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CENTRO UNIVERSITÁRIO VALE DO CRICARÉ

CURSO DE PSICOLOGIA

LAIS GERALDO PALMEIRA


TATIANA ROSSINI SILVA

LARANJA MECÂNICA E A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS

SÃO MATEUS
2023
LARANJA Mecanica. Direção: Stanley Kubrik. Inglaterra: Hawk, Polaris,
Warner Bros, 1971, 137 minutos. Cor.

Desde o início da produção cinematográfica para grandes mídias,


poucas obras se consagraram clássicos essenciais como o filme Laranja
Mecânica, de Stanley Kubrik, 1971. Para além de uma fotografia, direção e
roteiro primorosos, o longa, baseado no livro homônimo de 1962, traz uma
crítica excepcional a forma como a sociedade exerce o controle sobre os seus
indivíduos, podendo ser inclusive relacionado a obra de Foucault, “A verdade e
as formas jurídicas”. O filme retrata um futuro distópico em que uma gangue,
liderada pelo “drugue” Alex, de 15 anos, aterroriza os cidadãos de Londres
com sua onda de “ultraviolência”. Nessa realidade, existe um governo totalitário
que demonstra como seus objetivos o controle e ordem social, porém
apresenta baixa efetividade no combate ao crime.

O filme começa com Alex e seus amigos em um bar tomando leite com
“algo a mais”, para logo em seguida ir praticar a “ultraviolência”, como é
descrito pelos personagens, contra um casal de moradores, logo após entram
em uma briga contra outra gangue. Alex e sua turma barbarizam e, ouvindo as
sirenes de polícia, se dirigirem às suas casas. Em outro momento vemos o
agente correcional fazendo uma visita a casa de Alex para prestar contas de
infrações que ele suspeitava serem de autoria do adolescente. Essa visita é
uma forma de demonstrar a necessidade de controle das virtualidades de Alex,
ou seja, não as ações que eram privadamente do jovem, mas suas possíveis
atitudes, comportamentos ou até mesmo intenções, a sua periculosidade, a fim
de que ele não cometa nenhum outro crime e seja preso. Foucault traz em sua
conferencia de número IV uma crítica a essa forma de exercício de poder,
quando alega que o poder antes inteiramente nas mãos do judiciário foi
deslocado para instituições as margens da justiça. O agente trabalha em uma
instituição lateralizada ao poder judiciário, que tem como objetivo a vigilância
constante daqueles que podem causar uma desordem social, como Foucault
define o criminoso moderno, agindo através de “aconselhamento”, que em
certo nível representam por si só uma punição sobre algo que o jovem sequer
fez, ou ao menos fora provado que fez.
Em outra instância, a obra retrata Alex como alguém que não possui
valores morais, que apenas sente prazer na violência e na dor alheia. No
entanto, apresenta diversos interesses culturais, como a música clássica,
especialmente a obra de Ludwig Van Beethoven. Em dado momento, o jovem
presencia uma mulher cantando a nona sinfonia de seu autor favorito, ocasião
na qual ela foi humilhada por um de seus amigos. A partir disso, Alex agride
seu próprio amigo, e após alguns desentendimentos coléricos a amizade fica
abalada. Após supostamente fazerem as pazes, o grupo sai em busca de mais
uma vítima da sua “ultraviolência”. Alex, que confia na cobertura e participação
de seus amigos, acaba matando uma mulher e, logo após se revelar a traição
destes, acaba sendo capturado por policiais e preso. Os agentes e policiais
usam da violência para se vingar do Alex o espancando e depois o
encaminham à prisão. A partir desse momento ficam claras as rigorosas
condutas que todos dentro da instituição são obrigados a seguir. Conforme
definido por Foucault, a instituição penal se define como o controle e reforma
psicológica e moral dos indivíduos, se adequando a lógica de uma “ortopedia
social”, ou seja, em vez de punir, molda os indivíduos para que se adequem
aquilo que é esperado deles na sociedade. Essa definição é ilustrada no filme
quando apresenta-se a igreja do presídio, em que o padre discursa para todos
os prisioneiros alegando que eles tem que se arrepender de seus pecados para
conseguirem a salvação. Esse discurso de uma instituição religiosa tem como
objetivo corrigir as virtualidades dos prisioneiros alegando uma falta moral entre
eles.

Dentro da prisão Alex encontra uma oportunidade de, conforme suas


palavras, se livrar daquele lugar. O jovem ouve falar de um de um programa
chamado “Ludovico”, que busca, através do condicionamento clássico,
manipular os detentos a não sentirem prazer na prática do crime. O objetivo do
governo com esse programa é desafogar as prisões e diminuir a criminalidade,
transformando a população carcerária “inútil” em uma parcela rentável da
sociedade. O autor levanta uma crítica às instituições psiquiátricas que se
utilizavam da psicologia para controlar as pessoas. Assim, Alex participa do
programa e logo se arrepende. No programa são utilizadas drogas para que ele
se sinta desconfortável e obrigado a assistir vários vídeos de várias práticas de
violência. Ao final dos programas é demonstrado que Alex estaria “curado” dos
seus desvios morais, pois toda vez que ele tivesse a oportunidade de cometer
alguns atos de violência ele iria se sentir mal, concluído como eficiente o
programa Alex é solto e volta para sua casa.

Mais tarde Alex vagando a rua, pois já não tinha onde morar, se depara
com um mendigo que o reconhece como o cara que o agride e chama seus
amigos para agredir Alex. Então mesmo apanhando ele não consegue agir e se
sente mal por toda a violência, quando de repente aparecem dois policiais que
logo que se mostram, na qual são os antigos amigos de Alex, que de
criminosos se tornaram agentes da ordem social, porém eles tentam matar o
Alex. Conseguindo fugir ele sem querer acaba aparecendo na casa do casal
que foi vítima de sua violência. Com apenas o antigo dono e seu ajudante, Alex
é recebido e explica toda a história.

O dono liga para seus amigos tentando arrumar uma forma de derrubar
o governo totalitário com essa história, porém ele ouve Alex cantando no
banheiro e reconhece a voz de seu agressor. Após, cria todo um cenário em
que prende Alex escutando uma musica em que ele gostava, porem o
programa o fez odiar e com isso Alex chegando ao limite tenta se matar
pulando da janela. Assim de criminoso, Alex passa a ser vítima, tirando foto
com Ministro e pensando com prazer em todos os atos de violência em sua
mente.

É curioso a forma caricata que o autor evidencia em transformar o Alex


antes criminoso sem salvação a um herói, a todo momento existe uma forma
de controle trazida pelas instituições como foi descrita, o agente correcional, o
padre com sua instituição religiosa, a utilização do saber médico para moldar
comportamentos. E mesmo esse controle gerando um comportamento
supostamente adequado, no final Alex permanece como os mesmo
pensamentos de desejos de violência.

Em suma, percebemos o quanto o modelo de sociedade disciplinar pode


ser nocivo à sociedade. Apesar de Alex ser um sujeito “desagradável” ou
“perturbador da ordem”, percebemos que o mesmo é podado de seus desejos
e interesses que o motivam a viver e o trazem felicidade a partir da tentativa de
condicionamento. A forma com que o jovem colapsa ao ser contrastado com os
elementos de controle aversivo demonstram que, apesar de os mecanismos de
poder se preocuparem com a periculosidade do sujeito, não se importam em
eles mesmos executarem a violência, assim como mostrado nos momentos em
que a própria polícia espanca o protagonista. Ainda que exista a necessidade
de uma configuração de sistema político que permita maior harmonia entre a
sociedade, a forma como isso ocorre na realidade do filme se assemelha a
uma sociedade disciplinar descrita por Foucault, no entanto, falha em tentar
promover possibilidades de superação do sujeito sobre si mesmo, apenas
substituindo seus valores “inadequados” por algo que é mais palatável para a
sociedade, ainda que isso signifique a destruição do próprio sujeito.

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