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Aspectos Clínicos-Patológicos da displasia renal em Lhasa Apso com nefropatia

juvenil progressiva: Relato de Caso


Clinical-Pathological Aspects of Renal Dysplasia in Lhasa Apso with Progressive Juvenile
Nephropathy: Case Report

Yasmin Nunes Godoy da FONSECA¹, Ana Luíza de Almeida MAIA¹, Isabela Leite
DORETTO, Rafaela Magalhães BARROS³, Marcio Botelho de CASTRO4.

¹Graduandas de Medicina Veterinária na União Pioneira de Integração Social (UPIS),


Brasília- DF
2
Residente do segundo ano de Anatomia Patológica Animal da Universidade de Brasília
UnB, Brasília – DF
³ Docente da União Pioneira de Integração Social (UPIS), Brasília- DF
4
Docente da Universidade de Brasília (UnB), Brasília- DF

RESUMO
A displasia renal é uma das afecções da nefropatia juvenil, caracterizada por uma doença
renal progressiva, não inflamatória e degenerativa em animais de até cinco anos de idade.
Esta patologia tem origem congênita e hereditária. A afecção pode levar ao
desenvolvimento de doença renal crônica, com manifestação clínica de poliúria, polidipsia,
perda de peso e apatia. O diagnóstico definitivo é obtido por histopatologia. O presente
trabalho tem por objetivo relatar um caso de displasia renal, em um Lhasa-apso com 6
meses de idade, caracterizando seus aspectos clínicos e anatomopatológicos.

Palavras-chave: Congênito; degenerativo; doença renal crônica; histopatologia.

ABSTRACT
Renal dysplasia is one of the conditions of juvenile nephropathy, characterized by a
progressive, non-inflammatory and degenerative kidney disease in animals up to five
years of age. This pathology has congenital and hereditary origins. The condition can lead
to the development of chronic kidney disease, with clinical manifestations of polyuria,
polydipsia, weight loss and apathy. The definitive diagnosis is obtained by histopathology.
The present work aims to report a case of renal dysplasia, in a 6-month-old Lhasa-apso,
characterizing its clinical and anatomopathological aspects.

Keywords: Chronic kidney disease; congenital; degenerative; histopathology.

INTRODUÇÃO
O termo nefropatia juvenil é utilizado para descrever uma doença renal não
inflamatória, degenerativa ou do desenvolvimento, em cães com idade inferior a cinco
anos (1). As nefropatias juvenis podem agrupar-se de acordo com o seu quadro
histopatológico em displasia renal, glomerulopatias (nefrite hereditária e glomerulonefrite
imuno-mediada), doença renal policística, amiloidose e outras em que existe uma
ocorrência particular em determinada raça (2).
Os animais acometidos por essa enfermidade, apresentam sinais clínicos
semelhantes a insuficiência renal crônica, como anorexia, poliúria, letargia e vômitos
intensos, acometendo principalmente animais jovens (4). O diagnóstico definitivo desta
afecção é feito pela observação microscópica de estruturas renais imaturas para o estágio
de desenvolvimento do animal (3).
A prevalência estimada de doença renal crônica em cães situa-se entre 0.5 a 1.5%,
sendo que um trabalho demonstrou que apenas 18% dos cães tinham menos de 4 anos
(5). Assim sendo, este trabalho tem por objetivo relatar um caso de displasia renal em um
cão da raça Lhasa Apso.

RELATO DE CASO
Um canino Lhasa Apso, 6 meses de idade, macho não castrado deu entrada na
clínica médica do Hospital Veterinário da UnB (HVet – UnB) com queixa de fezes
ressecadas, hiporexia e vômito a cerca de 15 dias. Foi relatado que sempre apresentou
poliúria (com urina bem clara), e que inicialmente apresentava polidipsia, mas que nos
últimos dias diminuiu consideravelmente a ingestão hídrica.
Durante o atendimento, o paciente apresentava-se apático, com hálito urêmico,
desidratação de 8% e era pouco reativo a estímulos. Foram realizados hemograma e
bioquímicos que revelaram volume globular 21%, hemácias 2,61 milhões/mm3,
hemoglobina 6,9 g/dL, linfopenia, trombocitose com 445.000/mm3, presença de
acantócitos, drepanócitos e linfócitos reativos. Enquanto nos bioquímicos para função
renal, apresentaram creatinina de 8,7 mg/dL e ureia de 528 mg/dL. A urinálise também foi
realizada e nela foram identificados densidade de 1.010, proteinúria, glicosúria, sangue
oculto, proteína de 76,2 e creatinina 19,27 resultando em uma relação UPC de 3,9. No
ultrassom realizado foi visualizado uma severa diminuição da relação cortico-medular.
Os tutores não encaminharam o paciente para internação noturna, conforme
orientado, e retornaram no dia seguinte relatando que o animal apresentou crises
convulsivas durante a madrugada. Os exames foram repetidos e o hemograma
apresentou uma queda no volume globular indo para 19%, no número de hemácias com
2,37 milhões/mm3, hemoglobina em 6,4 g/dL, raros neutrófilos tóxicos e plasma ictérico.
Não apresentava mais alterações significativas no leucograma e as plaquetas
normalizaram. Ademais, os exames bioquímicos apresentaram alterações em fósforo de
17,1 mg/dL, creatinina de 8,6 mg/dL, ureia de 434 mg/dL e soro ictérico.
Sem melhora efetiva os tutores optaram pela eutanásia e condescenderam com a
realização da necropsia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A displasia renal associada à nefropatia juvenil é caracterizada pelo
desenvolvimento desorganizado e diferenciado na estrutura do parênquima renal, sendo
decorrente de alterações durante o período da nefrogênese (2). A doença pode se
apresentar de forma, unilateral ou bilateral e pode se desenvolver de forma focal ou
disseminada pelos rins, podendo levar a insuficiência renal crônica em cães jovens (4).
Relata-se alta prevalência em cães das raças Lhasa Apso e Shih Tzu, sugerindo a
existência de etiologia familiar (3), corroborando com o encontrado nesse caso.
Os sinais demonstrados pelo animal como vômitos, emagrecimento, polidipsia e
poliúria, são descritos na literatura (6) e estão relacionados com o desenvolvimento da
insuficiência renal crônica. A severidade depende do grau da lesão renal.
Os exames laboratoriais revelaram anemia arregenerativa, que decorre da baixa
produção de eritropoetina em virtude do comprometimento renal (7). No exame
ultrassonográfico, foram visualizados aumento da ecogenicidade renal e diminuição dos
limites córtico-medular, alterações descritas na displasia renal (8).
Na necropsia, foram observadas ulcerações bilaterais na face ventral da língua.
Erosões e úlceras orais e na língua podem ser causadas pela excreção da ureia na saliva
e a sua quebra em amônia pelas bactérias da cavidade oral ocasionando um efeito
cáustico sobre a mucosa. Também pode ocorrer lesão vascular e necrose fibrinóide de
arteríolas, com isquemia e necrose epitelial focal (9).
Os rins estavam diminuídos, pálidos, com a cápsula aderida e ao corte notou-se
alteração na proporção córtico medular (Figura 1A), lesões coadunáveis com doença
renal crônica.
O osso mandíbula apresentava mobilidade (Figura 1B) e ambas as paratireoides
estavam aumentadas de tamanho. Tal alteração é decorrente da osteodistrofia fibrosa em
virtude do hiperparatireoidismo secundário renal, com aumento do paratormônio e
incremento da reabsorção óssea (10). A retirada da matriz óssea tem como consequência
a deposição de um tecido fibrovascular, elevação da concentração de cálcio sanguíneo e
calcificação metastática (11). O pulmão apresentava áreas multifocais irregulares,
elevadas e esbranquiçadas na superfície, compatíveis com áreas de mineralização. O
local mais comum para a ocorrência de mineralização em cães é o espaço intercostal,
porém, pode haver no TGI, pleura, pulmões, miocárdio e endocárdio, sendo frequente na
uremia dos cães (12).
No estômago, próximo a região de piloro, havia áreas de ulceração circundadas por
um halo hiperêmico. Uma das lesões extrarrenais mais evidentes é a gastropatia urêmica
ulcerativa e hemorrágica (13).
A B
Figura 1 - (A) Rins, com a perda da diferenciação córtico medular, atrofia do
córtex renal e estrias brancas ao longo de todo o parênquima. (B) Cabeça,
mostrando rotação da mandíbula do animal.

Na microscopia dos rins notou-se quantidade moderada de glomérulos fetais


caracterizados por pequenos tufos glomerulares, hipocelulares, sem capilares ou lúmen e
ocasionais glomérulos dentro de espaços urinários acentuadamente dilatados. Áreas de
acentuada fibrose e mineralização foram observadas (Figura 2). Havia inúmeros túbulos
imaturos, pequenos, irregulares, revestidos por epitélio cuboidal (adenomatosos), por
vezes ectásicos e por vezes degenerados. No encéfalo foram observados grande
quantidade de astrócitos com o núcleo vesicular e cromatina marginalizada (astrócitos de
Alzheimer tipo II), decorrente da encefalopatia urêmica.

Figura 2 – Rim, apresentando os glomérulos


imaturos (setas pretas) e áreas de
mineralização (setas vermelhas).

CONCLUSÃO
Os achados anatomopatológicos contribuíram com quadro de nefropatia juvenil e
lesões extra renais de uremia. É crucial reconhecer a nefropatia juvenil como uma
condição de grande importância, portanto, é imperativo considerá-la como um diagnóstico
diferencial e uma suspeita em animais jovens que apresentem sintomas de insuficiência
renal. A identificação precoce se revela fundamental para um tratamento adequado. Dada
a possibilidade de ocorrência de nefropatia hereditária, é aconselhável realizar
investigações clínicas em animais relacionados e sempre que possível realizar a
castração dos progenitores para evitar a perpetuação da doença. Por último, para obter
um diagnóstico definitivo da doença, são necessários exames histopatológicos, como
biópsias in vivo ou análises histológicas post-mortem, os quais devem ser conduzidos de
maneira sistemática.

REFERÊNCIAS

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Disponível em: . Acesso em: 17 mar. 2016.

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