. 2018.

10
​DUMITRESCU, Cristian Sorin; STOICA, Marcela Monica; POPA, Marian. “​Turkey and European Union:
Realities and Perspectives”, 2014.
instituição de um novo Código Civil, inspirado no suíço, a abolição da poligamia, a
concessão do direito de voto às mulheres, entre outras. Diferentemente da Primeira Guerra
Mundial, em que atuou como aliada da Alemanha, e se posicionou como um estado europeu,
na Segunda Guerra, a Turquia não participou, o que alterou sua imagem.
Os laços entre a Turquia e a Europa hoje em dia são consideravelmente significativos.
Além de fazer parte do Conselho da Europa desde agosto de 1949, de ser fundadora da
Organização de Cooperação Econômica do Mar Negro (cabe destacar também que todos os
seus parceiros econômicos são, sem exceção, europeus), a Turquia também é membro da
OTAN e dispõe do segundo maior exército da organização. Ainda assim, a Turquia
permanecia e permanece até hoje um país de maioria muçulmana e sua cultura é
predominantemente oriental.

4.1. Vantagens
A grande vantagem para a Turquia com sua adesão à União Europeia é
inevitavelmente econômica. Considerado um país em desenvolvimento, a Turquia espera
acelerar esse processo com sua entrada, considerando o poder econômico da organização.
Possibilidades como o maior investimento de países europeus no mercado do turco histórico
e o auxílio financeiro em épocas de crise como foi feito com a Grécia e Portugal em 2008 são
fatores atrativos para a entrada.
Outra possibilidade atrativo são as vantagens do Tratado de Schengen, das quais a
população turca poderá se beneficiar. Há também a possibilidade de pacificar as tendências
separatistas no leste do país com a oportunidade de melhores condições de vida e emprego
devido às políticas de migração da União Europeia11.
Uma possível vantagem para a Turquia que pode ser considerada desvantagem para a
União Europeia é a representação turca no Parlamento Europeu. Segundo o artigo 14, nº 2, do
Tratado da União Europeia, define que a representação dos países no Parlamento deve ser
degressivamente proporcional à sua quantidade de cidadãos, com um mínimo definido de 6
membros por estado e um máximo de 96. De acordo com essa determinação, a Turquia teria
uma representação significativa no Parlamento Europeu, devido à sua população expressiva,
o que garantirá grande influência nas políticas europeias​.

11
ARIN, Kubilay Yado. The AKP's Foreign Policy. Turkey's Reorientation from the West to the East?
Wissenschaftlicher Verlag Berlin. Berlim: 2013.
Para a adesão à União Europeia, a organização estabelece uma série de reformas a
serem feitas pelo país candidato. Estas estão sendo implementadas no país há alguns anos e
vem mostrando repercussão positiva em muitos setores da sociedade turca. Uma mudança
importante tem sido no entendimento de um Estado Democrático de Direito e no âmbito dos
direitos humanos, que atualmente é uma das maiores preocupações da União Europeia.
Práticas como a pena de morte, tortura e trabalho infantil já foram abolidas.
Outra mudança significativa foi no quadro econômico da Turquia, que, para se
adaptar ao mercado europeu, teve que estabelecer determinados padrões de mercado. Estes,
por sua vez, melhoraram consideravelmente a qualidade dos produtos produzidos na Turquia,
a segurança alimentícia e, consequentemente, o nível de satisfação dos consumidores. A
entrada no mercado europeu pode ser extremamente lucrativa para a Turquia, que oferece
produtos não existentes na Europa12.

4.2. Desvantagens
A maior desvantagem para o povo turco com a adesão à União Europeia são as
diferenças culturais, principalmente religiosas. Segundo estudos da Transatlantic Trends, a
porcentagem da população turca favorável à entrada na UE diminuiu de 73% para 38%, entre
2004 e 2010. Um possível motivo para esse desinteresse seria o distanciamento dos valores
orientais e muçulmanos com a aproximação13, e uma assimilação cultural dos costumes
ocidentais pela população turca.
Há também a questão do preconceito europeu com a religião muçulmana e seus
costumes, que vem crescendo cada vez mais dentro da Europa, principalmente com o
aumento das tensões no Oriente Médio e os atos de terrorismo recorrentes nas capitais do
continente. Sendo a União Europeia uma organização predominantemente cristã, há o
questionamento se haveria ou não espaço para a Turquia, que é de maioria muçulmana.

12
GOKHAN, Turhan Durmus. European Union Membership Process of Turkey; Its Pros and Cons for Turkey​.
3rd International Symposium on Sustainable Development. Sarajevo: junho, 2012.
13
GOMES, Adriano Cesar. Preconceito dificulta entrada da Turquia: UE tem o desafio de aceitar ou não ingresso
da primeira nação muçulmana no bloco. ​Gazeta do Povo. Nov. 2010. Seção Mundo. Disponível em
<​https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/preconceito-dificulta-entrada-da-turquia-0nam77uuow2oy556kdj1ln
eq6​>. Acesso em 06 jun. 2018.
5. Problemas contemporâneos

5.1. Os direitos humanos na Turquia


Como já mencionado anteriormente, os Estados que desejam se candidatar à
membresia da União Europeia estão sujeitos a determinados critérios, conforme previsto no
artigo 49 do Tratado da UE. Dentre os critérios, formalizados pelo Tratado de Copenhagen
em 1993, estão claramente expressos: a ​estabilidade das instituições democráticas, o ​Estado
de Direito, os ​direitos humanos e o ​respeito pelas minorias e a sua proteção.
Em 2016, a Turquia foi palco de uma tentativa de golpe de estado que visava derrubar
o presidente Recep Tayyip Erdogan, que fracassou. Desde então, a realidade do país vai
contra todos os pressupostos citados anteriormente, em decorrência da instauração de estado
de emergência na Turquia. De acordo com a Comissão Europeia, o estado de emergência -
imposto após o golpe fracassado - ​"restringiu certos direitos civis e políticos, incluindo a
liberdade de expressão". Neste curto período de tempo - menos de dois anos - as autoridades
turcas detiveram14: 10 membros da Assembleia Nacional; cerca de 150 jornalistas (o maior
ataque deste tipo à liberdade de imprensa a nível mundial) e 2386 juízes e procuradores.
Segundo o relatório de 2016 da Comissão relativo à Turquia, 129 mil funcionários
públicos ou foram suspensos, ou foram demitidos, na sua maioria sem qualquer acusação até
à data.​ ​Além disso, mais de 150 mil pessoas foram detidas e 78 mil foram presas15.
As estatísticas tornam claro o desespero de Erdogan e a instabilidade das instituições
políticas e democráticas da Turquia. Essa situação está cada vez mais afastando a Turquia da
União Europeia, pois denota um contraste praticamente absoluto entre as suas realidades e,
mais ainda, a não observância, por parte da Turquia, de critérios básicos para a candidatura de
adesão.

14
​FERNANDES, José Pedro Teixeira. A farsa da adesão da Turquia à União Europeia. ​Público. ​Nov, 2016.
Seção Opinião. Disponível em
<​https://www.publico.pt/2016/11/29/mundo/opiniao/a-farsa-da-adesao-da-turquia-a-uniao-europeia-1753064​>.
Acesso em 01 jun. 2018.
15
​MACDONALD, Alastair. Turkey taking ‘huge strides’ away from European Union: top EU official. ​Reuters.
Strasbourg: Abril 2018. Seção Middle East & North Africa. Disponível em
<​https://uk.reuters.com/article/uk-eu-turkey/turkey-taking-huge-strides-away-from-european-union-top-eu-offici
al-idUKKBN1HO22E​> . Acesso em 01 jun. 2018.
5.2. A questão curda
Os curdos compõem uma etnia de mais de 30 milhões de pessoas, constituindo a
maior etnia do mundo, presente atualmente nos territórios da Turquia, Armênia, Arzebaijão,
Iraque, Irã e Síria. A população curda luta desde o século XIX pela constituição de seu
próprio estado, o Curdistão, região que habitam há 2.600 anos. O Curdistão turco é chamado
de Bakur, conta com 14 milhões de habitantes e localiza-se no sudeste do território da
Turquia.
A política de minorias adotada na Turquia engloba judeus, gregos e armênios, de
forma a conceder determinados direitos e privilégios a estes grupos, principalmente
linguísticos. A população curda não é abarcada pelas garantias dadas às minorias, e as tensões
militares entre o exército turco e o Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) ainda é
acentuada no território. Com a candidatura da Turquia à União Europeia e as propostas de
reformas para admissibilidade, a visão turca em relação ao movimento curdo foi obrigada a
mudar de questão de segurança para uma questão reformista. O país entendeu, então, que
seria necessário encarar a possibilidade de reconhecimento de uma identidade curda separada,
relevando o intenso nacionalismo turco, e garantir os direitos linguísticos às crianças desta
etnia em sua alfabetização.
Diversas mudanças foram feitas com a entrada do primeiro governo AKP (Partido da
Justiça e Desenvolvimento) na Turquia, considerado um partido pró União Europeia. Foram
adotadas mudanças principalmente na área dos direitos humanos que permitiram a abertura
das negociações da Turquia com o Conselho Europeu em 2004. No entanto, as medidas
adotadas não foram consideradas necessárias pela Comissão Europeia, que declarou que
inexistia uma estratégia integrada adotada por parte do governo turco para lidar com a
situação16.

5.3. O conflito no Chipre


O conflito travado entre Turquia e Chipre é um dos pontos mais delicados nas
negociações entre turcos e os países-membros do bloco europeu. A Turquia invadiu o Chipre
pela primeira vez na década de 1970 e, até hoje, reivindica parte do território cipriota. Em
1983, autoproclamou a "República Turca do Chipre do Norte" na parte norte da ilha, uma

16
​CENGIZ, Firat; HOFFMAN, Lars. Rethinking Conditionality: Turkey’s EU Accession and the Kurdish
Question.​ Tillburg: Março, 2012.
nação reconhecida apenas pela Turquia. O restante do território pertence ao Chipre, que é
membro da União Europeia desde 2004.
A grande polêmica atual entre as duas nações diz respeito à exploração de gás natural
na região. Segundo a Turquia, certas áreas em alto mar na zona marítima do Chipre, as zonas
econômicas exclusivas (ZEE), caem na jurisdição turca e, como os dois países não têm
relações diplomáticas, a adoção de medidas arbitrárias e unilaterais são comuns. As
discussões acerca da divisão da ilha foram interrompidas em 2017 e a questão permanece sem
perspectivas de conclusão, seja a curto prazo, seja a longo prazo. A íntima relação dos
cipriotas com os gregos agrava mais ainda o conflito, com a clara definição de dois lados: de
um lado, Chipre e Grécia, membros legítimos da UE; de outro, a Turquia, país candidato que
parece não perceber as desastrosas consequências de suas ações, que são reprovadas
unanimemente pela instituição da qual deseja participar.
De acordo com Jack Straw, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Britânicos, ​“é
impossível um membro não reconhecer outro dentro da União Europeia”. Para ter chances
concretas de um dia se tornar um membro da UE, a Turquia precisa reconhecer a República
do Chipre - em sua totalidade - como um território legítimo e desocupar a região.

6. Conclusão
A Turquia, originalmente, se apresenta como forte candidata à União Europeia, seja
por questões geográficas ou econômicas. No entanto, são encontradas barreiras culturais de
ambos os lados: o preconceito europeu com os países de religião muçulmana, decorrente das
tensões globais atuais, assim como a cultura predominantemente islâmica da Turquia e seus
costumes consideravelmente diferentes dos europeus, afastam essa possibilidade de um
futuro próximo.
Para sua admissibilidade na União Europeia, a Turquia precisa se apresentar como um
país onde as liberdades estejam garantidas para todos os seus cidadãos, sejam estes da
minoria curda, mulheres, crianças ou membros da oposição. Só assim as negociações que irão
levar a cabo a entrada da Turquia na União Europeia poderão ser concluídas com sucesso.
Nas palavras de Antonio Tajani, presidente do Parlamento Europeu, "ao mesmo tempo que a
Turquia é candidata a fazer parte da União Europeia, ela progressivamente se afasta desta".

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