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A substituição da prisão preventiva em domiciliar sob a égide da Lei n°

13.769/2018

MASZNER, Eunice1.

RESUMO

Balizar as possibilidades previstas em lei para concessão da prisão domiciliar


em caso de mulheres gestantes ou que se encontram em estado puerperal e a
divergência de entendimentos entre os magistrados sobre o assunto? Como a
jurisprudência brasileira vem decidindo sobre a conversão da prisão preventiva em
prisão domiciliar em caso de gestantes e mulheres parturientes? Sendo assim,
balizar as possibilidades previstas em lei para concessão da prisão domiciliar em
caso de mulheres gestantes ou que se encontram em estado puerperal e a
divergência de entendimentos entre os magistrados sobre o assunto? Como a
jurisprudência brasileira vem decidindo sobre a conversão da prisão preventiva em
prisão domiciliar em caso de gestantes e mulheres parturientes? Diante de te
questionamento, o objetivo geral deste artigo consiste em averiguar e discutir acerca
da possibilidade jurídica de substituir a prisão preventiva por domiciliar quando a ré é
pessoa gestante ou mulher que se encontra em estado puerperal. A Lei n. 13.769
de 19 de dezembro de 2018 alterou dispositivos do Código de Processo Penal
(CPP), da Lei de Execução Penal (LEP) e da Lei de Crimes Hediondos, para
estabelecer a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar e a progressão
especial de regime para mulheres gestantes, mães ou responsáveis por crianças,
que estejam sendo acusadas ou tenham sido condenadas por crimes sem violência
ou grave ameaça.

1 INTRODUÇÃO

A Lei n. 13.769 de 19 de dezembro de 2018 alterou dispositivos do Código de


Processo Penal (CPP), da Lei de Execução Penal (LEP) e da Lei de Crimes
Hediondos, para estabelecer a substituição da prisão preventiva pela prisão
domiciliar e a progressão especial de regime para mulheres gestantes, mães ou
responsáveis por crianças, que estejam sendo acusadas ou tenham sido
condenadas por crimes sem violência ou grave ameaça.

Dados disponibilizados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),


observam que no primeiro no primeiro semestre do ano de 2020, aproximadamente
37 milhões de mulheres encontram-se em situação de cárcere. Nos últimos anos, o

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Professora Universitária. Especialista em Psicopedagogia Institucional. Especialista em
Gestão Escolar. Bacharela em Direito. Licenciada em Letras.
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maior índice da população prisional feminina foi em 2016, quando 40,97 milhões de
mulheres estiveram detidas, totalizando um crescimento de 656% entre os anos
2000 e 2016.

Ocorre que, com o advento dos direitos previstos pela nova lei, eis que
surgem questionamentos controvertidos a respeito do preenchimento dos requisitos
específicos, bem como a eficácia da lei em se evitar ou reduzir o encarceramento de
mulheres.

Sendo assim, balizar as possibilidades previstas em lei para concessão da


prisão domiciliar em caso de mulheres gestantes ou que se encontram em estado
puerperal e a divergência de entendimentos entre os magistrados sobre o assunto?
Como a jurisprudência brasileira vem decidindo sobre a conversão da prisão
preventiva em prisão domiciliar em caso de gestantes e mulheres parturientes?

Diante de tais questionamentos, o objetivo geral deste artigo consiste em


averiguar e discutir acerca da possibilidade jurídica de substituir a prisão preventiva
por domiciliar quando a ré é pessoa gestante ou mulher que se encontra em estado
puerperal.

2 SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Diante do impactos sociais e jurídicos evidenciados a despeito da decisão


supramencionada, faz-se importante uma abordagem sobre o resultado da
prestação jurisdicional. Em outros termos, da efetividade do que foi determinado
pelo STF. Sendo assim, seguem alguns julgados que representam como os tribunais
estão tratando o tema na prática desde a concessão do writ.

Em 2019 a 4ª Câmara Criminal do TJRS denegou o Habeas Corpus, a uma


suspeita de estelionato, alegando que a genitora interessada na concessão, mãe de
uma menina de 12 anos com deficiência, deixava a filha só e não a levava ao centro
de assistência social do município.

HC 40029787220198240000, Rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, 4ª Câmara


de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em:
21/02/2019.
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. LEGALIDADE DA
PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE
3

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CABIMENTO. Crimes dolosos punidos com


pena privativa de liberdade máximas que, somadas, superam a quatro anos,
imputado a agente reincidente (art. 313, incs. I e II, do CPP). REQUISITOS
DO ART. 312, CPP. FUMUS DELICTI. Retirado dos registros de ocorrência
e dos reconhecimentos realizados pelas vítimas e por uma testemunha
presencial. PERICULUM LIBERTATIS [...] No caso, não demonstrada à
imprescindibilidade da genitora nos cuidados da filha, considerando os
elementos dos autos que indicam que a paciente não vem assegurando os
cuidados necessários à condição particular da criança. Ordem denegada
(BRASIL, 2019).

Importante frisar, que a decisão do julgado destacou as três ressalvas que


comportam denegação: crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a
pessoa, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
desde que devidamente fundamentadas.
Já no ano de 2018, a 8ª Câmara Criminal do TJRS também denegou o HC
700775052017, cuja interessada na concessão estava sendo acusada de tomar
parte em homicídios qualificados cometidos em circunstâncias de violência acima do
comum, o que motivara a prisão preventiva.
HC 700775052017, Rel. Dálvio Leites Dias Teixeira, 8º Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 25/04/18.
HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES, E
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COM ENVOLVIMENTO DE
ADOLESCENTES (LEI N. 11.343/2006, ARTS. 33, CAPUT, C/C ART. 40, VI
E 35, CAPUT) - PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR INDEFERIDO. PRISÃO
DOMICILIAR - PRESA QUE É GENITORA - CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO
CONCRETO QUE NÃO PERMITEM A FLEXIBILIZAÇÃO DO CÁRCERE -
MÃE QUE UTILIZAVA DA MORADA FAMILIAR COMO PONTO DE VENDA
DE DROGAS - EXERCÍCIO REITERADO DO ATO ILÍCITO - GENITORA,
ADEMAIS, QUE TINHA COMO MODUS OPERANDI CORROMPER
MENORES AO CRIME, A EXEMPLO DE SUA PRÓPRIA 69 FILHA E
ENTEADO, AMBOS ADOLESCENTES - CÁRCERE QUE MERECE SER
MANTIDO NO SEU ALCANCE MAIS RIGOROSO [...] WRIT DENEGADO
(BRASIL, 2019).

Os fundamentos das decisões denegatórias muitas vezes são abstratos,


vazios e retóricos. Falta de documentos, periculosidade da ré, cuidado dos avós,
contratação de banca de eficiente de advogados, são alguns dos argumentos que já
fizeram os tribunais rejeitarem o pedido de prisão domiciliar, posto que os
magistrados utilizam seus juízos de valores e o clamor social para manter a prisão,
aniquilando os direitos e garantias fundamentais das mães detentas (VITAL, 2018).

A despeito dos argumentos, a ausência de comprovação de que os filhos


dependem exclusivamente dos cuidados da mãe, vêm sendo considerados pelas
instâncias superiores insuficientes para impedir a substituição. Inclusive, em 2017, a
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6ª turma do STJ no RHC nº 105.588/RO deixou claro no trecho abaixo extraído do


acórdão proferido, que a relação entre mãe e filho gera presunção de necessidade
de cuidados, tornando descabida a exigência de comprovação:

Apesar da argumentação lançada pelas instâncias de origem (destacando a


grande quantidade de droga apreendida), não se observa a indicação de
elemento específico a evidenciar situação excepcionalíssima capaz de
afastar o benefício pretendido em relação à prisão domiciliar. De acordo
com precedentes desta Sexta Turma (por exemplo, HC n. 422.235/MS,
Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 19/12/2017).

Para a turma em comento, é “descabida a discussão acerca da necessidade


dos cuidados maternos à criança, pois a condição é legalmente presumida”.

Ademais, julgados dos Tribunais Superiores evidenciam também que a


discricionariedade judicial sobre o tema não foi completamente extirpada. Pois,
ainda que haja preenchimento dos requisitos elencados no artigo 318-A, a
substituição pode ser indeferida, e sendo assim, exige-se uma fundamentação
específica e concreta. Essa exceção está contida em trecho do acórdão proferido
pela 6ª turma do STJ no HC 525.805/AC:

3 ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL

As penitenciárias femininas brasileiras ainda apresentam poucas informações,


especialmente no que tange aos danos psicológicos que podem causar as relações
estabelecidas entre mãe e filho, bem como no desenvolvimento biopsicossocial de
crianças que permanecem nesse ambiente. Diante de um sistema prisional
construído por homens e para homens, as mulheres enfrentam várias situações não
pensadas nelas (SPOSATO, 2019).

O déficit nas prisões femininas é de cerca de 10 mil vagas, de um total de


467 penitenciárias ou similares informados pelos estados ao Ministério da
Justiça, apenas 40 são destinados a mulheres (8,5%), sendo que apenas 15
(3,2%) podem ser consideradas penitenciárias de grande porte. É pelo
menos 15 unidades femininas no Brasil, o que é pouco diante da massa
carcerária feminina, hoje em torno de 25 mil presas (ABIN, 2018).
A privação da liberdade, por si só, representa um grande castigo para o ser
humano. Mas não pode agravar-se pelos maus-tratos, por motivo de problema
superpopulacional carcerário, falta de higiene, de trabalho, carência médica, jurídica,
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abusos sexuais e outras violências. Nesse sentido, é observado que o


encarceramento feminino à luz dos direitos humanos fere dispositivos
constitucionais.

Desde o nascimento das instituições prisionais era evidente a necessidade de


separação de homens e mulheres, porém o direcionamento dado para as penas
imputadas para ambos não são totalmente diferentes. Ainda assim, os valores a
serem desenvolvidos pelos homens com a pena são de legalidade e necessidade do
trabalho, já as mulheres desviadas precisam recuperar o seu pudor com a pena
atribuída (ESPINOZA, 2004). A diferença das qualidades atribuídas aos gêneros é
um resultado que se formou ao longo dos anos e não um pré-requisito para a
construção social deles (BARATTA, 1999, p. 63).

Diante disto percebe-se claramente, que a função do direito penal em relação


às mulheres é a punição, em última instância. Haja vista, não terem exercido um
papel social imposto ao ser feminino, pré-determinado pela sociedade patriarcal de
gênero. Ou seja, a mulher que fugiu do padrão de normalidade compreendido pelo
patriarcado, o de que a mulher deve ser “bela, recatada e do lar”, mãe ou esposa.

Das 30.625 mulheres que, de acordo com os números de dezembro de 2021


do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), estão encarceradas no país, 45%
não completaram o Ensino Fundamental, 50% têm entre 18 e 29 anos e 62% são
negras. A maior parte delas é acusada por crimes que, como a venda de drogas
para pessoas que querem comprá-las, não têm violência. Além disso, 74% são
mães (BRASIL, 2021a).
No que se refere à maternidade, o registro é de 1.850 filhos no
estabelecimento, destes 106 lactantes, Em relação ao número de gestantes/
parturientes é de 176. No mesmo período, foi registrado o total de 1.446 filhos no
estabelecimento prisional, sendo 1.180 com idade superior a 3 anos, 279 filhos com
idade entre 2 a 3 anos, 172 com idade entre 1 e 2 anos, 114 entre 6 meses e 1 ano
e 106 com idade até seis meses (BRASIL, 2021b).
Em relação à composição por cor/raça X população com informação 50,28%
é de mulheres declaradas pardas, 32,52% de brancas, 16,03% de negras, 0,98 de
amarelas e 0,19% de indígenas. Um dado importante a se destacar é que em
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relação à acessibilidade, de 5.864 mulheres 71,18% tem deficiência intelectual


(BRASIL, 2021b).
Tais números asseveram que o Brasil é o terceiro país que mais encarcera no
mundo – atrás de China (segundo lugar) e Estados Unidos, sendo que entre 1990 e
2019, a taxa de aprisionamento aumentou em 359% (trezentos e cinquenta e nove
por cento), conforme consta do sétimo painel interativo (referente aos dados
divulgados em dezembro de 2019). O crescente número fomenta a discussão sobre
a (in) eficácia do sistema penitenciário, diante da análise das finalidades da pena
previstas no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive considerando que partes dos
indivíduos detidos são egressos do próprio sistema

No que se refere às mulheres e à sua criminalização, percebe-se que o direito


penal não só ajuda a solucionar certas questões como origina novas discriminações
além de reforçar as velhas Nesse sentido, cabe indagar quem são as mulheres
encarceradas brasileiras. Qual a sua origem, sua cor, classe social, sua
escolaridade, os crimes que mais cometem e a razão disto, enfim, de que mulheres
estão se falando (SPOSATO, 2019).

Dados do Ministério da Justiça (2011) indicam que a faixa etária das mulheres
presas é bem distribuída, variando entre os 18 e 45 anos em maior quantidade. Sua
raça e/ou cor da pele é 45% parda, 37% branca e 16% negra. Vale atentar-se nesta
estatística para o racismo incutido na população brasileira que ocasiona que muitas
mulheres negras não se reconheçam como tal, por isso cabe se considerar que a
população carcerária feminina é 63% não branca (NETTO; BORGES, 2013).

O principal crime cometido por mulheres é o de tráfico, que corresponde a


60%, seguido dos crimes contra o patrimônio, que representam 23% das cifras. O
primeiro crime está relacionado com a questão de gênero, já que na maioria dos
casos de tráfico a mulher está envolvida por conta de um homem de sua família,
marido, irmão ou filho, tornando-se um crime “familiar”, como são os muitos casos
em que é detida ao tentar levar a droga na ocasião da visita intima ao seu
companheiro já preso. Já os crimes contra o patrimônio refletem outra face da
criminalidade feminina, qual seja a feminização da pobreza, são crimes cometidos
por mulheres de classes subalternizadas.
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Mendes, Silva e Silva (2014) afirmam que as mulheres encarceradas pelo tipo
penal de tráfico de drogas, de modo geral, são mulheres pobres, com baixa
escolaridade, que passaram por algum tipo de violência e estão em situação de
vulnerabilidade, além de ocuparem o papel de ‘mula do tráfico’, considerada a
atividade mais inferior e descartável na hierarquia do tráfico de drogas.

Outro dado que não pode passar despercebido, é a porcentagem de mulheres


presas no Brasil que é de 7%, infinitamente menor que a masculina. Este dado
esclarece a importância de mais estudos nessa área, pois por conta disto as
particularidades das prisões femininas são muitas vezes deixadas de lado ou
invisibilizadas. Uma particularidade do encarceramento feminino é o abandono da
mulher presa por seus familiares.

O crescimento de prisões de femininas está muito mais ligado à questão das drogas –
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Mulheres que têm filhos, segundo a lei e decisão do Habeas Corpus Coletivo
julgado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 143.64 em 2018, têm direito à
substituição da pena privativa de liberdade pela prisão domiciliar. O momento da
realização da audiência de custódia é crucial para fazer valer tal direito.
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4 ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 13.769/18

Com a entrada em vigor da Lei 13.769/18, o juiz pode substituir a prisão


preventiva pela prisão domiciliar quando o agente for mulher gestante, mulher com
filho de até 12 anos de idade incompletos ou homem que seja o único responsável
pelos cuidados de criança menor de 12 anos de idade. Porém, o texto do caput do
artigo 318 ao utilizar o verbo “poderá”, abriu margem à interpretação dos
magistrados para indeferirem a substituição, fato que restou confirmado na prática.

Insta salientar, que no ano de 2018, devido aos baixos índices de substituição
de prisões preventivas por prisões domiciliares, o STF concedeu habeas corpus
coletivo para todas as mulheres gestantes ou mães de crianças com até 12 anos de
idade (HC nº 143.641/SP). – Tal habeas corpus é abordado melhor em subseção
específica, neste trabalho. – O item VIII do acórdão revelou a necessidade de
diminuição das margens interpretativas do artigo 318 do CPP:

VIII – “Cultura do encarceramento” que se evidencia pela exagerada e


irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e
vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei
penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de
outras soluções, de caráter humanitário abrigadas no ordenamento jurídico
vigente.
Ainda na perspectiva de decisões do STF, a Lei 13.769/18 inseriu no CPP os
artigos 318-A e 318-B. O caput do artigo 318-A dispõe, que a prisão preventiva será
substituída pela prisão domiciliar quando o agente for mulher gestante ou mãe ou
responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que preenchidos dois
requisitos (CAPEZ, 2017), a relembrar aqui:

1 - Não ter sido o crime cometido com violência ou grave ameaça;


2 - Não ter sido o crime cometido contra seu filho ou dependente.
O verbo “será” clarifica a finalidade do legislador em diminuir a margem de
discricionariedade do magistrado quanto à substituição ou não. Dessa forma, em
regra, preenchidos os requisitos, deve a prisão preventiva ser substituída pela prisão
domiciliar. Entretanto, não obstante a clareza textual contida no artigo 318-A, diante
de um volume grande de recursos e habeas corpus no STF a fim de tratar de tal
temática, evidencia-se que esse direito continua sendo de difícil implementação nas
instâncias inferiores.
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As fundamentações utilizadas no indeferimento à substituição são: ausência


de comprovação de que os filhos dependem exclusivamente dos cuidados da mãe e
o de que a prática de um suposto crime por parte da mãe gera presunção de que ela
representa riscos ao desenvolvimento saudável do filho. Importante destacar, que
tais alegações vêm sendo compreendidas pela instâncias superiores como
insuficientes no impedimento substituição. A visão das instâncias superiores será
abordada mais adiante neste trabalho, em seção específica.

4.1 HABEAS CORPUS COLETIVO 143.641/ SP

Antes de debruçar sobre o Habeas Corpus Coletivo 143.641, faz-se


importante relembrar o Habeas Corpus 151.057/DF concedido à senhora Adriana de
Lourdes Ancelmo, esposa do ex-governador do Estado Rio de Janeiro. A concessão
parcial foi dada no dia 18 de dezembro de 2017, pelo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Gilmar Mendes. Para tal decisão o ministro fundamentou a
possibilidade da substituição em prisão domiciliar por motivo de haver menores
necessitando dos cuidados da mãe.

Na oportunidade dos fatos tal situação era agravada por conta do pai também
encontrar-se encarcerado. O relator sustentou que a questão da prisão de mulheres
grávidas ou com filhos menores sob seus cuidados seria agravante, daí a
necessidade de ser refletida com cautela. Para o ministro em comento é preciso,
quando possível, medidas alternativas suficientes tanto para acautelar o processo,
quanto para não ocorrer o excesso de punição à mulher ou às crianças.

O ministro em comento citou o trecho do Livro intitulado Prisão e Liberdade


(2013), cuja autoria é do doutrinador Guilherme de Souza Nucci:
A mens legis diz com a necessidade de resguardar, em tal situação, não o
agente criminoso, mas sim a pessoa que se encontra em situação de
vulnerabilidade legitimadora de maiores cuidados, quais as crianças e
deficientes, de modo coerente, inclusive, com a maior proteção a eles
deferida pelo ordenamento jurídico nacional, constitucional e
infraconstitucional, e internacional. Portanto, o raciocínio que se deve fazer,
neste caso, deve partir da consideração do que é melhor para o vulnerável o
filho recém-nascido e não do que é mais aprazível para a paciente (NUCCI,
2013, p. 114).
A decisão do referido relator ficou clara ao analisar a possibilidade de
substituição em benefício do menor e da situação de vulnerabilidade que eles se
encontravam. Enfatizou ainda a necessidade de verificação das peculiaridades de
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cada caso, acrescentado que as circunstâncias pelas quais o delito fora praticado
ensejava concessão da prisão domiciliar com amparo legal, não só na proteção à
maternidade e à infância, como também na dignidade da pessoa humana,
“porquanto prioriza-se o bem-estar da criança” (HC 151.057 DF, Relator: Min. Gilmar
Mendes STF Dje 18.12.2017).

Meses depois da concessão Habeas Corpus 151.057 supramencionado, a


segunda Turma do STF, aos 20 dias do mês de fevereiro do ano de 2018 em São
Paulo foi concedido o Habeas Corpus Coletivo 143.641. A sessão parlamentar, por
maioria dos votos decidiu de maneira precisa a substituição da prisão preventiva por
domiciliar de todas as mulheres presas, que encontravam-se em território nacional,
estivessem grávidas, fossem mães de crianças com até 12 anos de idade ou de
pessoas com deficiência, sem qualquer prejuízo de aplicação das medidas
alternativas constantes no art. 319 do CPP (VIGATO, 2020).
O Ministro Ricardo Lewandowski relator do Habeas Corpus, enfatizou o
cabimento asseverando ser esta a única solução pertinente para garantia de acesso
à Justiça de grupos sociais mais vulneráveis e destacou sobre a precariedade dos
presídios brasileiro. Para fundamentar sua decisão lembrou a ADPF (Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental) que reconheceu o estado de coisa
inconstitucional dos presídios brasileiros, asseverando sobre a deficiência estrutural
de tais sistemas, que causam situações desumanas às mulheres e crianças.
Ademais, o ministro realçou a despeito do descumprimento sistemático de
normas constitucionais, que garantam uma vida digna a estas pessoas. Deu ênfase
à prioridade absoluta na proteção às crianças, conforme dispõe o art. 227 da CF/88
e citou também a Lei 13.257/16. Neste contexto, o relator votou em conceder a
ordem e para determinar a substituição das prisões sem prejuízo da aplicação das
medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP, exceto quanto se tratar de
crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça; ou quando em
situações excepcionalíssimas em que o juiz denegue o benefício, porém, nestes
casos, é essencial que seja devidamente fundamentado; ou ainda, quando os crimes
forem praticados contra seus descendentes. Atentando-se para o caso quando a
presa foi reincidente, que, deste modo, o juiz deverá analisar as peculiaridades de
cada caso concreto (VIGATO, 2020)
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Insta salientar que em relação ao mérito, a maior preocupação desse


entendimento jurisprudencial era a exclusividade das mulheres presas
preventivamente, haja vista o rol taxativo destacar, que todas as crianças e
deficientes deverão possuir a guarda das genitoras, quando possível.
Apesar dos ministros concordarem com relator em relação ao mérito, o
Ministro Edson Fachini discordou por entender que isso implicaria automaticamente
no encarceramento domiciliar daqueles reconhecidos no julgamento da ADPF 347,
retratando as graves falhas do sistema prisional e no reconhecimento da “cultura do
encarceramento”. E diante disso, compreendia que todas as avaliações deveriam
ser aplicadas mediante casos concretos, conforme o artigo 318, IV, V e VI do CPP,
cujo enfoque se dá de forma individualizada no melhor interesse da criança, não
admitindo qualquer revisão automática nas prisões preventivas decretadas ao longo
do tempo (VIGATO, 2020).
A decisão do STF assevera os debates sobre o estado crítico do sistema
prisional brasileiro, reflexos de injustiças e violações de direitos sofridos pelas mães
e crianças. Neste sentido, observa-se a real necessidade de aplicação de normas
mais benéficas, que promovam economia e celeridade processual, além da garantia
de acesso à justiça, por aqueles que se encontram em situação de extrema
vulnerabilidade e a partir do seu caráter coletivo, evidencia-se a importância do
remédio constitucional.

5 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

Diante do impactos sociais e jurídicos evidenciados a despeito da decisão


supramencionada, faz-se importante uma abordagem sobre o resultado da
prestação jurisdicional. Em outros termos, da efetividade do que foi determinado
pelo STF. Sendo assim, seguem alguns julgados que representam como os tribunais
estão tratando o tema na prática desde a concessão do writ.

Em 2019 a 4ª Câmara Criminal do TJRS denegou o Habeas Corpus, a uma


suspeita de estelionato, alegando que a genitora interessada na concessão, mãe de
uma menina de 12 anos com deficiência, deixava a filha só e não a levava ao centro
de assistência social do município.
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HC 40029787220198240000, Rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, 4ª Câmara


de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em:
21/02/2019.
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. LEGALIDADE DA
PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CABIMENTO. Crimes dolosos punidos com
pena privativa de liberdade máximas que, somadas, superam a quatro anos,
imputado a agente reincidente (art. 313, incs. I e II, do CPP). REQUISITOS
DO ART. 312, CPP. FUMUS DELICTI. Retirado dos registros de ocorrência
e dos reconhecimentos realizados pelas vítimas e por uma testemunha
presencial. PERICULUM LIBERTATIS [...] No caso, não demonstrada à
imprescindibilidade da genitora nos cuidados da filha, considerando os
elementos dos autos que indicam que a paciente não vem assegurando os
cuidados necessários à condição particular da criança. Ordem denegada
(BRASIL, 2019).
Importante frisar, que a decisão do julgado destacou as três ressalvas que
comportam denegação: crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a
pessoa, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
desde que devidamente fundamentadas.

5.1 INDIFERENÇA ESTATAL E SOCIAL

A criminalização das mulheres é, portanto, um processo historicamente


construído sobre as bases do exercício do poder político e econômico de um Estado
e de um Direito fundados em bases patriarcais e machistas, cuja unidade dialética
consenso-coerção é mais intensamente aplicada quanto maior for à vulnerabilidade
do grupo de risco, e as mulheres encontram-se, sem dúvidas, na posição de maior
vulnerabilidade no sistema coercitivo penal brasileiro. Vulnerabilidade esta, que pode
ser comprovada quando feita uma análise concomitante de gênero, raça e classe
social dos grupos criminalizados no Brasil (SPOSATO, 2019).

É lugar-comum a referência à situação caótica do sistema prisional brasileiro.


Trata- -se de fato amplamente notório e já difundido há muitos anos, tanto em meio
acadêmico como, especialmente, na atuação diária dos órgãos da execução penal.
O que não pode ser comum é que essas circunstâncias permaneçam inalteradas,
esquecidas, como se fossem estranhas à atuação estatal (NETO, 2016).

O descaso com o sistema prisional não é determinado em razão do sexo,


contudo cabe enfatizar a situação ainda mais vulnerável das mulheres presas. É
possível observar um abandono de duas ordens, a primeira por parte do Estado, na
linha acima explicitada, e a segunda de caráter social.
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Em evidente contraste com as unidades prisionais que abrigam condenados


do sexo masculino, as filas são pequenas e um reduzido número de internas possui
visitantes assíduos. São raros os casos em que cônjuges buscam manter contato
com mulheres presas, pois muitas delas acabam sendo esquecidas, negligenciadas
até mesmo pelas próprias famílias (NETO, 2016).

Essa indiferença estatal e social denota a necessidade de maior atenção em


relação às especificidades da criminalização feminina, principalmente quanto à
abordagem não só relativa a direitos básicos, mas também à saúde mental daquelas
que acabam por receber dupla retribuição por seus at

5.2 AS CONTRIBUIÇÕES DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA

O surgimento do movimento feminista ocidental deu-se como tentativa de


desconstrução dos padrões “únicos” e de “normalidade”, os quais sempre
asseguraram o domínio masculino. Tais padrões estabeleceram características
hierárquicas, fundamentadas na oposição entre sujeito-objeto, razão-emoção,
espírito-corpo, cuja primeira expressão corresponde às qualidades masculinas e a
segundo as qualidades femininas (ESPINOZA, 2002).

Esse movimento qualificou-se também na promoção de uma reforma político-


social da espécie feminina e no incentivo de uma ampliação teórica que questiona
não só o modelo androcêntrico de ciência, mas também de direito; assim como a
uniformidade de ambos os conceitos. Porém, não há como assegurar que o
feminismo tivesse uma estrutura uniforme e não conflitiva, haja vista, já existirem (e,
inclusive, até hoje) diversos pensamentos transmissores de postulados
conservadores e progressistas.

Todavia, Alessandro Baratta (2000) afirma, ao citar Sandra Harding, que:

o denominador comum para todas as direções que, até o presente


momento, seguiu a epistemologia crítica feminista, […] é, então, por um
lado, a descoberta do simbolismo do gênero que, naquele modelo [o
patriarcal], vem ocultado, e, por outro lado, a introdução da perspectiva da
luta emancipatória das mulheres […] no marco político-teórico [...]
(BARATTA, apud, HARDING, 2000).
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Em relação ao intitulado “denominador mínimo”, pela teoria de Harding,


pressupõe que não se desconheça jamais a distinção entre sexo (biológico) e
gênero (social).

No que se refere especificamente à Criminologia Feminista, faz-se importante


destacar antes a Criminologia em sentido amplo. Para tanto aqui nesta pesquisa,
cabe relembrar as principais, a saber: a Criminologia Positivista ou Tradicional e a
Criminologia Crítica ou da Reação Social.

A Criminologia intitulada de Positivista ou Tradicional é baseada no


paradigma etiológico, próprio das ciências naturais, o qual reconhece predicados
intrínsecos em determinados indivíduos cujas práticas são propensas a delitos.
Diante desta ótica, a criminologia seria uma ciência explicativa cujo objeto é
desvendar as causas e as condições dos comportamentos criminais e as motivações
dos indivíduos criminais, entendidos como diferentes. A é entendida como uma
realidade ontológica e inquestionada, cuja patologia é pessoal (ESPINOZA, 2002).

A Criminologia denominada de Crítica ou da Reação Social examina o caráter


natural da desviação, asseverando que esta condição está sujeita às regras e
valores apontados historicamente, a partir dos quais seriam definidos certos grupos
comportamentais e de pessoas como “desviadas”. Sob este aspecto, o objeto da
criminologia deixa de desvendar as causas da criminalidade, e passa a compreender
as condições dos processos de criminalização, as normas sociais e jurídicas, a ação
das instâncias oficiais e os mecanismos sociais, através dos quais se realiza a
definição de determinados comportamentos, baseando-se no paradigma da
definição (ANDRADE, 2016).

Muitas contribuições científicas e militantes em criminologia tiveram como


ponto de partida a mudança do paradigma do labeling approach, que destroncou a
abordagem da criminalidade (fato pré-constituído ou preexistente) para a
criminalização (produto de construção social) como uma condição indispensável.
Entretanto, a teoria foi considerada insuficiente para o desenvolvimento da
Criminologia Crítica, que “se apresenta como uma teoria materialista do desvio dos
comportamentos socialmente negativos e da criminalização, opondo-se às
ideologias conservadoras e de legitimação do status quo” (ANDRADE, 2016, p.10).
15

Ao abordar a Criminologia Feminista o primeiro ponto a se destacar é que


esta deveria ser compreendida sob a ótica feminina, a partir de vivências femininas e
de sua valorização enquanto instrumento intelectual; pensadas para expor e
problematizar questões direcionadas às mulheres, ao passo em que os referidos
discursos hegemônico não se fundamentaram nos mesmos objetivos. Porém, na
prática, infelizmente, ainda há limitações às mulheres, uma vez que estas não são
protagonistas de seus debates (VASCONCELOS 2019).

Em outros termos, uma criminologia que seja ao mesmo tempo feminista e


crítica deve deslocar o enfoque da visão androcêntrica da criminalidade para a
análise e julgamento dos impactos do controle formal e informal sobre a mulher, seja
como autora ou como vítima do delito.

Para Campos e Carvalho (2011) a criminologia feminista vem se


apresentando muito mais receptiva à criminologia crítica do que o contrário. Haja
vista, para os referidos autores por anos as contribuições do feminismo e de suas
categorias centrais, foram incorporadas com mais facilidade pelos aportes teóricos
desenvolvidos pela criminologia crítica, apontando, inclusive, novas ressalvas à
utilização do sistema penal por parte das mulheres ao denunciar o sexismo que lhe
acompanha historicamente.

Insta destacar, que ma análise crítica das instituições prisionais de mulheres a


partir de um ponto de vista feminista pode contribuir para uma compreensão menos
parcial das prisões contemporâneas, possibilitando reformulações no quadro teórico
dos estudos prisionais e ampliando o debate sobre reclusão, exclusão e controle
social (DAVIS; DENT, 2003).

Qualquer estudo convencional das ciências sociais sobre mulheres


prisioneiras vai lhe apresentar uma prisioneira típica - geralmente
caracterizada como “mãe”, com um nível de escolaridade relativamente
baixo e que é também viciada em drogas. O papel que a criminologia e o
estudo da punição têm tido na criação dessas impressionantes
similaridades, não só nas populações, mas nos métodos de controle,
modelos arquitetônicos e práticas de custódia originadas da psicologia do
criminoso, que é generalizada ao redor do mundo. Em outras palavras, a
instituição da prisão e seu uso discursivo produzem o tipo de prisioneiro
que, por sua vez, justifica a expansão das prisões (DAVIS; DENT; 2003 p.
527).
A criminologia feminista aponta, que a tentativa de restabelecimento da
mulher em seu papel social de mãe, esposa, guarda do lar e de fazê-la aderir aos
16

valores da classe média, é óbvia. A criminalização das mulheres é, portanto, um


processo historicamente construído sob as bases do exercício do poder político e
econômico de um Estado e de um Direito fundados em bases patriarcais e
machistas, cuja unidade dialética consenso-coerção é mais intensamente aplicada
quanto maior for à vulnerabilidade do grupo de risco, e as mulheres encontram-se,
sem dúvidas, na posição de maior vulnerabilidade no sistema coercitivo penal
brasileiro. Vulnerabilidade esta, que pode ser comprovada quando feita uma análise
concomitante de gênero, raça e classe social dos grupos criminalizados no Brasil
(SPOSATO, 2019).

É lugar-comum a referência à situação caótica do sistema prisional brasileiro.


Trata-se de fato amplamente notório e já difundido há muitos anos, tanto em meio
acadêmico como, especialmente, na atuação diária dos órgãos da execução penal.
O que não pode ser comum é que essas circunstâncias permaneçam inalteradas,
esquecidas, como se fossem estranhas à atuação estatal (NETO, 2016).

O descaso com o sistema prisional não é determinado em razão do sexo,


contudo, cabe enfatizar a situação ainda mais vulnerável das mulheres presas. É
possível observar um abandono de duas ordens, a primeira por parte do Estado, e a
segunda de caráter social (DE ANDRADE, 2016).

Em evidente contraste com as unidades prisionais que abrigam condenados


do sexo masculino, as filas são pequenas e um reduzido número de internas
possuem visitantes assíduos. São raros os casos em que cônjuges buscam manter
contato com mulheres presas, pois muitas delas acabam sendo esquecidas,
negligenciadas até mesmo pelas próprias famílias (NETTO, 2013).
Essa indiferença estatal e social denota a necessidade de maior atenção em
relação às especificidades da criminalização feminina, principalmente quanto à
abordagem não só relativa a direitos básicos, mas também à saúde mental daquelas
que acabam por receber dupla retribuição por seus atos.
Diante do impactos sociais e jurídicos evidenciados a despeito da decisão
supramencionada, faz-se importante uma abordagem sobre o resultado da
prestação jurisdicional. Em outros termos, da efetividade do que foi determinado
pelo STF. Sendo assim, seguem alguns julgados que representam como os tribunais
estão tratando o tema na prática desde a concessão do writ.
17

Em 2019 a 4ª Câmara Criminal do TJRS denegou o Habeas Corpus, a uma


suspeita de estelionato, alegando que a genitora interessada na concessão, mãe de
uma menina de 12 anos com deficiência, deixava a filha só e não a levava ao centro
de assistência social do município.

HC 40029787220198240000, Rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, 4ª Câmara


de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, julgado em:
21/02/2019.
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. LEGALIDADE DA
PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. AUSÊNCIA DE HIPÓTESE DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CABIMENTO. Crimes dolosos punidos com
pena privativa de liberdade máximas que, somadas, superam a quatro anos,
imputado a agente reincidente (art. 313, incs. I e II, do CPP). REQUISITOS
DO ART. 312, CPP. FUMUS DELICTI. Retirado dos registros de ocorrência
e dos reconhecimentos realizados pelas vítimas e por uma testemunha
presencial. PERICULUM LIBERTATIS [...] No caso, não demonstrada à
imprescindibilidade da genitora nos cuidados da filha, considerando os
elementos dos autos que indicam que a paciente não vem assegurando os
cuidados necessários à condição particular da criança. Ordem denegada
(BRASIL, 2019).
Importante frisar, que a decisão do julgado destacou as três ressalvas que
comportam denegação: crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a
pessoa, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
desde que devidamente fundamentadas.

Já no ano de 2018, a 8ª Câmara Criminal do TJRS também denegou o HC


700775052017, cuja interessada na concessão estava sendo acusada de tomar
parte em homicídios qualificados cometidos em circunstâncias de violência acima do
comum, o que motivara a prisão preventiva.
HC 700775052017, Rel. Dálvio Leites Dias Teixeira, 8º Câmara Criminal do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 25/04/18.
HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES, E
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO COM ENVOLVIMENTO DE
ADOLESCENTES (LEI N. 11.343/2006, ARTS. 33, CAPUT, C/C ART. 40, VI
E 35, CAPUT) - PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR INDEFERIDO. PRISÃO
DOMICILIAR - PRESA QUE É GENITORA - CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO
CONCRETO QUE NÃO PERMITEM A FLEXIBILIZAÇÃO DO CÁRCERE -
MÃE QUE UTILIZAVA DA MORADA FAMILIAR COMO PONTO DE VENDA
DE DROGAS - EXERCÍCIO REITERADO DO ATO ILÍCITO - GENITORA,
ADEMAIS, QUE TINHA COMO MODUS OPERANDI CORROMPER
MENORES AO CRIME, A EXEMPLO DE SUA PRÓPRIA 69 FILHA E
ENTEADO, AMBOS ADOLESCENTES - CÁRCERE QUE MERECE SER
MANTIDO NO SEU ALCANCE MAIS RIGOROSO [...] WRIT DENEGADO
(BRASIL, 2019).
Os fundamentos das decisões denegatórias muitas vezes são abstratos,
vazios e retóricos. Falta de documentos, periculosidade da ré, cuidado dos avós,
contratação de banca de eficiente de advogados, são alguns dos argumentos que já
fizeram os tribunais rejeitarem o pedido de prisão domiciliar, posto que os
18

magistrados utilizam seus juízos de valores e o clamor social para manter a prisão,
aniquilando os direitos e garantias fundamentais das mães detentas (VITAL, 2018).
A despeito dos argumentos, a ausência de comprovação de que os filhos
dependem exclusivamente dos cuidados da mãe, vêm sendo considerados pelas
instâncias superiores insuficientes para impedir a substituição. Inclusive, em 2017, a
6ª turma do STJ no RHC nº 105.588/RO deixou claro no trecho abaixo extraído do
acórdão proferido, que a relação entre mãe e filho gera presunção de necessidade
de cuidados, tornando descabida a exigência de comprovação:
Apesar da argumentação lançada pelas instâncias de origem (destacando a
grande quantidade de droga apreendida), não se observa a indicação de elemento
específico a evidenciar situação excepcionalíssima capaz de afastar o benefício
pretendido em relação à prisão domiciliar. De acordo com precedentes desta Sexta
Turma (por exemplo, HC n. 422.235/MS, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe
19/12/2017)
Para a turma em comento, é “descabida a discussão acerca da necessidade
dos cuidados maternos à criança, pois a condição é legalmente presumida”.
Ademais, julgados dos Tribunais Superiores evidenciam também que a
discricionariedade judicial sobre o tema não foi completamente extirpada. Pois,
ainda que haja preenchimento dos requisitos elencados no artigo 318-A, a
substituição pode ser indeferida, e sendo assim, exige-se uma fundamentação
específica e concreta. Essa exceção está contida em trecho do acórdão proferido
pela 6ª turma do STJ no HC 525.805/AC:

Apesar de a custódia preventiva encontrar respaldo na jurisprudência do


Superior Tribunal de Justiça, a prisão domiciliar deve ser concedida, pois
não está demonstrada situação excepcionalíssima, nem está presente
circunstância legal obstativa, sendo que a Paciente é mãe de menor que
possui pouco mais de 10 (dez) meses.
Dado o exposto, percebe-se que a decisão do STF no HC coletivo nº
143.641/SP, unificada ao advento do artigo 318-A do CPP, a priori, formam uma
fundamentação sólida para reduzir prisões cautelares de mulheres acusadas de
crimes sem violência ou grave ameaça.
O artigo 318 ao utilizar o verbo “poderá”, abriu margem à interpretação dos
magistrados para indeferirem a substituição, fato que restou confirmado na prática.
19

Insta salientar, que no ano de 2018, devido aos baixos índices de substituição
de prisões preventivas por prisões domiciliares, o STF concedeu habeas corpus
coletivo para todas as mulheres gestantes ou mães de crianças com até 12 anos de
idade (HC nº 143.641/SP). – Tal habeas corpus é abordado melhor em subseção
específica, neste trabalho. – O item VIII do acórdão revelou a necessidade de
diminuição das margens interpretativas do artigo 318 do CPP:

VIII – “Cultura do encarceramento” que se evidencia pela exagerada e


irrazoável imposição de prisões provisórias a mulheres pobres e
vulneráveis, em decorrência de excessos na interpretação e aplicação da lei
penal, bem assim da processual penal, mesmo diante da existência de
outras soluções, de caráter humanitário abrigadas no ordenamento jurídico
vigente.
Ainda na perspectiva de decisões do STF, a Lei 13.769/18 inseriu no CPP os
artigos 318-A e 318-B. O caput do artigo 318-A dispõe, que a prisão preventiva será
substituída pela prisão domiciliar quando o agente for mulher gestante ou mãe ou
responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que preenchidos dois
requisitos (CAPEZ, 2017), a relembrar aqui:

Importante frisar, que a decisão do julgado destacou as três ressalvas que


comportam denegação: crimes praticados mediante violência ou grave ameaça a
pessoa, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas,
desde que devidamente fundamentadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei n. 13.769, de 19 de dezembro de 2018 modificou dispositivos do Código de


Processo Penal (CPP), da Lei de Execução Penal (LEP) e da Lei de Crimes
Hediondos, para estabelecer a substituição da prisão preventiva pela prisão
domiciliar e a progressão especial de regime para mulheres gestantes, mães ou
responsáveis por crianças, que estejam sendo acusadas ou tenham sido
condenadas por crimes sem violência, diante disso, o objetivo geral desta pesquisa
biblibliográfica conidtiu em averiguar e discutir acerca da possibilidade jurídica de
substituir a prisão preventiva por domiciliar quando a ré é pessoa gestante ou mulher
que se encontra em estado puerperal.
20

Porém,com este trabaljo pecebe-se que na prática o sistema penal tradicional


brasileiro assevera a inacapacidade em solucionar as demandas criminais no Brasil.
Com o aumeto cacerário brasieiro só , em contrapartida as higiênicas de saúde, e
ambientais são deploráveis, já havendo inclusive no ano de 2008 uma CPI para a
investigação do descaso do sistema prisional, que aparentemente não levou a
mudanças substanciais da realidade.

O que pôde-se observar é que os direitos fundamentais precisam ser levados


a sério, sem discricionariedade, preferências ideológicas ou cálculos de
conveniência, para tantofoi proposta a implementação da justiça restaurativaou
sexualNo Brasil, desde o ano de 2005 tem havido um crescimento vertiginoso no
número de mulheres encarceradas. Da análise do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias do DEPEN relativo ao período entre julho e dezembro de
2019, observa-se que os números caíram sensivelmente entre os anos de 2016 a
2018; contudo, retomaram a ascendência em 2019, resultando em um número total
de aproximadamente 37.200 mulheres presas (DEPEN, 2020).

Deste grupo de mulheres, mais da metade se encontra encarcerada pela


suposta prática de crimes relacionados ao tráfico e à Lei de Drogas (50,94%); em
segundo lugar, vem a imputação de crimes contra o patrimônio (26,52%) e em
terceiro de crimes contra a pessoa (13,44%), de modo que as demais imputações
juntas não constituem sequer 10% do total (DEPEN, 2020) Ademais, diante desste
estudo pode-se assevevar que a questão do encarceramento feminino atinge
preferencialmente as mulheres negras.

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