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ATENÇÃO
Todas as cenas de natureza sexual neste livro são consensuais, mas
podem parecer rudes ou violentas para alguns. Por favor, esteja
avisado.
CAPÍTULO UM
Toda a ideia de começos era um conceito tolo. As coisas não
começavam nem terminavam. Elas faziam um ciclo, se nada mais. A
vida levava à morte, a morte levava à vida, as estações se
alternavam, o sol circulava o céu com a lua como a outra metade de
seu par.
Abigail esteve aqui uma vez antes. E, de certa forma, isso era
irritante. Mas de outra, ela... Não estava surpresa.
E assim, mais uma vez, do começo, ela entrou no Labirinto.
Não porque ela pensou que isso a levaria a algum lugar útil.
Ela não era tão tola.
Não, ela andou porque literalmente não tinha mais nada para
fazer.
Abraçando os braços ao redor de si mesma, ela estudou as
árvores que delineavam o caminho que estava à sua frente. Ela podia
senti-las quando era mortal - como elas pareciam observá-la. Mas
agora que ela era feérica, ela podia ouvi-las. A música delas enchia o
ar... E só reforçou sua crença de que havia algo muito, muito errado
com as florestas do Labirinto.
Onde as árvores de Tir n’Aill eram passivas, essas árvores não
eram. Estas árvores cantavam de fome. De necessidade. De sangue.
Se ela ouvia a música delas por muito tempo, isso fazia sua pele ficar
arrepiada.
— Pelo menos meus pés não doem desta vez.
Da floresta ao redor dela veio um coro de gargalhadas.
Goblins1. Ela virou a cabeça para procurá-los, mas não viu nada. Ela
sabia que eles provavelmente se esconderam no momento em que
ela se moveu. Encarando a escuridão, ela suspirou e voltou para o
caminho. Não havia sentido em gritar com eles, ou jogar coisas neles,
ou ameaçá-los. Eles eram goblins. Provavelmente só os incitaria.
Além disso, ela tinha outras coisas em mente.
O próprio Labirinto.
E Valroy.
Resolva o Labirinto. Afinal, o que isso quer dizer? Não tem centro
verdadeiro. Tudo muda e se move à vontade de Valroy. Como devo
responder a uma pergunta quando nem mesmo sei o que está sendo pedido
de mim?
Ela queria pedir uma dica a Valroy, pelo menos para ajudá-la a
entender a tarefa que deveria completar, mas sabia que seria inútil.
Ele só iria zombá-la, provocá-la e, na pior das hipóteses, oferecer-se
para negociar com ela.
Ele poderia lhe dar uma pista, mas a que custo? Seus braços se
arrepiaram novamente ao pensar no que ele poderia pedir a ela.
Mastigando o lábio inferior, ela tentou empurrar as imagens de sua
mente.
Ela o queria. Deuses a ajudem, ela o queria. E quando ele
ameaçou persegui-la, caçá-la e tomá-la, uma voz ela quase implorou
que ele fizesse exatamente isso. Antes, aquela voz tinha sido mais
calma e mais fácil de ignorar. Mas ficava mais alta a cada dia.
Resolva o Labirinto ou case-se com Valroy.
Mas havia outra escolha diante dela. Uma que ela havia
guardado no éter do mundo. Uma lâmina, amaldiçoada com o poder
de talhar feridas que não cicatrizam e matar até mesmo aqueles que
não podiam morrer.
Ela não precisava resolver o Labirinto para salvar o mundo.
Ela só precisava criar coragem para acabar com Valroy
primeiro.
A ideia a deixou doente. Se eu tivesse algum bom senso no mundo,
eu o estriparia como um peixe na primeira chance que tivesse.
Que pensamento rançoso. Como todos os outros, ela o
empurrou de sua mente. Mas não importa o quanto ela tentasse,
tudo girava em torno de uma pergunta simples: o que ela deveria
fazer com Valroy?
Vagar pelo Labirinto nada mais era do que sua tentativa de
ganhar tempo. Tempo para fazer o quê? Para decidir o que ela sentia
por ele? Para convocar a coragem para esfaqueá-lo? Para se preparar
para quando a paciência dele se esgotasse com o joguinho deles e ele
a pressionasse contra a terra e a fodesse como ele ameaçou fazer?
Rosnando de frustração, ela ouviu cacarejos na floresta
novamente. — Ah, calem a boca, todos vocês!
Eles simplesmente riram mais.
Uma hora deve ter passado. Talvez mais. Era difícil dizer no
escuro, com a lua lentamente fazendo sua jornada pelo céu estrelado.
E ela ainda andava por entre as árvores que zumbiam com uma
ressonância sinistra. Ela guardou seus pensamentos para si mesma,
não desejando ser lembrada do fato de que a escuridão estava cheia
de coisas Unseelies, e essas coisas estavam dispostas a observá-la.
Talvez viajar a pé fosse a maneira errada de se locomover pelo
Labirinto. Ela estivera em poucos lugares - a costa, o lago de Anfar, o
caldeirão, a casa de Valroy - mas poderia viajar pelas raízes das
árvores para retornar a esses lugares.
Ela estava nervosa para tentar. Muito nervosa. Mas ela passou
tempo suficiente reunindo seus pensamentos e tentando entender
inutilmente o que ela deveria estar fazendo. Caminhando até uma
das árvores imponentes de casca branca, ela pairou a mão sobre sua
superfície, hesitando.
Era como se estivesse estendendo a mão para ela de volta,
ansiosa por seu toque. As árvores a queriam. Com uma respiração
vacilante, ela colocou a mão na superfície e imediatamente puxou o
ar de volta para ela em um suspiro.
Deuses, ela podia senti-las.
— Desejo ver Anfar. — Por que ela declarou sua intenção, ela
não sabia. As árvores normais obedeciam à vontade dela sem que ela
precisasse dizer em voz alta. Mas essas... Essas não eram árvores
normais. Parte dela se perguntou se ela fosse para as raízes, ela
voltaria novamente.
Ela imaginou o lago onde ela havia falado com Anfar sobre
Lady Astasha e deixou que as raízes a levassem até lá. Quando ela
emergiu, ela estava tremendo. Seu corpo estava em chamas, embora
ela não soubesse porquê. As árvores a levaram para onde ela queria
ir, mas parecia... Muito pessoal.
Muito físico.
Ela ajeitou as roupas e desejou que seu coração parasse de bater
tão rápido.
Farei isso exatamente, o mínimo possível.
E era exatamente por isso que ela tinha a nítida impressão de
que seria forçada a fazer isso com frequência. Ela caminhou da linha
da floresta em direção ao lago com as pernas trêmulas. Acho que as
árvores podem ter me apalpado. O pensamento a fez rir. Este lugar
realmente pertence a Valroy.
Quando ela chegou à praia, ela notou uma figura sentada sobre
uma rocha nas sombras. Era Anfar. Seus ombros estavam curvados e
ele segurava uma velha garrafa de vidro na mão. Ela observou
enquanto ele tomava um gole.
Astasha provavelmente estava morta. E se Abigail tinha
alguma ideia de como o mundo dos Unseelies tratava seu povo,
provavelmente tinha sido a pobre criatura marinha que tinha sido
forçada a fazer a ação. Ela caminhou até ele, parando a cerca de um
metro e meio de distância.
Ele olhou para ela, então olhou de volta para as pedras entre
seus pés. Ele não disse nada. Anfar, ela achava, não era um homem
muito falante. Fera. O que quer que ele fosse. Ela caminhou até a
pedra em que ele estava sentado e se juntou a ele.
Sem palavras, ele lhe ofereceu a garrafa. Ela tomou um gole e
quase cuspiu de volta. Ela engoliu, chiou e depois tossiu. — Ah, isso
não é vinho.
Anfar riu, um som baixo. — Não. Não é. — Ele pegou a garrafa
de volta.
Depois de uma pausa, ela se inclinou contra o braço dele. Ela
não se incomodaria em perguntar se ele estava bem. Ela já sabia a
resposta. Eles se sentaram em silêncio, ele ocasionalmente bebendo
da garrafa.
Surpreendentemente, foi a fera marinha que finalmente falou.
— O que você vai fazer?
— Hum? — Ela olhou para ele e ponderou a questão por um
momento. — Não sei. Não sei como ‘resolver o Labirinto’ agora,
assim como não sabia como mortal.
— Não foi isso que eu quis dizer. Eu quis dizer o que você vai
fazer sobre Valroy?
Ela riu. — Acho que tenho muito pouco a dizer sobre o que
acontece.
— Você pode se surpreender.
Estudando-o, ela inclinou a cabeça ligeiramente para o lado. —
O que você sabe?
— Nada que é meu lugar para compartilhar. — Ele tomou um
gole da garrafa mais uma vez.
— Bem, isso não é nada justo, é?
Ele gesticulou para o mundo ao redor deles com um
movimento cansado de um braço. — Tir n’Aill.
A entrega inexpressiva a fez sorrir, e ela teria rido se ele não
parecesse tão completamente desamparado. Ela estendeu um braço e
o colocou ao redor dos ombros dele. Anfar em sua forma humana
parecia um homem que ficou preso em um pedaço flutuante de um
naufrágio por semanas. Ela podia ver suas costelas sob as roupas
esfarrapadas e a rede que ele usava. Ele era menor do que ela teria
esperado para uma criatura cuja verdadeira forma não era tão
pequena.
— Eu vou te perguntar isso, Abigail. — Ele tomou outro gole
pesado da garrafa. — Se você fosse ‘resolver o Labirinto’ e tivesse a
chance de acabar com a vida dele, você faria isso?
— Não tenho desejo de matá-lo.
— Porque você não tem desejo de matar ninguém ou nada? —
Ele a olhou pensativo.
Abrindo a boca para responder, ela fez uma pausa e soltou um
suspiro pesado. Ela tirou o braço dos ombros dele e olhou para o
lago plácido. — O que eu vou fazer, Anfar? Para salvar dois mundos
da destruição, devo resolver um Labirinto – algo que nem sei como
começar a fazer. E se o fizer, terei a opção de matá-lo. Mas que tipo
de preço é esse? Eu não desejo isso.
— Você se sacrificou para dar a dois mundos um pouco mais
de tempo. Você não o mataria para conceder-lhes ainda mais?
— Não. — Ela suspirou, seus ombros caindo. — Não sei. Uma
foi uma escolha fácil. A outra não.
— Ele é cruel com você.
— Sim, mas... — Fechando os olhos, ela abaixou a cabeça. —
Por que você é amigo dele, Anfar?
— Porque não tenho escolha.
Ela riu disso e olhou para ele incrédula. — Acho que você está
mentindo.
— Eu não estou. — Ele fez uma careta. — Se eu negligenciá-lo,
ele me encontra. Não é escolha minha que ele esteja constantemente
presente.
— Por que eu sinto que se os outros não intervissem, você
nunca falaria com outra alma enquanto viver, Anfar?
Levando a garrafa aos lábios, ele murmurou sua resposta no
gargalo. — Porque você tem um cérebro.
Rindo novamente, ela se inclinou contra o braço dele mais uma
vez, descansando a cabeça em seu ombro. Ela ficou surpresa quando
ele inclinou a cabeça para descansar em cima dela. Eles se sentaram
em um silêncio confortável por outro longo trecho.
— Eu vou ficar bem — ele murmurou. — Eu simplesmente não
estou neste momento.
Ela sorriu levemente e, estendendo a mão, pegou a mão dele na
dela. Ele apertou. — E não desejo matar Valroy pelas mesmas razões
que você o suporta como amigo. Pois há algo estranho nele que eu
deveria achar repulsivo, e ainda assim não acho.
— Então você está começando a entender. — Ele apertou a mão
dela novamente suavemente. — E há esperança.
— Esperança para quê?
— Para que você possa resolver o Labirinto.
Ela levantou a cabeça do ombro dele para perguntar o que
exatamente ele quis dizer com isso, mas ela nunca teve a chance.
— Ah, aí está você, minha pequena Seelie.
Levantando-se rapidamente, ela quase caiu de cara no chão
enquanto se virava para encarar a fonte da voz. Valroy estava
encostado em uma rocha próxima, observando-a. Seus olhos cor de
safira brilharam divertidos com o quão assustada ela estava.
Ela ficou rígida, esperando que ele lançasse um ataque. Ou a
perseguisse. Ou alguma coisa. Tentando convocar suas videiras, ela
descobriu que não podia. Ele ainda as estava segurando com seu
próprio poder no Labirinto. Ela olhou para ele. — Pelo menos
permita que eu me defenda!
— Ah-ah. — Ele tiquetaqueou um dedo para frente e para trás
no ar na frente dele. — Não há necessidade. Não quando você está
perto de mim. E me sinto insultado por você pensar que vim aqui
para lhe causar mal. — Ele deu um passo à frente, abrindo suas asas.
— Eu apenas vim para pedir que você se junte a mim para jantar.
Jantar.
Ela se mexeu. — Se não?
— Se não? — Ele colocou a mão no peito em um insulto
simulado. — Você acha que eu me rebaixaria a ponto de ameaçá-la
durante o jantar? Anfar, venha em meu auxílio, diga a ela que ela
está me julgando mal.
— Eu acho que ela está julgando você muito bem. — Anfar
tomou outro gole forte de sua garrafa e grunhiu. Estava vazia. Ele
sacudiu o recipiente e, em seguida, com um preguiçoso encolher de
ombros de um único ombro fino, a jogou no chão ao lado dele. — E
não.
— Não o quê?
— Eu não irei em seu auxílio. — Anfar fungou e abaixou a
cabeça, seu cabelo pegajoso caindo na frente de seus olhos. — Nem
agora, nem nunca.
Abigail franziu o cenho para o homem, franzindo a testa um
pouco preocupada. Ficou claro que a fera marinha estava bêbada.
Bêbado e consternado. Ela olhou para Valroy com uma sobrancelha
arqueada.
Ele assentiu, como se dissesse que estava ciente da situação
antes de, de repente, retomar sua pantomima de angústia. — Oh, ai
de mim. Abandonado por meu irmão e minha futura noiva! O que
devo fazer? — Ele riu, sua expressão se tornando presunçosa
enquanto a observava com um sorriso faminto. — Não, Abigail, eu
não estou aqui para ameaçar ou jogar com você. Não esta noite. Esta
noite... Eu apenas desejo garantir que você não passe fome.
— Eu posso cuidar de mim mesma. — Ela mexeu com a barra
de sua camisa. Ela ainda estava usando a verde escuro que Bayodan
lhe dera há mais de uma semana. Ela não tinha mais nada para
vestir. Ela devia parecer bastante terrível, especialmente quando
comparada a Valroy.
— Você pode agora? — Ele cantarolou. — Eu vejo. Você já
tentou criar comida para si mesma? — Seu sorriso orgulhoso disse a
ela que ele já sabia a resposta.
Ela balançou a cabeça.
— Então você está tão certa de que pode? O Labirinto é
conhecido por causar o caos na magia dos outros. Na verdade, não
tenho ideia do que esse lugar faria com a magia de um Seelie.
— Você não tem? Por que não?
Ele deu um passo em direção a ela. — Isso é simples. — Ele deu
outro passo lento para frente. Depois um terceiro. Ela conseguiu até
o quarto antes de recuar. Quando ela o fez, ele inclinou a cabeça
pensativamente e olhou para ela. — Nenhum sobreviveu o suficiente
para descobrir.
Era um lembrete perfeito de sua situação. Que ele era um
príncipe Unseelie, responsável pela tortura e morte de um grande
número de um grupo que agora era “seu povo”. Os Seelies. Ela
pensou em Uri e em todos os outros que ela conheceu que eram
gentis e principalmente inofensivos. E ela pensou no que Valroy
faria com eles se tivesse a chance.
— Vou me arriscar. — Ela cerrou os punhos. — Não será a
primeira vez que passo fome.
— Hum. Como quiser. Tenha uma noite agradável. — Valroy
girou nos calcanhares e começou a caminhar em direção à sombra da
floresta.
Espera.
Foi isso?
Não. Ele tinha que ter outro jogo.
Valroy gesticulou preguiçosamente por cima do ombro. —
Direi a Bayodan e Cruinn que você se recusou a jantar conosco.
E lá estava. — O quê? — Ela correu em direção a ele. Ela
estendeu a mão para agarrar o braço dele antes de pensar melhor e
puxou a mão de volta para o peito. — Espera!
— Hum? — Ele se virou para ela, fingindo estar confuso. —
Mudou de ideia, é?
— Diga-me que eles... Eles são seus convidados, e não... Não
seu cardápio, por favor. — A preocupação brotou nela, e ela
começou a gaguejar. — Porque se você fez alguma coisa com eles,
ou... Ou...
Valroy deu uma risadinha, e sua expressão se suavizou de sua
diabólica divertida para uma de... Não, ela se recusou a validar isso
com um nome. Quando ele falou, sua voz era mais suave. — Venha
descobrir por si mesma. Ambos estão ansiosos para vê-la.
Ele estendeu a mão para ela, palma para cima. Aquelas unhas
perversas, escuras e pontiagudas pareciam ainda mais ameaçadoras
ao luar. Ele sorriu. — Pegue minha mão, bruxinha.
Ela hesitou. — Apenas jantar?
— Se você desejar.
Estendendo a mão, ela pairou sua mão perto da dele por um
momento. Para seu crédito, ele não pulou nela ou atacou. Ele
simplesmente esperou. Esta era a decisão dela a tomar. Provavelmente
para que ele possa me provocar com esse fato mais tarde. Ela levou um
momento para olhar para a besta marinha abandonada e bêbada. —
Anfar, você vem?
— Não. — Ele fez uma pausa. — Está bem.
Valroy obviamente engoliu uma risada. — Venha, Abigail.
Pegue minha mão.
— Para jantar.
— Sim. — Ele revirou os olhos. — Apenas jantar.
— Eu sou uma tola. — Ela suspirou e colocou a mão na dele.
Ele a puxou para perto, e o mundo se dobrou.
CAPÍTULO DOIS
— Abigail!
Ela mal teve tempo de se recompor depois de reaparecer na
sala de jantar de Valroy antes de já estar correndo em direção à
pessoa que havia falado. Ela nunca tinha sido de pular nos braços de
alguém, mas ela tinha uma necessidade desesperada de abraçar a
criatura diante dela.
Bayodan riu quando ela colocou os braços em volta do pescoço
dele, e ele a levantou do chão, apertando-a com força. — Olá, amor.
— Você está bem? Você... Vocês dois... — Ela se contorceu,
instantaneamente querendo voltar a ficar de pé para poder abraçar a
criatura de vidro que se aproximou deles.
Cruinn estava rindo também, enquanto eles a rodeavam com
os braços, embora deixassem Abigail em terra firme. — Estávamos
tão preocupados com você.
— Preocupados comigo? — Ela se inclinou para trás para que
pudesse colocar as palmas das mãos contra suas bochechas de vidro.
— Valroy disse... Ele disse...
— Eu disse que ‘não faria mais mal a eles do que já fez’. Ou algo
nesse sentido — o príncipe terminou por ela enquanto caminhava
para a cabeceira de sua vasta mesa de banquete. — Eu não disse
nada sobre quando essa injúria anterior havia sido feita, se era
política ou física, ou se eu os tinha como meus prisioneiros em
primeiro lugar. Você apenas assumiu o pior de mim.
Ela lhe lançou um olhar fulminante.
Ele sorriu e se sentou na elegante cadeira parecida com um
trono e pendurou uma perna sobre um braço dela. Ele pegou uma
maçã – uma das carmesins dela – e deu uma mordida. — Pode olhar
para mim o quanto quiser. Eu estou certo.
— Nós estamos bem. — Cruinn se inclinou e beijou sua
bochecha. — Nunca estivemos em perigo. Valroy nunca nos
encontrou.
— Para ser justo, uma vez que ela se juntou aos Seelies, parei
de tentar. — Com a garra de uma de suas asas, ele se serviu de uma
taça de vinho.
— Sim, sim. — Bayodan balançou a cabeça e caminhou até uma
das cadeiras da mesa. Ele se sentou com um grunhido. — Você é
incontestável em seu domínio do mundo. É óbvio.
— Eu poderia ficar sem o seu sarcasmo, velho amigo.
— Você poderia, mas você sabe que não vai. — Bayodan sorriu
para o príncipe e estendeu a mão para pegar a garrafa de vinho para
se servir de uma taça. — E é exatamente por isso que você sofre por
nossa presença.
— Eu sofro por sua presença, bode, porque você é um
estrategista e um feérico poderoso. — Valroy tomou um gole de sua
taça. — Você é útil.
— Humhum. — Cruinn pegou Abigail pela mão e a levou até a
mesa, pedindo que ela se sentasse. Havia um assento entre Bayodan
e Valroy, e ela hesitou. O metamorfo beijou sua bochecha novamente
e sussurrou: — Você está segura. Ele não vai te machucar.
— Não é precisamente ‘machucar’ que me preocupa — ela
murmurou de volta.
— Então não há com o que se preocupar. — Cruinn riu e deu
um tapinha no ombro dela enquanto ele se sentava do outro lado da
mesa.
Eu peço desculpas, mas não concordo.
Porque Valroy estava olhando para ela como se ela, não o
animal assado sobre a mesa, fosse o prato principal.
Por falar nisso.
— Você não pode estar falando sério. — Ela olhou para Valroy
novamente. O príncipe apenas abriu os braços e sorriu de volta para
ela.
Porque ali na mesa, com outra de suas maçãs vermelhas na
boca, estava um javali assado.
Ela fechou os olhos e suspirou. Não adiantava gritar com ele.
Não havia sentido em pegar a prata da comunhão roubada e
arremessá-la, uma peça de cada vez, em sua cabeça. Ele era o que
era, e não ia mudar. E seu senso de humor doentio não iria a lugar
nenhum.
Eu poderia matá-lo. Isso resolveria meu problema.
No entanto, totalmente contra sua vontade, ela agora estava
escondendo um sorriso atrás de sua mão. Porque era engraçado, mas
ela também não queria encorajá-lo. Quando ela finalmente
conseguiu reprimir seu sorriso onde ele pertencia, ela soltou outro
suspiro sitiado e se sentou na cadeira ornamentada que foi deixada
aberta para ela.
— Eu sei que você não vai comer, agora que você é Seelie. —
Valroy acenou com a mão com desdém à palavra, como se fosse algo
desprezível. — Mas eu não poderia deixar passar a chance de
continuar nossa divertida piadinha.
— Que piada? — Cruinn já estava cortando o animal, cortando
um grande pedaço da carne.
— Bem, você vê... — Valroy sentou-se para frente, sorrindo
novamente.
— Nada — Abigail o cortou. — Não é nada. — Suas bochechas
estavam queimando, e ela provavelmente estava da cor da maçã
enfiada na boca do javali. Ela atirou em Valroy outro olhar raivoso,
embora soubesse que não tinha absolutamente nenhum peso.
O príncipe uivava de tanto rir. Ele estendeu a mão e pegou
uma mecha de cabelo dela, enrolando-a preguiçosamente em torno
de seus dedos. — Do que você tem tanta vergonha, bruxinha? De
fato, eu não fodi você como um javali, por mais lamentável que isso
seja. Era apenas uma ameaça. A menos que... — Ele inclinou a cabeça
pensativamente. — Você está corando porque você secretamente
queria que eu fizesse isso o tempo todo.
— Não! — Ela fez uma careta e deu um tapa na mão dele. — Eu
não quis tal coisa, seu vil, pervertido e cretino nojento!
— Bem, então, por que você cora? Hum? — Ele se sentou para
frente, apoiando os cotovelos na mesa. Ele pode ter soltado o cabelo
dela com a mão, mas ele a alcançou com as garras de sua asa, e ela as
sentiu lentamente passando por seu cabelo pela base de seu pescoço.
Ela se mexeu, tentando fugir para frente e fora de seu alcance, mas
ele foi persistente.
E fez suas bochechas ficarem ainda mais quentes.
Bayodan e Cruinn apenas observavam a cena em silêncio, cada
um com uma expressão diferente. A de Bayodan era passiva,
observadora, absorvendo cada detalhe. A de Cruinn estava muito
mais ansiosa. Como se estivesse acontecendo algo que ela não
entendia, mas que eles muito entendiam.
A garra de Valroy em seu cabelo se apertou, agarrando seu
cabelo com força, puxando sua cabeça para trás um pouco. — Bem?
— ele ronronou.
Ela teve que engolir seu suspiro. Ela agarrou a borda da mesa
enquanto lutava contra a onda de fogo que rugia através dela. —
Isso é profundamente inapropriado.
— Não se você for feérica. — Sua garra manteve seu aperto
firme em seu cabelo, picando seu couro cabeludo. Mas não era dor
que ela sentia – não precisamente – porque enquanto ela podia sentir
a picada, não doía realmente. Era algo muito diferente. — Minha
pergunta permanece, bruxinha. Você cora ao ver o javali. À menção
do meu jogo com você. Por que?
Suas palavras foram um sussurro. — Eu não sei.
Isso fez um sorriso lento e perfeitamente maligno se espalhar
por suas feições afiadas. Seu aperto na parte de trás de seu pescoço
afrouxou e então se foi. Ele se recostou e pegou sua taça de vinho,
tomando um gole. — Muito bem.
Seu coração estava batendo em seus ouvidos. Tudo em seu
corpo estava no limite, gritando para ela correr. Gritando para ela ir
para o lugar mais distante que ela pudesse encontrar. E sabendo que
se ela o fizesse, ele estaria beliscando seus calcanhares. Ele iria caçá-
la durante todo o caminho.
E não foi medo o que ela sentiu com o pensamento.
Não foi medo de jeito nenhum.
Ela bebeu sua taça de vinho de uma só vez, então ansiosamente
pegou a garrafa.
Todos na mesa riram.
— O que eu perdi? — Anfar se aproximou da borda da floresta
e sentou-se a um espaço de distância de Cruinn. Um espaço longe de
todos os outros. Ele aparentemente tinha ido buscar uma nova
garrafa de destilado, pois carregava uma garrafa antiga diferente da
anterior. Ele a colocou sobre a mesa à sua frente.
— Nada, exceto Valroy se esforçando para me envergonhar. —
Abigail se serviu de um pouco da comida na frente dela que ela
poderia comer. Batatas que haviam sido cortadas em fatias finas,
mergulhadas em queijo e depois assadas. Parecia incrível. Para toda
a carne que foi colocada na mesa, havia legumes, pão, ovos e queijo
na mesma medida.
Ela se perguntou ociosamente se era de propósito.
— Nada de novo, então. — Anfar fungou e, estendendo a mão
sobre a mesa, agarrou um pedaço de carne de javali com a mão nua,
arrancando-o do resto do cadáver. Abigail torceu o nariz.
— Tente não pingar na minha bela prata, Anfar. — Valroy
pendurou a perna no braço da cadeira. — A água salgada vai
manchá-la.
Anfar murmurou algo indelicado baixinho.
Ela franziu a testa para a pobre criatura marinha, seu coração
partido por ele. Ela queria dizer alguma coisa, mas percebeu que
suas palavras de simpatia provavelmente não seriam bem-vindas.
Ela fechou a boca novamente e suspirou.
Bayodan colocou uma mão pesada em seu ombro, apertando-o
suavemente. Ela olhou para ele, e ele sorriu, assentindo uma vez,
confirmando sua suspeita de que Anfar não era de chavões inúteis.
— O que você achou dos Seelies? — Cruinn sorriu, quebrando
o silêncio constrangedor. — Ouvi rumores de que você passou
algum tempo com a própria rainha.
— Ela bebe. Bastante. — Isso lhe rendeu uma risada de todos
na mesa. E até mesmo um leve sorriso de Anfar. — Mas ela é gentil.
Ela é mais... Acessível do que eu temia. Quando ela me descobriu,
pensei que ia acabar acorrentada. Ela teme por seu povo.
— Como ela deveria — Valroy interrompeu.
— Mas os Seelies não eram como vocês os descreveram. — Ela
se lembrou dos cortesãos no banquete de Titânia e franziu a testa
novamente. — Não totalmente.
— O que você quer dizer? — Bayodan estava cortando
meticulosamente sua comida em pedaços precisos.
— Vocês Unseelies... Não são sutis em seus desejos. O que quer
que sejam. — Ela ignorou um bufo do príncipe. — Entendo o que
vocês querem dizer quando disse que eles mentem. Eles não são
dúbios, não exatamente, mas mantêm suas cartas na manga. Pelo
pouco tempo que passei com eles, acredito que eles gostam de jogar
ainda mais do que vocês.
— Bem dito. — O sorriso de Bayodan se alargou um pouco. —
Somos o mesmo povo, simplesmente duas metades do mesmo todo.
Nós não somos tão diferentes, no final.
Cruinn bufou. — Eles são traidores perigosos e nunca devem
ser confiáveis. Não dê ouvidos ao nosso adorável companheiro.
— Corretíssimo, metamorfo. — Valroy ergueu sua taça em um
brinde. — Nunca confie em um Seelie.
— E agora estou nessa lista? — Ela arqueou uma sobrancelha
para ele. — Eu sou agora uma mentirosa traiçoeira?
O tom de Valroy caiu para um grunhido baixo. — Isso ainda
está para ser visto.
Suas bochechas ficaram quentes. De novo. Ela desviou o olhar
dele, incapaz de encontrar aquele olhar de safira.
— Não, você não é como os outros Seelies. Você não passou
tempo suficiente entre eles. — Cruinn sorriu tranquilizadoramente.
— Você foi feita para ser um deles, mas você ainda é nossa Abigail.
Não era tão reconfortante. — Mas eu ainda sou Seelie. — E
carrego comigo um punhal que pode acabar com a vida dele. E eu sei que se
eu me permitisse... Eu poderia chegar perto o suficiente para usá-lo.
— Eu não acho que você é capaz de traição. — Bayodan
acariciou seu cabelo com a mão. — Seu coração é muito grande.
— Talvez ela tenha sido corrompida pelos caminhos deles. —
Valroy girou seu vinho pensativamente. — Suponho que veremos.
Ela olhou para o prato, sem saber o que dizer.
— Deixe a pobre garota em paz, sim? — Foi a vez de Anfar
olhar para o príncipe. — Ela está aqui para jogar seu jogo estúpido.
Isso não é suficiente?
— Nada nunca é suficiente para mim. Você já devia saber
disso. — Valroy tomou um gole de vinho e, em seguida, estendeu a
mão sobre a mesa para pegar um pãozinho de uma cesta. — Embora
para ser justo, eu não testei essa teoria com Abigail ainda... — Ele
piscou para ela, uma ligeira curva em seus lábios.
Ela se concentrou de volta em seu prato, suas bochechas
ficando quentes mais uma vez. Maldito seja. Maldito seja ele. A ação
mais simples dele acendia algo perigoso dentro dela. Perigoso,
sedutor e desesperado para ser alimentado. Seus ombros caíram
quando uma sensação de profunda desesperança a invadiu.
Ela estava presa. Ele poderia fazer com ela o que quisesse. Não
porque ela usava correntes de ferro, ou porque ela estava em uma
gaiola. Ela sabia que se tentasse, provavelmente poderia escapar do
Labirinto. E nem mesmo porque o que ele havia dito a ela era
verdade, que não havia caminho a seguir a não ser pelo Labirinto.
Mas porque ela queria se render a ele. Sentir a mordida do
lobo. Ela queria exatamente com o que ele a provocava – bem, exceto
o javali – e essa era uma armadilha muito mais insidiosa e eficaz do
que qualquer gaiola que ele pudesse criar.
E era errado.
Ela não deveria querê-lo.
Ela não deveria achar sua companhia agradável.
Ela não deveria ansiar por seu toque. Sua risada. Seu sorriso.
Isso quase trouxe lágrimas aos olhos dela. Como ela poderia
matá-lo? Como ela conseguiria enfiar um punhal no coração dele?
Titânia estava errada. Ela não tinha forças para prosseguir com a
ação. Por mais que fosse enervante afirmar, ela iria encontrar o
príncipe.
— Por que tão séria, bruxinha? — Uma garra de sua asa
agarrou o encosto de sua cadeira e a arrastou para mais perto dele.
— Eu odeio ver você tão sombria.
Ela guinchou quando a cadeira se moveu, agarrando-se a ela
para não cair. Quando ela foi para trás, a cadeira não se mexeu. Ele
era forte demais para ela. Ela fez a única coisa que podia fazer –
olhar. Olhar, e bater a palma da mão em seu peito nu o mais forte
que pôde.
— Ai. — Ele riu, esfregando o ponto em sua pele. — Você é
mais forte do que era antes, Seelie. Mas lembre-se, você ainda não é
párea para mim, golpe por golpe.
— Estou ciente. Esse não era o ponto. — Ela foi acertá-lo de
novo, e ele pegou seu pulso facilmente em sua mão. Antes que ela
pudesse reagir, ele puxou, e de repente ela estava se movendo. Mas
desta vez, ela se viu sentada em seu colo, de costas para seu peito. —
Ei! Não...
— Shhh. — O braço dele envolveu sua cintura e a puxou com
força para ele. — Pare de se contorcer. — Ele se aninhou em seu
cabelo, perto de sua orelha, e sussurrou: — Eu gosto do atrito.
Ela congelou. Sim. Isso ficou muito claro pelo que foi
pressionado contra sua bunda. Ele riu e, com o outro braço, moveu-a
para que ela ficasse sentada perpendicular a ele, com as pernas
dobradas ao lado das dele. Era totalmente errado, inapropriado e...
Ninguém parecia se importar.
Bayodan e Cruinn estavam jantando casualmente, como se
nada estivesse errado. Anfar estava empurrando alguns pedaços de
carne em seu prato com um garfo. Ninguém parecia achar que algo
estava errado.
Ele curvou um dedo sob o queixo dela e a virou para olhar para
ele. — Você ainda está pensando como uma humana, bruxinha.
Amor e luxúria fluem como vinho e são compartilhados com a
mesma liberdade. — Ele bateu a ponta de um dedo contra o nariz
dela, a picada de sua unha afiada fazendo-a estremecer. Ele riu.
— Devo me sentar aqui?
— Sim. Até você se animar. Eu não gosto de onde quer que
seus pensamentos foram, e vou continuar a distraí-la — ele puxou
seus quadris para os dele, lembrando-a de seu desejo, não que ela
precisasse — se você não se animar.
— Eu, profundamente, não gosto de você.
— Não. Eu não acredito que você não goste. — Ele baixou a
cabeça para a dela, como se fosse beijá-la. Ela virou a cabeça, e ele se
contentou em pressionar um beijo lento e sensual em sua garganta
abaixo de sua orelha. Ele permaneceu ali, e ela sentiu sua língua
rolar contra sua pele enquanto ele se afastava. Ela estremeceu, e o
braço dele ao redor dela apertou levemente. — Eu não acredito que
você não goste de tudo.
Não.
Ela não o detestava.
E esse era inteiramente o problema.
A questão simplesmente permanecia - o que ela deveria fazer
sobre isso?
CAPÍTULO TRÊS
Valroy não conseguiu tirar o sorriso do rosto. Ele sabia que
estava se regozijando, e sabia que estava irritando Abigail do jeito
errado. Mas atualmente, ela estava sentada em seu colo, esfregando-
o da maneira perfeita, e ele não podia evitar.
Ela estava viva.
E ela estava aqui.
— Deixe-me levantar, por favor. — Ela lançou-lhe um olhar.
— Hum? Por que? Não sou confortável? — Ele colocou as
garras de sua asa sobre o ombro dela. Ela era tão quente e macia. Ela
tinha sido linda como uma mortal, mas agora, como uma feérica? Ele
encontrou a necessidade irresistível de tocá-la. Ele beijou sua
mandíbula.
— Porque você... — Ela se mexeu, tentando afastar a cabeça da
dele. — Você não deveria estar...
Ele passou a língua ao longo do arco de sua orelha até a ponta e
desceu os dentes sobre ela. Ele a sentiu se contorcer, sua respiração
engatando em seu peito. Ela estava vestindo uma camisa verde três
tamanhos maior que ela, provavelmente algo que Bayodan tinha
dado a ela. Ele queria arrancá-la dela e se empanturrar.
— Porque você não deveria estar... — Ela se contorceu quando
ele passou a mão por sua coxa. — Pare.
— Por que? Você ainda tem que formar uma frase completa. —
Ele sabia que ela o queria. Ficou claro na maneira como ela olhou
para ele por trás da raiva e frustração que ela tentava usar como
abrigo. Mas ele parou de atormentá-la quando ela pediu. Ele não era
um bruto.
Embora, ele não tirou a mão de sua coxa.
— Você disse que isso era apenas um jantar.
— E nós estamos apenas comendo.
Oh, ele nunca, jamais se cansaria daquele olhar.
— Eu não posso comer meu jantar se você me forçar a sentar
aqui e não parar de me tocar. — Ela desviou o olhar, incapaz de
manter seu olhar. Ela era tão tímida. Tão mansa. E ainda assim com
tanta raiva.
— Ah. Você está com fome. Claro. Eu tenho maneiras terríveis.
— Com a garra de sua outra asa, ele estendeu a mão sobre a mesa e
pegou um rolinho de manteiga. Ele o pendurou na frente dela. —
Aqui.
Ela estendeu a mão para ele. Ele a afastou.
E agora sua carranca se tornou positivamente feroz. Sua
mandíbula tensionou. — O quê agora?
— Coma da minha mão. — Ele abaixou o rolinho mais perto. —
Se você está com fome.
— Eu não vou comer da sua... — Ela rosnou e tentou se
contorcer para sair do colo dele. Ele apertou seu aperto. Ela lhe deu
uma cotovelada no peito, provavelmente o mais forte que podia. —
Me deixe levantar.
— Está bem. Sob uma condição. — Ele passou os braços ao
redor dela, puxando-a de volta para ele. — Me beije uma vez, e você
pode ir.
— Eu...
Ele baixou a cabeça até o ouvido dela. — Se você realmente se
opusesse a esta situação, você poderia ter gritado por Bayodan ou
Cruinn, e eles teriam corrido aqui para salvá-la. Mas eles nem sequer
piscaram um olho. Veja como eles conversam entre si e Anfar?
Ninguém está julgando você.
Suas bochechas ficaram com um tom profundo de carmesim, e
ela finalmente encontrou seu olhar, seus olhos verde musgo
procurando por algo. Por um sinal de que ele estava mentindo ou
provocando-a, talvez. Mas ela não encontraria nenhum. Ele se
encontrou apaixonado por aqueles lábios verdes dela. A cor
combinava com ela.
— Eu quero deitar você em um campo de grama e flores — ele
murmurou, suas palavras apenas para ela. — Eu quero beijar cada
centímetro do seu corpo nu e cumprir minha ameaça de contar cada
sarda que você possui. — Ele aumentou seu aperto em sua coxa, só
um pouco. — Eu quero te trazer prazer como você nunca conheceu.
Vou fazer você se sentir como se estivesse entre as estrelas. Você
sentirá tanta felicidade, Abigail... Isso é tudo que eu quero de você.
Ela estava congelada, sua respiração ficando rápida e curta. Ela
não se moveu ou resistiu quando ele aproximou seus lábios dos dela,
observando aqueles olhos se arregalarem de medo e antecipação.
— Me toque, Abigail. — Quem era ele para implorar por afeto?
Quem era ele para pedir uma coisa dessas? Ele parecia um mendigo,
com as mãos estendidas, implorando por um pouco. — Me beije, por
favor. — Ele poderia beijá-la agora, e ela não resistiria a ele. Mas ele
queria que ela o beijasse. O que havia de errado com ele? O que ela
tinha feito com ele?
Ele sabia. Ele conhecia a marca e a forma do veneno que ela
havia cravado em suas veias. Era amor. E era amor que ele estava
desesperado para ter em retorno.
Por favor, Abigail.
Mostre-me que esse meu amor pode não estar destinado à tragédia.
Era difícil não prender a respiração enquanto a observava
debater suas escolhas. Dar um tapa nele, arranhar seu rosto até que
ele a soltasse... Ou fazer o que ele pediu.
Ela levantou a mão, e por um momento ele se perguntou se ela
não iria realmente tentar arrancar seus olhos. Mas com cuidado,
hesitante, como se ela se perguntasse se ele iria mordê-la, ela colocou
as pontas dos dedos em sua bochecha. Ele se inclinou em seu toque,
apenas a menor quantidade, deixando seus olhos ficarem
semicerrados.
Um pouco encorajada, ela deixou a palma da mão encostada na
bochecha dele, o polegar acariciando sua pele. Ele a deixou explorá-
lo. Ela passou os dedos pelo cabelo dele, e ele quase rosnou de
prazer. Observando-a com os olhos semicerrados, ele viu o fascínio
dela escrito claramente em seu rosto enquanto ela tocava os muitos
anéis de prata que ele usava em sua orelha.
E então a viu corar quando ela provavelmente lembrou que
aqueles não eram os únicos piercings que ele tinha.
Ele lutou contra um sorriso e por pouco ganhou. Era fácil se
distrair com o toque dela enquanto descia por sua garganta. Ela
colocou a palma da mão contra o peito dele e se inclinou como se
fosse beijá-lo.
Mas ela parou.
Aquela curiosidade ansiosa foi subitamente marcada mais uma
vez pela dor. Tanta dor e desesperança. Ele tinha visto isso nela mais
cedo no jantar, e foi o que o inspirou a arrastá-la para seu colo.
Ele tinha visto aquela expressão nela antes.
Logo antes de ela se render as Gle’Golun.
— Eu sei que você não deseja me querer. — Ele manteve a voz
baixa, palavras apenas para ela. — E eu sei que você quer do mesmo
jeito.
Ela abaixou a cabeça, tentando se esconder dele.
Ele pegou seu queixo com a curva de um dedo e a trouxe de
volta para ele. Não haveria mais como se esconder dele. — O que
você sente não está errado, Abigail. — Foi sua vez de segurar o rosto
dela na palma da mão.
— Você está tentando destruir dois mundos. Eu não deveria
me sentir assim sobre um homem que deseja tal morte e destruição.
Posso aceitar que você é Unseelie. Posso aceitar a crueldade que é
sua natureza. Mas toda essa morte? Eu vou encontrar uma maneira
de detê-lo. — Ela fechou os olhos, inclinando a cabeça em seu toque.
— Mas aqui estou eu, sentada no seu colo, e eu...
— Você e eu podemos brigar em um momento e fazer amor no
próximo. Você não precisa ser minha aliada para ser minha amante.
— Ele descansou sua testa contra a dela, esperando que suas
palavras encontrassem sua marca. — Olhe para as três criaturas que
se sentam à mesa e se chamam meus amigos. No entanto, eles se
opõem a mim em todas as oportunidades.
— Mas eu...
— Você ainda está pensando como uma mortal. — Ele sorriu e
beijou sua testa. — Vá, pegue sua cadeira de novo. Coma o seu
jantar. Falaremos mais sobre isso mais tarde esta noite.
Ela piscou para ele em confusão. — Perdão?
— Eu libero você da minha barganha. — Ele desembrulhou
seus braços ao redor dela e retirou sua asa de onde ainda descansava
em seu ombro. — Por enquanto.
Ela desceu do colo dele depois de mais um segundo de
hesitação e tomou sua cadeira mais uma vez. Suas bochechas
estavam da cor de beterraba. Ela murmurou algo para Bayodan, que
apenas riu e colocou a mão em suas costas, esfregando seus ombros.
Valroy não a tomaria esta noite.
Ela não estava pronta para isso.
Mas ele não tinha terminado com ela esta noite.
Nem um pouco.
CAPÍTULO VINTE
Quando chegou o crepúsculo, Abigail tinha chorado todas as
suas lágrimas. Ela não sabia o que esperar do que estava por vir, mas
o enfrentaria com toda a dignidade que pudesse. Ela ainda estava de
joelhos quando a beira do sol tocou o horizonte, e a sensação da sala
do trono mudou de repente.
A escuridão havia chegado.
E a escuridão estava com raiva.
Saindo das primeiras sombras que se formaram ao longo das
bordas das árvores que cercavam a sala do trono estava uma figura
que, apesar de sua história juntos, ainda a fazia encolher de medo. A
expressão de Valroy era tão fria quanto um lago congelado de
inverno, mas puro ódio queimava naqueles olhos brilhantes de
safira. Sobre seu ombro havia uma faixa azul profundo, enfiada em
padrões prateados, e ao seu lado pendia uma espada perversa de
lâmina preta.
Seu olhar foi para ela, mas não se demorou. O que quer que ele
pensasse sobre seu estado atual de ser, acorrentada e sangrando
como estava, ela não sabia dizer. Ele não deu nada a ela.
Mas ele não estava sozinho. Como o fantasma de todos aqueles
perdidos no mar, emergindo da sombra atrás do príncipe, estava
Anfar. E ao lado da fera marinha em sua forma humana havia outro
rosto que ela não esperava. Perin. O marinheiro que virou selkie era
o único que olhava para ela com algo como pena ou
arrependimento. Embora sua expressão também fosse marcada pelo
medo. Ela não era a única que provavelmente se sentia
poderosamente fora de seu alcance.
Titânia e Oberon deram um passo à frente para
“cumprimentar” os visitantes, ambos vestidos com roupas muito
mais régias do que Abigail os tinha visto antes. Um círculo de ouro
repousava na cabeça de Titânia, construído para parecer trepadeiras
que cresceram umas sobre as outras em um padrão intrincado e
delicado. Seu vestido era do rosa mais puro, como rosas da
primavera, e o tecido transparente cobria seu corpo e seguia atrás
dela.
Oberon estava de armadura. As peças excêntricas e
assimétricas que o cobriam combinavam com as armaduras dos
soldados ao seu redor, ainda que mais elaboradas. Cobria mais um
braço do que o outro e deixava um ombro nu.
Ambas as partes vieram para a guerra.
E era culpa dela.
O soldado que estava ao seu lado se mexeu. Ele era quem
segurava a corrente de ferro que circundava sua garganta. Ela
assumiu que não o queimava através de suas grossas luvas de lona.
Na outra mão estava um machado de carrasco. A lâmina era pesada,
e ele a apoiou no chão. Ela ouviu o tecido de sua outra luva ranger
quando ele apertou mais. Seus olhos estavam fixos em Valroy.
A mensagem era clara.
— Príncipe Valroy, Grão-Senhor dos Din’Glai, nós o
cumprimentamos. — O queixo de Titânia estava erguido, sua
postura calma. Se ela estava com medo da criatura que estava
olhando para ela como uma cobra pode olhar para sua próxima
refeição, ela certamente não demonstrou. — Estou feliz que você
tenha vindo para testemunhar a morte da bruxa Seelie. Pois as ações
dela não foram nossas, e sua emissão de guerra não foi nossa.
— Houve um tempo em que eu a acusaria de mentir, rainha
Titânia. — Valroy deu um passo em direção a ela. A mão de Oberon
foi descansar no punho de sua espada. Ele zombou. — De convencer
uma de suas criações a destruir uma parte do meu Labirinto, apenas
para alegar inocência na ação. Mas não acho que seja o caso neste
cenário. Pois conheci nossa querida Abigail Moore e a conheço. Suas
ações eram dela mesma.
Titânia franziu a testa por um momento. — Portanto... Você
não pretende fazer guerra?
— Eu nunca disse isso. — Ele riu, sua voz um ronronar
profundo e perigoso. Ele claramente se deleitava com o que estava
acontecendo. Ele desfraldou as asas de suas costas, espalhando-as e
apagando os raios desvanecidos do sol como uma espécie de dragão
de pesadelo. Onde ele lançava sombras, ela observava o mundo
mudar das cores e superfícies da luz do dia dos Seelies para as do
assustador e sinistro Unseelie. — Por que eu teria algum motivo
para desculpar as ações de um dos seus? Não, estou apenas dizendo
que não coloco a culpa em você.
Titânia franziu a testa. — Então vamos cortar a cabeça dela de
seus ombros, como oferta de paz.
— Nisso você está enganada, Rainha Titânia. Pois ao fazer isso,
você estará assassinando minha pretendida. Ela é minha princesa,
como você bem sabe. — A expressão de Valroy perdeu sua alegria
maliciosa, deixando para trás apenas uma fria crueldade. — E
assassinar minha princesa seria digno de guerra, você não acha?
— Você ainda pretende se casar com ela, mesmo depois do que
ela fez? — Titânia bufou uma única risada. — Você está tão
desesperado para usar a coroa que se casaria com uma mulher que
agiu tão duramente contra você? Que claramente despreza tudo o
que você é?
— Resumidamente? Sim. — Ele sorriu, uma torção fina em seus
lábios. — E ela não é tão terrível para foder, também.
Abigail encontrou forças para lançar-lhe um olhar, suas
bochechas aquecendo no que ela tinha certeza que era um rubor.
Mas ele não estava olhando para ela. Ele não havia tirado o foco de
Titânia uma única vez durante toda a conversa.
Titânia balançou a cabeça. — Você não vai se casar com ela. Ela
é minha prisioneira.
— Você se encontra em um beco sem saída, Seelie. Se você
matá-la, eu mato você. Se você continuar a contê-la? Farei guerra
contra seu povo para libertá-la. Se você a entregar para mim, eu me
casarei com ela... E destruirei todos vocês. — Sua expressão se
dividiu em um sorriso malicioso. — Eu ganho, Titânia, não importa
como você veja o tabuleiro.
— Ela não quer se casar com você — afirmou Titânia, franzindo
o nariz em desgosto. — Você a forçaria a fazer uma coisa dessas?
— Foi-se o tempo que uma vez eu desejei ganhá-la ao meu
lado. Mas depois que ela destruiu os Salgueiros Chorões, agora vejo
que tal coisa é impossível. A barganha entre nós agora não existe
mais. — Ele deu de ombros preguiçosamente. — Resumidamente?
Sim. Vou acorrentá-la como você fez e mantê-la como meu pequeno
animal de estimação Seelie.
— Você mais uma vez prova a todos nós que você não é nada
além de uma besta degenerada. — Titênia fez uma careta e então
suavizou sua expressão. — Não. Eu não vou deixá-la ser submetida
a tal desgraça. Tal tortura. Eu preferiria tê-la morta do que ser sua
noiva de estimação.
Valroy rosnou. Olhando para o sol poente, ele visivelmente
forçou sua raiva de volta para trás do véu de frieza. — A penitência
dela é minha para dar. Não é sua.
— Se vamos ter guerra, não importa o que eu faça, o que
importa se ela viver ou morrer? — Titânia sorriu levemente para ele.
— Você terá sua coroa, Príncipe Valroy. Mas você se sentará no
trono sozinho.
— Dê ela para mim, Titânia. — Valroy cerrou o punho, os nós
dos dedos ficaram brancos. — Ela é minha.
— Eu não acho que ela concorda com você. E mais importante,
nem eu.
Os pensamentos de Abigail estavam girando. Ela tinha que
fazer alguma coisa, mas o que ela poderia fazer? O que ela poderia
dizer? Este desastre era culpa dela. Sem saber o que estava fazendo,
sem um plano, ela invadiu a discussão entre eles. — Posso falar?
A Rainha Titânia e o Príncipe Sangrento se viraram para
observá-la, e ela nunca em sua vida se sentiu tão examinada. Ambos
eram como deuses – estátuas de criaturas poderosas, forças da
natureza – e ela não podia lutar com eles.
— Eu... Eu não me desculpo por libertar as almas presas nos
Salgueiros Chorões. — Ela encontrou o olhar de safira de Valroy e se
forçou a mantê-lo, independentemente do quanto desejasse se
esconder dele. — Eu pedi para ver algo que me faria odiar você,
Príncipe Valroy. E você me mostrou um horror além da minha
imaginação. Você fez apenas o que eu pedi, e... Embora eu sinta que
minhas ações foram misericordiosas, lamento ter agido contra você.
— Ela endireitou as costas, encolhendo-se quando sentiu as
correntes de ferro ao redor de seu pulso se moverem e pressionarem
mais fundo nas feridas que haviam feito.
— O Labirinto e eu estamos ligados. Quando você agiu contra
ele e trouxe dor, você fez o mesmo comigo. — Ele pressionou a
palma da mão no símbolo tatuado sobre seu coração. Seus lábios se
curvaram em um rosnado, revelando seus dentes afiados.
— Eu não sabia disso.
— Isso teria mudado suas ações? — Ele arqueou uma
sobrancelha azul escura.
Depois de uma pausa, ela respondeu. Parecia errado mentir
para ele. — Não.
Ele riu e balançou a cabeça. — Ah, Abigail. Diga-me, minha
querida, você foi bem-sucedida em seu objetivo? Você me detesta
agora como todo o resto? — Ele abriu os braços para os lados e
curvou-se na cintura alguns centímetros. — Eu sou agora um destino
pior que a morte para você?
Depois de outra pausa, medindo suas palavras, ela respondeu
honestamente mais uma vez. — Não.
Isso pareceu pegá-lo de surpresa, suas feições suavizando-se de
sua insensibilidade sarcástica. Quando ele não respondeu, seus olhos
se alternando entre os dela, ela continuou falando. — Eu não odeio
você, Valroy. Eu odeio as coisas que você faz. Eu odeio o que você
força os outros a suportar. Eu nunca vou tolerar sua barbárie ou a
angústia que você lança sobre os outros. Mas você... É o que você é.
E você nunca procurou esconder sua natureza de ninguém, inclusive
de mim. — Ela sorriu levemente para ele. — Eu não odeio o lobo
porque ele come as ovelhas.
Silêncio. Todos os olhos estavam sobre ela. Lutando para ficar
de pé, ela finalmente conseguiu se levantar. Foi difícil, com o peso
pesado em volta do pescoço. Em todos os lugares em que a corrente
de ferro tocava parecia a queimadura de uma planta venenosa. —
Príncipe Valroy, Grão-Senhor dos Din’Glai, Mestre do Labirinto,
Campeão do Anel de Sangue... Tenho certeza de que estou perdendo
alguns.
Ele sorriu.
Ela continuou. — Tenho uma proposta para você. Uma
barganha final entre nós. — Dando um passo hesitante em direção a
ele, ela esperou para ver se o guarda a puxaria de volta. Mas quando
ninguém a parou, ela diminuiu a distância até ficar diante dele.
Olhando para ele, ela ficou mais uma vez impressionada com o quão
bonito ele era. O azul escuro de seu cabelo caía em mechas ao longo
da pele de alabastro. A maldade em seu olhar que nunca o deixava.
Mas havia uma estranha tristeza em seus olhos que sempre estava lá,
espreitando por trás da alegria viciosa.
Uma solidão.
E talvez fosse a única saída. — Eu me casarei com você,
Príncipe Valroy. — Ela viu como seus olhos se arregalaram. — Eu
me tornarei sua rainha. E farei isso por minha própria vontade.
Mas... Eu tenho uma condição. Um presente de casamento que peço
em troca.
— Oh? — Ele estendeu a mão para tocar a corrente de ferro que
envolvia sua garganta, pairando os dedos sobre a superfície. Seu
olhar foi para o pescoço dela, como se examinasse as feridas abertas.
— Não me diga que deseja que eu interrompa meus planos de
guerra.
— Não. Eu sei melhor do que isso.
A mão dele envolveu a corrente e a puxou para ele, quase
desequilibrando-a. Seus pulsos ainda estavam amarrados atrás das
costas, e ela não conseguia afastá-lo. — Então... Fale.
— Eu não vou pedir para você parar sua guerra. Só peço que
adie. Mil anos de paz.
Rindo alto, ele agarrou seu quadril com uma de suas garras e
puxou seu corpo contra o dele. — E por que eu deveria concordar
com isso?
— Mil anos não é nada para imortais como você. O que
importa se você os destruir agora ou depois?— Ela baixou a voz,
murmurando para ele. — Além disso, até lá você pode estar cansado
de me foder. Talvez.
Isso o fez gargalhar – uma risada de verdade dessa vez – e
inclinou a cabeça para ela e sussurrou: — Eu não tenho tanta certeza.
Mas ver você assim, amarrada e contida, certamente chamou minha
atenção. — Ele puxou seus quadris apertados contra ele, e ela sentiu
a prova de seu desejo pressionando contra ela. Endireitando-se, ele
se dirigiu a ela mais alto. — Talvez você esteja certa. Talvez eu esteja
muito distraído com minha nova noiva para destruir
adequadamente meus inimigos. — Ele a empurrou um passo e
voltou sua atenção para Titânia. — Eu concordo com este acordo. O
que você diz, Rainha Titânia?
Abigail virou a cabeça para observar a rainha. Titânia
observava a situação com todos os maneirismos de uma pessoa que
ganhara em uma mão de cartas quando tinha certeza de que seu
oponente estava trapaceando. Seus dedos bateram contra sua coxa
em um padrão rítmico. — Mil anos de paz.
— Sim. Como um presente para minha noiva disposta. Eu me
absterei de declarar guerra ao seu povo, ou aos humanos, por mil
anos. Isso não inclui reciprocidade. Se o seu povo agir contra mim,
então o acordo está cancelado.
— Gostaria de excluir Abigail dessa cláusula. — Titânia a olhou
com desaprovação. — Suas ações não refletirão mais sobre as dos
Seelies.
— Claro. Ela será minha rainha. — Sua mão caiu sobre o ombro
de Abigail, pesada e como o fechamento de uma porta. — Será
minha responsabilidade discipliná-la. — Seu aperto aumentou.
— Então temos um acordo. Você pode se casar com ela. E isto
trará um tempo de prosperidade e paz entre nosso povo por mil
anos. — Titânia ergueu o queixo. O sol estava quase se pondo, e
cada vez mais a sala do trono estava coberta de sombras. Abigail
podia ver criaturas à espreita ali, olhos brilhantes observando os
procedimentos. Bogles parecidos com espectros que mal eram
visíveis, e os goblins volumosos, curvados e desfigurados.
Seu exército.
Ele estava disposto a lutar por ela.
Voltando sua atenção para ele, ela o encontrou sorrindo para
ela. Ele abaixou a cabeça para beijar sua bochecha, e então se
demorou em seu ouvido para sussurrar palavras que eram apenas
para ela. — Você achou que eu iria deixar você ir? A mulher que eu
amava morreu uma vez diante dos meus olhos. Eu não ia deixar isso
acontecer duas vezes.
Ele a torceu, encarando-a longe dele, e ela sentiu as correntes
ao redor de seus pulsos afrouxarem e a liberarem. A que estava ao
redor de sua garganta caiu no chão um momento depois. A
queimação instantaneamente começou a desaparecer, mas quando
ela examinou seus pulsos, ela estremeceu com as marcas dos elos
que foram claramente deixados, a pele crua e escorrendo sangue.
— Em poucos dias, os Unseelies finalmente terão seu rei. —
Valroy riu, puxando Abigail de costas para seu peito, descansando
uma mão em cada um de seus ombros. — Com uma rainha Seelie de
pé ao lado dele, realmente isso será motivo de celebração. Você não
acha, rainha Titânia?
Os monstros Unseelies na escuridão cacarejaram em
gargalhadas, ressaltando perfeitamente o sarcasmo de seu príncipe.
A expressão no rosto de Titânia era de pura antipatia. — Sim.
Deve ser. Venham, meus cortesãos. A lua nasce e devemos ir
embora. — Ela fez uma careta. — Que os deuses protejam você,
Abigail. — Ela se virou e caminhou em direção à luz do sol restante.
Oberon seguiu um segundo depois, fixando uma última expressão
de ódio diretamente em Valroy.
Quando eles se foram, ela sentiu uma terrível tensão derreter
dela. Mas ela ainda não estava segura. O aperto de suas mãos em
seus ombros era um lembrete perfeito do que ela acabara de fazer.
Um estrondo baixo de uma risada veio dele. Ela engasgou
quando ele colocou uma mão ao redor de sua garganta, apertando as
feridas, fazendo com que seu som de surpresa se transformasse em
um silvo de dor. Inclinando a cabeça para trás, ele se aninhou perto
de sua orelha. — Garota tola... Você poderia ter pedido dez mil anos,
e eu teria dado a você. — A respiração dele se acumulou contra sua
pele, e ela estremeceu com a sensação.
— Eu...
— Shhh. — Roçando seus dentes contra sua orelha, ele agarrou
sua coxa com uma de suas garras, as pontas afiadas das garras
rompendo o tecido de sua calça e picando sua pele. — Ainda estou
terrivelmente chateado com você, pequena Seelie.
Ela estava tremendo, antecipação e medo torcendo em seu
estômago. Ele a torturaria? Ele a amarraria e esfolaria sua pele de
seus ossos, sabendo que ela se curaria das feridas? — Eu...
— Eu disse shhh. — Ele interrompeu suas palavras facilmente.
— Você vai pagar sua penitência para mim esta noite, pequena
bruxa. Você vai pagar como eu desejar. — Ela podia senti-lo sorrir,
seus lábios estavam tão perto de sua pele. — E você vai pagar de
joelhos.
Era como se o mundo tivesse caído debaixo dela, seu estômago
revirando com uma sensação repentina. Ela só podia tremer em seu
aperto quando ele passou o outro braço ao redor dela, apertando-a
com força.
Quando ele voltou seu foco para a multidão, ela fechou os
olhos e tentou não choramingar. — Temos muito trabalho a fazer!
Espalhem por toda Tir n’Aill. Um casamento como nunca foi visto
ocorrerá quando a lua estiver cheia no céu.
A multidão aplaudiu. Ela lançou um olhar para Perin e Anfar,
que a observavam com o cenho franzido, mesmo que um deles fosse
um pouco mais severo que o outro.
— Venha, minha futura esposa. — Valroy a girou
abruptamente para encará-lo, e ela guinchou com o movimento
repentino. Ele estava sorrindo de orelha a orelha, parecendo muito
com um gato que estava satisfeito consigo mesmo. — Acredito que
temos negócios para fazer.
O mundo caiu debaixo dela. Desta vez, ele os dobrou pelo
espaço. O mundo girava e girava em torno dela, e quando ela estava
mais uma vez ciente de seus arredores, ela estava de pé ao lado de
sua cama.
Antes que ela pudesse reagir, ele a girou e a empurrou. A parte
de trás de suas pernas bateu na plataforma de travesseiros, e ela se
sentou. As mãos dele estavam em sua garganta e, por um momento,
ela se preocupou que ele fosse estrangulá-la.
Mas ele estava pressionando um pano úmido em sua pele.
Valroy suspirou enquanto acariciava as feridas em sua garganta. —
Você é uma tola, Abigail Moore.
Ela não sabia porque, mas tudo pareceu ferver de uma vez. Ela
começou a chorar. — Eu... Eu não sei por que estou chorando. Me
perdoe.
Ele a repreendeu e gentilmente enxugou suas lágrimas. — Você
está sobrecarregada, exausta e com dor. Suas feridas já estão
cicatrizando. — Ele a pegou e a colocou de costas nos travesseiros.
— Quanto ao perdão? — Ele sorriu para ela. — Você não terá nada
disso de mim. Ainda não.
Ele se deitou ao lado dela de lado, colocando uma asa sobre os
dois. Ela fechou os olhos, deixando-se desfrutar do calor dele. O
cheiro dele. Ele era seu caçador, mas também era, da maneira mais
estranha possível, sua segurança. Ela se enrolou nele, estremecendo
quando a ferida ao redor de seu pescoço tocou um pouco do tecido
mais áspero dos travesseiros.
— Você vai me pagar seu peso em carne depois de descansar.
— Ele levantou o pulso dela aos lábios e beijou cuidadosamente a
pele macia. — E talvez eu deixe minhas próprias marcas em você.
Até lá, durma.
Não foi difícil seguir sua ordem.
Descansando a cabeça sob o queixo dele, curvando-se contra a
força dele, ela deixou o sono tomar conta dela.
Ele vai ser meu marido.
Eu serei sua esposa.
Ela havia interrompido seus planos de guerra e se entregado
em troca. Mas... Ela descobriu que não sabia se ela se importava
muito. Que tipo de monstro isso fazia dela? Ela estava nos braços de
um assassino, um torturador e um senhor da guerra. Um homem
que criou criaturas distorcidas para sua própria diversão. Ela
deveria odiá-lo. Mas em vez disso, ela se importava com ele.
E ele a amava.
E isso aqueceu seu coração de uma forma insidiosa e
maravilhosa ao mesmo tempo. Talvez ela não simplesmente se
importasse com ele. Talvez... Ela estivesse se apaixonando por ele
em troca. Talvez ela fosse Unseelie depois de tudo.
Eu vi os Salgueiros Chorões e não foi o suficiente para me afastar dele.
Titânia estava certa em não confiar em mim. — Você vai manter sua
palavra? — ela murmurou, meio adormecida.
— Sim, bruxinha querida. Você tem mil anos para resolver o
Labirinto e encontrar forças para me matar. Você terá sua paz... Por
um tempo. — Ele beijou sua testa. — Agora, shhh, sim?
Mil anos de paz. Não é muito. Mas talvez seja o suficiente.
Eu serei sua esposa, afinal.
Huh.
Abigail sorriu enquanto adormecia.
CAPÍTULO VINTE E UM
Titânia estava andando de um lado para o outro na sala do
trono. A noite tinha chegado e passado, e ela não tinha dormido. Sua
mente estava girando com muitos pensamentos, muitas
possibilidades e muitos resultados.
E assim, ela andou.
Mil anos de paz e um casamento quando a lua estivesse cheia
no céu. Através das ações de Abigail Moore, Tir n’Aill desfrutaria de
uma era de prosperidade e bondade entre suas raças, como não se
via desde o assassinato de Bres por Dagda.
A rainha Seelie deveria estar muito feliz.
Ela deveria estar hasteando bandeiras e anunciando o evento
de gala que uniria seu povo de uma forma que nunca havia sido feita.
Pois nenhum Seelie jamais esteve ao lado de um Unseelie no trono,
ou vice-versa.
Mas ela não estava feliz.
Ela estava furiosa.
Como Abigail ousava colocá-la em tal posição? O príncipe
deveria estar morto, não coroado. Mas a resposta era simples - a
bruxa Seelie havia se corrompido por seus modos. Quem poderia
dizer que a destruição dos Salgueiros Chorões não fazia parte de seu
esquema o tempo todo?
Titânia sabia que devia ter sido enganada. Não havia outra
opção em sua mente. E não podia ficar assim. Mas o que ela poderia
fazer?
Sentindo uma presença, ela se virou e arqueou uma
sobrancelha para o cachorro que entrou trotando na sala, carregando
um pergaminho enrolado na boca. Estava amarrado com uma fita
carmesim, não deixando dúvidas de quem era.
— O que você está fazendo aqui? — Ela torceu o nariz em
desgosto com o cachorro. Seu veneno foi recebido apenas com o
baque feliz de um rabo abanando contra a pedra e a queda do
pergaminho a seus pés.
Revirando os olhos, ela deu um passo à frente e se inclinou
para recuperar a mensagem. Puck lambeu o rosto dela enquanto ela
o fazia, e enquanto ela rosnava e se voltava para bater nele, ele
dançou, latindo e abanando alegremente, antes de correr para as
árvores.
Deuses, ela odiava aquele maldito cachorro.
Ele poderia ter fodido sua garganta até explodir dentro dela.
Ele poderia tê-la tomado assim até que ele tivesse o suficiente, e ela o
suficiente dele. Mas quando ele sentiu os músculos dela afrouxarem
– enquanto ela se entregava a ele e sua ira – sua necessidade se
tornou muito violenta para tal método de acasalamento.
Não desta vez, de qualquer maneira.
Talvez algum dia.
Quando ela estivesse mais acostumada com ele.
Arrancando-a de cima dele, ele a jogou sobre sua mesa, sem se
importar com todas as peças que se espalharam pelo chão. Ele a
empurrou contra a superfície de madeira, e em um impulso
repentino e implacável, enterrou-se em seu calor disposto.
E que calor era.
Abigail gostava disso. Abigail desfrutava de sua ira. Sua
crueldade. Seu controle.
Bruxinha perfeita.
Ele bateu dentro nela, prendendo seus quadris no lugar. Ele
não se conteria. Ele não teria pena dela enquanto ela gemia e
choramingava com cada uma de suas estocadas. Cada impacto nela
extraía dela um grito que era como música para seus ouvidos.
Puxando mais forte em seu cabelo, ela apertou ao redor dele,
seu corpo tremendo em onda após onda de sua própria liberação,
apertando como um torno, implorando por mais.
E mais ele daria a ela.
Com um rugido, ele se chocou até as profundezas e se manteve
lá enquanto também sentia o prazer dominá-lo, respondendo ao
chamado do corpo dela.
Ela estava tremendo debaixo dele enquanto ele a enchia, sua
pele coberta por uma fina camada de suor.
Inclinando-se sobre ela, ele beijou o lóbulo antes de beliscá-lo,
puxando seus quadris um pouco mais forte contra ele enquanto ele
continuava a ter espasmos e reivindicá-la como sua.
— Algum dia em breve, bruxinha, vou cumprir minha ameaça
de fodê-la adequadamente.
— E... Isso... não foi? — Seus olhos estavam fechados, sua mão
enrolada ao lado de seu rosto. Ela gemeu quando ele se enfiou nela,
amolecendo como estava, desejando ganhar um pouco mais de si
mesmo em suas profundezas flexíveis.
Ele riu sombriamente, deixando essa ser sua única resposta, e
beijou o canto da boca dela.
— Você me perdoa agora?
— Eu suponho que sim. A menos que você queira se desculpar
comigo uma segunda vez para ter certeza.
Quando ela gemeu, ele riu e beijou seu ombro.
Deuses, ele a amava. E ele faria qualquer coisa se isso
significasse que ela ficasse ao lado dele.
Qualquer coisa.
— É aqui que você deve ficar. E é aqui que você vai apodrecer.
Pregos de ferro atravessavam sua carne, prendendo suas asas
na árvore em suas costas. Fixando os braços estendidos. Fixando as
pernas. Empalando seu peito na madeira atrás dele.
Ele se perguntou se ele se parecia com aquele estúpido cadáver
crucifixado que os humanos adoravam. Ele estava tonto, sentia
náuseas, e o ferro queimava sua carne como faria com qualquer
outro feérico.
Mas ele não era qualquer outro feérico.
Isto, Titânia e os outros já tinham descoberto.
Correntes farpadas o rodeavam, cravando-se profundamente
em sua carne, cortando trincheiras em sua pele.
Titânia cuspiu nele e virou-se para fugir, seus ombros
tremendo com seus soluços de dor. Oberon estava morto. E apesar
de toda sua natureza volátil, de novo e de novo, ele não tinha
dúvidas em sua mente de que ela tinha amado seu rei.
Ele sorriu.
Bom.
Ele esperava que ela sofresse.
— Aproveite sua cama vazia, Titânia. Talvez se você pedir com
jeitinho, eu vá preenchê-la para você.
Ele riu quando ela simplesmente desapareceu sem resposta.
Mas sua risada era fraca e rouca. Ele olhou para o que eles tinham
feito com ele. Não haveria escapatória. Não sem a ajuda de outros.
Então, não, ele imaginou que não haveria escapatória.
Quando ele se rendeu à dor e à agonia que assolava seu corpo,
seus pensamentos não estavam em vingança, nem em como ele
arrancaria o rabo de Bayodan de seu traseiro traidor e o forçaria a
comê-lo.
Não, seus pensamentos estavam em sua Abigail. Sua pequena
bruxinha Seelie.
Sua Rainha Unseelie.
E ele só podia rezar aos deuses para que a visse novamente.
Mas os deuses nunca foram gentis com ele.
Fechando os olhos, ele a imaginou diante dele. Imaginou o
beijo dela em seus lábios. E lembrou-se de sua voz quando ela
prometeu seu amor a ele.
E isso teria que ser suficiente.
Eu te amo, Abigail Moore.
Notas
[←1]
Muitas das criaturas feéricas não possuem um nome equivalente na língua
portuguesa, sendo a maioria comumente chamada de ‘duende’, contudo, são
criaturas diferentes. Assim, será mantido o nome original.