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SINOPSE

Quando o prêmio é a morte, alguns jogos são

melhores perdidos do que ganhados.

Se ela perder, ela se torna sua rainha, e ele desencadeia a


guerra na Terra e em Tir n’Aill. Se ela ganhar, ele morre. A resposta
parece clara. Mas então por que ela não consegue querer a vitória?

Quanto mais Abigail vagueia por seu Labirinto das Sombras,


menos certeza ela tem de qualquer coisa – aliados, inimigos, errado,
certo, mal, bom, ódio... E amor. A cada curva e volta, seu coração fica
mais preso em sua armadilha.

Enfrentando a escolha de vencer – e matar o Príncipe Sangrento


– ou perder e se tornar sua rainha, Abigail não consegue decidir o
que é pior. Na verdade, ela está começando a pensar que talvez não
queira mais vencer.

Não importa o custo.


PREFÁCIO
Sim, eles finalmente fazem sexo neste.

ATENÇÃO
Todas as cenas de natureza sexual neste livro são consensuais, mas
podem parecer rudes ou violentas para alguns. Por favor, esteja
avisado.
CAPÍTULO UM
Toda a ideia de começos era um conceito tolo. As coisas não
começavam nem terminavam. Elas faziam um ciclo, se nada mais. A
vida levava à morte, a morte levava à vida, as estações se
alternavam, o sol circulava o céu com a lua como a outra metade de
seu par.
Abigail esteve aqui uma vez antes. E, de certa forma, isso era
irritante. Mas de outra, ela... Não estava surpresa.
E assim, mais uma vez, do começo, ela entrou no Labirinto.
Não porque ela pensou que isso a levaria a algum lugar útil.
Ela não era tão tola.
Não, ela andou porque literalmente não tinha mais nada para
fazer.
Abraçando os braços ao redor de si mesma, ela estudou as
árvores que delineavam o caminho que estava à sua frente. Ela podia
senti-las quando era mortal - como elas pareciam observá-la. Mas
agora que ela era feérica, ela podia ouvi-las. A música delas enchia o
ar... E só reforçou sua crença de que havia algo muito, muito errado
com as florestas do Labirinto.
Onde as árvores de Tir n’Aill eram passivas, essas árvores não
eram. Estas árvores cantavam de fome. De necessidade. De sangue.
Se ela ouvia a música delas por muito tempo, isso fazia sua pele ficar
arrepiada.
— Pelo menos meus pés não doem desta vez.
Da floresta ao redor dela veio um coro de gargalhadas.
Goblins1. Ela virou a cabeça para procurá-los, mas não viu nada. Ela
sabia que eles provavelmente se esconderam no momento em que
ela se moveu. Encarando a escuridão, ela suspirou e voltou para o
caminho. Não havia sentido em gritar com eles, ou jogar coisas neles,
ou ameaçá-los. Eles eram goblins. Provavelmente só os incitaria.
Além disso, ela tinha outras coisas em mente.
O próprio Labirinto.
E Valroy.
Resolva o Labirinto. Afinal, o que isso quer dizer? Não tem centro
verdadeiro. Tudo muda e se move à vontade de Valroy. Como devo
responder a uma pergunta quando nem mesmo sei o que está sendo pedido
de mim?
Ela queria pedir uma dica a Valroy, pelo menos para ajudá-la a
entender a tarefa que deveria completar, mas sabia que seria inútil.
Ele só iria zombá-la, provocá-la e, na pior das hipóteses, oferecer-se
para negociar com ela.
Ele poderia lhe dar uma pista, mas a que custo? Seus braços se
arrepiaram novamente ao pensar no que ele poderia pedir a ela.
Mastigando o lábio inferior, ela tentou empurrar as imagens de sua
mente.
Ela o queria. Deuses a ajudem, ela o queria. E quando ele
ameaçou persegui-la, caçá-la e tomá-la, uma voz ela quase implorou
que ele fizesse exatamente isso. Antes, aquela voz tinha sido mais
calma e mais fácil de ignorar. Mas ficava mais alta a cada dia.
Resolva o Labirinto ou case-se com Valroy.
Mas havia outra escolha diante dela. Uma que ela havia
guardado no éter do mundo. Uma lâmina, amaldiçoada com o poder
de talhar feridas que não cicatrizam e matar até mesmo aqueles que
não podiam morrer.
Ela não precisava resolver o Labirinto para salvar o mundo.
Ela só precisava criar coragem para acabar com Valroy
primeiro.
A ideia a deixou doente. Se eu tivesse algum bom senso no mundo,
eu o estriparia como um peixe na primeira chance que tivesse.
Que pensamento rançoso. Como todos os outros, ela o
empurrou de sua mente. Mas não importa o quanto ela tentasse,
tudo girava em torno de uma pergunta simples: o que ela deveria
fazer com Valroy?
Vagar pelo Labirinto nada mais era do que sua tentativa de
ganhar tempo. Tempo para fazer o quê? Para decidir o que ela sentia
por ele? Para convocar a coragem para esfaqueá-lo? Para se preparar
para quando a paciência dele se esgotasse com o joguinho deles e ele
a pressionasse contra a terra e a fodesse como ele ameaçou fazer?
Rosnando de frustração, ela ouviu cacarejos na floresta
novamente. — Ah, calem a boca, todos vocês!
Eles simplesmente riram mais.
Uma hora deve ter passado. Talvez mais. Era difícil dizer no
escuro, com a lua lentamente fazendo sua jornada pelo céu estrelado.
E ela ainda andava por entre as árvores que zumbiam com uma
ressonância sinistra. Ela guardou seus pensamentos para si mesma,
não desejando ser lembrada do fato de que a escuridão estava cheia
de coisas Unseelies, e essas coisas estavam dispostas a observá-la.
Talvez viajar a pé fosse a maneira errada de se locomover pelo
Labirinto. Ela estivera em poucos lugares - a costa, o lago de Anfar, o
caldeirão, a casa de Valroy - mas poderia viajar pelas raízes das
árvores para retornar a esses lugares.
Ela estava nervosa para tentar. Muito nervosa. Mas ela passou
tempo suficiente reunindo seus pensamentos e tentando entender
inutilmente o que ela deveria estar fazendo. Caminhando até uma
das árvores imponentes de casca branca, ela pairou a mão sobre sua
superfície, hesitando.
Era como se estivesse estendendo a mão para ela de volta,
ansiosa por seu toque. As árvores a queriam. Com uma respiração
vacilante, ela colocou a mão na superfície e imediatamente puxou o
ar de volta para ela em um suspiro.
Deuses, ela podia senti-las.
— Desejo ver Anfar. — Por que ela declarou sua intenção, ela
não sabia. As árvores normais obedeciam à vontade dela sem que ela
precisasse dizer em voz alta. Mas essas... Essas não eram árvores
normais. Parte dela se perguntou se ela fosse para as raízes, ela
voltaria novamente.
Ela imaginou o lago onde ela havia falado com Anfar sobre
Lady Astasha e deixou que as raízes a levassem até lá. Quando ela
emergiu, ela estava tremendo. Seu corpo estava em chamas, embora
ela não soubesse porquê. As árvores a levaram para onde ela queria
ir, mas parecia... Muito pessoal.
Muito físico.
Ela ajeitou as roupas e desejou que seu coração parasse de bater
tão rápido.
Farei isso exatamente, o mínimo possível.
E era exatamente por isso que ela tinha a nítida impressão de
que seria forçada a fazer isso com frequência. Ela caminhou da linha
da floresta em direção ao lago com as pernas trêmulas. Acho que as
árvores podem ter me apalpado. O pensamento a fez rir. Este lugar
realmente pertence a Valroy.
Quando ela chegou à praia, ela notou uma figura sentada sobre
uma rocha nas sombras. Era Anfar. Seus ombros estavam curvados e
ele segurava uma velha garrafa de vidro na mão. Ela observou
enquanto ele tomava um gole.
Astasha provavelmente estava morta. E se Abigail tinha
alguma ideia de como o mundo dos Unseelies tratava seu povo,
provavelmente tinha sido a pobre criatura marinha que tinha sido
forçada a fazer a ação. Ela caminhou até ele, parando a cerca de um
metro e meio de distância.
Ele olhou para ela, então olhou de volta para as pedras entre
seus pés. Ele não disse nada. Anfar, ela achava, não era um homem
muito falante. Fera. O que quer que ele fosse. Ela caminhou até a
pedra em que ele estava sentado e se juntou a ele.
Sem palavras, ele lhe ofereceu a garrafa. Ela tomou um gole e
quase cuspiu de volta. Ela engoliu, chiou e depois tossiu. — Ah, isso
não é vinho.
Anfar riu, um som baixo. — Não. Não é. — Ele pegou a garrafa
de volta.
Depois de uma pausa, ela se inclinou contra o braço dele. Ela
não se incomodaria em perguntar se ele estava bem. Ela já sabia a
resposta. Eles se sentaram em silêncio, ele ocasionalmente bebendo
da garrafa.
Surpreendentemente, foi a fera marinha que finalmente falou.
— O que você vai fazer?
— Hum? — Ela olhou para ele e ponderou a questão por um
momento. — Não sei. Não sei como ‘resolver o Labirinto’ agora,
assim como não sabia como mortal.
— Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer o que você vai
fazer sobre Valroy?
Ela riu. — Acho que tenho muito pouco a dizer sobre o que
acontece.
— Você pode se surpreender.
Estudando-o, ela inclinou a cabeça ligeiramente para o lado. —
O que você sabe?
— Nada que é meu lugar para compartilhar. — Ele tomou um
gole da garrafa mais uma vez.
— Bem, isso não é nada justo, é?
Ele gesticulou para o mundo ao redor deles com um
movimento cansado de um braço. — Tir n’Aill.
A entrega inexpressiva a fez sorrir, e ela teria rido se ele não
parecesse tão completamente desamparado. Ela estendeu um braço e
o colocou ao redor dos ombros dele. Anfar em sua forma humana
parecia um homem que ficou preso em um pedaço flutuante de um
naufrágio por semanas. Ela podia ver suas costelas sob as roupas
esfarrapadas e a rede que ele usava. Ele era menor do que ela teria
esperado para uma criatura cuja verdadeira forma não era tão
pequena.
— Eu vou te perguntar isso, Abigail. — Ele tomou outro gole
pesado da garrafa. — Se você fosse ‘resolver o Labirinto’ e tivesse a
chance de acabar com a vida dele, você faria isso?
— Não tenho desejo de matá-lo.
— Porque você não tem desejo de matar ninguém ou nada? —
Ele a olhou pensativo.
Abrindo a boca para responder, ela fez uma pausa e soltou um
suspiro pesado. Ela tirou o braço dos ombros dele e olhou para o
lago plácido. — O que eu vou fazer, Anfar? Para salvar dois mundos
da destruição, devo resolver um Labirinto – algo que nem sei como
começar a fazer. E se o fizer, terei a opção de matá-lo. Mas que tipo
de preço é esse? Eu não desejo isso.
— Você se sacrificou para dar a dois mundos um pouco mais
de tempo. Você não o mataria para conceder-lhes ainda mais?
— Não. — Ela suspirou, seus ombros caindo. — Não sei. Uma
foi uma escolha fácil. A outra não.
— Ele é cruel com você.
— Sim, mas... — Fechando os olhos, ela abaixou a cabeça. —
Por que você é amigo dele, Anfar?
— Porque não tenho escolha.
Ela riu disso e olhou para ele incrédula. — Acho que você está
mentindo.
— Eu não estou. — Ele fez uma careta. — Se eu negligenciá-lo,
ele me encontra. Não é escolha minha que ele esteja constantemente
presente.
— Por que eu sinto que se os outros não intervissem, você
nunca falaria com outra alma enquanto viver, Anfar?
Levando a garrafa aos lábios, ele murmurou sua resposta no
gargalo. — Porque você tem um cérebro.
Rindo novamente, ela se inclinou contra o braço dele mais uma
vez, descansando a cabeça em seu ombro. Ela ficou surpresa quando
ele inclinou a cabeça para descansar em cima dela. Eles se sentaram
em um silêncio confortável por outro longo trecho.
— Eu vou ficar bem — ele murmurou. — Eu simplesmente não
estou neste momento.
Ela sorriu levemente e, estendendo a mão, pegou a mão dele na
dela. Ele apertou. — E não desejo matar Valroy pelas mesmas razões
que você o suporta como amigo. Pois há algo estranho nele que eu
deveria achar repulsivo, e ainda assim não acho.
— Então você está começando a entender. — Ele apertou a mão
dela novamente suavemente. — E há esperança.
— Esperança para quê?
— Para que você possa resolver o Labirinto.
Ela levantou a cabeça do ombro dele para perguntar o que
exatamente ele quis dizer com isso, mas ela nunca teve a chance.
— Ah, aí está você, minha pequena Seelie.
Levantando-se rapidamente, ela quase caiu de cara no chão
enquanto se virava para encarar a fonte da voz. Valroy estava
encostado em uma rocha próxima, observando-a. Seus olhos cor de
safira brilharam divertidos com o quão assustada ela estava.
Ela ficou rígida, esperando que ele lançasse um ataque. Ou a
perseguisse. Ou alguma coisa. Tentando convocar suas videiras, ela
descobriu que não podia. Ele ainda as estava segurando com seu
próprio poder no Labirinto. Ela olhou para ele. — Pelo menos
permita que eu me defenda!
— Ah-ah. — Ele tiquetaqueou um dedo para frente e para trás
no ar na frente dele. — Não há necessidade. Não quando você está
perto de mim. E me sinto insultado por você pensar que vim aqui
para lhe causar mal. — Ele deu um passo à frente, abrindo suas asas.
— Eu apenas vim para pedir que você se junte a mim para jantar.
Jantar.
Ela se mexeu. — Se não?
— Se não? — Ele colocou a mão no peito em um insulto
simulado. — Você acha que eu me rebaixaria a ponto de ameaçá-la
durante o jantar? Anfar, venha em meu auxílio, diga a ela que ela
está me julgando mal.
— Eu acho que ela está julgando você muito bem. — Anfar
tomou outro gole forte de sua garrafa e grunhiu. Estava vazia. Ele
sacudiu o recipiente e, em seguida, com um preguiçoso encolher de
ombros de um único ombro fino, a jogou no chão ao lado dele. — E
não.
— Não o quê?
— Eu não irei em seu auxílio. — Anfar fungou e abaixou a
cabeça, seu cabelo pegajoso caindo na frente de seus olhos. — Nem
agora, nem nunca.
Abigail franziu o cenho para o homem, franzindo a testa um
pouco preocupada. Ficou claro que a fera marinha estava bêbada.
Bêbado e consternado. Ela olhou para Valroy com uma sobrancelha
arqueada.
Ele assentiu, como se dissesse que estava ciente da situação
antes de, de repente, retomar sua pantomima de angústia. — Oh, ai
de mim. Abandonado por meu irmão e minha futura noiva! O que
devo fazer? — Ele riu, sua expressão se tornando presunçosa
enquanto a observava com um sorriso faminto. — Não, Abigail, eu
não estou aqui para ameaçar ou jogar com você. Não esta noite. Esta
noite... Eu apenas desejo garantir que você não passe fome.
— Eu posso cuidar de mim mesma. — Ela mexeu com a barra
de sua camisa. Ela ainda estava usando a verde escuro que Bayodan
lhe dera há mais de uma semana. Ela não tinha mais nada para
vestir. Ela devia parecer bastante terrível, especialmente quando
comparada a Valroy.
— Você pode agora? — Ele cantarolou. — Eu vejo. Você já
tentou criar comida para si mesma? — Seu sorriso orgulhoso disse a
ela que ele já sabia a resposta.
Ela balançou a cabeça.
— Então você está tão certa de que pode? O Labirinto é
conhecido por causar o caos na magia dos outros. Na verdade, não
tenho ideia do que esse lugar faria com a magia de um Seelie.
— Você não tem? Por que não?
Ele deu um passo em direção a ela. — Isso é simples. — Ele deu
outro passo lento para frente. Depois um terceiro. Ela conseguiu até
o quarto antes de recuar. Quando ela o fez, ele inclinou a cabeça
pensativamente e olhou para ela. — Nenhum sobreviveu o suficiente
para descobrir.
Era um lembrete perfeito de sua situação. Que ele era um
príncipe Unseelie, responsável pela tortura e morte de um grande
número de um grupo que agora era “seu povo”. Os Seelies. Ela
pensou em Uri e em todos os outros que ela conheceu que eram
gentis e principalmente inofensivos. E ela pensou no que Valroy
faria com eles se tivesse a chance.
— Vou me arriscar. — Ela cerrou os punhos. — Não será a
primeira vez que passo fome.
— Hum. Como quiser. Tenha uma noite agradável. — Valroy
girou nos calcanhares e começou a caminhar em direção à sombra da
floresta.
Espera.
Foi isso?
Não. Ele tinha que ter outro jogo.
Valroy gesticulou preguiçosamente por cima do ombro. —
Direi a Bayodan e Cruinn que você se recusou a jantar conosco.
E lá estava. — O quê? — Ela correu em direção a ele. Ela
estendeu a mão para agarrar o braço dele antes de pensar melhor e
puxou a mão de volta para o peito. — Espera!
— Hum? — Ele se virou para ela, fingindo estar confuso. —
Mudou de ideia, é?
— Diga-me que eles... Eles são seus convidados, e não... Não
seu cardápio, por favor. — A preocupação brotou nela, e ela
começou a gaguejar. — Porque se você fez alguma coisa com eles,
ou... Ou...
Valroy deu uma risadinha, e sua expressão se suavizou de sua
diabólica divertida para uma de... Não, ela se recusou a validar isso
com um nome. Quando ele falou, sua voz era mais suave. — Venha
descobrir por si mesma. Ambos estão ansiosos para vê-la.
Ele estendeu a mão para ela, palma para cima. Aquelas unhas
perversas, escuras e pontiagudas pareciam ainda mais ameaçadoras
ao luar. Ele sorriu. — Pegue minha mão, bruxinha.
Ela hesitou. — Apenas jantar?
— Se você desejar.
Estendendo a mão, ela pairou sua mão perto da dele por um
momento. Para seu crédito, ele não pulou nela ou atacou. Ele
simplesmente esperou. Esta era a decisão dela a tomar. Provavelmente
para que ele possa me provocar com esse fato mais tarde. Ela levou um
momento para olhar para a besta marinha abandonada e bêbada. —
Anfar, você vem?
— Não. — Ele fez uma pausa. — Está bem.
Valroy obviamente engoliu uma risada. — Venha, Abigail.
Pegue minha mão.
— Para jantar.
— Sim. — Ele revirou os olhos. — Apenas jantar.
— Eu sou uma tola. — Ela suspirou e colocou a mão na dele.
Ele a puxou para perto, e o mundo se dobrou.

CAPÍTULO DOIS
— Abigail!
Ela mal teve tempo de se recompor depois de reaparecer na
sala de jantar de Valroy antes de já estar correndo em direção à
pessoa que havia falado. Ela nunca tinha sido de pular nos braços de
alguém, mas ela tinha uma necessidade desesperada de abraçar a
criatura diante dela.
Bayodan riu quando ela colocou os braços em volta do pescoço
dele, e ele a levantou do chão, apertando-a com força. — Olá, amor.
— Você está bem? Você... Vocês dois... — Ela se contorceu,
instantaneamente querendo voltar a ficar de pé para poder abraçar a
criatura de vidro que se aproximou deles.
Cruinn estava rindo também, enquanto eles a rodeavam com
os braços, embora deixassem Abigail em terra firme. — Estávamos
tão preocupados com você.
— Preocupados comigo? — Ela se inclinou para trás para que
pudesse colocar as palmas das mãos contra suas bochechas de vidro.
— Valroy disse... Ele disse...
— Eu disse que ‘não faria mais mal a eles do que já fez’. Ou algo
nesse sentido — o príncipe terminou por ela enquanto caminhava
para a cabeceira de sua vasta mesa de banquete. — Eu não disse
nada sobre quando essa injúria anterior havia sido feita, se era
política ou física, ou se eu os tinha como meus prisioneiros em
primeiro lugar. Você apenas assumiu o pior de mim.
Ela lhe lançou um olhar fulminante.
Ele sorriu e se sentou na elegante cadeira parecida com um
trono e pendurou uma perna sobre um braço dela. Ele pegou uma
maçã – uma das carmesins dela – e deu uma mordida. — Pode olhar
para mim o quanto quiser. Eu estou certo.
— Nós estamos bem. — Cruinn se inclinou e beijou sua
bochecha. — Nunca estivemos em perigo. Valroy nunca nos
encontrou.
— Para ser justo, uma vez que ela se juntou aos Seelies, parei
de tentar. — Com a garra de uma de suas asas, ele se serviu de uma
taça de vinho.
— Sim, sim. — Bayodan balançou a cabeça e caminhou até uma
das cadeiras da mesa. Ele se sentou com um grunhido. — Você é
incontestável em seu domínio do mundo. É óbvio.
— Eu poderia ficar sem o seu sarcasmo, velho amigo.
— Você poderia, mas você sabe que não vai. — Bayodan sorriu
para o príncipe e estendeu a mão para pegar a garrafa de vinho para
se servir de uma taça. — E é exatamente por isso que você sofre por
nossa presença.
— Eu sofro por sua presença, bode, porque você é um
estrategista e um feérico poderoso. — Valroy tomou um gole de sua
taça. — Você é útil.
— Humhum. — Cruinn pegou Abigail pela mão e a levou até a
mesa, pedindo que ela se sentasse. Havia um assento entre Bayodan
e Valroy, e ela hesitou. O metamorfo beijou sua bochecha novamente
e sussurrou: — Você está segura. Ele não vai te machucar.
— Não é precisamente ‘machucar’ que me preocupa — ela
murmurou de volta.
— Então não há com o que se preocupar. — Cruinn riu e deu
um tapinha no ombro dela enquanto ele se sentava do outro lado da
mesa.
Eu peço desculpas, mas não concordo.
Porque Valroy estava olhando para ela como se ela, não o
animal assado sobre a mesa, fosse o prato principal.
Por falar nisso.
— Você não pode estar falando sério. — Ela olhou para Valroy
novamente. O príncipe apenas abriu os braços e sorriu de volta para
ela.
Porque ali na mesa, com outra de suas maçãs vermelhas na
boca, estava um javali assado.
Ela fechou os olhos e suspirou. Não adiantava gritar com ele.
Não havia sentido em pegar a prata da comunhão roubada e
arremessá-la, uma peça de cada vez, em sua cabeça. Ele era o que
era, e não ia mudar. E seu senso de humor doentio não iria a lugar
nenhum.
Eu poderia matá-lo. Isso resolveria meu problema.
No entanto, totalmente contra sua vontade, ela agora estava
escondendo um sorriso atrás de sua mão. Porque era engraçado, mas
ela também não queria encorajá-lo. Quando ela finalmente
conseguiu reprimir seu sorriso onde ele pertencia, ela soltou outro
suspiro sitiado e se sentou na cadeira ornamentada que foi deixada
aberta para ela.
— Eu sei que você não vai comer, agora que você é Seelie. —
Valroy acenou com a mão com desdém à palavra, como se fosse algo
desprezível. — Mas eu não poderia deixar passar a chance de
continuar nossa divertida piadinha.
— Que piada? — Cruinn já estava cortando o animal, cortando
um grande pedaço da carne.
— Bem, você vê... — Valroy sentou-se para frente, sorrindo
novamente.
— Nada — Abigail o cortou. — Não é nada. — Suas bochechas
estavam queimando, e ela provavelmente estava da cor da maçã
enfiada na boca do javali. Ela atirou em Valroy outro olhar raivoso,
embora soubesse que não tinha absolutamente nenhum peso.
O príncipe uivava de tanto rir. Ele estendeu a mão e pegou
uma mecha de cabelo dela, enrolando-a preguiçosamente em torno
de seus dedos. — Do que você tem tanta vergonha, bruxinha? De
fato, eu não fodi você como um javali, por mais lamentável que isso
seja. Era apenas uma ameaça. A menos que... — Ele inclinou a cabeça
pensativamente. — Você está corando porque você secretamente
queria que eu fizesse isso o tempo todo.
— Não! — Ela fez uma careta e deu um tapa na mão dele. — Eu
não quis tal coisa, seu vil, pervertido e cretino nojento!
— Bem, então, por que você cora? Hum? — Ele se sentou para
frente, apoiando os cotovelos na mesa. Ele pode ter soltado o cabelo
dela com a mão, mas ele a alcançou com as garras de sua asa, e ela as
sentiu lentamente passando por seu cabelo pela base de seu pescoço.
Ela se mexeu, tentando fugir para frente e fora de seu alcance, mas
ele foi persistente.
E fez suas bochechas ficarem ainda mais quentes.
Bayodan e Cruinn apenas observavam a cena em silêncio, cada
um com uma expressão diferente. A de Bayodan era passiva,
observadora, absorvendo cada detalhe. A de Cruinn estava muito
mais ansiosa. Como se estivesse acontecendo algo que ela não
entendia, mas que eles muito entendiam.
A garra de Valroy em seu cabelo se apertou, agarrando seu
cabelo com força, puxando sua cabeça para trás um pouco. — Bem?
— ele ronronou.
Ela teve que engolir seu suspiro. Ela agarrou a borda da mesa
enquanto lutava contra a onda de fogo que rugia através dela. —
Isso é profundamente inapropriado.
— Não se você for feérica. — Sua garra manteve seu aperto
firme em seu cabelo, picando seu couro cabeludo. Mas não era dor
que ela sentia – não precisamente – porque enquanto ela podia sentir
a picada, não doía realmente. Era algo muito diferente. — Minha
pergunta permanece, bruxinha. Você cora ao ver o javali. À menção
do meu jogo com você. Por que?
Suas palavras foram um sussurro. — Eu não sei.
Isso fez um sorriso lento e perfeitamente maligno se espalhar
por suas feições afiadas. Seu aperto na parte de trás de seu pescoço
afrouxou e então se foi. Ele se recostou e pegou sua taça de vinho,
tomando um gole. — Muito bem.
Seu coração estava batendo em seus ouvidos. Tudo em seu
corpo estava no limite, gritando para ela correr. Gritando para ela ir
para o lugar mais distante que ela pudesse encontrar. E sabendo que
se ela o fizesse, ele estaria beliscando seus calcanhares. Ele iria caçá-
la durante todo o caminho.
E não foi medo o que ela sentiu com o pensamento.
Não foi medo de jeito nenhum.
Ela bebeu sua taça de vinho de uma só vez, então ansiosamente
pegou a garrafa.
Todos na mesa riram.
— O que eu perdi? — Anfar se aproximou da borda da floresta
e sentou-se a um espaço de distância de Cruinn. Um espaço longe de
todos os outros. Ele aparentemente tinha ido buscar uma nova
garrafa de destilado, pois carregava uma garrafa antiga diferente da
anterior. Ele a colocou sobre a mesa à sua frente.
— Nada, exceto Valroy se esforçando para me envergonhar. —
Abigail se serviu de um pouco da comida na frente dela que ela
poderia comer. Batatas que haviam sido cortadas em fatias finas,
mergulhadas em queijo e depois assadas. Parecia incrível. Para toda
a carne que foi colocada na mesa, havia legumes, pão, ovos e queijo
na mesma medida.
Ela se perguntou ociosamente se era de propósito.
— Nada de novo, então. — Anfar fungou e, estendendo a mão
sobre a mesa, agarrou um pedaço de carne de javali com a mão nua,
arrancando-o do resto do cadáver. Abigail torceu o nariz.
— Tente não pingar na minha bela prata, Anfar. — Valroy
pendurou a perna no braço da cadeira. — A água salgada vai
manchá-la.
Anfar murmurou algo indelicado baixinho.
Ela franziu a testa para a pobre criatura marinha, seu coração
partido por ele. Ela queria dizer alguma coisa, mas percebeu que
suas palavras de simpatia provavelmente não seriam bem-vindas.
Ela fechou a boca novamente e suspirou.
Bayodan colocou uma mão pesada em seu ombro, apertando-o
suavemente. Ela olhou para ele, e ele sorriu, assentindo uma vez,
confirmando sua suspeita de que Anfar não era de chavões inúteis.
— O que você achou dos Seelies? — Cruinn sorriu, quebrando
o silêncio constrangedor. — Ouvi rumores de que você passou
algum tempo com a própria rainha.
— Ela bebe. Bastante. — Isso lhe rendeu uma risada de todos
na mesa. E até mesmo um leve sorriso de Anfar. — Mas ela é gentil.
Ela é mais... Acessível do que eu temia. Quando ela me descobriu,
pensei que ia acabar acorrentada. Ela teme por seu povo.
— Como ela deveria — Valroy interrompeu.
— Mas os Seelies não eram como vocês os descreveram. — Ela
se lembrou dos cortesãos no banquete de Titânia e franziu a testa
novamente. — Não totalmente.
— O que você quer dizer? — Bayodan estava cortando
meticulosamente sua comida em pedaços precisos.
— Vocês Unseelies... Não são sutis em seus desejos. O que quer
que sejam. — Ela ignorou um bufo do príncipe. — Entendo o que
vocês querem dizer quando disse que eles mentem. Eles não são
dúbios, não exatamente, mas mantêm suas cartas na manga. Pelo
pouco tempo que passei com eles, acredito que eles gostam de jogar
ainda mais do que vocês.
— Bem dito. — O sorriso de Bayodan se alargou um pouco. —
Somos o mesmo povo, simplesmente duas metades do mesmo todo.
Nós não somos tão diferentes, no final.
Cruinn bufou. — Eles são traidores perigosos e nunca devem
ser confiáveis. Não dê ouvidos ao nosso adorável companheiro.
— Corretíssimo, metamorfo. — Valroy ergueu sua taça em um
brinde. — Nunca confie em um Seelie.
— E agora estou nessa lista? — Ela arqueou uma sobrancelha
para ele. — Eu sou agora uma mentirosa traiçoeira?
O tom de Valroy caiu para um grunhido baixo. — Isso ainda
está para ser visto.
Suas bochechas ficaram quentes. De novo. Ela desviou o olhar
dele, incapaz de encontrar aquele olhar de safira.
— Não, você não é como os outros Seelies. Você não passou
tempo suficiente entre eles. — Cruinn sorriu tranquilizadoramente.
— Você foi feita para ser um deles, mas você ainda é nossa Abigail.
Não era tão reconfortante. — Mas eu ainda sou Seelie. — E
carrego comigo um punhal que pode acabar com a vida dele. E eu sei que se
eu me permitisse... Eu poderia chegar perto o suficiente para usá-lo.
— Eu não acho que você é capaz de traição. — Bayodan
acariciou seu cabelo com a mão. — Seu coração é muito grande.
— Talvez ela tenha sido corrompida pelos caminhos deles. —
Valroy girou seu vinho pensativamente. — Suponho que veremos.
Ela olhou para o prato, sem saber o que dizer.
— Deixe a pobre garota em paz, sim? — Foi a vez de Anfar
olhar para o príncipe. — Ela está aqui para jogar seu jogo estúpido.
Isso não é suficiente?
— Nada nunca é suficiente para mim. Você já devia saber
disso. — Valroy tomou um gole de vinho e, em seguida, estendeu a
mão sobre a mesa para pegar um pãozinho de uma cesta. — Embora
para ser justo, eu não testei essa teoria com Abigail ainda... — Ele
piscou para ela, uma ligeira curva em seus lábios.
Ela se concentrou de volta em seu prato, suas bochechas
ficando quentes mais uma vez. Maldito seja. Maldito seja ele. A ação
mais simples dele acendia algo perigoso dentro dela. Perigoso,
sedutor e desesperado para ser alimentado. Seus ombros caíram
quando uma sensação de profunda desesperança a invadiu.
Ela estava presa. Ele poderia fazer com ela o que quisesse. Não
porque ela usava correntes de ferro, ou porque ela estava em uma
gaiola. Ela sabia que se tentasse, provavelmente poderia escapar do
Labirinto. E nem mesmo porque o que ele havia dito a ela era
verdade, que não havia caminho a seguir a não ser pelo Labirinto.
Mas porque ela queria se render a ele. Sentir a mordida do
lobo. Ela queria exatamente com o que ele a provocava – bem, exceto
o javali – e essa era uma armadilha muito mais insidiosa e eficaz do
que qualquer gaiola que ele pudesse criar.
E era errado.
Ela não deveria querê-lo.
Ela não deveria achar sua companhia agradável.
Ela não deveria ansiar por seu toque. Sua risada. Seu sorriso.
Isso quase trouxe lágrimas aos olhos dela. Como ela poderia
matá-lo? Como ela conseguiria enfiar um punhal no coração dele?
Titânia estava errada. Ela não tinha forças para prosseguir com a
ação. Por mais que fosse enervante afirmar, ela iria encontrar o
príncipe.
— Por que tão séria, bruxinha? — Uma garra de sua asa
agarrou o encosto de sua cadeira e a arrastou para mais perto dele.
— Eu odeio ver você tão sombria.
Ela guinchou quando a cadeira se moveu, agarrando-se a ela
para não cair. Quando ela foi para trás, a cadeira não se mexeu. Ele
era forte demais para ela. Ela fez a única coisa que podia fazer –
olhar. Olhar, e bater a palma da mão em seu peito nu o mais forte
que pôde.
— Ai. — Ele riu, esfregando o ponto em sua pele. — Você é
mais forte do que era antes, Seelie. Mas lembre-se, você ainda não é
párea para mim, golpe por golpe.
— Estou ciente. Esse não era o ponto. — Ela foi acertá-lo de
novo, e ele pegou seu pulso facilmente em sua mão. Antes que ela
pudesse reagir, ele puxou, e de repente ela estava se movendo. Mas
desta vez, ela se viu sentada em seu colo, de costas para seu peito. —
Ei! Não...
— Shhh. — O braço dele envolveu sua cintura e a puxou com
força para ele. — Pare de se contorcer. — Ele se aninhou em seu
cabelo, perto de sua orelha, e sussurrou: — Eu gosto do atrito.
Ela congelou. Sim. Isso ficou muito claro pelo que foi
pressionado contra sua bunda. Ele riu e, com o outro braço, moveu-a
para que ela ficasse sentada perpendicular a ele, com as pernas
dobradas ao lado das dele. Era totalmente errado, inapropriado e...
Ninguém parecia se importar.
Bayodan e Cruinn estavam jantando casualmente, como se
nada estivesse errado. Anfar estava empurrando alguns pedaços de
carne em seu prato com um garfo. Ninguém parecia achar que algo
estava errado.
Ele curvou um dedo sob o queixo dela e a virou para olhar para
ele. — Você ainda está pensando como uma humana, bruxinha.
Amor e luxúria fluem como vinho e são compartilhados com a
mesma liberdade. — Ele bateu a ponta de um dedo contra o nariz
dela, a picada de sua unha afiada fazendo-a estremecer. Ele riu.
— Devo me sentar aqui?
— Sim. Até você se animar. Eu não gosto de onde quer que
seus pensamentos foram, e vou continuar a distraí-la — ele puxou
seus quadris para os dele, lembrando-a de seu desejo, não que ela
precisasse — se você não se animar.
— Eu, profundamente, não gosto de você.
— Não. Eu não acredito que você não goste. — Ele baixou a
cabeça para a dela, como se fosse beijá-la. Ela virou a cabeça, e ele se
contentou em pressionar um beijo lento e sensual em sua garganta
abaixo de sua orelha. Ele permaneceu ali, e ela sentiu sua língua
rolar contra sua pele enquanto ele se afastava. Ela estremeceu, e o
braço dele ao redor dela apertou levemente. — Eu não acredito que
você não goste de tudo.
Não.
Ela não o detestava.
E esse era inteiramente o problema.
A questão simplesmente permanecia - o que ela deveria fazer
sobre isso?
CAPÍTULO TRÊS
Valroy não conseguiu tirar o sorriso do rosto. Ele sabia que
estava se regozijando, e sabia que estava irritando Abigail do jeito
errado. Mas atualmente, ela estava sentada em seu colo, esfregando-
o da maneira perfeita, e ele não podia evitar.
Ela estava viva.
E ela estava aqui.
— Deixe-me levantar, por favor. — Ela lançou-lhe um olhar.
— Hum? Por que? Não sou confortável? — Ele colocou as
garras de sua asa sobre o ombro dela. Ela era tão quente e macia. Ela
tinha sido linda como uma mortal, mas agora, como uma feérica? Ele
encontrou a necessidade irresistível de tocá-la. Ele beijou sua
mandíbula.
— Porque você... — Ela se mexeu, tentando afastar a cabeça da
dele. — Você não deveria estar...
Ele passou a língua ao longo do arco de sua orelha até a ponta e
desceu os dentes sobre ela. Ele a sentiu se contorcer, sua respiração
engatando em seu peito. Ela estava vestindo uma camisa verde três
tamanhos maior que ela, provavelmente algo que Bayodan tinha
dado a ela. Ele queria arrancá-la dela e se empanturrar.
— Porque você não deveria estar... — Ela se contorceu quando
ele passou a mão por sua coxa. — Pare.
— Por que? Você ainda tem que formar uma frase completa. —
Ele sabia que ela o queria. Ficou claro na maneira como ela olhou
para ele por trás da raiva e frustração que ela tentava usar como
abrigo. Mas ele parou de atormentá-la quando ela pediu. Ele não era
um bruto.
Embora, ele não tirou a mão de sua coxa.
— Você disse que isso era apenas um jantar.
— E nós estamos apenas comendo.
Oh, ele nunca, jamais se cansaria daquele olhar.
— Eu não posso comer meu jantar se você me forçar a sentar
aqui e não parar de me tocar. — Ela desviou o olhar, incapaz de
manter seu olhar. Ela era tão tímida. Tão mansa. E ainda assim com
tanta raiva.
— Ah. Você está com fome. Claro. Eu tenho maneiras terríveis.
— Com a garra de sua outra asa, ele estendeu a mão sobre a mesa e
pegou um rolinho de manteiga. Ele o pendurou na frente dela. —
Aqui.
Ela estendeu a mão para ele. Ele a afastou.
E agora sua carranca se tornou positivamente feroz. Sua
mandíbula tensionou. — O quê agora?
— Coma da minha mão. — Ele abaixou o rolinho mais perto. —
Se você está com fome.
— Eu não vou comer da sua... — Ela rosnou e tentou se
contorcer para sair do colo dele. Ele apertou seu aperto. Ela lhe deu
uma cotovelada no peito, provavelmente o mais forte que podia. —
Me deixe levantar.
— Está bem. Sob uma condição. — Ele passou os braços ao
redor dela, puxando-a de volta para ele. — Me beije uma vez, e você
pode ir.
— Eu...
Ele baixou a cabeça até o ouvido dela. — Se você realmente se
opusesse a esta situação, você poderia ter gritado por Bayodan ou
Cruinn, e eles teriam corrido aqui para salvá-la. Mas eles nem sequer
piscaram um olho. Veja como eles conversam entre si e Anfar?
Ninguém está julgando você.
Suas bochechas ficaram com um tom profundo de carmesim, e
ela finalmente encontrou seu olhar, seus olhos verde musgo
procurando por algo. Por um sinal de que ele estava mentindo ou
provocando-a, talvez. Mas ela não encontraria nenhum. Ele se
encontrou apaixonado por aqueles lábios verdes dela. A cor
combinava com ela.
— Eu quero deitar você em um campo de grama e flores — ele
murmurou, suas palavras apenas para ela. — Eu quero beijar cada
centímetro do seu corpo nu e cumprir minha ameaça de contar cada
sarda que você possui. — Ele aumentou seu aperto em sua coxa, só
um pouco. — Eu quero te trazer prazer como você nunca conheceu.
Vou fazer você se sentir como se estivesse entre as estrelas. Você
sentirá tanta felicidade, Abigail... Isso é tudo que eu quero de você.
Ela estava congelada, sua respiração ficando rápida e curta. Ela
não se moveu ou resistiu quando ele aproximou seus lábios dos dela,
observando aqueles olhos se arregalarem de medo e antecipação.
— Me toque, Abigail. — Quem era ele para implorar por afeto?
Quem era ele para pedir uma coisa dessas? Ele parecia um mendigo,
com as mãos estendidas, implorando por um pouco. — Me beije, por
favor. — Ele poderia beijá-la agora, e ela não resistiria a ele. Mas ele
queria que ela o beijasse. O que havia de errado com ele? O que ela
tinha feito com ele?
Ele sabia. Ele conhecia a marca e a forma do veneno que ela
havia cravado em suas veias. Era amor. E era amor que ele estava
desesperado para ter em retorno.
Por favor, Abigail.
Mostre-me que esse meu amor pode não estar destinado à tragédia.
Era difícil não prender a respiração enquanto a observava
debater suas escolhas. Dar um tapa nele, arranhar seu rosto até que
ele a soltasse... Ou fazer o que ele pediu.
Ela levantou a mão, e por um momento ele se perguntou se ela
não iria realmente tentar arrancar seus olhos. Mas com cuidado,
hesitante, como se ela se perguntasse se ele iria mordê-la, ela colocou
as pontas dos dedos em sua bochecha. Ele se inclinou em seu toque,
apenas a menor quantidade, deixando seus olhos ficarem
semicerrados.
Um pouco encorajada, ela deixou a palma da mão encostada na
bochecha dele, o polegar acariciando sua pele. Ele a deixou explorá-
lo. Ela passou os dedos pelo cabelo dele, e ele quase rosnou de
prazer. Observando-a com os olhos semicerrados, ele viu o fascínio
dela escrito claramente em seu rosto enquanto ela tocava os muitos
anéis de prata que ele usava em sua orelha.
E então a viu corar quando ela provavelmente lembrou que
aqueles não eram os únicos piercings que ele tinha.
Ele lutou contra um sorriso e por pouco ganhou. Era fácil se
distrair com o toque dela enquanto descia por sua garganta. Ela
colocou a palma da mão contra o peito dele e se inclinou como se
fosse beijá-lo.
Mas ela parou.
Aquela curiosidade ansiosa foi subitamente marcada mais uma
vez pela dor. Tanta dor e desesperança. Ele tinha visto isso nela mais
cedo no jantar, e foi o que o inspirou a arrastá-la para seu colo.
Ele tinha visto aquela expressão nela antes.
Logo antes de ela se render as Gle’Golun.
— Eu sei que você não deseja me querer. — Ele manteve a voz
baixa, palavras apenas para ela. — E eu sei que você quer do mesmo
jeito.
Ela abaixou a cabeça, tentando se esconder dele.
Ele pegou seu queixo com a curva de um dedo e a trouxe de
volta para ele. Não haveria mais como se esconder dele. — O que
você sente não está errado, Abigail. — Foi sua vez de segurar o rosto
dela na palma da mão.
— Você está tentando destruir dois mundos. Eu não deveria
me sentir assim sobre um homem que deseja tal morte e destruição.
Posso aceitar que você é Unseelie. Posso aceitar a crueldade que é
sua natureza. Mas toda essa morte? Eu vou encontrar uma maneira
de detê-lo. — Ela fechou os olhos, inclinando a cabeça em seu toque.
— Mas aqui estou eu, sentada no seu colo, e eu...
— Você e eu podemos brigar em um momento e fazer amor no
próximo. Você não precisa ser minha aliada para ser minha amante.
— Ele descansou sua testa contra a dela, esperando que suas
palavras encontrassem sua marca. — Olhe para as três criaturas que
se sentam à mesa e se chamam meus amigos. No entanto, eles se
opõem a mim em todas as oportunidades.
— Mas eu...
— Você ainda está pensando como uma mortal. — Ele sorriu e
beijou sua testa. — Vá, pegue sua cadeira de novo. Coma o seu
jantar. Falaremos mais sobre isso mais tarde esta noite.
Ela piscou para ele em confusão. — Perdão?
— Eu libero você da minha barganha. — Ele desembrulhou
seus braços ao redor dela e retirou sua asa de onde ainda descansava
em seu ombro. — Por enquanto.
Ela desceu do colo dele depois de mais um segundo de
hesitação e tomou sua cadeira mais uma vez. Suas bochechas
estavam da cor de beterraba. Ela murmurou algo para Bayodan, que
apenas riu e colocou a mão em suas costas, esfregando seus ombros.
Valroy não a tomaria esta noite.
Ela não estava pronta para isso.
Mas ele não tinha terminado com ela esta noite.
Nem um pouco.

Abigail não sabia o que fazer consigo mesma. Ela estava


sentada a uma mesa com três cortesãos Unseelies de alto escalão, e o
próprio Príncipe Sangrento. Ela deveria estar apavorada. Ela deveria
estar absolutamente fora de si.
Mas ela estava rindo.
— ...o navio se endireitou, com apenas um homem a bordo. O
que eu devo fazer com isso? — Anfar tornou-se mais falante quando
estava bêbado, e foi incitado a contar uma história depois de ouvir
duas de Cruinn e uma de Bayodan. — Pensei comigo mesmo que, se
ele sobreviveu a tudo isso, quem era eu para matá-lo? — Ele fungou.
— Eu o deixei viver. Achei que era a vontade dos deuses. Mas o
bastardo não se moveu, então acabei levando-o para a margem.
Demorou quatro horas. Pior noite da minha vida.
— E a dele, pelo que parece. — Abigail sorriu para a fera
marinha.
E por aí eles foram. Bayodan contou outra história, desta vez
de uma jornada que ele fez profundamente nos túneis da Terra, onde
conheceu anões que afirmavam ser do norte congelado.
Bayodan contou histórias de sabedoria e aventura. Cruinn
contava histórias sempre engraçadas. Mas quando Valroy começou a
contar sua própria história, ela descobriu que se pendurava em cada
palavra. Era a história de uma batalha que ele lutou contra humanos,
muito tempo atrás.
Foi uma guerra onde muitos devem ter morrido. Ele falou de
partir o peito de um homem em dois com sua espada. Ele falou de
quão fundo suas lanças cravaram nele, e quantos soldados Unseelies
perderam na luta. Mas havia um estranho tipo de honra em sua voz
quando falava daqueles que haviam caído. Os humanos ganharam
seu respeito naquele dia, embora ele tenha terminado sua história
com “uma pena que eu tive que matá-los por isso”.
Ela comeu e bebeu o suficiente. E talvez ela tenha bebido um
pouco mais do que o suficiente. Mas pela primeira vez em muito
tempo, ela se sentiu... Estranhamente em paz. Ela se pegou
estudando uma das colheres de prata, com a marca de Cristo, que ele
havia pegado de uma igreja ou de outra. Talvez fosse o vinho.
Talvez Valroy a tivesse encantado novamente. Mas ela não tinha
medo. E o conflito que ela havia sentido antes foi lavado pela
conversa amigável.
Mesmo que o ar da noite estivesse ficando frio o suficiente para
ela estremecer, ela descobriu que estava se divertindo. Mesmo que
fosse um pouco contra a vontade dela.
— Venha, Abigail. — Um toque em seu pulso a trouxe de volta
ao momento.
Ela olhou para cima, surpresa ao ver que era Valroy quem
havia falado. Ele estava de pé ao lado de sua cadeira, suas mãos
apertando as costas dela. Foi a garra de sua asa que a tocou. Ele
sorriu, e não havia nada de cruel nisso, para variar. Ela piscou e
abriu a boca para protestar, mas descobriu que não sabia contra o
que estava argumentando. — Ir aonde?
— O ar fica mais frio nesta época do ano. Vamos sentar perto
do fogo. Ainda há vinho para beber. — Ele ergueu sua garra para
oferecê-la a ela como se fosse sua mão. Algum dia ela se acostumaria
com elas. Hoje não era esse dia.
— Você disse que isso era apenas um jantar.
— Hum. Talvez eu tenha mentido. — Ele sorriu
maliciosamente para ela. — Bayodan, Cruinn, Anfar, vocês vão se
juntar a nós? Eu gostaria de me sentar em um lugar mais
confortável.
— Vou voltar para casa. — Anfar se levantou, ainda que com as
pernas muito trêmulas. — Acho que precisarei ficar inconsciente em
breve.
— Que você durma bem, então, seu monte de algas marinhas.
— Valroy sorriu para o amigo.
Anfar apenas grunhiu em resposta enquanto caminhava para a
floresta e se foi. Bayodan e Cruinn se levantaram, e o homem-bode
gesticulou para que Valroy mostrasse o caminho. O que ela deveria
fazer? Ela não podia recusar muito bem. Bem, ela sabia que podia,
mas descobriu que não queria.
Maldito seja o vinho.
De pé, ela colocou a mão na garra de Valroy. Fechou
suavemente em torno de seu pulso. Ela notou que as pontas afiadas
estavam faltando - oh. Ele poderia retraí-las. Parecia que ele
simplesmente escolhia não fazer isso regularmente. Claro que não.
Este é Valroy.
Ele mudou a mão dela para uma de suas mãos mais normais e
beijou as costas dela suavemente, antes de levá-la da mesa para a
floresta por um caminho estreito. Não demorou muito para que eles
chegassem a uma clareira, dominada no centro por uma grande
fogueira. Já brilhava e enchia o espaço com sombras âmbar
dançantes.
E o calor dela a fez sorrir. Ao redor dela havia travesseiros e
cobertores espalhados em grupos. — O que há com você e roubar
travesseiros? — Ela olhou Valroy estreitamente.
— Roubar? Eu? — Ele riu, livre de sua malícia normal, e a
abraçou ao seu lado. Ela gritou de surpresa e ficou rígida, mas
parecia um gesto inofensivo. — Dificilmente. Quando sou vitorioso e
conquisto uma cidade humana, simplesmente tomo meus despojos
de guerra como bem entender. Eu gosto muito de travesseiros, você
não?
— Eu... Eu acho?
Ele estava se movendo novamente, o braço ainda ao redor dela.
Ele se sentou em uma das maiores pilhas de almofadas.
E ele a arrastou para baixo junto com ele. Ela gritou em
protesto e tentou se livrar dele. Ela foi quase bem sucedida, até que
uma daquelas grandes asas dele se enrolou ao redor dela e a puxou
com força de volta para seu lado.
— Eu não vou...
— Shhh e fique quieta, sim? — Valroy riu. — Eu simplesmente
quero você aqui ao meu lado.
Bayodan e Cruinn estavam sentados diante deles sobre o fogo,
o homem-bode tirando o sobretudo comprido de couro preto que ele
usava e jogando-o de lado. Era a primeira vez que o via sem ele.
Havia uma escrita preta em suas costas em longas espirais curvas,
formando uma forma que ela sabia ser algum tipo de magia negra.
Cruinn já estava esparramado nas almofadas, seus membros
bem abertos, aquecendo-se no conforto. O fogo brilhava nos muitos
milhões de cacos de vidro que compunham seu corpo, fazendo-os
brilhar.
— Você é fascinada por ele. — Valroy mais uma vez
interrompeu seus pensamentos enquanto se aninhava perto de sua
orelha. — Você o quer?
— Eu.. Não... — Era verdade. Ela não queria. Não inteiramente.
Por que ela não resistiu quando Valroy passou um braço em volta de
sua cintura e a puxou para perto de seu lado? Ela deveria estar
lutando. Ela deveria estar lutando com ele.
Ele lhe ofereceu uma taça de vinho. — Aqui, querida. Acalme
seus nervos.
— Eu não deveria estar bêbada perto de você.
Traçando a unha afiada de um único dedo ao longo da linha do
cabelo, ele colocou uma mecha atrás da orelha. Ele hesitou,
examinando-a e seu novo ponto. — Você não está bêbada. Você não
está nem perto. Anfar está bêbado.
Ela sorriu tristemente. — Estou muito preocupada com ele.
— Não fique. Ele vai ficar bem. Ele está aceitando a morte de
Astasha e tudo o que isso significa para ele.
— Ele a amava.
— Não, ele amou o pensamento dela. Não a mulher real. Ele é
apenas terrivelmente solitário e não sabe como permitir que alguém
se aproxime dele. — Ele acariciou seus dedos pelo cabelo dela, unhas
afiadas penteando seu couro cabeludo. Ela reprimiu um gemido,
mas não pôde deixar de fechar os olhos. A taça de vinho foi
esquecida.
Quando Valroy estava perto dela, era tão fácil esquecer que
qualquer outra coisa existia. Quando ele estava perto dela, era tão
fácil esquecer que ela deveria destruí-lo. Mas agora, ela estava
quente. Ela estava tão segura quanto podia estar, com seus dois
guardiões de olho nas coisas, e Valroy não estava sendo tão perverso.
O que era um pouco decepcionante.
Não, não é.
— Posso ter aquele beijo seu, Abigail?
Ela ficou chocada com o quão educado o tom dele era. Ela
levantou a cabeça, despertada da calmaria de seu toque. Ele a
observava com calma, talvez até sério. Toda a escuridão presunçosa
o deixou, e o que ela viu em seu lugar foi apenas... Afeto.
Verdadeiro afeto.
— Valroy? — Ela estendeu a mão para tocá-lo, para descansar a
palma da mão contra sua bochecha. Ele se inclinou em seu toque,
seus olhos se fechando por sua vez, como se estivesse faminto pela
sensação. — O que eu sou para você?
— Você vai ser minha rainha. — Ele pressionou a palma da
mão no dorso da mão dela, prendendo-a ali, como se estivesse
preocupado que ela a tirasse. — Acho que sua tristeza me machuca
como se fosse minha. Sua morte... Eu pensei que um pedaço de mim
morreu com você naquele dia, e eu nunca iria recuperá-lo.
Os olhos de safira finalmente encontraram os dela. Ele não
disse a ela com tantas palavras como se sentia, mas talvez ele mesmo
não soubesse como expressá-lo. Ou talvez ele soubesse que ela ainda
não estava pronta para ouvir.
— Você disse que isso só ia ser o jantar...
— Talvez eu não entenda como vocês humanos passam a noite.
— Havia aquela curva irônica em seus lábios, aquela diabólica. —
Ou você ainda não entende bem os feéricos. — Ele abaixou a cabeça
mais perto dela. — Me beije, Abigail. Por favor. Sem truques. Sem
acordos. Sem trocas. Apenas um beijo.
Maldita seja.
Que todos os deuses, novos e antigos, a amaldiçoem a qualquer
buraco que possam imaginar.
Era errado.
Ele era errado.
Mas ela encontrou seus lábios com os dela.
E ela o beijou.
CAPÍTULO QUATRO
Valroy passou um braço pelas costas de Abigail enquanto ela o
beijava. Ela tinha gosto de todas as frutas mais doces do verão, e ele
soltou um gemido baixo contra ela. Sim, Abigail. Seu abraço era terno
e tímido, inseguro e incerto.
Era perfeito.
Ele se inclinou para trás, levando-a lentamente com ele, até que
ela estava deitada em cima de seu peito, suas mãos descansando
contra ele. E ainda assim, ela o beijou. Ele enroscou uma mão em seu
longo cabelo granada, a outra estendida na parte inferior das costas.
Quando ele virou a cabeça para aprofundar o beijo, ela hesitou
apenas por um momento antes de permitir.
E quando ele aproximou a língua contra os lábios dela?
Ela os separou.
Ele aumentou seu aperto em seu cabelo e puxou-a mais
apertado para ele enquanto ela gemia contra seus lábios. Agora era
ele quem a beijava, mas não se importava. Ele mergulhou sua língua
nela, dançando contra a dela, saboreando cada sensação.
Quando eles finalmente se separaram, ela estava sem fôlego.
Seus olhos estavam fechados, e ela parecia perfeitamente extasiada.
Ele não sabia que se sentia muito diferente. Ele acariciou o polegar
suavemente sobre sua bochecha, e foi o suficiente para ela abrir os
olhos para encontrar seu olhar.
Ele sorriu, o mais gentil que pôde, e não disse nada. Ele queria
pedir a ela para fazer isso de novo. Ele queria perguntar a ela se ele
poderia separar aquelas pernas maravilhosas dela e tê-la. Mas ela
estaria muito assustada para dizer sim.
Um passo de cada vez.
Ele teria que jogar suas cartas com cuidado. Ela era...
Um suspiro e um gemido silencioso do outro lado do fogo
chamaram sua atenção. Ela se virou para ver de onde veio, e suas
bochechas instantaneamente ficaram vermelhas. Valroy levantou a
cabeça para ver o que era e riu.
— Eu... Eu deveria ir. — Suas palavras eram pouco mais que
um sussurro, e um pouco estranguladas.
— É assim que nós gostamos do nosso tempo depois do
banquete, bruxinha. — Ele levantou a cabeça para raspar os dentes
ao longo de sua mandíbula antes de beijá-la ali. Ela estremeceu. Ao
seu toque, ou por causa do que ela viu, ele não tinha certeza. E ele
não tinha tanta certeza de que se importava. — Venha, agora. Não
seja tão precipitada.
— Não, eu... — Ela tentou se levantar, e ele não ia aceitar nada
disso. Ele a puxou de volta para ele, colocando-a abruptamente entre
suas pernas, de costas para seu peito. Ela congelou, mas não lutou
com ele.
— Shhh. — Ele enfiou a cabeça dela debaixo do queixo e
passou os braços ao redor dela. Seu foco não estava nele. Seu foco
estava no casal do outro lado do fogo. Bayodan e Cruinn estavam
fazendo amor.
Bayodan estava de costas, a mão emaranhada no cabelo de
vidro de Cruinn, que esbanjava com a língua o comprimento do
homem-bode. Totalmente livre de seu sobretudo, Bayodan era tão
bestial quanto o resto dele abaixo da cintura. Desumano,
pontiagudo, com uma protuberância na base. Valroy tinha visto o
lorde Unseelie fazer amor muitas vezes.
No mundo deles, essas coisas não eram tabu. Tais coisas não
eram proibidas e escondidas. Cruinn tomou a excitação de seu
companheiro em sua boca avidamente. Valroy sempre achou
fascinante, ver o metamorfo e através do metamorfo ao mesmo
tempo. Bayodan soltou um grunhido baixo e agarrou o cabelo de
Cruinn com mais força, empurrando mais de si mesmo goela abaixo.
Mas ele tinha outra distração muito mais deliciosa do que ver
Bayodan e Cruinn fazendo amor. Pois Abigail não conseguia tirar os
olhos da visão deles. Ele sorriu, feliz por ela não ver a maldade em
sua expressão.
Oh, esta noite ia ser muito divertida.

Abigail fechou os olhos, tentando banir a visão de Cruinn


deitado entre as pernas de Bayodan, dando prazer a seu
companheiro. Ela sabia de tais atos; ela não era uma freira. Ela tinha
visto outros casais Seelies fazendo amor casualmente, e isso não a
impressionou tanto.
E não era repulsa que ela sentia enquanto os observava.
Não era inveja.
Não era nem mesmo um fascínio mórbido.
Isso... Fez algo com ela. Algo que ela não entendia. Algo que
ela não queria entender. Mas os grunhidos ofegantes de Bayodan lhe
diziam precisamente o que estava acontecendo, mesmo que ela
mantivesse os olhos bem fechados.
Suas tentativas desesperadas de ignorar o mundo ao seu redor
quase a fizeram esquecer quem estava sentado atrás dela, os braços
dele ao redor dela, as coxas de cada lado dela.
— Pobre Abigail...
Ela foi se levantar. Ela deveria sair daqui. Se desculpar e...
Ele virou a cabeça dela com força para a dele, a ternura de seu
abraço anterior nada mais que uma lembrança, e devorou seus lábios
com os dele. Seu beijo foi áspero e necessitado, contundente e
dominante. Uma mão agarrou o cabelo na parte de trás de seu
pescoço e o apertou com força, picando seu couro cabeludo.
Ela ofegou. E sua língua invadiu sua boca mais uma vez. Ele
era a força conquistadora. Ela descobriu que tinha perdido a vontade
de lutar. Ele rosnou profundamente em seu peito, quase igualando
as expressões de prazer de Bayodan.
Sua cabeça estava dando voltas quando ele se afastou, sua
respiração quente enquanto lavava contra sua bochecha. Seu peito
arfava também - pelo menos ele não estava totalmente intocado pelo
que acabara de fazer. Seus lábios estavam inchados, e ele piorou as
coisas enquanto mordiscava seu lábio inferior. — Você gosta de
assisti-los?
Ela só podia gaguejar e descobriu que não conseguia formar
uma resposta. Ela gostava? Era errado se... Se ela dissesse sim? Seria
um insulto se ela dissesse não?
Ele virou a cabeça para olhar para frente novamente, e ela
descobriu que estava olhando. Bayodan estava de pé agora, ambas
as mãos em punhos no cabelo de Cruinn. Ele estava bombeando seu
comprimento na garganta dele, mal parando para deixá-lo respirar,
se ele sequer precisasse. Era uma visão tão surreal e desumana - um
homem com pernas e, eh, partes de um animal, e um metamorfo feito
de vidro.
Vidro transparente.
Valroy passou a língua ao longo da borda de sua orelha, rindo
de como isso a fez estremecer. — Você é tão linda, Abigail... Tão
perfeita. Deuses, olhe para você. — Ele mordeu a ponta de sua
orelha novamente, não com força suficiente para romper a pele, mas
forte o suficiente para picar.
Ela soltou um gemido em resposta.
Era tudo demais. Ele era demais. O vinho, o calor do fogo, a
visão que se desenrolava diante dela.
Bayodan arrancou Cruinn dele, murmurou algo para seu
companheiro em um grunhido gutural e rouco, e o jogou nos
travesseiros. Cruinn apenas riu, sorrindo com aquela expressão
brincalhona e provocadora dele, e abriu as pernas. Bayodan não
perdeu tempo em preencher o espaço, empurrando avidamente.
Cruinn jogou a cabeça para trás e gemeu de êxtase, provocando
seu amante, convidando os movimentos cada vez mais duros e
ásperos de Bayodan.
Abigail mal conseguia respirar. Era como se o veneno de
Na’len estivesse bombeando através dela, lançando-a em um estado
de necessidade que era ao mesmo tempo inebriante e errado. Ela
virou a cabeça, fechando os olhos.
Valroy reprovou.
Ele serpenteou uma mão sob sua camisa, e antes que ela
pudesse protestar, agarrou seu seio e apertou. Forte. As picadas de
suas unhas contra sua pele contrastavam fortemente com a dor que
ele lhe causava. Seus olhos se arregalaram novamente enquanto ela
quase gemia, engolindo o som e sufocando-o.
Seu aperto cedeu e começou a amassá-la, acariciando-a e
apalpando-a. Ela não conseguia formar palavras. Parecia... Deuses, a
perdoem, parecia tão bom. Sua outra mão se juntou à primeira,
refletindo as ações, e ela se arqueou em seu abraço, a cabeça caindo
para trás contra seu ombro.
— É isso que você quer que eu faça com você? Hum? — Ele
beijou sua bochecha, lento e quente, antes de sorrir contra sua pele.
— Você quer que eu use sua garganta, depois jogue você no chão e
te foda como um animal?
Ela só podia ofegar e choramingar quando ele beliscou seus
mamilos, quase trazendo lágrimas aos seus olhos. Ela o agarrou, mas
não o estava puxando para longe. Não, ela o estava segurando por
sua preciosa vida. — Valroy — ela respirou, impotente.
— Deite-se, Abigail. — Ele a soltou.
— Eu... Eu não posso... Eu...
— Me deixe lhe dar prazer, pequena Seelie. Me deixe devorar
você. — Ele beliscou sua orelha novamente. — Eu disse que isso era
apenas um jantar, não disse? — Quando ela soltou outro gemido
oprimido, ele riu, sua voz rouca e escura. — Não tenha medo. Deite-
se para mim, Abigail...
Deuses a ajudem.
Deuses a perdoem.
Ela se mexeu, subindo trêmula de seu colo. Observando-o
como se ele fosse uma grande fera, perseguindo-a à noite, ela... Ela
se deitou de costas nos travesseiros.
Ela podia ouvir os sons de Bayodan e Cruinn enquanto faziam
amor a menos de dez passos de distância. E ela não podia fazer nada
além de ver como Valroy subiu sobre ela, prendendo-a. Seu olhar
percorreu seu corpo e voltou para cima, um gemido deixando sua
garganta.
— Oh, Abigail... — As garras de suas asas juntaram a bainha de
sua camisa e puxaram. Ela levantou os braços sobre a cabeça
enquanto ele tirava a camisa de seu corpo e a jogava de lado. Suas
mãos foram rápidas em retomar sua tarefa de trabalhar sobre seu
corpo, agarrando seus seios e apertando avidamente.
Quando ele baixou a cabeça para seu corpo, sua língua rolando
sobre seu mamilo, ela soltou um pequeno grito e se contorceu
debaixo dele. Ele enviou faíscas de fogo em cascata através dela. Ele
sorriu. — Tão sensível...
Ela foi responder, quando ele cravou os dentes em seu mamilo,
com força suficiente para que ela ficasse surpresa se ele não tivesse
rasgado a pele. Ela se debateu com tanta força que ele teve que
prendê-la, a garra de uma asa pegando seu pulso e prendendo-o de
volta acima de sua cabeça, a outra segurando seu ombro. Ele estava
deitado entre as pernas dela, a língua esbanjando o local que ele
havia atormentado tão completamente.
Na esteira da dor, ela estava tremendo, seu corpo gritando com
necessidade. Quando ele repetiu o padrão do outro lado, a dor não
foi tão forte. Ela choramingou e gemeu, mas manteve-se
contorcendo-se ao mínimo.
Onde sua boca não estava, seus dedos assumiram o controle. E
quando a garra contra seu ombro tomou o lugar de sua mão, suas
garras retraídas para não feri-la, ela observou fascinada. Era tão forte
e hábil quanto suas mãos humanas.
Ele estava desamarrando suas calças. Ela choramingou, e ele a
repreendeu novamente baixinho. — Não é assim que você vai me ter
pela primeira vez. — Ele se mexeu para levantar a mão e beijá-la
lentamente, como se para acalmar seus medos. Maldito seja ele, mas
funcionou. Ele arrastou seus beijos pela garganta dela, sustentando
seu peso com as asas, enquanto terminava de desamarrar suas calças
e as puxava para baixo.
Ela não lutou com ele enquanto ele as tirava e as jogava de lado
para se juntar a sua camisa, deixando-a nua sob ele. Seus beijos
continuaram descendo, entre seus seios, ao longo de seu umbigo...
Ela estremeceu quando percebeu o que ele pretendia fazer. Ele
riu de novo e beijou seu abdômen, olhando para ela através de
pálpebras escurecidas pela luxúria. — O que você acha que eu quis
dizer quando disse que ia devorar você?
— Eu... Eu não... Eu não tinha certeza.
— Marcus nunca fez isso? — Ele arqueou uma sobrancelha.
Tudo o que ele recebeu em troca foram as bochechas dela ficando
quentes como se estivessem em chamas. Ele balançou sua cabeça. —
Homens humanos. A perda é dele.
Ele se abaixou nela, abrindo suas coxas para ele. Ela
choramingou, virando a cabeça timidamente. Mas as estrelas se
iluminaram atrás de seus olhos quando ele arrastou a língua
lentamente até seu núcleo, antes de centrar-se em seu botão sensível.
Ele disse que planejava devorá-la.
Ele cumpriu a promessa.
Quando seus dedos tomaram o lugar de sua língua, preferindo
mergulhar profundamente dentro dela, ela resistiu e gemeu. Ele teve
que prendê-la, rosnando alto enquanto o fazia. Era um som
primitivo, de uma fera reivindicando seu território. E ela se rendeu a
isso.
Não demorou muito para que ela estivesse ofegante, seu corpo
se contraindo ao redor do nada, desejando desesperadamente que
houvesse algo, qualquer coisa para preencher a necessidade que sentia
dentro dela. E ainda assim, Valroy a devorou, a língua esbanjando e
mergulhando, os dedos habilmente trabalhando nela.
Quando o êxtase tomou conta dela, ela viu estrelas em sua
visão como ele havia prometido. Ela arqueou as costas, gritando seu
nome, as mãos agarrando inutilmente os travesseiros ao redor dela.
Ela pensou que tinha conhecido o prazer em sua vida.
Ela estava muito errada.
Se isso é apenas o começo... Como vou resistir ao que mais ele tem a
me oferecer?
Ele beijou o interior de sua coxa uma, duas, três vezes,
enquanto ela se contorcia e estremecia. Lentamente, ele beijou seu
caminho de volta pelo corpo dela, antes de deslocar seu peso sobre
ela com os braços, prendendo-a.
Ela estava com medo de olhar. Ela estava com medo de ver sua
expressão de regozijo e seu sombrio e distorcido escárnio. Como ele
dominaria este momento de fraqueza sobre ela. Ele afundou em um
cotovelo e descansou a testa contra a têmpora dela. — Obrigado,
Abigail.
— Eu... Eu não fiz nada.
— Você me deu. Isso é tudo. — Ele beijou sua bochecha.
Ela piscou os olhos abertos para se virar e olhar para ele. Seu
cabelo azul escuro caía em mechas ao redor de seu rosto como uma
cortina. Alcançando com uma mão trêmula, ela colocou um pouco
atrás da orelha dele. Ele sorriu.
— Nossos convidados estão desfrutando de seu próprio
descanso agora. — Ele fez um gesto com a cabeça sobre o fogo.
Abigail olhou para ver que Bayodan e Cruinn estavam quase
dormindo nos braços um do outro, Bayodan traçando círculos
preguiçosos sobre as costas do metamorfo que descansava contra
seu peito. — Venha, vamos para a cama. O sol vai nascer em breve.
Ela poderia insistir que ele a deixasse em paz, que ela preferia
dormir no chão sujo. Mas depois do que eles tinham acabado de
fazer, quem ela estava enganando? Ela estaria se punindo
desnecessariamente.
Ele se sentou e lhe ofereceu uma mão. Ela pegou, desta vez sem
hesitação. O mundo se afastou deles, e ela gemeu de desânimo ao
lembrar o quanto ela odiava quando ele fazia isso.
Uma pilha de travesseiros foi trocada por outra. Ela agora
estava sentada em sua cama.
Nua.
Algum dia, talvez algum dia, estar nua em sua presença não
seria tão surpreendente para ela. Como se sentisse seu desconforto,
ele lhe entregou um grosso cobertor de pele. Ela o reuniu em torno
de si, feliz pelo calor.
Mas ele não se juntou a ela. Ele estava indo embora. Ela franziu
a testa. — Onde você está indo?
— Hum? Ah. Eu devo... Bem... — Ele gesticulou para si mesmo.
Ela viu o contorno chocantemente detalhado de sua excitação em sua
calça, parecendo bastante doloroso na forma como estava preso.
Suas bochechas ficaram quentes, e ela olhou para seu colo. Ele riu. —
Você é muito fofa. Não vou conseguir dormir se não ‘lidar’ comigo
mesmo.
A imagem mental acendeu um fogo nela. Ela balançou a
cabeça, afastando esses pensamentos. Houve também uma estranha
e repentina pontada de culpa. Doeu nela fortemente, e ela descobriu
que não podia suportar. — Espera.
— Hum? — Ele fez uma pausa, virando-se para olhar para ela.
— Eu... Sinto como se estivesse sendo rude, se eu não retribuir
o favor a você. — Ela finalmente teve coragem de olhar para o rosto
dele. — Você... Fez isso e não pediu nada em troca.
— Esse, minha querida pequena Seelie, é precisamente o ponto.
— Ele sorriu. — E você vai me pagar de volta em espécie em breve.
Sinta-se a vontade. Não vou demorar muito. — Ele bufou. — Você
me colocou em um estado muito bom. A menos que você queira vir
me ver enquanto eu...
— Pare! Pare. Não. Vá embora. — Ela gemeu consternada e
caiu de costas na cama, jogando um travesseiro sobre a cabeça.
Valroy riu quando a deixou lá. Quando ele voltou, ela já estava
meio adormecida. Sua exaustão se juntou com o vinho. Ele
murmurou algo calmo e gentil para ela enquanto se juntava a ela sob
o cobertor de pele.
Quando ele estendeu a mão para ela, ela se arrastou em seu
abraço, deitou a cabeça sobre as marcas de tinta azul dele e fechou os
olhos.
Talvez fosse o vinho.
Talvez não fosse.
CAPÍTULO CINCO
Titânia estava andando de um lado para o outro. De novo. O
sol tinha acabado de se arrastar acima do horizonte, e seu humor já
estava péssimo. É claro, porque ela não estava sozinha. Uma coisa
era lidar com os Din’Lae com o estômago cheio, depois do chá da
manhã, e quando ela estava totalmente acordada.
Outra coisa era quando a corte sentia a necessidade de
convocar uma sessão mais cedo do que deveria ser legalmente
permitido.
Talvez eu faça uma nova regra. Sim. Devo. Nenhum processo da corte
antes do meio-dia.
— Ele tem uma de nós prisioneira. Isso não deve ficar assim!
Ela beliscou a ponta do nariz e fechou os olhos, rezando aos
deuses por paciência. — Lorde Nula, você estava lá quando
discutimos o acordo. Ela fez isso de boa vontade. É assim que o
caminho dela deve se desenrolar.
Uma das ladies da corte falou. — E você tem certeza de que ele
não vai corrompe-la? Usá-la para se tornar mais poderoso?
Titânia não conseguia lembrar o nome da mulher pela própria
vida. Ou porque era dolorosamente cedo pela manhã, ou porque não
era tão importante. Provavelmente, ambos eram verdadeiros. — Não
tenho certeza disso. Ninguém tem.
— Você pode ter acabado de concordar em liberar para o
Príncipe Sangrento uma das Seelies mais poderosas que já existiram.
— Lorde Nula balançou a cabeça.
— Na esperança de que ela possa provar ser uma assassina
valiosa. Ela está equipada com a habilidade de matá-lo. Agora,
vamos esperar para ver se ela tem força de vontade. — Titânia parou
de andar para encarar os cortesãos reunidos.
— Mas até quando vamos esperar? E o que faremos se for tarde
demais para detê-lo? — Lady Ainda-não-consigo-lembrar-seu-nome
reclamou.
— Se você acha que eu entrei nessa empreitada sem minhas
próprias garantias, então você realmente acredita que eu sou uma
tola, e eu questiono sua lealdade. — Titânia balançou a cabeça. — Eu
não estava prestes a entregar uma Seelie, feita pelos deuses, nas
mãos de nosso inimigo, sem garantir que eu tivesse opções.
Silêncio. Todos os cortesãos se entreolharam.
— Vocês são todos idiotas. — Ela suspirou e se afastou deles,
acenando com a mão. — Vocês estão todos dispensados. Eu terminei
com vocês. — Ela fez uma pausa, girou nos calcanhares e os encarou.
— E chega de convocações antes do meio-dia!
Com um bufo, ela voltou para seu quarto e desabou no colchão
com um gemido. Oberon riu e rolou, passando um braço sobre ela.
— Tenha paciência com eles. Você sabe como eles estão famintos por
qualquer intriga.
— Tanto quanto um embriagado passa fome pela garrafa. —
Ela colocou um braço sobre os olhos e suspirou. — São cansativos. E
eles vão se intrometer e arruinar as coisas se eu não tomar cuidado.
— Então eu confio em você para ser cuidadosa. — Oberon se
inclinou para beijar sua têmpora.
E ela era. Ou ela era, com o melhor de sua capacidade. Valroy
era um adversário perigoso para jogar no tabuleiro da política. Ele
era inteligente e manipulava qualquer situação para melhor se
adequar a ele. Não que ele a superasse completamente, era
simplesmente que ele parecia não ter fraquezas que ela pudesse
explorar.
Até agora.
Abigail era a fraqueza perfeita. Ela era precisamente tudo o que
Valroy não era - doce, gentil, bondosa e confiante - e precisamente
tudo o que Valroy ansiava. Ela era linda, ignorante de sua própria
sensualidade, e para todos os efeitos ela poderia muito bem ser um
irresistível deleite açucarado em uma bandeja fora de alcance. Uma
bandeja que não era para ser comida.
E Valroy não era o tipo de homem que resistia a roubar uma
coisa dessas.
Além disso, se o espião dela tinha falado a verdade, ele ficou
perturbado com a morte da garota mortal, mal comendo, mal
dormindo. Havia apenas uma razão possível para alguém tão
envolvido em seu próprio ego enorme agir dessa maneira.
Valroy estava apaixonado.
E um homem apaixonado era um homem vulnerável.
Titânia nem precisaria explorar Abigail para enfiar a flecha na
abertura da armadura de Valroy. Não, ela não tentaria machucar
Abigail para machucá-lo. Tais planos eram sempre míopes, e ela
sempre escolhia o longo prazo que garantia a vitória na guerra
versus a vitória rápida em qualquer batalha.
E ela estava em guerra com o Príncipe Sangrento, não havia
dúvida. As espadas podem ainda não ter se chocado, mas suas
intenções eram claras. Portanto, ela seria forçada a dar o primeiro
golpe.
Esperançosamente, Abigail faria o que precisava ser feito uma
vez que ela estivesse cansada de ser fodida pela besta egoísta. Uma
vez que o fascínio misterioso de Valroy se esgotasse, ela veria que
seu ato de violência era de fato um ato de misericórdia.
O cão raivoso precisava ser sacrificado.
E se ela não o fizesse? Se Valroy conseguisse corrompê-la?
Então... Um homem apaixonado era um homem distraído.

Valroy teve uma dificuldade chocante para dormir. Ele deveria


estar desmaiado, depois da quantidade de vinho que havia bebido e
de quão vitorioso se sentia. Abigail havia rendido um pouco de si
mesma - cedido a ele, mesmo que fosse a menor quantidade.
Ela dormiu em seus braços. Ela se juntou a ele de bom grado. O
beijou de bom grado. Ela não era sua prisioneira. E abençoado seja
seu coração excessivamente gentil, ela se preocupou por estar sendo
rude e negligente com ele.
A lembrança disso quase o fez rir. A pobre coisinha parecia tão
preocupada que ele ia ficar chateado com ela, ele quase mudou de
ideia e voltou para ela. Ele tinha planos de como desejava que sua
primeira vez fazendo amor de verdade se desenrolasse - e isso quase
arruinou todos eles.
Mas não. Ele tinha que terminar a si mesmo, para não se deixar
levar. Seria muito fácil se deixar levar pelo momento com ela. E
quase o fez, verdade seja dita. Ela estava a um passo de ficar muito
dolorida quando acordasse.
Depois que ele finalmente a deixasse dormir.
Ele conseguiu manter-se controlado, por muito pouco. E seu
prêmio estava enrolado contra seu peito ao lado dela, de frente para
ele, e ele para ela. O ar do outono estava fresco e, sob os cobertores
de pele, ele havia colocado uma de suas asas sobre os dois.
Traçando a parte de trás de seus dedos sobre sua bochecha, ele
teve o cuidado de não acordá-la. Mas ele não conseguia tirar os olhos
dela. Ela se foi. Morta. Retirada de suas mãos. Tirada dele. Roubada
de seu alcance na véspera da noite em que a teria conquistado.
Ele tinha visto nos olhos dela quando ela se desculpou com ele
por tê-lo machucado. Ele viu isso nela no jantar. Ele viu isso nela
quando ela relutantemente permitiu que ele lhe desse prazer. E o
mais importante, ele viu quando disse a ela como se sentia por ela.
Ela não o odiava. Talvez ela até sentisse algo como as mais
novas faíscas de afeto.
E isso simplesmente não combinava com seu código moral.
Coisa maldita, a moral. Ele sorriu sarcasticamente para si mesmo. Ele
tinha seu próprio código de honra, embora todos os outros
pudessem acreditar de forma diferente. Ele desejava se casar com
alguém que pudesse tolerar - se fosse apenas após a morte e a
destruição, ele teria usado a coroa muitos séculos antes.
Isso não era verdade, era? Tolerar. Não... Ele queria alguém que
pudesse mais do que tolerar. Ele queria alguém que não olhasse para
ele com repulsa. Com desprezo. Com ódio vestido de amizade.
Foi por isso que ele escolheu uma mortal.
Ele queria alguém que pudesse olhar para ele... Do jeito que ela
olhava. Com fascínio, atração, raiva, humor... E de vez em quando,
se as estrelas se alinhassem, com bondade. E quando ele disse a ela
como sua morte o machucou, havia bondade em seus olhos.
Quando ele disse a ela como se sentia por ela, lá estava
novamente.
E cada momento parecia um prego em seu próprio caixão. Que
ele estava condenado a estar aqui ao lado dela, não importa o curso,
ou então ele poderia estar morto no chão. Eu a amo. Pelas estrelas, eu a
amo.
E tenho pavor do que isso significa.

Abigail acordou com um bocejo e um alongamento e se


aconchegou mais perto do objeto que a mantinha aquecida. Um
objeto que por um momento ela esqueceu tinha asas, tatuagens,
longos cabelos azuis e músculos. Quando ela abriu os olhos, ficou
surpresa ao vê-lo ainda dormindo ao lado dela.
As linhas de seu rosto se suavizaram, e ela ficou surpresa com
o quão... Pacífico ele parecia. Quão inocente. Ela tinha dificuldade
em pensar que Valroy já tinha sido uma dessas coisas. Em algum
momento ele rolou de costas ao lado dela, levando-a com ele. Uma
das garras de suas asas estava ao lado de sua cabeça no travesseiro
perto dela. Ela estava deitada em sua asa, e por um momento ela
estava preocupada que pudesse machucá-lo. Ele não teria adormecido
assim se fosse doloroso, sua idiota.
Ela olhou para as asas, com suas garras longas e pontiagudas.
As que ela agora sabia que ele poderia retrair. Mas parecia que elas
se alongavam quando estavam relaxadas, e não o contrário. Ela
estendeu a mão e cuidadosamente, hesitantemente, passou o dedo
sobre a superfície de sua garra.
Mesmo com todas as vezes que ele a agarrou com elas, ela
nunca teve a chance de estudá-las. Ele era um garanhão fugitivo - má
escolha de palavras - e parecia estimulado por algum tipo de turbilhão
que ela nunca tinha fôlego para estar perto dele.
E ela não deveria ter se encontrado desejando que esta não
fosse sua primeira chance.
Sua culpa e vergonha por sua situação com Valroy se tornariam
cada vez mais problemáticas com o passar dos dias. Ela teria que
deixá-las afastá-la de seus braços, ou ela teria que aceitar que ela
poderia, como o resto dos chamados companheiros de Valroy, ser
sua amiga, mas não sua aliada.
Ou sua amante.
Era isso que eles eram agora? Certamente não pelos padrões
feéricos, onde todos pareciam dormir com todos os outros. Oh,
deuses, ela realmente se sentou lá e observou Bayodan e Cruinn? Ela
engoliu um gemido e fechou os olhos. Era o que era. E o vinho não
teve culpa.
Estou aprendendo muito sobre mim ultimamente.
A almofada da garra de Valroy era um pouco áspera, um
pouco como a de um cachorro, mas ainda lisa o suficiente para não
ser excessivamente áspera. As unhas pontudas eram coisas
perversas, e ela não se atreveu a pressionar o dedo na ponta. Ela
sabia que iria sangrar.
Colocando a palma da mão no que era tão desumano, ela usou
os dedos para endireitar as garras, então as deixou relaxar
novamente, observando como elas se dobravam e se moviam. Os
dedos eram longos e finos, e facilmente duas ou três vezes maiores
do que os dela. Ele usava joias de prata ao redor deles como se
fossem dedos normais.
E ela supôs que, para ele, eles eram.
A pele de suas asas era tão translúcida que ela podia distinguir
o tecido e os padrões dos travesseiros embaixo delas. Mas enquanto
ela acariciava os dedos ao longo da superfície, não parecia frágil ou
fraca.
Ele não poderia correr para a batalha com asas delicadas, poderia?
Ela traçou um dos ossos do “braço” de sua asa, fascinada pela
musculatura ali. Quando ela chegou onde desaparecia debaixo dele,
ela finalmente olhou para cima.
Para vê-lo olhando para ela. Os olhos cor de safira estavam
cerrados e sua expressão ainda era serena.
Ele sorriu para ela. — Não me deixe te impedir. — Havia tanto
calor naquelas palavras que ela não sabia o que fazer. Ela estava
começando a se acostumar com o Valroy sarcástico, zombeteiro e
cruel. Mesmo o luxurioso e predatório.
Mas este?
Em seus momentos de silêncio?
Isso a cortou rapidamente. Suas bochechas ficaram um pouco
quentes, e ela se sentou, tomando cuidado para não esmagar a asa
dele – bem, ela tentou. Ela estava sentada nela. — Oh...
— Não dói. Elas podem desviar flechas e espadas. Sua bunda,
embora possa ser considerada um instrumento de guerra, não
representa nenhuma ameaça para minhas asas. — Ele sorriu.
Ali estava o Valroy com o qual ela se sentia confortável.
— Rá, rá. — Ela puxou o cobertor em volta do colo, embora não
se incomodou em cobrir os seios. Por que, quando ele estava tão
familiarizado com eles agora? Parecia bobo. Seu olhar permaneceu
sobre eles por um momento, mas para seu crédito, ele olhou para
cima.
— Você está se perguntando ‘e agora’, hum? — Ele deslocou o
braço para descansar a mão preguiçosamente em sua coxa. — Para
onde vamos daqui?
— Literalmente e figurativamente. — Ela suspirou. — Você
colocou sobre mim uma tarefa impossível.
— Coloquei? Acho que me lembro de você pedindo para fazer
um acordo comigo desta vez, bruxinha. — Ele riu, descansando a
cabeça no travesseiro. — Mas fale.
— Diga-me o que significa resolver o Labirinto. Não tem
nenhum quebra-cabeça que eu possa encontrar, muito menos tentar
desfazer. Não sei nem por onde começar. — Seus ombros caíram. Ela
se sentiu esvaziada. — E agora me encontro dormindo nua em sua
cama. Meu inimigo. O que eu devo fazer?
Ele respirou fundo, segurou e soltou. — Agora você está
jogando minha simpatia contra mim, Abigail. Pois eu amo ver você
evitar seu dilema. Mas o que eu não gosto é você ser derrotada. É um
desperdício repugnante do seu talento estar tão indignada. Você me
dá aqueles olhos grandes e tristes de corça... E eu lhe darei qualquer
coisa que você pedir. — Ele retrucou. — Que maldade. Como você é
perfeitamente manipuladora.
— Eu manipuladora? — Ela rosnou e apontou um dedo para
ele, pronta para lhe dar um sermão sobre o quão completamente
retrógrado ele estava com toda a situação, apenas para ver seus
olhos brilhando de malícia. Com uma carranca, ela optou por
esbofeteá-lo no peito com a palma da mão aberta o mais forte que
podia.
Ele gemeu e riu. — Muito bem. Eu mereço isso.
— E muito mais.
— Hum. Apenas tenha cuidado. Acho que gosto mais quando
você me bate. — Sua expressão se transformou em uma faminta. —
E eu estou tentando muito me comportar da melhor maneira.
Estupidamente o suficiente?
Ela acreditou nele.
— Eu vou te oferecer este... Arranjo, se você quiser. — Ele
ergueu a garra de sua outra asa e enrolou uma longa mecha de
cabelo dela ao redor dela. — Explore meu Labirinto. Veja-o em toda
a sua verdadeira glória. Eu não preciso protegê-la de sua violência
mais alegre e beleza mais sombria... Não agora que você é uma
feérica.
— Por que?
— Como você pode procurar resolver algo que não entende?
Ela abriu a boca para replicar e descobriu que não tinha
nenhuma réplica, — Contanto que eu não precise viajar pelas raízes
de suas árvores. Acho que elas... — Ela fez uma careta. — Eu acho
que elas... Gostam muito.
Ele riu e, agarrando-a, a rolou de costas. Ela gritou de surpresa
e se viu olhando para ele. Ele sorriu. — Claro que sim. Afinal, são
minhas árvores. — Ele se inclinou e beijou seu queixo. — E tudo
meu... — Ele beijou sua garganta. — Gosta de tocar em você... — E
então sua clavícula. — Muito.
Ela empurrou em seus ombros. Surpreendentemente, ele cedeu
e levantou a cabeça para observá-la. — Você está certa. Se eu
começar agora, não haverá como me parar até que eu tenha testado
completamente se você ainda é ou não estéril.
Quando ela foi bater nele, ele agarrou seu pulso. — Ah! Seus
ataques estão se tornando previsíve...
Ela lhe deu uma joelhada na virilha. Isso tirou o fôlego dele, e
ele rolou para o lado, segurando-se. Ela se sentou e olhou para ele
estreitamente. — Eu não bati em você com tanta força.
Quando ele não cedeu, sua raiva vacilou. Quando ele se
encolheu mais e gemeu de dor, ela franziu a testa. — Valroy? — Ela
estendeu a mão para tocar seu ombro. — Valroy, vamos, eu...
E mais uma vez ela se viu virada de costas. Desta vez, ele a
jogou por cima do ombro, e ela caiu nas almofadas com um unf.
— Você é muito doce. — Ele riu e inclinou a cabeça para beijar
sua bochecha. — Vou apodrecer meus dentes com você. — Ele a
soltou e bateu o dedo na ponta do nariz dela. — Lição. Nunca confie
que seu inimigo está caído até que você segure sua cabeça decepada
em suas mãos.
Ela o encarou. Por todo o bem que parecia fazer. — Eu duvido
muito que você teria gostado de eu arrancar sua masculinidade
naquele momento.
— Decididamente não. — Ele saiu da cama e gemeu, esticando
os braços acima da cabeça. Ela ouviu as costas dele estalarem
audivelmente enquanto ele abria as asas para os lados. Ele estava
vestindo calças, o que ela percebeu que provavelmente era
inteiramente para seu benefício. — Eu estou faminto. Quer tomar
café da manhã?
— Eu... — Qual era o ponto? Ela queria comer, especialmente
se ela ia passar quem sabe quanto tempo andando em círculos. —
Certo. Sim. Obri... — Ela parou a si mesma.
Ele lançou um sorriso malicioso por cima do ombro. — Você
está aprendendo. Você sabe o quanto eu tive que ensinar minhas
criaturas para não levarem para o lado pessoal quando você as
agradece infinitamente? Por favor.
Ela se moveu para se sentar na beirada da cama, o cobertor de
pele ainda enrolado ao redor dela. Ainda não estava frio o suficiente
para ver sua respiração, mas ainda estava frio. Ela estremeceu e o
puxou sobre os ombros.
— Você já pode convocar roupas? Ou devo fazer algumas para
você?
— Eu posso ser capaz de administrar. E se não, eu
aparentemente posso cultivar algumas roupas. Se você pode chamar
assim. — Ela torceu o nariz. — As videiras... Fazem o seu melhor.
Ele se inclinou contra uma coluna de pedra próxima,
observando-a com outro brilho travesso em seus olhos. — Eu
adoraria ver isso...
— Não, porque eu acredito que pode doer quando você insiste
em arrancá-las de mim. — Ela fez o melhor que pôde para ignorar a
risada uivante dele em resposta enquanto se esticava no ar diante
dela e tentava imaginar um par de calças em sua mente. Depois,
roupas íntimas. Ela optou por uma camisa de seda, algo não muito
diferente da que ela usava antes. Qualquer coisa mais restritiva do
que isso poderia atrapalhar se ela tivesse que correr para salvar sua
vida.
O que ainda era claramente provável em sua mente.
Ele a observou o tempo todo, um sorriso orgulhoso no rosto.
Ela o olhou enquanto começava a vestir suas roupas, tentando não
corar enquanto ele a observava se vestir. Ela acreditava que ela pode
ter conseguido principalmente. — O quê?
— Maravilhando-me com você, isso é tudo.
Ela vestiu a camisa pela cabeça e se levantou, apenas para
descobrir que ainda estava com bastante frio. Claro que ela estava.
Eu sou uma idiota.
Ele sacudiu um pulso e chamou do ar um sobretudo forrado de
pele. Ele ofereceu a ela no gancho de uma de suas garras. Ela o
pegou dele e o pendurou nos ombros. Estava quente e cheirava a ele,
e ela se esforçou muito para não enterrar o nariz nos pelos da gola e
se permitir apreciá-lo.
— Valroy?
— Hum?
Ela fez uma pausa. O que ela estava tentando perguntar a ele?
Ela brincou com os botões do sobretudo por um momento antes de
encontrar suas palavras. — Posso confiar em você?
— Confiar em mim?— Ele bufou. — Claro que você pode
confiar em mim!
Isso lhe rendeu um olhar pernicioso.
— Ah, agora, nada disso. — Foi a vez dele apontar o dedo para
ela. — Quando eu menti uma vez para você? Eu a induzi ao erro - eu
a ludibriei fazendo-a acreditar que minhas palavras significavam
outras coisas. Mas quando eu uma vez, sequer uma vez, menti
abertamente?
Ela foi para contar a ele as dez mil vezes que ele mentiu para
ela, apenas para descobrir que... Ele nunca mentiu. Ele era cruel,
terrível, cheio de si, egoísta, manipulador, vil - todas essas coisas.
Mas ele estava certo. Ele nunca tinha contado abertamente uma
falsidade a ela.
Então ela o xingou em vez disso, moldando suas palavras de
acordo com algumas dos melhores córdeis que ela tinha ouvido sair
dos piores tipos de tavernas. — Seu bosta ruim, lambedor de bunda,
burro f...
Ele silenciou suas obscenidades com um beijo. Ele se
aproximou dela e a pegou em seus braços, embalando sua cabeça
com uma de suas garras, e esmagou suas frustrações em um
movimento rápido. Quando ele se afastou, seus olhos se fecharam e
ela estava agarrada a ele.
Sua respiração era tão quente contra sua bochecha. — Se eu te
pedisse em casamento, você diria que sim?
— Se eu lhe pedisse para parar seu plano de guerra, você diria
que sim? — Ela encontrou seu olhar de safira.
— Nem mesmo por você. — Ele suspirou. — Eu sou quem eu
sou... E quem eu sempre serei.
— Eu sei. — Ela sorriu tristemente e descansou a palma da mão
na bochecha dele. — E é por isso que eu nunca vou pedir. Mas
também não posso lhe dar seu trono.
Ele assentiu uma vez, como se realmente entendesse.
E isso partiu seu coração ainda mais.
— Comida. — Ele pegou a mão dela. — Então você deve andar
no meu Labirinto. Depois irei buscá-la para o jantar, você dormirá
em meus braços e começaremos de novo. — Ele levantou a mão dela
e beliscou seus dedos. — Eu poderia pensar em poucas maneiras
melhores de gastar meu tempo.
Enquanto ele a levava para longe, ela estava começando a
perceber que... Nem ela.
Merda.
CAPÍTULO SEIS
— E... Aqui estamos.
Abigail virou-se para olhar para o homem ao lado dela,
torcendo nervosamente o botão do casaco que ele lhe dera entre os
dedos. Ela não sabia por que estava com tanto medo. Ela sabia que
Valroy não queria machucá-la.
Este lobo em particular pretendia devorá-la de diferentes
maneiras. Ela empurrou para trás a memória da noite anterior,
tentando o seu melhor para evitar que suas bochechas ficassem
quentes. As coisas não melhoraram quando os lábios dele roçaram a
borda de suas orelhas pontudas.
Valroy estava atrás dela, suas mãos pousando em seus ombros.
Ele apertou. — Vá. Explore. Mas esteja avisada - meu comando sobre
o Labirinto é completo... Mas você é uma bugiganga tentadora para
todas as criaturas que chamam este lugar de lar.
— Não estou segura aqui?
— Isso depende inteiramente da sua definição de segura. — Ele
murmurou e roçou os dentes sobre o lóbulo de sua orelha. — Mas...
Se você se encontrar em alguma situação séria, eu irei resgatá-la.
— Por um preço. — Suas palavras eram quase sem som.
Suas mãos deslizaram pelos braços dela lentamente antes de
deslizar ao redor dela, puxando-a contra seu peito. A garra de uma
de suas asas agarrou sua coxa, as pontas perfurando-a através de sua
roupa. O estrondo sombrio em suas costas era um aviso tanto
quanto ela precisava. — Por um preço.
E tão rápido quanto ele estava lá, ele se foi. Ele se afastou dela,
parecendo cada grama o príncipe régio e mal que ele era. Seus lábios
se curvaram em um sorriso diabólico. — Aproveite sua noite, minha
doce pequena Seelie. Espero que alguma fera terrível te pegue em
suas garras...
Ele enrolou suas asas ao redor dele como um casulo, e ela
observou enquanto ele se dobrava no espaço e se foi.
Ela suspirou.
Resolver o labirinto. Explorar o Labirinto. E rezar para que
algum monstro não tentasse comê-la, porque o preço de sua fuga era
rastejar para o alcance de um monstro ainda maior e mais perigoso.
Fantástico. Isso tudo está indo muito bem.
Suponho que poderia matá-lo em vez disso.
Jogando as mãos para cima em frustração, ela se virou e
começou a andar, murmurando para si mesma por uns bons dez
minutos sobre como sua vida havia se tornado bizarra e infeliz. Mas
pelo menos ela tinha de fato uma vida.
Ela brincou com seu colar, correndo o polegar sobre os cumes
familiares da coruja de madeira esculpida. As árvores ao redor dela
estavam banhadas pelo lindo luar, dando-lhe luz mais do que
suficiente para enxergar.
O Labirinto ainda era aterrorizante, zumbindo com o zumbido
da vida que pulsava com a necessidade da morte. Mas ela se
descobriu o tipo mais estranho de observadora. Ela estava tão segura
quanto qualquer um poderia estar, andando por um lugar que era
uma criatura viva e senciente por direito próprio. Ela era como Jonas
dentro da baleia, exceto que ela deveria “resolver” a criatura
mapeando suas entranhas.
Não. Não mapear. Não fazia sentido mapear nada em Tir n’Aill,
com a forma como tudo vagava livremente por conta própria. Não,
ela deveria entender o Labirinto. — Então — ela disse a ninguém. Ou,
pelo menos, ninguém que ela pudesse ver. Ela duvidava muito que
estivesse sozinha. — Desejo conhecê-lo melhor. Para sentir o que
você é e tem sido. Eu ficaria maravilhosamente agradecida se você...
O chão se abriu sob seus pés. Sem aviso, um buraco caiu na
escuridão abaixo dela, o chão roncando e cedendo.
E ela foi com ele.
Abigail gritou.

Valroy jogou um prato cheio de carne de todos os tipos no chão


em frente ao corpo inconsciente de uma fera marinha que não
conseguiu chegar à linha d'água antes de desmaiar.
Ele cutucou Anfar com o pé.
O monstro grunhiu.
Ele cutucou mais forte.
Nada.
Com um suspiro, ele puxou o pé para trás e chutou Anfar nas
costas. — Levante-se, seu pedaço de madeira flutuante e encharcado
de ressaca.
Anfar fungou e se sentou, esfregando o rosto. Não havia
necessidade de ele dizer como se sentia miserável, pois estava
claramente escrito em cima dele.
— Aqui. — Valroy ofereceu-lhe uma caneca de chá presa na
garra de sua asa.
O outro homem se encolheu, então apertou os olhos para o
objeto que estava no ar diante dele, antes de pegá-lo com relutância.
Ele tomou um gole, e então fez uma careta.
— Sim, sim. É terrível. Mas vai ajudar nessa sua dor de cabeça.
— Valroy caminhou até uma rocha próxima e sentou-se, dobrando
as asas atrás dele, as garras descansando sobre os ombros. — Coma
alguma comida gordurosa, beba seu chá e depois rasteje até o fundo
do lago para ficar de mau humor como eu sei que você vai.
Anfar manteve a cabeça baixa, seu cabelo pegajoso escondendo
suas feições. — Eu não gosto de você. — Ele pegou o prato de
comida do mesmo jeito.
Valroy sorriu. — Não, você não gosta.
Eles ficaram em silêncio por vários minutos enquanto Anfar
beliscava o prato de carne. Valroy se contentava em olhar para o
lago, lindo como sempre era ao luar, e pensar. Ele certamente tinha o
suficiente para debater em sua mente.
E tudo girava em torno dela.
— Você finalmente transou com ela? — Anfar murmurou em
seu chá.
— Não. — Ele se apoiou nos cotovelos e se espreguiçou. —
Estou gostando de vê-la se contorcer. Você não gostaria?
— Você também está sendo gentil com ela. Você não deseja
assustá-la. Eu vejo isso na maneira como você a toca. — Anfar olhou
carrancudo para seu prato de comida. — Você a ama.
— E? O que tem? Você está procurando outra briga? Meu
amigo, acho que dificilmente você consegue enxergar direito, quanto
mais lançar um...
— Eu quero o que você tem.
Valroy piscou. Ele se sentou e se virou para encarar seu amigo.
De pé da rocha, ele foi até o cascalho ao lado da fera marinha e
sentou-se ao lado dele. Ele estendeu uma asa e colocou as garras no
ombro do outro homem.
E muito honestamente não sabia o que dizer.

Abigail acordou com um gemido, pressionando a mão na


cabeça. Ela havia caído. Mas até que ponto, e para onde, ela não
sabia. Ela estava deitada em algo macio que espremeu sob seus
dedos. Cheirava a musgo e turfa. Estava fresco e úmido.
E escuro.
Por um momento, ela se perguntou se ela podia ver tudo. Mas
quando ela piscou os olhos mais algumas vezes para olhar mais de
perto a escuridão, ela percebeu que havia a mais estranha e fraca luz.
Era um tom pálido de azul esbranquiçado que riscava as paredes e
ao redor em padrões bizarros.
Paredes?
Oh. Ela estava em uma caverna. As paredes ao redor dela eram
de pedra escarpada, escorregadias com musgo e as estranhas...
Coisas brilhantes. Ela olhou para cima. Não havia buraco sobre ela.
Onde quer que o Labirinto a tenha deixado cair, ele fechou a brecha
atrás dela. Levantando-se, ela se limpou. Pelo menos a câmara em
que ela estava era bastante grande. Ela estremeceu com a ideia de
ficar presa em algum lugar pequeno e de repente percebeu que
poderia ter desenvolvido um medo de espaços pequenos,
juntamente com sua incapacidade de comer carne.
Encantador.
Atravessando o musgo em direção à parede, ela soltou um
silencioso “huh” quando a fonte do brilho fraco entrou em foco.
Cogumelos. Milhares e milhares de minúsculos cogumelos
brilhantes. Agora que ela podia vê-los mais de perto, ela percebeu
que não eram todos da mesma cor, mas uma variedade de tons de
azul, verde-azulado, branco, roxo e verde. Enquanto ela observava,
ela podia ver pequenos insetos brilhantes voando de um para o
outro, mudando suas cores para combinar com os cogumelos
enquanto pousavam.
Demorou um bom tempo para se afastar da visão fascinante
para examinar mais da caverna ao seu redor. Isso a lembrou do
caminho através da floresta – o longo corredor, estendendo-se em
ambas as direções, sem absolutamente nenhuma noção de onde
qualquer caminho levava. Suponho que se chama Labirinto. Deve se
assemelhar a um de uma forma ou de outra.
Escolhendo uma direção, aquela que ela estava encarando
vagamente quando acordou, ela começou a andar. O chão estava frio
sob seus pés. Onde não estava coberto de musgo, a superfície era
surpreendentemente seca. Além do gotejamento ocasional de água
ou de uma rajada silenciosa de vento, não havia nada para ser
ouvido.
Felizmente, o corredor da passagem subterrânea não encolheu
de forma alguma. Ela não achava que conseguiria lidar com isso, do
jeito que só de pensar nisso fazia sua pele se arrepiar.
Foi exatamente quando as coisas estavam prestes a ficar chatas,
andando pelo que poderia ter sido uma hora ao longo de um túnel
sinuoso de estranhos cogumelos brilhantes e pontos do tamanho de
moscas de frutas que mudam de cor.
Quando, então, de repente, ela se amaldiçoou por ter esse
pensamento.
Pois se o Labirinto era psíquico, deve tê-la ouvido.
A gravidade mudou.
Embaixo de repente não era embaixo. Em cima de repente não
em cima. Em cima era atrás dela. E embaixo? Embaixo estava na
frente. Ela caiu para a frente, seus pés escorregando das rochas,
enquanto ela catapultou para frente pelo corredor da caverna sem
controle.
Ela se debateu.
E ela gritou.
Quanto tempo ela caiu, ela não sabia. Tempo suficiente para
que ela se perguntasse se não iria desmaiar de tanto gritar. Mas
quando a queda de repente terminou, não foi como ela esperava -
sendo respingada contra uma curva na caverna.
Ela caiu em um corpo de água.
Um corpo de água muito frio e escuro como breu.
O impacto repentino no líquido gelado foi como um soco no
estômago. Ele forçou todo o ar para fora de seus pulmões em uma
corrida repentina. Sua cabeça girou, enquanto a gravidade era
distorcida enquanto ela caía na escuridão. A água encheu seus
pulmões para ocupar o espaço deixado pelo ar.
Ela não conseguia pensar.
Ela não conseguia se mexer.
Tudo estava entorpecido e lento.
Seria tão fácil morrer assim...
Mãos se enrolaram em volta de sua cintura. Algo a estava
puxando - em que direção, ela não sabia. Ela não se importava com
razão. Tudo estava afundando na escuridão que a cercava. Qualquer
que fosse o monstro que a tivesse agarrado não seria o que a mataria.
Ela poderia mesmo morrer?
Ela supôs que estava prestes a encontrar...
Sua cabeça quebrou a superfície. A água foi trocada por rochas.
Quando um punho bateu em suas costas, ela engasgou. Outro
impacto, e ela vomitou a água que encheu seu estômago. Mais
derramou dela enquanto seu corpo rejeitava a substância.
Alguém esfregou suas costas agora onde havia batido. Ela
estava de lado, quase enrolada em uma bola, tossindo e ofegando.
Tudo parecia muito quente. Ela estremeceu apesar do calor e
tossiu novamente. Mas devagar, aos poucos, ela começou a respirar
normalmente. Ela gemeu de dor. Seus pulmões queimavam. Tudo
doía. Ela se sentiu como se tivesse sido arrastada por um canteiro de
urzes. Quando ela conseguiu reunir forças para abrir os olhos e
levantar a cabeça, ela estava na margem de um lago que estava
perfeitamente quieto. A superfície parecia vidro. A única luz
refletida nele era o musgo próximo.
Uma coisa perturbou sua superfície, embora estivesse tão
quieta que ela levou um momento para vê-la. Uma figura, afundada
na água até os ombros. Duas órbitas pretas e vazias para os olhos a
encararam. Dentes, inumanamente finos e irregulares, dominavam
seu rosto de orelha a orelha. Eles se cruzaram para cima e para
baixo, muitos para contar, formando um sorriso permanente e
mortal. Tinha cabelos longos, pretos e finos que caíam ao longo da
pele magra, pálida e cinza-azulada. A cor de um cadáver.
Ela ofegou.
Afundou mais baixo, até que apenas sua face superior ficou
visível. E para todo o mundo, poderia ter parecido um cadáver
levado à praia. Talvez fosse assim que atraía suas vítimas.
Engolindo o medo, ela gaguejou por um momento, antes de
conseguir falar com os dentes batendo. — Você salvou minha vida.
Perdoe-me por f-ficar as-assustada. Ainda sou muito nova no seu
mundo.
A criatura não se moveu, apenas olhou.
Ela sorriu para ele, o melhor que pôde. Ele só a salvou porque
foi dito, ela estava certa. A criatura não teria sido tão gentil se Valroy
provavelmente não tivesse dito a todos os seus asseclas para evitar
que ela caísse em muito perigo.
Literalmente, conforme o caso.
Mas ainda não significava que ela deveria ser rude. — É-É um
prazer conhecê-lo. Embora em circunstâncias terríveis. Peço
desculpas se fui uma in-inconveniência. — Ela estremeceu. Suas
roupas estavam encharcadas com água gelada. O casaco forrado de
pele que Valroy lhe dera agora estava fazendo mais mal do que bem.
Ela o tirou dela.
A criatura desapareceu sob a água.
Companheiro falador.
Embora talvez ele não possa falar.
Ou talvez Anfar seja realmente o conversador de um monstro
marinho.
Rindo para si mesma, apesar do frio, ela se levantou e avaliou
sua localização. Ela estava na margem lisa e rochosa do lago
subterrâneo. A costa descia abruptamente para paredes em ambas as
direções, então caminhar nessas direções não era possível. Sua única
escolha era a abertura escura de um túnel atrás dela.
Bem, pelo menos ela não tinha muita escolha para debater.
Dentes batendo, ela fez seu caminho para a escuridão mais uma vez.
Acho que não deveria me surpreender.
Por que eu acreditava que explorar o Labirinto seria fácil?
Simplesmente porque Valroy me adora não significa que essa criatura o
fará. E à sua maneira, talvez... Seja. Quantas almas ficaram presas neste
lugar e foram devoradas em minutos?
Quantos ficaram presos neste lugar e ainda sofreram qualquer
tormento que lhes tenha acontecido?
Ser jogada em um lago congelado, deixada para quase se
afogar, resgatada por uma criatura de aparência verdadeiramente
horrível, e então dita para andar um pouco mais enquanto ela tremia
de frio?
Poderia ser muito pior.
Muito, muito pior.
Quando o ar começou a esquentar, ela soltou um suspiro de
alívio. O lampejo alaranjado do fogo começou a iluminar as
superfícies irregulares das paredes. O musgo desapareceu, pois o ar
ficou seco demais para sobreviver. Onde quer que ela estivesse indo,
não era como onde ela estava.
O tinido de um martelo no metal a assustou. Ela desacelerou
sua aproximação. Parecia um ferreiro. O ar de repente ficou quase
sufocantemente quente quando ela virou a esquina, e quando ela
olhou para trás para ver como era possível que tal mudança pudesse
acontecer tão rapidamente – o corredor atrás dela havia sumido.
Acho que não gosto deste lugar.
Sem outra opção a não ser seguir em frente, ela dobrou outra
curva em uma enorme caverna. O teto se elevava acima dela, pontas
irregulares de rocha descendo em sua direção como dedos afiados e
ásperos.
Ela passou de muito fria para muito quente em tempo recorde.
O ar estava seco, quase a sufocando. A mudança a deixou tonta.
Nas bordas do espaço havia uma substância que ela não
entendia. Parecia tanto líquida quanto sólida. Era escura como piche
em algumas áreas, mas enquanto se movia e rachava como a crosta
de pão, revelava um líquido âmbar-avermelhado por baixo. Em
alguns lugares a superfície flamejava, explodindo em chamas, antes
de tremeluzir e morrer.
O caminho de pedra em que ela estava se elevava muito acima
do lodo ardente, lento e instável, como se o melaço de repente se
tornasse perigoso. Ela estava feliz pela distância, porque até mesmo
espiar por cima da borda fazia seus olhos lacrimejarem e arderem.
Outro tinido de martelo no metal desviou sua atenção. O
caminho estava pontilhado de grandes pedregulhos que ela foi
forçada a atravessar enquanto se movia. Ela não conseguia ver de
onde vinha o som. Em uma das curvas, algo a obrigou a parar.
Sem aviso, algo se incrustou em uma pedra tão perto de seu
rosto que ela sentiu o ar se mover ao redor dela. Uma espada, a
lâmina escura como piche e brilhante como ônix. Ela nem teve
chance de gritar, aconteceu tão rápido.
— Você — Uma voz profunda e gutural fervia. Uma figura se
aproximou, facilmente o maior homem que ela já tinha visto. Ele se
elevava sobre ela por vários metros. Ele era mais largo do que a
maioria das portas. E sua pele era rachada e quebrada como a rocha
em movimento e em chamas abaixo dela. Sob as rachaduras ela
podia ver a mesma substância brilhante.
Um rosto largo, feições achatadas, estava desfigurado de um
lado, mais pedra do que carne, como se a pedra tivesse crescido
sobre ele. E sua expressão era uma que se contorcia em ódio
enquanto ele fazia uma careta.
Seus olhos brilhavam como fogo.
Ele ergueu uma mão pesada e coberta de couro e agarrou o
punho da espada que ele havia enfiado na rocha ao lado dela. Havia
tanto ódio em seu olhar que ela estava certa de que estava prestes a
morrer. De novo.
Eu realmente acho que não gosto muito deste lugar.
CAPÍTULO SETE
O homem monolítico, ardente e aterrorizante na frente de
Abigail arrancou a espada da rocha como se tivesse sido apenas
enfiada em pinho. Por um momento, ela se perguntou se ele não
derrubaria a lâmina de metal preto sobre ela, partindo-a em duas.
Não havia seres vivos neste lugar. Não havia poder para ela
tirar. Suas videiras podem responder ao seu chamado, mas em
quanto tempo? Ela se amaldiçoou por não ter reagido mais rápido.
Mas a montanha de um homem bufou e virou as costas,
afastando-se dela. Todo o seu braço esquerdo era a mesma superfície
rochosa e escarpada que tomara conta de seu rosto. Ela franziu a
testa. O que ela deveria fazer? Ela teve que segui-lo, pois não havia
outro caminho através da rocha líquida ígnea. Mas ela fez isso a
longa distância. O ar estava acre e fedia a enxofre.
As trepadeiras que agora se retorciam em seus braços lutavam
para crescer no calor seco. Ela puxou o casaco que Valroy lhe dera,
agora feliz por sua umidade. O resto dela já estava secando
rapidamente.
Clam.
Clam.
Ao contornar uma pedra, o caminho se alargou, criando um
grande espaço circular no meio da enorme caverna. Ali no centro
havia uma forja de ferreiro, embora não estivesse cheia de carvões
fumegantes, mas aquela mesma pedra terrível em chamas. Ao lado
do ferreiro havia uma prateleira de armas, cada uma com lâminas
daquele metal parecido com ônix. Machados, espadas, lanças, tudo o
que ela pudesse imaginar. Elas cintilavam e brilhavam à luz âmbar
do fogo.
Ele estava batendo com um martelo na espada que havia
jogado nela, de costas para ela, ombros curvados. Abigail rastejou ao
longo da borda do espaço circular. Havia uma saída do outro lado, e
ela estava ansiosa para deixar este lugar e a presença desse homem
que claramente não queria nada com ela.
Mas ela não pôde deixar de parar para olhar para a prateleira
de armas prontas. Elas eram aterrorizantes e mortais, mas... Cada
uma era sua própria obra de arte. As lâminas de metal preto - ou
talvez fossem de pedra - se transformaram em pomos e punhos
cuidadosamente forjados que pareciam feitos de prata.
— Para a guerra dele — o homem grunhiu. Ele fungou e então
cuspiu no chão ao lado dele. A saliva chiou onde caiu. — Guerras.
— Elas são lindas.
Ele bufou uma risada. Foi profundamente cruel.
Ela franziu o cenho ante seu escárnio e abaixou a cabeça. — Eu
vou deixar você em paz. — Ela se dirigiu para a saída, quando o
homem falou novamente.
— Isto é o que eu sou.
Ela congelou. Palavras semelhantes foram ditas a ela por
Valroy em muitas ocasiões. Ela se virou para o ferreiro e parou por
um momento antes de responder. — Isso é o que você foi feito para
ser.
Ele riu, tão cruel quanto da primeira vez. Ele bateu o martelo
na borda da forja de pedra e se virou para encará-la. — Você acha
que ele é o culpado por isso? Hum. Você tem muito a aprender,
rainha.
— Eu não sou rainha.
O ferreiro zombou. — Oh? “Machuquem-na e vocês sofrerão”
diz ele. “Protejam ela. Mostrem a ela. Ensinem-na.” O que diabos isso
faz de você, se não sua rainha? — Ele cuspiu no chão novamente,
claramente pensando muito pouco no arranjo. — Você. Uma Seelie
suja e imunda. Rainha de tudo isso? Rainha de nós? Eu desprezo
você.
— Eu posso dizer.
Isso o fez rir de novo, com menos rancor do que antes, mesmo
que apenas um pouco. Balançando a cabeça, ele voltou ao seu
trabalho. — Eu faço armas. Tudo que eu já fiz. Toda a minha vida.
Tudo o que eu sei. Eu era a máquina de guerra. Fomos traídos.
Esfaqueado pelo meu próprio trabalho. Morrendo na lama, eles
vieram. Ele veio. Me deu uma escolha. Faça armas ou não.
— Você escolheu isso sobre a morte. Isso dificilmente é justo...
— Nada é justo. Nada nunca é justo. Não por que eu fiz isso. Eu
sou meu trabalho. Eu sou isso. Sem isso? Eu não sou nada. — Ele
lançou-lhe um olhar de desgosto e depois voltou a martelar a
espada. Ela não precisava que ele dissesse isso para saber que ele
imaginava que sua cabeça estava agora sob seu martelo enquanto ele
batia na lâmina. — Não entendeu? Está bem. Não preciso que você
entenda.
Como posso resolver algo que não entendo?
Abraçando o casaco úmido e forrado de pele, ela se viu de
repente muito satisfeita por ter caído em um lago congelado antes de
acabar neste lugar. Talvez esse tivesse sido inteiramente o ponto. Ela
fechou os olhos por um momento e suspirou. O paralelo que estava
sendo mostrado a ela não era precisamente sutil. Um homem cuja vida
inteira foi a guerra. Cujo propósito era criar os modelos de matar. Sem isso,
este homem não é nada. Ele iria desmoronar.
— Você está enganado. Eu entendo. — Ela voltou sua atenção
para o ferreiro. — Isso não significa que eu concorde com isso.
— Não, você não. Não importa se você concorda. Não muda
merda nenhuma. — Clam. — Sempre haverá guerra. Sempre haverá
morte. — Clam. — Faça o que quiser, reze para qualquer deus de
merda que você quiser. Não importa. — Clam. — Onde há vida? Há
guerra. Há morte. Sem parar. Não por muito tempo.
Não por muito tempo.
Eu posso não ser capaz de parar todas as mortes e todas as guerras em
todo o mundo. Mas eu posso pará-lo desta vez. Seu coração ficou pesado.
Quem poderia dizer que, se ela matasse Valroy, uma nova e mais
perigosa ameaça não surgiria para substituí-lo? E se Morrigan
apenas desejasse que Valroy fosse removido do caminho para que
ela pudesse colocar uma víbora ainda mais mortal no trono
Unseelie?
A guerra era inevitável.
A morte era inevitável.
Era apenas uma questão de quem, quando e como. Como ela
poderia esperar mudar o curso do rio do tempo? Não. Não, isso não é
tudo o que compõe o mundo. Há vida, riso e alegria. Há celebrações que não
envolvem deleitar-se com o sangue das vítimas. — Eu aprecio sua
sabedoria. Vou deixar você voltar ao seu trabalho. — Ela queria ficar
longe do calor escaldante e da companhia austera.
O ferreiro riu quando ela se virou e saiu.
Foi provavelmente horas mais tarde quando Abigail finalmente
encontrou seu caminho para fora da caverna. Não foi porque ela se
perdeu - parecia haver apenas um único caminho a seguir. Mas
serpenteava por cavernas cobertas de musgo e brilhantes, deixando-
a sem nada para fazer além de pensar.
E ela decidiu que não gostava muito de ser deixada sozinha
com seus pensamentos. Eles espiralavam, como sempre faziam, de
volta para Valroy e sua situação. Ela não queria matá-lo. E da
maneira mais estranha, ela confiava nele mais do que confiava em
Titânia.
Incluindo sua insistência de que a rainha havia mentido para
ela. Ela não levou para o lado pessoal. Por que a rainha não mentiu
para ela? Ela era uma ameaça perigosa. Ingênua, nova no mundo de
Tir n’Aill, poderosa e a chave para a ascensão de Valroy ao poder.
Uma que estava cada vez mais confortável em sua presença.
Eu deveria odiá-lo. Eu deveria abominá-lo. Eu não deveria achar suas
travessuras divertidas, suas piadas engraçadas, nem seu toque desejável. Eu
deveria achar ele e seus objetivos detestáveis. E foi precisamente por isso
que ela entrou nas Gle’Golun, afinal. Mas isso a havia levado
exatamente de volta ao ponto de partida, ainda que com estranhas
novas forças e – se Titânia fosse para acreditar – um pouco menos
mortal do que antes.
Ninguém havia testado a teoria ainda.
Ela não estava ansiosa pelo momento que alguém o fizesse.
Ah, eles iriam. Ela tinha certeza disso. Um assassino
provavelmente viria pulando do nada para tentar cortar sua cabeça.
Se voltasse a crescer, Abigail só podia esperar que fosse dela, e não...
Bem, de alguma forma diferente.
Ela olhou para suas unhas verdes musgosas e soltou um
suspiro. Abraçando o casaco de pele - agora seco, embora um pouco
duro - para si mesma, ela andou e pensou, andou e pensou, e andou
e pensou.
E nem parecia levá-la a lugar algum.
Mas, eventualmente, o luar fluiu para o chão de pedra à sua
frente, lançando formas claras e pálidas na superfície irregular,
diminuindo o brilho dos cogumelos e pequenos insetos
tremeluzentes. Ela sorriu. Seria um alívio estar do lado de fora entre
as árvores, mesmo que as do Labirinto fossem um pouco enervantes.
Enervante e um pouco familiar demais com ela. Ela estremeceu
com a memória de como foi viajar por elas, como se elas a
estivessem tocando de maneiras muito inadequadas. Isso fez com
que a ideia de usar esse método para contornar fosse assustadora na
melhor das hipóteses.
E tentadora na pior das hipóteses.
O mundo dos feéricos era... Diferente do mundo mortal. Era
sexual. Era baseado no toque. Palavras de agradecimento eram
consideradas ofensivas, mas carinho era trocado e dado livremente.
Era uma maneira honesta de ser, se nada mais. Aqueles que
desejavam um ao outro eram livres para agir de acordo com esses
impulsos.
A conversa de Titânia sobre Valroy voltou para ela. Ela não
estava surpresa que a rainha e o Príncipe Sangrento tivessem
dormido juntos, embora ela duvidasse que tivessem dormido. Mas
Titânia pediu a Abigail que simplesmente... Tirasse isso de seu
sistema. Como um veneno que, uma vez exorcizado, a deixaria livre
de sua influência.
Ela esfregou a mão no pescoço onde Valroy a havia mordido
enquanto compartilhava o veneno que Na’len havia injetado nela.
Ela se lembrou de sentar no colo dele naquela lagoa, sentindo as
mãos dele percorrerem seu corpo.
Ela se lembrava de sua língua apenas na noite anterior. Suas
bochechas ficaram quentes com o pensamento.
Talvez fosse melhor simplesmente... Acabar logo com isso.
Ceder ao que ambos desejavam, e quando a luz fria da manhã a
invadisse, ela teria superado seu fascínio por ele.
Ela só podia esperar.
Quando ela saiu da boca da caverna, ela ouviu um estrondo
atrás dela. Ela não ficou chocada quando a caverna desapareceu no
pequeno penhasco rochoso, as rochas se mexendo e se movendo
para cobrir o buraco. Depois de um momento, era como se nunca
houvesse um caminho ali.
É chamado de Labirinto por uma razão, suponho.
Com um suspiro, ela começou a descer o caminho para a
floresta. Havia apenas um. Depois de um tempo, ela começou a
cantarolar baixinho para si mesma, precisando preencher o silêncio
com algo. Passaram-se muitos longos minutos antes que ela fizesse
uma pausa, parando, quando percebeu que estava cantarolando
junto com a música que flutuava no ar. Ela estava fazendo isso sem
perceber, a melodia sendo tão fraca.
Mas agora era alta o suficiente para que seus ouvidos se
animassem, esforçando-se para ouvir. Parecia um órgão de tubos,
como um dos da maior igreja em Carlisle para onde seu pai a levara
uma vez quando ela era muito pequena. Ela começou a ir na direção
do som, curiosa para saber por que havia um órgão de tubos no
meio de uma floresta.
Embora ela suspeitasse que poderia saber quem era o culpado.
Ela teve que deixar o caminho para seguir o som, andando por
entre as árvores e pulando sobre tocos e pedras com muito menos
apreensão do que quando ela tinha feito isso como uma mortal. Ela
sabia que as árvores, embora muito pessoais, não significavam
nenhum mal a ela.
A melodia era uma peça pensativa e quase triste, e habilmente
tocada. Parecia quase impossível para uma única pessoa fazer
sozinha. Isto é, a menos que tenham quatro mãos.
Quando ela se viu em outra clareira, ela piscou surpresa. Não
pelo enorme fundo de um órgão de tubos que dominava o espaço,
mas pelas montanhas de... Coisas que o cercavam por todos os lados.
Pinturas. Móveis. Talheres e taças. Roupas, pedaços de casas -
ela até viu uma porta inteira em seu batente encostada em uma
árvore. Isso a lembrou do tesouro que Titânia lhe mostrara. Mas a
única grande diferença era que parecia não haver nada em termos de
joias ou moedas misturadas aos montes de coisas. Ela podia ver
algumas joias aqui ou ali, e armamento, mas parecia ser
principalmente móveis humanos. A maioria parecia ter sido roubada
das igrejas. Cruzes, bancos, vitrais, candelabros e afins.
Ela passou pelo que poderia ter sido um cadáver em uma caixa
de vidro. A superfície estava muito nublada para realmente ver, e
ela não estava particularmente interessada em saber a resposta.
O órgão de tubos era enorme, os tubos se estendiam no céu,
várias outras fileiras encostadas nas árvores ou apoiadas nas pilhas
de coisas que preenchiam o espaço. Ele rugia sua melodia
melancólica na noite, o volume de tal forma que ela podia senti-la
ressoando nela.
Ela quase não percebeu o pequeno exército de criaturas
minúsculas e bulbosas que estavam bombeando os foles gigantes
que empurravam o ar através da máquina, girando rodas e puxando
grandes cordas.
Foi primorosamente esculpido e pintado. Seja qual for a igreja
de onde ele foi roubado, deve ter sido diferente de qualquer outra
que ela já tinha visto. Enquanto ela caminhava em direção à frente,
ela não ficou surpresa ao ver Valroy sentado no banco, a cabeça
baixa e os olhos fechados.
Ele estava perdido na música que estava tocando. E de repente,
ela também estava. Ele se movia com tanta graça e facilidade,
sabendo onde estava cada tecla sem olhar para ela. As garras de suas
asas se uniam perfeitamente no movimento, puxando alavancas,
pressionando teclas.
O cabelo azul escuro de Valroy caía na frente de seu rosto em
mechas, obscurecendo a expressão em seu rosto, exceto pelos poucos
vislumbres. E suas feições combinavam com a música que ele tocava
com cada nota.
Era uma canção de saudade. Uma canção de luto. Uma canção
de solidão.
Uma canção de amor.
Lágrimas vieram aos seus olhos, e ela as deixou cair enquanto
observava, extasiada. Quando a música finalmente terminou, e ele
levantou os dedos das teclas, o som do órgão ecoou pela floresta ao
redor deles.
Ele endireitou as costas e dobrou as asas sobre os ombros, as
garras apertando na frente dele. Acenando com a mão com desdém,
as pequenas criaturas bulbosas fugiram para a escuridão. Valroy se
levantou, e ela foi pega em quão gracioso ele era em cada
movimento que fazia. Como os músculos de suas costas ondulavam.
Como o luar brilhava em seu cabelo, transformando-o de preto
meia-noite em azul.
Por todos os deuses antigos, ele era uma obra de arte tanto
quanto as pilhas de pinturas ao redor dela.
Quando ele se virou para sair, ele a viu e deu um salto de
surpresa. Olhos de safira fracamente brilhantes piscaram. —
Abigail?
— Oh. Eu... Ah... — Ela enxugou os olhos e as lágrimas quase
secas que haviam riscado seu rosto. — Eu ouvi música, e...
— Por que diabos você está chorando? — Ele pulou do pedestal
onde o órgão foi colocado e caminhou até ela, sua testa franzida em
preocupação. — Quem te machucou? — Ele pegou seu pulso em
uma mão e puxou-o de seu rosto e inclinou sua cabeça para ele com
um toque suave da outra mão. — O que aconteceu?
— Eu estou bem. — Ela sorriu e balançou a cabeça, suas
bochechas esquentando com a preocupação dele. — Foi a sua
música. Fiquei emocionada, só isso.
— Como você chegou aqui? — Olhando para o céu, ele
grunhiu. — Perdi a noção do tempo.
— Eu fui... Jogada em uma caverna. E depois em um lago
subterrâneo onde quase me afoguei. Passei o dia alternando entre
congelar e queimar. — Ela fez uma careta. — Acho que não gosto
muito do seu ferreiro. E é claramente mútuo.
— Oh?— Ele riu. — Não, eu não acho que vocês dois se dariam
bem. — Olhando para ela, ele ergueu uma sobrancelha. — E você
está uma bagunça. Venha. Deixe-me endireitar você antes do jantar.
— Ele pegou a mão dela e começou a tirá-la das pilhas de bobagens e
objetos de valor que ele claramente havia roubado do mundo
humano. — Você gosta da minha coleção?
— Gosto mais do seu órgão. — Quando seu rosto se abriu em
um sorriso diabólico, ela gemeu de vergonha ao perceber o que
havia dito. — Não foi isso que eu quis dizer, e você... Ah! — Ela
parou quando ele a pegou em seus braços, carregando-a facilmente.
Ela jogou os braços em volta do pescoço dele, com medo de cair.
Algo brilhou em seus olhos. Algo mais profundo do que
afeição. Isso fez seu rosto ficar ainda mais quente. — Você é muito
divertida, pequena Seelie. Muito divertida, de fato. Acho que toquei
por horas, e agora estou morrendo de fome. Deixe-me limpá-la, e
podemos falar longamente sobre meu órgão enquanto comemos.
Com um gemido, ela percebeu que ele não ia deixar isso
passar. Não por muito tempo.
Ela deveria afastá-lo.
Mas mesmo que ele suportasse o peso dela facilmente...
Ela não soltou os braços do pescoço dele.
Estou condenada.
CAPÍTULO OITO
Valroy colocou sua princesa na frente de uma grande banheira
de cobre. Caberia facilmente seis pessoas - ou sete, ele contou uma
vez - mas desta vez seria apenas para ela.
Infelizmente, apenas para ela.
O vapor subia da superfície da água quente que a enchia,
torcendo-se no ar frio do outono. Ele observou enquanto ela
rastejava para o lado como se estivesse esperando que Anfar ou sua
laia pulassem para fora da água. Ela olhou para ele com cautela.
— O quê? — Ele sorriu.
— Eu... — Ela balançou a cabeça. — Um banho quente é um
luxo que acredito nunca ter desfrutado na minha vida. — Ela
mergulhou a mão na água, girando o líquido claro ao redor,
ondulando a superfície. Sua testa franziu, e ela fez uma careta. —
Não tenho certeza do que pensar sobre isso.
— Pobre, coisinha exagerada. — Fechando a distância entre
eles, ele sorriu enquanto observava as bochechas dela ficarem
levemente rosadas com sua proximidade. Seus olhos se arregalaram,
e ela congelou como uma corça na visão de um caçador. E de muitas
maneiras, ela era. E de muitas maneiras, ela também era quem
empunhava o arco e a flecha.
Levantando a mão, ele traçou as unhas afiadas pelo cabelo
dela, penteando os fios de granada para trás de seu rosto. — Isso é
simplesmente um presente, Abigail.
— Um presente seu vem com amarras.
Com uma risada, ele inclinou a cabeça e beijou sua têmpora,
certificando-se de que demorasse um momento a mais. — Muitas
vezes sim. Desta vez? Não. Você parece exausta e dolorida, e está
coberta de sujeira. Vá em frente, tire a roupa e entre. — Quando ela
lhe lançou um olhar, ele sorriu. — Eu já vi você nua, bruxinha. Eu
provei você. Por que você ainda é tão tímida?
Seus ombros caíram. — Eu honestamente não poderia dizer.
Você está certo, e ainda...
— E ainda assim você sente que ceder a essa atração entre nós
de alguma forma diminui você. — Ele enrolou as garras de uma de
suas asas ao redor da gola de seu casaco e a ajudou a tirar a peça de
roupa. — Você acredita que a rendição a deixará fraca.
— Essa é a definição de rendição, não é? — Ela agarrou sua
camisa pela bainha inferior e levantou sobre sua cabeça, revelando
aqueles lindos e perfeitos seios dela. Grandes o suficiente para ele
afundar seus dentes e agarrar maravilhosamente com suas garras.
Quando ela virou as costas para começar a desamarrar as calças, ele
se aproximou dela. Ela ofegou, endireitando-se, e ele aproveitou a
oportunidade para pegar aqueles globos maravilhosos, macios e
flexíveis em suas palmas.
— Desamparo não é o mesmo que fraqueza. — Ele pressionou
os lábios em sua garganta antes de passar a língua lentamente ao
longo de uma de suas adoravelmente pontudas orelhas. Seus olhos
estavam fechados, e ela estava encostada nele, os lábios entreabertos.
Baixando a voz para o estrondo sombrio que ele sabia que ela
gostava tanto, ele pressionou seus quadris ao lado da banheira com
os seus. — O salgueiro se dobra contra o vento, mas não se quebra.
Os estrondos da terra podem derrubar as árvores mais poderosas,
mas a vida cresce de sua forma caída.
— O cadáver do coelho alimenta a grama tanto quanto ele —
suas palavras hesitaram enquanto ele passava as mãos pelos lados
dela, suas garras agarrando seus ombros — alimenta o lobo. Eu... Eu
sei. Eu sei que isso é o que eu sou. Sua presa. Mas eu... Eu não quero
que você pense isso simplesmente porque eu desejo você, que eu...
Eu estou de acordo com seus objetivos.
Perfeita.
Bruxinha perfeita.
— Eu sempre insisti que os dois tópicos são bem separados,
não é? — Ele beijou a linha de sua mandíbula, e ela inclinou a cabeça
para descobrir sua garganta para ele. Ele gemeu, incapaz de se
conter. Ele deixou seus dentes rasparem ao longo da nuca dela. A
maneira como ela estremeceu contra ele enviou um arrepio direto
para sua virilha, apertando e inchando sua necessidade já
considerável.
Ele desamarrou suas calças, e ele as abaixou por seu corpo,
ajoelhou-se atrás dela, deixando um rastro de beijos por sua coluna
enquanto o fazia. Quando sua bela bunda estava nua para ele, ele
mordeu a carne de uma de suas bochechas. Ela gritou, pulando e
girando para bater nele. Ele evitou o balanço selvagem e riu baixinho
de como ela parecia muito zangada.
Estrelas, ele adorava quando ela estava com raiva.
Rolando a língua até a área ofendida, ele apenas sorriu para ela
e deixou suas mãos correrem pelo comprimento de suas pernas. Sua
pele estava tingida de verde ao redor dos tornozelos e pulsos,
espalhando-se dessas áreas para alcançar seus cotovelos e joelhos em
uma gradação suave. A coloração transformou suas sardas de um
marrom profundo para um rico verde onde elas se sobrepunham.
Ele ainda estava planejando contar cada ponto.
— Vá em frente, entre. Ou então vamos nos atrasar para o
jantar. — Ele murmurou enquanto passava as mãos pelas pernas
dela, movendo-se para agarrar seu traseiro. — Deixa pra lá. O jantar
que se dane. Curve-se. Deixe-me provar você de novo.
Isso a inspirou a se mover, como ele suspeitava que
aconteceria. Antes que ele pudesse tomar suas bochechas em suas
mãos, ela rapidamente levantou uma perna e entrou na água quente,
sibilando com a mudança repentina. Ele se sentou sobre os
calcanhares e observou enquanto ela subia na banheira de cobre,
hesitando por um momento antes de sentar-se lentamente no banco
que contornava o anel da banheira.
— N-nossa. — Ela riu. — Isso é... Isso é bem quente.
— Está muito quente? — Ele se inclinou para frente,
descansando os braços na borda da banheira de cobre, mergulhando
os próprios dedos na água.
— Não. Não, não acho. — Ela soltou um suspiro e rolou os
ombros, afundando mais na água. — Acho que gosto bastante.
— Eu imaginei que você gostaria.
Ela fechou os olhos, inclinando-se contra a borda da banheira
perto dele, e ele observou como a tensão a deixou visivelmente, as
linhas assustadas e preocupadas de seu rosto suavizando a
expressão que ela usava quando dormia.
Ele não podia ajudar a si mesmo.
Movendo-se para se ajoelhar na beirada da banheira atrás dela,
ele estendeu os braços para descansar contra ela em um abraço
suave e inclinou a cabeça para beijar sua bochecha. Ele desejou que o
gesto fosse o mais gentil possível. Tão não assustador quanto ele era
capaz de ser. Ele sabia que provavelmente falhou. Não era algo que
ele normalmente era capaz de reunir.
Mas ela não endureceu. Ela inclinou a cabeça para trás,
descansando-a contra o ombro dele, expondo-se a ele. — Você vai se
juntar a mim? — ela sussurrou, suas palavras quase inaudíveis. Elas
eram tão eficazes como se ela tivesse agarrado seu comprimento em
sua mão e o acariciado. Pois não era uma pergunta cautelosa e
incerta. Era um convite.
Um convite para se enterrar profundamente dentro dela.
Ele reprimiu um gemido e abaixou a cabeça, segurando-a um
pouco mais apertado enquanto o prazer crescia nele. Não. Não,
ainda não era hora. Ele a teria em sua banheira, ele a teria em todos
os lugares que ela permitisse. Ele iria curvá-la sobre cada pedaço de
tolice humana roubada que ele possuía e a esfaquear como o animal
que ele era.
Mas não esta noite.
Pois ele não queria um convite para simplesmente fodê-la.
Ele queria um convite para reivindicá-la.
Para tomá-la.
Cru, animalesco e puro.
Era isso que ele estava esperando.
E esta noite não essa noite. Talvez amanhã, se tudo corresse
como ele planejou. Forçando-se a engolir toda sua necessidade e
desespero, ele levantou a cabeça e soltou um suspiro baixo e
relutante. — Não, minha doce bruxa. Não esta noite.
Quando ela se virou para olhar para ele, confusa e talvez um
pouco magoada por sua repreensão, ele devorou seus lábios com os
dele. Ele silenciou cada pensamento em sua mente que pudesse fazê-
la acreditar que ele não precisava dela. Ela gemeu docemente contra
ele, e seus lábios tinham gosto de mel e maçãs.
Ele poderia beijá-la até que as estrelas piscassem e morressem.
Ele poderia se afogar nela, beber o suficiente dela, e ainda ser carente
de mais. Quando ele terminou o beijo, precisando respirar, ela estava
descansando inerte em seus braços, os lábios entreabertos e os olhos
fechados. Uma expressão de rendição.
Uma expressão da qual ele nunca se cansaria.
Alcançando uma bandeja próxima, ele pegou uma barra de
sabonete e um pano, e enquanto ela descansava ali, olhos fechados e
se recuperando de seu abraço, ele começou a limpá-la lentamente,
acariciando a barra sobre sua pele antes de esfregar com sua outra
mão.
— Linda — ele sussurrou, enquanto acariciava o sabonete para
cima e sobre seus seios, quase maravilhado com a criatura em seus
braços. Terna, frágil, vulnerável, flexível, mas muito parecida com a
árvore que ele se referia, aparentemente imparável. — Tão linda...
— Por que você não se junta a mim, Valroy?
— Nossa primeira vez não será aqui, assim. — Ele correu uma
de suas mãos pelo estômago dela, sentindo sua curva em seu aperto.
— Não, pequena Seelie. Nosso primeiro acasalamento será muito
mais violento do que isso. Pois é isso que você quer, e é disso que
nós dois precisamos.
Ela ofegou quando ele segurou seu núcleo. Ela se contorceu,
mas suas pernas se separaram para dar espaço para ele quando ele
começou a acariciar a sensível bola de nervos que encimava sua
feminilidade. Ela estremeceu e soltou um pequeno grito, e ele sorriu
contra sua bochecha.
— É isso, pequena Seelie — ele ronronou contra ela. — É isso.
— Eu... Eu não desejo que seja... Seja... nh... Violento... — Suas
palavras gaguejaram enquanto ele a trabalhava, sentindo a tensão
vir sobre ela em ondas.
— Sim. Sim, você deseja. Vou tomá-la depois de caçá-la através
do meu Labirinto. Eu vou persegui-la, vou lutar com você e vou
vencer. Vou forçá-la ao chão e foder você como as coisas selvagens
que somos. — Ele rosnou, um som baixo e desumano, e pressionou
dois de seus dedos – com cuidado para não movê-los demais por
causa de suas unhas afiadas – em seu corpo. — Eu vou fazer você
minha, pequena Seelie.
— Valroy... — Ela lamentou, e ele assistiu enquanto seu prazer
crescia. O som que ele fez se transformou em um rosnado quando o
corpo dela se apertou ao redor dele. Ela era tão apertada, tão quente,
levou cada grama de sua alma para não arrancá-la da água quente e
deixá-la inconsciente no chão de pedra da clareira.
Gentilmente puxando os dedos dela, com cuidado para não
cortá-la, ele tirou a mão da água e lambeu os dedos. Ele gemeu ao
sabor dela, e o som se transformou em uma risada enquanto suas
bochechas coravam e ela se virava de vergonha.
Tomando uma respiração profunda, ele segurou por um
segundo e soltou. Agarrando o pano onde o havia abandonado, ele
simplesmente voltou a limpá-la como se nada tivesse acontecido. Ela
estava tremendo, e o olhar em seu rosto era maravilhosamente
perturbado.
Desejo, confusão, medo, luxúria, excitação, trepidação e
necessidade.
Sim. Essas eram as sementes que ele plantaria esta noite. E
talvez amanhã, ele pudesse colher uma colheita abundante.
Quando ele terminou, ele sorriu para ela tão inocentemente
quanto pôde. — Pronta para o jantar? Estou faminto.
E ele foi presenteado com outro daqueles olhares
surpreendentes.
Eu te amo, Abigail Moore.

Abigail decidiu que Valroy não fazia absolutamente nenhum


sentido no mundo e poderia honestamente ser um lunático por quão
bizarro e imprevisível ele era. Ele havia declarado várias vezes o
quanto desejava tê-la, e quando ela se ofereceu a ele, ele... Recusou.
E afirmou que a teria de outra maneira, em vez disso.
Uma maneira que enviou uma emoção tão perigosa e ardente
através de seu corpo, seu prazer quase atingiu o pico apenas de sua
ameaça, embora seus dedos certamente tenham ajudado.
Deuses. A maneira como ele a tocava era diferente de tudo que
ela já havia sentido antes em sua vida. Terno e forte, gentil e cruel,
dando e recebendo, tudo no mesmo momento. Ele deu a ela roupas
para vestir depois que ela se enxugou – calças justas e uma blusa de
seda que ela jurou que era translúcida em certa iluminação.
Ela não iria colocá-la para ninguém além dele.
Comeram sozinhos e em relativo silêncio. Enquanto eles
raramente falavam, aqueles olhos de safira dele nunca a deixaram.
Eles observaram cada movimento que ela fez, absorveram,
memorizaram. E, por todo o mundo, ela só conseguia pensar em
como uma cobra rastreava sua presa.
E como ela desejava que a besta atacasse.
Ela queria que ele subisse na banheira com ela. Para finalmente
acabar com a tensão entre eles. Para dar a ambos o que eles queriam.
Mas apesar de sua indignação, ela também sabia que ele estava
certo. Ela tinha ouvido falar das lendas do violento e apaixonado
Príncipe Sangrento, e ela... Queria saber como era.
Ela queria sentir a mordida do lobo.
Durante todo o tempo ele sorriu para ela, uma leve torção nos
lábios que lhe disse que ele sabia exatamente o que estava
acontecendo dentro de sua cabeça. Com cada movimento dele, ela
estremeceu, perguntando-se se aquele seria o momento em que ele
atacaria.
Mas nada aconteceu.
Eles comeram. Eles beberam. Quando a refeição terminou, ele a
pegou pela mão e a levou para sua cama. E ainda assim, ele não fez
nada além de se jogar nos travesseiros e se esticar, sorrindo
satisfeito.
— Onde estão Bayodan e Cruinn, a propósito? — Ela se sentou
na beirada da plataforma, observando-o. Ela estendeu a mão e
passou a mão ao longo da borda de sua asa, ainda fascinada por elas.
— Fiquei surpresa quando eles não me encontraram quando eu
estava no subsolo. Quase me afoguei.
— Você quase o fez, mas não o fez. Você nunca esteve em
perigo. — Ele abriu um olho sonolento para observá-la antes de
fechá-lo novamente. — Eles sabem que você está segura. Eles estão
lidando com... Outras ameaças.
— O que você quer dizer? — Ela franziu a testa, levantando os
pés do chão como se houvesse um monstro embaixo da plataforma.
— Mais assassinos?
— Talvez. Estou incerto. — Ele riu do nervosismo dela, e sua
asa se esticou, enrolando ao redor dela e puxando-a para seu lado.
— Existem criaturas que se movem pelo mundo de tal maneira que
até eu tenho dificuldade em me defender delas. Mas você estará
segura. Isto eu prometo à você.
Ela o acompanhou, deitando-se ao lado dele. A sensação dele
contra ela era tão calmante quanto estressante. Mas certamente era
viciante. Ele puxou um cobertor sobre eles, sua asa pousando sobre
ela.
Enquanto a mão dele descansava preguiçosamente ao seu lado,
puxando-a para perto em um abraço, ela se viu desapontada por não
ter se afastado. Havia muitas coisas que ela sentia naquele momento.
Muitas coisas que conflitavam entre si. Mas uma coisa era certa. Ela
estava confortável. Ela estava quente.
Ela se sentia segura.
Ela não queria ir embora.
E ela se via um pouco ansiosa pela caça.
CAPÍTULO NOVE
Anfar tinha o desejo profundo e irresistível de matar alguém.
No entanto, isso era geralmente esperado ao lidar com assuntos
da Corte Enluarada, então ele não ficou totalmente surpreso. Por que
sou o segundo em comando? Ele não era – não literalmente. Ninguém
jamais o havia declarado explicitamente. Eles apenas vinham até ele
com expectativas quando Valroy não estava disponível.
E de muitas maneiras isso era provavelmente pior. Ele esfregou
a têmpora, desejando que sua dor de cabeça fosse embora. Seria uma
coisa se ele pudesse culpar a dor latejante atrás de seus olhos
simplesmente por excesso de álcool.
Em vez disso, era de uma abundância de política.
— Este é o seu direito de nascença. Podemos atrasá-lo o quanto
pudermos, mas é o simples fato de que ele é o príncipe e um dia –
hoje ou amanhã – será rei — disse um dos outros lordes, o duque
Hanlen, de onde estava ao lado da parede, balançando a cabeça
tristemente. — A guerra é inevitável. Se ele se casar ou não com a
garota Seelie.
— Ele pode se casar com ela? — Lady Yuna respondeu. —
Existe mesmo um precedente para isso?
— Você acha que isso o impediria? — o duque respondeu com
uma bufada. — Se alguma coisa, ele pode gostar do desafio.
Independentemente disso, não há nada que possamos fazer sobre a
existência de Abigail Moore.
— Não. Não há. — Lorde Bayodan lançou um olhar frio a
Hanlen, sua cauda de leão negro balançando irritada atrás dele. As
três palavras caíram como um martelo. Ficou claro que não haveria
discussão sobre qualquer destino ruim para a bruxa.
Por que Bayodan não era o segundo de fato de Valroy? Anfar
olhou com ressentimento para o nada. O rei-bode era poderoso,
impunha respeito e medo, e era quase tão perigoso quanto o próprio
príncipe.
Ele sabia a resposta, mesmo que a odiasse. Enquanto Bayodan e
Valroy eram aliados ávidos, eles não eram amigos. Anfar tinha a
dúbia distinção de ser o único membro dos Din’Glai que tinha
alguma ideia do que estava acontecendo dentro da cabeça do
príncipe.
E atualmente, a meta de Valroy estava dolorosamente clara e
descansava firmemente entre suas pernas. Essa seria a desculpa fácil
de dar - que Valroy era apenas um cachorro preso na necessidade do
cio. E até certo ponto, sim, tudo bem, isso era verdade. Mas havia
um buraco mais profundo que o Príncipe Sangrento queria
preencher. Pois ele amava Abigail, e ele, como todas as almas
apanhadas em tal estado, desejava que ela o amasse de volta.
A mandíbula de Anfar apertou. Sim, ele sabia como era.
O desejo de ser amado.
— Se Abigail deseja se casar com o príncipe, então ela deve se
casar com o príncipe — Anfar interrompeu a discussão que estava
acontecendo ao seu redor, cansado disso. Ele nem estava seguindo
para onde tinha ido, para ser honesto. Nem suspeitava que perdesse
muito.
— E o novo jogo dele com ela? Que com o primeiro degelo da
primavera ele a forçará a usar sua coroa? — Yuna balançou a cabeça,
seus braços cruzados sobre o peito em um desafio frustrado. — Isso
não soa como se ela tivesse qualquer escolha no assunto.
— Você não a conheceu. Nada será feito com ela a menos que
ela permita. — Anfar fechou os olhos e inclinou a cabeça para trás
para descansar na árvore em que estava encostado. — Valroy deve,
em todos os sentidos, jogar seus jogos. E isso não é diferente. Mas se
você não acha que a bruxa Seelie se sentou voluntariamente no
conselho com toda a intenção de lutar e perder, então você é uma
tola.
Silêncio.
— E além disso. — Ele abriu os olhos e se afastou da árvore,
querendo sair. Ele teve o suficiente disso. — A questão não é a
inevitável ascensão de Valroy ao trono. Isso é um problema para
amanhã. O problema hoje é o que queremos fazer com essas
incursões em nosso território. A rainha Seelie Vadia enviou seus
espiões. Devemos nos defender contra eles. Embora muitas vezes
não pareça, os Seelies são nossos inimigos. Não Valroy.
Mais silêncio. Bayodan estava sorrindo levemente, no entanto.
Por todos os deuses vivos e mortos, Anfar odiava a política.
Girando nos calcanhares, ele caminhou na escuridão e se deixou
viajar pelo espaço. Ele queria voltar para seu lago onde poderia ficar
de mau humor em paz. Talvez mais tarde, à noite, ele se aventurasse
no mundo humano para destruir algum navio errante. Fazia tempo
que não comia um navio, e poderia ser uma diversão agradável.
Sim. Isso era o que ele faria.
Ele devoraria alguns marinheiros infelizes e os enviaria para
um túmulo aquático.
Ele não conseguia pensar em nada que o animasse mais.
Abigail acordou ao lado de algo quente, aconchegante e
peludo.
Peludo.
Isso foi estranho.
Erguendo a cabeça, ela olhou para uma grande protuberância
que de alguma forma conseguiu se enfiar entre ela e Valroy ainda
adormecido.
Era um cachorro. Ela franziu a testa, confusa. Era um cachorro
castanho-claro e peludo que poderia ter sido uma espécie de pastor
vira-lata. Estava de cabeça para baixo, com as pernas estendidas em
todas as direções e roncando.
Ela teve que olhar ao redor para verificar seus arredores. Sim,
ela ainda estava no Labirinto. O sol estava se pondo, mas ainda
estava lá fora, o céu coberto com aquele véu de fumaça. Esfregando
o rosto, ela se sentou e olhou para o cachorro.
Não deveria estar lá.
Não tinha nada que estar lá.
E estar lá causaria sérios problemas assim que o príncipe
adormecido acordasse.
Ela cutucou o cachorro. — Puck — ela sussurrou. — Puck,
acorde. — O cachorro chutou, farejou, resmungou e rolou. Direto
para Valroy, acertando-o no peito com as patas traseiras. Ela sibilou
e, estendendo a mão, tentou puxar o cachorro para longe dele. —
Não, não, não...
Mas era tarde demais.
Valroy grunhiu e rolou de costas, esfregando o peito onde Puck
o havia chutado. — Mas que…?
Instantaneamente, seu rosto se contorceu de raiva. Os próximos
momentos foram um borrão de membros, asas, gritos e ganidos
assustados. Abigail assistiu, atordoada, como Valroy arremessou
Puck da cama, e imediatamente o perseguiu. Puck correu para
debaixo de uma das mesas que abrigavam uma pilha da coleção do
príncipe, derrubando várias cadeiras em seu caminho.
— Espera! — Ela voou da cama e os seguiu, colocando-se entre
o príncipe furioso e o cachorro encolhido e choramingando. — Pare!
Valroy parou bruscamente, seu rosto uma máscara retorcida de
raiva. Ele fez uma careta, seus dentes afiados à mostra. — Saia do
meu caminho, Abigail.
— Não. — Ela sentiu as videiras das Gle’Golun enrolarem em
seus braços, prontas para atacar. — Não o machuque.
— Essa coisa não é um cachorro. — Ele apontou para o vira-lata
embaixo da mesa. — Esse é Robin Goodfellow. Esse é o segundo em
comando de Oberon e um dos Seelies mais perigosos que já viveu.
— Eu sei disso! — Ela hesitou. — Bem, eu sabia a maior parte
disso. Ele não está aqui para me prejudicar.
— Ele é um espião — Valroy rosnou, suas asas se abrindo ao
lado dele. Puck ganiu e se escondeu atrás dela, o rabo entre as
pernas. — Ele é o espião. Você acha que ele é simplesmente o garoto
de recados de Oberon? Você pode saber o nome dele – você pode
saber a farsa que ele era naquela peça – mas você não o conhece.
— Eu sei que ele tem sido gentil comigo e tem sido meu amigo.
— Abigail cerrou os punhos. — Por mais ingênua que isso possa me
tornar, não vou deixar você machucá-lo. Não sei por que ele está
aqui, mas não acredito que seja para nos causar danos.
— Você está certa. Você é ingênua. — Valroy se afastou dela,
seu corpo tenso. — Você quer que eu sofra com ele na minha
presença? O mestre espião Seelie? Ele se infiltrou no meu Labirinto
sem ser detectado – ele se infiltrou na minha cama! Você acha que
ele não é perigoso, mesmo amaldiçoado como ele está? — Ele se
virou para enfrentar suas asas abertas em sua fúria. — Você pede
muito de mim, bruxinha!
Lutando contra o desejo de recuar de medo, ela
desesperadamente se manteve firme. Mesmo que ela se sentisse
estremecer ao vê-lo. Era fácil esquecer quem e o que ele era, quando
ela estava deitada ao lado dele na cama. A memória do campo que
Lady Astasha lhe mostrara, onde ele nasceu matando todos em seu
caminho, passou por sua mente.
Ele era o Príncipe Sangrento.
Ela nunca deveria se permitir acreditar que ele não era nada
além de um senhor da guerra perigoso, poderoso e assassino.
E isso não deveria excitá-la tanto quanto o fez. Isso não devia
excitá-la de forma alguma. Ela engoliu o nó na garganta e ergueu o
queixo em desafio, mesmo que sua bravura não passasse de uma
casa de paus. — Você está certo. Eu peço muito de você. Então, o que
devemos negociar, Príncipe Valroy?
Suas asas relaxaram, e ele a olhou com um brilho diabólico em
seus olhos brilhantes. Ele riu, um som baixo e cruel. Enviou uma
onda de frio rolando por sua espinha. Ele deu um único passo lento
em direção a ela. — Esse cachorro significa muito para você?
— Eu faria o mesmo por qualquer um dos meus amigos.
— Hum. — Valroy deu outro passo lento em direção a ela,
diminuindo a distância entre eles até que ele estava a apenas um
palmo de distância. Quando ele curvou um dedo sob seu queixo e
inclinou sua cabeça para ele, ela encontrou seu olhar com tanta
confiança quanto pôde reunir. — Muito bem. Eu trocarei com você
por sua presença no meu Labirinto. Ele será seu... Cortesão Seelie.
Vou permitir que isso aconteça pela bondade do meu coração. Até o
momento em que ele revelar seu jogo, e ficarmos sabendo que ele te
traiu para Oberon e Titânia. Então vou colocar a cabeça dele em uma
lança. E você não vai ficar no meu caminho. Você entende?
Deuses, ele é muito maior do que eu. Sua boca estava seca. Ela
engoliu em seco na tentativa de resolver o problema, mas havia
pouco a ser feito sobre isso. — Sim. Se ele ficar e trair sua confiança
para a corte Seelie, sua vida será perdida.
A mão dele deslocou-se para a garganta dela, os dedos para um
lado e o polegar para o outro, descansando em seu pulso. Ele não
apertou. Ele não precisava. Ela sabia o quão forte ele era. — E será
você a matá-lo.
— O-o quê?
— Sim, bruxa Seelie. Esta é minha troca. Quando ele revelar
que está trabalhando nas suas costas para desfazer meus planos...
Você será a única a acabar com a vida dele. Você vai colocar suas
flores carmesins nele e deixá-las devorá-lo inteiro.
— Eu... Não, isso não é...
O menor aperto de sua mão a silenciou. — Então eu vou matá-
lo agora para você, hum? Invadir o Labirinto é uma sentença de
morte. Qual será? Ele morrerá agora pelas minhas mãos ou pelas
suas em alguns dias? — O sorriso que se espalhou por suas feições
era de pura malícia.
Sim. Ela faria bem em nunca esquecer quem e o que ele era.
A escolha era clara, ele tinha feito seu ponto, e ele estava
negociando com ela com toda a certeza de que Puck nunca deixaria
o Labirinto novamente. Mas pelo menos deu a Puck a chance de
viver com a menor esperança, mesmo que fosse improvável, de que
ele não estivesse aqui com segundas intenções.
Vamos, agora, você não acha que ele está aqui para espionar os
Unseelies em troca de alguns anos sendo removido de sua maldição? Com
um suspiro longo e vacilante, ela estendeu a mão e gentilmente
empurrou a mão dele de sua garganta. Para sua surpresa, ele a
deixou. — Concordo com essa troca, embora saiba que isso me torna
uma tola.
— Uma adorável. Mas sim. Você é uma tola. — Ele bateu a
ponta da unha na ponta do nariz dela.
Revirando os olhos, ela se virou para a mesa e se agachou,
sorrindo gentilmente para o filhote ainda encolhido. Lorde Seelie. O
que quer seja. — Está tudo bem. — Ela estendeu a mão para ele. —
Eu vou mantê-lo seguro.
Puck cheirou a mão dela, então lambeu os dedos, e lentamente
se arrastou para fora da mesa, olhando para ela com um aceno
hesitante. Ele lambeu sua bochecha.
Rindo, ela o acariciou, acariciando o pelo de suas costas. —
Ainda é tão estranho pensar que você não é um cachorro.
— Sim. De fato. Lembre-se disso, seu vira-lata cheio de pulgas.
— Valroy deu um passo ameaçador em direção a Puck, que
rapidamente pulou atrás dela. — Você está aqui com o meu favor.
Um movimento errado, e eu farei um cinto de seu pelo.
O cachorro ganiu, mas seu rabo ainda abanava nervosamente.
Ela suspirou e beijou a cabeça de Puck. — Ignore-o. Ele está apenas
frustrado. — De pé, ela sorriu para o cachorro enquanto ele se
inclinava contra sua coxa. Ela coçou atrás da orelha dele.
O olhar de desgosto no rosto de Valroy era quase cômico, se ele
não fosse tão mortal. — Falando em minha frustração e minhas boas
graças, recomendo que você faça bom uso de sua noite. — Seu olhar
voltou para ela, e instantaneamente o desgosto se transformou em
uma mistura de fome animalesca que fez sua boca secar.
— P-por que? — Ela deu um passo para trás dele, e Puck estava
mais uma vez se escondendo atrás dela. Ele fazia um cão de guarda
terrível. Ela supôs que não o culpava.
— Minha paciência acabou. Meu tempo de ser gentil com você
chegou ao fim. — Ele zombou. — Quando a lua começar a se pôr
esta noite... Você será minha. A caçada vai continuar.
— Eu... Mas... — ela gaguejou, suas bochechas
instantaneamente explodindo em chamas. Ela ficou ao mesmo
tempo aterrorizada - verdadeiramente, profundamente assustada - e
presa em um turbilhão de antecipação. Ela deu outro passo hesitante
para longe dele. — Eu não estou pronta, e...
— E eu não ligo. — Ele abriu suas asas. — É melhor que seu
bichinho não esteja perto de mim quando eu chegar. Vá. Gaste suas
horas restantes como quiser.
A maneira como ele falou fez soar como uma execução. E
talvez fosse. Ela ouvira muitos avisos sobre a maneira violenta como
Valroy “fazia amor”. Pelo menos Titânia parece pensar que não posso
morrer por meios normais.
Se isso é bom ou não, eu não sei.
— Eu... — Ela não conseguiu tirar o resto de sua frase vacilante
de sua boca. Provavelmente foi o melhor. Ela não tinha ideia do que
estava tentando dizer.
Valroy fez um gesto com a mão.
E era como se o espaço entre eles não fosse mais de dez passos,
mas de alguma forma se expandisse a um ritmo alarmante. Árvores
zumbiam por ela, pois onde ela estava não era mais perto do
príncipe, mas talvez tão longe quanto do outro lado do Labirinto.
Ela caiu no chão em sua desorientação, o movimento e o
estrondo do chão abaixo dela eram demais para ela manter o
equilíbrio. Puck estava no chão, suas orelhas contra seu crânio,
rosnando alto.
Mas não abafou a risada do príncipe que ecoou pelas árvores,
junto com suas últimas palavras de advertência.
— Quando as sombras caírem sobre a lua poente, a caçada começa,
bruxinha.
CAPÍTULO DEZ
— O que devo fazer?
Abigail não sabia por que fez a pergunta ao cachorro. Puck
parecia entender muito bem. Mas ele não conseguia falar.
Ele poderia, no entanto, trazer-lhe um graveto.
Ela parou de andar e olhou para a seção retorcida de um galho
que ele deixou cair a seus pés. E ela riu. Ela riu mais forte do que
fazia há algum tempo. Isso parecia ter sido parte do ponto quando
ele se sentou, seu rabo batendo na terra compactada e a língua
pendurada, parecendo incrivelmente satisfeito consigo mesmo.
Abaixando-se, ela deu um tapinha na cabeça dele antes de
acariciar suas orelhas. — Você é ridículo. Você não é um cachorro.
Nós todos sabemos disso. Não sei ao certo porque você finge que é.
Ele cutucou o graveto e latiu impacientemente, claramente
perguntando a ela o porquê da demora.
Rindo de novo, ela pegou o graveto e o ergueu, pronta para
atirar. Ele pulou na frente dela, saltando em suas patas dianteiras,
orelhas para frente, ansioso para o lance.
— Você realmente é ridículo. — Ela jogou o graveto o mais
forte que pôde, o que ela tinha certeza que ainda era uma distância
patética. Se a força aprimorada vinha como parte de se tornar
feérica, ela ainda estava aprendendo como dominá-la. O graveto não
foi muito longe. Mas foi longe o suficiente para Puck, que
ansiosamente correu atrás dele com toda a alegria de qualquer outro
cão normal, não-secretamente-Robin-Goodfellow.
Ele o agarrou e correu de volta para ela, deixando-o cair a seus
pés. Com um encolher de ombros, ela pegou e jogou novamente,
andando entre os lances, caindo em um padrão de pegar.
Com Puck.
Ela balançou a cabeça, murmurando sobre o quão estranha sua
vida se tornou. Quando Puck parou a brincadeira para cair no chão e
lamber sua virilha, ela riu e continuou andando. — Talvez você
tenha passado muito tempo como cachorro. Embora eu tenha certeza
que se Valroy pudesse alcançar, ele estaria fazendo a mesma coisa.
Valroy.
Ela estremeceu com a memória de sua voz quando ele a
ameaçou com o que estava por vir. Era inevitável, ela sabia. Tudo
nele era inevitável de uma forma ou de outra. Mas lenta e
seguramente, mesmo com sua escuridão e o terror que ele
inspirava... Ele também estava se tornando cada vez mais desejável.
Não apesar de suas garras afiadas e risada cruel.
Mas por causa disso.
— O que aconteceu comigo? O que esse mundo fez de mim?
Que tipo de estado delirante de luxúria isso me colocou? — Ela
jogou o graveto novamente, distraída pelas travessuras brincalhonas
de Puck. Ele a fez rir, e ela estava muito feliz por sua companhia.
Ele não podia responder a ela em palavras.
Mas ele poderia animá-la do mesmo jeito.
— Não, estou me enganando. Eu o queria quando era uma
mulher mortal. Foi por isso que eu escolhi morrer. Mas... Isso está
errado. — Ela jogou o graveto novamente depois que ele o jogou de
volta a seus pés. — O que eu sinto... O que eu quero... Por que
alguém em sã consciência deseja isso?
Puck saltou em suas patas traseiras, choramingando, como se
ela estivesse perdendo o ponto de algo muito importante. Ele era um
cachorro grande para pular tão alto, e ela se viu levemente
impressionada. Ele pegou o graveto e então rosnou para ela,
abanando o rabo. Era uma combinação bizarra.
— O que você está fazendo? — Ela ergueu a sobrancelha para
ele, puxando a outra ponta do graveto. — Seu cachorro estranho.
Você está assim há muito tempo, eu acho. Você está começando a
enlouquecer...
As palavras de Valroy.
— Vou forçá-la no chão e foder você como as coisas selvagens que
somos.
Oh. Ela suspirou. — Fui feita para ser assim. Entendi. Você é
um cão por causa de sua natureza. Sou... Obrigada a correr, fugir,
lutar e cair. — As palavras de Morrigan se juntaram às de seu filho.
— Você se tornará sua presa.
E ela tinha.
Ela tinha se transformado nisso - esposa de madeira, ninfa de
árvore, criatura da floresta, encarnação da vida, ou o que Titânia
quisesse dizer que ela era - por uma razão, e apenas uma razão.
Morrigan a havia avisado, e ela não havia entendido.
Valroy era um lobo.
E ela foi transformada em um coelho.
Pelo menos parece que vou desfrutar de uma parte do que vai
acontecer comigo esta noite. Há algum benefício em que ele não vai me jogar
sobre um toco e me estuprar. Acho que nem ele pode cair tanto. — Eu
entendo sua mensagem agora. Mas eu discordo disso. Eu não fui
feita para desejá-lo. Eu não queria que ele trouxesse sua ira sobre
mim simplesmente porque havia magia em ação. — Ela franziu a
testa. — Eu tinha essa inclinação quando era humana. Desde o
momento em que o vi. Minha transformação em feérica não teve
parte nisso, embora talvez tenha piorado. — Ela quis dizer suas
palavras para Morrigan, Valroy - a quem ela tinha certeza que estava
ouvindo - e também Puck.
Que estava esperando ansiosamente que ela arremessasse o
graveto novamente. — Suponho que quanto às maneiras que eu
poderia passar minha noite, esperando por qualquer devassidão
violenta que venha a seguir, brincar de pegar com você não é tão
ruim na lista. — Ela o jogou, sorrindo enquanto ele corria rápido
demais para parar, e seu traseiro alcançou sua frente, derrubando-o
no chão em uma pilha. Ele se levantou, sacudiu-se da cabeça à cauda
e trotou de volta para ela, a brincadeira terminou. Ela acariciou seu
pelo. — Obrigada.
Ele lambeu a mão dela.
— Acho que estou com fome. Acho que você aborreceu demais
Valroy para o café da manhã. Vamos ver se conseguimos alguma
comida? — Ela sabia a resposta; ela só queria vê-lo animado.
Puck latiu com entusiasmo, abanando o rabo atrás dele como
um chicote peludo.
— Bem, então. Vamos ver o que podemos fazer sobre isso. —
Viajar pelas raízes estava fora de questão, pois o deixaria para trás,
mas simplesmente pedir orientação às árvores funcionara bem para
ela antes. Ela colocou a mão contra a casca de uma das estruturas
altas e silenciosamente fez o pedido. Acho que estamos precisando de
uma companhia amigável, tanto quanto você é capaz de nos levar até lá.
Ela sorriu enquanto as árvores se moviam e se moviam,
abrindo um novo caminho que se dirigia abruptamente para a
esquerda de onde eles estavam andando. Ela sacudiu a cabeça
naquela direção, e Puck saiu explorando à frente, trotando e
farejando o chão, examinando cada folha e pedregulho.
Não, não era uma maneira ruim de passar o dia.
Isso tirou sua mente das coisas, pelo menos.
Na maior parte.
De alguma forma.
Talvez um pouco.
Não, de jeito nenhum, se ela estivesse sendo honesta consigo
mesma.
Mas a companhia valeu a pena de qualquer maneira.

Titânia estava furiosa.


Lá, posta em sua mesa, estava uma bandeja de prata.
Estampada e gravada com as marcas de humanos, era claramente da
coleção bastante extensa e profana de “relíquias” mortais de Valroy.
Não foi a bandeja que a aborreceu.
Era a cabeça que estava em cima dela.
Sua mandíbula se contraiu enquanto ela olhava para os olhos
vidrados e cegos de um de seus espiões mais espertos. Ali, em sua
boca, enfiada ali como se fosse um leitão, estava uma maçã
carmesim. A casca era vermelha demais para ser uma maçã normal.
Não, ela sabia exatamente de onde tinha vindo.
Pois Abigail havia cultivado uma macieira de casca preta como
breu, folhas translúcidas e a fruta vermelha mais sangrenta como
uma mensagem para seus dois guardiões. Este não era o trabalho de
Valroy - não diretamente. O trabalho de Valroy teria sido muito mais
horrível. Uma águia de sangue, talvez. Isso não.
Esta era uma mensagem do rei-bode.
Fazendo uma careta, ela se virou da cena e invadiu seus
aposentos privados, enfiando as mãos em seu cabelo. Lorde
Bayodan deve ter sido encarregado de enganar suas tentativas de
infiltrar seus agentes no reino Unseelie.
Mas eles só pegaram um.
Era um aviso, sim... Mas não era o suficiente para detê-la. Nem
um pouco.
Ela simplesmente tinha que ser mais cuidadosa.
Afundando em sua cadeira almofadada, pendurada entre duas
árvores, apreciando como ela balançava para frente e para trás, ela
bateu os dedos contra o queixo e pensou. Ela havia perdido um
peão. Mas havia muito mais peças em jogo.
E agora ela conhecia seu oponente. E mais importante, sua
teoria estava correta. Valroy estava distraído. O príncipe não era o
que estava sentado à sua frente. Fechando os olhos, ela começou a
pensar em cada resultado possível de seus próximos passos. Sua
raiva esfriou e ferveu, e logo ela estava sorrindo. Sim. Isso
funcionaria bem.
O rei-bode era um adversário difícil.
Mas não um insuperável.

Abigail sorriu ao som do oceano quando ela saiu da floresta


para a margem de cascalho. Ela tinha uma noção de quem ela estava
prestes a encontrar. Puck correu à frente, abanando o rabo, enquanto
pulava de cabeça nas ondas, sem se importar com qualquer tipo de
perigo que pudesse estar à espreita.
Por exemplo, na forma de um monstro marinho gigante
comedor de navios.
Ao se aproximar da costa, ficou surpresa ao ver uma pequena
cabana de madeira na parte gramada, alta o suficiente para ficar fora
do alcance das marés. A luz âmbar cintilava nas janelas, e a fumaça
saía de sua chaminé de metal que se projetava do telhado de telhas
grosseiras.
Não foi Anfar que o Labirinto a trouxe para ver. Ela não
conseguia imaginar a austera fera marinha vivendo em uma
pequena cabana de madeira. Ao se aproximar da porta, ela se
perguntou quem poderia ser.
Batendo silenciosamente na porta, ela esperou, tentando não se
sentir constrangida por simplesmente chegar à porta de alguém e
esperar hospitalidade. Embora talvez esse fosse o jeito dos feéricos.
Ela com razão não tinha ideia.
Quando a porta se abriu, ela sorriu surpresa. — Perin!
— A-Abigail? — Os olhos do selkie se arregalaram de surpresa.
Parecia que ele não podia acreditar no que estava vendo. — O que
você está fazendo aqui?
Um cachorro muito molhado soltou um alto “Au-au!” de onde
ele estava sentado ao lado dela, a língua saindo de sua boca um
momento depois. Ele aparentemente não deveria ser esquecido.
Perin deu um pulo com o som alto e olhou para o cachorro. Sua
expressão de choque se transformou em medo. — Oh... Oh, não...
Oh, não, esse é... — O selkie deu um passo para trás, recuando do
animal.
Puck parecia pensar que isso servia como um convite perfeito
para entrar. Passou trotando por Perin até a pequena cabana,
cheirando instantaneamente a comida no pequeno fogão de ferro, e
então começou a cheirar e investigar cada objeto na cabana.
— Eu... Eu sinto muito. Ele é...
— Esse é... Esse é o mestre espião Seelie... — Perin apontou
para o cachorro com olhos arregalados de terror. — E ele é... Ele é...
— Um cão inofensivo que tem a intenção de me seguir, até
onde posso dizer. — Abigail se encolheu quando Puck pulou na
pequena cama de Perin, instantaneamente rolando de costas. — E ele
está pingando em seus lençóis. Me desculpe por isso.
Perin soltou um gemido e esfregou a mão no rosto,
murmurando algo sobre — ...senhores sangrentos e agora isso. —
Ele ficou de lado para ela e gesticulou para que ela entrasse. — Bem,
você não pode piorar. Entre.
Abigail sorriu e, aproximando-se de Perin, o abraçou. — É bom
te ver.
Depois de um momento de surpresa, ele a abraçou de volta. —
É bom ver você também, Abigail. É muito bom ver você. Você está
bem?
— Tanto quanto qualquer um pode estar, dadas as
circunstâncias, suponho. — Ela se afastou depois de um momento.
— Eu me encontro no centro do destino de dois mundos e presa
entre duas facções guerreiras de criaturas que ainda não entendo. —
Ela bufou uma risada. — Eu estou ótima.
Perin riu com ela e passou a mão pelo cabelo dela. — Você
está... Você está surpreendente. Ah! Essas orelhas! — Ele virou sua
cabeça para o lado para examinar os pontos. — E... Oh. Oh. — Ele
puxou a mão para trás. Ele deve ter encontrado uma das flores
vermelhas das Gle’Golun.
— Elas não vão te machucar. Eu não vou te machucar. Eu
prometo. — Ela sorriu timidamente, abaixando a cabeça para fora do
alcance dele. — Quando Morrigan me trouxe de volta, fomos
transformadas em uma só forma.
— Eu... Elas ainda são... Você...
— Ainda não matei ninguém com elas. E eu sinceramente
espero que nunca chegue a isso. — Ela balançou a cabeça. — Mas
suponho que sejam um impedimento útil para as criaturas deste
lugar.
— Isso elas são. Venha, sente-se. Não tenho muito a oferecer,
especialmente para uma feérica Seelie. Mas tenho pão, queijo e
vinho. — Ele se virou para entrar em sua pequena cabana e começou
a puxar itens da prateleira na parede ao lado do fogão. Pelo cheiro,
ele estava cozinhando algum tipo de ensopado de carne.
Normalmente, isso a deixaria com água na boca.
— Farei as perguntas tolas que temo fazer a qualquer outra
pessoa. Seelies não comem carne?
— Não. Vocês não comem. — Ele colocou uma bola de cheddar
seco sobre a mesa e algumas facas grosseiramente marteladas, junto
com um grande pedaço de pão. — Eu acho que poderia te deixar
doente se você tentasse. — Ele sorriu para ela. — E não há perguntas
tolas que você poderia me fazer.
— Vamos ver isso. — Ela sorriu.
Ele riu do comentário seco dela e colocou uma garrafa de vinho
antes de pegar uma tigela de ensopado e se juntar a ela na mesa.
Puck pulou da cama e estava instantaneamente ao lado de Perin,
claramente implorando por comida.
Perin olhou para o cachorro. — E... Ele... É... Apenas...
— Eu sei. Valroy me fez prometer que se Puck trair minha
confiança, serei eu a matá-lo. — Ela suspirou. — Só espero que não
chegue a isso. Mas eu me preocupo que ele esteja certo, e é o
resultado mais provável. Não sei os motivos dele. — Ela tirou um
pedaço de pão e jogou para Puck, que o pegou no ar e começou a
mastigá-lo alegremente. — Exceto por querer comida e companhia.
Perin balançou a cabeça em confusão. Ele pegou um pedaço de
carne do ensopado e, olhando para o cachorro babando ao seu lado,
agora muito ansioso pelo pedaço, ele suspirou. — Lembre-se disso
quando tudo der errado, Goodfellow. — Ele jogou a carne para o
cachorro, que previsivelmente a devorou.
— Espere... — Abigail franziu a testa.
— Oh. Você provavelmente não sabe. Ele é um mestiço.
Nascido de uma mãe Unseelie com um pai Seelie, acredito que ele
foi dado a Oberon quando criança como uma oferta de paz. Mas isso
foi muito antes do meu tempo. Ele foi apresentado como prova de
que nossas raças poderiam existir juntas, de vez em quando, sem
matar uma a outra. — Perin começou a comer seu ensopado, dando
de vez em quando um pedaço de batata ou algo parecido para o
cachorro. Ela comeu também, apreciando a companhia mais do que
qualquer outra coisa.
Era um pouco cedo para o vinho, mas ela decidiu beber mesmo
assim. Poderia ajudar a acalmar seus nervos. Se a união foi tão violenta
quanto acho que minha noite vai acabar, não sei se isso conta como paz. —
Depende inteiramente da natureza do acasalamento — ela
murmurou em sua taça.
Perin riu e sorriu descaradamente para ela. — Você está
aprendendo rápido.
— Eu tenho pouca outra escolha. Quando alguém está sendo
perseguida pelo Príncipe Sangrento, é preciso aprender a
acompanhá-lo. — Ela suspirou, olhando para seu prato.
— Vocês já...
— Esta noite.
— Ah.
Silêncio.
Perin recostou-se na cadeira, a madeira rangendo um pouco
com o movimento. Ele era um homem bonito, ele teria virado a
cabeça dela sem questionar. Embora ela não tivesse conhecido
muitos marinheiros em sua vida, tendo crescido perto dos pântanos,
havia uma aspereza nele que ela imaginava não ser comum entre
eles. Ele coçou a barba por fazer e olhou pensativo. — Você está em
conflito.
— Quem não estaria?
Sua expressão parecia tensa, de repente, como se ele estivesse
lutando com o que dizer ou fazer. — Você roubou minha pele e me
fez prometer contar a verdade. Mas você morreu e o pacto foi
quebrado. Mas... Eu... Merda. — Com um gemido, ele engoliu a taça
de vinho na frente dele e se serviu de uma segunda. — Merda.
— O que foi?
Ele gemeu e passou as duas mãos pelo rosto. — Eu não deveria
estar envolvido. Não sei como fiquei enrolado em tudo disso, muito
menos... — Ele suspirou e olhou para o teto de sua cabana. — Anfar
esteve aqui por um tempo, ferido de uma briga entre ele e o
príncipe, e foram ditas coisas que eu não tenho nada que saber. E
agora você está aqui, e eu não sei o que fazer.
— Você não precisa me dizer. — Ela riu e estendeu a mão sobre
a mesa para pegar a mão dele. — O que quer que você sabe não foi
feito para eu ouvir. Isso...
— Ele te ama, Abigail. — Perin ganiu e cobriu os olhos com a
mão. — Aí está! Eu disse isso. Eu lhe contei o segredo, e agora
provavelmente serei brutalmente assassinado, esfolado ou torturado
ou...
— Perin.
— ...ele vai me esfolar vivo e...
— Perin.
— ...cortar minhas mãos e, em seguida, me alimentar com elas
depois...
— Perin!
Ele finalmente parou e abaixou a mão para olhar para ela.
Ela sorriu, sem entusiasmo, ou talvez com o coração partido,
por assim dizer. — Eu sei. Está tudo bem.
— Você... Você sabe?
— Não em tantas palavras. Ele não me disse isso. — Ela partiu
um pedaço de pão em seu prato e brincou com ele preguiçosamente.
— Mas eu soube quando o vi na beira das Gle’Golun, implorando
para que eu voltasse para ele. Eu vi sua dor, e não era a agonia de
um homem que simplesmente perdeu seu novo brinquedo. Eu vejo
em seus olhos quando ele é carinhoso comigo. Eu ouço isso em sua
risada. É por isso que eu realmente não temo sua ira, mesmo que
devesse.
— Posso perguntar como você... — O pobre Perin parou,
claramente querendo saber, mas não sabendo como perguntar. Para
um selkie, ele sempre parecia ser o peixe fora d’água.
— Honestamente, eu não sei. Eu o quero, isso é dolorosamente
claro. — Ela riu baixinho, ganhando um breve sorriso dele. — Eu
durmo de bom grado ao lado dele durante o dia porque acho que
isso me traz conforto. E, quase mais, porque lhe traz conforto. Eu era
casada com um homem que eu achava que tinha me amado uma
vez. E eu pensei que o amava. Mas agora, eu sei que ambas as
afirmações eram falsas, pois tenho algo verdadeiro para comparar.
Mas eu... Eu não sei como me sinto. Ele planeja matar dois mundos,
Perin. Como vou me importar com um homem assim?
— Eu... Com razão não poderia dizer.
— Esse é o meu dilema. — Ela deixou de fora a parte do
problema que ela estava tentando ignorar cuidadosamente. A parte
sobre como Titânia, que poderia estar a enganando, a encarregou de
assassinar Valroy.
De usar seu amor por ela como uma oportunidade para traí-lo.
Mesmo que ela não estivesse começando a – e ela podia admitir
isso, ela supôs – se importar com o Príncipe Sangrento, ela não sabia
se ela poderia viver com esse tipo de mancha em sua alma. Mas qual
era a alternativa? A matança de milhões de vidas inocentes em uma
guerra terrível que veria a morte e a escravização de seu povo - tanto
o antigo quanto o novo?
Que tipo de mancha isso deixaria?
Ela balançou a cabeça e, respirando fundo, lentamente soltou o
ar. Ele oscilou, e ela percebeu então que seus olhos começaram a
lacrimejar. — Sinto muito, Perin. Eu não queria vir aqui para ser um
fardo. — Ela enxugou os olhos.
Puck colocou a cabeça no colo dela, olhando para ela com
aqueles olhos grandes, tristes e amarelos dele. Ela sorriu para ele e
lhe deu um pedaço de queijo. Isso lhe rendeu uma lambida na mão.
— Você não é um fardo, Abigail. Você nunca foi e nunca será.
— Ele estendeu a mão e colocou a mão sobre a dela, apertando-a
suavemente. — Eu não sei o que dizer para aconselhá-la, é tudo. Sou
apenas um maldito marinheiro. E eu nem era muito bom nisso. —
Ele riu. — Eu não sou feito para essas... Conversas maiores-que-a-
vida que vocês parecem ter.
— O que você quer dizer com ‘vocês’?
— Sou um simples selkie. Coisas como você, Anfar e Valroy...
— Ele gesticulou com a outra mão para ela. — Forças da natureza.
Uma força da natureza. Ela não podia negar que era verdade.
Ela podia se esconder disso, mas se esconder não mudava o fato da
questão. Morrigan a moldou no que ela era agora. Ela simplesmente
ainda tinha que decidir o que queria fazer consigo mesma. — Ainda
não sei o que devo ser. Mas eu sei que esta ‘força da natureza'’ está
feliz em ser sua amiga.
— Bem, então. — Ele sorriu. — Não faz mal estar do lado bom
das Gle’Golun, hein?
Ela riu. — Não, eu não acho que faria mal nenhum.

Abigail descobriu que, na companhia de Perin, o tempo voou.


Ele contou a ela histórias de navegação no mar e das terras estranhas
que ele havia visitado ao longo da costa da África. Depois que eles
terminaram de comer, ela se sentou no chão perto do fogão com
Puck descansando ao lado dela.
Eles devem ter conversado por horas. Pois quando ela saiu
para se esticar e verificar o progresso da lua, ela já estava baixa no
horizonte.
E de repente, o calor agradável que vinha junto com a
companhia de um amigo foi eliminado e substituído por uma tensão
nervosa. Cobras se contorceram em seu estômago, e ela sentiu um
calafrio percorrer sua espinha.
Estava quase na hora.
Ela mordeu o lábio e voltou para a cabana. Perin estava
sentado em uma cadeira, olhando com olhos arregalados para Puck,
que tinha colocado a cabeça no colo do selkie e estava claramente
pedindo atenção.
Voltando para dentro da cabana, ela observou os dois com um
leve sorriso. — Você pode acariciá-lo, você sabe.
— Mas é Puck.
— Fica menos estranho com o passar do tempo.
— Eu... Eu suponho que sim. — Ele acariciou o cachorro, que
bateu o rabo alegremente no chão. — Isso é bizarro. — Perin
balançou a cabeça. — E eu sou feérico.
Abigail mordeu o lábio novamente e olhou para trás. — Posso
pedir a ele para ficar com você? Eu sei que é uma imposição
poderosa. Mas eu... Eu deveria ir. Sozinha. Valroy...
Puck pareceu gostar muito da ideia, pois imediatamente saltou
para a cama de Perin e rolou de costas, chutando as pernas no ar.
Abigail riu de suas travessuras, ainda mais alto pela expressão
horrorizada de Perin.
— Eu... Uh... Claro. — Perin se levantou, andando até ela
depois de olhar para o cachorro. Ele a abraçou gentilmente. — Farei
o meu melhor para ficar de olho nele.
— Na verdade, acredito que será o contrário. — Ela sorriu para
Perin e o abraçou de volta. — Obrigada.
— Disponha. — A expressão de Perin suavizou. — Basta
lembrar como ele se importa com você.
— É como ele planeja expressar essas emoções que me
preocupa mais. — Ela sorriu e se afastou do selkie. — Pois não acho
que ele pretenda me trazer flores.
Perin olhou para a lua cheia. — Não, eu não suponho que ele
pretenda.
— Tenha um bom dia, Perin. Obrigada novamente por sua
companhia. E Puck?
A língua do cachorro rolou para fora de sua boca enquanto ele
ofegava, ainda de cabeça para baixo, na cama.
— Tente ter um pouco de pena do meu amigo, sim?
O rabo de Puck bateu alto na cama.
Afastando-se da cabana, ouvindo a porta se fechar atrás dela,
ela caminhou sozinha pela praia rochosa da costa. Subindo o
barranco em direção à floresta, ela observou fascinada quando um
caminho se abriu diante dela.
Ela nunca se cansaria de ver as árvores se moverem dessa
maneira.
Respirando, ela segurou, e soltou em um longo fôlego. Pisando
na escuridão das árvores, ela não foi por muito tempo antes de se
encontrar em uma clareira gramada.
Uma sombra cruzou a lua. Por um momento, ela não soube o
que era. Mas então, quando passou de novo, ela ficou tensa. A
sombra foi feita pela passagem de asas de morcego expansivas e
coriáceas, cuja pele era quase translúcida, deixando os ossos todos
visíveis à medida que se estendiam para ambos os lados dele.
Virando-se para fugir para a floresta, ela deu precisamente
quatro passos antes que uma mão se enroscasse em seu cabelo e o
agarrasse com força. Ela ofegou quando foi puxada para trás,
batendo com força em uma parede sólida de músculos.
Duas mãos agarraram seus quadris, dedos cavando em sua
pele, a picada de unhas pontiagudas enviando uma onda de calor
rugindo através dela como se ela tivesse sido acesa em chamas. O
punho em seu cabelo devia pertencer à garra de uma daquelas
grandes e terríveis asas.
— Olá, bruxinha...
Ela estremeceu com as palavras, mais um grunhido do que
qualquer outra coisa, que se derramaram contra sua bochecha. Ela
não podia responder. Naquele momento, ele havia tirado o fôlego
dela.
— Está na hora. — Ele puxou seus quadris apertados contra
ele, e ela sentiu a pressão dele – todo ele – contra seu traseiro. —
Você está pronta?
Tudo o que ela podia fazer era choramingar. Deuses, ela estava
apavorada. Mas... Deuses, ela o queria. Ela queria isso. Certo ou
errado, profano ou primitivo, não importava.
Ele a girou, um braço puxando seu peito rente ao dele, o outro
rapidamente agarrando seu queixo e forçando-a a olhar para ele. Ele
a beijou, os lábios batendo contra os dela, como se quisesse engolir
sua alma.
Ela só podia agarrar-se a ele, atordoada pelo abraço áspero e
conquistador. Ele tomou, e ela estava impotente, exceto para dar. E
era tudo o que ela poderia querer e muito mais.
Quando ele se afastou dela, ela estava sem fôlego e trêmula.
Olhos de safira levemente brilhantes estavam fechados e pesados
com luxúria e um tipo diabólico de alegria. Ele sorriu, uma
expressão que prometia dor e prazer.
Então, de repente, ele a soltou. Ele deu um passo para trás tão
abruptamente que ela quase caiu, antes que ela pudesse recuperar o
equilíbrio. — Pequena bruxa Seelie. — Suas palavras eram um
ronronar que retumbou profundamente em seu peito. — Você
pertence a mim. Você pertence desde o momento em que te vi. E
agora? A caçada pode realmente começar.
Ela deu um passo para trás, seu coração batendo forte em seus
ouvidos.
— Corra. — Ele abriu suas asas lentamente atrás dele. — Vá,
bruxinha. Tão forte e tão rápido quanto você puder. Pois você sabe o
que acontecerá quando eu te pegar.
O que ela deveria fazer?
Porque ela sabia o que aconteceria. E ela queria, talvez tanto
quanto ele.
A forma de uma corça veio até ela, pernas longas, finas e
poderosas.
Ela se virou... E correu.
CAPÍTULO ONZE
A caçada tinha começado.
O sangue pulsava nas veias de Valroy. A corça que fugiu dele
era jovem e forte... Mas ingênua e assustada. O pelo que cobria seu
corpo não era marrom, mas verde musgo. Ele riu, um sorriso
sombrio no rosto, amando a visão de sua presa fugindo dele.
Já era tempo.
Finalmente chegou a hora.
Ela podia não acreditar que estava pronta. Ela iria lutar com ele
com unhas e dentes - oh, ele esperava que ela o fizesse - mas ela iria
cair. Ela se renderia.
E ela seria dele.
Ele saltou, e com um poderoso golpe de suas asas, ele foi ao ar.
Pegando uma corrente, ele começou a girar no céu noturno,
circulando e esperando seu tempo. Ele não tinha pressa. A corça
correu para o meio da floresta, esperando que a cobertura das
árvores pudesse escondê-la.
Mas este era o seu Labirinto.
E todas as coisas serviam a ele, e somente a ele.
Esta ia ser uma noite maravilhosa.
Uma noite maravilhosa e memorável.

O batimento cardíaco de Abigail era ensurdecedor. O mundo


era quase um borrão ao seu redor enquanto ela corria o mais rápido
e o mais forte que podia. Ela não foi tola o suficiente para se manter
no caminho e rapidamente se desviou para as árvores.
Ela esperava que elas pudessem protegê-la.
E isso fez dela uma tola.
Elas se fecharam ao redor dela, ficando mais densas e
retorcidas, suas raízes levantando e aparentemente fazendo o
possível para tropeçar nela. Ela saltou sobre elas, mas sabia que isso
a estava retardando. As árvores não precisavam pegá-la para ter
sucesso.
Se eu pudesse voar.
Isso não me faria bem - Valroy também pode.
As árvores estavam fechando fileiras, formando paredes
sólidas e intransponíveis, conduzindo-a para algum lugar. Elas a
estavam apontando para onde quer que ele quisesse. Duas vezes ela
mudou de direção ou inverteu completamente apenas para
encontrar seu caminho completamente bloqueado.
Ela não ousou tentar viajar por suas raízes. Não havia como
saber onde ela iria parar – ou em que estado ela estaria quando
chegasse.
Quando ela se virou para correr novamente, ela encontrou
apenas um caminho estreito à sua frente. Com a outra direção
bloqueada para ela, ela hesitou, sabendo que era uma armadilha.
Um segundo era muito longo. Uma trepadeira estalou em torno de
seu tornozelo, apertando firme.
Sua forma de corça mudou de volta para a humana, e ela
colocou as mãos ao redor da raiz, tentando desesperadamente se
libertar. Mas não adiantou. Poderia muito bem ter crescido ali - o
grosso cordão de madeira era indiscutivelmente forte. Ela precisaria
de um machado para cortá-la, e ela não tinha nada parecido.
— Não, não, não... — Ela soltou um gemido assustado
enquanto tentava desesperadamente se libertar.
Uma segunda raiz agarrou seu pulso enquanto ela puxava
freneticamente a primeira, de repente puxando-a para o chão. Uma
terceira. Uma quarta. Uma quinta. Elas retumbavam com o
movimento da terra, rangendo alto. Elas eram quase
impossivelmente rápidas. Cada vez que ela conseguia se esquivar de
uma, mais duas pareciam tomar seu lugar.
Ela soltou grito choro e chutou violentamente contra elas
enquanto deslizavam sobre ela, envolvendo seus membros. Ela não
ousava gritar, embora soubesse que Valroy já sabia onde ela estava.
Sua fuga era impossível.
Esse era inteiramente o ponto.
Soltando outro grito estrangulado, ela se debateu o mais forte
que pôde. Isso só resultou nas raízes se apertando mais ao redor
dela, prendendo-a no chão. Quando uma começou a trabalhar seu
caminho - agora lenta e paciente - por baixo de sua camisa para
enrolar em torno de seu seio e apertar, foi demais para ela aguentar.
Sua forma explodiu na forma de abelhas - um enxame delas
que voou do alcance das raízes. Ela era ao mesmo tempo mil
coisinhas minúsculas em vez de uma, e era estonteante ver e sentir
tantas perspectivas e ainda assim nenhuma.
Em um redemoinho desorientador, sua mente em um lugar e
em mil, ela voou das árvores o mais longe que pôde antes de pensar
que poderia enlouquecer. Quando ela caiu na grama, ofegante e
cambaleando, ela não tinha ideia de quão longe ela tinha conseguido
viajar. Sua pele ardia com arranhões e finas linhas de sangue
deixadas para trás por sua fuga apressada.
Com toda a sua alma, ela queria deitar na grama e
simplesmente respirar até que a náusea fosse embora. Mas o som de
um enorme conjunto de asas batendo contra o ar da noite enviou
medo através de seu corpo como se tivesse sido atingido por um
raio.
Ela correu.

Os insetos o pegaram de surpresa! Ela era mais forte do que


agia. Havia muito potencial em sua preciosa bruxinha Seelie. Ele não
tinha duvidado, mas estava muito satisfeito por vê-la começando a
reivindicá-lo.
Mergulhando baixo, ele riu enquanto a observava
desesperadamente se levantar. Ela não correu de volta para as
árvores, mas ficou ao longo da borda do campo para onde viajou.
Garota esperta.
Mas ela teria que encontrar cobertura logo.
Muito em breve.

O uivo dos lobos perfurou o ar, e ela congelou. Parecia que


havia um bando deles logo atrás dela, cada um cantando seu
chamado de trombeta para seus companheiros de bando. Ela girou e
viu seis das maiores criaturas que ela já tinha visto rondando em sua
direção através da névoa do campo. Seus ombros eram mais altos
que os dela, seu pelo de um azeviche que brilhava ao luar, e saliva
escorria de suas mandíbulas cheias de dentes e presas. Ela podia ver
o brilho de seus olhos amarelos enquanto eles se aproximavam,
ainda a algumas centenas de passos de distância. Eles vieram para
matar - e ela era sua presa.
Ela não sabia o que eles fariam com ela se a pegassem.
Ela não queria saber.
Quando o líder do bando rosnou para ela, ela decidiu que as
árvores eram o risco mais seguro. Ela não achava que a floresta
pretendia arrancar sua carne de seus ossos, embora não pudesse ter
certeza absoluta.
Uma parte dela não achava que Valroy faria coisas tão terríveis
com ela. Mas parte dela se lembrava de que o vira esfolar um
menino vivo.
Um caminho na floresta densa se abriu para ela, retumbando
quando as árvores se separaram. Teria sido uma visão acolhedora,
mas ela sabia o que estava acontecendo. Valroy a estava levando
para onde ele queria que ela fosse. Ele a estava encurralando,
cansando-a. Era uma tática óbvia... E estava funcionando.
Que escolha ela tinha?
Tão rápido quanto as pernas de sua corça podiam levá-la, ela
fugiu pelo caminho e entrou na floresta. Ela sabia que os lobos
tinham perseguido, pois ela podia ouvir sua respiração pesada e
rosnado que estava muito, muito perto de seus calcanhares para
conforto.
Cada vez que ela pensava que poderia ter ganhado alguma
distância, ela sentia o roçar de uma garra em sua pele ou ouvia o
estalar de dentes. Isso a esporeou como um cavalo sob a colheita.
Seus membros queimavam. Ela doía. Ela devia estar coberta de
sujeira e arranhões.
Quanto tempo mais ela poderia ir? Quantos quilômetros mais
ela poderia correr até que não pudesse ir mais longe? No final, isso
não importava.
O caminho terminou abruptamente.
Ele a jogou em uma clareira sem aviso prévio, e ela se viu
cercada por uma parede de árvores. Ela poderia se espremer entre
elas como um coelho, talvez, mas não sabia se conseguiria lidar com
a mudança sem desmaiar. E ela certamente não era forte o suficiente
para tomar a forma de insetos novamente.
Sobre duas pernas humanas muito trêmulas, ela cambaleou e
quase caiu no tapete de folhas macias de outono que cobriam a
clareira. Sua respiração estava ofegante, e ela se sentiu coberta por
uma fina camada de suor. Ela estava exausta. O medo a empurrou
além de seus limites, e ela já estava tremendo em seu rastro.
E os lobos estavam bem atrás dela.
Ela observou enquanto as enormes criaturas rondavam a
clareira e começaram a circulá-la. Não havia para onde ela pudesse
ir. Ela tentou convocar as Gle’Golun - para preencher a clareira com
as videiras mortais - mas descobriu que não conseguia.
Valroy e seu Labirinto não permitiriam.
Xingando baixinho, ela fez o possível para não virar as costas
para nenhum lobo, mas havia seis deles e apenas uma dela.
Quando um se aproximou demais, ela o golpeou com unhas
que de repente ficaram pontiagudas e afiadas, e ela se viu sibilando
para a fera. Sibilando. Quando ela já tinha feito isso antes? Mas o
instinto tomou conta, e ela agiu sem pensar.
— Finalmente, ela começa a se comportar como a feérica que é!
Ela girou em direção à voz e observou enquanto o líder da
matilha de lobos se levantava, seu pelo derretendo, tornando-se a
extensão de asas escuras e coriáceas. O lobo não era nada mais do
que uma capa que ele usava. Diante dela estava o próprio Príncipe
Sangrento, embora a natureza de sua expressão faminta tivesse
permanecido a mesma.
Os outros lobos brilharam e desapareceram, tendo sido apenas
ilusões.
Plantando os calcanhares, ela olhou para Valroy, pronta para
atacá-lo com tudo o que tinha. O que, decididamente, não era muito.
Não muito.
Ele sorriu. — Oh, como eu amo quando você me olha assim. —
Ele deu um passo em direção a ela, levantando uma sobrancelha
quando ela se manteve firme. — Você quer lutar comigo? — Com
uma risada sombria, ele estendeu as mãos ao lado do corpo,
convidando-a a dar o primeiro golpe. — Venha, então.
Ela hesitou.
O momento em que ela o golpeasse seria o fim. Ela talvez
terminasse a luta, mas ele a terminaria com um estalar de dedos.
— Acabou, Abigail. Acabou no momento em que começou.
Acabou no momento em que coloquei os olhos em você. — Ele deu
outro passo lento e deliberado em direção a ela, as folhas esmagando
silenciosamente sob seus pés descalços. — Desde aquele primeiro
momento em que você involuntariamente me convidou para entrar
em sua casa... Você seria minha. Você simplesmente tomou o
caminho mais longo. — Ele deu um terceiro passo.
Pelos deuses, ele era um espetáculo para ser visto. Terrível,
gracioso, monstruoso, lindo. Mortal. Faminto. Sua determinação
quebrou. Ela se virou para correr. Ela não sabia para onde ou como.
Mas ela precisava escapar.
Um punho em seu cabelo a puxou para trás, e ela ofegou com a
dor em seu couro cabeludo. Ela gritou, lutando o máximo que podia,
empurrando, chutando e arranhando. Mas ela poderia muito bem
ter sido uma criança. Ela era um animal frenético, e ele era um
guerreiro experiente.
Com um golpe na parte de trás dos joelhos, suas pernas
desmoronaram e ela caiu no chão com um “unf!” Rolando de costas,
ela foi atacá-lo, mas a garra de uma asa agarrou seu pulso antes que
ela pudesse completar o arco e o jogou no chão acima de sua cabeça.
Ele já estava sobre ela, montado em suas coxas, prendendo-a no
chão, sua expressão era de pura vitória e superioridade diabólica.
Ele estava olhando para ela do jeito que uma grande fera olharia seu
jantar enjaulado - com todo o conhecimento de que ela havia
perdido, e que estava a seu critério que ele agora iria se alimentar.
— Você é tão bonita quanto eu imaginei... Você foi uma
perseguição e tanto, devo admitir. Mas agora eu...
Abigail o golpeou com suas unhas afiadas, e ele levantou a
cabeça para o lado quando ela fez contato. Duas pequenas linhas
vermelhas apareceram em sua bochecha pálida, as gotas vermelhas e
começando a escorrer.
Congelada, ela não sabia o que esperar. Ela olhou para ele, de
olhos arregalados e aterrorizada. Ele a atacaria de volta?
Ele tocou sua bochecha com as pontas dos dedos, olhou o
sangue que as manchava, então lentamente os lambeu até limpá-los.
— Muito bem. Nunca subestime seu oponente. Especialmente
quando eles são um animal encurralado, assustado e derrotado. — Ele
bateu a mão no chão ao lado da cabeça dela, sorrindo como o
demônio que era. Ele se inclinou para perto dela e sussurrou: —
Diga-me para parar, Abigail. Diga a palavra, e isso acaba.
Mas ela não o fez. Ela apenas olhou para ele em um silêncio
atordoado.
Ele sorriu. — Você quer que eu te pegue, chutando e gritando?
O pensamento a excita?
Ela engoliu em seco.
Excitava.
Deuses a ajudem, excitava. Ela queria sentir sua força. Ela
queria sentir isso. Fracamente, incapaz de acreditar em sua própria
tolice, ela assentiu uma vez.
— Diga. Uma palavra. Isso é tudo que eu preciso de você.
Tudo o que ela tinha ouvido eram as histórias de quão violento
ele podia ser - quão sombrios eram seus prazeres. O arranhão de
suas unhas em seus lados não a assustou. Ela queria mais disso.
Mas ela não queria dar a ele.
Ela queria que ele tomasse.
Talvez ela não devesse provocá-lo tanto por causa de seu amor
por jogos. Talvez ela mesma estivesse começando a desenvolver um
gosto por eles. Ela sussurrou, sua voz quase inaudível: — Sim.
— Finalmente! Ela admite. Então pare de ser tão patética sobre
o quão forte você está me batendo. — Ele gargalhou. — Porque,
minha nossa, isso não é nada divertido.
— Maldito seja você, você... —Ela lutou o máximo que pôde,
mas ele apenas riu de suas débeis tentativas de escapar. Ele pegou
seu outro pulso, facilmente colocando-o com o primeiro. Talvez, se
ele não tivesse efetivamente quatro mãos, ela pudesse tirar os pulsos
de seu alcance. Mas a garra de sua asa poderia facilmente segurá-la.
Foi enquanto ele a observava, calmo e consciente, que a
verdade a atingiu em ondas. Ela sabia disso desde o início, mas tinha
procurado ignorá-lo. Ele poderia facilmente ter acabado com essa
perseguição deles sempre que quisesse.
Ele poderia ter terminado na noite em que se conheceram. Ela
tinha sido uma mortal - muito mais indefesa do que era agora.
Ele poderia tê-la tomado a qualquer momento. Mas ele tinha
escolhido não.
O príncipe sorriu para ela, os olhos cor de safira brilhando com
ansiedade e paciência ao mesmo tempo. — Você se rende?
— Não. — Sua voz estava rouca e fina de tanto correr.
Pronunciar a única sílaba parecia uma tarefa árdua. Seu corpo doía
como se tivesse passado por um espremedor, mas ela sabia que sua
noite estava apenas começando.
Sorriso se dividiu em um risinho, ele deslocou seu peso para a
mão no chão ao lado de sua cabeça e se abaixou para ela. Ela estava
tremendo, e quando o hálito quente dele se acumulou contra sua
pele, ela virou a cabeça, apenas para que ele pegasse seu queixo com
a outra mão e a puxasse de volta.
— Bom — ele sussurrou, seus lábios mal roçando os dela. — Eu
estava esperando que você dissesse isso.
Ele a beijou. Foi áspero, exigente e quase violento. Foi
contundente e devorador, enquanto ele exigia tudo dela em um
único gesto. Ele era o senhor da guerra, e ela seu espólio de guerra.
Quando ela mordeu o lábio dele, pareceu apenas estimulá-lo. Ele
rosnou, inclinando a cabeça para aprofundar o abraço, e ela sentiu o
gosto de seu sangue, metálico e amargo.
Quando ele se afastou dela, ele se sentou novamente, lambendo
o lábio onde ela o havia ferido. Os cortes em sua bochecha já
pareciam estar curados, e ela sabia que o ferimento que acabara de
lhe causar não ficaria muito atrás.
O sorriso em seu rosto era cruel, lascivo, perigoso e maligno. No
entanto, acumulou um calor embaixo em seu corpo que ela sabia que
era errado, mas inevitavelmente verdadeiro. Deuses, ela estava
apavorada com o que viria a seguir. Mas oh, como ela queria tudo
do mesmo jeito.
A maldade cintilou nos olhos cor de safira enquanto ele ria
dela. — Eu acredito que é hora de começarmos... Você não acha?
CAPÍTULO DOZE
Abigail só pôde gritar quando Valroy enrolou as mãos ao redor
da gola de sua camisa e puxou, rasgando o tecido em dois quando
ele o rasgou de seu corpo. Ele rasgou o tecido com facilidade,
jogando os pedaços arruinados de lado.
Ela chutou e se debateu, jogando a cabeça enquanto tentava
escapar dele. Mas ele estava sentado em suas coxas, e maldito seja se
ele não fosse pesado! Seus pulsos ainda estavam presos facilmente
nas garras de uma de suas asas.
Não havia nada que ela pudesse fazer.
E deuses, era glorioso.
Ela estava muito cansada para mudar de forma. E se pudesse,
não chegaria a quinze centímetros antes que ele a tivesse novamente.
Mas ela poderia encará-lo por tudo o que ela valia. Um olhar que
ficou muito mais furioso quando ele começou a rir de seus esforços.
— Vá em frente, então. Fuja, pequena Seelie. Você está exausta
demais para assumir uma nova forma, hum? — Ele fez um tsc para
ela. Ele agarrou seus seios com as mãos, apertando-os rudemente,
arrancando um grito agudo dela quando começou a apalpar e
brincar com ela. — Essa foi uma pequena perseguição divertida que
tivemos... Embora tenha sido curta. Eu pensei que talvez você
pudesse ir por mais tempo. Ou você queria desistir?
— Não... — Ela engoliu um gemido quando ele beliscou seus
mamilos, a sensação que surgiu silenciando suas queixas. Não foi a
dor que a atravessou. Seu corpo já doía por ter corrido o máximo
que podia. E agora, começou a doer por um motivo diferente.
— Oh? Hum. Suponho que você ainda seja jovem. — Seu olhar,
pálpebras cerradas e sombrio com luxúria, deixou seu rosto para
observar seu corpo enquanto ele brincava com ela. Ele lentamente
arrastou suas unhas afiadas sobre a pele dela, apenas com força
suficiente para picar sem deixar uma marca. — Eu tenho uma
pergunta para você, bruxinha. Como você gostaria que eu te tomasse
esta noite?
— O-o quê?
Ele se abaixou de volta para ela, deslizando-se ao longo dela
enquanto pressionava seu peito contra o dele. Ele lentamente
arrastou sua língua ao longo de seu pescoço até sua orelha,
beliscando o lóbulo.
Ela sentiu toda a sua força restante deixar seus membros com o
gesto.
— Você tem uma preferência, é o que estou perguntando.
— Uma p... Preferência pelo quê?
Ele levantou a cabeça para olhar para ela com uma sobrancelha
levantada, antes que sua confusão se acalmasse, e ele riu. — Pobre
Abigail. Pobre, pobre Abigail. Esqueci como o marido foi negligente.
Os amantes mortais podem ser tão decepcionantes. Tão limitados.
Tão chatos. Mas não se preocupe. — Quando ela desviou o olhar,
suas bochechas queimando de vergonha, ele pegou seu queixo com a
mão e a forçou a voltar para encará-lo. — Eu vou foder você
apropriadamente.
Ela gritou de surpresa quando seu mundo se moveu
abruptamente. Ele se sentou e a jogou de bruços na frente dele.
Folhas frias pressionaram contra sua bochecha e pele nua enquanto
ela tentava rastejar para longe, apenas para ser presa no chão por
uma garra que envolvia sua nuca.
O som de mais tecido sendo rasgado em pedaços, e ela de
repente estava nua debaixo dele. Duas mãos puxaram seus quadris
no ar, e ela estava de joelhos, a cabeça ainda baixa no chão. Ela
tentou empurrar para cima em suas mãos. Tentou golpeá-lo. Tentou
fazer qualquer coisa, mas ele a prendeu. Suas bochechas ficaram
quentes. — O que você...
Quando ele agarrou sua bunda, amassando-a da mesma forma
que tinha feito com seus seios, ela mordeu o lábio para não gritar.
Ele deve ter visto a reação dela, enquanto ria atrás dela. — Você
pode olhar para mim o quanto quiser, pequena Seelie, mas eu ouço
esses seus gemidos, mesmo que você esteja fazendo o possível para
escondê-los.
Ele trouxe a palma da mão para baixo em sua bunda com um
tapa, e ela gritou com a dor disso. Ele... Ele não poderia ter... Como
ele ousa...
Tapa!
Ela choramingou. Queimava. Quando ele esfregou o local onde
a atingiu, parecia que alfinetes e agulhas estavam correndo sobre seu
corpo. Quando um terceiro tapa a atingiu, ela não pôde evitar o som
que a deixou. Devia ter doído. Devia ser uma dor horrível que ela
sentiu. Ela deveria estar gritando para ele parar. Mas alimentou
alguma criatura estranha e faminta dentro dela... E ela gemeu em
vez disso.
— Bom — ele rosnou atrás dela, suas próprias palavras cheias
de luxúria. — Bom, Abigail. É isso.
Tapa!
A cada golpe, ele fazia uma pausa para acalmar a pele irritada,
acariciando e amassando. Ela não sabia qual metade da ação ela
mais desejava. Mas ela sabia que antecipava ambas em igual
medida, sua cabeça girando com a estranheza disso.
Seus dedos vagaram, em concha no centro do desejo dela por
ele, e ele murmurou em apreciação, embora ela estivesse mortificada
pelo que ele deve ter encontrado. Mas qualquer pensamento de
vergonha fugiu quando ele lentamente deslizou um dedo dentro
dela. Ela ficou tensa, preocupada em se mexer demais. Como se
pudesse ler sua mente, ele enrolou o dedo dentro dela. — Não se
preocupe. Eu posso me livrar de minhas unhas afiadas da mesma
forma que você pode convocá-las. — Ele riu, mas sua risada se
transformou em um gemido enquanto ele gentilmente enfiava um
segundo dedo dentro dela para se juntar ao primeiro. — Ah, Abigail.
Quando ele começou a trabalhar seus dedos dentro dela, para
frente e para trás, explorando-a, ela se viu encostada nele,
desesperadamente querendo mais. Ele estabeleceu um ritmo
paciente, quase enlouquecedoramente lento. A princípio tinha sido
reconfortante, uma pequena emoção percorrendo-a cada vez que ele
enterrava os dedos nela até as juntas. Mas rapidamente se tornou
frustrante.
Ela queria mais.
Maldito seja ele, ela precisava de mais.
Quando a mão dela apertou, apertando as folhas de outono
embaixo dela, ele riu. — Não se preocupe. Eu não vou fazer você
implorar esta noite. Vou guardar isso para outra hora. Não, querida
garota, estou apenas fazendo o que posso para prepará-la.
Um terceiro dedo a esticou, e ela gemeu, seus olhos se
fecharam com a felicidade disso.
— Acredite ou não, estou tentando ser atencioso. — Ele
pressionou aqueles três dedos nela com força. Seu gemido se
transformou em um grito quando enviou uma onda aguda de prazer
através dela sem aviso, mas ainda assim ele não parou. — Porque
uma vez que eu esteja dentro de você, minha querida bruxinha, não
vou parar até que eu tenha te enchido e fodido em carne viva. Não
serei capaz de me deter... Nem acredito que terei qualquer desejo de
tentar. Mas se você está tão impaciente para o prato principal? Que
assim seja.
Ela ficou tensa com suas palavras. Quando ela o sentiu se
mexer e ouviu o farfalhar de roupas, de repente ela encontrou uma
força renovada para lutar.
Não estou pronta. Eu não estou! — Espera...
Ele riu, uivando de prazer com o medo dela e, agarrando seus
quadris, atirou-a de costas. Suas garras agarraram suas pernas,
separando-as, e antes que ela pudesse chutá-lo para longe, seus
quadris estavam entre suas coxas.
Rosnando, ela se debateu embaixo dele. A risada dele a
estimulou. Mas não importa o quanto ela tentasse, ela foi
rapidamente presa embaixo dele, seus pulsos presos em sua mão
sobre sua cabeça. Com cada gota de raiva e indignação que possuía,
ela tentou incendiá-lo com o poder sozinho de um olhar.
Ele estremeceu sobre ela, como se o olhar que ela fixou nele
fosse suficiente para lhe dar prazer. Ele sorriu, apoiando-se no
cotovelo e bebeu a expressão dela. — Gloriosa... — As garras de suas
asas levantaram suas coxas, dobrando seus joelhos em direção aos
ombros, enquanto ele deslizava a outra mão entre eles.
Ela o sentiu ali, e sua raiva se transformou rapidamente em
medo. Não havia maneira possível! Não havia como por magia ou...
A pressão aumentou quando ele pressionou seus quadris
contra os dela, e ela arqueou as costas, deixando escapar um
pequeno som de gemido. Perto, e perto - e parecia tão impossível
quanto ela pensava, e...
Então ele estava lá. Ela gemeu com a sensação disso, e ele
gemeu, abaixando a cabeça em seu ombro por um momento
enquanto seu corpo ficava tenso e relaxado em ondas. Mas eles
estavam apenas começando. Quando ele puxou os quadris para trás,
quase não houve distância para recuar antes que ele estivesse
empurrando para frente mais uma vez, e seu lamento sufocou em
sua garganta.
Seus piercings.
Ela tinha esquecido sobre seus piercings.
Ele havia chegado à primeira fileira. Ela sentiu ali, estranho e
exótico, e não era possível!
— E-espere... Espere... — ela gaguejou. — Isso... Não vai...
— Sim. Vai. E devo esperar? Não. — Ele sorriu para ela antes
de passar a língua lentamente ao longo de seu lábio inferior. —
Vamos contá-los juntos, vamos? Um. — Ele impulsionou seus
quadris para frente.
Suas costas deixaram o chão quando ela se arqueou, sua boca
se abrindo em um grito silencioso. Não eram simplesmente as joias
que ameaçavam fazer com que seus pensamentos se esvaziassem de
sua cabeça. Era a pura circunferência dele. Ela entendia agora por
que ele tinha sido tão paciente com os dedos.
Mas ela não sabia, pois eles fizeram muito bem afinal. Ela se
sentiu dividida em duas, seu corpo doendo com o estiramento dele.
Ele cedeu apenas um pouco, as joias deixando-a, apenas para
entrar novamente um momento depois, enviando um solavanco em
sua espinha. Ele estava beijando sua bochecha no canto de sua boca,
e não foi até que ele repetiu o movimento uma segunda vez que ela
percebeu que ele estava falando com ela.
— Respire, Abigail... Respire. Se você não fizer isso, eu...
Nnnh... Estarei transando com seu corpo inconsciente, e isso não é
nada divertido, não é? — Quando ela piscou algumas vezes para
olhar para ele, ele sorriu. — Aí está você. — Sua voz estava ofegante,
presa em seu próprio prazer, enquanto ele se balançava dentro dela.
— Achei que tinha... Ah... Perdido você.
— Por favor, eu... Espere...
— Não.
Seu mundo estava se movendo novamente. Aquela dor, aquela
dor que dividiu o mundo a deixou. Ele se ajoelhou, jogando-a de
lado, e ela guinchou de surpresa quando uma das garras de suas
asas escavou debaixo de seu quadril e a levantou do chão. Era tão
incrivelmente forte, e ele sustentava seu peso como se ela não fosse
nada.
Quando ele agarrou sua outra perna para equilibrá-la contra
seu peito, ela torceu para pressionar os ombros no chão. Ela estava
muito exposta assim também – ela quase gritou quando ele se
dirigiu de volta para ela, passando pela primeira fileira, e começou a
afundar mais fundo dentro dela. Ele rosnou alto, inclinando-se sobre
ela para acariciar seu seio enquanto pressionava mais forte. — Você
terá tudo de mim. Você vai se render a mim. Você vai se render a
isso, bruxinha! — ele rosnou enquanto a puxava contra ele.
Seu grito quase a afogou.
— Dois.
O padrão começou novamente, com ela indefesa, exceto para
ficar ali e ofegante enquanto ele trabalhava em seu corpo, para frente
e para trás, pressionando e cedendo, seu ritmo lento e metódico. Ele
era imparável. Cada vez que seu cumprimento a penetrava, o
deslizar daquelas duas fileiras de piercings esfregando sobre seu
corpo, ela pensava que poderia perder a cabeça. Tudo o que existia
era ele, a plenitude ímpia que a empurrou à beira da liberação, e o
conhecimento de que eles ainda não tinham realmente começado.
— Três.
Ela jogou a cabeça para trás, ofegante, incapaz de encontrar
forças para fazer qualquer coisa além de gemer seu nome. Ela
morreria assim? Dividida em duas por ele? O êxtase incandescente a
inundou, seu corpo se contraindo e implorando, perdida em desejos
selvagens e primitivos.
Ele rosnou alto sobre ela, e impulsionou os quadris para frente
abruptamente, arrancando um grito dela. — Quatro!
Deuses acima. Deuses acima, quantos havia? Quando ele se
inclinou sobre ela, sua panturrilha ainda contra ombro dele, e a
beijou, ela abriu os lábios para ele e convidou sua língua para dançar
com a dela. Para conquistar sua boca como ele estava conquistando
seu corpo. Ela se sentia tão cheia - tão impossivelmente cheia.
Ainda assim, ele continuou em frente. Ainda assim, ele dirigiu
seus quadris mais perto dela. Ainda assim, ele exigiu que seu corpo
tomasse mais. Ele terminou o beijo, endireitando-se, e agarrou seus
quadris com ambas as mãos, sua asa tomando conta de seu
tornozelo. Todos os músculos de seu corpo estavam tensos,
apertados e tensos, enquanto ele puxava o corpo dela para ele. —
Cinco.
Ele saiu dela então, quase todo o caminho, antes de
impulsionar de volta. Devagar. Com força. Fazendo-a sentir cada
momento, cada centímetro, cada parte dele. Ela colocou a mão
contra o próprio abdômen, perguntando-se se podia senti-lo dentro
dela. Ao ver o movimento dela, ele gemeu alto enquanto se dirigia
para ela novamente, mais forte e mais rápido do que antes. — Seis!
Deuses a ajudem, ela podia senti-lo. — Valroy-eu-ah! — O
êxtase a alcançou novamente, e ela só podia tremer. Quando ele
precisamente a jogou de bruços, ela não percebeu. Tudo era um
borrão de prazer.
Ela estava grata pela pressão fria das folhas contra sua
bochecha. Seus quadris foram puxados para cima no ar, e ele enfiou
os dedos com força em sua carne enquanto se dirigia para ela sem
piedade.
E seu corpo o acolheu.
— Sete.
O alongamento foi uma picada, mas não fez nada para deter a
felicidade que parecia ter reescrito cada fibra de seu corpo, cada
nervo e cada músculo. Ele pulsava dentro dela, quente, enorme e
imparável. Ela tinha certeza de que a dança estava apenas
começando.
E quando ele começou a criar um lar dentro dela, ela sabia que
estava certa.
Ela era perfeita.
Totalmente perfeita.
Valroy sabia que ele não estava sendo gentil enquanto a fodia,
golpeando-se em seu núcleo apertado, calor vulcânico. Ele não
conseguia parar. Não havia nada em sua mente além da necessidade
dela. A necessidade de torná-la sua.
Outros talvez a tenham. Merda, algum dia ele poderia gostar
de compartilhá-la se ela desejasse. Mas ninguém a teria como ele.
Ninguém jamais a teria assim.
Ninguém mais experimentaria como ela lutou com ele, olhou
para ele, se esforçou e depois cedeu, tudo porque ela desejava. Não
como ela estava diante dele agora, flexível e maleável, quando ele
colocou tanto dele dentro de tão pouco dela.
Cada impacto em suas profundezas enviou felicidade correndo
por ele, o ritmo da dança exigindo mais e mais e mais.
E ele teria mais. Ele teria o quanto quisesse dela. Ele a ensinaria
o que realmente significava ser selvagem. E ele iria mostrar a ela por
que ele ganhou sua reputação. Seu corpo lutou contra o invasor no
início, mas ele era um guerreiro persistente, e agora ela o acolheu.
Bom.
Uma pena que ele não estava nem perto de terminar com ela.
Ele agarrou seus pulsos com as garras de suas asas, e a
arrancou do chão, parando seu ataque por um momento. Ela ofegou,
impotente enquanto pendia de seus pulsos agarrados em suas
garras, ainda dobradas na cintura profanamente diante dele. Ele se
pressionou contra ela até que finalmente o sétimo piercing
escorregou para dentro.
Ela estava tremendo, seu corpo coberto de suor, e ela soltou um
gemido ofegante e lascivo.
— Abigail... — ele cantarolou, lentamente esfregando as mãos
para cima e para baixo em suas costas, amando como ela tremia
quando ele cravava suas unhas afiadas em sua pele. — Você se
rende?
Sua resposta foi sem fôlego. — Sim.
— Então eu tenho uma recompensa para você, bruxinha...
Ela olhou por cima do ombro para ele, os olhos verdes musgo
semicerrados e quase um verde vivo, turvos de luxúria e
justificadamente um pouco nervosos. Ela não falou. Isso era bom.
Ele sorriu.
E impulsionou seus quadris para frente, puxando-a de volta
contra ele com toda sua força. Ela gritou quando ele se enterrou nela
ao máximo, seus olhos se arregalaram enquanto ele assegurava que
ela tomasse cada pedaço de seu corpo que ele pudesse oferecer a ela.
Ele se afundou em seu calor, saboreando o momento incrível.
Seu corpo se apertou ao redor dele como um torno, apertando
em ondas enquanto o prazer a levava mais uma vez sobre o pico em
liberação. Ele quase perdeu o controle de si mesmo. Levou cada
pedaço de força de vontade que ele tinha para não se juntar a ela.
Quando ela desceu de onde quer que ele a tivesse enviado, sua
cabeça estava virada para a frente, e ela estava ofegante.
Ele riu, rouco e ofegante em seu próprio direito.
— Oito.
Quando e como ela acabou de costas novamente, ela não sabia.
Seus quadris estavam fora do chão, mantidos nas garras de suas
asas. As pontas afiadas estavam cravando em sua pele, mas ela mal
as notou. Ela não conseguia pensar. Ela não podia fazer nada além
de senti-lo.
Ele era uma máquina.
Ele era um animal.
Ele era um semideus.
E ele era incrível.
Se era assim que ela morreria, ela abraçaria a morte de braços
abertos. Ela não podia mais abafar os sons que ela fazia quando ele
batia em seu corpo como um martelo. Felicidade rolou sobre ela, de
novo e de novo, incontáveis vezes. Finalmente, ela não sabia se
poderia aguentar mais. — Valroy... — Misericórdia!
Seus lábios engoliram sua súplica, e ele impulsionou seus
quadris nela uma, duas vezes, de alguma forma mais forte do que
antes. Eram como golpes, e cada um ameaçava mandá-la
cambaleando para uma nuvem eufórica. Quando ele quebrou o
beijo, ele afundou até o fim, forçando o corpo dela a tomar tudo dele.
E avidamente, ela o fez.
Seu peito arfava, e sua respiração estava quente contra sua
bochecha. Suas palavras quase se perderam em seu grunhido. —
Mais uma vez para mim, Abigail... Mais uma vez.
E como se ele pudesse tocá-la como seu órgão de tubos, ela
obedeceu. Seu corpo se apertou em uma última introdução para ele.
Ele rosnou, mostrando os dentes, e ela o sentiu pulsar dentro
dela. O calor a encheu, e ela afundou ainda mais nos espasmos de
sua rendição. E enquanto o mundo se esvaziava de tudo, incluindo a
consciência, a última coisa em seus lábios foi o nome dele.
CAPÍTULO TREZE
Ele a amava.
Ah, como ele a amava.
Valroy beijou sua bochecha, manchada de terra e arranhões
dela correndo pelo Labirinto. Ele duvidava que ela sequer soubesse
o quão maltratada estava quando ele a pegou. Ela havia desmaiado,
pobrezinha.
Embora não tenha ficado surpreso. Ele não tinha pegado leve
com ela.
Pegando-a em seus braços, ele embalou seu corpo contra seu
peito. Ela estava tremendo no ar frio da noite, o suor sobre ela agora
fazendo mais mal do que bem. Ele se dobrou no espaço, desejando
que sua banheira fosse preenchida e estivesse quente.
Desta vez ele se juntaria a ela.
Um, para evitar que ela se afogasse. E dois, porque ele não
achava que poderia se separar dela neste momento. Ele entrou na
banheira fumegante, ainda segurando-a em seus braços, e
cuidadosamente sentou-se no banco, submergindo-a lentamente. Ele
não queria dar-lhe muito choque.
Ela murmurou, movendo-se contra ele. Ele sorriu, acariciando
seu cabelo com a garra de uma de suas asas. Segurando-a no colo
com a outra, ele pegou uma toalha e uma barra de sabonete e
começou a desfazer o dano pelo qual tinha sido responsável.
Um arranhão aqui. Uma marca de garra ali. Ele prestou muita
atenção aos hematomas que a marcavam. Alguns da perseguição,
mas a maioria de sua cópula. Eles já estavam se curando, mas ele
imaginou que ela ficaria mal-humorada com eles quando acordasse.
Se ela não ia ficar zangada com ele, de qualquer maneira.
Ele colocou a mão na água, gentilmente despejando um pouco
sobre o cabelo dela, tentando limpar as manchas de lama seca que
haviam endurecido alguns dos fios. Foi quando ele estava quase
terminando de limpá-la - em todos os lugares - e passando um pano
ao longo de sua bochecha, que ela piscou os olhos lentamente.
— Bem-vinda de volta, bruxinha.
Ela se mexeu, gemeu e descansou a testa no pescoço dele. —
Ai.
Ele riu, passando o pano ao longo de sua bochecha, limpando
uma mancha de sujeira. — Você vai ficar bem. Não é nada que uma
bebida forte e uma cama quente não resolvam.
Abigail colocou uma mão entre as pernas e se encolheu. Ela se
contorceu um pouco em seu colo. — Eu... Acho que você me
quebrou. — Sua voz estava rouca.
— Não, eu não fiz tal coisa. — Ele beijou sua bochecha. — Eu
apenas marquei você. Você vai ficar bem pela manhã. — Ele
convocou um copo de água e entregou a ela. — Aqui. Você
provavelmente está desidratada.
— Não consigo imaginar o porquê. — Ela tomou um gole,
tossiu um pouco e depois bebeu novamente. Ela lançou-lhe um olhar
bastante perturbado.
— O quê? — Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu de
brincadeira. — Você gostou, não gostou? Você não pode estar com
raiva de mim.
Seu aborrecimento rachou, como sempre, para revelar o que
realmente estava acontecendo por baixo. Ela sorriu, balançou a
cabeça com uma risada pequena e cansada e bebeu a água
novamente. — Não. Eu não estou brava com você. Você está certo.
Corri porque queria ser perseguida, por mais... Horrível que pareça.
— Horrível? Você deve sair dessa mentalidade humana,
Abigail. — Ele beijou sua têmpora. — Não vai te fazer bem.
— Eu suponho que sim.
— Além disso, peguei leve com você, e tenho nosso segundo
tempo marcado para daqui a uma hora, e...
Ela deu um tapa no peito dele.
Ele riu e a abraçou, aninhando-se em seu cabelo úmido. —
Estou apenas brincando.
— Eu sei. — Ela descansou a cabeça no ombro dele, e ele sentiu
seus músculos afrouxarem e relaxarem. Quando ela se aconchegou
nele, ela soltou um suspiro longo e ofegante. — O que devo fazer,
Valroy?
— O que você quer dizer? — Ele enrolou uma asa ao redor
dela, desejando atraí-la ainda mais perto dele, embora não fosse
tecnicamente possível.
— Nós... Nós não podemos ser assim. Você procura destruir
dois mundos. Eu não posso deixar isso acontecer. Não enquanto eu
respirar. — Ela enrolou a mão sobre o ombro dele, abraçando-o de
volta. — Mas eu... Eu não posso... Eu não acho que posso suportar
me separar de você.
Ele inclinou a cabeça dela para olhá-lo com a garra debaixo do
queixo e a beijou. Devagar. Com ternura. Ele colocou todas as suas
emoções em seu abraço.
Eu vou proteger você. Eu vou te amar. Eu vou deixar o céu em
chamas por você.
Mas não posso mudar quem sou.
Não posso mudar o que fui feito para ser.
Nem mesmo por você.
E meu coração vai quebrar em pedaços por isso.
Quando ele rompeu o abraço, ela estava olhando para ele,
aqueles olhos verdes musgo piscando entre os dele, procurando o
que ele não podia dizer. Ele acariciou a ponta de seu polegar ao
longo de sua bochecha. — Abigail... Eu...
Ela colocou os dedos nos lábios dele, silenciando-o. — Eu sei.
Ele sorriu levemente e pegou a mão dela na sua para beijar seus
dedos. — Você está exausta, e eu estou cansado. Vamos alimentá-la
com uma garrafa de rum para aliviar a dor e descansar. O amanhã
virá, e enfrentaremos o amanhã então.
Ela assentiu, e então ela fez a coisa mais notável.
Ela colocou a palma da mão em sua bochecha, e depois de
estudar seu rosto por um momento, procurando por algo em seu
olhar, ela o beijou.
Sem ameaça, sem provocação, sem barganha. Pela primeira
vez, por vontade própria…
Sua bruxinha o beijou.

Abigail se viu um pouco bêbada. Valroy não a havia


alimentado com a garrafa inteira de rum, mas o suficiente para que o
mundo não estivesse inteiramente em foco. No entanto, estava tudo
bem, pois tirou a dor de seus membros. Suas costas estavam
doloridas. Seus músculos queimavam. E... Bem... Ela tinha
hematomas onde não deveria.
Ela se esticou sob os grossos cobertores de pele em cima do
ninho de travesseiros e almofadas de Valroy e se viu, apesar das
consequências, sem arrependimento pelo que tinham feito. Pelos
deuses, ninguém estava exagerando como é fazer amor com Valroy. Embora
eu não ache que essa seja a palavra para o que fizemos. Não, nós “fodemos”,
puro e simples.
Foi um ato básico. Primal e construído sobre o desejo. Ambos
precisavam do que havia acontecido entre eles. Mas a forma como os
dedos de Valroy se entrelaçaram com os dela enquanto ele se deitava
ao lado dela, e aquele sorriso suave que ele dava a ela toda vez que
ela olhava em sua direção, disse a ela que mais havia passado entre
eles do que apenas luxúria animal.
Ela simplesmente não sabia como lhe dizer que era mútuo. Ela
se aconchegou mais perto dele, e ele apertou seu abraço como se
quisesse tranquilizá-la. Ela fechou os olhos e se deixou perder em
sua presença. O cheiro do céu noturno e o vento cortante. O calor de
sua pele. A forma dos músculos que se encaixavam tão
perfeitamente contra ela. A garra de uma asa que cobria seu braço, a
ponta de seu polegar monstruoso lentamente traçando uma linha
para frente e para trás.
Abigail estava... Feliz.
Havia paz em seu abraço.
Quando ela jogou fora todo o turbilhão do que estava por vir, o
que significava estar em seus braços, ela sentiu uma espécie de conforto
e companheirismo que nunca conhecera. Estar com Valroy não era
nada parecido com Marcus. Os dois nem eram comparáveis. Não
apenas no ato de “amor” em si, mas nos momentos que se seguiam.
Ela traçou o labirinto que estava tatuado em seu peito sobre seu
coração, seguindo as linhas de azul com as pontas dos dedos. Ela
deveria resolver o Labirinto. Ela deveria detê-lo. Não... Isso. Titânia
está certa em não confiar em mim. Ela está certa em temer que eu não seja
capaz de matá-lo. Pois não sei se posso.
— Eu sei o que te incomoda. — Ele beijou o topo de sua cabeça.
A voz dele era baixa, quase um sussurro, e ela a sentiu retumbar em
seu peito quase mais do que ela ouviu. — E não há nada que você
possa fazer para ajudar.
Havia um desejo irresistível nela de implorar a ele. Prometer-
lhe tudo e qualquer coisa se isso significasse que ele desistiria de seus
planos de guerra. Mas seria pedir às estrelas que não brilhassem à
noite, ou que a lua caísse do céu.
Levantando a cabeça, ela o estudou por um momento antes de
beijá-lo com ternura. Ela saboreou a sensação de seus lábios contra
os dela. Ele murmurou em apreciação, sua tensão se liberando de
seu corpo. Ela acariciou sua bochecha, e ele inclinou a cabeça em seu
toque.
Quando ela terminou o beijo, havia um sorriso sonhador em
suas feições afiadas, e seus olhos estavam fechados. — Um homem
pode se acostumar com isso.
— Não finja que sou uma boa amante. — Ela riu. — Com todos
os muitos que você teve. Meu beijo não é tão especial.
— Mas é. — Ele encontrou seu olhar e passou a mão pelo
cabelo dela. — Sabe a última vez que fui beijado por alguém com
verdadeiro afeto? Sem o desejo por minha carne ou meu poder por
trás disso? — Seu sorriso ficou um pouco triste. — Porque eu não
sei.
Ela franziu a testa e empurrou-se sobre o cotovelo para vê-lo
mais claramente. — O que você quer dizer?
— Abigail... — Ele riu. — Eu sou odiado. Eu sou detestado. Eu
sou desprezado, mesmo por minha própria espécie. Quando levo
alguém para a cama, é porque deseja sentir meu corpo e o que posso
fazer com ele. Não porque sintam qualquer tipo de bondade por
quem o comanda. Sou uma marionete dos desejos deles, assim como
sou o mestre dos meus.
Ela franziu a testa com o quão vazia de emoção sua voz soava.
Não foi com tristeza que ele disse as palavras - era uma questão de
fato. Como se ele tivesse aceitado há muito tempo a verdade delas, e
agora isso não significava nada.
— Até mesmo meus supostos amigos, Anfar, Bayodan, Cruinn,
eles vão me trair com o tempo. Eles vão virar as costas para mim. No
momento em que eu estiver fraco, eles aproveitarão para me ver
arruinado. Pois eles me acham tão grotesco quanto todo o resto. —
Foi quando ela viu o maxilar dele bater, e a raiva começou a surgir
em sua voz.
— Shhh. — Ela colocou os dedos em seus lábios por um
momento. — Não sei o que dizer, mas...
— Me beije, Abigail. Me beije, mas só se quiser.
Ela beijou. Não havia como evitar, ela beijou. E ele estava certo.
Não foi a luxúria que impulsionou o abraço.
Levantando a cabeça, ela estudou sua expressão. Os olhos cor
de safira que brilhavam tão fracamente estavam cansados, mas ainda
cheios do que ela tinha visto nele desde que acordou em seu banho.
Amor. Ele realmente a amava.
E deuses acima, abaixo, e todos os que estão no meio, ela estava
começando a sentir o mesmo.

O que diabos Perin deveria fazer agora?


Ele olhou para o cachorro que estava sentado a seus pés, seu
rabo batendo baixinho no chão. Não era um cachorro. Era Robin
Goodfellow. Robin Goodfellow, caramba.
Esfregando a mão no rosto, Perin fez o possível para não gritar.
Ele fez isso silenciosamente em sua cabeça, e não foi tão catártico
quanto ele esperava. Ele optou por um fluxo silencioso de
obscenidades em vez disso, murmurou baixinho, enquanto coçava a
cabeça e olhava para o cachorro. — Por que você está aqui?
Tum, tum, tum, tum. O rolar de uma língua para fora da boca
em um sorriso feliz. Puck cutucou a mão de Perin, como se estivesse
pedindo algo. Mas pelo quê? Quando Perin não respondeu a tempo,
Puck deitou a cabeça no joelho, olhando-o tristemente.
— Eu não sei o que você está tramando, mestre espião. — Perin
suspirou. — Não tenho nada para você. Não tenho nenhuma
informação para dar que você já não saiba. Não estou em posição
de...
Puck lambeu sua mão.
— Eu não sou importante. Eu fui arrastado para isso... O que
quer que seja essa bagunça, com Abigail, por acidente. Ela gosta de
mim e é uma boa garota, mas o que você quiser de mim, é inútil e...
Outra pata na mão.
Perin soltou um suspiro longo e sujo. — Quando você está
esfaqueando as pessoas pelas costas, Goodfellow, espero um
segundo de pena e talvez um agradecimento antes de me estripar
como um peixe.
— Brofo!
Perin tentou entender isso como um sim. — Se você insistir em
ficar aqui, você não vai dormir na minha cama.— Ele afirmou isso,
mas tinha a sensação de que acabaria sendo muito errado. Ele soltou
outro longo suspiro.
O cachorro cheirou os dedos. E gemeu.
— Isso é uma loucura. Isso não faz sentido. Isto é... Isto é...
Okay. Okay! Okay.
Puck abriu um grande sorriso novamente, com a língua para
fora, e parecia feliz como qualquer cão poderia estar quando Perin
desistiu e deu ao assassino mestiço precisamente o que ele parecia
querer.
Ele acariciou o cachorro.
CAPÍTULO QUATORZE
Titânia andava de um lado para o outro ao longo da sala do
trono, os olhos fechados. Ela não precisava ver para ter certeza de
seus passos. Ela havia feito isso cem mil vezes, e faria mais cem mil
se os deuses fossem gentis.
E era o assunto dos deuses que perturbava sua mente. Ela
esfregou os dedos na testa, soltando um longo suspiro enquanto
seus pensamentos giravam. Dagda, foi isso que você previu quando me
deu sua coroa? Que para proteger nossa espécie, devia chegar a isso?
Aposto que você sabia. Eu apostaria um bom dinheiro que você
ascendeu simplesmente para evitar isso!
Você sempre foi um covarde.
Ela passou as mãos pelo cabelo, coçando as unhas no couro
cabeludo. Ela não falou suas queixas em voz alta - ela não desejava
uma visita de Dagda. As visitas dos deuses nunca deveriam ser
celebradas ou convidadas. Especialmente não quando convidava sua
ira.
Às vezes, eu me pergunto se Morrigan não criou o demônio para
irritar você e só você, velho. Ela riu apesar de seu mau humor.
Caminhando até a mesa perto da parede, ela se serviu de uma
bebida forte. Dagda - ou simplesmente Rei Dagda quando Titânia o
conhecia como o Rei dos Seelies - sempre foi alguém que estimulava
as inclinações mais ciumentas de Morrigan.
Talvez Dagda fosse o culpado por toda sua confusão com
Valroy - tanto na concepção do meio-demônio quanto agora com
uma escolha tão temida e um curso de ação apresentado diante dela.
Ela poderia trair a confiança de Abigail.
Ou ela poderia quebrar o coração de Abigail.
Ou ela poderia quebrar a chamada trégua entre seu povo e
condená-los todos à guerra que ela procurava evitar.
Ou ela poderia esperar.
Como todas as opções anteriores eram vis, ela optou pela
última. Mas a última gerava inação, e inação gerava fraqueza. E fraca
era exatamente o que seu oponente acreditava que ela fosse. E assim,
seus pensamentos voltaram ao início mais uma vez.
Subindo os degraus, ela caiu no trono dourado e descansou a
parte de trás de sua cabeça contra a superfície esculpida.
— Rainha Titânia...
Ela quase estremeceu com a voz. Ela tinha chegado a
reconhecê-la agora. Seu traidor Unseelie tinha vindo. Ela detestava a
criatura sob os trapos, cuja identidade, ou mesmo gênero, ela não
conseguia nomear. Mas ele era útil, e ela não era de se livrar de
coisas úteis. Ela não abriu os olhos para se dirigir à criatura até
depois de beber de sua taça.
Ele estava encolhido na única sombra da sala, lançado em um
canto formado por duas paredes de pedra calcária. Se ela não o
tivesse visto se mover, poderia tê-lo confundido com uma pilha de
roupas descartadas. Titânia apoiou o copo no braço do trono. —
Fale. A prole demoníaca está finalmente morta?
— Valroy ainda vive.
Ela não ficou surpresa. Ela ficou desapontada, mas não
surpresa. Ela se perguntou se não era exatamente assim que ela
viveu toda a sua vida. Mas isso era irrelevante. Batendo suas unhas
contra o vidro, apreciando como elas faziam tique-taque, ela olhou
para o cretino Unseelie. — Então…?
— O bode enviou sua resposta. — A figura jogou um
pergaminho enrolado no chão, encadernado em seda carmesim. Não
podia chegar mais perto, então isso era o melhor que podia fazer.
Também significava que Titânia tinha que se levantar para
buscá-lo. Com um suspiro irritado, ela saiu do trono e desceu as
escadas para pegar o pergaminho. Lançando um olhar para o espião,
ela o pegou e voltou para seu assento. Quando ela foi abri-lo, ela
olhou para o Unseelie. — Bem?
A criatura tinha desaparecido.
Engolindo os restos de sua bebida, ela puxou a seda carmesim
do papel e começou a trabalhar.

Abigail tinha acordado antes de Valroy. Ele apagou, parecia.


Ou pelo menos ela assumiu que ele fez. Ela, com razão, não tinha
mais ninguém com quem comparar. Mas ela se viu deitada em seus
braços, considerando as linhas de seu rosto. Ela foi deixada para
brincar com os fios sedosos de cabelo azul escuro que se
acumulavam ao redor dele.
Para estudá-lo.
E para pensar.
Ele era Valroy, o meio-demônio. Valroy, o Príncipe Sangrento.
Valroy, o senhor da guerra. Valroy, seu sequestrador. Valroy, seu
algoz.
E agora ele era Valroy, seu amante.
Seria engraçado se não fosse tão confuso. Talvez sua mudança
de opinião sobre o lorde feérico não fosse tão problemática se o
recurso não fosse tão mortal. Eu preciso encontrar uma maneira de odiá-
lo. Pois se não o fizer, serei puxada por ele. Então... Não sei o que vou fazer.
Amor.
Que coisa estranha.
Ela amava muito sua tia. Ela amava aquele pobre gato Yorik.
Ela amava James, seu bode. E ela acreditava até muito recentemente
que ela amava Marcus. Agora ela sabia diferente. Como ela pôde se
permitir acreditar que o amava? Qual era o ponto?
Valroy a amava. Ela sabia que era verdade, mesmo que o
tivesse impedido de dizer as palavras. Ela não queria ouvi-lo dizer
isso porque não sabia como responderia a ele.
Era tarde demais? Ela já o amava?
Não. Ela não pensava assim. Mas então ela se lembrou de seu
sorriso. Seu toque. Quando ele ria dela ou com ela - não sua risada
zombeteira ou diabólica, mas seus momentos alegres. Mas cada vez
mais, ela descobriu que... Se deliciava em sua escuridão. Na maldade
dele.
O que ela sentia por ele não era o que ela sentia por Marcus.
Ela não mentiria para Valroy e alegaria que o amava. Mas ela
também não podia mentir e afirmar que não. Como o resto dela, ela
foi pega em algum lugar no meio. E como sua própria situação
precária, as lealdades divididas como estavam, ela sabia que isso não
poderia durar muito.
Porque puxada entre dois cavalos, ela seria despedaçada.
Eu deveria convocar o punhal que Titânia me deu e enfiá-lo no
coração dele. Eu deveria acabar com ele, e meu tormento, agora.
No entanto, ela não se moveu. Ela ficou ali, olhando para ele,
sentindo sua respiração lenta ao lado dela.
Primeiro, havia a questão de saber se ela era capaz de
assassinar alguém. Começando com isso no topo, ela descobriu que
não tinha certeza. Ela havia matado animais para comer, embora não
gostasse até disso. Uma vez ela disse que matar pessoas e animais
era muito diferente. Agora, ela sabia melhor.
A morte era a morte.
Mas ela também não podia dizer que, se ainda pudesse comer a
galinha, não participaria do ato de matar uma. E se ela soubesse que
matar uma de suas galinhas salvaria milhões de vidas?
Ela tomaria sua cabeça então?
Sim. Ela certamente iria.
Então, por que ela não poderia então enfiar o punhal
amaldiçoado no coração de Valroy?
Porque a ideia disso a fazia querer chorar.
Fiquei obcecada por este demônio cruel. Passei muito tempo em sua
companhia, e ele me seduziu. Ele é uma criatura de imenso charme e poder,
e eu sou jovem e solitária. Todas eram desculpas. Cada uma colocando
a culpa fora de si mesma. E cada uma soou falsa. Cada uma parecia
uma mentira.
Não, ela estava aqui ao lado dele, em sua pilha ridícula de
travesseiros humanos roubados, porque ela desejava estar. Porque
ela tinha sido atraída por ele como uma mariposa para uma chama
desde o início.
Não apesar de sua maldade.
Mas por causa dela.
Até sua natureza violenta e cruel ela podia perdoar, até certo
ponto. Ele era Unseelie, e ela não podia culpá-lo por ser o que era.
Um lobo era um lobo, um falcão era um falcão, e eles comiam o que
comiam.
Mas o que ela não podia fazer era se afastar.
Ele rolou de costas e bocejou, esticando bem os membros. Uma
de suas grandes asas se estendeu, as garras flexionando e apertando.
O movimento foi lânguido, mas poderoso, e mais uma vez ela se
lembrou de um gato. Ou talvez um leão, embora ela nunca tivesse
visto um. Ela se perguntou se havia algum em Tir n’Aill.
Seu braço apertou ao redor dela, puxando-a para ele. — Bom
dia, esposa.
Ela riu uma vez. — Eu não sou sua esposa.
— Ainda. — Ele abriu um olho para olhá-la por um momento
antes de fechá-lo novamente. — Espero que você aceite minha
proposta dentro de quinze dias. Se não imediatamente. — A
seriedade de sua expressão se transformou brevemente em um
sorriso, revelando que ele estava apenas brincando com ela.
Embora ela não tivesse dúvidas de que ele ficaria emocionado
se ela dissesse sim.
— Não, eu pensei que poderia ter outros planos para a manhã
além de me casar com você. — Ela se apoiou nos cotovelos e colocou
a palma da mão no peito dele, sobre onde o símbolo do Labirinto
havia sido tatuado.
Isso chamou a atenção dele. Ele virou a cabeça para ela e abriu
os dois olhos. — Oh?
— Ouvi falar dos horrores neste reino da escuridão que você
possui. — Ela deu de ombros preguiçosamente. — Até agora, não
parece tão ruim. Ou este lugar não é tão impressionante quanto me
fizeram pensar, ou...
Ela guinchou quando ele a jogou de costas. Em um movimento,
ele a prendeu com garras e braços. — O que você está jogando,
Abigail?
— Nada. — Ela empurrou seu peito, mas ele não se moveu. Ele
a olhou com uma sobrancelha erguida e não disse nada. — Você me
disse que eu deveria conhecer melhor o seu Labirinto se eu quiser
resolvê-lo. E como posso fazer algo assim se não vejo as profundezas
de seu tormento? Não estou brincando com nada, Va...
— Não minta para mim. — Ele sorriu. — Que coisa feia,
mentindo para seu novo marido. Você está tramando alguma coisa.
Ela lançou-lhe um olhar aguçado. — O que lhe dá essa ideia?
— Hum. Eu me pergunto. Aqui estamos nós, abraçados, e em
vez de ver isso e ter qualquer tipo de reação ao amor louco e
selvagem que fizemos ontem à noite — ele sorriu mais largo quando
as bochechas dela instantaneamente ficaram quentes — você me
pede para mostrar a você os maiores horrores que meu Labirinto
tem a oferecer.
Quando ela foi virar o rosto para longe dele, ele segurou sua
bochecha e a manteve quieta. — Você não me pede café da manhã,
não me diz que está com raiva de mim por mais dolorida que possa
estar, nem pede para ir para outra rodada. Você deseja ver o
tormento das almas. Isso me leva a duas conclusões. Ou minha mãe
fez você Unseelie disfarçada, ou você, minha querida, doce,
maravilhosa, saborosa, traiçoeira bruxinha Seelie, está tramando
alguma coisa.
— Um, estou com fome, agora que você mencionou. Dois, não
estou tão dolorida quanto esperava, para ser honesta. E não,
dificilmente sou Unseelie. — Ela suspirou. Isso deixou duas opções.
Uma obviamente não era o caso. Ela não podia suportar que ele
estivesse certo. — O que quer que seja isso entre nós é...
— Casamento. — Ele sorriu novamente.
Ela olhou mais forte, e ele riu. Ela continuou como se ele não a
tivesse interrompido. — O que quer que seja isso entre nós é difícil
para mim aceitar. Mas é mais difícil para mim negar. E temo que isso
possa me destruir. Que se eu não puder decidir, eu... Pelos deuses,
tire essa coisa da minha perna!
Ele uivou de tanto rir e caiu ao lado dela na cama, abraçando-a
com força contra o peito. Quando ele mordeu seu ombro, com força
suficiente para ela sentir, ela deu um tapa em seu braço.
— Tire!
Ele soltou a mordida apenas para murmurar — não — e repetir
a ação, apenas um pouco mais forte. Ela não podia evitar. Ela riu. Ela
lutou, e sua risada se transformou em um grito quando ele começou
a fazer cócegas nela. Apesar de sua maior força, ela teve um maior
desespero, e eles acabaram, vários momentos depois, em uma pilha
do outro lado da cama.
Como ela acabou no topo, ela não tinha ideia. Ele estava
sorrindo para ela, olhos cor de safira brilhando de felicidade e, bem,
amor. Quando a mão dele desceu pelo estômago dela, ameaçando
descer, ela deu um tapa. Ele a colocou de volta obedientemente e riu.
— Muito bem. Eu te darei até hoje à noite antes que eu te destrua
uma segunda vez.
— Você não vai se cansar de mim? — Ela traçou um dos
redemoinhos de tinta azul escuro que decoravam seu braço.
Ele riu como se essa fosse uma das piadas mais engraçadas que
ela já havia dito antes que ele a puxasse para ele com a pressão de
suas garras contra suas costas. Ela não resistiu e se viu mais uma vez
apoiada nos cotovelos sobre o peito dele.
— Você está se agarrando a qualquer coisa, esposa. Você deseja
encontrar uma razão, qualquer razão, para não querer estar em meu
abraço. A promessa de minhas guerras iminentes não lhe dá motivo
suficiente para me odiar?
— Eu não posso te odiar por crimes que você ainda não
cometeu.
— Todo mundo odeia.
— Eu não sou todo mundo. — Ela olhou para ele. — E você tem
amigos que se importam com você. Que escolhem ficar ao seu lado
apesar dos seus planos. E você teria mais se não fosse sempre tão
insuportavelmente... Bem... Você.
Ele bufou e deitou a cabeça nos travesseiros para observá-la. —
Eu não nego. Mas eu sou o que sou. Nasci como Morrigan queria
que eu fosse e, apesar de sua aparente mudança de opinião,
permaneço. — Ele murmurou. — Mas talvez você resolva meu
Labirinto, bruxinha, e então eu darei minha vida a você. Eu morrerei
em suas mãos, e tudo ficará bem em Tir n’Aill. Todos terão o que
desejam.
Empurrando-se para sentar-se montada em sua cintura, ela
levantou a mão e o esbofeteou o mais forte que pôde.
Sua cabeça balançou para o lado antes que ele olhasse
calmamente para ela. — Ai.
— Não fale assim. Ou então começarei a pensar que
secretamente se detesta, Valroy, Príncipe Unseelie.
Ele arqueou uma sobrancelha novamente e riu baixinho. —
Cuidado ao bisbilhotar em minha mente, querida. Você pode não
gostar do que encontrará lá dentro.
— Nem você deve fingir que sabe o que se passa dentro da
minha mente.
— Eu não preciso. Você joga tudo sobre essas suas
características maravilhosamente expressivas. — Ele estendeu a mão
para acariciar suavemente sua bochecha, correndo as costas de seus
dedos lentamente ao longo dela. — Você não quer se importar
comigo. Você deseja ver o peso total dos meus monstros sombrios na
esperança de que isso possa matar aquela parte de você que se
importa. Muito bem, Abigail Moore. Vou puxar as cortinas e mostrar
tudo o que você deseja e muito mais. Eu farei o meu melhor para ver
você me odiar. Isso te agrada?
Isso a encheu de alívio e pavor na mesma medida. Com um
suspiro, ela desceu dele e sentou-se de costas para ele. — Não. Não,
não me agrada.
Ele estendeu a mão sobre as costas dela, e ela fechou os olhos
com a sensação. Seu toque era tão quente, tão forte, tão certo. Ela se
inclinou para ele, e ele a puxou suavemente de volta para seus
braços, de costas para seu peito.
— Você será minha rainha, ou eu estarei morto. Você deve
decidir qual é o que você quer. Pois eu não posso – não vou – viver
sem você, Abigail. — Ele apertou um braço ao redor dela. — E estou
muito satisfeito em dizer que você não terá voz no assunto, querida
bruxa.
Ela endureceu e virou a cabeça para olhar para ele. — O que
você quer dizer?
— Você deve resolver meu Labirinto antes que o inverno
derreta para a primavera, ou então você ficará presa a mim para
sempre. E se você ganhar? Eu morro. Esse é o acordo que fizemos. E
esse é o acordo que manteremos. Você não tem escolha.
Eu poderia matá-lo na próxima vez que você dormisse. Esse é o único
caminho diante de mim que não envolve...
Seus pensamentos deram um nó quando ele a beijou. Lento e
firme, o abraço não deixou espaço para discussão. Ele estava
provando seu ponto. Apesar de tudo que mudou, ele era o Mestre
do Labirinto, e ela ainda estava presa em sua teia.
Ela sentiu a tensão derreter de seus membros, incapaz de fazer
qualquer coisa além de se aquecer no beijo. Quando ele se afastou,
ele colocou outro, a pressão de lábios muito mais tenros contra sua
bochecha. — Convoque algumas roupas, minha querida. Eu
recomendo um café da manhã leve... Você pode não mantê-lo no
estômago depois de ver o que tenho para lhe mostrar.
Acho que só tenho a mim mesma para culpar por isso.
Case-se com o Príncipe Sangrento ou coloque-o em seu túmulo.
Essas eram as duas únicas opções diante dela. E o pensamento de
qualquer uma a fez desejar chorar. Uma, pelo quê se seguiria. A
outra, porque ela não sabia se seu coração aguentaria.
Pois se ele morresse... Ele poderia levá-la com ele.
CAPÍTULO QUINZE
Perin suspirou e jogou um braço sobre os olhos dele. — Não.
O cachorro na porta ganiu, e ele ouviu o raspar de unhas na
madeira. Não importa o quanto ele tentasse ignorar o mestre espião
que virou vira-lata, ele era impotente contra a teimosia do animal.
Outro gemido, outro arranhão, e Perin lamentou silenciosamente o
dano que provavelmente estava sendo causado à sua estrutura.
— Ainda nem está escuro. — Não que isso realmente
importasse no Labirinto, mas ele estava cansado. Puck insistiu em
dormir em seu catre, e não importa como ele arrumasse suas pernas,
a pequena cama não foi construída para um homem adulto e um
cachorro que insistia em se espalhar o máximo possível o tempo
todo.
Outro gemido, outro arranhão.
— Okay! Okay. Eu vou deixar você sair. — Ele desistiu. Ele
sabia que sempre desistiria, enquanto Robin Goodfellow decidisse
agraciar sua casa. Ele supôs que era culpa de Abigail que o animal
estava aqui, mas ele não podia guardar rancor contra ela por isso.
Quem iria querer essa criatura por perto quando estava prestes
a ser completamente fodido por Valroy pela primeira vez?
Ele poderia sobreviver a muitas situações embaraçosas, mas
essa não estava na lista. Sentando-se e esfregando o rosto, tentando
limpar o torpor de sua mente, ele suspirou. Honestamente, ele
estava chocado por ter demorado tanto para Valroy seduzir Abigail
à sua cama. Ele ficou chocado por ter levado tanto tempo para
seduzir Abigail. Certamente, ele não se importaria que ela aquecesse
seu catre. Ele sabia que Bayodan e Cruinn teriam se juntado com ela
de bom grado. Mas Valroy tinha reclamado sua primazia, e seria
uma coisa ruim ficar em seu caminho.
Ociosamente, ele se perguntou se Abigail era do tipo que
compartilhava a si mesma - com permissão do príncipe, sem dúvida
- mas isso não era relevante. O risco de perder as mãos, ou pior, caso
Valroy objetasse, mantinha os pensamentos de Perin sobre Abigail
amigáveis, e apenas amigáveis.
O cachorro ganiu.
— Sim! Tudo bem. Merda, acalme-se. — Ele se levantou, puxou
uma camisa de algodão sobre a cabeça e caminhou até a porta. Sua
pele ainda estava no gancho perto da janela, o que ele ficou feliz em
ver. Ele não confiava no cachorro. Quem confiaria? Mas parecia que
se Puck pudesse roubar sua pele, amaldiçoado como era, ele optou
por não fazê-lo. Provavelmente porque ele sabia que iria irritar
Abigail.
E por que o cachorro era leal a Abigail, ele não tinha ideia.
Tampouco desejava se envolver o suficiente para descobrir.
Caminhando até a porta, ele a abriu e viu o grande vira-lata sair da
cabana a toda velocidade.
E começou a latir animadamente. Alguém na praia riu - uma
voz feminina. Abigail já estava de volta? Sorrindo, ele saiu pela
porta. — Bom dia, Abig... — Ele congelou.
A mulher que estava do lado de fora de sua casa, que estava
agachada e acariciando um cachorro muito animado que lambia seu
rosto com abandono selvagem, não era Abigail.
Porra, porra, porra, porra!
Por favor, tenha vindo pelo cachorro, Por favor, me deixe fora disso.
Por favor, diga-me que não sou...
— Olá, Perin. — A mulher se levantou, sorrindo para ele quase
com pena. — É bom ver você, depois de todo esse tempo. Eu te
conheci em sonhos, mas... Assim é muito mais agradável.
Ainda era pôr do sol, o orbe brilhante apenas começando a
tocar o horizonte. Embora nunca brilhasse de verdade no Labirinto,
ainda havia uma impressionante variedade de cores por trás da
neblina que o mantinha úmido.
A mulher usava um vestido longo e bonito de seda cinza.
Combinava com a cor de seus olhos que brilhavam como se
estivessem cheios de pedaços de vidro ou feitos de diamantes. Seu
cabelo era o mesmo - nem branco, nem preto, mas ambos e nenhum
ao mesmo tempo. Ela não usava adornos. Ela não precisava de
nenhum. A mulher deu um passo em direção a Perin, com Puck
pulando alegremente ao redor dela em círculos, claramente em
êxtase.
A bruxa.
Era a bruxa.
Era a terceira bruxa.
E isso significava sua condenação.
Perin balançou a cabeça. — Não. Não, não eu. Não, qualquer
um menos eu.
A mulher riu, sua expressão se tornando ainda mais lamentável
quando ela se aproximou. — Eu sei. E eu sinto muito. Mas não vejo
morte em seu futuro, Perin. Longe disso. É a partir de suas ações que
conheceremos a vida. Vim implorar, querido, doce e maravilhoso
selkie, que desempenhe seu papel no que eu previ.
Ele ficou rígido quando a mulher finalmente fechou a distância
entre eles e colocou as palmas das mãos contra seu peito. Ele
esperava que algo acontecesse; talvez ele fosse dominado por uma
visão. Mas nada ocorreu.
Puck estava sentado aos pés da mulher, o rabo balançando
para frente e para trás, sua língua para fora.
— O-o quê você quer que eu faça, L-Lady Belladonna? — Perin
tentou não gaguejar e falhou miseravelmente.
A bruxa juntou as mãos dele e as segurou entre as dela antes de
inclinar a cabeça para beijá-las. — Faça o que você deve, selkie. Só
fazer o que você deve.
Ele franziu a testa. — Temo não entender.
— Ninguém nunca entende no começo. — Ela riu. — Essa é a
vida miserável de conhecer o futuro. Só faz sentido quando você
chega lá.
— Há... Há alguma coisa que você possa me dizer que possa
me ajudar?
— Menino esperto. — Ela apertou as mãos dele suavemente. —
Que pergunta muito boa de se fazer. Sim. Há. — Ela olhou por cima
do ombro para o horizonte escuro, antes de estalar a língua em
aborrecimento. Aqueles olhos estranhos e brilhantes se voltaram
para ele. — Eu já devo ter ido antes do crepúsculo. Mas você deve ir
para a grande fera. Anfar precisa de você.
— Anfar? — Ele piscou surpreso. — Anfar é... Ele é um
semideus. O que devo fazer para ajudá-lo?
— Um urso uma vez se viu com um espinho preso
profundamente entre as almofadas de sua pata. Seus grandes dentes
eram grandes demais para arrancá-lo. Sangrava, e sangrava, e não se
soltava, não importava o quanto a criatura tentasse. Logo, ele sabia,
seria infectado e ele morreria. E foi então que um pequeno rato do
campo, tão pequeno e tão inofensivo, aproximou-se do urso e
perguntou-lhe se queria ajuda. O urso virou a cabeça envergonhado,
rosnando para a coisinha. Mas não demorou muito para que o urso
percebesse que sim, ele precisava de ajuda. O rato mexeu no pelo
grosso do urso e, agarrando o espinho entre seus dentes minúsculos,
removeu a terrível farpa. O urso foi salvo. — Ela contou a história
com todo o dom de quem ganhava a vida com isso.
Perin a olhou fixamente. Ele ficaria ofendido, se a analogia não
fosse tão perfeitamente adequada. Ele era um selkie. Anfar era um
monstro marinho. Seus ossos seriam pequenos demais para morder os
dentes da fera em sua verdadeira forma.
Perin suspirou. — E qual é o espinho que tanto o atormenta?
A bruxa se virou para ver que o sol já estava quase sumindo no
horizonte, o céu ficando em tons de roxo e azul avermelhado. —
Você deve descobrir isso por si mesmo. Mas Anfar deve
desempenhar seu papel no que está por vir. E ele não pode fazer isso
sem a sua ajuda.
— Eu... Hum... Farei o que puder.
— Bom menino. Obrigada. — Ela soltou as mãos dele para
alcançá-lo e abraçá-lo, enrolando os braços atrás do pescoço dele
para se aproximar. Quando ela se retirou, ela estalou os dedos como
se tivesse acabado de se lembrar de algo. — Oh! Mais uma coisa.
Quando chegar a hora, vá para a esquerda.
Vá para esquerda.
Uma visita da bruxa, e ela diz a ele para “ir para a esquerda”. O
que diabos está errado com a minha vida? Ele a encarou. O que ele
deveria dizer sobre isso? Quando ela o observou com expectativa,
ele apresentou o melhor que podia fazer. — Okay?
A bruxa sorriu brilhantemente e deu um tapinha no braço dele.
— Você vai ficar bem. — Ela olhou para o cachorro, que começou a
bater o rabo ainda mais alto. — E você, meu querido, também é um
bom menino. — Ela se agachou e começou a acariciar o pelo do
cachorro, falando com o cachorro no tom de voz que se reserva
inteiramente para animais e bebês. — Sim-você-é, sim-você-é um
bom menino. — Ela se inclinou e sussurrou algo para Puck, cuja
cauda começou a balançar descontroladamente com as palavras que
ela tinha para o espião Seelie.
Eu não gosto disso imensamente.
— Existe alguma chance de você poder... Eu não sei, escolher
outra pessoa para isso? — Era uma pergunta estúpida, mas ele tinha
que perguntar mesmo assim.
A bruxa se levantou e sorriu por cima do ombro enquanto se
afastava em direção ao oceano. — Não.
— Droga.
Ela riu. — Ninguém escolhe o destino, marinheiro. Nem
mesmo eu.
O sol se foi e a lua estava começando a nascer. Ele observou
enquanto a mulher simplesmente desaparecia quando os últimos
raios de luz âmbar úmida a tocaram.
Puck estava girando em círculos, animado demais para ficar
parado. Perin estava ocupado xingando uma enxurrada enquanto o
cachorro corria para buscar um pedaço de madeira flutuante e
depois o jogava a seus pés, as patas dançando na terra enquanto ele
olhava para ele com expectativa.
Sem pensar, ele se abaixou, pegou o graveto e o arremessou o
mais longe que pôde ao longo da praia. O cachorro foi atrás dele. E
foi só quando voltava que Perin se lembrou de que a criatura não era
um cachorro, mas sim Robin Goodfellow.
Ele estava brincando com Robin Goodfellow.
— Eu odeio isso pra caralho.

Abigail sentiu o chão debaixo de si mudar enquanto Valroy os


dobrava pelo espaço. Ela se agarrou a ele para não cair quando eles
chegaram, e ela fez uma careta enquanto seu estômago se revirava
junto com o resto dela. — Eu odeio isso.
— Você poderia viajar através das árvores, em vez disso. —
Sua voz era um ronronar em seu ouvido. — Elas adoram tanto a
atenção.
— Eu não gosto de ser tocada – apalpada por uma árvore? –
pelo seu Labirinto. Ou isso seria assediada pelas raízes? Elas não têm
mãos. — Ela olhou para ele, vendo o sorriso sinistro que parecia
pintar seu rosto com mais frequência. — Temo o que vai acontecer
algum dia, se elas ficarem muito mal-humoradas.
— Mal-humoradas? Por você, eu não acho que isso seja
possível. — A mão dele deslizou pelas costas dela, e pelas calças
dela, os dedos cavando no globo de sua bunda. Ela puxou um
suspiro e, ao tentar escapar de seu aperto, pressionou mais forte
contra seu peito nu.
O fogo instantaneamente enrolou em seu corpo, e ela olhou
para ele. — Pare com isso.
— Qual é a palavra? — Ele pensou sobre isso por um longo
momento antes de agarrá-la com mais força, suas unhas afiadas
picando sua pele. — Não. — Ela bateu a palma da mão contra o
peito dele antes de tentar se afastar, mas não adiantou. Ele apenas
riu e envolveu suas asas ao redor dela. — Você pode fazer essa cara
para mim o quanto quiser, pequena Seelie, mas eu sei a verdade. E o
meu Labirinto também. As árvores não te tocariam se você não o
desejasse secretamente.
— Eu não... — Ela guinchou quando ele a girou. Antes que ela
pudesse piscar, ela foi jogada contra uma árvore próxima não muito
gentilmente. Suas costas encontraram a casca, e ela grunhiu por
causa da picada, mas imediatamente se distraiu quando ele a ergueu
e envolveu suas pernas em volta da cintura.
Ele afundou seu peso nela, moendo seu corpo contra o dela, e
ela sentiu sua necessidade instantânea.
E dela.
O barulho que a deixou não era de raiva.
Ele riu enquanto pressionava os pulsos dela na árvore acima de
sua cabeça. Ela podia sentir o zumbido da coisa viva, como cantava.
Elas poderiam ser coisas corrompidas, mas ainda estavam vivas.
Não simplesmente cantavam para ela. Cantavam por ela. Ela estava
cercada por coisas que ansiavam por ela. Que queriam devorá-la.
Ela estremeceu, seus olhos se fecharam. — Eu não posso...
— Você pode. Você vai de novo. — Ele liberou a pressão de seu
corpo apenas brevemente antes de retornar, imitando a dança
primitiva apenas com suas roupas para separá-los. — E de novo... —
Ele se esfregou contra ela. — E de novo...
Quando algo enrolou em seus pulsos, mantendo-a imóvel, ela
olhou para cima para ver que era a própria árvore que havia feito
isso! Trepadeiras de madeira rastejaram ao redor dela, entre seus
dedos, segurando-a no lugar. — Eu...
— Você é minha presa, pequena bruxa Seelie. Você é minha para
caçar e minha para tomar. E você é a corça que, uma vez conquistada,
se levanta para correr novamente. Você e eu vamos jogar este jogo
de novo e de novo até que as estrelas pisquem e morram... Você já é
minha rainha, você simplesmente ainda tem que aceitar.
Ele a beijou com toda a violência e ruína que ele prometeu, e
ela estava impotente, exceto para ceder, a tensão derretendo de seu
corpo, enquanto ele se apertou contra ela e virou a cabeça para o
lado para aprofundar o abraço. Quando sua língua exigiu entrar, ela
separou os lábios para ele, e não sentiu nada além da felicidade de
tudo isso.
Quando ele de repente se afastou dela, ela estava tremendo em
seu rastro. Ele deu um passo para trás, rindo, e passou o polegar
lentamente sobre o lábio. — Mas não é por isso que estamos aqui
esta noite. É?
A árvore a soltou, e ela quase caiu no chão em uma pilha. Ela
esfregou os pulsos e só conseguiu encará-lo em resposta. — Você é
um demônio.
— Meio demônio, muito obrigado. — Ele riu enquanto abria
uma asa para gesticular para o caminho para fora do bosque para
onde ele os havia levado. — Você deseja ver meus horrores? Bem,
então... Vamos começar. Pois, veja, sou um grande colecionador de
todas as coisas. — Ele zombou. — Obras de arte, armamento,
instrumentos musicais... Mas dor e tormento, acima de tudo. E o
sofrimento é como a arte - está nos olhos de quem vê. Acredito que
selecionei o grande terror que você achará o mais perturbador.
Acredito que sei o que posso lhe mostrar que fará com que você me
odeie. — Suas palavras começaram brincalhonas, depois se tornaram
cruéis, depois raivosas enquanto ele falava. — É isso que você
deseja, não é?
Ela engoliu a pedra em sua garganta. — Eu...
— Não. É muito tarde. Venha, querida Abigail. Dê um passo à
frente, como você pediu, e veja meus Salgueiros Chorões. — Seus
lábios puxaram para trás em uma careta, revelando seus dentes
afiados, antes que ele dobrasse suas asas sobre si mesmo e
desaparecesse.
Parecia que ela deveria ir sozinha.
Com uma respiração, sentindo-se abalada e insegura do que
tinha acabado de acontecer... Ela saiu do bosque e desceu o caminho.
Ela desejava odiá-lo? Ela não sabia. Ela deveria. Ah, como ela
deveria. Eu já deveria detestá-lo. Ele deveria ter um punhal no coração esta
manhã. No entanto, aqui estamos.
E aqui estava ela, prestes a testemunhar os “Salgueiros
Chorões”. Algo tão terrível que Valroy acreditava que poderia fazê-
la detestá-lo o suficiente para se afastar dele.
Parte dela esperava que ele estivesse certo.
Parte dela esperava profundamente que ele estivesse errado.
Ela supôs que havia apenas uma maneira de descobrir.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Valroy manteve os dedos pressionados nas teclas de seu órgão
de tubos na nota final do canto fúnebre que ele havia escolhido para
tocar naquela manhã talvez por um pouco mais do que o necessário.
Porque quanto mais demorasse, mais tempo poderia ir sem ter
que se dirigir ao homem que agora estava atrás dele. Não porque ele
tivesse qualquer tipo de vingança contra o rei dos bodes, mas
simplesmente porque Valroy estava com um humor terrível e ele
não queria lidar com isso.
Mas negócios eram negócios.
E isso não poderia ser evitado.
Ele levantou os dedos das teclas e dobrou as asas nas costas,
apertando as garras sobre os ombros. Ele estava furioso. Ele queria
enfiar o punho na madeira do instrumento, mas não o fez.
Como ela ousa?
Como ela ousa?
Seu coração doía. Será que algum dia iria parar? Ele suspeitava
que terminaria de duas maneiras. Ou quando parasse de bater ou
quando Abigail fosse sua esposa. Antes desses resultados, não, ele
supôs que este era seu novo destino na vida.
Fechando os olhos, deixou o silêncio cair sobre ele, os animais e
até os insetos assustados em silenciar ao berro de seu grande
instrumento. — Como vai a caça?
— Três espiões de Titânia foram enviados de volta para ela em
pedaços, como você pediu.
— Bom. — Ele finalmente se virou para se dirigir a Bayodan,
levantando-se do banco para encará-lo. — Sempre vou tolerar um
pouco de imposição da parte dela para garantir que ela se sinta bem-
sucedida em seus objetivos. Mas a rainha vadia está tramando, e eu
não vou tolerar.
Bayodan o observava com uma sobrancelha arqueada e não
disse nada.
— O quê? — Valroy zombou dele. — Fale o que pensa como
sempre fez.
A cauda do lorde feérico balançou atrás dele, enrolando e
endireitando enquanto ele pensava. — O que te incomoda? Fiquei
com a impressão de que você teve uma noite bem-sucedida,
considerando todas as coisas. Eu esperava encontrar você se
aquecendo com Abigail, não... — Ele gesticulou com a mão
preguiçosamente para o órgão de tubos.
As garras de suas asas se apertaram, e ele teve que se soltar
antes que as garras perfurassem sua própria pele. — Ela fez um
desejo. Eu o concedi.
— Perdão?
— Nossa bruxa Seelie acordou esta manhã e tinha apenas um
pedido - uma coisa a me dizer - e era que ela desejava ver os
horrores mais terríveis que meu Labirinto tinha a oferecer. — Ele riu,
um som cruel e sarcástico. — Ela acordou com a necessidade
insuperável de me odiar, Bayodan.
Sobrancelhas escuras se franziram em pensamento enquanto o
lorde feérico desviou o olhar para a escuridão da floresta, sua cauda
balançando mais forte.
— Eu a fiz minha. Mostrei a ela todo o prazer que eu poderia
lhe oferecer. Eu fui gentil com ela. Eu cuidei dela. — Ele cravou as
unhas nas palmas das mãos, a dor pungente dando-lhe foco. — Eu a
amo, Bayodan. E ela sabe disso. Ela vê meu amor. E é... É assim que
ela responde.
O rei-bode soltou um suspiro longo e pesado. Ele balançou sua
cabeça. — Eu não acredito que ela queira te machucar. Esse não é o
jeito dela. Mas ela tem muito que medir.
— Muito que medir? — Valroy zombou, então sorriu. — Ela
sabe a medida de mim agora, eu posso te prometer isso. Duvido que
ela algum dia se esqueça disso.
Isso lhe rendeu um revirar de olhos. — Você sabe o que eu
quero dizer.
— Sim. Eu sei. — Seu humor desapareceu instantaneamente.
Ele preferia o humor à raiva e dor que sentia. — Eu nunca fui
encontrado em falta, velho amigo.
— Na cama, talvez.
Ele encarou a interrupção e o insulto. — Pensar que ela pesa
meu amor por ela e ainda acha inadequado contra o resto de quem
eu sou? É... Eu nunca amei ninguém, Bayodan. É assim que sempre
será?
— Não. Nem sempre. Mas às vezes. — O bode fechou os olhos
vermelhos e considerou suas palavras. — Para onde você a levou,
príncipe?
— Para o único lugar que acredito que garantirá que ela me
odeie pelo resto do tempo, é claro.
E isso lhe rendeu um tapa na mão sobre os olhos. — Você não
levou. Diga-me que não.
— Claro. — Ele zombou e abriu suas asas, estendendo as mãos
para os lados. — O que sou eu, senão uma alma generosa? Ela fez
um pedido, e eu o concedi ao máximo. Ela agora caminha entre os
Salgueiros Chorões.
Bayodan gemeu. — Seu idiota egoísta e autodestrutivo.
— Talvez sim. Talvez não. — Ele relaxou suas asas. — Se ela se
tornar minha esposa, ela os teria encontrado eventualmente, não é?
Ela andaria cada centímetro do meu Labirinto e veria todos os
pesadelos que ele tem a oferecer. Por que não fazer o que ela pede e
simplesmente pular para o final?
— Porque ela ainda não entende o porquê esses lugares devem
existir! Você mostrou a ela a maior escuridão que Tir n’Aill tem a
oferecer, sem dar a ela a maior alegria para ancorá-la.
— Eu não ofereci exatamente isso? — Valroy arreganhou os
dentes com raiva e deu um passo em direção ao rei-bode, colocando
a palma da mão no peito. — Se eu não sou o suficiente para ela,
então que seja!
Bayodan era uma das duas únicas almas que Valroy conhecia
que não podiam ser intimidadas, com Anfar sendo a outra. Pelo
menos não intimidado por ele. Era uma das razões pelas quais
Valroy sofria a presença do lorde feérico. Não sendo de seguir com o
resto, Bayodan simplesmente observou sua raiva com estoicismo. —
Você não deu a ela tempo suficiente. Sua impaciência acabou com
você.
Valroy rosnou e decidiu que talvez quisesse desfazer os
intestinos de Bayodan, que se dane a amizade. Ele deu um passo em
direção ao rei-bode. — Ouça-me com muito cuidado, você...
Ele congelou.
Pressionando uma mão em seu peito, seus olhos se
arregalaram. A dor queimou nele tão rapidamente que quase o
cegou. Ele caiu sobre um joelho, sibilando o ar por entre os dentes
enquanto lutava para permanecer consciente.
— Príncipe? — Mãos agarraram seus braços, mas não tentaram
puxá-lo de volta para ficar de pé. Bayodan parecia preocupado, o
que nunca era um bom sinal. — O quê aconteceu?
A fúria ferveu nele. Fúria e agonia.
Só havia uma explicação.
Abigail.

Os Salgueiros Chorões. Isso era tudo que Abigail sabia do que


encontraria pela frente. Ela caminhou entre as árvores da clareira
onde Valroy a havia depositado e honestamente não sabia o que
esperar. O nome lhe deu mais do que uma pequena sensação de mau
presságio.
Quando ela chegou a um muro baixo de pedra que a lembrava
das cercas de pedra que os fazendeiros usavam para marcar as
bordas de seus campos, ela percebeu que seu coração já estava
batendo mais rápido. Ali, dispostos em fileiras como macieiras,
havia enormes salgueiros.
Da distância em que ela estava, eles pareciam normais. Mas ela
sabia melhor. Esta era Tir n’Aill. Escalando o muro, ela se aproximou
deles cautelosamente. Ela não queria ver que tipo de pesadelo
torturante estava diante dela. Uma grande parte dela estava gritando
para voltar. Mas ela tinha pedido isso. Isso era o que ela queria.
Mas isso não a impediu de puxar seu manto verde mais
apertado em torno de si, como se protegendo contra mais do que
simplesmente o frio de outono no ar.
As árvores foram plantadas da maneira que cresceram, em
fileiras e grades organizadas, cada uma com espaço suficiente para
se estender e crescer no ar. Seus galhos se curvaram para baixo, os
galhos se curvando e soprando levemente na brisa.
Suas folhas ovais eram do mais puro branco, e ela observou
enquanto caíam no chão como neve caindo. Ela hesitou antes de
entrar em suas fileiras, algo semelhante ao medo agarrando-a pela
base da espinha, como se o próprio ceifador tivesse vindo para ficar
ao lado dela e alcançar seu corpo.
Ela estava sozinha. No entanto... Quando seus pés tocaram o
chão, ela estremeceu. O medo era dela, sim, mas também não era.
As árvores estavam com medo.
Não, as árvores estavam aterrorizadas.
Ela podia sentir isso nas raízes que se estendiam abaixo dela.
Ela lutou para manter isso fora de sua mente. Ela lutou para colocar
algum tipo de barreira entre ela e as coisas vivas ao seu redor.
Colocando a mão na cabeça, ela lutou contra a vontade de vomitar.
Pois quanto mais ela tentava detê-lo, mais o sentimento lutava para
seguir.
Em sua mente, ela podia imaginar mãos estendendo-se para ela
em desespero selvagem. Elas desejavam que ela compartilhasse de
seu terror avassalador e primitivo. Elas precisavam dela. — Espera —
ela sussurrou. Ela implorou. — Por favor. Deixe-me entender você
primeiro. Por favor.
A náusea que começou a se formar em seu estômago diminuiu
quando o medo recuou como a maré. Ele viria novamente. Mas, por
enquanto, elas ouviram, e as mãos ávidas, tenebrosas e terríveis em
sua mente se encolheram.
Elas seriam pacientes.
Todas as árvores do Labirinto eram profundamente
perturbadas. Mas estas eram algo completamente diferente. Ela
soltou um suspiro vacilante. Ela ficou chocada ao encontrar-se ainda
de pé.
Ela se permitiria compartilhar de sua dor. De seu horror. Era
justo. Mas ela não deixaria isso acontecer até que soubesse
exatamente o que eram.
E por que elas não paravam de gritar.
Com os pés instáveis, ela caminhou mais fundo no bosque. A
casca dos salgueiros estava enrugada e irregular, e talvez vários tons
mais pálida do que deveria ser, mas ela não conseguia ver nada de
estranho nelas, exceto suas folhas brancas. Nada mais parecia errado.
Ou pelo menos... Não a princípio.
As árvores estavam ficando mais curtas enquanto ela
explorava. Ela devia estar chegando às árvores mais jovens, mais
novas. Foi então, várias centenas de metros em sua caminhada, que
ela notou algo estranho sobre o crescimento das árvores. Havia uma
textura nelas que ela não conseguia identificar, embora parecesse
familiar.
Foi mais trinta metros depois que ela percebeu o quê era.
Ela hesitou, não querendo se aproximar para investigar e
confirmar sua teoria. Mas ela sabia que precisava. Era isso que ela
tinha vindo ver. Envolvendo os braços em volta de si mesma para
qualquer sensação de segurança, ela se aproximou.
Ali, na casca... Estava um rosto.
Estava de cabeça para baixo. Ali, ao lado dele no tronco, havia
outro. Ela podia ver o torso de uma mulher que se estendia das
feições que foram capturadas em um grito silencioso e de boca
aberta.
Abigail soltou um grito e cambaleou para trás, tropeçando em
seus próprios pés e caindo no meio do caminho, olhando para a
árvore diante dela. Agora que ela sabia o que estava olhando, ela
podia vê-las. Uma dúzia de figuras, todas de cabeça para baixo,
enterradas sob a casca. Seus braços esticados acima de suas cabeças,
torcendo-se com os corpos ao redor deles ou esticando-se no chão.
Suas pernas eram os galhos e ramos que cresciam no alto.
Ficando de pé, ela correu. Ela não sabia para onde, ou porque,
mas o terror instintivo que era dela e deles a fez fugir do que viu.
Quando ela desacelerou até parar, ela ainda estava no meio do
bosque. Lágrimas escorriam por seu rosto, e ela não se preocupou
em enxugá-las. Haveria mais para substituí-las em breve.
Não.
Não. Ela tinha vindo para entender.
Não correr.
Quando sua respiração frenética diminuiu, ela ouviu um
barulho. Algo estranho. Parecia alguém... Cavando. Lutando contra
a vontade de vomitar, ou de correr de novo, ou de fazer as duas
coisas, ela soltou um gemido relutante e se preparou.
Isto é o que eu pedi.
Isso é o que eu queria ver.
Indo em direção ao som, ela se encontrou no que devia ser a
parte mais jovem do bosque. Ela se forçou a se concentrar no que viu
diretamente no caminho à sua frente, e não nos salgueiros ao seu
redor. Um grande carrinho de madeira dominava o espaço, algo
empilhado na parte de trás dele, escondido sob uma lona de
algodão. Uma figura estava de um lado, cavando um novo buraco,
perfeitamente alinhado com todos os outros.
Cuidadosamente, ela se aproximou e se viu tremendo. Os
gritos que agora ela podia sentir ao seu redor não ficaram mais altos.
Mas as visões que a cercavam eram quase demais para absorver
tudo de uma vez.
As árvores estavam…
As árvores estavam sangrando.
Parando, ela olhou para um dos salgueiros ao lado dela. Uma
dúzia de vítimas foram amarradas de cabeça para baixo e
empilhadas em três fileiras de altura. O que os ligava um ao outro,
ela não sabia. Seus olhos estavam abertos. Por todos os deuses, eles
estavam acordados.
Embora eles não fizessem nenhum som, ela os observou
enquanto eles gritavam silenciosamente, imploravam e choravam
por ajuda. Ela observou enquanto as figuras lamentavam e
choravam, suas lágrimas correndo por seus rostos e no solo abaixo
deles.
A casca tinha apenas começado a crescer sobre eles, cobrindo-
os lentamente, envolvendo-os em madeira. Eles ainda podiam se
contorcer e lutar, mas não podiam fazer nada para impedir o lento
rastejar da natureza. Eles eram feéricos. Cada um deles olhando para
ela com olhos arregalados e suplicantes. Implorando a ela para
salvá-los.
Eles eram Seelies.
Finas correntes de metal os uniam. Ela sabia, sem dúvida, que
era de ferro. Ele tecia dentro e fora deles - não simplesmente ao
redor deles - enfiando suas carnes juntas como tecido.
Virando-se, ela caiu de joelhos e vomitou, feliz por ter seguido
o conselho de Valroy e não ter comido. Só a água a deixou.
Quando ela pôde respirar mais uma vez, ela estava soluçando.
— Você não pertence aqui, garota.
Levantando-se de um salto, ela se moveu para se defender.
Mas a pessoa que estava ao lado dela apenas riu.
— Não, não pense que eu quero te fazer mal. — A figura
fungou. Era um homem, alto e de ombros largos, embora tivesse
sido ainda mais, se não estivesse curvado. Suas costas se curvavam
em um ângulo estranho, e a forma que se formava sob sua roupa
lembrava os caroços das árvores ao redor dela.
E ele também estava coberto de casca pálida.
Seu cabelo era branco como a neve. Em volta do pescoço havia
um laço de corrente de ferro, sua pele áspera em carne viva e
sangrando por baixo. Ele sorriu levemente enquanto observava sua
expressão mudar para uma de terror de olhos arregalados.
— Sim. — Ele suspirou e pendurou a pá no ombro sem a
corcunda e, virando-se dela, começou a se afastar. — Você pensou
certo.
— P-por que?
— Não tenho certeza do que você está perguntando,
exatamente, mas a resposta é a mesma. Isso é o que ele faz com
Seelies que ele não gosta. — Ele virou a esquina fora de sua vista, ao
redor da curva de outra árvore jovem. Ela não sabia mais o que fazer
a não ser segui-lo. Ela sabia o que ele estava fazendo. Ela sabia o que
ele estava cavando. Mas ela precisava ver. Ela devia muito às almas
ao seu redor.
Testemunhar o horror deles era a primeira coisa que ela podia
fazer por eles.
O homem estava preenchendo um buraco, não cavando um. E
diante dele, enrolado em um poste de madeira, estava um Salgueiro
Chorão em sua criação. Silenciosas, mas gemendo, gritando e
soluçando, estavam mais doze vítimas costuradas com correntes de
ferro. Seus braços da pilha de baixo foram enterrados na terra, e os
pés dos que estavam acima foram amarrados para se estenderem
bem acima deles.
Nenhuma casca havia crescido neles.
Ainda.
O sangue de suas feridas fluía para a terra, manchando-a quase
de preto.
O guardião do bosque virou a pá e começou a limpar a terra ao
redor das vítimas como se estivesse apenas plantando tomates em
um jardim.
— E você? — Ela mal podia falar, suas palavras saindo
desfiguradas e duras. — Você já foi Seelie?
— Ainda sou. — Ele apontou o polegar para a corrente em
volta do pescoço. — Deu-me uma escolha. Seja como eles ou seja
como eu. Eu tomei a saída do covarde. Eu sei isso. Não estou
orgulhoso.
— E... E a pilha no carrinho? — Ela se virou para olhar para ele
e fez uma careta. Ela sabia a resposta. Mas ela fez a pergunta de
qualquer maneira.
O guardião do bosque apontou para um ponto claro no chão a
cerca de vinte passos de distância.
— Não.
Ele olhou para ela e levantou uma sobrancelha. — Você tem
que falar com o príncipe, senhorita. Não há nada que eu possa...
— Não.
Sua dor se transformou em raiva. Ela queria odiar Valroy pelo
que viu. E talvez ela o odiasse. Mas não foi o ódio, não foi o desgosto
que a fez cerrar os punhos ao lado do corpo. Foi uma fúria. — Isso
não vai continuar.
— Você não tem poder aqui, garota.
Talvez isso fosse verdade. Talvez não fosse. Ela fechou os olhos
e se permitiu ouvir seus gritos. Ela se deixou absorver seu medo, sua
agonia, sua dor sem fim. Nunca tinha acabado até agora.
Ela não deixaria isso continuar.
Ela não podia.
Ajoelhada no chão, ela colocou as mãos espalmadas contra a
terra e desejou que suas videiras saíssem.
O poder do Labirinto as mantinham atenuadas. Impedia que
elas se espalhassem. Ela podia sentir o peso dele pressionando-a
como uma pedra.
Não.
Isso acaba agora.
Ela empurrou contra a vontade do Labirinto. Ela não sabia por
quanto tempo poderia afastá-lo, nem o que aconteceria depois. Mas
ela não se importou. As Gle’Golun se espalharam dela, cavando na
terra, rastejando em direção às árvores. Flores carmesins já estavam
desabrochando, as videiras espinhentas se estendendo em direção a
cada objeto em todas as direções. Elas consumiriam tudo. Abrindo
os olhos, ela olhou para o guardião do bosque. — Se você deseja
viver... Corra.
Ele colocou a pá no chão e sorriu para ela. — Não. Acho que
não desejo.
Com toda a raiva que sentia em seu coração, e toda a dor e
terror, ela gritou por eles.
Ela gritou porque eles não podiam.
CAPÍTULO DEZESSETE
Anfar estava tentando dormir.
Ele adorava dormir. Era uma das poucas vezes que ele se sentia
em paz. E ultimamente, ele desejava fazê-lo cada vez mais. Beber,
dormir, repetir. Mas alguém estava na margem de seu lago. Não era
Valroy, pois nenhuma pedra grande havia sido arremessada na água
na esperança de atingi-lo. Mas ele podia sentir a presença ali, e isso o
incomodava.
Ninguém vinha ao seu lago e sentava-se lá, simplesmente
esperando.
Talvez fosse Abigail? A jovem Seelie poderia tê-lo procurado,
na esperança de encontrar algumas palavras de sabedoria ou
simplesmente alguém que entendesse a crueldade viva do príncipe.
Com um suspiro longo e resmungão que fez a água correr por
entre seus dentes afiados e narinas, enrolando as algas marinhas que
roçavam suas escamas, ele levantou a cabeça. Se ele se estendesse em
toda a sua extensão, ele quase poderia alcançar de costa a costa. Não
era muito grande, mas ele era. Mas ele gostava mesmo assim.
Normalmente, era tranquilo.
Normalmente.
Ultimamente, porém, isso havia mudado. Cravando suas
garras na lama, ele começou a se empurrar para cima, a água
escorrendo de seu longo pescoço enquanto ele rompia a superfície.
Subindo em direção à costa, ele deixou sua metade dianteira sair da
água antes de voltar sua atenção para ver quem havia interrompido
sua tentativa de sono.
Era um homem.
Um homem e um cachorro.
Ele abaixou a cabeça para olhar mais de perto, e o homem
cambaleou para trás. Sim, isso tendia a acontecer. Ele estaria
mentindo se negasse que gostava disso todas as vezes. Inspirar
medo nos outros estava, ao lado de beber e dormir, entre seus
hobbies favoritos. Três navios tiveram destinos terríveis apenas esta
semana.
E o homem que ele via com mais clareza agora - às vezes era
difícil ver acima da água, pois seus olhos eram feitos para o oposto -
saberia como era o terror no mar.
O selkie?
O que ele estava fazendo aqui?
E aquele cachorro...
Ele abriu sua boca, rosnando alto, e ergueu uma garra com
toda a intenção de esmagar o vira-lata sob sua palma.
O cachorro ganiu e correu para trás de Perin, encolhido de
medo. E agora o selkie estava agitando os braços no ar. — Não, não,
está tudo bem! Está tudo bem com ele!
Que tipo de nova tortura é essa? Por que? Por que eu? Eu
simplesmente desejo ser deixado sozinho para chafurdar em minha miséria.
Isso é pedir muito?
Aparentemente, sim. Sim, era. Com outro rosnado alto que fez
a água do lago vibrar e dançar, ele mudou sua forma para poder se
comunicar. O ato de se tornar tão pequeno, quando ele era tão
grande, era terrivelmente doloroso. Mas ele se acostumou com isso
ao longo dos anos.
Quando ele estava de pé sobre duas pernas, no entanto, ele se
viu de alguma forma com um humor ainda mais desagradável para
isso. — O que você quer dizer com ‘Está tudo bem com ele’?
Perin gaguejou nervosamente. — Eu... Uh... Abigail... Ela
disse...
— Abigail. — Anfar suspirou e balançou a cabeça. — Claro,
Abigail. — Passando a mão pelo cabelo comprido e molhado, ele o
afastou do rosto. — Deixe-me adivinhar. Ela o acolheu. Ela entende
exatamente quem e o quê ele é?
Perin apenas deu de ombros.
Anfar teve que rir da exasperação do outro homem. — Bem-
vindo a lidar com a corte e seus esquemas. Temo que você deva se
preparar para algo pior do que isso.
— Obrigado pelo aviso. — O selkie suspirou. — Eu odeio isso.
— Então você está se adaptando bem. — Anfar balançou a
cabeça. — Por que você está aqui, Perin? O quê o príncipe obrigou
você a fazer? Ou foi o bode e seu companheiro que o enviaram?
— Eh... Nenhuma opção. — Perin ergueu a mão e, pela
primeira vez, Anfar percebeu que ele carregava um saco de pano. —
Isto é para você.
Pegando-a depois de um momento de hesitação, ele abriu a aba
e olhou para dentro. Era comida, cuidadosamente embrulhada em
papel encerado. Ele lançou a Perin um olhar de pura confusão.
— Carne de carneiro, queijo, pão. Achei que você poderia estar
com fome esta manhã.
— Eu... Sou capaz de me alimentar. — Sim, ele estava
realmente com fome, mas esse não era o ponto. — Selkie, por que
você veio com o café da manhã?
— Eu... Bem... — Perin olhou por um momento e franziu a testa
em pensamento. Depois de começar outra frase e parar novamente,
ele finalmente terminou. — Eu estava preocupado com você.
Anfar balançou a cabeça. Era uma mentira pobre, mas ele
deixou passar. Alguém o colocou nisso - provavelmente Valroy - e
foi isso. Ele se perguntou o quão bem eles estavam pagando o selkie,
ou se havia algum tipo de suborno em vigor. — Muito bem. Eu
aceito o presente. — Não havia necessidade de ser rude. Ele
caminhou até um tronco caído à beira do lago e sentou-se nele. A
madeira flutuante estava branqueada e seca e lembrava-lhe os ossos
de um monstro marinho muito parecido com ele.
Abrindo o saco novamente, ele o colocou no colo e começou a
desembrulhar um dos pacotes de cera. O carneiro. Bom. Ele queria
afundar os dentes na carne. Olhando para cima, ele percebeu que
Perin ainda estava ali, o cachorro ainda atrás dele, o rabo entre as
pernas.
Anfar não tinha nenhuma briga com o espião. Eles nunca
haviam se cruzado. Ou pelo menos, não que ele soubesse. Essa era a
coisa complicada com espiões.
Mas ambos estavam simplesmente parados ali... Olhando para
ele. Como se esperassem algo. Olhando para o local na madeira ao
lado dele, ele balançou a cabeça.
Alguém havia colocado Perin nisso.
Maldito seja, Valroy.
Ou talvez fosse Abigail. De qualquer forma, Valroy era o
responsável final, não era? Ele trouxe a bruxa aqui. Anfar o havia
avisado que tinha sido um movimento tolo e, até agora, ele diria que
estava certo.
Mas não importava.
— Sente-se, se quiser. — Ele sacudiu a cabeça na direção do
local ao lado dele.
Depois de um longo momento, Perin deu um passo à frente e,
parando a cada poucos segundos como se Anfar estivesse prestes a
pular para frente e devorá-lo, ele se sentou. Suas costas eram rígidas
e retas como uma tábua.
Isso fez Anfar sorrir, só um pouco. Ele gostava quando as
pessoas tinham medo dele. Dando uma mordida no carneiro, ele
ofereceu o naco de carne ao marinheiro. Perin balançou a cabeça e
Anfar voltou a comer sem dizer uma palavra.
Puck estava parado na areia a uns dez passos de distância, o
pelo eriçado, a cabeça abaixada, os dentes puxados para trás em um
rosnado.
Anfar encarou o cachorro por um momento, e então inclinou a
cabeça ligeiramente para o lado. — O quê? Se eu pretendesse comê-
lo, você já teria ido, Goodfellow. Você e eu nunca cruzamos espadas.
— Isto é, porque sou inteiramente previsível.
O rabo de Puck balançou uma, duas vezes, então começou a
abanar, sua postura relaxando. Ele ainda estava hesitante quando se
aproximou.
Arrancando um naco do carneiro, ele o jogou para Goodfellow,
que instantaneamente trotou até ele. Anfar deu uma meia risada. —
Eu me pergunto quanto do seu cérebro foi derretido por essa sua
maldição.
Puck latiu.
Anfar riu. Enfiando a mão no saco, tirou o pão de dentro e
arrancou um pedaço para si, um pouco para Perin, e depois um
pedacinho que jogou para o animal, que o pegou no ar e o engoliu.
— Pelo que vale a pena, eu sempre tive pena de você. Essa maldição
foi injusta.
— Por que você diz isso? — Perin deu uma mordida em seu
pedaço de pão.
— Ele é culpado de não mais do que a própria rainha, se as
razões de seu estado atual de ser forem acreditadas.
— Titânia dormiu com Bayodan e Cruinn? — Perin virou-se
para encará-lo.
— Não. Para não dizer que ela não tentou.— Anfar deu de
ombros. — Tratados de paz e tudo isso. Ela propôs ao rei-bode e seu
companheiro em uma cúpula, mas eles recusaram. Naquela noite,
acredito que Robin Goodfellow disse que estava simplesmente
‘fazendo um ponto’.
Puck abanou o rabo alegremente.
— Huh. — Perin balançou a cabeça e deu outra mordida no
pão. Depois que ele engoliu, ele falou. — Então, ele está
amaldiçoado por causa do ciúme de Titânia.
— Precisamente.
Perin franziu a testa. — Isso é horrível.
— A lealdade é a característica que ela mais valoriza. E com o
número de vezes que ela foi traída, eu não a culpo. — Anfar tirou o
pedaço de queijo e fez a mesma divisão que fizera com o pão. Então
ele cheirou, deu uma mordida e, através da comida, murmurou: —
Ela ainda é uma vadia.
Perin bufou na risada, e depois riu. Anfar se viu sorrindo
apesar de si mesmo e não pôde deixar de sentir como se tivesse sido
derrotado em um jogo. Mas ele descobriu que realmente não se
importava.
Eles compartilharam um silêncio amigável por um momento,
quando o momento foi quebrado por Puck inclinando a cabeça como
se estivesse ouvindo um barulho que eles não podiam ouvir.
O cachorro inclinou a cabeça para trás e uivou. O barulho
ecoou pelo ar, refletindo nas árvores ao redor do lago, respondendo
ao grito com uma dúzia de cópias fantasmagóricas.
Quando o lamento acabou, Puck olhou para os dois, latiu e saiu
correndo para a floresta densa.
Anfar o encarou.
Perin não se mexeu.
— Você tem alguma ideia do quê foi isso? — perguntou Anfar.
— Nem mesmo uma porra de uma pista.

Abigail acordou sendo carregada nos braços de alguém. Por


um momento, ela se perguntou se era Valroy. Mas enquanto os
braços que a seguravam eram fortes, eles estavam cobertos por um
casaco de couro preto áspero e cheiravam a sujeira e terra profunda.
Piscando, ela esfregou uma mão em seu rosto. Olhando para
cima, ela descobriu que era Bayodan quem a observava de volta.
E ele não parecia satisfeito em vê-la. Ele a olhava com a mesma
expressão severa de um pai desapontado. Instantaneamente, ela
ficou tensa. — Fiz algo de errado?
Silenciosamente, ele riu. — Isso depende inteiramente de que
lado você está.
Olhando turva por cima do ombro, ela sentiu como se tivesse
sido atropelada por um cavalo correndo. — Onde estamos indo?
— Para a sua casa. Precisa descansar.
— M... Minha casa? Mas…
— O Labirinto não é um lugar seguro para você agora. — Ele se
mexeu para segurá-la mais perto e inclinou a cabeça para beijar o
topo dela. — Mas não se preocupe com isso.
— O que você quer dizer? — Ela tentou se sentar, mas sua
cabeça girou, e ela teve que fechar os olhos para não desmaiar.
Gemendo de náusea, ela descansou a cabeça no peito de Bayodan.
— Podemos ter permissão para entrar em sua casa? — Sua voz
era um estrondo reconfortante, e ela se sentiu confortada por sua
presença. Ela faria suas perguntas quando estivesse consciente o
suficiente para compreender as respostas. Ela sabia que havia
perguntado algo importante, mas as palavras já haviam saído de sua
mente.
— Claro. — Ela se enrolou em seu abraço. A sensação do ar ao
redor dela mudou, o ar frio da noite se transformando no calor de
dentro de casa. Seguiu-se o som de cascos no piso de madeira, e ela
piscou os olhos abertos quando alguém acariciou seu cabelo.
— Ah, amorzinho. Estávamos tão preocupados com você. —
Um par de lábios macios, mas frios, tocou sua testa. Cruinn.
Ela sorriu para ele e seu rosto de vidro. — Eu-eu estou bem.
— Não, querida. Você está bêbada. — Cruinn estremeceu e
traçou uma mão sobre sua bochecha. — Coitadinha, você não
consegue nem manter os dois olhos abertos.
— O que aconteceu?
Cruinn riu e beijou sua testa novamente. — Você destruiu os
Salgueiros Chorões. Você destruiu todos eles a nada além de pilhas
de ossos e pedaços de lascas de madeira. Mas achamos que, no
processo, você também se destruiu.
Ela teria assentido se não temesse que a ação pudesse fazer sua
cabeça cair completamente de seus ombros. — Valroy?
— Está... Tendo um momento. Ele não esperava que você fosse
capaz de tais coisas. Ele não gosta de ser pego de surpresa. —
Bayodan a deitou na cama, puxando os cobertores ao redor dela.
Cruinn já estava sentado na beirada da plataforma, acariciando
ternamente a mão sobre o cabelo dela.
Valroy estava zangado com ela. Ela não ficou surpresa. Mas ser
retirada do Labirinto para sua segurança? Ela pode não ter ficado
chocada com a reação dele, mas agora estava preocupada. Ele não
era alguém que alguém gostaria de ser inimigo.
Mas os Salgueiros Chorões estavam mortos. A gritaria
finalmente parou. Todas aquelas pobres almas presas foram
devolvidas à Terra. E nisso, ela poderia se consolar. Aconteça o que
acontecer, ela não poderia ter saído daquele lugar e os deixado
intactos. — Eu não tive escolha.
— Ah, nós sabemos. Nós entendemos. — Cruinn sorriu com
ternura. — Aquele foi o lugar errado para levá-la.
— Ou o certo, por sua mentalidade. — Bayodan grunhiu ao se
sentar em uma cadeira junto à parede, a madeira rangendo sob o
peso. — O maldito idiota.
— É minha culpa. Ele só fez o que eu pedi. — Estava
começando a exigir um esforço considerável para ficar acordada. Ela
se moveu para rolar de lado para que pudesse ver os dois guardiões
ao mesmo tempo.
— E ele foi estúpido o suficiente para fazer isso. — Bayodan
balançou a cabeça. — Não, ele é um maldito idiota. E você não é
melhor.
— Como é? — Ela lançou-lhe um olhar.
— O que você estava pensando, pedindo a ele para levá-la ao
pior lugar que ele poderia imaginar? — Bayodan pegou uma maçã
de uma tigela de madeira no centro da mesa e começou a girá-la
entre os dedos. — O que poderia ter inspirado você a fazer uma
coisa dessas?
— Eu... Preciso odiá-lo. — Ela fechou os olhos e imediatamente
se arrependeu. O mundo girou e balançou sobre ela. — Eu não posso
aceitar o que ele é, ou o que ele pretende fazer. Eu sou a única coisa
que ele precisa para matar milhões e milhões. Devo aprender a odiá-
lo para que eu possa fazer o que deve ser feito para detê-lo.
Cruinn se mexeu, subindo sobre ela para deitar de costas. Ele
passou um braço ao redor dela gentilmente e beijou a parte de trás
de sua cabeça. — Somos tão ruins quanto ele. Você não conhece os
terrores que criamos. Fizemos coisas horríveis, horríveis. Algumas
que muitos acreditariam combinar com os Salgueiros, se não, talvez
sejam piores. Você nos odeia?
— Não... — Ela franziu a testa e passou a mão ao longo de seu
antebraço de caco de vidro. Alisou sob seus dedos, as milhões de
peças se encaixando para serem perfeitas. Deu-lhes quase a
aparência de líquido. — Eu não odeio nenhum de vocês. Eu
simplesmente... Simplesmente não sei o que fazer.
— Você o ama, Abigail? — Cruinn beijou seu ombro.
— Eu não sei. — Ela se encolheu. — E essa é a verdade honesta
disso. Eu não sei. Mesmo depois de tudo o que vi hoje, eu... — Ela
estava zangada com ele. Desgostosa que tais práticas foram postas
em prática.
Mas ela não ficou surpresa.
Ele era o Príncipe Unseelie. Ela compreendia a magnitude do
que ele era capaz, mesmo que ela não conhecesse os detalhes. Ele era
um monstro. Ele precisava ser parado.
E ela se sentiu culpada por tentar odiá-lo. Mas ela não sabia
mais o que fazer.
Cruinn a puxou para mais perto, aconchegando-se em suas
costas, seus joelhos dobrados atrás dela. — Nós entendemos. Nós
entendemos e vamos ajudá-la da maneira que pudermos.
Bayodan ainda estava estudando a maçã vermelho-sangue em
sua mão. O que quer que ele estivesse pensando, estava longe de sua
casa. Ela fechou os olhos, sentindo-se envergonhada, embora não
soubesse por quê. Ela teria destruído aquele bosque de tortura de
novo, se tivesse escolha.
Não, não era o que ela tinha feito aos Salgueiros Chorões que a
incomodava.
Era sua inspiração para vê-las em primeiro lugar.
Eu preciso odiá-lo. — Eu não posso deixá-lo fazer guerra em dois
mundos. Não posso.
— Nós sabemos. Descanse, amor. Descanse. Podemos
conversar mais quando você acordar.
Havia sentido nisso. Seus pensamentos ainda pareciam
dispersos, como pedaços de papel jogados ao vento. Fechando os
olhos, ela esperava ser dominada por uma onda de náusea enquanto
o mundo chicoteava ao seu redor. Mas a sensação do metamorfo em
suas costas a acalmou, dando-lhe uma noção do que estava lá. Ela
entrelaçou os dedos entre eles e deixou o sono levá-la.
Devo odiá-lo.
Devo.
CAPÍTULO DEZOITO
— Ela fez o quê? — Titânia deu uma gargalhada e tapou os
olhos com a mão ante as notícias do espião Unseelie que ainda
espreitava no canto escuro da sala do trono. — Claro. Claro que ela
fez.
— Quantas árvores ela destruiu? — Oberon falou de onde
estava encostado na parede.
O espião Unseelie riu, um som baixo, quase sibilante. Isso
enviou um calafrio na espinha de Titânia, e ela abaixou a mão para
observar a criatura que se escondia na escuridão. Era um lembrete
perfeito de que a criatura era uma traidora, sim. Mas também era um
monstro perigoso.
O Unseelie voltou sua cabeça encapuzada para o rei. —
Quantas, meu senhor? Todas. Cada uma. As árvores antigas e
terríveis agora não passam de ossos e pedaços de casca.
Oberon olhou em silêncio.
Titânia só pôde rir novamente.
— Você sabe o que isso significa, não sabe? — Oberon olhou
para ela, irritado com sua risada. Ele sempre ficava atiçado da
maneira errada quando ela reagia mal a situações terríveis. Era parte
de seu charme.
— Sim. Eu sei. Eu não sou uma idiota. — Ela se sentou no trono
e soltou um suspiro longo e arrastado. Se as coisas tinham sido
interessantes antes, ela não sabia o que fazer com a situação agora.
— Isso significa guerra.
Abigail bocejou e se espreguiçou, curvando-se no calor ao seu
lado. Não era Valroy, ela sabia pelo cheiro e pela forma da figura.
Quando alguém se moveu atrás dela, ela percebeu que não estava
simplesmente dormindo na cama com uma pessoa, mas com duas.
Ela não precisou abrir os olhos para ver quem eles eram.
— Minha cama não é grande o suficiente para suportar três de
nós — ela murmurou. Sua cabeça estava apoiada no que devia ser
Bayodan, a julgar pelo tamanho dele.
Quando seu travesseiro vivo retumbou uma risada profunda,
uma mão pesada acariciando seu cabelo com ternura, ela sabia que
tinha adivinhado corretamente. — Eu criei algo mais adequado.
Alguém atrás dela - Cruinn - resmungou, abraçando-a de volta
para ele como uma boneca de pelúcia. Ele choramingou, claramente
não feliz por ser acordado.
Nem ela, para ser justa. Mas ela se espreguiçou novamente e,
abrindo os olhos, olhou para o rosto gentilmente sorridente de
Bayodan. Seu humor parecia ter melhorado um pouco. — O quanto
eu estraguei as coisas?
— Oh, você girou completamente o tabuleiro de xadrez, amor.
— Seu sorriso se transformou em um risinho. — Temo que estejamos
corretamente em uma situação difícil agora.
Soltando um suspiro, ela rolou de costas e, beijando a testa de
Cruinn, desvencilhou-se do emaranhado de membros em que se
encontrava. Não era tão alarmante como teria sido há não muito
tempo.
— Vou precisar do café da manhã antes de discutirmos o que
está prestes a acontecer. — Ela se levantou da cama, que era muito
maior e muito mais chique do que seu catre. Ela dominava um canto
de sua casa, mas de alguma forma ainda conseguia parecer
imponente. Não era tão ostensiva quanto a que Valroy escolheu para
móveis. Ela não ficou surpresa. Dos dois, Bayodan parecia ser o
único com um toque um pouco mais discreto.
— Concordo com isso, sinceramente. — Bayodan soltou um
bufo. — Mas sua escolha de comida é verde demais para o meu
gosto. — Ele se levantou, e ela teve a chance de estudá-lo pela
primeira vez sem seu longo casaco de couro. Ele era alto o suficiente
para que seus chifres quase arranhassem as vigas de suporte de sua
estranha casa cultivada. Seu cabelo estava solto, caindo ao redor de
seus ombros em longas mechas pretas.
O pelo de suas pernas afunilava mais nas costas do que em seu
estômago. Quando ele a pegou olhando, ele piscou. Ela sentiu as
bochechas esquentarem e, querendo esconder o constrangimento,
virou-se para a janela. O sol estava se pondo e a noite começava a
rastejar sobre os céus âmbar. Era, como sempre, uma bela noite. —
Alguma vez chove aqui?
— Ah, claro. Mas quando isso acontece... Tende a não diminuir
por semanas. — Cruinn bocejou sonolento e se esticou sobre os
cobertores, claramente ainda desejando permanecer exatamente
onde estava. — Embora nada seja melhor do que se aconchegar
dentro de casa com uma lareira aconchegante quando chove, sim?
— Se o seu telhado não vazar. — Ela riu. — O meu sempre
vazava. — Apoiando-se no parapeito, ela olhou para a floresta. —
É... Seguro para mim lá fora esta noite?
— Você está conosco. Portanto, você ficará bem. — Bayodan
murmurou. — Embora você... Ainda não seja bem-vinda de volta ao
Labirinto. Valroy estava furioso quando o deixei para encontrar
você.
— Oh. — Franzindo o cenho, ela percebeu que não gostava
muito da ideia de Valroy estar zangado com ela. Mas ela estava
tentando se convencer a odiá-lo. Ela tinha pedido para ver o pior do
que ele era capaz para que ela pudesse matar a parte de seu coração
que estava começando a se importar com ele.
Os Salgueiros Chorões estavam além das abominações. Eles
eram além de cruéis. Eles precisavam ser destruídos, e ela manteve
sua decisão. Ela agiu apenas por instinto e, olhando para trás, teria
feito a mesma coisa, independentemente.
Mas ela não queria que Valroy ficasse zangado com ela. Parte
disso era o simples fato de que ela suspeitava que era terrivelmente
imprudente ter o Príncipe Sangrento como inimigo. Mas também
porque a ideia a fez... Ela não tinha certeza. Vergonha era uma
palavra muito forte.
Devo odiá-lo. E, no entanto, não desejo que ele me odeie em troca.
A única maneira de os dois pensamentos fazerem sentido
juntos era simplesmente porque ela estava falhando no primeiro.
Inclinando-se contra o batente ao redor da janela, ela descansou sua
têmpora contra ela. — Eu não podia deixar aquele bosque
permanecer.
— Eu sei. — Bayodan vestiu seu casaco de couro, ajustando a
gola, e então começou a prender o cabelo com uma fita de seda que
ele puxou do ar. — Não é o único horror no Labirinto. De fato,
provavelmente há fins muito piores dentro de seus limites,
dependendo da sua opinião. Você percebe isso, não é?
— Claro. — Ela fechou os olhos. — Mas uma coisa é saber que
a tortura existe, outra é ver com os próprios olhos e ir embora. As
árvores gritavam. E assim por diante... E isso precisava parar. O que
foi que eles fizeram para merecer tal destino?
— A maioria eram soldados Seelies, pegos durante a batalha.
— E o resto?
Bayodan simplesmente balançou a cabeça, dizendo a ela tudo o
que ela precisava saber.
— Eu acredito que Valroy levou você para a pior coisa para
você ver. — Cruin suspirou. — Você pediu para odiá-lo, e ele fez o
seu melhor para entregar. O bosque foi a pior das torturas para você.
Mas se eu pedisse o mesmo, uma visão diferente esperaria por mim.
— Ele se levantou, e ela o ouviu se aproximar. Um momento depois,
seus braços rodearam sua cintura, e ele colocou um beijo em seu
ombro por cima de sua camisa verde. — Mas o Labirinto é morte,
escuridão e tormento. É o coração dos Unseelies. Enquanto aqueles
de nós que vivem fora podem pensar que estamos acima do que
acontece lá, é apenas nossa verdadeira natureza destilada. Isso inclui
Bayodan e eu.
— Eu entendo em minha mente. Mas meu coração ainda não
acredita. — Ela se inclinou para trás em seu abraço, aceitando o
conforto. Ela observou as cores do pôr do sol refletidas nos bilhões
de cacos de vidro quebrado que compunham o corpo de Cruinn. Era
fascinante. — Aquelas coisas. Aquelas árvores. Elas foram feitas por
Valroy?
— Sim. Os campos podem estar vazios agora, mas espero que
ele encontre outra maneira única de torturá-los, se decidir não
replantar o bosque. — Cruinn beijou seu ombro novamente.
Abigail suspirou tristemente. O que ela tinha feito tinha sido
inútil. Pelo menos aquelas almas estavam livres, e seus gritos foram
silenciados.
Bayodan estendeu a mão e correu a parte de trás de seu dedo
contra sua bochecha. — E você destruiria o resto? Você rasgaria o
Labirinto em suas costuras, com suas Gle’Golun? Você libertaria
todas as almas ao seu alcance que gritam de dor?
— Eu... — Ela fez uma pausa. — Não sei. Não importa. Eu não
tenho o poder de fazê-lo, independentemente. — Ela olhou pela
janela. A noite já havia caído.
Bayodan murmurou baixinho. — Veremos. Venha. Vamos ao
mercado buscar alguma comida.
Seus olhos se arregalaram com a sugestão. — Mas eu...
— Você está conosco. — Cruinn bateu um dedo de vidro contra
a ponta de seu nariz. — E nós vamos mantê-la segura.
Segura. Por enquanto.
Bayodan pegou sua mão e ela o deixou puxá-la para perto.
Enquanto eles se dobravam pelo espaço, ela se preparou para a
náusea quando eles reaparecessem. Com certeza, ela cambaleou, e se
ele não a estivesse segurando, ela teria caído no chão.
O mercado era um mar de cores e sons. A última vez que tinha
ido à parte Unseelie tinha sido com Na’len, e só podia esperar que
sua segunda visita não terminasse da mesma forma.
Embora ela tivesse pouca esperança.
Uma capa pesada caiu sobre ela, e ela olhou para Cruinn, que
sorriu enquanto enfiava seu cabelo sob o capuz e o puxava para
cima da cabeça. — Suas flores podem aterrorizar a população,
querida.
Ah. Certo. Elas. Ela havia se esquecido das flores das
Gle’Golun que sempre pareciam estar em seu cabelo ou enroladas
em seus pulsos em trepadeiras. — Eu não quero fazer nenhum mal a
eles. — Ela olhou ao redor do mercado, observando os feéricos e
monstros Unseelies que estavam tecendo entre as barracas de
mercadorias.
— Eles não sabem disso. Você acabou de destruir uma parte do
Labirinto sozinha. Você também, mais ou menos, acabou de declarar
guerra. — Cruinn sorriu sem entusiasmo.
— Eu o quê? — Seu grito inspirou vários lojistas próximos a
parar e olhar para ela. Ela congelou. — Eu não deveria estar aqui. Se
estou com vocês, eles sabem quem sou e...
— Shhhh. Calma. Está tudo certo. — Bayodan riu. — Eles não
levantarão a mão contra você enquanto estivermos aqui. E eu não
acho que eles poderiam prejudicá-la se tentassem. Você se arrepende
do que fez?
— Claro que não. — Seu ato contra o Labirinto e os Unseelies
tinha sido justificado. Aquelas almas mereciam ser livres. Ela não
tinha feito nada de errado. Valroy tinha sido o culpado por seu
horror, e não havia desculpa para isso.
— Bom. Então vamos buscar um pouco de comida, e então
podemos discutir o que fazer. — Bayodan começou a conduzi-los
pelas fileiras.
Ela o seguiu, antes de estreitar os olhos depois de um
momento. — Bayodan? Porque estamos aqui? Você não poderia
simplesmente convocar o café da manhã? — Ele não respondeu a
ela. Ela olhou para Cruinn, que apenas sorriu. Quando ela parou de
andar, isso forçou o homem-bode a se virar para ela. — O que você
está tramando?
— Ela está aprendendo. — Cruin suspirou. — Eu avisei a você,
ela iria descobrir.
Ficando rígida, ela deu um passo para trás.
Cruinn gentilmente estendeu a mão e pegou seu pulso. —
Acalme-se, amor. Você não está sendo traída.
— Então me diga o que está acontecendo?
— Uma poderosa e perigosa Seelie, como nunca foi vista antes
em Tir n’Aill, destruiu uma parte do Labirinto. Isso é uma
declaração de guerra. Clara e simples. — Bayodan deu um passo em
direção a ela. Ela foi ofuscada por um feérico insanamente alto. Ela
decidiu que não gostava de ser assomada e deu outro passo para
trás, puxando o pulso da mão de Cruinn. — Se quisermos evitar que
Valroy use isso como desculpa para invadir e destruir os Seelies,
deve haver algum tipo de recompensa. Algum tipo de pagamento
deve ser feito antes que ele reúna os Din’Glai e depois seus exércitos.
— Pagamento. — Ela repetiu a palavra categoricamente. —
Que forma de pagamento?
Cruinn sorriu, um pouco se desculpando. — Você deve se
desculpar com os Unseelies.
— E como se desculpa precisamente com os Unseelies? — Ela
se encolheu. — Isso envolve sangue, ou sexo, ou ambos?
— Ambos — os dois responderam em uníssono.
— Mas vocês são meus guardiões! Vocês não juraram me
proteger?
— Estamos protegendo você. — Cruinn franziu a testa. — De
destinos muito piores que estão prestes a acontecer de outra forma.
Ela balançou a cabeça. A imagem mental de seu chamado
método de desculpas agitou seu estômago. — Não. Não, eu não vou.
Eu não fiz nada de errado. Não vou me sujeitar ao capricho da
multidão para acabar com tal tormento. Nem espero que Valroy
aprecie muito esse pedido de desculpas.
— Para ser franco, não me importo muito com o que ele vai ou
não apreciar. — Bayodan suspirou. — Estou tentando contornar a
guerra, Abigail. Esse é o nosso objetivo combinado, não é? Não
desejo que isso aconteça, acredite. Mas tornar-se rei é apenas um
meio para um fim para Valroy. Seu verdadeiro objetivo é acabar com
os Seelies. E uma vez que os feéricos pútridos da luz do dia se forem,
os humanos não ficarão muito atrás. E depois do que você fez...
Temo que os Unseelies precisem de pouco incentivo para pegar em
armas.
— Esse ódio entre sua - nossa - espécie não faz sentido, e não
serei humilhada e torturada por fazer o que era justo.
— Justo? — Ele riu sombriamente. — Você acha que os Seelies
são mais gentis com os nossos que mantêm prisioneiros? Eles podem
não gritar de dor, Abigail, mas não encontram um destino mais
gentil. Da próxima vez que você estiver na Corte Ensolarada,
pergunte à rainha deles. Quanto ao sentido por trás de tudo isso? —
Ele balançou sua cabeça. — Por que você acha que Morrigan fez
Valroy em primeiro lugar?
— Titânia disse que não era tão violento até ele chegar. Que
havia uma medida de paz.
— Titânia é uma vadia mentirosa. — Cruinn bufou uma risada.
— E tudo o que sai da boca dela é tão vil como se saísse da bunda
dela.
Bayodan olhou mais fundo no mercado. — Você conhece a
história de Dagda e Bres?
— Ouvi seus nomes e conheço as histórias humanas… Mas
suspeito que estejam muito erradas.
— Dagda e Bres eram irmãos. Dagda, o Rei Seelie, e Bres, seu
parente meio-demônio, usava a Coroa de Prata dos Unseelie. E sim,
por um tempo, tudo parecia tão bem quanto poderia. Houve lutas, é
claro, entre a nossa espécie. Batalhas de vez em quando,
escaramuças e esquemas. Pois o que os imortais devem fazer senão
jogar esses jogos?
— Eu suponho... — Eu pessoalmente adotaria um hobby diferente.
— O rei Dagda propôs uma grande celebração. Uma festa para
celebrar a virada da estação. Grande magia foi trabalhada para
pairar sobre o mundo ao amanhecer para que ambos os grupos
pudessem comparecer. — A mandíbula de Bayodan se contraiu, e
ela se perguntou por um momento se ele não estava lá pessoalmente.
Sua resposta veio um momento depois. — E Dagda assassinou Bres
perante todos nós. Disse que era porque os modos assassinos do
Unseelie não podiam continuar. Que ele era justo em sua ação. Que
foi uma misericórdia. Ele esperava que, com o trono vago, não
haveria ninguém para se levantar contra ele.
— Seus planos não tiveram sucesso, claramente.
— Você sabe por quê?
— Não.
— Valroy. — Bayodan virou-se para ela, e ela decidiu que
nunca se sentiu tão pequena em sua vida como quando o rei-bode
olhou para ela com um olhar tão exigente, frio e desaprovador. —
Estávamos à beira da extinção quando Morrigan o criou no campo
de sangue. E é apenas por causa de seus esforços que todos aqueles
que você vê perante você podem respirar.
Sim. Ela se sentia muito pequena. — Isso não tolera a tortura.
— Talvez sim. Talvez não. — Bayodan estendeu a mão. —
Venha, Abigail. Não desejo testemunhar mais massacres em minha
vida.
Era novamente a opção do javali.
Ela balançou a cabeça. — Eu... Eu não posso. Eu não vou.
— Nós poderíamos tomar a forma dela. — Cruinn deu um
passo em direção a seu companheiro. — Sermos como Abigail e que
eles nos contaminem o quanto quiserem.— Ele riu. — Você sabe que
vamos gostar.
— E isso deveria ser descoberto? Alguém poderia estar nos
ouvindo agora e revelar? Não. Não vou correr esse risco. Sinto
muito, Abigail. Eu realmente sinto. Mas se você não fizer as pazes
com nosso povo, o príncipe fará isso por você com fogo e lâmina. —
Bayodan deu um passo em direção a ela, e ela viu como os olhos que
estavam escondidos em seu rosto – os cinco extras que adornavam
sua testa e maçãs do rosto – se abriram para fitá-la. — Posso garantir
que pareça nada além de um doce sonho.
Ela sabia o que viria a seguir e se virou bruscamente. — Não!
— Quando a mão dele agarrou seu pulso, ela rosnou, e...
Bem, ela era abelhas mais uma vez. Mil mentes minúsculas e
um bilhão de pequenas facetas de olhos. Era tão desorientador como
sempre foi.
Ela se afastou dele e foi para o mercado, procurando um lugar
para se esconder. Ela podia ouvir os dois gritando por ela.
Escorregando pelas aberturas ao redor da aba de uma barraca, ela a
encontrou vazia e deixou seu corpo se reformar.
Caindo de joelhos, ela lutou para endireitar sua visão
rodopiante. Ela não gostava de ser abelhas. Ela não gostava nem um
pouco de ser elas. Mas era útil, ela tinha que admitir.
O que eu devo fazer? Havia sentido nas palavras de Bayodan.
Havia um sentido absoluto nelas. Ele estava certo. Mas ela não
conseguia fazer o que ele pediu. Não apenas por causa da
humilhação, mas porque ela não achava honestamente que deveria
ter que se desculpar.
Ela não tinha feito nada de errado.
Não sofrerei simplesmente porque os Unseelies têm fome de guerra
desnecessária. Mas, talvez, os Seelies fossem tão ruins quanto.
— Oh!
Virando-se bruscamente, ela caiu de bunda e se afastou da
pessoa que havia entrado na barraca, só então percebendo que suas
pernas eram as de um cervo, e ela possuía uma cauda longa e
farfalhante.
A figura congelou.
Ela também.
E em seu choque, ela também percebeu... Ela o reconheceu.
Para ser justa, era difícil confundir um homem que não tinha
cabeça nenhuma. O olho em um fio que girava atrás da grande lupa
suspensa na frente dele também era muito difícil de esquecer. — L-
Lorde Gregory Wilson?
O homem gaguejou inutilmente por um longo momento e deu
um passo para trás. Ela percebeu, na mais estranha reviravolta do
destino, que ele estava com medo dela. — Estou... Estou prestes a
morrer? — Ele fez a pergunta em um sussurro.
De pé lentamente, ela abraçou seu manto ao redor dela. — Não.
Não quero te fazer mal, eu juro.
— Mas eu ouvi... Eu ouvi que você declarou guerra a nós. —
Seus ombros pareciam relaxar um pouco. Era difícil ler suas feições,
já que ele não tinha nenhuma. Mas sua linguagem corporal era
expressiva, pelo menos.
— Não aos Unseelies. Talvez à Valroy. Mas, apesar do que
todos parecem pensar, os dois não são a mesma coisa. — Ela fez uma
pausa. — Estou tentando me esconder.
— De... Oh. Eu ouvi os gritos. — Ele deu um passo em direção
a ela e baixou a voz de volta para um sussurro. — Por que você está
se escondendo?
— Eu não desejo ‘pedir desculpas’. — Ela franziu a testa.
— Ah. Sim. Prática bárbara, ‘desculpas’ Unseelies. — Ele
suspirou. — Eu não culpo você. Nem acho que você deveria ter que
pedir desculpas.
— Você não acha?
— Eu sou... — Ele gesticulou para onde sua cabeça deveria
estar. — Eu não sou feérico. Não verdadeiramente. Eu não pertenço
muito aqui, com os Unseelies. E agora que a mulher que me criou
está morta, e a tentativa de Lady Astasha de me usar como presente
de casamento é inútil, estou chocado por ainda não estar morto. —
Ele riu, como se isso fosse engraçado. Ela não entendia o porquê. —
Sente-se. Eu não vou alertá-los. Temo que você terá uma longa
espera até o amanhecer.
Lutando contra a vontade de agradecê-lo, ela encontrou um
lugar perto de um móvel. Sentada no chão, abraçando os joelhos
desumanos, ela sorriu para ele. — Vou tentar me fazer passar
despercebida.
— Dificilmente. Eu tenho tantas perguntas para você.— Ele
puxou uma cadeira e sentou-se perto. — Em primeiro lugar, como é
morrer? Ah, não. Em primeiro lugar, em que ano estamos na Terra?
Oh espere...
Lorde Wilson estava certo. Ela ia ter uma longa espera pelo
amanhecer.
CAPÍTULO DEZENOVE
— Você fez o quê?
Valroy agarrou a borda de sua mesa e a jogou de lado. A peça
de madeira esculpida caiu pesadamente no chão, enviando todo o
seu conteúdo para o chão de mármore. Vários copos quebraram. Ele
não se importou.
Ele olhou ferozmente para Bayodan, que ficou ali assistindo
sua demonstração de temperamento impassível, as mãos cruzadas
ordenadamente atrás das costas. Valroy rosnou, gritando com o
cortesão. — O que é que você fez? Onde ela está?
Bayodan olhou para o sol que estava surgindo no horizonte,
fortemente velado pelos céus sombrios do Labirinto. — Com o
pessoal dela agora, eu espero.
— Seu bastardo. — Valroy estava fervendo, seus punhos
cerrados, unhas perfurando suas palmas. Ele não se importava com
o sangue que escorria delas. Elas iriam curar. — Você sabe
exatamente o que fez.
— Eu não infringi nenhuma lei. Eu não quebrei nenhuma
etiqueta. Como seu guardião, eu não podia permitir que ela
continuasse em perigo aqui no Labirinto. Mas como um lorde
Unseelie, fui obrigado suas desculpas. — A resposta retumbante do
rei dos bodes foi fria e real. Como se ele não tivesse acabado de trair
Valroy entregando Abigail de volta à proteção dos Seelies.
Porque Valroy estava zangado com ela.
Não, ele estava furioso.
Mas deveria ter sido sua decisão sobre como ele buscaria
recompensa por seu ato de violência contra o Labirinto. Não de
Bayodan. Mas o bode estava certo. Bayodan não havia infringido
nenhuma lei. Ele tinha seguido o protocolo correto.
E não fez nada além de alimentar a raiva de Valroy.
— Você a levou ao mercado e disse a ela o que ela deveria
fazer, sabendo que ela fugiria de você. Sabendo que ela buscaria o
abrigo de seu povo. — Valroy arreganhou os dentes em um
grunhido raivoso. — Não seja estúpido comigo!
— Levá-la diretamente para os Seelies, ou escondê-la até o
amanhecer, teria me tornado culpado de sua punição. — Bayodan
deu de ombros com desdém. — E eu não fiz isso. Minhas ações estão
acima de qualquer suspeita.
A mandíbula de Valroy se contraiu. Ele abriu bem as asas, mas
sabia que não havia nada que pudesse fazer para intimidar o lorde
mais velho. — Eu deveria te despedaçar por essa traição.
— No entanto, você não pode. Pois você não tem motivos para
isso. Isso não foi traição. — Bayodan se virou e se afastou dele em
direção à linha da floresta. — Quando eu cometer traição, você
saberá. — Ele desapareceu.
Valroy rugiu e destruiu outra mesa em sua ira. O rei bode
poderia ter escapado da punição – por enquanto – mas isso não
importava. A fútil raiva de Valroy esfriou e ele riu baixinho do
absurdo da situação.
A mulher que ele amava provavelmente o desprezava. Abigail
havia destruído seu bosque de Salgueiros Chorões, mas ela lhe dera
a desculpa perfeita para a guerra. Ela não lhe dera a mão em
casamento, mas ele ainda tinha tudo o que sempre quis.
Guerra.
A Seelie logo estaria sob seu calcanhar, e ele poderia tê-la de
volta acorrentada. Ela se tornaria seu pequeno animal de estimação;
ele cuidaria disso. Ela assistiria o resto de seu povo ser transformado
em abominações muito piores do que as árvores que ela derrubou no
chão.
Sim. Eles sofreriam pelo que ela havia feito.
Mas ele... Estava infeliz.
Não, ele estava mais do que infeliz. Ele lamentava. A dor
engoliu seu coração, quase tanto quanto quando ele acreditava que
nunca mais a veria. Ele queria colocar uma coroa de prata em cima
de sua cabeça e torná-la sua rainha. Ele queria declarar guerra aos
Seelies e ao mundo mortal com ela de pé ao seu lado, não ajoelhada
a seus pés.
Bem, tudo bem, eu não diria não a este último, independentemente.
Mas não. Ela havia atacado o Labirinto. E ao fazer isso, ela o
atacou e seu povo. No rescaldo de sua raiva, ele soltou um longo
suspiro e se sentou na cadeira que não tinha mais uma mesa na
frente dela. Ele não se importou. Inclinando a cabeça no encosto, ele
fechou os olhos.
Ele teria sua guerra.
Ele teria sua Abigail.
E ele estava miserável.
— Eu acredito que odeio estar apaixonado — ele murmurou
para ninguém em particular. — Eu acho que isso é bastante terrível.
Mas era o que era. Não havia como escapar disso agora. E
também não haveria escapatória para ela. Não se ele pudesse evitar.
Batendo os dedos no braço da cadeira, ouvindo as pontas de
suas unhas contra a madeira, ele começou a rir. Oh, pobre Abigail.
Ele se perguntou se alguém já havia contado a ela o que ela havia
feito. Que ao ferir o Labirinto, ela havia declarado guerra aos
Unseelies.
E ele responderia na mesma moeda.
Ele sorriu. Quão maravilhosamente perfeito era que ela fora a
única a provocar suas guerras.
Sentindo alguém se aproximar, ele virou a cabeça. Um goblin,
de pele bulbosa e cinzenta, vinha cambaleando em direção a ele,
curvado em súplica e medo. Ele zombou. — O que é?
— Uma mensagem, Mestre. — A criatura estendeu um
pergaminho, envolto em fio dourado e marcado com um selo de cera
branca.
A marca da Rainha Titânia.
Franzindo o cenho, ele pegou o pergaminho da criatura e
acenou com a garra de sua asa, dispensando o goblin. Ele podia
ouvi-lo se afastar rapidamente, ansioso para sair de sua presença.
Desembrulhando o pergaminho, ele não se preocupou em ler a
escrita fluida e ornamentada em ouro que adornava o papel. Ele não
precisava.
Pois uma flor vermelha caiu do pergaminho.
E ele rugiu de raiva.

Quando o sol começou a nascer, a cabeça de Abigail estava


cambaleando por toda a conversa que ela teve com Lorde Wilson.
Era tudo terrivelmente fascinante - havia tanta informação que o
inventor aprendera sobre todos os diferentes aspectos de Tir n’Aill.
Suas previsões do futuro, o movimento das estrelas, a forma como a
sociedade se formou e como novos feéricos eram criados.
Mas era tudo bastante vertiginoso.
E bastante comicamente unilateral.
Ela tinha sido uma plateia literalmente cativa, escondida em
sua barraca de mercado como tinha estado, esperando o amanhecer
chegar. E o pobre homem sem cabeça parecia em êxtase com a chance
de ter alguém para ensinar e explicar todas as suas descobertas. Mas,
minha nossa, ela estava exausta quando ele se virou no banco em
que estava sentado, seu único olho na haste de metal que o mantinha
preso ao pescoço girando para ver o céu começar a clarear.
— Oh. — Ele bateu as mãos nas coxas. — Vejo que nosso tempo
juntos terminou. Espero não ter te entediado terrivelmente.
— Não foi nem um pouco entediante — ela respondeu
honestamente. — Esmagador, talvez, mas dificilmente entediante. —
Ela riu e se levantou de onde estava sentada, limpando a sujeira de
sua calça. Caminhando até ele, ela sorriu e estendeu a mão. —
Obrigada. Eu realmente quero dizer isso.
— Claro! Claro. — Ele apertou a mão dela com entusiasmo. —
Você é algo especial, Sra. Abigail Moore. E eu só posso esperar que
tudo isso acabe. O que você fez dificilmente foi um ato de guerra.
Mas você sabe como esses feéricos podem ser. Com toda a sua
arrogância e pompa. — Ele bufou. — A atual companhia excluída.
Rindo, ela estendeu a mão para abraçá-lo, e ele gaguejou por
um momento antes de abraçá-la de volta. — Espero que nos
encontremos novamente, Lorde Wilson.
— Gregory, por favor.
— Gregory. — Ela deu um passo para longe dele. — Você tem
sido um bom amigo para mim. Eu não vou esquecer isso.
Ele gaguejou novamente, mudando seu peso de um pé para o
outro, quase timidamente. Ela se perguntou se ele estaria corando, se
ele... Bem, tivesse um rosto. Finalmente, ele limpou a garganta -
como ele ainda conseguia falar, ela não tinha coragem de perguntar -
e fez uma reverência. — Até então, minha senhora. Devo ir, antes
que o sol nasça.
— Até então. — Puxando o capuz sobre a cabeça, ela olhou
para o mercado. O sol começava a espreitar no horizonte. — Eu... —
Olhando de volta para onde Gregory estava parado, ela não o
encontrou mais lá. Ela sorriu.
Saindo da barraca, ela observou a transformação do mercado
enquanto a luz do sol começava a varrer as barracas de tecido. Azuis
escuros, pretos e pratas se transformaram em verdes brilhantes,
rosas e dourados. A escuridão melancólica tornou-se o brilho das
folhas de outono.
Ela ficou sem fôlego para ver o mundo mudar diante de seus
olhos.
Noite para dia. Escuridão para luz. Unseelie para Seelie.
Com um suspiro, ela encontrou seus pensamentos voltando
para Valroy. Ele estava com raiva dela. Como ele deveria estar, ela
supôs. Ela havia destruído todo o bosque de Salgueiros Chorões. E
talvez tenha começado a guerra que ela tanto tentava evitar.
— Lá está ela!
Virando-se, seus olhos se arregalaram quando uma pesada
corrente de ferro torceu seu pescoço. O toque do metal queimou sua
pele, e ela gritou quando a arrastou para o chão. Mais correntes se
juntaram à primeira, e logo ela estava amarrada, os braços atrás das
costas, o rosto pressionado contra a grama e a sujeira.
— O que est...
Uma mordaça de pano foi enfiada em sua boca, apertando bem
atrás de sua cabeça.
Um soldado, facilmente identificado pela armadura dourada
que usava, estampada no padrão de folhas e trepadeiras, olhou para
ela. — Levem-na para a rainha.

— Eu... Ah... Hum... — Perin limpou a garganta e deu um


passo para trás da cena diante dele. — Voltarei outras vezes. — Ele
guardou o saco de comida e vinho que trouxe nas costas. Ele levou o
café da manhã para Anfar, pois suspeitava que o lorde Unseelie não
estava se alimentando adequadamente. O sol estava começando a se
pôr, e ele sabia que Anfar provavelmente não havia dormido. O
vinho ajudaria nisso - e os próprios nervos em frangalhos de Perin.
Mas ele não encontrou a criatura marinha emburrada.
Bem, ele havia encontrado Anfar. Mas em vez de encontrá-lo
sentado na margem ou flutuando no lago como sua verdadeira
forma, Perin encontrou Anfar parado ali, com uma expressão tensa
no rosto, enquanto observava o Príncipe Sangrento andar com raiva.
E ambos pararam para olhar para Perin quando ele chegou.
Anfar com curiosidade silenciosa, e Valroy com raiva desenfreada.
— Aquela vadia foi longe demais! — Valroy gritou com ele, e
foi preciso tudo em Perin para não virar as costas e fugir da realeza
furiosa.
Mas Anfar o observava com um olhar que implorava
silenciosamente “por favor, não me abandone com esse problema”.
Perin fez o possível para manter o equilíbrio. — Abigail?
— Titânia — Anfar murmurou.
Valroy rosnou alto, seus dentes à mostra, e ele abriu suas asas.
— A punição dela é minha para decidir! Minha! — Ele jogou algo em
Perin.
O selkie deu um pulo para trás, surpreso, esperando que fosse
uma arma, uma pedra ou algo terrível. Era um pedaço de papel
enrolado. Pegando-o do chão a seus pés, ele o alisou e teve que
apertar os olhos para ler o roteiro excessivamente sofisticado. Ele
tinha dificuldade em ler em um bom dia, e ele teve que falar várias
palavras em voz alta. Ele as murmurou para si mesmo enquanto lia.
— Para evitar a guerra, eu decretei que as ações da bruxa Ab...
Abigail Moore são... Cata... Cata...
— Catastróficas. — Anfar sorriu levemente para ele, algo
parecido com simpatia em seus olhos.
Mas Valroy estava impaciente demais para deixar Perin
terminar. Ele arrancou o papel amassado de suas mãos e o rasgou
em pedaços. — Ela planeja executar Abigail!
— Espere... O quê? — Perin sentiu seus olhos se arregalarem.
— Para evitar a guerra, ela planeja matar Abigail! — Valroy
fervia. — Ela sabe o que está fazendo. Ela sabe. Aquela puta
rancorosa e maldosa!
— O que nós fazemos? — Perin franziu a testa.
— Tenho a chance de negociar ao entardecer. Eu vim buscar
Anfar. — A raiva do príncipe esfriou de sua fúria incandescente para
algo mais calmo, e Perin assumiu, muito mais mortal. Ele endireitou
os ombros, elevando-se a toda a sua altura. — E acho que você virá
conosco.
— Eu? — Perin deu um passo para trás. — Por que? Não! Eu
não sou útil para...
— Você é amigo dela. Ela pode estar ferida. Se Anfar e eu nos
encontrarmos em uma batalha contra Titânia e todos os seus
soldados, podemos precisar de você. Ela pode precisar de você. —
Valroy zombou, claramente gostando de usar as simpatias de Perin
contra ele.
Ele deveria ter deixado tudo em paz. Ele deveria ter deixado
todos resolverem suas próprias tolices. Por que não posso cuidar das
minhas próprias coisas? Por que eu tenho que ser sugado assim? — Eu...
Hum.
— Por favor — acrescentou Anfar.
E lá estava. O prego em seu caixão. Com um suspiro, ele
passou a mão pelo cabelo desgrenhado, jogando a outra mão para
cima em exasperação. — Certo. Por que não? Eu poderia muito bem
morrer hoje.
— Que mentalidade maravilhosa. — Valroy revirou os olhos.
— Você é tão ruim quanto ele. — Ele apontou o polegar para Anfar.
— Venha. Nós não temos muito tempo.
O olhar que Anfar lançou para ele quando Valroy virou as
costas quase fez Perin bufar de tanto rir. Ele se contentou com um
sorriso e ficou surpreso ao encontrar Anfar sorrindo de volta para
ele. Mas o momento não durou muito. O príncipe estava ansioso
demais para partir.
Ele gritou sem se virar para encará-los. — Agora!
Abigail foi forçada a ficar de joelhos diante do trono, correntes
de ferro apertadas ao redor de sua garganta. Seus pulsos estavam
atrás das costas, os elos de metal queimando nela. Ela podia sentir
algo quente escorrendo de um ponto em sua garganta e suspeitou
que fosse sangue. Doía.
Mas seu coração doía ainda mais.
Erguendo a cabeça, ela se encolheu e olhou de volta para o
chão de pedra calcária diante dela. A expressão no rosto de Titânia
era aquela que ela deveria ter esperado da mulher desde o primeiro
momento em que se conheceram.
Imperial, severa, real... E desaprovadora.
— Você desfez a todos nós, Abigail Moore. — As palavras de
Titânia eram frias e feriram mais profundamente do que ela
esperava. — Sua pobre criança idiota.
O que ela deveria dizer? Lágrimas ardiam em seus olhos.
Abaixando a cabeça, ela viu um pouco de sangue escorrer de seu
pescoço para o calcário. Isso a lembrou de Astasha. É isso que vai ser
de mim? Torturada e mutilada além de todo reconhecimento? — Quando
eu vi os Salgueiros Chorões e ouvi seus gritos silenciosos, eu... Tive
que acabar com a dor deles. Eu tinha...
— E ao fazer isso, você nos condenou a todos! Aquele bastardo
meio demônio tem tudo o que precisa para argumentar corretamente
pela guerra! Você é Seelie. Você tem um dever para com seu povo,
acima de tudo. Suas vidas já haviam acabado. Tão bons quanto
mortos. E agora você nos enviou todos para se juntar a eles! —
Titânia estava fumegando, e Abigail podia sentir-se enrolando-se
mais em si mesma, tentando se tornar menor. — E agora, eu descobri
com meus espiões que você teve sua chance de se desculpar com os
Unseelies por sua agressão ingênua, e você recusou!
A corrente ao redor de sua garganta puxou sua cabeça para
cima, forçando-a a olhar para a rainha. A mulher não tinha acabado
com sua fúria. Levantando a mão, ela a moveu, atingindo Abigail na
bochecha com as costas. O golpe foi mais forte do que Abigail
esperava, e a enviou esparramada nas pedras.
— Você afirma querer nos poupar de Valroy e suas guerras. No
entanto, você deseja poupar sua própria pureza e orgulho em primeiro
lugar. O bode deu a você a chance de corrigir seus erros, e você
correu e se escondeu como uma pirralha mimada.
Abigail conseguiu ficar de joelhos, mas não levantou a cabeça.
Lágrimas escorriam pelo seu rosto agora, e ela não conseguia nem
enxugá-las. E verdade seja dita, ela não queria. — Você está certa.
Eu... Eu deveria ter feito o que ele me pediu.
— Não muda nada. Só há uma coisa que você pode fazer agora
para nos salvar.
Que maneira estúpida de morrer. Titânia não disse as palavras,
mas seu tom lhe disse tudo o que precisava saber. — Quando?
— Ao entardecer. Dei ao seu amante pútrido uma última
chance de negociar. — Titânia se virou para ela, caminhando em
direção à saída da sala do trono. — Talvez sua idiotice possa servir a
algum propósito, afinal.
Quem sabia se Valroy estaria disposto a trocar por sua vida,
depois do que ela havia feito?
Eu queria odiá-lo, e eu talvez tenha feito ele me odiar em vez disso.
Os Salgueiros Chorões tinham sido horríveis e além de cruéis.
Mas era... Exatamente o que ela esperava de alguém como o Príncipe
Sangrento. — Não me arrependo do que fiz. O que eu fiz foi um ato
de misericórdia. — Ainda assim, Abigail agarrou-se ao seu manto de
justiça. Talvez ela fosse tão ingênua quanto todos diziam que ela era.
— Mas não pensei nas consequências e, por isso, sinto muito.
— Ela pode ser ensinada. Quão encantador. — Titânia riu, e não
havia bondade no som. — Pena que é tarde demais.
Que maneira estúpida de morrer, de fato.

CAPÍTULO VINTE
Quando chegou o crepúsculo, Abigail tinha chorado todas as
suas lágrimas. Ela não sabia o que esperar do que estava por vir, mas
o enfrentaria com toda a dignidade que pudesse. Ela ainda estava de
joelhos quando a beira do sol tocou o horizonte, e a sensação da sala
do trono mudou de repente.
A escuridão havia chegado.
E a escuridão estava com raiva.
Saindo das primeiras sombras que se formaram ao longo das
bordas das árvores que cercavam a sala do trono estava uma figura
que, apesar de sua história juntos, ainda a fazia encolher de medo. A
expressão de Valroy era tão fria quanto um lago congelado de
inverno, mas puro ódio queimava naqueles olhos brilhantes de
safira. Sobre seu ombro havia uma faixa azul profundo, enfiada em
padrões prateados, e ao seu lado pendia uma espada perversa de
lâmina preta.
Seu olhar foi para ela, mas não se demorou. O que quer que ele
pensasse sobre seu estado atual de ser, acorrentada e sangrando
como estava, ela não sabia dizer. Ele não deu nada a ela.
Mas ele não estava sozinho. Como o fantasma de todos aqueles
perdidos no mar, emergindo da sombra atrás do príncipe, estava
Anfar. E ao lado da fera marinha em sua forma humana havia outro
rosto que ela não esperava. Perin. O marinheiro que virou selkie era
o único que olhava para ela com algo como pena ou
arrependimento. Embora sua expressão também fosse marcada pelo
medo. Ela não era a única que provavelmente se sentia
poderosamente fora de seu alcance.
Titânia e Oberon deram um passo à frente para
“cumprimentar” os visitantes, ambos vestidos com roupas muito
mais régias do que Abigail os tinha visto antes. Um círculo de ouro
repousava na cabeça de Titânia, construído para parecer trepadeiras
que cresceram umas sobre as outras em um padrão intrincado e
delicado. Seu vestido era do rosa mais puro, como rosas da
primavera, e o tecido transparente cobria seu corpo e seguia atrás
dela.
Oberon estava de armadura. As peças excêntricas e
assimétricas que o cobriam combinavam com as armaduras dos
soldados ao seu redor, ainda que mais elaboradas. Cobria mais um
braço do que o outro e deixava um ombro nu.
Ambas as partes vieram para a guerra.
E era culpa dela.
O soldado que estava ao seu lado se mexeu. Ele era quem
segurava a corrente de ferro que circundava sua garganta. Ela
assumiu que não o queimava através de suas grossas luvas de lona.
Na outra mão estava um machado de carrasco. A lâmina era pesada,
e ele a apoiou no chão. Ela ouviu o tecido de sua outra luva ranger
quando ele apertou mais. Seus olhos estavam fixos em Valroy.
A mensagem era clara.
— Príncipe Valroy, Grão-Senhor dos Din’Glai, nós o
cumprimentamos. — O queixo de Titânia estava erguido, sua
postura calma. Se ela estava com medo da criatura que estava
olhando para ela como uma cobra pode olhar para sua próxima
refeição, ela certamente não demonstrou. — Estou feliz que você
tenha vindo para testemunhar a morte da bruxa Seelie. Pois as ações
dela não foram nossas, e sua emissão de guerra não foi nossa.
— Houve um tempo em que eu a acusaria de mentir, rainha
Titânia. — Valroy deu um passo em direção a ela. A mão de Oberon
foi descansar no punho de sua espada. Ele zombou. — De convencer
uma de suas criações a destruir uma parte do meu Labirinto, apenas
para alegar inocência na ação. Mas não acho que seja o caso neste
cenário. Pois conheci nossa querida Abigail Moore e a conheço. Suas
ações eram dela mesma.
Titânia franziu a testa por um momento. — Portanto... Você
não pretende fazer guerra?
— Eu nunca disse isso. — Ele riu, sua voz um ronronar
profundo e perigoso. Ele claramente se deleitava com o que estava
acontecendo. Ele desfraldou as asas de suas costas, espalhando-as e
apagando os raios desvanecidos do sol como uma espécie de dragão
de pesadelo. Onde ele lançava sombras, ela observava o mundo
mudar das cores e superfícies da luz do dia dos Seelies para as do
assustador e sinistro Unseelie. — Por que eu teria algum motivo
para desculpar as ações de um dos seus? Não, estou apenas dizendo
que não coloco a culpa em você.
Titânia franziu a testa. — Então vamos cortar a cabeça dela de
seus ombros, como oferta de paz.
— Nisso você está enganada, Rainha Titânia. Pois ao fazer isso,
você estará assassinando minha pretendida. Ela é minha princesa,
como você bem sabe. — A expressão de Valroy perdeu sua alegria
maliciosa, deixando para trás apenas uma fria crueldade. — E
assassinar minha princesa seria digno de guerra, você não acha?
— Você ainda pretende se casar com ela, mesmo depois do que
ela fez? — Titânia bufou uma única risada. — Você está tão
desesperado para usar a coroa que se casaria com uma mulher que
agiu tão duramente contra você? Que claramente despreza tudo o
que você é?
— Resumidamente? Sim. — Ele sorriu, uma torção fina em seus
lábios. — E ela não é tão terrível para foder, também.
Abigail encontrou forças para lançar-lhe um olhar, suas
bochechas aquecendo no que ela tinha certeza que era um rubor.
Mas ele não estava olhando para ela. Ele não havia tirado o foco de
Titânia uma única vez durante toda a conversa.
Titânia balançou a cabeça. — Você não vai se casar com ela. Ela
é minha prisioneira.
— Você se encontra em um beco sem saída, Seelie. Se você
matá-la, eu mato você. Se você continuar a contê-la? Farei guerra
contra seu povo para libertá-la. Se você a entregar para mim, eu me
casarei com ela... E destruirei todos vocês. — Sua expressão se
dividiu em um sorriso malicioso. — Eu ganho, Titânia, não importa
como você veja o tabuleiro.
— Ela não quer se casar com você — afirmou Titânia, franzindo
o nariz em desgosto. — Você a forçaria a fazer uma coisa dessas?
— Foi-se o tempo que uma vez eu desejei ganhá-la ao meu
lado. Mas depois que ela destruiu os Salgueiros Chorões, agora vejo
que tal coisa é impossível. A barganha entre nós agora não existe
mais. — Ele deu de ombros preguiçosamente. — Resumidamente?
Sim. Vou acorrentá-la como você fez e mantê-la como meu pequeno
animal de estimação Seelie.
— Você mais uma vez prova a todos nós que você não é nada
além de uma besta degenerada. — Titênia fez uma careta e então
suavizou sua expressão. — Não. Eu não vou deixá-la ser submetida
a tal desgraça. Tal tortura. Eu preferiria tê-la morta do que ser sua
noiva de estimação.
Valroy rosnou. Olhando para o sol poente, ele visivelmente
forçou sua raiva de volta para trás do véu de frieza. — A penitência
dela é minha para dar. Não é sua.
— Se vamos ter guerra, não importa o que eu faça, o que
importa se ela viver ou morrer? — Titânia sorriu levemente para ele.
— Você terá sua coroa, Príncipe Valroy. Mas você se sentará no
trono sozinho.
— Dê ela para mim, Titânia. — Valroy cerrou o punho, os nós
dos dedos ficaram brancos. — Ela é minha.
— Eu não acho que ela concorda com você. E mais importante,
nem eu.
Os pensamentos de Abigail estavam girando. Ela tinha que
fazer alguma coisa, mas o que ela poderia fazer? O que ela poderia
dizer? Este desastre era culpa dela. Sem saber o que estava fazendo,
sem um plano, ela invadiu a discussão entre eles. — Posso falar?
A Rainha Titânia e o Príncipe Sangrento se viraram para
observá-la, e ela nunca em sua vida se sentiu tão examinada. Ambos
eram como deuses – estátuas de criaturas poderosas, forças da
natureza – e ela não podia lutar com eles.
— Eu... Eu não me desculpo por libertar as almas presas nos
Salgueiros Chorões. — Ela encontrou o olhar de safira de Valroy e se
forçou a mantê-lo, independentemente do quanto desejasse se
esconder dele. — Eu pedi para ver algo que me faria odiar você,
Príncipe Valroy. E você me mostrou um horror além da minha
imaginação. Você fez apenas o que eu pedi, e... Embora eu sinta que
minhas ações foram misericordiosas, lamento ter agido contra você.
— Ela endireitou as costas, encolhendo-se quando sentiu as
correntes de ferro ao redor de seu pulso se moverem e pressionarem
mais fundo nas feridas que haviam feito.
— O Labirinto e eu estamos ligados. Quando você agiu contra
ele e trouxe dor, você fez o mesmo comigo. — Ele pressionou a
palma da mão no símbolo tatuado sobre seu coração. Seus lábios se
curvaram em um rosnado, revelando seus dentes afiados.
— Eu não sabia disso.
— Isso teria mudado suas ações? — Ele arqueou uma
sobrancelha azul escura.
Depois de uma pausa, ela respondeu. Parecia errado mentir
para ele. — Não.
Ele riu e balançou a cabeça. — Ah, Abigail. Diga-me, minha
querida, você foi bem-sucedida em seu objetivo? Você me detesta
agora como todo o resto? — Ele abriu os braços para os lados e
curvou-se na cintura alguns centímetros. — Eu sou agora um destino
pior que a morte para você?
Depois de outra pausa, medindo suas palavras, ela respondeu
honestamente mais uma vez. — Não.
Isso pareceu pegá-lo de surpresa, suas feições suavizando-se de
sua insensibilidade sarcástica. Quando ele não respondeu, seus olhos
se alternando entre os dela, ela continuou falando. — Eu não odeio
você, Valroy. Eu odeio as coisas que você faz. Eu odeio o que você
força os outros a suportar. Eu nunca vou tolerar sua barbárie ou a
angústia que você lança sobre os outros. Mas você... É o que você é.
E você nunca procurou esconder sua natureza de ninguém, inclusive
de mim. — Ela sorriu levemente para ele. — Eu não odeio o lobo
porque ele come as ovelhas.
Silêncio. Todos os olhos estavam sobre ela. Lutando para ficar
de pé, ela finalmente conseguiu se levantar. Foi difícil, com o peso
pesado em volta do pescoço. Em todos os lugares em que a corrente
de ferro tocava parecia a queimadura de uma planta venenosa. —
Príncipe Valroy, Grão-Senhor dos Din’Glai, Mestre do Labirinto,
Campeão do Anel de Sangue... Tenho certeza de que estou perdendo
alguns.
Ele sorriu.
Ela continuou. — Tenho uma proposta para você. Uma
barganha final entre nós. — Dando um passo hesitante em direção a
ele, ela esperou para ver se o guarda a puxaria de volta. Mas quando
ninguém a parou, ela diminuiu a distância até ficar diante dele.
Olhando para ele, ela ficou mais uma vez impressionada com o quão
bonito ele era. O azul escuro de seu cabelo caía em mechas ao longo
da pele de alabastro. A maldade em seu olhar que nunca o deixava.
Mas havia uma estranha tristeza em seus olhos que sempre estava lá,
espreitando por trás da alegria viciosa.
Uma solidão.
E talvez fosse a única saída. — Eu me casarei com você,
Príncipe Valroy. — Ela viu como seus olhos se arregalaram. — Eu
me tornarei sua rainha. E farei isso por minha própria vontade.
Mas... Eu tenho uma condição. Um presente de casamento que peço
em troca.
— Oh? — Ele estendeu a mão para tocar a corrente de ferro que
envolvia sua garganta, pairando os dedos sobre a superfície. Seu
olhar foi para o pescoço dela, como se examinasse as feridas abertas.
— Não me diga que deseja que eu interrompa meus planos de
guerra.
— Não. Eu sei melhor do que isso.
A mão dele envolveu a corrente e a puxou para ele, quase
desequilibrando-a. Seus pulsos ainda estavam amarrados atrás das
costas, e ela não conseguia afastá-lo. — Então... Fale.
— Eu não vou pedir para você parar sua guerra. Só peço que
adie. Mil anos de paz.
Rindo alto, ele agarrou seu quadril com uma de suas garras e
puxou seu corpo contra o dele. — E por que eu deveria concordar
com isso?
— Mil anos não é nada para imortais como você. O que
importa se você os destruir agora ou depois?— Ela baixou a voz,
murmurando para ele. — Além disso, até lá você pode estar cansado
de me foder. Talvez.
Isso o fez gargalhar – uma risada de verdade dessa vez – e
inclinou a cabeça para ela e sussurrou: — Eu não tenho tanta certeza.
Mas ver você assim, amarrada e contida, certamente chamou minha
atenção. — Ele puxou seus quadris apertados contra ele, e ela sentiu
a prova de seu desejo pressionando contra ela. Endireitando-se, ele
se dirigiu a ela mais alto. — Talvez você esteja certa. Talvez eu esteja
muito distraído com minha nova noiva para destruir
adequadamente meus inimigos. — Ele a empurrou um passo e
voltou sua atenção para Titânia. — Eu concordo com este acordo. O
que você diz, Rainha Titânia?
Abigail virou a cabeça para observar a rainha. Titânia
observava a situação com todos os maneirismos de uma pessoa que
ganhara em uma mão de cartas quando tinha certeza de que seu
oponente estava trapaceando. Seus dedos bateram contra sua coxa
em um padrão rítmico. — Mil anos de paz.
— Sim. Como um presente para minha noiva disposta. Eu me
absterei de declarar guerra ao seu povo, ou aos humanos, por mil
anos. Isso não inclui reciprocidade. Se o seu povo agir contra mim,
então o acordo está cancelado.
— Gostaria de excluir Abigail dessa cláusula. — Titânia a olhou
com desaprovação. — Suas ações não refletirão mais sobre as dos
Seelies.
— Claro. Ela será minha rainha. — Sua mão caiu sobre o ombro
de Abigail, pesada e como o fechamento de uma porta. — Será
minha responsabilidade discipliná-la. — Seu aperto aumentou.
— Então temos um acordo. Você pode se casar com ela. E isto
trará um tempo de prosperidade e paz entre nosso povo por mil
anos. — Titânia ergueu o queixo. O sol estava quase se pondo, e
cada vez mais a sala do trono estava coberta de sombras. Abigail
podia ver criaturas à espreita ali, olhos brilhantes observando os
procedimentos. Bogles parecidos com espectros que mal eram
visíveis, e os goblins volumosos, curvados e desfigurados.
Seu exército.
Ele estava disposto a lutar por ela.
Voltando sua atenção para ele, ela o encontrou sorrindo para
ela. Ele abaixou a cabeça para beijar sua bochecha, e então se
demorou em seu ouvido para sussurrar palavras que eram apenas
para ela. — Você achou que eu iria deixar você ir? A mulher que eu
amava morreu uma vez diante dos meus olhos. Eu não ia deixar isso
acontecer duas vezes.
Ele a torceu, encarando-a longe dele, e ela sentiu as correntes
ao redor de seus pulsos afrouxarem e a liberarem. A que estava ao
redor de sua garganta caiu no chão um momento depois. A
queimação instantaneamente começou a desaparecer, mas quando
ela examinou seus pulsos, ela estremeceu com as marcas dos elos
que foram claramente deixados, a pele crua e escorrendo sangue.
— Em poucos dias, os Unseelies finalmente terão seu rei. —
Valroy riu, puxando Abigail de costas para seu peito, descansando
uma mão em cada um de seus ombros. — Com uma rainha Seelie de
pé ao lado dele, realmente isso será motivo de celebração. Você não
acha, rainha Titânia?
Os monstros Unseelies na escuridão cacarejaram em
gargalhadas, ressaltando perfeitamente o sarcasmo de seu príncipe.
A expressão no rosto de Titânia era de pura antipatia. — Sim.
Deve ser. Venham, meus cortesãos. A lua nasce e devemos ir
embora. — Ela fez uma careta. — Que os deuses protejam você,
Abigail. — Ela se virou e caminhou em direção à luz do sol restante.
Oberon seguiu um segundo depois, fixando uma última expressão
de ódio diretamente em Valroy.
Quando eles se foram, ela sentiu uma terrível tensão derreter
dela. Mas ela ainda não estava segura. O aperto de suas mãos em
seus ombros era um lembrete perfeito do que ela acabara de fazer.
Um estrondo baixo de uma risada veio dele. Ela engasgou
quando ele colocou uma mão ao redor de sua garganta, apertando as
feridas, fazendo com que seu som de surpresa se transformasse em
um silvo de dor. Inclinando a cabeça para trás, ele se aninhou perto
de sua orelha. — Garota tola... Você poderia ter pedido dez mil anos,
e eu teria dado a você. — A respiração dele se acumulou contra sua
pele, e ela estremeceu com a sensação.
— Eu...
— Shhh. — Roçando seus dentes contra sua orelha, ele agarrou
sua coxa com uma de suas garras, as pontas afiadas das garras
rompendo o tecido de sua calça e picando sua pele. — Ainda estou
terrivelmente chateado com você, pequena Seelie.
Ela estava tremendo, antecipação e medo torcendo em seu
estômago. Ele a torturaria? Ele a amarraria e esfolaria sua pele de
seus ossos, sabendo que ela se curaria das feridas? — Eu...
— Eu disse shhh. — Ele interrompeu suas palavras facilmente.
— Você vai pagar sua penitência para mim esta noite, pequena
bruxa. Você vai pagar como eu desejar. — Ela podia senti-lo sorrir,
seus lábios estavam tão perto de sua pele. — E você vai pagar de
joelhos.
Era como se o mundo tivesse caído debaixo dela, seu estômago
revirando com uma sensação repentina. Ela só podia tremer em seu
aperto quando ele passou o outro braço ao redor dela, apertando-a
com força.
Quando ele voltou seu foco para a multidão, ela fechou os
olhos e tentou não choramingar. — Temos muito trabalho a fazer!
Espalhem por toda Tir n’Aill. Um casamento como nunca foi visto
ocorrerá quando a lua estiver cheia no céu.
A multidão aplaudiu. Ela lançou um olhar para Perin e Anfar,
que a observavam com o cenho franzido, mesmo que um deles fosse
um pouco mais severo que o outro.
— Venha, minha futura esposa. — Valroy a girou
abruptamente para encará-lo, e ela guinchou com o movimento
repentino. Ele estava sorrindo de orelha a orelha, parecendo muito
com um gato que estava satisfeito consigo mesmo. — Acredito que
temos negócios para fazer.
O mundo caiu debaixo dela. Desta vez, ele os dobrou pelo
espaço. O mundo girava e girava em torno dela, e quando ela estava
mais uma vez ciente de seus arredores, ela estava de pé ao lado de
sua cama.
Antes que ela pudesse reagir, ele a girou e a empurrou. A parte
de trás de suas pernas bateu na plataforma de travesseiros, e ela se
sentou. As mãos dele estavam em sua garganta e, por um momento,
ela se preocupou que ele fosse estrangulá-la.
Mas ele estava pressionando um pano úmido em sua pele.
Valroy suspirou enquanto acariciava as feridas em sua garganta. —
Você é uma tola, Abigail Moore.
Ela não sabia porque, mas tudo pareceu ferver de uma vez. Ela
começou a chorar. — Eu... Eu não sei por que estou chorando. Me
perdoe.
Ele a repreendeu e gentilmente enxugou suas lágrimas. — Você
está sobrecarregada, exausta e com dor. Suas feridas já estão
cicatrizando. — Ele a pegou e a colocou de costas nos travesseiros.
— Quanto ao perdão? — Ele sorriu para ela. — Você não terá nada
disso de mim. Ainda não.
Ele se deitou ao lado dela de lado, colocando uma asa sobre os
dois. Ela fechou os olhos, deixando-se desfrutar do calor dele. O
cheiro dele. Ele era seu caçador, mas também era, da maneira mais
estranha possível, sua segurança. Ela se enrolou nele, estremecendo
quando a ferida ao redor de seu pescoço tocou um pouco do tecido
mais áspero dos travesseiros.
— Você vai me pagar seu peso em carne depois de descansar.
— Ele levantou o pulso dela aos lábios e beijou cuidadosamente a
pele macia. — E talvez eu deixe minhas próprias marcas em você.
Até lá, durma.
Não foi difícil seguir sua ordem.
Descansando a cabeça sob o queixo dele, curvando-se contra a
força dele, ela deixou o sono tomar conta dela.
Ele vai ser meu marido.
Eu serei sua esposa.
Ela havia interrompido seus planos de guerra e se entregado
em troca. Mas... Ela descobriu que não sabia se ela se importava
muito. Que tipo de monstro isso fazia dela? Ela estava nos braços de
um assassino, um torturador e um senhor da guerra. Um homem
que criou criaturas distorcidas para sua própria diversão. Ela
deveria odiá-lo. Mas em vez disso, ela se importava com ele.
E ele a amava.
E isso aqueceu seu coração de uma forma insidiosa e
maravilhosa ao mesmo tempo. Talvez ela não simplesmente se
importasse com ele. Talvez... Ela estivesse se apaixonando por ele
em troca. Talvez ela fosse Unseelie depois de tudo.
Eu vi os Salgueiros Chorões e não foi o suficiente para me afastar dele.
Titânia estava certa em não confiar em mim. — Você vai manter sua
palavra? — ela murmurou, meio adormecida.
— Sim, bruxinha querida. Você tem mil anos para resolver o
Labirinto e encontrar forças para me matar. Você terá sua paz... Por
um tempo. — Ele beijou sua testa. — Agora, shhh, sim?
Mil anos de paz. Não é muito. Mas talvez seja o suficiente.
Eu serei sua esposa, afinal.
Huh.
Abigail sorriu enquanto adormecia.
CAPÍTULO VINTE E UM
Titânia estava andando de um lado para o outro na sala do
trono. A noite tinha chegado e passado, e ela não tinha dormido. Sua
mente estava girando com muitos pensamentos, muitas
possibilidades e muitos resultados.
E assim, ela andou.
Mil anos de paz e um casamento quando a lua estivesse cheia
no céu. Através das ações de Abigail Moore, Tir n’Aill desfrutaria de
uma era de prosperidade e bondade entre suas raças, como não se
via desde o assassinato de Bres por Dagda.
A rainha Seelie deveria estar muito feliz.
Ela deveria estar hasteando bandeiras e anunciando o evento
de gala que uniria seu povo de uma forma que nunca havia sido feita.
Pois nenhum Seelie jamais esteve ao lado de um Unseelie no trono,
ou vice-versa.
Mas ela não estava feliz.
Ela estava furiosa.
Como Abigail ousava colocá-la em tal posição? O príncipe
deveria estar morto, não coroado. Mas a resposta era simples - a
bruxa Seelie havia se corrompido por seus modos. Quem poderia
dizer que a destruição dos Salgueiros Chorões não fazia parte de seu
esquema o tempo todo?
Titânia sabia que devia ter sido enganada. Não havia outra
opção em sua mente. E não podia ficar assim. Mas o que ela poderia
fazer?
Sentindo uma presença, ela se virou e arqueou uma
sobrancelha para o cachorro que entrou trotando na sala, carregando
um pergaminho enrolado na boca. Estava amarrado com uma fita
carmesim, não deixando dúvidas de quem era.
— O que você está fazendo aqui? — Ela torceu o nariz em
desgosto com o cachorro. Seu veneno foi recebido apenas com o
baque feliz de um rabo abanando contra a pedra e a queda do
pergaminho a seus pés.
Revirando os olhos, ela deu um passo à frente e se inclinou
para recuperar a mensagem. Puck lambeu o rosto dela enquanto ela
o fazia, e enquanto ela rosnava e se voltava para bater nele, ele
dançou, latindo e abanando alegremente, antes de correr para as
árvores.
Deuses, ela odiava aquele maldito cachorro.

Valroy acordou antes de Abigail, o que era incomum. Para ser


justo, eles só compartilharam sua cama por um punhado de noites
desde que ela veio para Tir n’Aill. E agora, devido à sua esperteza,
eles tinham a garantia de compartilhar muito, muito mais. Muito
para saber se ele dormia ou não com ela de manhã.
Ela não o odiava.
Isso era tudo que passava por sua mente enquanto ele
acariciava sua bochecha suavemente com o polegar, bebendo nas
linhas suaves de seu rosto. Era raro que ele a visse quando ela não
estava olhando para ele, preocupada ou aterrorizada.
Mil anos de paz. Era um negócio maravilhoso, e ele aceitou de
bom grado. Pois ela estava certa. O que eram mil anos para alguém
que viveria para sempre? Nada. E isso daria a sua nova esposa – ele
sorriu com o pensamento – uma chance de entender quão corruptos
os Seelies realmente eram e quão certo ele estava em desejar destruí-
los.
Por seu palpite, levaria apenas cinquenta anos antes que ela
implorasse a ele para encontrar uma maneira de quebrar a trégua e
matar todos eles. Ele sabia que nunca chegaria tão longe. Pois sim,
ele não iniciaria uma guerra entre seu povo. Mas não havia dúvida
em sua mente de que Titânia quebraria o tratado e faria algo tolo.
Pois Titânia nunca, jamais, permitiria que ele se sentasse no
trono Unseelie como rei. Ela jurou isso no momento em que ele
nasceu neste mundo. As chances de que ela ficasse de braços
cruzados enquanto a coroa de prata era colocada em sua cabeça
eram quase nulas. Ou talvez ela lhe desse uma década. Talvez.
Ele deixaria as cartas caírem onde pudessem. Se ela interviesse,
se fizesse algo tolo, o tratado seria quebrado. Ele teria sua coroa, sua
rainha e sua guerra.
Abigail havia negociado por mil anos de paz.
Na verdade, ela simplesmente negociou para que ele não desse
o primeiro soco.
Ele não precisava começar a guerra.
Mas seria ele quem acabaria com ela.
Mas ele estava deitado de lado, sua bruxinha Seelie em seus
braços, e ele só podia sentir felicidade. Pelas estrelas, eu a amo. Ele se
surpreendeu com a forma como Abigail havia interpretado a
situação. Para todos os efeitos, ela estava praticamente morta.
Titânia não teria hesitado em separar a cabeça de Abigail de seus
ombros, mesmo que isso significasse apenas irritá-lo. No entanto,
Abigail ofereceu a ele e à rainha vadia uma bugiganga que era muito
tentadora para ignorar.
Para Titânia, uma chance de salvar seu povo por mais mil anos.
E para ele, uma noiva. Uma mulher que ele amava. E uma
mulher que ele pensou, talvez, poderia estar começando a amá-lo de
volta.
Ele estava zangado por ela ter atacado o Labirinto. Mas ele, na
verdade, não estava surpreso. Ele havia subestimado o poder dela, e
isso era culpa dele. Ele não sabia que enterrado profundamente sob
seu medo e maneirismos tímidos queimava uma Seelie cujo poder
poderia até diminuir o da própria rainha.
Outra razão pela qual a vadia provavelmente queria Abigail
morta.
Ele sorriu. Se ele pudesse convencer Abigail a lutar ao lado
dele... Ninguém seria capaz de detê-los. Ele se perguntou se ela
ficaria terrivelmente chateada com ele se ele assassinasse a rainha e a
colocasse no trono de ouro.
Provavelmente.
Mas isso era um plano para outro dia.
Abigail se mexeu em seus braços, aconchegando-se a ele, e
soltou um pequeno ruído. Estrelas, ela era tão terrivelmente adorável.
Mas a pressão do corpo dela contra o dele fez seus pensamentos se
moverem em uma direção totalmente diferente.
Ele a queria, acorrentada e amarrada como ela estava.
Derrotada e indefesa. Despertou nele uma necessidade que era
inegável. Mas as correntes não eram dele, nem as marcas deixadas
em sua pele. Elas se foram agora, as queimaduras do ferro se
curaram durante a noite e no dia seguinte enquanto ela dormia. Era
noite novamente, um dia inteiro havia se passado.
Provavelmente porque ele tinha acordado antes dela. Pobre
coisinha exausta.
Ele queria amarrá-la em sua cama, esticar seus membros e
deixá-la indefesa e derrotada diante de seus desejos. Ele queria
reivindicá-la, machucá-la, torná-la sua. Ele havia se perguntado se o
desejo de sentir sua rendição diminuiria depois de sua primeira
noite, mas não. Nem um pouco. De fato, agora que ele sabia como
seria se jogar dentro dela, ele queria mais.
Ela tinha um preço a pagar por atacar o Labirinto. Por atacar os
Unseelies. E ele queria o pagamento dela agora.
Verdade seja dita, ele deveria fazer com que ela o adorasse de
joelhos na frente de toda a Din’Glai. Mas ele sabia que ela ainda não
estava pronta para tal... Espetáculo.
Ainda não.
Ele lhe daria algum tempo para se estabelecer em seu papel
como sua rainha.
Além disso, ele sabia muito bem que ela encontraria algum
outro horror terrível que ele havia inventado e o desmantelaria em
sua fúria justa. Esta era uma situação em que eles provavelmente se
encontrariam com frequência. Ela, em sua ira misericordiosa, e ele,
buscando recompensa por sua violência.
Se isso significasse que ele poderia tê-la da maneira que
quisesse?
Ele não tinha tanta certeza de que se importava.
Quantos Salgueiros Chorões eu trocaria por você, bruxinha? Quanto
do meu mundo eu deixaria você destruir se isso significasse que eu poderia
acordar com você ao meu lado? Todo ele, eu acho.
Arrastando uma mão para baixo de seu lado, ele vagou seu
toque sobre a curva de seu seio, para o vale de sua cintura, então até
seu quadril. O desejo instantaneamente explodiu nele. Deslizando a
mão por baixo de sua calça, ele segurou o globo de sua bunda e
acariciou, sentindo a carne macia sob sua palma.
Ela murmurou e se pressionou mais perto dele.
Sorrindo, ele apertou, cravando as unhas em sua pele. Ela
ofegou, seus olhos se arregalaram. Ele riu baixo, sombrio e perigoso,
enquanto ela pressionava as palmas das mãos em seu peito. Que
jeito de acordar. — Boa noite, bruxinha. Você descansou? — Ele
apertou um pouco mais forte, observando sua expressão passar de
medo para um pouco de dor. Bom. — Eu espero que sim. — Suas
palavras, embora gentis em conteúdo, eram de natureza cruel. E
suas bochechas instantaneamente ficaram vermelhas enquanto ela
choramingava.
— Valroy, eu...
— Não. Você descansou. Você se curou. — Ele deslizou a mão
de sua bunda para segurar seu núcleo, e ele riu quando ela soltou
um pequeno gemido assustado, mas de prazer ao seu toque. — Você
destruiu os Salgueiros Chorões. É hora de pagar o preço.
Puxando a mão dela, ele se sentou. Ela gritou quando ele
colocou a mão em seu cabelo e a arrastou da cama. Ela ainda estava
meio acordada, tremendo com o choque de como tinha sido tirada
do sono, quando ele a jogou a alguns passos dele. — Tire.
— O-o quê? — Ela parecia tão maravilhosamente perdida.
Muito confusa. E muito, muito nervosa. — O quê você vai fazer
comigo?
— O que eu quiser. E o que mais que eu deseje fazer. — Ele
sorriu quando a cor sumiu de suas bochechas, guerreando com seu
rubor. — Agora, tire.
Suas mãos tremiam quando ela hesitantemente puxou a camisa
sobre a cabeça, deixando-a cair no chão ao lado dela, antes de
começar a desamarrar sua calça. Ele a deixaria usar o que ela
quisesse, sempre que ela quisesse, mas as roupas de plebeia que ela
achava mais confortáveis não faziam nada para acentuar sua beleza.
E que linda ela era. Curvas e pele pálida com aqueles pontinhos
maravilhosos que salpicavam seu corpo inteiro.
Ele as contaria.
Algum dia.
Ela empurrou a calça pelas pernas e saiu dela, antes de
empurrar o tecido para o lado com o pé. Ela estava diante dele,
maravilhosamente nua, e ele levou um momento para apreciar a
visão. Verde musgo coloria a pele ao redor de seus tornozelos,
pulsos e parte inferior das costas, clareando para se misturar com o
resto dela. Ele sabia que ela poderia mudar sua forma se ela
desejasse, e ele se perguntou que forma ela escolheria quando o
tempo a quebrasse de sua necessidade de permanecer o mais
humana possível.
Ela escolheria uma cauda? Chifres? Cascos? Seria uma
descoberta tão maravilhosa. Ele iria vê-la evoluir da fraca e ingênua
bruxa humana para a poderosa semideusa Seelie que ela se tornaria.
Pois ele acreditava que ela seria tão poderosa quanto ele, uma
vez que ela aprendesse.
Ela combinava com ele perfeitamente.
Ela simplesmente não sabia disso ainda.
E ele aproveitaria muito todo o tempo que teria até que ela
descobrisse. Mas ele esperava, não importa o quão forte ela se
tornasse, ou como ela mudasse, que ela ainda olhasse para ele com
aquela sensação de medo e antecipação.
Era tão delicioso.
Ele abriu as asas, e ela quase se encolheu. Ele riu, o prazer do
momento correndo por ele. Ele deu um passo em direção a ela, e a
coisa bonita se segurou, mesmo que ela estivesse tremendo como
uma corça.
— Eu deveria arrastá-la para o centro do mercado e colocá-la
esfarrapada na frente de todos os que desejam assistir. Você seria
fodida por uma noite inteira antes que eu deixasse você respirar. —
Ele inclinou a cabeça para o lado, passando o olhar pelo corpo dela e
de volta para cima. Ele adorou como ela corou quando ele fez isso.
Como se fosse a primeira vez que a via despida.
— Eu... Eu não achei que você gostaria de me compartilhar. —
Ah, ela estava tão assustada.
— Quem falou em compartilhar? — Ele deu outro passo lento
em direção a ela. — Eu fui gentil com você quando nos acasalamos.
Eu não acho que você aprecia totalmente o quão atencioso eu fui.
Quando ela foi responder, ele deu mais um passo, diminuindo
a distância entre eles. Ela se moveu para recuar, e ele enrolou uma
asa ao redor dela, bloqueando sua fuga. — Ah-ah. — Ele estendeu a
mão e agarrou sua garganta com a mão. Ele não apertou. Ele não
precisava. Ele a puxou para frente até que ela estava roçando nele.
Inclinando a cabeça para trás, ele roçou os lábios sobre sua bochecha.
— Você é minha, pequena Seelie. Agora... Ajoelhe-se.
Ela ficou rígida, seus olhos se arregalaram de alguma forma
quando ela percebeu o que ele pretendia que ela fizesse. Ele riu. — O
quê, com medo de não caber? Eu prometo a você, vou garantir que
caiba.
Ele esperava que ela implorasse para que não o fizesse. Ele
esperava que ela implorasse e negociasse, sugerisse pagamentos
alternativos pelo que havia feito. Talvez ela se oferecesse para ser
acorrentada. Talvez ela pedisse o chicote - que ideia maravilhosa.
Talvez ela chorasse e simplesmente dissesse não.
E se ela o fizesse, ele cederia.
Ele sempre cederia. Havia uma linha tênue entre presa e
forçada, e essa era uma linha que ele nunca cruzaria. Não com
alguém. Certamente não com ela.
Vagueando seus lábios nos dela, ele a beijou. Ele o manteve
lento, mas possessivo. Guiando seus movimentos pelos dele. Ela era
dele. E enquanto ele garantiria que ela não terminasse sua incursão
sem prazer próprio, ela tinha um preço a pagar. E seria assim que ele
tiraria isso dela.
Quando ele se afastou, os olhos dela estavam fechados, e um
pouco da tensão se derreteu dela. Ela cedia a ele tão prontamente, e
ele saboreava isso todas às vezes. — Bem? O que diz você?
Ele já deveria ter aprendido.
Ele realmente deveria.
Ele nunca deveria subestimar Abigail Moore.
Quando seus olhos verde musgo se abriram para observá-lo,
com as pálpebras cerradas e luxuriosas, mesmo através de seu medo,
ela sussurrou: — Você poderia pelo menos remover seus piercings
primeiro?
As palavras dela poderiam tê-lo feito rir se não o deixassem tão
excitado que ele quase acabou em sua calça. Uma preocupação que
dobrou quando ela lentamente caiu de joelhos a seus pés, olhando
para ele com ansiedade e desejo em igual medida.
— Oh, Abigail... — ele disse com uma respiração rouca. —
Como vou alguma vez dizer não para você?
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Não ia dar certo.
Não tinha como dar certo.
Abigail caiu de joelhos diante de Valroy e se viu tremendo ao
pensar no que estava prestes a acontecer. Ela não era uma criança
pudica. Ela sabia o que estava prestes a acontecer. Seu estômago
estava dando nós, e ela descobriu que não estava simplesmente com
medo.
Se medo fosse tudo o que ela sentia, seria fácil de entender.
Mas não, enquanto ela olhava para o príncipe Unseelie em toda
sua glória irada e luxuriosa, ela... O queria. Ela queria isso.
Engolindo nervosamente, ela passou as mãos pelas coxas dele sobre
a calça, sentindo os músculos que se flexionavam sob seu toque.
— Eu não serei gentil com você. — A garra de uma de suas
asas caiu para curvar sob seu queixo, inclinando sua cabeça ainda
mais para trás. — Mas só se você permitir. Você entende?
— Sim — ela murmurou.
— Bom. — Ele sorriu. — Agora, eu preciso explicar a você o
que estou prestes a fazer?
— Não.
— Você já fez isso antes?
— Não... Como eu espero que você planeje fazer isso. — Suas
bochechas queimaram, e ela sabia que devia estar corando como
uma beterraba.
— Não. Eu não suponho que você tenha. — Ele riu, uma torção
cruel em seus lábios. — Bom. Vou deixar você me explorar antes de
começarmos. Afinal, sou um rei benevolente. — Ele mostrou aqueles
dentes afiados para ela.
O arrepio que percorreu sua espinha parecia que ela tinha sido
mergulhada em água fria. O que havia em sua escuridão, sua
maldade, que a fazia desejá-lo tanto? Que a fazia querer isso tanto
quanto ela queria? Ela passou as mãos pelas coxas dele até o
estômago, acariciando sua pele, observando os músculos se
contraírem sob seu toque. Mas não havia como evitar o que era tão
descaradamente e orgulhosamente desejar a liberdade. Ela não o
havia tocado assim desde que se conheceram.
Mesmo quando eles fizeram amor - se é assim que você pode
chamar o que aconteceu entre eles - ela nem mesmo viu o órgão que
a devastou, muito menos o tocou. Com partes iguais de nervosismo
e excitação, ela começou a desamarrar a calça dele.
Quando finalmente ele se livrou dela, ela olhou para ele com
espanto estupefato. Pelos deuses, ele deve estar brincando! Seus
piercings estavam faltando, covinhas na pele a única dica de onde
eles estavam. Mas... Mas não havia jeito. Não havia nenhuma
maneira possível de ele querer encaixar isso nela...
— Bem? — A garra de uma de suas asas pousou na parte de
trás de sua cabeça, enfiando-se em seu cabelo. — É tudo o que você
esperava?
— E mais — ela murmurou.
Ele riu baixinho. Segurando sua bochecha com a mão, ele a
inclinou para olhar para ele. — Me toque. Me sinta. Eu sou seu, tanto
quanto você é minha.
Ela lambeu os lábios, e ele gemeu com a visão. Lentamente,
timidamente, ela agarrou seu comprimento e começou a acariciá-lo,
explorando-o como ele havia ordenado que ela fizesse. Ele estava
quente em sua mão. Ela podia envolver seus dedos ao redor dele,
mesmo que por pouco, e isso lhe deu algum consolo quando ela
começou a acariciá-lo.
Quando ele gemeu, seus quadris pressionando para frente em
seu aperto, ela se sentiu encorajada. Encorajada e... Curiosa.
Descansando a outra palma contra sua coxa, ela inclinou a cabeça e
passou a língua ao longo dele.
Ele puxou um silvo por entre os dentes. — Sim, Abigail.
Estimulada por ele e pela crescente espiral de calor que estava
se formando em seu próprio corpo, ela fechou os olhos e se deixou
perder em suas ações. Havia muito dele! Mas ela acariciou o
comprimento, esbanjando-o com a língua entre os movimentos.
Quanto tempo ela continuou assim, aprendendo onde centrar suas
afeições pela sacudida de seus músculos e seus sons prazerosos, ela
não sabia.
Por que acendeu um fogo nela?
Por que ela gostou disso?
Não havia dúvida em sua mente que ela gostava. Seu corpo era
a prova disso. Ele formigava e queimava como se fosse ela
experimentando suas atenções, e não o contrário. O pensamento de
como ela deve ser – nua, ajoelhada aos pés do Príncipe Sangrento,
adorando-o com a língua? Isso enviou outro arrepio na espinha.
Isso era para ser seu castigo. E ainda assim ela se viu agora
ansiosa pela ação, seus movimentos um pouco mais rápidos.
Apertando um pouco mais forte enquanto a pressão de seus quadris
e seus gemidos aumentavam para combinar.
— É isso, bruxinha. É isso. — Seu elogio baixo e murmurado
enviou uma onda quente por ela. Sua voz sombria simplesmente
fazia coisas com ela. E o pensamento de que ela estava lhe dando
prazer era uma emoção surpreendente.
— Agora... Leve-me em sua boca.
Quando ela abriu os olhos para olhar para ele, o nervosismo
voltando, a garra em seu cabelo apertou um pouco. Ele sorriu de
volta para ela, seus olhos cor de safira fechados e escurecidos com
luxúria. — Ou você prefere que eu obrigue você?
Ela estava tremendo mais uma vez, embora talvez não de
medo. Tomando uma respiração vacilante, ela fez o que ele ordenou.
Ela gemeu contra ele, incapaz de evitar, mas foi abafada por seu
grunhido alto quando ele pressionou seus quadris para frente,
enchendo sua boca, deslizando contra sua língua.
Sua garra apertou um pouco mais. — Você sabe quanto tempo
eu esperei por isso? Como eu desejava ver essa visão desde o
momento em que nos conhecemos? Eu queria você de joelhos diante
de mim no momento em que te vi. Abrindo esses lábios doces para
mim, assim...
Ele puxou-se para trás e pressionou para frente, acariciando-se
através de sua mão e em sua boca. Ela gemeu, rolando a língua ao
redor dele tanto quanto podia, sentindo um estranho e perverso
prazer disparar através dela com cada movimento dele.
Quando ela começou a adicionar sucção, ele rosnou alto. —
Sim, Abigail... Sim... — Ele ofegou e acariciou sua bochecha com a
ponta de seu polegar. Sua garra na parte de trás de seu pescoço
apertou seu cabelo um pouco mais apertado, puxando seu couro
cabeludo. A picada disso a fez gemer de prazer. Não deveria. Mas
aconteceu.
Ele sorriu para ela. — Você gosta disso? Hum? — Ele riu. — Eu
vou ter certeza de fazer muito disso, então. Mas... Hnnh... Até
então... Mais, Abigail. Não pare.
Ela apertou seu comprimento em sua mão enquanto ele se
pressionava dentro e fora de sua boca. Ela fez o que ele ordenou e
não conseguia tirar os olhos da visão dele enquanto ele pairava
sobre ela, seus dentes arreganhados de prazer, enquanto ele a
observava de volta.
Quando ele parou seus movimentos, um sorriso malicioso no
rosto, ela começou a se preocupar. Ele se afastou dela. Ela estava
sem fôlego, seu peito arfando enquanto se perguntava o que ele
estava fazendo.
Ela não teve que se perguntar por muito tempo.
— Isso vai ser difícil no começo. — Ele sorriu, movendo a mão
para segurar o queixo dela, esfregando o polegar sobre os lábios
úmidos. Quando ele empurrou um dedo profundamente em sua
boca, deslizando sobre sua língua, ela gemeu. Fechando a boca ao
redor dele, ela chupou seu dedo, querendo senti-lo. Sua unha estava
afiada, mas ele a impediu de espetá-la.
Ele rosnou baixo através de um sorriso. — Coisinha ansiosa,
não é? Que Seelie apaixonada e devassa você se tornou. Eu não
poderia ser um feérico mais sortudo. — Um segundo dedo juntou-se
ao primeiro, e ela se viu estimulada por suas palavras, sem se
envergonhar delas.
Ela estava? Talvez. Mas havia tanto êxtase nisso que ela não
conseguia encontrar a vontade de se afastar dele.
— Por mais adorável que seja, tenho outros planos. — Ele
puxou os dedos dela e trouxe seu foco de volta para ele. — Você
deve ser pervertida, afinal. Usada para o meu capricho e prazer, em
troca do que você fez. Você entende?
— Sim — ela respondeu, a única palavra sem fôlego e quase
inaudível.
— Bom. Respire fundo. Relaxe sua garganta. Não deixe os
músculos agarrarem. Você não será capaz de respirar depois de um
certo ponto, mas vou garantir que você não desmaie. Tenho interesse
em ver que você não desmaie. — Ele riu, seu tom mais uma vez
profundo como o estrondo de uma tempestade no horizonte e
prometendo tanto perigo. — E eu vou ser lento. Não para seu
benefício, veja bem... Mas para meu prazer. Eu desejo fazer isso
durar.
Ela estava tremendo como uma folha. Mas um fogo rugiu nela
como ela nunca tinha visto antes. Quando a garra em seu cabelo
apertou, e a outra garra caiu sobre seu ombro, ela respirou fundo.
Segurando-o, ela abriu a boca para ele.
Ele gemeu, baixo e ressonante, e deslizou-se em sua boca. Ele a
encheu facilmente, e então ele estava lá no fundo de sua garganta.
Quando ele empurrou, ela sentiu seus músculos se contraírem e
espasmarem, tentando forçar o invasor a sair. Fechando os olhos, ela
fez o seu melhor para fazer o que ele instruiu. Ela se concentrou
nessas reações e fez o possível para acalmá-las.
Mas pelos deuses, ele era tão grosso!
Ele cedeu, deixando-a respirar pelo nariz, e quando ela o
segurou, ele pressionou para frente novamente. — É isso, bruxinha.
É isso. Você vai se ajustar. — De novo e de novo, ele recuou um
centímetro para avançar novamente, mostrando a ela como era.
Ensinando-a a controlar isso. — Você aprende tão... Nnh... Tão
rápido. — Ele enlaçou os dedos de sua mão em seu couro cabeludo,
as unhas picando sua pele. A garra ainda puxava seu cabelo. — Eu
acho que você está pronta agora.
Ela acreditava firmemente no contrário.
Mas ela não tinha nada a dizer sobre o assunto.
Ele pressionou seus quadris para frente, e ela o sentiu deslizar
em sua garganta. Seus lábios se esticaram para caber ao redor dele, e
ela não podia nem poupar o fôlego para gemer quando ele a
penetrou. Ele era como ele disse - lento - mas imparável mesmo
assim. Ele deslizou um centímetro dentro dela, o som que o deixou
desumano e bestial.
Cedendo, ele se afastou dela inteiramente. Ela tossiu, as mãos
pressionadas nas coxas dele para se firmar.
— Minha. — Ele puxou sua cabeça para trás, e ela ofegou com a
dor em seu couro cabeludo. Ele se enfiou na boca dela então,
enchendo-a abruptamente, cortando todo o seu som. — Sim, Abigail,
sim...
Ela mal teve tempo suficiente para encher seus pulmões antes
que ele estivesse lá novamente, empurrando mais fundo, forçando
mais dele dentro dela. Ele foi até a metade, ameaçando seu controle,
antes de recuar o suficiente para que ela pudesse respirar.
De novo e de novo, o padrão continuou. Ele a forçaria a tomar
um pouco mais dele a cada vez antes de ceder, deixando-a encher
seus pulmões antes de começar de novo. Era vertiginoso, cada
impulso fazendo-a prender a respiração um pouco mais. Apenas um
pouco mais profundo.
Poderia ter durado para sempre; ela não sabia. Olhos fechados,
sua cabeça cambaleou, e ela se rendeu a ele. A isso. Ao prazer disso.
A sua necessidade, seu controle, seu poder. E ao que isso a fazia
sentir. A tensão derreteu dela. Sim. Ela era dele. E se este fosse seu
castigo, ela não reclamaria.
Ele quase rugiu de prazer, e ele estalou seus quadris para frente
abruptamente, sentindo sua rendição a ele. — Pelas estrelas, sim...
Sim... — Ele continuou até que o nariz dela pressionou seu abdômen,
e ele continuou puxando sua cabeça para ele como se desejasse ir de
alguma forma mais fundo. Ele gemeu, os músculos de seu corpo
tensos em ondas. — Minha bruxinha... Sim... Ah... Eu te amo...
Nngh...
Ele estava escaldando de quente dentro dela, se contorcendo
com o resto dele, e ela teria se juntado a seus sons de prazer se
pudesse fazer barulho. Ela apertou suas coxas, como se segurando
sua preciosa vida. Assim que sua cabeça começou a girar, ele se
afastou, deixando-a encher seus pulmões doloridos.
Uma segunda vez, ele se enfiou em sua garganta até o fim.
Então uma terceira. Uma quarta, e ela pensou que poderia ter
morrido mais uma vez, pois se sentia separada de seu próprio corpo.
E então, ela estava se movendo.
Em um borrão de movimento, ela foi puxada para ficar de pé,
virada e empurrada para frente. Ela gritou quando suas coxas
bateram em uma de suas mesas. O impacto enviou armas e taças,
papéis e bugigangas, espalhando-se e caindo no chão.
Ela não teve tempo para pensar antes de uma garra pressionar
entre seus ombros e forçá-la rudemente à superfície de madeira.
Então ele estava dentro dela novamente.
Valroy se jogou dentro dela com um impulso de seus quadris,
afundando-se profundamente em um movimento forte e brutal. O
som que a deixou foi um lamento. Mas era de êxtase, a única ação
fazendo seu prazer atingir o pico.
Algo emaranhou em seu cabelo e puxou, arqueando suas
costas. Deve ter sido uma de suas garras, pois suas mãos estavam
agarrando seus quadris com força suficiente para que ela soubesse
que iria ficar roxo. E sua entrada violenta não tinha sido o fim de sua
furiosa necessidade.
Tudo o que ela podia fazer era se render a ele.
Tudo o que ela podia fazer era ser sua presa.
E oh, como ela amava cada momento disso.

Ele poderia ter fodido sua garganta até explodir dentro dela.
Ele poderia tê-la tomado assim até que ele tivesse o suficiente, e ela o
suficiente dele. Mas quando ele sentiu os músculos dela afrouxarem
– enquanto ela se entregava a ele e sua ira – sua necessidade se
tornou muito violenta para tal método de acasalamento.
Não desta vez, de qualquer maneira.
Talvez algum dia.
Quando ela estivesse mais acostumada com ele.
Arrancando-a de cima dele, ele a jogou sobre sua mesa, sem se
importar com todas as peças que se espalharam pelo chão. Ele a
empurrou contra a superfície de madeira, e em um impulso
repentino e implacável, enterrou-se em seu calor disposto.
E que calor era.
Abigail gostava disso. Abigail desfrutava de sua ira. Sua
crueldade. Seu controle.
Bruxinha perfeita.
Ele bateu dentro nela, prendendo seus quadris no lugar. Ele
não se conteria. Ele não teria pena dela enquanto ela gemia e
choramingava com cada uma de suas estocadas. Cada impacto nela
extraía dela um grito que era como música para seus ouvidos.
Puxando mais forte em seu cabelo, ela apertou ao redor dele,
seu corpo tremendo em onda após onda de sua própria liberação,
apertando como um torno, implorando por mais.
E mais ele daria a ela.
Com um rugido, ele se chocou até as profundezas e se manteve
lá enquanto também sentia o prazer dominá-lo, respondendo ao
chamado do corpo dela.
Ela estava tremendo debaixo dele enquanto ele a enchia, sua
pele coberta por uma fina camada de suor.
Inclinando-se sobre ela, ele beijou o lóbulo antes de beliscá-lo,
puxando seus quadris um pouco mais forte contra ele enquanto ele
continuava a ter espasmos e reivindicá-la como sua.
— Algum dia em breve, bruxinha, vou cumprir minha ameaça
de fodê-la adequadamente.
— E... Isso... não foi? — Seus olhos estavam fechados, sua mão
enrolada ao lado de seu rosto. Ela gemeu quando ele se enfiou nela,
amolecendo como estava, desejando ganhar um pouco mais de si
mesmo em suas profundezas flexíveis.
Ele riu sombriamente, deixando essa ser sua única resposta, e
beijou o canto da boca dela.
— Você me perdoa agora?
— Eu suponho que sim. A menos que você queira se desculpar
comigo uma segunda vez para ter certeza.
Quando ela gemeu, ele riu e beijou seu ombro.
Deuses, ele a amava. E ele faria qualquer coisa se isso
significasse que ela ficasse ao lado dele.
Qualquer coisa.

CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Abigail estava aprendendo rapidamente que, se havia uma
coisa que os feéricos gostavam, era dar festas luxuosas. Ainda não
era a noite de seu casamento – um pensamento que ainda era
estranho para ela e a chocava toda vez que ela tropeçava nele – e
ainda assim Valroy decidiu dar o que ela consideraria um evento de
gala.
Comida de todos os tipos cobria uma dúzia de mesas. Bebidas,
algumas ela reconhecia, outras não, e algumas que brilhavam,
enchiam os copos de todos os presentes. E ela estava lá, olhando com
admiração os Feéricos Unseelies ao seu redor. Ela não conhecia
nenhum deles, mas todos sorriram para ela - alguns com mais dentes
do que qualquer um deveria ter - e beijaram sua mão graciosamente.
Ela tinha ido a um baile Seelie, e enquanto a natureza
extravagante era igualada uma a uma, havia algo estranho que ela
notou na diferença entre eles. Os sorrisos, embora monstruosos e
estranhos, que lhe foram dados pelos Unseelies... Pareciam
genuínos.
Ela não viu olhares de lado. Nem sussurros.
Os Unseelies eram assassinos, e os Seelies eram mentirosos.
Parecia que o ditado não estava tão longe da verdade. Com um
aceno de cabeça, ela tomou um gole de vinho. Era da variedade não
brilhante. Ela não se atreveu a arriscar de outra forma.
Ela não queria saber o que aconteceria se ficasse furiosamente
bêbada ao redor de um bando de lordes e ladies Unseelies.
Valroy insistiu que ela usasse um vestido para o evento,
embora ele não tivesse que lutar muito com ela por isso. Juntar-se às
festividades em algodão sujo, desgastado pela viagem e
provavelmente manchado de sangue provavelmente seria
desaprovado.
Mas o que ele havia escolhido para ela?
O que ele havia escolhido para ela não era um vestido. Eram
camadas de tecido transparente que não mantinham o ar frio longe
de sua pele nem deixavam muito de seu corpo para a imaginação.
Ela tinha que lutar continuamente contra o desejo de se cobrir.
Muitas, se não a maioria, das pessoas ao seu redor estavam muito
mais nuas do que ela.
Algum dia eu serei menos estranha.
Algum dia.
Hoje não é esse dia.
O vestido era drapeado na frente, o decote mergulhando em
direção ao umbigo. E ia até a cintura nas costas, deixando-a muito
mais exposta do que ela gostaria. Pelo menos da cintura para baixo
era bastante modesto, o tecido transparente dobrando-se sobre si
mesmo para criar uma saia mais opaca com suas camadas que
chegavam até os tornozelos. Mesmo que tivesse uma fenda na lateral
que alcançava suas coxas.
Ela havia falado com Valroy, mas ele insistiu. Sua agitação
parou no momento em que ela se viu no espelho. Levou muito
tempo para ela entender que a pessoa que ela via, a coisa bonita no
reflexo, era ela. Valroy apenas deu uma risadinha e beijou sua
bochecha, e a puxou para longe da visão, insistindo que havia
“elegantemente atrasado” e “muito atrasado”, e eles estavam prestes
a entrar na última categoria.
Então, lá estava ela, bebendo seu vinho, totalmente perdida
enquanto beliscava a comida – o que ela podia comer dela, sendo
incapaz de comer carne perto de carnívoros. Quando uma mão fria
tocou suavemente seu ombro, ela quase saltou um pé no ar.
Virando-se, ela descobriu que tinha sido Cruinn. Ele sorriu
para ela nervosamente, dando um passo para trás, quase se
escondendo atrás de Bayodan. Ambos os seus guardiões estavam lá,
observando-a com apreensão. E ela sabia porquê. Eles não haviam se
separado em bons termos antes.
— Você sabia o que eu faria. — Ela se dirigiu a Bayodan,
escolhendo-o como aquele que provavelmente havia planejado toda
a provação.
— Sim. — Ele franziu a testa. — Eu sabia.
— E você sabia que eu iria correr e voltar para os Seelies para
me esconder.
— Sim. Eu sabia.
Esfregando a mão sobre a testa, ela suspirou. — E você sabia
que Titânia tentaria me executar?
— Não. Claro que não. Se eu soubesse, eu nunca teria deixado
você voltar para ela. — A mandíbula de Bayodan se contraiu. Ele
desviou o olhar, sua expressão severa. Cruinn parecia aflito, olhando
para seus pés com tristeza.
— Diga-me uma coisa, Lorde Bayodan, Cruinn – e falem
honestamente. Sua lealdade ainda é comigo?
— Claro! — Cruinn quase explodiu com a palavra, olhando
para ela em pânico quase desesperado. — Claro que é. Fizemos um
juramento. E nosso voto é sagrado.
Bayodan deu um passo em direção a ela, sua expressão tão
intensa, se não tão dramática. — Você é nossa rainha. Você é nossa
lady. Nós servimos a você, e somente a você. Isso, eu prometo. Isso
eu juro.
— Então você está perdoado. — Ela estendeu a mão para pegar
a mão de Cruinn, depois a de Bayodan, e as segurou firmemente na
dela. — Mas nunca, nunca faça isso de novo, Bayodan. Não me
manipule novamente dessa maneira. Eu não sou uma criança. Você
pode me dizer que papel devo desempenhar em seus jogos.
Bayodan levou a mão dela aos lábios e beijou os nós dos dedos,
antes de virar a palma da mão para acariciar sua bochecha. — Eu
não mereço seu perdão, Lady Abigail. Mas eu vou aceitar com
prazer.
Cruinn não teve tais reservas, saltando para abraçá-la com
veemência. Ele beijou sua bochecha, de novo e de novo, e então seus
lábios, segurando-a contra ele em um abraço apaixonado. Foi só
quando alguém atrás dela pigarreou que Cruinn se afastou.
Era, claro, o príncipe.
Valroy estava olhando para Cruinn com uma sobrancelha
arqueada.
Cruinn sorriu timidamente e deu um passo para trás. — Nós
nos deixamos levar.
— Sim. Vocês deixaram. — Valroy estendeu a mão e pegou
uma mecha do cabelo de Abigail em seus dedos e a enrolou ao redor
dele antes de usá-la para puxá-la suavemente para ele. Ela foi sem
lutar, e ele envolveu sua asa ao redor de sua cintura e a segurou ao
seu lado. Inclinando a cabeça dela para a dele com um dedo, ele a
beijou, como se quisesse recuperar o que Cruinn havia pegado
emprestado.
E deuses, como isso sempre iria tirar os pés dela. Ele sempre
tinha gosto do vento da noite e, se ela não tomasse cuidado, ela se
perderia nele. Não foi até que ela abriu os olhos que ela percebeu
que eles estavam fechados.
Ele sorriu para ela e deu um beijo carinhoso em sua testa. — Se
você deseja que eles se juntem a nós alguma noite... Eu poderia
considerar o pedido.
— Eu... Eu estou surpresa. Achei que você não fosse do tipo
para compartilhar.
— Talvez não agora. Talvez em mil anos. — Ele sorriu. — Esse
tempo vai passar muito rápido, afinal.
Ela balançou a cabeça com uma risada triste. — Sim, suponho
que provavelmente sim.
— Vejo que você perdoou seus dois guardiões rebeldes. —
Valroy falou com ela, embora tivesse uma expressão um tanto
indelicada fixada em Bayodan. — Para melhor ou pior.
— Não gosto de ser manipulada nos jogos dos outros. No
entanto, temo que esse seja o meu novo destino na vida. Não posso
ficar mais com raiva dele por brincar comigo do que com você. —
Ela cutucou Valroy no peito com um dedo, e ele sorriu torto para ela.
— Muito bem. — Ele beijou o topo de sua cabeça novamente.
— Confio no seu julgamento. Agora venha. Tenho muitos cortesãos
que desejam conhecê-la, e eles têm me importunado incessantemente
por uma apresentação.
— Ótimo. — Ela tentou manter a maior parte do sarcasmo fora
de sua voz. Ela falhou. Lançando um último olhar para Cruinn e
Bayodan, sorrindo para eles, ela se deixou ser arrastada pelo
príncipe.
Seu príncipe.
Seu noivo.
O pensamento ainda a abalava, e ela tomou um gole de vinho.
Vendo sua expressão, Valroy riu mais uma vez. — Você vai se
ajustar. Você ainda é muito nova em tudo isso. E eu não tenho sido
fácil com você.
— Não foi isso que você disse esta manhã. — Ela lançou-lhe
um olhar.
Dando uma risada, ele a puxou para seu lado em um abraço. —
Por mais divertido que seja ver você tropeçar, aterrorizada por sua
vida, eu prefiro você quando você está sendo mal-humorada.
Resmungando algo indelicado em sua taça de vinho, ela
terminou. Antes que ela pudesse sequer considerar o pensamento de
ter outra, um feérico que parecia estar servindo ao papel de
mordomo tinha puxado a taça de suas mãos e substituída por outra.
— Eu realmente não devo ficar bêbada.
— Por que não? Com medo de que você possa se divertir
demais?
Com medo de não ser capaz de manter minhas mãos longe de você. E
eu sei que você me colocaria na frente da multidão se eu deixasse. Ela
manteve esses pensamentos diretamente para si mesma. — Não
quero envergonhar nenhum de nós.
— Seu rubor desmente o contrário.
Droga.
Rindo novamente, ele a girou para encará-lo e, embalando sua
cabeça em suas mãos, beijou-a novamente. Apesar do clamor e do
barulho da festa ao redor deles, era como se o mundo inteiro tivesse
sumido e só houvesse ele. Ele enfiou uma mão em seu cabelo
enquanto a outra mão serpenteava por suas costas nuas, unhas
afiadas picando em sua pele. Seu toque desceu mais e mais, até que
deslizou por baixo da cintura de seu vestido e agarrou sua bunda
com tanta força que doeu.
Ela sibilou em uma respiração pelo nariz, mas ainda assim ele
não cedeu de seu beijo.
Ela deveria estar mortificada, sendo tocada de tal maneira na
frente de uma centena de lordes e ladies Unseelies, servos e
monstros. Mas quando ele a puxou para ele, seus seios descansando
contra seu peito, ela sentiu como se seu sangue tivesse sido
substituído por metal líquido. Ou talvez a rocha em chamas que ela
viu nas profundezas do Labirinto.
Quando seu aperto pungente cedeu, ele acalmou o ponto
dolorido com uma carícia e lentamente rompeu o beijo. Ele passou a
língua ao longo de seu lábio inferior inchado. — Depois que a festa
se acalmar e todos nós nos sentarmos perto das fogueiras, eu tomarei
você. Vou tomá-la perante todos os que desejam ver. É a nossa
tradição.
— É mesmo, ou você está simplesmente inventando isso? —
Ela estremeceu com o pensamento. Ele tinha feito amor com ela
perante Bayodan e Cruinn, mas era... Diferente agora. Estranhos
eram outra questão. Torceu algo em seu estômago, mas ela não sabia
dizer se era apenas medo, ou se estava misturado com partes iguais
de excitação.
O que foi feito de mim?
Eu suponho que... Eu sou feérica agora. Isso é o que se tornou de mim.
Quantas vezes ela cruzou com amantes, sem se importar com quem
poderia vê-los? Não era tabu em seu mundo. Era, como Valroy
acabara de dizer, bastante esperado.
— Hum. Isso importaria? — Ele acariciou seu polegar ao longo
de sua bochecha antes de descansá-lo na cavidade de seu queixo, sua
unha afiada mal descansando contra a pele macia de seu lábio
inferior. — Eu quero te ter. Eu quero mostrar minha reivindicação.
Quero que os outros vejam como você é radiante, como é perfeita.
Como o mundo parece inteiro quando Unseelie e Seelie acasalam.
— Você está dizendo isso simplesmente porque sou eu. Você
odeia meu tipo.
— Sim. E?
— Desde que ninguém aplauda. — Ela olhou para ele, embora
sua ira não tivesse peso por trás disso. Ela estava muito distraída
com a protuberância pressionando seu abdômen. E como ela queria
saboreá-lo novamente.
Sua expressão se dividiu em um largo e ansioso sorriso. — Eles
podem quando virem você me levar ao máximo. Ou ver você
separar esses lindos lábios para mim. Isso raramente acontece.
— Achei que você fosse um amante e tanto. — Era muito difícil
se concentrar.
— Eu sou. Meus parceiros? — Ele deu de ombros, e sua mão
apertou sua bunda. Ela ofegou e engoliu um gemido. — Nem tanto.
Você, por outro lado... — Ele deslizou a mão dela para descansar
contra a parte inferior de suas costas, seu objetivo claramente
alcançado. — Então, beba até se saciar, maravilhosa Abigail.
— O que aconteceria se eu recusasse?
— Então, é claro, não faríamos nada. — Ele franziu a testa para
ela e inclinou a cabeça ligeiramente para trás para lançar seus olhos
cor de safira entre os dela. — Você ainda não entendeu? Você é
quem manda, não eu.
— Não parece assim.
— Então você não está olhando para isso corretamente. O que
fazemos é porque você deseja. Se fosse por mim? — Ele riu
sombriamente. — Você não seria capaz de andar no momento.
Isso, ela não duvidava. — Devo-lhe minha gratidão, então.
— Você não me deve nada. Você me paga integralmente, cada
vez que se rende a mim. — Ele a beijou novamente, e ela jurou que
ele poderia engolir sua alma apenas por esse método. Foi mais terno
do que antes, e ela sentiu seu amor em seu abraço.
Quando ele se afastou, ele pegou a mão dela. — Agora venha.
Saudaremos todos aqueles que desejam conhecê-la. Antes que eu
fique muito animado e tome você na mesa de sobremesas.
Abigail bebeu seu vinho ao som da risada de Valroy.

Valroy não conseguia evitar o sorriso no rosto. Suas bochechas


ficariam cansadas, mas ele não podia evitar. Ele estava, talvez pela
primeira vez em sua longa vida, contente. Abigail era muito parecida
com um peixe fora d'água, cumprimentando timidamente todas as
criaturas que vinham vê-la.
Ela olhava para eles, apesar de suas melhores intenções,
especialmente aqueles cujos corpos não se assemelhavam a
humanos. Quando ela tentou apertar a mão de uma Banshee, ele
tentou muito não rir. Sua mão passou pela da mulher
fantasmagórica, que sorriu e riu da ingenuidade da pobre Seelie.
Abigail era adorável.
Linda e tão dolorosamente doce que ele se perguntou se não
sentiria dor de dente por causa dela. Quando um dos lordes de
pedra das profundezas da terra a cumprimentou beijando-a, seu
rosto ficou tão vermelho que combinava com os fogos que
queimavam nos caldeirões de cobre ao redor de seu grande salão.
Preguiçosamente, ele se perguntou como ela seria, dividida por
um homem feito de pura rocha, enquanto ele a tomava da outra
entrada. A condição dolorosa de seu membro preso dentro de sua
calça piorou. Ele não tinha certeza de como isso era possível.
Ela se agarrou a ele, mal deixando o alcance de seu braço ou
sua asa, como se ele fosse sua rede de segurança. O pensamento fez
seu coração aquecer, e ele não podia deixar de tocá-la em todas as
oportunidades. Ele adorava brincar com o cabelo dela, mesmo que
as vinhas das Gle’Golun estivessem sempre lá para lembrá-lo de que
ela poderia, a qualquer momento, destruir todos os presentes na
gala.
Havia algo maravilhoso em ver alguém tão poderoso ser tão
ignorante de seus dons. Ele iria aproveitar enquanto durasse. Mas
havia algo mais que o fez sorrir. Ele era seguro para ela.
Ele.
O Príncipe Sangrento. Ela se abrigou dos outros em seu abraço.
Quando a festa começou a diminuir, ele a levou pela mão até onde
grupos de Unseelies estavam sentados em travesseiros ou na grama
ao redor de fogueiras acesas, conversando calmamente, bebendo, ou
já desfrutando um do outro.
Ele a viu olhar para uma mulher que estava com três amantes
ao mesmo tempo, contorcendo-se contra seus corpos enquanto eles a
preenchiam de todas as maneiras que os homens poderiam
preencher uma mulher. As bochechas de Abigail ficaram vermelhas,
e ela deu um passo em direção a Valroy antes de desviar o olhar
timidamente.
— Tão mansa, você é. — Ele beijou o topo de sua cabeça. —
Isso vai mudar. Algum dia, terei que disputar sua atenção, eu acho.
— Duvido muito disso.
— Hum. Veremos. — Ele a levou para um lugar vazio e sentou-
se, puxando-a com ele. Ela se ajoelhou ao lado dele antes de se sentar
sobre os calcanhares, seu vestido esmeralda transparente ao redor
dela. Ele havia escolhido a cor porque acentuava o desumano e belo
verde musgo de seus olhos e o padrão da mesma cor que manchava
sua pele aqui e ali.
Tirando o cabelo do ombro dela, para ter certeza de que ele
poderia deixar suas unhas arranharem sua pele, ele a beijou ali. Ele
sorriu maliciosamente ao ver como ela estremeceu. Ela estava
claramente lutando para evitar que seu olhar se arrastasse sobre a
multidão de pessoas ao redor deles, demorando-se naqueles que
estavam fazendo amor.
— Quando você... Quando nós... Hum...
— Sim. Eu a saciei com minha língua na frente de Bayodan e
Cruinn para te preparar para isto. Para prepará-la para a celebração
que aconteceria antes do nosso casamento. — Coisa inteligente,
tendo colocado isso junto. Ele sorriu. — Achei que poderia ser
‘cavalheiro’ da minha parte facilitar para você em nosso modo de
vida.
Ela engoliu em seco antes de tomar um gole de vinho e não
disse nada. Sua postura era rígida. Isso, ele não podia tolerar.
Estendendo a mão, ele colocou uma mão em cada um de seus
ombros e apertou, pressionando os polegares contra seus músculos
tensos. — Acalme-se.
Seus olhos se fecharam e ele a sentiu instantaneamente começar
a relaxar em suas mãos. — Eu estou tentando.
— Você quer ir embora?
— Não... Eu... Eu não. E suponho que isso seja parte do que
estou enfrentando.
Continuando a trabalhar os músculos de seus ombros, ele
beijou sua nuca. — Deixe ir, Abigail. Faça apenas o que parece certo.
— Ele se mexeu para ficar de joelhos atrás dela. — Diga-me o que
você deseja fazer, como você deseja que isso aconteça... E eu seguirei
suas ordens. Eu sou seu escravo esta noite.
— Responda-me uma coisa primeiro — ela murmurou, sua voz
quase sonhadora enquanto ele massageava a tensão de seus ombros.
— Hum?
— O Unseelie que conhecemos. Aquele feito inteiramente de
olhos. Como uma criatura daquelas faz amor? — Ela torceu o nariz.
— Não que eu queira testemunhar isso, mas levanta... Questões
anatômicas.
Ele riu tão alto que as cabeças se viraram para olhar para eles.
Virando sua cabeça para ele, ele a beijou, envolvendo suas asas ao
redor dela para agarrá-la perto.
Quando ele se afastou, ela tinha o mais leve sorriso nos lábios.
— Foi uma pergunta tão estranha assim?
— Dificilmente. Apenas uma lindamente honesta. — Ele se
aninhou em seu cabelo. Ele adorava como ela cheirava a dias de
verão e flores da primavera. Da luz do sol que não era dele. De
flores, frutas e coisas vivas. Ela era tudo o que ele nunca seria. E isso
só o fez querê-la mais. — E para responder? Eu não sei direito. Nem,
assim como você, tenho qualquer interesse em descobrir.
Ela riu e se inclinou contra o peito dele, descansando a cabeça
em seu ombro. Ele não pôde deixar de passar a mão em sua barriga,
por baixo do tecido transparente, acariciando sua pele quente e
macia. — Valroy?
— Hum?
Suas palavras foram calmas, mas poderiam tê-lo atingido como
um relâmpago. — Acho que gostaria de montar em você esta noite e
ver quanto de você posso tomar por minha própria vontade. Se...
Está tudo bem para você.
Ele quase acabou apenas com as palavras dela. Com um
gemido, ele abaixou a cabeça no ombro dela e teve que lutar para se
conter de mais de uma maneira. — Abigail.
Ela se contorceu em seus braços para olhar para ele, como se
estivesse preocupada que tivesse feito algo errado. Estrelas acima,
ele queria jogá-la no chão e deixá-la inconsciente. Mas isso iria
derrubar o ponto.
Observando-a, gravando suas feições em sua memória,
desejando que queimassem em sua mente e nunca o deixassem, ele a
beijou. Lentamente, tomando seu tempo, desejando saborear o
momento. Quando ele parou, seus olhos estavam fechados
novamente. Ele tinha esse poder sobre ela, e tinha muito orgulho
disso.
Quando ela abriu os olhos, sua expressão era de paixão
nervosa. Ela se virou para encará-lo. Para sua agradável surpresa, ela
pressionou a mão na protuberância dolorosa que exigia liberdade.
Gemendo enquanto ela o acariciava por cima de sua calça, ele lutou
para se controlar. Foi sua vez de fechar os olhos.
Ele sussurrou para ela, embora não se envergonhasse das
palavras. Ele não se importava com quem ouvisse. — Eu amo você.
E eu não achava que poderia te amar mais. No entanto, sou mais
uma vez provado errado.
Ele se deitou de costas nos travesseiros, afundando em seus
braços, e observou sua futura rainha enquanto ela o via. Ela lutou
tanto para conter sua necessidade por ele. — Deixe ir, Abigail. Eu
vou te pegar.
— Eu... — Ela fez uma pausa, claramente debatendo suas
palavras. — Acho que estou me apaixonando por você, Príncipe
Valroy.
Não importa o que acontecesse com eles. Não importa o que o
futuro reservasse. Ele guardaria essas palavras enquanto vivesse.
Se isso fosse amor, ele nunca iria deixá-lo ir.
CAPÍTULO 24
Abigail tentou evitar que suas mãos tremessem. Ela estava
muito, muito fora de seu alcance. O que ela estava pensando?
Fazendo aquele pedido a Valroy? Mas enquanto ela o observava
deitar nos travesseiros, parecendo como nunca o príncipe de
pesadelo que ele era, ela teve que admitir... Ele a deixou com água
na boca. Ou com a boca seca. Ou, de alguma forma, ambos.
Ele sorriu para ela enquanto cruzava os braços sob a cabeça.
Uma de suas garras estava brincando com o tecido do vestido dela,
envolvendo-o nas garras.
— Você sempre tem que parecer tão presunçoso? — Ela se
aproximou dele, montando uma de suas coxas.
— Sim. — Ele o ergueu dentro dela, e ela ofegou quando ele o
apertou contra seu corpo. Ela já havia perdido sua guerra com seu
desejo. Ela havia lutado, discutido, brigado, se esforçado e sido
miseravelmente derrotada.
Empurrando uma mão para baixo em sua perna, ela acalmou
seus movimentos. Ele obedeceu, embora aquela torção irônica em
seus lábios só se aprofundasse. Colocando seu peso sobre ele, ela
levou um momento para olhar ao redor da grande clareira em que
todos se reuniram.
Figuras se moviam no escuro, algumas escondidas pelas
fogueiras ardentes, outras procurando a beira da linha das árvores
para se estabelecer. Grupos de amigos, de namorados, de ambos,
todos apreciando a companhia um do outro. Risos, de vez em
quando, ecoavam pelo crepitar da lenha. O ar estava frio e fresco,
mas o fogo estava quente enquanto lançava uma luz âmbar dançante
e sombras retorcidas que obscureciam ainda mais a multidão.
As faíscas do fogo subiam para o céu estrelado, como se
procurassem se juntar a suas irmãs distantes. Era bonito.
Sua outra garra pousou em sua coxa, acariciando suavemente
sua pele, como se tentasse acalmar suas preocupações. Ou, talvez,
para trazer sua atenção de volta para ele. Seu dinheiro estava no
último. Mas funcionou. Ela sorriu para ele. — Estou sendo julgada?
— Talvez.
Ela estreitou o olhar.
— Sim. — Ele murmurou. — Eu não me preocuparia.
— Você ia me avisar?
— Teria feito algum bem?
Abrindo a boca para argumentar, ela fez uma pausa e suspirou.
— Não.
— Pelo quê, precisamente, estou sendo julgada? — Ela torceu o
nariz. — Se for minha habilidade, então temo que vou decepcionar.
Eu mal tenho a experiência que o resto de vocês parece compartilhar.
Ele riu. — Primeiro, você é muito dura consigo mesma. Confie
em mim. Em segundo lugar... Não. Eles desejam nos ver. Seu novo
Rei e Rainha, o ‘esplendor de nosso acasalamento’. — Ele gesticulou
uma garra preguiçosamente. — É uma tradição antiga.
— Pervertidos. Todos vocês.
— Você não conhece a metade disso. Ainda. — Ele riu
sombriamente, a última palavra sendo tanto uma ameaça quanto
uma promessa.
Seu estômago se torceu em nós.
Como é que ela estava com medo das coisas que ele dizia, mas
profundamente desejosa delas ao mesmo tempo? Com uma
respiração vacilante, ela se abaixou e passou a mão sobre seu
abdômen, observando os músculos apertarem e relaxarem sob seu
toque.
Ele era uma obra de arte. Esculpido como se de mármore. Ele
tinha o corpo de um guerreiro. De um homem que usava seu corpo
para força e violência. Sua segunda mão juntou-se à primeira,
acariciando seu peito, explorando-o.
Ela ainda tinha que realmente tocá-lo. Não assim.
— Você é... Simplesmente... A coisa mais linda que eu já vi. —
Suas palavras eram calmas e quase aterradas. Ela levantou o olhar
de beber na visão dele. Havia aquela luxúria sempre presente em
seus olhos, sim. Mas havia algo mais.
Amor.
— Diga-me que você não mente para mim, Príncipe Valroy. —
Ela correu as mãos de volta para baixo de seu peito, em direção a sua
cintura. Em direção à coisa monstruosa em sua calça que parecia que
poderia rasgar as costuras se não fosse libertada logo. — Acho que
meu coração não aguentaria.
Ele se sentou tão rápido que ela quase caiu para trás. Ele
passou um braço em volta das costas dela e, com a outra mão,
segurou seu queixo com tanta firmeza que ela se perguntou o que
tinha feito para enfurecê-lo.
A intensidade em seu olhar parou suas palavras antes que elas
pudessem se formar.
— Nunca mentirei para você, minha princesa. Minha rainha.
Minha esposa. Nunca. Pois enquanto você joga ociosa com suas
palavras... Se você apenas uma vez me olhasse com traição em seus
olhos, eu não saberia viver comigo mesmo. — Ele sorriu. — Essa é
uma profundidade muito baixa, mesmo para mim. Não, minha
querida e doce bruxa Seelie. Você tem minha lealdade e minha
honestidade, até que as estrelas se transformem em pó.
— Mas...
— Devo jogar? — Ele sorriu. — Claro. De que outra forma
posso inspirá-la a me encarar com uma fúria tão deliciosa? Mas
traição? Mentiras? Não. — Ele pairou seus lábios sobre os dela, sua
respiração quente se acumulando sobre sua pele. — Veja minha
alma, minha amada, e saiba que é sua.
Foi ela quem zerou a distância entre eles, beijando-o com todas
as emoções que a invadiram de uma só vez. Ele era um monstro. Um
senhor da guerra assassino que se deleitava em tortura,
desmembramento e projetos de pesadelo que ela sabia que estava
apenas começando a entender.
Deveria enojá-la. Ela deveria se afastar dele. Essa seria a coisa
lógica a fazer.
A coisa certa.
A coisa correta.
Mas parecia que ela não carregava nenhuma dessas qualidades,
pois ela derramou seu coração no beijo para combinar com o dele.
Eu menti para você. Eu não estou me apaixonando por você. Acho que já
passei disso.
Quando ela terminou o beijo, ela empurrou seus ombros,
insistindo que ele voltasse para os travesseiros. Ele riu e obedeceu,
esticando-se languidamente, como se estivesse se preparando para
um cochilo. Maldito seja ele e sua arrogância.
Mas ela estava sorrindo fracamente enquanto balançava a
cabeça.
— O que você pretende fazer comigo, minha princesa? — Ele
cruzou os braços atrás da cabeça novamente, observando-a com
aquele sorriso irônico e diabólico mais uma vez.
— Eu não pensei nisso, para ser franca. — Ela desamarrou o
vestido dos ombros e, com apenas um momento de hesitação, tirou-
o pela cabeça e o jogou de lado. Isso só atrapalharia em breve.
Rindo, ele se moveu debaixo dela, esfregando sua coxa de volta
em seu corpo. Ela reprimiu um gemido e fechou os olhos por um
momento para aproveitar a sensação. Sua voz era um estrondo baixo
e sombrio quando o deixou. — Faça o que quiser.
Ela arrastou as mãos pelo peito dele, antes de passar a palma
da mão sobre sua excitação, sentindo a forma definida dele através
do tecido, já quente contra sua pele. Ele não era tão sutil com seus
sons, nem como ele levantava seus quadris em seu toque.
Pressionando um pouco mais forte, acariciando-o lentamente,
ela observou enquanto ele se contorcia debaixo dela. O poder que ela
tinha sobre ele era mais inebriante que o vinho. Isso a fez esquecer as
centenas de olhos que a observavam - ou talvez, eles simplesmente
aumentavam o desejo que se enrolava em seu corpo. Ela não tinha
certeza.
Ela estava no palco. E a ideia disso... Não era tão revoltante
quanto ela esperava que fosse.
Inclinando-se, ela beijou seu peito, bem no centro da
representação da tinta do Labirinto que estava sobre seu coração.
Isso trouxe um gemido baixo dele, e ele enroscou uma garra no
cabelo dela. Ele puxou, arqueando as costas dela, e ela ofegou
quando a picada percorreu seu couro cabeludo. Mas o suspiro foi de
prazer, não de dor.
E ainda assim, ela o acariciou, piorando o que deve ser uma
situação assustadoramente desconfortável para ele. Ela sorriu,
compartilhando um pouco de sua maldade pela primeira vez. Isso
quase o levou ao limite, quando ele mostrou os dentes e jogou a
cabeça para trás nos travesseiros, apertando os olhos. Ele se
contorceu embaixo dela, mas com um grunhido profundo, e ela
observou enquanto ele lutava pelo controle de seu corpo e ganhava.
Os olhos de safira encontraram os dela, e ambos estavam
irritados e desesperadamente apaixonados ao mesmo tempo.
— Acredito que gosto de provocar você — ela murmurou. —
Que surpresa.
— Sorte minha — ele reclamou.
Com uma risada silenciosa, ela se endireitou novamente, sua
garra escorregando de seu cabelo. Ela decidiu que havia
provocações, e depois havia tortura, e ela não estava pronta para
isso. Desatando sua calça, ela a puxou de seus quadris, e ele gemeu
audivelmente quando foi liberado.
Com a ajuda dela, ele chutou a calça, aparentemente ansioso
demais para se livrar dela. Então, ele estava embaixo dela,
totalmente nu. Totalmente orgulhoso. E deuses...
Ela o envolveu com a mão, espantada. Ela se perguntou se
algum dia se acostumaria a ele, como Titânia havia dito que
aconteceria. Ela nunca pensou que ficaria entediada, no entanto. Isso
estava fora de questão.
A sensação de suas fileiras de piercings enquanto deslizavam
por seu aperto era fascinante. Ele arqueou as costas, pressionando os
quadris para cima, combinando os movimentos dela com seu
próprio ritmo. — Você... Nnnh... Preferiria que eles fossem embora?
— Ele fechou os olhos, aproveitando a sensação que ela estava lhe
trazendo.
— Não. Deixe-os. — Ela tinha que admitir que combinavam
maravilhosamente com ele. — Estou sendo julgada, não estou?
Ele sorriu, os dentes afiados brilhando, embora não abrisse os
olhos. — Eu estou surpreso. Achei que você... Ah... Seria muito
tímida para isso. Que eu estaria pressionando você contra a grama,
vendo você esconder seu rosto enquanto eu fazia você gritar meu
nome.
Ela estremeceu com a imagem mental. — Não quero que
pensem que sou alguma coisa conquistada, algum prêmio de guerra.
— Ela desceu de sua coxa para se abaixar até o cotovelo ao lado dele,
seu corpo perpendicular ao dele.
— Você não é?
Agindo por capricho, ela abaixou a cabeça e mordeu sua coxa,
perto da junção de seu quadril. Ele rosnou, mas a julgar por como
sua excitação saltou na mão dela, ele também gostou quando a dor
se juntou.
Rolando a língua sobre a marca que deixou, ela sorriu para si
mesma. Sim, isso era bastante divertido. O prazer dele parecia ecoar
nela como se fosse dela. Era algo que ela nunca tinha experimentado
antes, essa sensação de poder. Essa liberdade.
— Não. Acho que estou aqui por minha própria vontade. —
Ela beijou sua coxa, aproximando-se de onde ela sabia que ele
desejava que seus lábios estivessem, tomando seu tempo doce.
— Eu... Nnnh... Não estou reclamando, veja bem. Simplesmente
— ele rosnou enquanto ela brincava com seu abdômen com os
dentes mais uma vez — surpreso.
— Você quer uma escrava, Príncipe Valroy? Uma coisa
quebrada que se ajoelha e beija seus pés? — Ela lentamente passou a
língua por todo o comprimento dele, da base à ponta, e observou
enquanto ele engolia um rugido. Os olhos de safira encontraram os
dela, e ele parecia quase exausto.
Ela não sabia onde ela conseguiu a ousadia. Ela não sabia de
onde vinham suas palavras. Talvez o vinho fosse o culpado. Talvez o
calor do fogo. Talvez o calor de seu corpo sob o dela. Ela sorriu. —
Ou você quer uma rainha?
Pela expressão dele, ela se perguntou se o prazer dele não tinha
atingido o pico apenas com suas palavras. Ele estremeceu debaixo
dela, as garras de suas asas se fechando nos travesseiros, e ele
rosnou, um som profundo, retumbante e animalesco.
A expressão que encontrou a dela um momento depois estava
perdida em prazer, mas também... Frustrada. Não com raiva, não em
si, mas observando-a com uma violência tão desenfreada que ela se
perguntou se tinha ido longe demais. Ela estava jogando um jogo
perigoso com o mais mortal dos predadores.
Suas mãos flexionaram no ar perto de sua cabeça, unhas
afiadas ameaçando agarrá-la. Ela sabia que ele estava lutando contra
o desejo de se forçar nela. A tensão o percorreu em ondas e,
finalmente, com um grunhido de boca aberta, ele forçou as mãos de
volta para baixo.
— Você... Você será a minha morte, Abigail Moore. — Suas
palavras estavam emaranhadas em respirações curtas e rápidas. —
Tenha pena de mim, sim?
Pena. Quem estava prestes a quebrar quem, ela se perguntou?
Acho que ele não está acostumado a esse tipo de tratamento. Por que ele
estaria? Você o conhece. Você viu como ele se comporta. Sim, ela lhe
mostraria misericórdia. Ela provou seu ponto. Talvez não apenas
para ele, se o silêncio das conversas ao redor deles fosse alguma
indicação.
Ela passou a língua ao longo dele, de novo e de novo,
descobrindo que gostava do deslizamento do metal de seus
piercings contra ela. Ela deixou seus olhos se fecharem, perdendo-se
na sensação dele.
— Cuidado com os dentes...
Ela quase riu. Ele parecia tão furioso com ela, e ainda assim ele
estava preocupado com ela quebrando um dente em seus piercings.
Valroy era, se nada, uma criatura de estranhas contradições que de
alguma forma não eram contradições.
Tomando-o em sua boca, ela saboreou o som que ele fez
quando ela rolou a língua ao redor dele, acariciando o resto com a
mão, enquanto ela o adorava o melhor que podia. Ela teria que ser
cuidadosa, ele estava certo. Mas ela poderia definir seu próprio
ritmo pela primeira vez, então...
Afastando-se dele, ela gritou quando algo entrou em seu
núcleo. Ela olhou para ele em choque. Suas mãos ainda estavam sob
a cabeça. Ela gritou novamente quando mergulhou mais fundo,
enviando prazer crepitando por sua espinha.
Suas asas.
Ela sempre se esquecia de suas malditas asas.
Ele havia retirado as garras afiadas, semelhantes as garras de
águias, e agora estava pressionando um dos dedos grossos e
texturizados profundamente em seu corpo. Era difícil voltar sua
atenção para ele, com uma sensação tão estranha e maravilhosa
enviando choques por ela. Mas ela tinha começado isso.
Tomando-o de volta em sua boca, amando a tensão que era
para caber nele, ela balançou a cabeça nele lentamente, pegando a
sensação dele. Puxando uma respiração, ela segurou, e afundou a
cabeça sobre ele.
Deuses.
Seus piercings.
Eles ameaçavam acabar com seu controle. Mas ela não seria
derrotada por eles. Ou por ele.
— Um — ele murmurou densamente.
Ela cravou as unhas em sua coxa. Ele empurrou seus quadris
para cima, empurrando-se apenas um pouco mais fundo nela. Ela
quase engasgou. Recuando o suficiente para respirar, ela lhe lançou
um olhar. Ele apenas sorriu para ela.
Desgraçado.
Ele sabia. Ela não precisa dizer isso.
A garra de sua asa mergulhou nela novamente, lenta e
metódica, mas imparável. Ela gemeu contra ele e decidiu que ficaria
irritada outra vez. Quando era ela quem ditava o ritmo, achava
muito mais fácil levá-lo, embora fosse um desafio. Sempre seria.
Sempre.
O pensamento a atingiu, e ela estremeceu. Este era seu futuro
marido abaixo dela. Ela teria tanto dele quanto ela poderia desejar. E
lenta mas seguramente, ele estava fazendo dela uma gulosa.
Quando seis e sete passaram por seus lábios, ele gemeu seu
nome. Um segundo dedo se juntou ao primeiro dentro dela,
torcendo e flexionando, e ela quase se desfez naquele momento,
espetada como estava de ambas as extremidades.
Outra retirada, outra respiração profunda, e ela se
comprometeu a tomar tudo dele. Quando o nariz dela tocou seu
corpo, isso pareceu ser demais para ele. Dessa vez, seu nome era um
rugido abafado. Uma mão agarrou a parte de trás de sua cabeça
enquanto ele perdia a compostura, empurrando seus quadris contra
ela, procurando desesperadamente encontrar uma maneira de cavar
mais fundo.
Ela o sentiu pulsar dentro dela. Seus quadris deixaram o chão
quando ele se arqueou, seus músculos se contraindo quando ele se
esvaziou nela, muito além do ponto em que ela o provaria.
Não foi a sensação de suas garras dentro de seu corpo que a fez
cair sobre a borda para se juntar a ele.
Era o prazer que ela lhe trazia. Observando-o perder-se nela.
Ouvindo-o ofegar e gemer e rosnar em êxtase. Ela teria gritado se
pudesse.
Um momento depois, e ele a arrancou dele. Foi só então que ela
percebeu que estava tonta, tendo segurado a respiração por talvez
um segundo a mais. Ela ofegou por ar, seus pensamentos
cambaleando em uma mistura de sua própria liberação formigante e
falta de ar.
Ele a arrastou para cima de seu corpo, e um segundo depois ela
estava em cima dele, e ele a beijava com todo o fervor selvagem de
um louco. Ela empurrou seu peito, precisando respirar, e ele
finalmente cedeu.
Embalando o rosto dela nas mãos, ele a observava com algo
parecido com assombro, mas com a mesma frustração desesperada
de antes. Ele levantou os quadris, e ela percebeu... Ele não tinha
diminuído. Nem um pouco.
Ele sorriu sombriamente quando os olhos dela devem ter se
arregalado. — Eu não sou um homem mortal, Seelie. — Aquelas
garras retornaram, batendo nela sem aviso, todo o caminho até a
junta, e ela arqueou, gritando agudamente com a sensação. A risada
que veio dele era pura maldade. E ela não poderia estar mais feliz
por isso.
Inclinando-se, ele passou a língua ao longo da linha de seu
lábio inferior, antes de murmurar palavras que quase a
desmancharam. — E eu ainda não terminei com você.

Valroy nunca esteve tão bravo e alegre ao mesmo tempo. Era


uma combinação estranha, e ele não sabia muito bem o que fazer
com isso. Sua pequena Seelie atormentadora queria tomá-lo na
frente de todos os seus cortesãos. Ele! Valroy, o Príncipe Sangrento.
Arruinaria sua reputação.
Ou talvez a corrigiria.
Não poderia ficar muito pior.
Mas como ele poderia negá-la? Como ele poderia dizer não,
quando ela o tinha cavalgando à beira do esquecimento de uma
maneira que nenhuma outra mulher jamais havia feito? Já havia se
atrevido a fazer? A sensação de se perder em sua boca pronta,
disposta e flexível... Estrelas. Ele quase perdeu o controle uma
segunda vez apenas com a memória fresca.
Mas agora era a vez dele.
Oh, ele poderia jogá-la na grama e machucá-la como o javali
que ele ameaçou se tornar o que parecia ser eras atrás. Ele poderia
pressionar o rosto dela contra os travesseiros e fazê-la chorar por
misericórdia enquanto extraía seu corpo para si mesmo.
Não.
Isso seria muito simples.
Ela estava em cima dele agora, escarranchada em sua cintura, e
ele podia sentir sua tensão vulcânica ao redor dos dedos de sua asa.
Ela quase gemeu quando ele as pressionou contra ela o mais longe
que elas podiam ir. E logo, elas estariam enterrados profundamente
nela de uma maneira diferente.
Ele sorriu diabolicamente. Ela a tomaria por vontade própria,
exatamente como desejava. Mas isso não significava que ele não
tinha suas próprias surpresas guardadas. Ele puxou suas garras de
seu corpo, deixando-a a pouco da liberação. Ele também poderia ser
uma provocação.
— Bem? — Ele deitou a cabeça para trás, adorando a visão dela
lutando com seu próprio desejo. — Ou você está mudando de ideia?
Havia aquele olhar fulminante que ele tanto amava. Ela se
sentou e passou a mão pelo cabelo, afastando as mechas e cachos
granada do rosto. Tomando um momento para reunir seu juízo, ela o
pegou em sua mão e, movendo seus quadris, começou a enterrá-lo
dentro dela.
Os ruídos que eles fizeram foram combinados quando ela o
deslizou mais fundo. Desta vez, ele não contou os piercings
enquanto ela trabalhava para encaixá-lo. Ele descansou as mãos nas
coxas dela, apertando suavemente, encorajando mais do que a
guiando.
Não, esta era a noite dela.
Sua rainha.
Ela o soltou, não precisando mais de ajuda, e pressionou as
palmas das mãos contra o abdômen dele enquanto balançava os
quadris, movendo-o lentamente, afundando cada vez mais. Que
visão ela era. Que coisa perfeita, sem falhas.
Uma Seelie, com toda a sua vida, luz e calor. Com toda a sua
glória de primavera e verão.
Empalando-se sobre ele.
Verdadeiramente não poderia haver Unseelie mais feliz do que
ele.
Seus lábios estavam separados agora enquanto seu peito
arfava, desesperado por ar. Ele não podia ajudar a si mesmo. Ele se
moveu para segurar seus seios, amassando e apalpando-os
lentamente, rolando os globos entre os dedos.
Seu gemido era como música para ele enquanto ela ainda
lutava para tomá-lo. Mas ela não seria derrotada. Ele brincou com
seus mamilos empinados, deliciando-se em como a ação a fez
estremecer e ofegar.
Quando finalmente, finalmente, o peso dela estava sobre seus
quadris, e eles estavam totalmente unidos como um, ele sentiu o
corpo dela convulsionar ao redor dele, apertando em ondas, e ela
conteve o grito de êxtase.
Ela pressionou a mão em seu abdômen, e balançou seu corpo
sobre ele mais uma vez, claramente sentindo-o dentro dela. —
Valroy... Deuses...
— Se você acha que eu... Ah... Não posso te arruinar daqui... —
Ele agarrou seus quadris em suas mãos e a levantou dois centímetros
antes de bater de volta para baixo, levantando seus quadris a tempo
de combinar. Ele a viu na luz desaparecendo de sua felicidade, e
seus olhos se arregalaram com o que deve ter feito com ela, sua boca
aberta em um grito silencioso. — Então não fomos adequadamente...
— Ele repetiu a ação, sua voz se transformando em um grunhido
baixo. — Apresentados.
Era sua vez de definir o tempo. Sua vez de definir o ritmo. De
ver toda a aflição e preocupação, toda a luta e debate interno sobre
“ela deveria” ou “ela ia” desaparecer na ira de seu prazer era
simplesmente uma das coisas mais maravilhosas que ele já tinha
visto.
Pois no ataque de seu amor, ela só podia se render. Dobrando
os joelhos, plantando os calcanhares no chão, ele começou seu
trabalho.
E logo, rapidamente, ela estava descansando as mãos sobre as
coxas dele, incapaz de fazer qualquer coisa além de ofegar e
choramingar enquanto ele tirava todas as dúvidas de sua mente e as
substituía por isso. Por ele.
Quando sua felicidade cresceu mais uma vez, ele a sentiu tensa
enquanto o prazer pairava à beira de ser esmagador. Ele diminuiu a
velocidade, e então parou, assegurando-se de que ele ainda estava
profundamente dentro dela, apenas aumentando e cedendo à
pressão.
Ela piscou os olhos em confusão.
Estendendo uma mão, ele segurou a parte de trás de sua cabeça
e a puxou para um beijo. Talvez ela pensasse que o movimento era
simplesmente ele sendo doce.
Garota ingênua.
O som que ela fez contra seus lábios – um choro, um grito, um
ofegar – foi lindo além das palavras. Pois ele forçou uma das garras
de sua asa dentro dela. Com ele. Ao lado dele. Ela lutou, mas ele
passou os braços ao redor dela, prendendo-a em seu peito.
Quando ela mordeu seu lábio, ele apenas riu contra ela.
A garra não ficou lá por muito tempo, no entanto. Ele tinha
outros planos. Pois ela flutuou para o norte, circundando sua outra
entrada, umedecendo-a. Ela guinchou e balançou a cabeça,
finalmente se libertando de seu beijo.
— Valroy...
— Shhh.
— Eu... — Ela tentou se afastar. Mas ela foi pega em seus
braços, empalada profundamente sobre ele. Não havia para onde ir.
E suas palavras foram cortadas em um guincho quando ele
pressionou a ponta de seu dedo – unhas retiradas, é claro – dentro
dela de uma nova maneira.
— Eu vou ter você de todas as maneiras que um homem pode
ter você. — Ele rosnou as palavras em seu ouvido, enquanto
trabalhava lentamente o dedo mais fundo. — Eu vou fazer você
minha. Agora... Relaxe. Respire. — Saindo pela metade, entrando o
dobro. Saindo pela metade, entrando o dobro. Cuidadoso, atento a
qualquer expressão de dor em suas feições.
Ela estava de olhos arregalados, aterrorizada, exausta.
Mas não com dor.
Entrando o dobro. Saindo pela metade. Seu corpo cedeu com a
invasão, suas muralhas já quebradas por seu ataque. — Renda-se,
Seelie.
— Eu... Ah... Eu não... Sei se eu... Tenho uma escolha... — Suas
palavras mal foram formadas, seus olhos agora fechados quando ela
foi vencida pelo que ele estava fazendo com ela.
— Você sempre vai. E você sempre tem. — Ele se enterrou até
os dedos, sorrindo em triunfo. Ele a dividiria assim na verdade
algum dia. Mas isso seria um assunto muito mais longo e cuidadoso.
Pressionando seu peso sobre os calcanhares, ele começou a acariciá-
la novamente. Mais lento desta vez. Deixando-a experimentar o que
era sentir ainda mais dele dentro dela do que antes.
Ela deixou cair a cabeça em seu peito, sua bochecha sobre seu
coração.
E ela era mais uma vez dele.
E oh, como ele a entregou tal êxtase em troca.
Quando tudo foi dito e feito, quando ele a encheu pela segunda
vez, seus gritos ambos engolidos por um beijo, ela estava deitada em
cima dele em um abandono sem fôlego, aquecendo-se com o que
eles tinham feito.
E quando os aplausos abafados explodiram entre os
espectadores, sua risada foi exausta, mas genuína.
Eu desejei uma esposa.
E eu encontrei muito mais.
CAPÍTULO VINTE E CINCO
Quando a festa começou a diminuir e os grupos se afastaram
para aproveitar o resto da noite juntos, Anfar se viu como sempre se
via em tais situações - na periferia.
Sozinho.
A alternativa não era preferível. Ele não queria se sentar com os
outros lordes e ladies da corte e ouvi-los brincar e reclamar sem
parar sobre assuntos que ele não ligava para nada, ou pior, vê-los
acasalar.
Ele pegou uma garrafa de álcool forte – certificando-se de que
estava cheia – e foi sentar-se sozinho na beira da floresta. Perto o
suficiente de uma das fogueiras para não sentir frio, mas longe o
suficiente para não precisar ouvir a festa em detalhes.
Quando passos se aproximaram, esmagando as folhas caídas e
quebrando pequenos galhos, ele olhou para cima e franziu a testa. —
Perin?
— Eu vi você aqui, pensei em me juntar a você. — O selkie
sorriu. — Se você quiser.
Seu crescente senso de suspeita sobre o jovem havia chegado a
um ponto crítico. Ele fez um sinal com a cabeça para que Perin se
sentasse ao lado dele mesmo assim e ofereceu a garrafa de álcool ao
marinheiro assim que Perin se acomodou com as costas contra a
árvore ao lado dele. — Por que você está aqui, Perin?
— Oh. Bem, acho que é obra de Abigail. Duvido que Valroy
teria me convidado por vontade própria.
— Não. Quero dizer aqui. Sentado ao meu lado. — Anfar
pegou a garrafa da mão do homem e tomou um gole antes de colocá-
la entre eles.
— Oh. — Perin fez uma longa pausa e suspirou. — Você
parecia solitário.
— Não, eu pareço com raiva. — Anfar zombou. — Mas você
acredita que eu sou solitário.
— Você é?
Anfar bebeu o álcool novamente. Não havia sentido em mentir
para o selkie. Seu orgulho já havia diminuído o suficiente em torno
do outro homem. De que serviriam os últimos resquícios disso
agora? — Eu suponho que sim.
— Então por que não se juntar aos outros?
— Porque eu não suporto suas conversas insípidas.
— Vou calar a boca, então.
Isso fez Anfar rir inesperadamente, embora a julgar pela
expressão no rosto de Perin, não fosse uma piada. Mas, encorajado
pela risada de Anfar, ele sorriu levemente.
— Também não tenho vontade de assistir para descobrir se
Lorde Verink completará sua tentativa de ‘bater seu recorde pessoal’
de número de paus chupados em uma noite. Eu me recuso a fazer
parte de sua contagem, e da última vez eu tive que quebrar seu
nariz. — Anfar fez uma careta.
Perin tinha tomado um gole e bufou. Ele lamentou, enquanto a
substância em chamas claramente conseguiu encontrar-se em seu
nariz.
E Anfar riu novamente. Embora não diretamente da miséria do
homem. Ele sabia que o marinheiro ficaria bem. Mas tinha sido uma
coisa engraçada de se ver, mesmo assim. Quando Perin terminou de
esfregar o nariz e os olhos lacrimejantes, Anfar o cutucou. — Você
está bem?
— Estou — ele tossiu — bem. Ah, deuses. — Ele enxugou
novamente os olhos com a palma da mão. — Isso é inteligente.
Anfar sorriu e inclinou a cabeça contra a casca da árvore. —
Quem te colocou nisso, Perin?
— Humm? — O marinheiro pareceu surpreso. Surpreso, e
talvez um pouco culpado.
— Foi Abigail?
— Não, eu...
— Valroy, então?
O outro homem corou – corou de verdade – enquanto
balançava a cabeça e desviava o olhar para a parte principal da festa.
Ele coçou a barba por fazer e...
Oh.
Oh, não.
Anfar ficou rígido por um momento, olhando para a expressão
de Perin com os olhos arregalados de choque. E ele estava muito,
muito feliz que o marinheiro estava distraído. Anfar pegou a garrafa
de álcool e engoliu dois goles, esperando que a queimação em sua
garganta matasse os pensamentos em sua cabeça.
Pois foi naquele momento terrível, horrível, horroroso,
desastroso...
Que ele percebeu que estava atraído pelo selkie.
Merda. Merda, merda, merda! Não, não, não, pelos deuses, não. Por
favor. Não façam isso comigo.
— Quem te colocou nisso? — Anfar perguntou novamente, um
pouco mais frio dessa vez. — Você não está aqui por sua própria
vontade.
— Por que você diz isso?
— Ninguém se aproxima de mim por vontade própria. Até
Valroy vem apenas para me atormentar, ou quando precisa de
alguma coisa. — Anfar mostrou seus dentes afiados e então
suspirou. — Se não foi ele nem Abigail que te enviou, quem foi?
— Eu... Hum. — Os ombros de Perin caíram. — Primeiro, eu
não desgosto de sua presença, Anfar. Eu... Eu acho que você pode
ser um dos poucos cortesãos sãos, e eu me sinto decididamente
menos deslocado com você do que com essa bobagem. — O
marinheiro pegou a garrafa e gesticulou em direção à festa antes de
tomar um gole e colocá-la de volta na grama. — Gosto de falar com
você. E pior ainda, eu gosto quando não falamos tanto, mas apenas
sentamos em silêncio.
Anfar o observou cuidadosamente, procurando a mentira. —
Foi Bayodan, não foi?
— Não. — Perin fechou os olhos e suspirou pesadamente
novamente. — Se você deseja que eu vá, se você não gosta de mim,
eu vou embora.
Anfar franziu a testa e, xingando-se novamente em sua cabeça
por ser tão tolo quanto aqueles que ele afirmava odiar tanto,
murmurou: — Eu não desgosto de você, selkie. Se eu desgostasse, eu
já teria comido você.
Foi a vez de Perin rir. Anfar não achou engraçado o que ele
disse, mas... Ele não entendia a maior parte do humor.
Eles ficaram em silêncio por um longo momento antes que
Perin finalmente o quebrasse. — Foi uma das bruxas. Aquela que
vem no crepúsculo. Belladona. Ela me disse que você... Precisaria de
companhia e me pediu para cuidar de você.
— E o que mais ela disse?
— Alguma parábola prolixa sobre um urso e um espinho. Não
sei. Era um absurdo. Então algo sobre como você deve ‘fazer sua
parte no que está por vir’, e que você precisava de mim. Então
simplesmente que eu deveria ‘ir para a esquerda’. — Ele revirou os
olhos.
Anfar bufou. — Você realmente falou com uma das bruxas. —
Ele balançou sua cabeça. — Por que importa se eu escolher afundar
no fundo de uma garrafa? O que ela quis dizer com ‘o que está por
vir’?
Perin balançou a cabeça. — Isso foi tudo o que ela me disse.
Outro longo período de silêncio se passou entre eles.
— Eu não estou aqui simplesmente porque a bruxa me disse
para estar. Eu... Realmente gosto da sua companhia, Anfar. — O
selkie puxou um fio solto da manga de seu casaco.
— Você poderia ter mentido para mim sobre a bruxa. Você me
disse a verdade. Por essa razão, eu acredito em você. — Ele fez uma
pausa. — Eu acho que você é um idiota, mas eu acredito em você.
Perin riu baixinho e Anfar sorriu.
Eles terminaram o resto da garrafa em silêncio.

O sol ainda estava no céu quando Abigail acordou, velado


como era no Labirinto. Ela estava sentada ao lado de Valroy
adormecido - ainda era estranho sentar em sua asa, mas ele disse que
isso realmente não o incomodava - acariciando sua mão gentilmente
por seus longos cabelos azuis.
Ela ficava impressionada com ele em seus momentos de ira.
Mas ela o adorava quando ele estava em paz assim. Era um lado
diferente dele. Um que ela suspeitava que a maioria não via. Ele
bocejou, murmurou e passou os braços ao redor dela, puxando-a
para mais perto de seu lado.
Suas palavras foram abafadas e um pouco arrastadas quando
ele enfiou a cabeça no travesseiro embaixo dele. — Que horas são?
— Ainda não é noite, se é isso que você está perguntando. —
Ela olhou para o sol. — Mas é no final da tarde.
— Por que você está acordada? — Ele abriu um olho turvo, em
seguida, apertou-o novamente com um gemido. — Por que estou
acordado?
Rindo, ela se inclinou e beijou sua bochecha. — Eu não
conseguia dormir. Eu... Deveria ir falar com Titânia. Mas eu não
queria ir embora sem dizer a você para onde eu tinha ido.
Isso o acordou. Pelo menos o suficiente para ele rolar de costas
para olhar para ela em confusão, de qualquer maneira. — Titânia?
Por que?
Havia um caminho diante dela. Um de honestidade, e um de
engano. Ela poderia lhe dizer a verdade, ou... Protegê-lo disso. Ela
balançou a cabeça. Ele jurou nunca mentir para ela; como ela poderia
dizer imediatamente uma falsidade em troca?
— Ela me pediu para te matar, quando ela me permitiu voltar
ao Labirinto. Quando você ia se casar com Astasha. Eu... Disse que
tentaria, se pudesse. — Ela franziu a testa. — Mas não posso fazer
isso que ela me pediu. Nem desejo sequer considerar por mais
tempo. — Ela fez uma pausa, esperando por sua raiva. Esperando
que ele a golpeasse, talvez, em um acesso de raiva por ter escondido
isso dele.
Em vez disso, ele riu.
Ela piscou surpresa, observando enquanto ele passava um
braço sobre os olhos para apagar a luz. — Típico da rainha Titânia
vadia. Deixe-me adivinhar, ela disse para você se satisfazer comigo,
e então quando você estivesse entediada do meu pau gigante, para
me matar enquanto eu dormia.
— Er... Quase exatamente essas palavras, sim. — Ela lutou
contra um sorriso e perdeu.
— E você deseja dizer a ela que você ficou do meu lado?
— Sim. Ela foi gentil comigo, tanto quanto eu acho que ela é
capaz. Parece justo.
— Você está lidando com os Seelies. Nada é justo com eles.
— Eu sou Seelie, não se esqueça.
— Você é, e ainda assim você não é. — Ele bocejou e se virou de
lado para se enterrar nos travesseiros. — Você ainda é muito
humana para seu próprio bem. Mas eu não vou te parar. Você é livre
para fazer o que quiser. Eu direi às árvores para não molestar você
no caminho. — Ele sorriu sonolento.
— Obrigada. — Inclinando-se, ela beijou sua bochecha
novamente. — Estarei de volta antes do pôr do sol.
— Bom. — Ele se espreguiçou e puxou o cobertor de pele para
cima dele. — Temos um casamento para planejar.
Ela sorriu. Sim, eles tinham. Ela beijou sua bochecha uma
última vez antes de escorregar da cama, então convocou algumas
roupas. Ela manteve a calça de algodão, mas escolheu algo mais
sedoso para uma blusa do que talvez não tivesse feito muito tempo
atrás. Simplesmente parecia mais agradável contra sua pele.
Convocando o manto verde que Bayodan lhe dera, ela o puxou para
se proteger do ar frio.
Ele estava certo. As árvores a deixaram sozinha enquanto ela se
movia através dos sistemas radiculares e para um lugar que ela
pensou que poderia ser uma boa primeira tentativa de encontrar a
rainha – a sala do trono. Estava vazia. O sol brilhando no trono
dourado chamou sua atenção. Era lindo, os raios brilhantes de todas
as peças esculpidas detalhadas de madeira e osso.
Mórbido, sim.
Mas bonito.
Como a maioria de Tir n’Aill, suponho.
— Gostaria de sentar em cima dele?
Ela gritou com a voz repentina atrás dela. Ela se virou para
encontrar Titânia parada ali, sorrindo para ela. — Eu... Não. Foi
apenas uma visão bonita, isso é tudo.
— Humhum. Não, acho que você veio para me matar e tomar
meu trono.
— Não! Eu... Mas... Eu... — Ela gaguejou inutilmente, o pânico
a inundou.
Os olhos de Titânia brilharam divertidos, e seu sorriso
floresceu completamente, enquanto ela caía na gargalhada. — Estou
brincando com você, coitadinha. — A rainha deu um passo à frente e
a abraçou sem aviso, puxando-a para perto. — Estou muito feliz que
você veio me ver.
Após um momento de hesitação, Abigail abraçou a outra
mulher de volta. — Eu... Pensei que você ficaria com raiva de mim.
— Com raiva de você? Pelo quê? Jogar com maestria sua mão?
A obsessão de Valroy por você? — Titânia empurrou para trás para
segurar o rosto de Abigail em suas mãos. — Não, querida. Estou
impressionada e muito feliz. Eu não achei que você tinha isso em
você.
Abigail não sabia se deveria ser insultada por isso. —
Obrigada?
Titânia riu e se afastou dela para ir ver a vista do sol sobre o
vale abaixo. — Você vai ser uma rainha, também. O trono pode não
ser seu, mas você ficará ao lado dele e sussurrará em seu ouvido em
todas as oportunidades. Sua influência será tão grande quanto a
dele. Ouvi dizer que sua cerimônia de noivado ocorreu
perfeitamente na noite passada. — Titânia lançou-lhe um olhar por
cima do ombro e piscou para ela.
— Cerimônia de noivado? — Abigail piscou e seguiu Titânia
para olhar a vista de Tir n’Aill. — É isso que foi? Eu apenas imaginei
que os feéricos têm orgias noturnas.
Titânia gargalhou e se apoiou na parede de pedra, sua
expressão melancólica enquanto sua diversão desaparecia. — Ah,
nós temos. Mas a noite passada foi especial, e meus espiões me
disseram que você se comportou lindamente.
O rosto de Abigail explodiu em calor. — Eu... Bem. Eu...
— Valroy sempre foi conhecido por ter seus ‘amantes’. —
Titânia revirou os olhos com a palavra. — Mais como vítimas. A
multidão esperava que você fosse esmagada por ele. Em vez disso, o
que me disseram que eles viram foi ‘uma união de iguais’. Me diga
algo. — Ela sorriu para ela. — Ele já confessou seu amor por você?
Abigail assentiu e voltou sua atenção para a floresta, o vale e a
bela luz do sol que lançava as cores brilhantes do outono em todos
os tons de vermelho, amarelo, bordô e sempre-verde. — Ele
confessou.
— E você disse a ele que o ama de volta?
— Quase isso. — Ela franziu a testa. — E é por isso que eu vim.
— Oh?
— Não posso matar o homem que amo. Nem desejo enganá-lo.
Ele me deu uma promessa de honestidade e lealdade, e eu... Não
posso entrar neste casamento com ele em sã consciência com um
punhal nas costas. — Ela pegou um pedaço de cascalho no topo da
parede de pedra em ruínas. — Sei que mil anos passarão rápido
demais para todos nós.
Titânia pousou a mão no ombro de Abigail. — Eu nunca
pedirei a uma mulher que mate seu marido, futuro ou não. E pedir a
ela para matar o homem que ela ama? Não, querida. Não tenha
vergonha de me dizer isso. Você não me decepcionou de forma
alguma.
Abigail sorriu levemente. Alcançando o éter, ela puxou o
punhal amaldiçoado da lareira em sua mente. Não parecia certo
mantê-lo. Ela olhou para baixo, para suas linhas estranhas, curvas e
assimétricas, e simplesmente soube que não era um item de Tir
n’Aill. Ou talvez nem mesmo da Terra.
Qualquer que seja a magia que percorria o metal enegrecido
parecia profundamente errada. Ela estava bastante feliz por se livrar
dele. Colocando-o nas pedras na frente de Titânia, ela sorriu para a
outra mulher. — Sei que não devo fazer isso. Mas... Obrigada pela
compreensão.
— Claro. — Titânia colocou uma mecha do cabelo de Abigail
atrás da orelha. — Eu duvidava que ele te amasse até que eu o vi
com você. Eu não sei como é que você se infiltrou no coração negro
dele. Eu não pensei que fosse possível. Mas, novamente, você parece
desafiar muitas probabilidades. — Ela pegou o punhal das pedras e
a virou em suas mãos pensativa. Desapareceu um momento depois.
— E obrigada por devolver o punhal. — Ela sorriu para a gafe social.
— Eu odiaria que voltasse para as mãos de Valroy.
— Voltasse?
— Hum. Foi dada a ele há muito tempo por uma... Criatura. Eu
não posso nem descrever corretamente a coisa que entrou neste
mundo como um nobre examinando uma galeria de arte. — Titânia
torceu o nariz. — Ele deu a lâmina a Valroy antes de sair. Os dois
eram muito amigáveis para o meu gosto. E aprendi a temer as coisas
que vêm da escuridão além, tanto quanto temo o que vive à minha
porta. Mandei um dos meus espiões roubá-la de Valroy.
— Existem outros mundos?
— Oh, sim. Vários. E de todos eles eu vejo um mal como o
Labirinto. — Titânia arreganhou os dentes em um momento de
desgosto antes de desaparecer. — E eu faço tudo que posso para
proteger meu povo disso.
— O Labirinto sempre esteve aqui?
— Até onde eu sei, sim. Mas nunca teve um guardião, não
antes de Valroy.
— Huh. — Abigail olhou para o vale. O sol estava apenas
começando a se pôr. — Espero fazer o certo pelo nosso povo, Titânia.
Espero poder fazer o que puder para protegê-los, mesmo dividido
em duas como estou.
Titânia passou um braço ao redor de seu ombro e a abraçou,
inclinando a cabeça sobre o ombro de Abigail. — Você já fez mais
por eles, intermediando esta paz, do que eu jamais consegui fazer.
Eles já estão comemorando no mercado. E devemos ser convidados
para o casamento... Um casamento Unseelie. — Titânia riu. — Nunca
pensei que algo assim pudesse acontecer. Estou bastante intrigada.
— Tenho certeza de que haverá bastante álcool.
Isso fez a rainha cair na gargalhada. Ela puxou Abigail para um
abraço novamente e a apertou com força. — Aconteça o que
acontecer, aconteça o que acontecer entre nós nos próximos anos,
por favor, saiba que eu te adoro, Abigail. E espero que continuemos
amigas em nossas almas, mesmo que nem sempre em nossas
palavras e ações.
Abigail a segurou e sorriu. — Espero o mesmo.
— Bom. — Titânia beijou sua bochecha. — Agora, vá para casa,
para aquele seu mastro de pau ambulante, antes que ele fique
impaciente e queime uma vila de tédio.
Abigail riu e, afastando-se da rainha, despediu-se. — Vejo você
em breve.
A viagem de volta ao Labirinto foi tão tranquila quanto a vinda
dele. Ela sentiu a sensação da escuridão se instalar sobre ela quando
ela entrou em seu limite - como musgo úmido contra sua pele,
embora nenhum frio a acompanhasse além de um que puxava a
mente.
Ela voltou ao quarto de Valroy e o encontrou exatamente como
o havia deixado - exceto que ele se esparramou para ocupar o
máximo de espaço possível. Sorrindo, ela deslizou sob os cobertores
de pele e se enrolou contra ele. Ele murmurou em seu sono e
agarrou-a como se ela fosse um brinquedo de criança.
Fechando os olhos, ela afundou na presença dele e deixou o
sono reivindicá-la mais uma vez.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
Os dias que antecederam o casamento foram um pouco
confusos para Abigail. Ela já estava vendo um vestido, Valroy
passava a maior parte do tempo gritando ordens para as pessoas e
sibilando para elas quando elas voltavam com respostas
insatisfatórias, e toda vez que o sol estava prestes a nascer, ela se via
pega em seus braços enquanto faziam amor.
E era amor.
Violento, sim. Na maioria das noites ela acordava com
arranhões e hematomas.
Mas pelos antigos deuses, ela agora não podia mais negar que
o que ela sentia pelo Príncipe Unseelie era amor.
Era a noite anterior à cerimônia, e ela tinha saído para tomar
banho sozinha para variar. Estava se tornando viciante, tomar
banho. Agora que tinha acesso a água quente e sabonete, descobriu
que desejava afundar na grande banheira de cobre de Valroy e se
aquecer nela. Quando ela voltou, ele estava longe de ser encontrado.
Franzindo o cenho, ela verificou todos os lugares habituais - as
árvores do Labirinto apenas deixando-a ligeiramente quente nas
bochechas quando ela emergia a cada vez - mas sem sucesso.
Finalmente, ela recorreu ao próprio Labirinto para ajudá-la.
Colocando a mão contra a casca da árvore, ela pediu que a levassem
até Valroy.
Dessa vez, ela se sentiu um pouco mais tocada do que nas
caminhadas anteriores, mas ela estava se lembrando disso cada vez
menos. Se o Labirinto, ou qualquer criatura que fosse, estava ligada
a Valroy, então fazia sentido. Onde um a desejava, o outro
certamente seguiria.
A música encheu seus ouvidos no momento em que ela
reapareceu do outro lado. Claro. De todos os lugares que ela havia
verificado, ela não havia procurado a coleção dele. Mas não foi em
seu órgão de tubos que ele se sentava, mas em um cravo. Ela estava
bastante feliz por isso, já que o órgão de tubos podia ser muito alto.
A música que ele tocava era graciosa, e ela caminhou atrás dele,
sorrindo enquanto ouvia.
Quando ele terminou, ela serpenteou os braços sobre seus
ombros e os apertou ao redor de seu pescoço, beijando sua bochecha.
— Aí está você.
Ele fechou os olhos e encostou a cabeça na dela. — Você me
procurou, bruxa Seelie.
— Eu procurei. Eu estava me perguntando para onde você
tinha ido. Suas árvores me ajudaram.
— Espero que elas não tenham deixado você com o desgaste
muito pior para isso.
— Não. — Ela se aconchegou nele e se abraçou um pouco mais
perto. — Não muito.
— Bom. — Ele respirou fundo e expirou lentamente. Ela sentiu
a tensão derreter dele quando ele se inclinou para trás em seu
abraço. — Abigail?
— Sim?
— Você quer se casar comigo?
Ela franziu a testa e se moveu para se sentar no banco ao lado
dele, as pernas do lado oposto das dele. — O que você quer dizer?
Claro que sim.
— Você se ofereceu para se casar comigo para poupar sua vida
e conceder a este mundo mil anos de paz. Não porque você queria
ser minha rainha. — Sua expressão escureceu. — Não é assim?
Pega de surpresa por sua raiva, ela olhou para ele por um
momento, atordoada.
Ele rosnou. — Eu sabia. — Ele se moveu para empurrar as
teclas, e ela teve que puxar seu braço para puxá-lo de volta para
baixo. — Vou informar a corte...
— Valroy...
— ...que o tratado de paz ainda está de pé, mas que não
haverá...
— Valroy!
— ...casamento, e que eu...
Ela o esbofeteou. Tão forte quanto ela podia. Ela estava certa de
que o impacto não o machucou nem um pouco, mas teve o efeito
pretendido. Ele a encarou, com os olhos arregalados e em silêncio.
Ela colocou a palma da mão em sua bochecha onde ela o havia
golpeado. Ela sorriu fracamente. — Valroy... Eu te amo. Eu não
deveria, mas eu amo. Então, sim. Estarei no altar com você de bom
grado, pois apesar do que você pode querer acreditar, eu quero me
casar com você. Agora, você vai se acalmar, seu idiota dramático...
Suas palavras foram cortadas por seu beijo. Ele a puxou para
seu colo, e por um momento ela se perguntou se suas roupas
estavam prestes a ser arrancadas de seu corpo novamente. Mas
quando ele quebrou o beijo, ele enrolou suas asas ao redor dela e a
segurou nele com todos os quatro membros, sua cabeça enterrada na
curva de seu pescoço.
Ela passou os braços em volta do pescoço dele e acariciou
suavemente seu cabelo. Ela sempre ficava impressionada com o
quão macio e suave era. Quando os ombros dele tremeram, ela
percebeu... Que ele estava chorando.
— Eu te amo, Valroy — ela sussurrou. — Eu te amo não apesar
de sua escuridão, mas por causa dela. Aconteça o que acontecer,
meu príncipe, desejo ficar ao seu lado.
E ela descobriu que ela quis dizer cada palavra disso.

Os casamentos feéricos eram bizarros.


Isso foi o que Abigail decidiu enquanto fazia o seu. E se os
casamentos feéricos eram estranhos, os casamentos Unseelies eram
realmente algo de se ver. Eles não eram como casamentos humanos
em nenhum aspecto – nem no estilo, nem no tom, e certamente não
nos atos.
Por um lado, a celebração começou muito antes da cerimônia.
Comida, bebida e risadas transbordavam desde o momento em que
a lua cheia começou a surgir no céu.
Valroy a avisou para pegar leve com o álcool até que o
casamento fosse concluído. Caso contrário, ele avisou, ele teria que
apoiá-la em uma vara para evitar que ela caísse. Mas isso não a
impediu de acalmar os nervos com uma taça de vinho. Ou duas. Ou
três.
Todo mundo estava lá.
Seelie e Unseelie juntos. A princípio, eles não sabiam muito
bem o que fazer uns com os outros, de pé em lados opostos do
grande salão, olhando uns para os outros com expressões mistas de
medo e desconfiança.
Até que Bayodan pediu a Uri para dançar com ele. A visão do
enorme homem-bode dançando com a pequena feérica a fez sorrir
mais do que em muito tempo. Uri ficou apavorada no início, mas
logo ela estava corando e rindo. Abigail teria se perguntado se
Bayodan não havia usado sua magia, se ela não tivesse visto em
primeira mão como ele podia ser encantador.
Lorde Gregory Wilson também estava de um lado do evento,
falando aos ouvidos de vários cortesãos Seelies, que pareciam
intrigados e lindamente enojados pelo homem sem cabeça.
Titânia e Oberon estavam em trajes completos e, mesmo à luz
da lua, quase pareciam brilhar com sua própria luz. Abigail se
perguntou se algum dia ela pareceria tão régia e poderosa. Ou se ela
alguma vez se consideraria não estar vestida como uma tola total.
O vestido que ela usava era uma mistura de seda esmeralda e
safira. O decote de alguma forma conseguiu mergulhar baixo e cair
de seus ombros ao mesmo tempo. Ela usava um cinto de prata, feito
para parecer trepadeiras que se entrelaçavam em um desenho
intrincado, mas delicado.
Quando ela recebeu um colar para usar, um coberto de safiras e
esmeraldas de verdade, ela engasgou e tentou discutir sobre isso. Ela
não podia usar nada que fosse claramente tão caro. Mas Valroy
apenas lhe deu aquele olhar, e ela desistiu de sua agitação.
Seguiu-se uma segunda discussão amigável sobre seu talismã
de coruja. Eles se contentaram com uma corrente mais decorativa em
vez do cordão de couro.
Os criados vieram para ajudá-la com o cabelo e a maquiagem,
já que ela era inútil nessas coisas sozinha. Mas quando eles
terminaram, ela teve que admitir que ela... Estava linda.
Ela acrescentou algumas de suas flores vermelhas ao cabelo.
Sobre um estrado na cabeceira do grande salão havia duas
coroas de prata. Uma maior que a outra, a menor mais
delicadamente modelada. Elas eram os contrapontos perfeitos para
as coroas de ouro que Titânia e Oberon usavam. Eram menos... Ela
não sabia como descrevê-las. Benignas, talvez. Os cachos das
videiras prateadas eram irregulares e afiados, mais como galhos
espinhosos do que como plantas floridas.
E uma deveria ser dela antes que a noite terminasse.
Ela ainda não acreditava muito nisso. Vou ser a rainha dos
pesadelos. Seus pensamentos foram abalados quando algo agarrou
sua manga e puxou. Ela olhou para baixo e viu um cachorro, sentado
a seus pés, batendo o rabo silenciosamente no chão.
— Puck! — Ela riu e caiu de joelhos ao lado do animal. — Aí
está você. Eu estava tão preocupada com você! — Ela jogou os
braços ao redor do cachorro, que latiu e lambeu sua bochecha
felizmente.
Acariciando sua cabeça, ela coçou entre suas orelhas, sorrindo
enquanto ele abanava o rabo com mais força. — Eu não tenho ideia
do que você esteve fazendo, mas tenho certeza que não tem sido
bom. — Mas isso não impediu o sorriso dela quando ele abriu um
largo sorriso, a língua pendurada para fora da boca, claramente em
êxtase com a atenção. — Estou feliz em vê-lo, Robin Goodfellow.
Ela estendeu a mão para uma mesa e pegou dois dos
guardanapos de seda de cima dela. Amarrando-os juntos, ela o
enrolou em volta do pescoço e, em seguida, formou um laço na
frente. — Pronto. Agora você parece bem vestido para um
casamento.
Ela não podia imaginar que um animal pudesse parecer mais
satisfeito consigo mesmo do que naquele momento.
— Oh, que maravilha, o cachorro está aqui. — Valroy olhou
para o animal enquanto se aproximava dela. — Você pode mandá-lo
embora?
— Não. Eu gosto dele. — Abigail sorriu para ele, desafiando-o
a desafiá-la. — Ele fica.
— Okay. — Valroy rosnou, mas cedeu. Ele dobrou as asas nas
costas como uma capa. — Pelo seu bem, ele pode ficar. Mas é melhor
ele ter cuidado, para que eu não o esfole e asse-o para o prato
principal.
Puck latiu. E então lambeu seus lábios antes de latir novamente
e fugir enquanto Valroy rosnava e o perseguia alguns passos antes
de desistir. O príncipe estava fumegando. — Eu o odeio.
— Eu sei. — Ela se levantou do chão e limpou o tecido de sua
saia. — Mas eu acho que ele é doce. E pelo que vale a pena, acredito
que ele tenha boas intenções.
— Humhum. — Valroy balançou a cabeça e se virou para ela.
Com um sorriso, ele colocou uma mecha de seu cabelo de volta no
lugar. — A lua está quase subindo ao seu pico esta noite. Você está
pronta?
— Para ser sua esposa, sim. Para ser a Rainha Unseelie? — Ela
balançou a cabeça. O pensamento ainda era surpreendente para ela.
— Nunca.
— Bom. — Ele estendeu a mão para ela. Ela olhou para ele mais
uma vez. A pele de alabastro compensada tão perfeitamente pela
armadura prateada que ainda deixava suas asas se moverem
livremente. O brilho em seus olhos quase incandescentes. A nitidez
de suas feições.
Ele sempre a aterrorizaria.
Sempre.
Mas ela tinha aprendido a se deliciar com esse medo.
— É errado beijar você agora? — Ela sorriu enquanto deslizava
sua mão na dele. — Ou devo esperar até que a cerimônia termine?
— Não vejo mal nenhum em começar com o pé direito. — Ele a
puxou para perto dele, embalou sua cabeça em sua mão na base de
seu crânio e a beijou. Lentamente, apaixonadamente, como se
quisesse fazer um ponto a todos os presentes.
Ela não sabia como ela se importava.
Quando ele se afastou, ele levantou a mão dela para beijar as
costas de seus dedos. — Venha, minha rainha. Está na hora.

Valroy prendeu a respiração quando a coroa estava prestes a


ser colocada em sua cabeça.
A união das mãos foi feita.
Ele e Abigail se casaram.
Foi tudo um pouco confuso, para ser justo. E ele não havia
tocado em álcool naquela noite. Mas era um mar de rostos, de
conversas e de risos. E a cerimônia em si foi impecável. Abigail tinha
sido um pouco tímida e insegura com suas palavras, mas ela se
apresentou lindamente.
Ela era sua esposa.
E agora, ela seria sua rainha.
Ele esperou séculos por este momento. Séculos. E agora? O
trono seria dele. Ele finalmente se tornaria o Rei Unseelie.
Ele se ajoelhou diante do membro sênior da corte - que era,
ironicamente, Lorde Bayodan. O rei-bode finalmente terminou o
longo discurso necessário para uma coroação, embora Valroy não
tivesse ouvido uma palavra dele.
E então…
Estava feito.
A coroa era dele.
Ele se levantou, levantando Abigail no mesmo ritmo dele, e
virou-se para dirigir-se à multidão. Seelies e Unseelies juntos. Um
momento de paz e prosperidade. Levou algum tempo para que as
duas metades se misturassem, mas ele estava certo de que haveria
muitas crianças mestiças nascidas em um futuro não tão distante.
E ele odiou cada momento disso.
Ele manteve o desgosto interno, pois ninguém mais parecia
concordar com ele. Os Seelies não deveriam estar entre eles. Eles
deveriam ser mantidos em correntes e grilhões, se não colocados no
chão para alimentar as plantas e árvores ao seu redor.
Ele manteria seus mil anos de paz. Ele manteria sua palavra
para sua amada.
Mas isso não significava que ele tinha que gostar.
Longe disso.
Ele os desprezava não menos do que antes. Ele manteria uma
Seelie intacta – ele manteria sua Abigail ao lado dele, pois ela era
Seelie por acaso, não procriando. Ela não contava, por assim dizer,
em sua mente.
Os aplausos foram ensurdecedores quando eles saíram da
plataforma em direção à multidão. O Rei e a Rainha Unseelie.
Abigail estava pairando perto dele, buscando força em sua presença.
Ela parecia totalmente aterrorizada e perfeitamente oprimida. Ele
não a culpava.
Mil anos.
Então ele causaria massacre e miséria em todos aqueles para
quem ele sorria agora. Não era tão longo. Nem foi demais para
Abigail ter pedido. Ele não estava mentindo quando disse que lhe
daria muito mais em troca.
Ele era rei.
Finalmente!
Um momento de exuberância o alcançou, e ele pegou Abigail
pela cintura, levantando-a do chão. Ela gritou de surpresa, suas
mãos voando para os ombros dele, seu choque se transformando em
risada quando ele sorriu para ela.
Ela não era sua lua e estrelas. Ela era sua luz do sol. E ele iria
amá-la enquanto pudesse. E venha o que vier.
Pois ela o amava.
Algo que ninguém mais havia feito.
Ele a abaixou para ele, seus pés ainda não tocando o chão, e a
beijou com toda a paixão que ele tinha em sua alma para dar. Ele a
deixaria machucada pela manhã. Oh, ele absolutamente se deliciaria
em arruiná-la uma vez que eles pudessem escapar da celebração.
Não que ele achasse que ela se importaria.
Aplausos ressoaram enquanto eles se beijavam, e quando ele se
afastou dela, ele notou o rubor em suas bochechas. — Olá, Rainha
Unseelie.
— Olá, Rei Unseelie. — Ela riu. — Que coisa estranha de se
dizer.
— Você vai se acostumar. Como você tem que fazer muito nas
últimas semanas. — Ele beijou seus dedos novamente. — Agora,
venha. Acredito que é hora de dançarmos.
Estava feito.
Ele não poderia acreditar nisso.
Depois de tanto tempo…
Ele realmente era o Rei Unseelie.
CAPÍTULO VINTE E SETE
Finalmente, Abigail foi autorizada a beber.
E, oh, ela planejava ficar bem e verdadeiramente bêbada até o
final da noite. Ela era uma rainha - ela! Do Outromundo dos feéricos.
Como? Como! Ainda parecia tão estranho e impossível para ela,
como se estivesse sonhando.
E todas as criaturas ao seu redor, monstros e seres de todas as
formas e feitios, certamente eram dignos de se chamarem de sonhos
e pesadelos. Mas não importa o quanto ela se beliscasse, ela não
acordou.
Isso era real.
Era quem ela se tornara.
Uma bruxa Seelie e agora a Rainha Unseelie. Algo que nunca
tinha acontecido antes, ou assim Valroy disse a ela. Enquanto
dançava com Valroy, ela encostou a cabeça na parte de seu peito que
estava nua de sua armadura. Ele riu e a abraçou. Não era sua
primeira dança naquela noite, mas ele não se afastou dela. Nem ela
dele.
Em parte porque ela estava com medo de passar muito tempo
perdida em um mar de feéricos. Mas também porque ela não tinha
vontade de fazer nada do tipo.
— Você me deu tudo o que eu poderia ter desejado e mais,
Abigail Moore. Farei tudo o que puder para fazer o certo por você.
— Ele beijou o topo de sua cabeça. — Eu sabia que minha coroa
chegaria um dia. Mas amor? Isso é algo que eu pensei que nunca
possuiria.
— Não o arruíne, então. — Ela sorriu para ele.
Ele riu, uma torção diabólica em seus lábios revelando seus
dentes afiados. — Para isso, não faço promessas.
Quando a música terminou, alguém deu um tapinha no ombro
dela. Valroy olhou para quem quer que fosse, e a expressão em seu
rosto era quase inestimável com o quão intrigante era.
— Concede-me esta dança?
Abigail se virou para ver Titânia parada ao lado dela, sorrindo
para eles.
— Comigo ou com ela? — Valroy provocou, um brilho
perverso em seus olhos.
Titânia riu. — Com você. Acredito que Lorde Bayodan está
ansioso para dançar com sua nova rainha esta noite. Achei que
poderia ter que agir como um chamariz para distrair suas atenções
por alguns minutos.
Valroy estreitou um olho disfarçadamente para ela antes de dar
de ombros. — Muito bem. Vamos dançar, Rainha Titânia. — Ele
estendeu a mão.
— Nossa primeira reunião como iguais. — A rainha sorriu de
volta para ele e deslizou sua mão na dele, deixando Valroy levá-la
mais longe na pista de dança.
Abigail deu alguns passos para trás.
Uma mão pesada pousou em cima de seu ombro. Ela não
precisou olhar para ver quem era. — Esta oportunidade para a
verdadeira paz é sua, Abigail. Temos que agradecer por isso. — A
voz retumbante de Lorde Bayodan veio ao lado dela.
— Mas não é uma paz verdadeira, é? Apenas uma trégua por
um tempo. — Ela suspirou. — Lamento o dia em que termina, pois
acho que não sei como enganar Valroy para isso uma segunda vez.
— Ela sorriu. — Estou sem coisas para negociar.
— Veremos.
Havia algo estranho em suas palavras, embora ela não
conseguisse identificar o que era. Virando a cabeça, ela olhou para o
rei-bode.
E para sete olhos vermelhos e brilhantes.
Alguém no grande salão gritou. Houve gritos. Ela ouviu a
risada de Valroy e a escutou se transformar em um grito de raiva... E
dor.
Mas tudo o que ela viu foram aqueles sete olhos brilhantes.

Anfar decidiu que odiava casamentos.


Ele decidiu que odiava este acima de tudo. Estava muito cheio,
muito barulhento e muito politicamente perigoso com os Seelies e
Unseelies todos reunidos em um só lugar. Ele se afastou logo após a
cerimônia. Ele tinha visto o suficiente da noite para ainda reivindicar
amizade com o novo Rei Unseelie.
Estamos todos condenados.
Ele tomou um gole da garrafa que carregava e se dirigiu para a
floresta, buscando o ar frio. Ele ficaria escondido no fundo de seu
lago por um tempo, antes de sair para o mar por uma semana. Sim,
esse era um plano maravilhoso.
— Anfar.
Ele se virou e viu Perin o seguindo. O jovem sorriu, e Anfar se
viu sorrindo de volta.
— Você não precisa me seguir o tempo todo, selkie. Eu...
Ele parou quando Perin o beijou. Ele ficou lá, atordoado,
quando o selkie agarrou a frente de sua camisa encharcada e o
puxou para o abraço. Ele não estava relutante; ele estava
simplesmente muito surpreso para reagir.
Quando o beijo terminou, Anfar não sabia o que dizer.
Ele simplesmente olhou.
Ele deve ter imaginado. Ele estava bêbado, inconsciente, e isso
não passava de um sonho. Tinha que ser.
— Salgado. — O selkie riu. — Embora eu não esteja surpreso.
Oh. Eu esqueci de mencionar. — Ele sorriu. — Você foi traído.
Anfar sibilou de dor quando uma lâmina deslizou em suas
costelas.
E ele assistiu em estado de choque quando as feições de Perin
se transformaram em nada além de vidro quebrado na forma de um
rosto.
Anfar rosnou. — Cruin.

Valroy estava com Titânia na pista de dança e colocou a mão


no quadril dela, a outro segurando as mãos no alto. Seu sorriso não
era gentil. — Houve dias em que eu me perguntava se você e eu não
deveríamos nos casar, você sabe.
— Pensei o mesmo - eu, a Rainha Seelie, deveria ser sua noiva
para salvar ambas as raças da guerra total? — Ela cantarolou. — Mas
então, isso não teria impedido você, teria? — O olhar de Titânia foi
para Abigail. — Uma noiva Seelie não impede sua sede de sangue.
— Não.
— Eu sei o quanto você deve desprezar esta noite.
Confraternizar com criaturas que você sente que são muito menos
do que você.
Isso o fez rir. — Eu lhe daria crédito por suas habilidades de
observação, se eu não fosse tão previsível em minhas motivações.
Agora, você me pediu para dançar para simplesmente me
repreender?
— Não. — Ela puxou a mão dele para descansar em seu peito,
sobre o círculo tatuado do Labirinto que repousava sobre seu
coração. — Eu não vim aqui para repreender você.
Valroy afastou a mão dela. — Então vamos...
Ele quase não sentiu.
A lâmina era simplesmente afiada.
Ela cavou profundamente em suas costelas. Titânia não
vacilou, nem mesmo piscou, enquanto arrancava a lâmina dele e a
enfiava pela segunda vez.
Alguém próximo viu o que estava acontecendo e gritou.
Valroy riu. — Sua criatura infantil e insípida. Eu sabia que você
arruinaria essa paz que ofereci! — Ele golpeou Titânia para longe
dele com as costas de sua mão, enviando-a esparramada para a
pedra. E foi só então que ele viu a adaga que ela segurava.
Ah.
Então foi para lá que foi.
Ele rosnou de raiva e saltou para frente, pronto para arrancar a
pele de seu rosto com suas garras.
Uma espada o atravessou, quebrando várias de suas costelas
enquanto entrava em suas costas e saía de seu peito. Ele rugiu de dor
e tossiu enquanto seus pulmões se enchiam de sangue. A espada de
ouro não deixou dúvidas sobre quem havia feito a ação.
Oberon.
Com a boca com gosto de sangue espesso, ele caiu de joelhos
quando o Rei Seelie retirou sua espada, seja para decapitá-lo ou
talvez pensando que estava derrotado.
O tolo.
Valroy se levantou, girando nos calcanhares, ignorando a dor
que o rasgou como um relâmpago, e deu um soco direto no rosto
presunçoso daquele cretino. Ele sentiu o estalo do osso quando
quebrou o nariz do homem. Bom.
Mas onde estavam seus guardas?
Seus cortesãos?
Nenhum lugar para serem vistos.
A multidão estava um caos. Alguns correndo, alguns
encolhidos, alguns parados em estado de choque. Ele ficou surpreso
por eles não terem vindo todos correndo, como se ele fosse o
governante humano César, para cada um ter uma mão na sua queda.
Não, seu povo apenas olhou.
Eles não levantariam a mão para matá-lo.
Nem levantariam a mão para ajudá-lo.
Que contenção maravilhosa.
— Covardes! — ele rosnou, molhado como estava. Outro golpe
com o punhal amaldiçoado veio por trás enquanto Titânia se
mantinha fiel à sua invectiva. Ele tentou tirá-la do caminho com sua
asa, mas a cadela astuta desapareceu, apenas para reaparecer um
segundo depois na frente dele.
Enquanto ela enfiava o punhal direto no coração dele.
Através da pintura do Labirinto em seu peito, ele olhou para
ela, honestamente um pouco impressionado, enquanto ela torcia a
lâmina mais fundo nele.
A expressão de Titânia era de ódio. Ódio puro e lindo. — Vou
deixar sua rainha em paz. Isto, eu juro para você. Ela reinará em seu
trono em seu lugar... E os Unseelies conhecerão uma nova era de
verdadeira paz.
Valroy caiu de joelhos, achando difícil ficar de pé. Ele não
pensou nada a princípio, mas depois ficou claro que ele não era
imune à lâmina amaldiçoada. Ele tossiu novamente. — Anfar...
— Está ocupado lutando com Cruinn. E Lorde Bayodan...
Bem... — Titânia gesticulou.
Valroy seguiu seu olhar e descobriu que o rei-bode em questão
estava dançando lentamente com Abigail, que estava olhando para
ele, sem expressão. Ele a prendia em sua escravidão.
Valroy riu. Ele abaixou a cabeça e deixou o humor do momento
lutar contra a dor que estava começando a esvaziar sua mente de
seus próprios pensamentos. Ele se tornou o Rei Unseelie e o fez
precisamente vinte minutos antes de ser traído por seus assim
chamados amigos.
Pelo menos Anfar não estava entre eles.
Por isso, ele ficou mais aliviado.
— Você... É uma tola. — O sangue escorria de suas feridas,
encharcando seu peito e já começando a se acumular em torno de
seus joelhos. — Você é uma maldita tola, Titânia.
— Oh? Parece-me que você está morrendo e eu venci. — A
rainha se aproximou dele, a bainha rosa de seu vestido
instantaneamente manchada de vermelho pelo sangue ao redor dele.
— Descanse bem, doce Rei Unseelie.
Valroy continuou a rir, ainda que agora por um motivo
diferente. — Você honestamente acredita que pode me matar dessa
maneira? Inteligente, usando esta lâmina, mas não. — Ele ficaria
inconsciente em breve. Mas ele tinha uma coisa a fazer antes de se
render à escuridão que estava se infiltrando em sua visão. — Há algo
que você não entende. Algo que ninguém jamais entendeu.
Titânia deu um passo para trás, sua vitória agora de repente
não tão certa. — Você vai morrer. A lâmina... Está amaldiçoada para
matar qualquer coisa que tocar!
— Tenho certeza que sim. — Valroy sorriu, sentindo sua cabeça
começar a girar. — Mas este corpo... Ele não pode ser morto desta
maneira.
— O... O que você quer dizer?
Valroy zombou. — Isso não é para você saber. — Em sua
última explosão de força, ele pulou de pé e abriu as asas. Agarrando
Oberon pela garganta com sua garra, ele puxou o outro rei para
frente. Arrancando o punhal amaldiçoado de seu coração, ele a
cravou profundamente no lado da garganta do Rei Seelie. Com um
movimento rápido, ele cortou para frente, abrindo o pescoço do
homem pelo centro e pela frente.
O sangue jorrou da ferida, espirrando nele e em Titânia.
— Não!
A rainha gritou de agonia.
Valroy adorou ver seu rosto enquanto observava seu amado
morrer diante de seus olhos... E por causa de suas ações. — Um rei
morrerá esta noite, Titânia. — A lâmina caiu entorpecida das mãos
de Valroy e caiu no chão a seus pés. Ele se juntou a ela um segundo
depois e se viu sorrindo para o céu iluminado pela lua. — Mas não
serei eu...

O mundo estava coberto de sangue.


Todo mundo se foi.
Abigail ficou ali, olhando para a cena, tremendo. Tinha sido
seu casamento. Tinha sido uma celebração. E agora, era um lago de
sangue.
Bayodan contou a ela o que havia acontecido em palavras
murmuradas, mas ela mal quis ouvi-lo. Ela mal podia ouvi-lo
através de suas lágrimas.
Titânia tentou matar Valroy com o punhal amaldiçoado,
apenas para descobrir que o feriu, mas não o matou.
E como vingança, Valroy matou o Rei Oberon.
Mas agora o corpo de Oberon se foi, e com ele, Valroy. Não
havia como saber de quem era o sangue de quem estava derramado
no chão de mármore.
Seu marido era o prisioneiro da Seelie. Seu amor. Seu
atormentador. Seu rei. — Você me traiu. Você nos traiu.
— Não, minha rainha. — Lorde Bayodan colocou a mão sobre o
coração e inclinou a cabeça com chifres. — Eu o traí. Não você.
— E como isso não... — Ela sufocou sua raiva. — Explique-se.
— Titânia não tinha planos para permitir que esta noite
acontecesse. Ela havia jurado há muito tempo que nunca deixaria
Valroy sentar-se no trono. Ela colocou diante de mim duas opções...
Ou ela o mataria antes da cerimônia, ou eu a ajudaria a matar Valroy
depois. Fazer isso deixaria o trono Unseelie com você sobre ele.
Bayodan deu um passo em direção a ela, mas quando ela o
encarou através das lágrimas, ele recuou a distância mais uma vez.
— Você deve entender... Ninguém deseja que Valroy governe.
Ninguém. Você viu o homem irado e tirânico que ele é. Ele é gentil
com você - suave com você - mas com o resto? Você deveria nos
liderar, Abigail Moore. Rainha Abigail. Não ele.
— Vá embora, Bayodan.
Ele franziu a testa. — Minha senhora...
— Eu não sou mais sua senhora! — Ela deixou sua raiva
alimentar as trepadeiras que brotavam da grama a seus pés,
deslizando em todas as direções. — Deixe-me. Antes que eu deixe as
Gle’Golun pegarem você por sua traição.
— Mas...
— Vá!
Bayodan desapareceu em um redemoinho de sombras no
momento em que as videiras estavam prestes a tocar seus cascos.
Agora ela estava realmente sozinha. Virando-se para a poça de
sangue no chão, ela caminhou até o centro dela e se ajoelhou.
Puxando a coroa de sua cabeça, ela a estudou. Era isso que
significava ser rainha? Sangue, traição e mentiras?
Fechando os olhos, ela chorou.
O que ela deveria fazer agora?

— É aqui que você deve ficar. E é aqui que você vai apodrecer.
Pregos de ferro atravessavam sua carne, prendendo suas asas
na árvore em suas costas. Fixando os braços estendidos. Fixando as
pernas. Empalando seu peito na madeira atrás dele.
Ele se perguntou se ele se parecia com aquele estúpido cadáver
crucifixado que os humanos adoravam. Ele estava tonto, sentia
náuseas, e o ferro queimava sua carne como faria com qualquer
outro feérico.
Mas ele não era qualquer outro feérico.
Isto, Titânia e os outros já tinham descoberto.
Correntes farpadas o rodeavam, cravando-se profundamente
em sua carne, cortando trincheiras em sua pele.
Titânia cuspiu nele e virou-se para fugir, seus ombros
tremendo com seus soluços de dor. Oberon estava morto. E apesar
de toda sua natureza volátil, de novo e de novo, ele não tinha
dúvidas em sua mente de que ela tinha amado seu rei.
Ele sorriu.
Bom.
Ele esperava que ela sofresse.
— Aproveite sua cama vazia, Titânia. Talvez se você pedir com
jeitinho, eu vá preenchê-la para você.
Ele riu quando ela simplesmente desapareceu sem resposta.
Mas sua risada era fraca e rouca. Ele olhou para o que eles tinham
feito com ele. Não haveria escapatória. Não sem a ajuda de outros.
Então, não, ele imaginou que não haveria escapatória.
Quando ele se rendeu à dor e à agonia que assolava seu corpo,
seus pensamentos não estavam em vingança, nem em como ele
arrancaria o rabo de Bayodan de seu traseiro traidor e o forçaria a
comê-lo.
Não, seus pensamentos estavam em sua Abigail. Sua pequena
bruxinha Seelie.
Sua Rainha Unseelie.
E ele só podia rezar aos deuses para que a visse novamente.
Mas os deuses nunca foram gentis com ele.
Fechando os olhos, ele a imaginou diante dele. Imaginou o
beijo dela em seus lábios. E lembrou-se de sua voz quando ela
prometeu seu amor a ele.
E isso teria que ser suficiente.
Eu te amo, Abigail Moore.
Notas
[←1]
Muitas das criaturas feéricas não possuem um nome equivalente na língua
portuguesa, sendo a maioria comumente chamada de ‘duende’, contudo, são
criaturas diferentes. Assim, será mantido o nome original.

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