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HISTÓRIA MODERNA II
Profº Dr. Pablo Oller Mont Serrath
Comentário Reflexivo
Bloco 5 - Revolução Francesa
Ao longo dos séculos, muito foi dito e escrito sobre a revolução francesa e, quando
historiadores de múltiplos interesses historiográficos lançam-se sobre um tema de tamanha
1
SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa: edição comemorativa do bicentenário da Revolução Francesa,
1789-1989. Trad. Rolando Roque Silva - 9ª ed - Rio de Janeiro: DIFEL, 2007.
2
VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa, 1789-1799. Trad. Mariana Echalar - São Paulo: Ed. UNESP,
2012.
profundidade, óbvias contradições surgem. Revisionistas questionam o movimento como
revolução3, porquanto nela não veem todos os elementos para merecer tal título. Outros,
entretanto, apontam elementos abundantes para tal epíteto…
Sem a pretensão de nivelar-se ao trabalho de brilhantes estudiosos que dedicaram suas vidas
ao tema, este texto traz o entendimento da autora, sobre a leitura de SOBOUL (2007),
VOVELLE (2012) e HOBSBAWM (1996).
O anacronismo é uma das maiores armadilhas às quais historiadores precisam resistir. Nossa
avaliação de fatos históricos não deve prescindir da contextualização espaço-temporal do
evento em análise, sob risco de ignorarmos importantes idiossincrasias que, por si sós,
explicam causas e consequências desses fatos. Estudar a revolução francesa requer uma breve
passagem pelas condições sociais, políticas e econômicas do país, no período anterior às
convulsões que culminaram na tomada de poder pelo movimento revolucionário.
Ao olharmos para a França do século XVIII, vemos passar de uma economia ascendente
(1726-1778) para uma economia descendente (a partir de 1778). Vários fatores contribuíram
para essa queda, entre os principais, os custos da guerra de sete anos, contra a Inglaterra, e da
participação francesa na guerra da independência dos Estados Unidos, que deixaram o Estado
francês mergulhado em dívidas. A isso, somavam-se os gastos excessivos de uma monarquia
que, encastelada em Versalhes, numa vida desregrada de luxos, mantinha-se totalmente
distanciada da realidade famélica em que se encontrava a população; a um sistema de classes
onde a alta nobreza, estagnada na manutenção de seus privilégios baseados na propriedade da
terra e no direito de primogenitura, constituía-se de uma parcela ínfima, cercada pela baixa
nobreza empobrecida e ressentida, formada em parte por filhos posteriores sem acesso à
fortuna familiar, privilégio do primeiro filho, e, evidentemente, pela burguesia capitalista, já
em franca ascensão, como dona do poder econômico, credora da realeza e de parte da
nobreza, mas ainda engatinhando na posse do poder político.
3
HOBSBAWM, Eric. Ecos da Marselhesa: dois séculos revêem a Revolução Francesa. Trad. Maria Celia Paoli.
São Paulo: Companhia das Letras, 1996
4
SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa: edição comemorativa do bicentenário da Revolução Francesa,
1789-1989. Trad. Rolando Roque Silva - 9ª ed - Rio de Janeiro: DIFEL, 2007, p.14
isenção de cobranças ao clero e à nobreza, a carga de impostos recaía sobre a burguesia e a
massa camponesa, principalmente sobre esta, para quem a elevação no preço dos alimentos
representava fome. Como sempre ocorre quando a produção no campo não é suficiente para
alimentar a massa, o êxodo rural infla a população urbana e aumenta a miséria. Esse era o
quadro anterior à queda da Bastilha, quando o preço do pão representava 88% do orçamento
da população.
O movimento revolucionário não foi formado por um grupo coeso, o que dificilmente poderia
ter ocorrido. Como em todas as revoluções, alianças díspares foram formadas e a tomada do
poder expõe-nas das mais vis maneiras possíveis. A oposição entre jacobinos e girondinos
gerou conflitos e alternâncias de poder nada pacíficas. Bem poucos benefícios chegaram à
população. Os ideais teorizados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, bem pouca ação prática tiveram. Grupos sociais que participaram da revolução, como
os mulatos haitianos, que lutaram no movimento não foram por ele contemplados, nem
mesmo pelos jacobinos, supostamente contrários à escravidão5. Mesmo Robespierre, o mais
importante líder jacobino, não passou do discurso à prática6.
Muito se fala do período do terror, como ficou conhecido o governo jacobino, mas foi o
tempo de maiores avanços nos direitos da massa camponesa. Ao fim e ao cabo, a burguesia
foi o grupo mais beneficiado pela revolução. Pode-se dizer, então, que a Revolução Francesa
foi uma revolução burguesa? Sim e não. Foi altamente burguesa do ponto de vista dos
resultados, da política e dos valores. Não o foi, no que concerne à economia.
A despeito de suas contradições, a Revolução Francesa serviu de inspiração para várias outras
revoluções ao redor do mundo e tem, ainda hoje, inquestionável importância na História
mundial.
5
JAMES, C.L.R. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a Revolução de São Domingo. Trad. Afonso
Teixeira Filho - 1ª ed. rev. São Paulo: Boitempo, 2010, pp. 71-90
6
Idem, p. 83