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Quando se fala sobre hermetismo, poucas pessoas entendem realmente do que se trata essa

tradição, tendo em vista que, na cultura popular e no senso comum, o hermetismo está
associado a uma série de elementos que, embora arroguem o adjetivo de "hermético", em nada
correspondem à tradição que encontramos na literatura hermética clássica.

Para dissipar essas confusões, é pertinente apresentar um resumo das principais


características do hermetismo segundo a literatura hermética clássica e as opiniões de alguns
pesquisadores acadêmicos dessa tradição. Além disso, deixo a seção de comentários dessa
publicação à disposição para tirar dúvidas sobre o tema.

Características do Hermetismo

● Teologia: Poimandres (Pastor de Homens) é o Nous (Intelecto) da Soberania Absoluta


(Deus), também conhecido como Pai ou Sumo Bem. Ele é Luz e Vida transcendente e
imanente (não criado, cria; não manifesto, se manifesta), que revela-se aos que O
procuram.
● Nous: sendo entendido como Intelecto da Soberania Absoluta, fundamenta a existência
participada de todos os entes que Nele subsistem através do Logos (Verbo), o Filho de
Deus; por meio Dele, os homens piedosos podem gozar a bem-aventurança eterna.

● Sympatheia: o universo, sendo bom, verdadeiro e belo, é composto por diferentes


elementos interdependentes, que podem ser conhecidos e manipulados por meio de
suas relações de afinidade e correspondência.

● Humanidade: o homem, criado à imagem de Deus, é a síntese e o compêndio de toda


a criação, de modo a que ele é capaz de exercer uma dupla função: contemplar a
realidade divina e manifestá-la no mundo.

● Epistemologia: o hermetismo emprega diversos recursos linguísticos (símbolos,


alegorias etc.) para exprimir o conhecimento divino (gnose) que o raciocínio (logos) é
incapaz de significar, mas que pode ser apreendido através do intelecto (nous).

● Palingênese: na via de Hermes, após compreender a realidade tal como ela é, o


homem passa por um renascimento espiritual que o impulsiona a afastar-se do apego
àquilo que é perecível e a aproximar-se da vida divina.

● Eusebeia: a Eusebeia (Piedade) é a fidelidade cúltica ao divino, que permite ao homem


conhecer a si mesmo, a Deus e ao mundo, para que ele possa purificar-se, tornar-se
semelhante à Deus e participar do governo do mundo.

● Soteriologia: quando dotado de todas as suas potências espirituais, que lhe são
concedidas por meio da graça divina, o homem liberta-se das pulsões (thumos) e da
concupiscência (epithumia), e suas artes e ciências podem superar a capacidade dos
“deuses”.

● Tradição: o único meio de iniciação ao hermetismo é a experiência direta com


Poimandres, através da prática da Eusebeia e, se possível, da instrução de um
hermetista que tenha alcançado a realização espiritual.

● Religiosidade: as práticas herméticas não estão ligadas a nenhum culto em específico.


Aqueles que seguem a via de Hermes o fazem segundo sua própria capacidade natural
e espiritual, sob a guisa providente de Poimandres.

● Sapiência: o hermetismo não se preocupa com qualquer problema


racional-especulativo, nem se limita ao que pode ser investigado pelo pensamento
lógico-sensorial. Sua prioridade é a união do homem com Deus.

● Teosofia Gnósico-Epistemológica: no hermetismo não há distinção entre a prática


religiosa da Eusebeia e a Filosofia, Ciência ou Teologia. O saber teoantropocósmico
abarca a totalidade de Deus e toda a criação.
● Interculturalidade: concebido num contexto helenístico, no período da Pax Romana e
sob os auspícios do comércio marítimo-mediterrâneo, o hermetismo foi constituído a
partir de influências egípcias, órficas, judaicas, cristãs e médio-platônicas estoicizantes.

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