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Nascimento et al., Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal (v.13, n.2) p.

205 – 217 abr – jun (2019)

Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal


Brazilian Journal of Hygiene and Animal Sanity
ISSN: 1981-2965

Artigo
Anestesia Dissociativa e Infiltração Intraperitoneal de Bupivacaína no Controle
de Dor em Gatas

Dissociative Anesthesia and Intraperitoneal Infiltration of Bupivacaine in Control of


Pain in Cats

Amanda Luiza Oliveira do Nascimento1*, Glayciane Bezerra de Morais2, Priscila


Sales Braga3, Maiara Pinheiro Vieira4, João Alison de Moraes Silveira5, Lúcio
Flávio Marinho Bouty5 , Janaina Serra Azul Monteiro Evangelista6
__________________________________________________________________________________________________________

RESUMO: Quatro fêmeas felinas (Felis silvestris catus), Foram acompanhadas e


submetidas à protocolo anestésico dissociativo composto por cetamina (15mg/kg),
acepromazina (0,03 mg/kg), petidina (3 mg/kg) e midazolam (0,4 mg/kg). Antes da sutura da
musculatura abdominal foi instilada na cavidade intraperitoneal o anestésico local bupivacaína
na dose de (2 mg/kg). No período transcirúrgico, foram aferidos os parâmetros de frequência
cardíaca, respiratória, pressão arterial não-invasiva através de doppler vascular e temperatura
retal, nos momentos pré-anestésico (M0), após conexão ao monitor multiparamétrico (M1), no
momento do pinçamento dos ovários (M2), final da cirurgia (M3) e após 4 horas do final da
cirugia (M4). Foi verificado que os valores de pressão arterial sistólica se elevaram acima de 150
mmHg no momento do pinçamento do pedículo ovariano (M2), sendo um sinal de dor durante o
período transcirúrgico e os valores dos somatórios foram obtidos pela escala em (M 4)
demonstrou-se que o procedimento causou dor leve a moderada nas gatas e foi realizado o
resgate analgésico com tramadol (4mg/kg) nas 4 (quatro) gatas. Concluiu-se que a
administração do anestesia dissociativa aplicada na mesma seringa e no mesmo momento não
evitou as reações indesejáveis da cetamina, a administração intraperitoneal de bupivacaína não
foi suficiente para conferir analgesia ideal e a avaliação da dor permitiu avaliar e tratar a dor de
forma eficiente.

Palavras-chave: dor, anestesia dissociativa, bupivacaína

ABSTRACT: Four unmarried cats (Felis silvestris catus) were followed and taken to
the Veterinary Hospital of the Faculty of Veterinary Medicine, located on the campus. Females
were submitted to a dissociative anesthetic protocol consisting of ketamine (15mg/kg),
acepromazine (0.03mg/kg), pethidine (3mg/kg) and midazolam (0.4mg/kg). Before abdominal
muscle suturing, the local anesthetic bupivacaine at the dose of (2 mg/kg) was instilled into the
intraperitoneal cavity. In the trans-operative period, the parameters of heart rate, respiratory rate,
non-invasive blood pressure by vascular Doppler and rectal temperature were measured in the
pre-anesthetic moments (M0), after connection to the multiparameter monitor (M1), at the
moment of (M2), end of surgery (M3) and 4 hours after the end of surgery (M4). It was verified
that the values of systolic blood pressure increased above 150 mmHg at the moment of the
ovarian pedicle clamping (M2), being a sign of pain in the transsurgical and the values of the
sums were obtained by the scale in (M4) it was demonstrated that the procedure caused mild to
moderate pain in the cats and the analgesic rescue with tramadol (4mg/kg) in 4 (four) cats was
performed. It was concluded that the administration of the dissociative anesthetic together with

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the pre-anesthetic medication in the same syringe and at the same moment did not prevent the
undesirable reactions of ketamine, the intraperitoneal administration of bupivacaine was not
enough to give ideal analgesia and the evaluation of the pain allowed to evaluate and treat pain
efficiently.

Key words: feline, pain, dissociative anesthesia, bupivacaine

__________________________

Autor para correspondência. E-mail: amandaluivet@gmail.com


Recebido em 20.02.2019. Aceito em 30.06.2019
http://dx.doi.org/10.5935/1981-2965.20190015
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias –PPGCV, Universidade
Estadual do Ceará. Fortaleza-CE. E-mail: amandaluivet@gmail.com
2
Professora, Faculdade de Veterinária, Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza-CE E-mail:
glaycianebm@yahoo.com.br
3
Graduanda em medicina veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Estadual do
Ceará. Fortaleza-CE. E-mail: priscilasalesbraga2@gmail.com
4
Médica Veterinária, Faculdade de Veterinária, Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza-CE.
E-mail:
maiarapinheirovieira@gmail.com
5
Médico veterinário do Hospital Sylvio Barbosa Cardoso, Universidade Estadual do Ceará.
Fortaleza-CE. E-mail: lucio.bouty@gmail.com
6
Professora, Faculdade de Veterinária, Laboratório de Morfologia Experimental e Comparada,
Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza-CE. E-mail: janainaserrazul@gmail.com

1 Introdução da dor nos mesmos. Recentemente, foi


A anestesia dissociativa é muito desenvolvida a “Escala
utilizada na rotina de cirurgias em cães Multidimensional da Unesp-Botucatu
e gatos, principalmente, em mutirões de para Avaliação de Dor Aguda Pós-
castração, devido a sua administração Operatória em Gatos”, que constitui
prática. A cetamina causa discreta uma nova ferramenta para a detecção e
analgesia somática, não permitindo tratamento adequado da dor felina.
cirurgias extensas ou aberturas de De acordo Gehrcke et al., (2017)
cavidade e mesmo que o animal não se a anestesia dissociativa está difundida
mova na mesa, causa dor aguda e na medicina veterinária, principalmente
predispõe a dor crônica. A prevenção e em campanhas de esterilizações de cães
o controle da dor são componentes e gatos. É sabido que essa modalidade
essenciais para um procedimento anestésica não é anestesia cirúrgica. Ela
anestésico ideal. A dor em gatos tem confere imobilidade e ausência de
sido historicamente negligenciada e resposta ao estímulo cirúrgico em doses
uma das causas para isso é a dificuldade elevadas, mas em cirurgias que não se
de identificar e quantificar a intensidade abordem estruturas viscerais ou
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torácicas. no pré, trans e pós-cirúrgico para


A cetamina causa discreta prevenir e tratar a dor e auxiliar na
analgesia somática, não permitindo cicatrização. (GAYNOR e MUIR, 2009).
cirurgias extensas ou aberturas de Quando a dor fisiológica não é
cavidade. Uma castração com cetamina tratada de forma adequada, ocorre a
e xilazina, por exemplo, mesmo que o persistência da ativação das vias
animal não se mova na mesa, causa dor envolvidas na mediação da dor,
aguda e predispõe a dor crônica. podendo sobrevir a dor crônica
(GEHRCKE et al., 2017). A (FANTONI; CORTOPASSI, 2010). A
administração de bupivacaína prevenção e o controle são componentes
intraperitoneal pode reduzir escores de essenciais para se garantir uma
dor e resposta ao estresse cirúrgico em anestesia adequada (PADILHA et al.,
gatas após ovariosalpingohisterectomia 2015).
e devido ao grande número de gatas que Segundo Lamont (2008) a dor é
são submetidas à OSH todos os anos, um evento sensorial envolvendo os
essa administração é um avanço e sistemas nervoso periférico e central e,
representa um impacto positivo na além de uma experiência desagradável
prática clínica e cirúrgica felina que surge após estímulo nociceptivo,
(BENITO et al., (2015). Essa técnica é afeta reciprocamente, processos de
recomendada por estudiosos da área por consciência superior. Os componentes
ser adjuvante no alívio da dor em anatômicos e fisiológicos envolvidos no
cirurgias abdominais em cães e gatos processamento da dor são os mesmos
(KLAUMANN, OTERO, 2013). em animais não-humanos e humanos.
A dor em gatos tem sido Ainda hoje muitos profissionais
historicamente negligenciada (Williams subestimam a dor e o sofrimento de
et al., 2005) e uma das causas para isso seus pacientes, acreditando que a dor
é a dificuldade de identificar e faça parte do processo natural de cura e
quantificar a intensidade da dor nos que os pacientes submetidos a
mesmos (BRONDANI et al., 2013). procedimentos cirúrgicos devem
Devido o estímulo nociceptivo experimentar (FANTONI;
cirúrgico da incisão da parede MASTROCINQUE, 2010). A partir
abdominal e da remoção de ovários e desta compreensão, o presente estudo
útero, a OSH causa dor aguda. Por isso, teve como objetivo relatar sobre a
a analgesia multimodal deve proceder anestesia dissociativa e infiltração

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intraperitoneal de bupivacaína no campus Itaperi - UECE e avaliar a dor


controle da dor na trans e pós-operatória em gatas
ovariossalpingohisterectomia (OSH)
em gatas para controle populacional do
submetidas a fisiológicos basais, tais como: a
ovariossalpingohisterectomia para frequência cardíaca (FC), a frequência
controle populacional. respiratória (FR), a pressão arterial
2 Material e métodos sistólica (PAS), que mensurada pelo
2.1 Local método não invasivo, utilizando um
O estudo se desenvolveu no aparelho de doppler ultrassônico
Hospital Veterinário Sylvio Barbosa (Doppler Vascular Portátil - DV 610V –
Cardoso (HVSBC) durante dos meses MegaVet, Indústria de equipamentos
de março a maio do ano de 2018 na médicos LTDA) no membro torácico
Universidade Estadual do Ceará, esquerdo ou direito, e a temperatura
localizada na avenida Dr. Silas retal (TR). Esse momento foi escolhido
Munguba, 1700, Fortaleza-CE. como (M0) para coleta de dados.
2.2 Animais do experimento 2.3 Etapas do experimento
Foram acompanhadas quatro De acordo com a Tabela 1,
gatas (Felis silvestris catus), sem raça outros momentos para coleta de dados
definida, de idade variando de 5 meses a foram: ato seguinte à conexão dos
1 ano de idade, pesando 1,5 a 2,9 pacientes ao monitor multiparamétrico
quilogramas, que foram capturadas pelo Deltalife® Modelo DL900 (M1),
Grupo de Apoio e Bem-Estar Animal - momento do pinçamento dos pedículos
GABA e levadas ao Hospital ovarianos (M2), ao final da cirurgia
Veterinário da Faculdade de (M3) e após 4 horas do fim do
Veterinária, localizado no próprio procedimento no momento da avaliação
campus. da dor pela escala multidimensional da
As quatro gatas (Felis silvetris dor pós-operatória da Unesp-Botucatu
catus) foram admitidas no Hospital (M4). A partir do momento (M1) até o
Veterinário em jejum de 8 horas. Antes (M3) foi realizada a monitoração da
da cirurgia foi realizada a anamnese, saturação de oxigênio no sangue
procedendo a aferição dos parâmetros (SPO2).
Tabela 1 - Momentos de avaliação
M0 Anamnese
M1 Conexão ao monitor

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M2 Pinçamento dos pedículos ovarianos


M3 Fim da cirurgia
M4 4 horas após a cirurgia
Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.

2.4 Anestesia desenvolvida no Bupivacaína® 0,5% Sem


experimento Vasoconstritor, Hipolabor, Belo
Foi realizada a anestesia Horizonte, MG, 2 mg/kg). E o final da
dissociativa, seguindo-se as dosagens: cirurgia, foi mensurada novamente os
Cetamina (Cloridrato de Cetamin® parâmetros FC, FR, PAS, TR,
10%, Syntec do Brasil Ltda, Cotia, SP, constituindo o momento (M3) e os
15mg/kg); Midazolam (Dormire®, animais foram levados para a sala de
midazolam, Cristália Produtos pós-cirúrgico para recuperação
Químicos Farmacêuticos Ltda, São anestésica.
Paulo, SP, 0,4 mg/kg); Meperidina 2.5 Avaliação da dor pós-operatória
(Cloridrato de Petidina®, União em gatos
Química S/A., São Paulo, SP, 3 mg/kg); Os dados recolhidos foram após
Acepromazina (Acepran® 0,2%, Vetnil 4 horas do fim do procedimento
Receita de Campeões, Louveira, SP, cirúrgico, para que as gatas estivessem
0,03 mg/kg). O protocolo dissociativo totalmente conscientes no momento
foi aplicado por via intramuscular no (M4). A avaliação e tratamento da dor
mesmo momento. foram realizados através da escala
Aos dez minutos após a multidimensional da UNESP- Botucatu
administração da medicação anestésica de dor pós-operatória em gatos.
acima, foi realizada a tricotomia na face Essa escala apresenta 10 itens:
cranial do antebraço, de forma a expor a postura, conforto, atividade, atitude,
veia cefálica e na região abdominal. mistura de comportamentos, reação à
Após a desinfecção da pele com álcool palpação da ferida cirúrgica, reação à
etílico a 70%, fez-se a cateterização palpação do abdome/flanco, pressão
para administração de fluidoterapia, arterial, apetite e vocalização. Cada item
utilizando solução de Ringer Lactato, na da escala é constituído por 4 níveis
taxa de 3 ml/kg/hora. descritivos pontuados em 0, 1, 2 e 3, no
Previamente à sutura da qual “0” representa normalidade ou não
musculatura abdominal foi realizada a alteração e “3” a mais elevada alteração.
infiltração intraperitoneal, com Os comportamentos a serem
bupivacaína (Cloridrato de observados em cada nível descritivo

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estão explicados, assim como as medicação no pós-cirúrgico imediato:


diretrizes para a avaliação. Os itens Amoxicilina (Agemoxi®, Agener União
estão divididos em 4 subescalas: Saúde Animal Ltda, Amoxicilina
Alteração Psicomotora, proteção da área triidratada 0,1 ml/kg) e o Meloxicam
dolorosa, variáveis fisiológicas e (Maxicam 0,2%®, Ouro Fino Ltda,
expressão vocal da dor. A pontuação Cravinhos, SP 0,1 mg/kg).
total da escala, que reflete a avaliação 2.6 Análises estatísticas
global da intensidade da dor, é As diferenças nas médias dos
calculada a partir do somatório das parâmetros dos tempos foram avaliadas
pontuações dos itens e varia de “0” por Análise de Variância de Fator Único
(ausência de dor arbitrária) até 30 com Medidas Repetidas (RM One-way
pontos (dor máxima). As pontuações ANOVA) seguida por teste post-hoc de
obtidas podem ser classificadas em dor Dunnett, considerando p < 0,05. Para as
leve (0 – 8 pontos), dor moderada (9 – análises estatísticas e elaboração dos
21 pontos) e dor intensa (22 – 30 gráficos foi utilizado o software
pontos) (BRONDANI et al., 2013). GraphPad Prism® 7.04.
A terapia analgésica deve ser 3 Resultados e discussão
realizada no caso de somatório ser igual De acordo com a Figura 1, a
ou superior a 8. Contudo, não deve ser PAS em (M1), no início da cirurgia já
negado o uso de analgésicos no caso de apresentou valores superiores aos
pontuações inferiores a 7, se o obtidos em (M0). Em (M2), a PAS
julgamento clínico indicar a necessidade alterou para valores de 160 mmHg,
de uso. Pelo somatório total obtida com chegando até 220 mmHg. A anamnese
o uso da escala, a instituição de revelou que todos os felinos estavam
terapêutica analgésica deve ser normocorados e normohidratados.
considerada em pontuações a partir de 8 Foram aferidas frequência
(BRONDANI et al., 2013). cardíaca (FC), frequência respiratória
Nos animais que foram (FR), pressão arterial sistólica (PAS) e
detectados sinais de dor maior ou igual temperatura retal (TR), que se
a 8 escores receberam resgate demonstraram normais de acordo com a
analgésico com tramadol (Cloridrato de referência para cada espécie. A FC
Tramadol®, Cristalia, São Paulo) na variou de 185 até 250 bpm, a FR de 30
dose de 4 mg/kg por via subcutânea no até 45 rpm, a PAS entre 90 a 130
momento (M4). Foi administrado como

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mmHg e a TR de 37,8 a 38,7ºC em (M0).

Figura 1 - Pressão Arterial Sistólica nos momentos M0, M1, M2 e M3

M0: 107,5 ± 10,31

M1: 127,5 ± 4,787

M2: 180 ± 13,54*

M3: 142,5 ± 13,15

*p< 0.05 comparação entre os diferentes tempos M1, M2 e M3 e controle interno M0.

Já na figura 2, a frequência em (M3). A FR se manteve constante


cardíaca apresentou valores superiores a durante os momento (M0) a (M3) e a
(M0) em (M1) e (M2) alcançando valores saturação de oxigênio (SaPO2), a qual
de até 220 bpm. A TR variou entre 33,6 se manteve entre 98 a 100% em todas
a 34,9 em todas as gatas ao ser aferida das gatas.

Figura 2 - FREQUÊNCIA CARDÍACA

M0: 214,3 ± 13,89

M1: 217,5 ± 10,1

M2: 216,3 ± 11,43

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M3: 196,3 ± 2,394

*p< 0.05 comparação entre os diferentes tempos M1, M2 e M3 e controle interno M0.

A Tabela 2, apresenta os quatro escores foram inferiores a 8, não


felinos do estudo que receberam resgate realizando resgate analgésico
analgésico com 4mg/kg de tramadol. novamente, porém foi prescrito para o
Após 30 minutos da administração do pós-operatório para os primeiros três
analgésico opoide, a dor foi avaliada dias de recuperação tramadol 2 mg/kg
novamente pela escala por via oral a cada 12 horas por cinco
multidimensional da UNESP-Botucatu dias e meloxicam 0,05 mg/kg por via
para avaliação da dor aguda pós- oral a cada 24 horas por 2 dias.
operatória em gatos e o somatório dos
Tabela 2 - Resultado da aplicação da escala multidimensional da UNESP-Botucatu para
avaliação da dor aguda pós-operatória em gatos
Gata 1 2 Dor leve
Gata 2 16 Dor moderada
Gata 3 8 Dor leve
Gata 4 8 Dor leve
Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.
A anestesia dissociativa é muito castração, devido a sua administração
utilizada na rotina de cirurgias em cães prática, porém ela altera parâmetros
e gatos, principalmente, em mutirões de fisiológicos, conferindo estado

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cataleptoide e não promove analgesia comparar a (M0) devido ao fato dos


visceral como foi observado nesse anestésicos dissociativos apresentarem
estudo (MASSONE; 2003; GEHRCKE ação simpatomimética, elevando a
et al., 2007). frequência cardíaca e ação
A administração da cetamina vasoconstritora, elevando
juntamente acepromazina, midazolam, consideravelmente a pressão arterial.
meperidina e cetamina na mesma Entre (M1), (M2) e (M3) foram
seringa fez com que a ação da cetamina realizadas duas aplicações de cetamina
fosse ressaltada, sendo observado na metade da dose-mãe (7,5 mg/kg) em
rigidez muscular intensa e reflexos todas as gatas, pois a cetamina é
oculopalpebral, pois a anestesia utilizada em intervenções rápidas, como
dissociativa pode causar hipertonia, extrações de pinos e contra-indicada
alucinação, ativação do sistema límbico para laparotomias e toracotomias
(MASSONE, 2003). Segundo Briffin et (MASSONE; 2003; GEHRCKE et al.,
al., (2016), a combinação de α2- 2007).
agonistas, como a dexmedetomidina, A dor pode ter efeitos sobre o
com anestésicos dissociativos para sistema cardiovascular, aumentando a
fornecer melhor sedação. vasoconstrição, elevando a pressão
Segundo Massone, 2003, o sanguínea e frequência cardíaca, o que
período de latência da cetamina por via foi observado no momento (M2), onde a
intramuscular é de 5 a 10 minutos e PAS variou de 160 a 220 mmHg e que é
duração de ação de até 45 minutos, o considerado o evento mais doloroso do
período de latência da acepromazina é procedimento, que é o pinçamento do
de 5 a 20 minutos e duração de ação até ovário. A analgesia conferida pela
45 minutos e o midazolam apresenta cetamina é somática e não visceral e,
período de ação tem duração de ação de mesmo que fossem utilizados agentes
2 horas e meia, o que pode demonstra inalatórios ou anestésicos injetáveis
que o efeito sedativo da fenotiazina e sabe-se que eles também não conferem
miorrelaxante do midazolam não é analgesia (DYSON, 2008).
evidenciado por conta do início de ação De acordo com Benito et al.,
a partir de 5 minutos após a aplicação (2015), a infiltração de bupivacaína na
de cetamina. cavidade intraperitoneal em conjunto
Ainda segundo Massone, 2003, a com um opioide na pré-anestesia
FC e PAS elevou em (M1) ao se confere analgesia eficaz, porém alguma

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gatas mesmo assim necessitam de mais Este anestésico poderia ser


analgésicos. Contrastando com os utilizado em conjuntamente nos
autores no presente trabalho foi procedimentos e ser administrado por
observado que a analgesia
infiltração subcutânea na linha de
intraperitoneal com bupivacaína é
incisão e nos pedículos ovarianos e
insuficiente para OSH em gatas.
útero por instilação local na dose de 3-4
Não se sabe se concentrações
mg/kg (MASSONE, 2003). Se for
maiores que 0,25% causam efeitos
observado um aumento exacerbado da
adversos ou se apresenta magnitude
pressão arterial sistólica no
analgésica maior, porém concentrações
transcirúrgico, o que é um sinal de dor
menores não apresentam eficácia. Essa
transcirúrgica, pode ser realizada a
dose de bupivacaína (2 mg/kg)
administração de fentanil na dose de 5
proporciona rápida captação e pico
µg/kg em bolus por via intravenosa
plasmático em 30 minutos. Ao se
(PADILHA et al., 2015).
comparar bupivacaína e lidocaína
Os felinos são mais suscetíveis à
ambas apresentam concentrações
hipotermia severa e temperaturas abaixo
plasmáticas similares, porém o tempo
de 35ºC podem ser atingidas mesmo
de eliminação da bupivacaína é muito
após anestesia dissociativa (LIMA et
maior. A bupivacaína tem efeito mais
al., 2015). No presente estudo,
rápido e mais duradouro que a lidocaína
verificou-se que no momento (M3) as
com vasoconstritor (Benito et al, 2016).
temperaturas variaram entre 33,6 a
Segundo Massone (2003) o
34.9ºC, fazendo com que o retorno
período de latência da bupivacaína é de
cirúrgico seja mais demorado, além das
15 a 20 minutos, o que não é ideal para
aplicações repetidas de cetamina
analgesia transcirúrgica. A vantagem
durante o transcirúrgico também
desse anestésico local é sua longa ação
contribuíram para o retardo do retorno
de 2 a 4 horas, mas seu início de ação
anestésico.
compromete a analgesia nos momentos
A avaliação da dor utilizando a
(M2) e (M3) das gatas do presente
escala multidimensional de dor aguda
estudo. O período de latência da
só pode utilizada a partir da segunda
lidocaína é de aproxidamente 1 a 2
hora de pós-cirúrgico, pois, assim, o
minutos, o que é vantajoso para início
observador não irá se confundir sinais
breve da analgesia.
de retorno anestésico com

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características comportamentais e dependentes demasiadamente da


provenientes de dor (PADILHA et al., experiência pessoal do observador
2015). A escala multidimensional foi (BRONDANI et al., 2011).
utilizada 4 horas após o fim da cirurgia O controle da dor nos gatos foi
quando as gatas já estavam conscientes. negligenciado. Entretanto, nos últimos
A aplicação da escala permitiu anos este perfil se modificou e a
que a dor em gatas pós OSH para avaliação e tratamento da dor nos
controle populacional fosse identificada felinos tem recebido crescente atenção.
e tratada de forma correta, No entanto, esse cenário está
representando uma ferramenta útil para mudando e a validação de uma escala
o tratamento correto da dor e afetando multidimensional que avalia não só os
consideravelmente de forma positivo o parâmetros físicos, mas também o
bem-estar felino. Com a aferição e comportamento dos felinos é de
somatório dos escores da escala foi extrema importância para detecção e
possível detectar dor de grau leve a terapia analgésica eficaz (BRONDANI
moderado nas gatas desse estudo e as 3 et al., 2013).
gatas gatas foram detectadas com sinais A utilidade clínica de um
de dor, ou seja, apresentando somatório instrumento de avaliação é realçada
da escala acima de 8 e precisaram de quando os escores de dor são
resgate analgésico com opioides, informativos da necessidade ou não de
respondendo bem à terapia instituída. intervenção analgésica. Embora a escala
No entanto, o resgate analgésico foi multidimensional tenha como principal
realizada em todos os animais do ponto a avaliação comportamental de
estudo. dor em animais, padrões fisiológicos
Na medicina veterinária, a como frequência cardíaca, pressão
quantificação da dor ficou restrita, por arterial auxiliam a fornecer resposta ao
um longo período, à utilização de estímulo nocivo. A frequência
instrumentos como a escala analógica respiratória foi descartada para
visual, a escala numérica e a escala avaliação de dor pela escala
descritiva simples (REID et al., 2007). multidimensional, pois não apresentou
Porém, a escassez de um critério relevância para que possam ser
específico ou objetivo para a avaliação correlacionadas a dor (BRONDANI et
torna estas escalas sujeitas a grande viés al., 2013).
4 Conclusão

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Nas condições em que o trabalho de Medicina Veterinária e Zootecnia. v.65,


n.1, p.153-162, 2013.
foi realizado, conclui-se que o emprego
da anestesia dissociativa e a
administração intraperitoneal de 5. DYSON, D. H. Perioperative Pain
Management in Veterinary Patients.
bupivacaína não foram suficientes para Veterinary Clinics of North America: Small
conferir analgesia trans e pós-cirúrgicas. Animal Practice. v.38. p. 1309–1327, 2008.

Por fim, a utilização da escala 6. EPSTEIN, M.E.; RODAN. I.;


GRIFFENHAGEN, G.; KADRLIK, J.;
multidimensional da Unesp-Botucatu de PETTY, M. C.; ROBERTSON, S. A.;
dor pós-operatória em gatos se SIMPSON, W. AAHA/AAFP Pain
Management Guidelines for Dogs and Cats.
demonstrou importante, pois permite Journal Feline Medicine and Surgery, v.
17, p. 251-272, 2010.
avaliar e tratar a dor e felinos de
7. FANTONI, D. T.; CORTOPASSI, S. R.
maneira ética e responsável. G. Anestesia em cães e gatos. 2. ed. São
Paulo: Roca, 2010. 620 p.
5 Referências bibliográficas
8. FANTONI, D. T.; MASTROCINQUE,
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