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PUB L I C I DA D E E N G A NOSA
Ana Paula Bragaglia

1.1. PUBLICIDADE ENGANOSA: CONCEITO E


TIPOLOGIAS GERAIS
Quando se fala em publicidade, não é raro se deparar com assertivas ra-
dicais do tipo “toda a publicidade mente”. Prova disso é uma mensagem que
circulou há um bom tempo atrás, ainda na época dos virais por e-mail, com
as seguintes montagens de anúncios acusando os anunciantes de enganarem
os consumidores: “Adão e Eva pagaram caro por uma maçã. Você também”
(tecnologias Apple); “Monange. Nem (...) que a Xuxa usa isso de verdade”;
“Colgate. Vamos inventar problemas na sua boca até você comprar”; “Itai-
pava. Leve para o churrasco e beba a Skol dos outros”, e assim por diante.
Diversão à parte, sabemos que não está correta essa generalização. No
entanto, cabe o questionamento: piadinhas como essas não indicariam que
o engano na publicidade é frequente? Cabe, então, discutir bem os forma-
tos do engano para saber tanto quando a publicidade deve ser isenta desse
tipo de acusação, quanto quando a crítica é perfeitamente cabível. É isso o
que será feito nesse capítulo.
Juntando discussões teóricas clássicas e, segundo alguns, até “ultra-
passadas” (qualificação da qual discordo), sobre a questão da veracidade
na publicidade, com o que relatam documentos normativos a respeito da
publicidade enganosa, percebe-se que a temática pode ser subdividida em
duas categorias: “publicidade enganosa quanto ao apelo racional/funcio-
nal/informativo” e “publicidade enganosa quanto ao apelo emocional”.
Mas que conceito abarcaria, afinal, a publicidade enganosa sob estes
dois sentidos? Apesar de, como será visto mais adiante, os documentos
normativos da área parecerem se referir apenas ao engano quanto ao con-

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teúdo informativo/funcional/racional, propõe-se a seguinte conceituação
mais ampla, baseando-se nesses mesmos documentos e na reflexão sobre
a linguagem publicitária em geral: é enganosa a publicidade com significa-
tivo potencial de levar o receptor a alguma expectativa que não será aten-
dida de fato, isto é, ao chamado “engano”, seja em relação a simbologias/
emoções associadas ao produto/marca (apelo emocional), ou a benefícios
técnicos do item ofertado (apelo racional/funcional/informativo).
Nota-se, então, que uma dada peça poderia ser enganosa não só
quando se comprova o engano gerado, mas sim, também, já quando se
percebe alguma possibilidade de que isso ocorra.
A classificação de publicidade enganosa quanto ao apelo emocional
era e ainda é comum entre filósofos, sociólogos e psicólogos, principal-
mente nas primeiras discussões a respeito da sociedade de consumo. É
frequente, entre estes estudiosos, a opinião de que a publicidade, pela
carga de simbologias que carrega, seria “mentirosa” em sua essência. Já
a publicidade enganosa quanto a dados técnicos não costuma causar, há
tempos, esse nível de polemização, por já ter alcançado algum consenso
no setor. A despeito disso, o engano no apelo funcional/racional/infor-
mativo da publicidade continua a ser frequente.
Quanto à forma como os dados são veiculados, pelo que foi percebido
em artigos do CDC – Código de Defesa do Consumidor ou Lei de Defesa
do Consumidor (lei No 8.078/1990) e no código de autorregulamentação
publicitária, pode-se dizer, como será detalhado mais à frente, que são
três os tipos de publicidade enganosa: 1) publicidade enganosa por apre-
sentar dados falsos (mentira); 2) publicidade enganosa por omissão (total
ou parcial), e 3) publicidade enganosa por apresentar ambiguidade (dois
ou mais sentidos) na mensagem, entre os quais algum que possa levar o
consumidor a engano. A primeira categoria se explica por si só. A segun-
da se refere à ausência ou à pouca nitidez, na peça, de dados relevantes
para a tomada de decisão de compra, correspondendo à omissão “total”
ou “parcial” de dados (nesse último caso, tem-se, por exemplo, os lette-
rings, ou seja, as conhecidas “letras miúdas” dos rodapés dos anúncios).
A seguir, são explicados tais cenários de omissão, assim como apresen-
tados mais detalhes sobre a terceira abordagem enganosa mencionada.
Os próximos subcapítulos esclarecerão melhor esses e outros campos
de discussão sobre o engano na publicidade.

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1.2. REGULAMENTAÇÃO E AUTORREGULAMENTAÇÃO
SOBRE PUBLICIDADE ENGANOSA
Exigências do CDC – Código de Defesa do Consumidor (lei No
8.078/1990) voltadas a evitar o engano na publicidade, bem como trechos
do próprio CBARP (código de autorregulamentação publicitária), auxilia-
ram na construção do conceito de publicidade enganosa recém exposto.
Os conteúdos normativos que mais tratam de publicidade enganosa no
CDC consistem nos seguintes: o artigo 37, do “Capítulo V – Das Práticas
Comerciais”, e o artigo 6, do “Capítulo III – Dos Direitos Básicos do Con-
sumidor”, ambos do “Título I – Dos direitos do consumidor”, inserido na
“Seção III – Da Publicidade” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1990a). No
citado CBARP, o tema é abordado, primeiramente, nos artigos 26 e 27, do
“Capítulo II – Princípios Gerais”, especificamente na “Seção III – Honesti-
dade” e na “Seção V – Apresentação Verdadeira”. Aparece ainda no “Anexo
Q – Testemunhais, Atestados e Endossos”, que trata do uso de testemu-
nhais e técnicas afins para atestar a veracidade da promessa ofertada; no
artigo 32, da “Seção 7 – Propaganda Comparativa”, e no “Anexo H - Ali-
mentos, Refrigerantes, Sucos e Bebidas Assemelhadas” (CONAR, 1980).
Complementando a definição anteriormente apresentada, o conceito
mais claro e completo de publicidade enganosa quanto ao apelo racional/
funcional/informativo, a ser melhor explicado no próximo subcapítulo, é o
do CDC (Código de Defesa do Consumidor), pelo qual o termo foi institucio-
nalizado e ganhou maior projeção, inclusive com a implantação das unida-
des do PROCON. Mais especificamente, consta no artigo 37 dessa lei, que:

SEÇÃO III - Da Publicidade


(...) Artigo 37
(...) § 1º é enganosa qualquer modalidade de informação ou co-
municação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa,
ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de
induzir ao erro o consumidor a respeito da natureza, caracte-
rísticas, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e
quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (PRESIDÊN-
CIA DA REPÚBLICA, 1990a)

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Os artigos do CBARP colocados abaixo também remetem a esse con-
ceito de engano na publicidade:

SEÇÃO 5 – APRESENTAÇÃO VERDADEIRA


Artigo 27 (...) § 2º - (...) O anúncio não deverá conter infor-
mação de texto ou apresentação visual que direta ou indireta-
mente, por implicação, omissão, exagero ou ambigüidade, leve o
Consumidor a engano quanto ao produto anunciado, quanto ao
Anunciante ou seus concorrentes, nem tampouco quanto à: a.
natureza do produto (natural ou artificial); b. procedência (na-
cional ou estrangeira); c. composição; d. finalidade. (...)
SEÇÃO III – HONESTIDADE
Artigo 23 – Os anúncios devem ser realizados de forma a não
abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de
experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua cre-
dulidade”. (CONAR, 1980)

O capítulo III do CDC destaca alguns tipos de informações técnicas em


relação às quais é preciso de cuidados para que a forma como são apre-
sentadas não gere engano. São elas: preço, condições de pagamento, com-
posição/natureza, origem/procedência, benefícios/funções/finalidade, ga-
rantia, condições de entrega, condições de troca, detalhes da composição,
quantidade, troca e reposição, riscos do consumo do produto entre outras.

CAPÍTULO III – Dos Direitos Básicos do Consumidor


Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especificação correta de quantidade, caracterís-
ticas, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem. (...)
CAPÍTULO V – Das Práticas Comerciais/SEÇÃO II – Da Oferta
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e
em língua portuguesa sobre suas características, qualidades,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade

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e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que
apresentam à saúde e segurança dos consumidores. (PRESI-
DÊNCIA DA REPÚBLICA, 1990)

As seções citadas do CBARP trazem, além das mesmas exigências


éticas presentes no artigo do CDC recém mencionado, outras mais espe-
cíficas orientando sobre como evitar o engano relacionado a dados falsos
em anúncios. São elas: qualquer dado apresentado deve ser passível de
comprovação; o produto só deve ser apresentado como “natural” se real-
mente não contiver ingredientes artificiais, a palavra “grátis” só pode ser
utilizada se realmente não houver nenhuma taxa embutida na aquisição
do produto, apesar de serem permitidas algumas exceções, a serem vistas
a seguir; dados de pesquisas só podem ser inseridos nos anúncios se es-
sas tiverem sido feitas a partir de fontes e metodologias científicas.

SEÇÃO 5 – APRESENTAÇÃO VERDADEIRA


Artigo 27 – (...)
§ 1º - (...) fatos ou dados objetivos devem ser comprobatórios,
cabendo aos Anunciantes e Agências fornecer as comprovações,
quando solicitadas.
§ 2º - (...) O anúncio não deverá conter informação de texto ou
apresentação visual que direta ou indiretamente, por implicação,
omissão, exagero ou ambigüidade, leve o Consumidor a engano
quanto ao produto anunciado (...)
(...) § 4º - (...) a. O uso da palavra “grátis” ou expressão de
idêntico significado só será admitido no anúncio quando não
houver realmente nenhum custo para o Consumidor com rela-
ção ao prometido gratuitamente. b. nos casos que envolverem
pagamento de qualquer quantia ou despesas postais, de frete
ou de entrega ou, ainda, algum imposto, é indispensável que o
Consumidor seja esclarecido.
(...) § 7º - (...) a. o anúncio não se referirá a pesquisa ou es-
tatística que não tenha fonte identificável e responsável; b. o
uso de dados parciais de pesquisa ou estatística não deve levar
a conclusões distorcidas ou opostas àquelas a que se chegaria
pelo exame do total da referência. (CONAR, 1980)

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O artigo 32 do CBARP, inserido na seção 7 denominada “Propaganda
Comparativa” traz exigências éticas para anúncios cujo estilo criativo é
a comparação com concorrentes. No que se refere à temática do engano,
o trecho recomenda, por exemplo, que todos os dados da comparação
sejam verídicos, baseados em informações técnicas do produto e sempre
passíveis de comparação, apresentados ainda sem tom de depreciação à
marca mencionada.

SEÇÃO 7 – PROPAGANDA COMPARATIVA


(...) a publicidade comparativa será aceita, contanto que respei-
te os seguintes princípios e limites: (...) b. tenha por princípio
básico a objetividade na comparação, posto que dados subjeti-
vos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma
base válida de comparação perante o Consumidor;
c. A comparação alegada ou realizada seja passível de compro-
vação; (...)
f. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à ima-
gem do produto ou à marca de outra empresa. (CONAR, 1980)

Outro artigo do CBARP, o de número 27, em seu parágrafo oitavo


(8º), enfatiza que é preciso utilizar sempre nos anúncios informações
compreensíveis a leigos em geral e não um linguajar científico que nem
todos possam entender.

SEÇÃO 5 – APRESENTAÇÃO VERDADEIRA


Artigo 27 – § 8º - (...) O anúncio só utilizará informação cientí-
fica (...) expressa de forma clara até para leigos (CONAR, 1980).

Casos de engano por ambiguidade (anúncios que não mentem ou


omitem mas que podem gerar interpretações enganosas, como será
explicado mais adiante) ou de engano por mentira (dados falseados)
também podem ocorrer quando pesquisas e informações científicas são
apresentadas. Para se evitar esses casos, como detalha o CBARP, os
dados apresentados no anúncio devem ser sempre comprováveis, com
metodologia confiável; não tendenciosos, isto é, capazes de retratar o
resultado geral da pesquisa em vez de apenas a parte que favorece o

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produto/marca, além de serem trasmitidos em linguagem de fácil com-
preensão e não no jargão técnico da área.

Artigo 27 – CONAR
§ 7º - Pesquisas e Estatísticas
a. o anúncio não se referirá à pesquisa ou estatística que não
tenha fonte identificável e responsável;
b. o uso de dados parciais de pesquisa ou estatística não deve
levar a conclusões distorcidas ou opostas àquelas a que se che-
garia pelo exame do total da referência (CONAR, 1980).

O CBARP também traz um artigo e um extenso anexo exclusivamente


voltados a esclarecer o modo ético visto pelo próprio mercado para se
usar testemunhais em anúncios. A explicação sobre tais diretrizes, inseri-
das abaixo, será colocada no subcapítulo seguinte deste capítulo.

SEÇÃO 5 – APRESENTAÇÃO VERDADEIRA


§ 9º - Testemunhais
c. quando se usam modelos sem personalização, permite-se o
depoimento como “licença publicitária” que, em nenhuma hipó-
tese, se procurará confundir com um testemunhal;
d. o uso de modelos trajados com uniformes, fardas ou vesti-
mentas características de uma profissão não deverá induzir o
consumidor a erro e será sempre limitado pelas normas éticas
da profissão retratada;
e. o uso de sósias depende de autorização da pessoa retratada ou
imitada e não deverá induzir a confusão (CONAR, 1980).

ANEXO “Q“/ TESTEMUNHAIS, ATESTADOS, ENDOSSOS


1. Testemunhal de especialista/perito: é o prestado por depoente
que domina conhecimento específico ou possui formação profis-
sional ou experiência superior ao da média das pessoas.
2. Testemunhal de pessoa famosa: é o prestado por pessoa cuja
imagem, voz ou qualquer outra peculiaridade a torne facilmente
reconhecida pelo público.

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3. Testemunhal de pessoa comum ou Consumidor: é o prestado
por quem não possua conhecimentos especiais ou técnicos a
respeito do produto anunciado.
4. Atestado ou endosso: é o emitido por pessoa jurídica, refletin-
do a sua posição oficial. (...) (Art. 27, § 9º):
1. Testemunhal de Especialista/Perito.
1.1. O anúncio deverá sempre nomear o depoente e apresentar
com fidelidade a sua qualificação profissional ou técnica. (...)
1.3. O anúncio que se apoiar em testemunho isolado de especia-
lista ou perito não deverá causar a impressão de que ele reflita
o consenso da categoria profissional, da entidade ou da associa-
ção a que, eventualmente, pertença. (...)
2. Testemunhal de Pessoa Famosa.
2.1. O anúncio que abrigar o depoimento de pessoa famosa de-
verá, mais do que qualquer outro, observar rigorosamente as
recomendações do Código.
2.2. O anúncio apoiado em testemunhal de pessoa famosa não
deverá ser estruturado de forma a inibir o senso crítico do Con-
sumidor em relação ao produto.
2.3. Não será aceito o anúncio que atribuir o sucesso ou fama
da testemunha ao uso do produto, a menos que isso possa ser
comprovado.
2.4. O Anunciante que recorrer ao testemunhal de pessoa famo-
sa deverá, sob pena de ver-se privado da presunção de boa-fé,
ter presente a sua responsabilidade para com o público.
3. Testemunhal de Pessoa Comum ou Consumidor.
3.1. Sempre que um consumidor for identificado, seu nome e
sobrenome devem ser verdadeiros.
3.2. Os modelos profissionais, os empregados do Anunciante ou
das Agências de Propaganda não deverão se fazer passar por
Consumidor comum.
3.3. O testemunho de Consumidor ficará limitado à experiên-
cia pessoal com o produto, não podendo alcançar assuntos de
natureza técnica ou científica a respeito dos quais não possua
capacitação ou habilitação profissional compatível. (...)

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5. Normas Relacionadas com a Obtenção e Validade dos Teste-
munhais.
5.1. Todo Anunciante, ou sua Agência, estará obrigado a com-
provar/demonstrar a veracidade do testemunhal, sempre que
isto lhe for solicitado.
5.2. O testemunhal obtido mediante câmera oculta só poderá
ser veiculado com a autorização expressa da testemunha ou de
seus responsáveis. É aceitável que essa autorização seja obtida
através de remuneração.
6. Normas Relacionadas com a Divulgação de Testemunhos e
Atestados.
6.1. O Anunciante, ou a sua Agência de Propaganda, deverá ob-
ter autorização escrita da testemunha antes de proceder à veicu-
lação. Essa autorização poderá ser exigida pelos veículos.
6.2. Anunciantes concorrentes deverão abster-se da utilização do
testemunhal de uma mesma pessoa ou entidade, sempre que dela
possa redundar confusão para o Consumidor (CONAR, 1980).

Como se observa, o CDC poderia possuir mais detalhamento a respeito


da publicidade enganosa. Nesse ponto, o CBARP é mais detalhista, embora
o CONAR não pareça aplicar com frequência esse rigor em diversas publi-
cidades que analisa. Apesar de esse detalhamento estar ausente na lei, os
artigos genéricos sobre publicidade enganosa nela presentes dão margem
para respaldar eventuais penalizações em função também das minúcias de
engano (entre elas, testemunhais, ambiguidade, omissão parcial, entre as
diversas outras abordagens detalhadas que o CBARP aborda).

1.3 PUBLICIDADE ENGANOSA QUANTO AO


APELO RACIONAL/FUNCIONAL/INFORMATIVO:
VISÃO GERAL, EXEMPLOS ANTIÉTICOS E
CONTRAEXEMPLOS ÉTICOS
Para Giacomini Filho (2008, p. 111), o engano quanto a dados téc-
nicos não é uma discussão polêmica no setor. Ou seja, há uma certa
unanimidade de que a publicidade contendo esse tipo de engano é de
fato antiética (e ilegal).

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Com base no que foi colocado anteriormente sobre os tipos possíveis de
engano na publicidade, a publicidade enganosa quanto ao apelo informati-
vo/funcional/racional pode gerar engano ao mentir (apresentar informações
falsas sobre o produto); omitir (total ou parcialmente), e ser capaz de gerar
uma ambiguidade de interpretação que leve o consumidor a erro.
Se nem todos os dados “cabem” em um anúncio, quais seriam os que
gerariam engano se fossem omitidos? Obviamente, os mais relevantes para
a decisão de compra, os quais, pelo menos em artigos já mencionados e em
outros registrados adiante, correspondem a temas como “natureza, caracterís-
ticas, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros
dados sobre produtos e serviços” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1990).
A omissão parcial se dá quando dados relevantes como esses estão pre-
sentes, sim, no anúncio, mas de forma pouco perceptível. É o caso típico dos
chamados asteriscos ou letterings (legendas de rodapé ou na lateral) e tam-
bém de textos pouco audíveis como frases mais complexas de advertência em
anúncios de medicamentos, a exemplo do que veremos em outro capítulo.
Schultz (2005, p. 162) registra o quanto é comum a omissão parcial de
dados referentes ao preço do item ofertado. Isso ocorre quando aparece com
pouquíssima visibilidade (em asteriscos – lettering; legenda de rodapé), por
exemplo, que parcelas ínfimas do pagamento a prazo só são possíveis se um
valor alto de entrada for pago; que taxas diversas estão inclusas, entre outras
condições. O autor ressalta ainda que, apesar de nitidamente antiético e ile-
gal, tais formatos continuam sendo muito veiculados atualmente.

Outra “arapuca” muito comum (...) é aquela que consiste em


oferecer uma prestação pequena como chamariz para a compra,
sem atentar para o famoso e quase imperceptível asterisco que
esconde a condição: só se paga aquele preço se for dada uma
entrada graúda. Quando não for isso, pode ocorrer também que
aquela prestação pequena não se aplique ao produto que está
sendo retratado no anúncio, mas a um outro sem tantos opcio-
nais. Também costumam ficar meio ocultas as taxas de abertu-
ra de crédito, juros, reajuste para pagamentos a prazo. E nem
sempre o anunciante deixa claro que, para se conseguir parcelar
aquele preço, é necessária a aprovação prévia de uma instituição
financeira. (SCHULTZ, 2005, p. 163)

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Schultz (2005, p. 162) destaca também a importância da veracidade
dos dados sobre origem ou procedência do produto e resgata da literatura
do escritor uruguaio Eduardo Galeano um cômico caso de publicidade
enganosa nesse aspecto.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano, no seu excelente Livro


dos Abraços, conta de um industrial seu conterrâneo que pos-
suía uma pequena fábrica de camisas que vergava sob o peso do
prejuízo financeiro. Um dia, o pequeno e alquebrado industrial
teve um sonho e resolveu mudar o nome de sua fábrica para a
patriótica razão social de Uruguay Sociedad Anonima, atenden-
do, a partir dali, pela sigla USA, ou seja, “fabricado na Uruguay
Sociedad Anonima”. (SCHULTZ, 2005, p. 162)

O autor também lembra dos corriqueiros casos de engano quanto


à “natureza” do produto. No caso de um suco de frutas, por exemplo,
Schultz afirma que:

(...) só é natural se extraído diretamente da fruta e embalado


(ou envasado, que é a expressão utilizada nesses casos). Se ele
vira pó, ou passa por um processo industrial que altere as carac-
terísticas da fruta, deixa de ser natural e como tal não pode ser
anunciado. (SCHULTZ, 2005, p. 161)

Quanto ao item “preço”, o autor comenta ser esse um dos atributos


mais comumente omitidos nas chamadas “letras pequenas” (SCHULTZ,
2005, p. 163). Além disso, reforça que, se há um percentual de desconto,
o anunciante deve estar apto a comprovar que, em outro período não
muito distante, o valor era maior. Como se nota em um dos itens do
artigo 27 do CBARP, anteriormente exposto, o órgão de autorregulamen-
tação considera antiético utilizar a palavra “grátis” quando há qualquer
despesa adicional para o consumidor. No CDC, embora não haja artigos
detalhistas a respeito da palavra “grátis”, é enfatizada a necessidade de
“informações claras e adequadas” também quanto a preço.
Em 2013, o Ministério Público (vara do Rio de Janeiro) condenou a
companhia Oi por publicidade enganosa justamente por omissão de da-
dos relevantes para a compra em anúncio do produto Plano DDD Amigo.

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A Justiça (14ª Vara Federal do Rio de Janeiro) deferiu que a empresa deve-
ria pagar “uma indenização de R$ 500 mil por dano moral coletivo e que a
operadora devolva o dinheiro aos usuários” pelas razões detalhadas abaixo.

A operadora Oi foi condenada nesta quinta-feira (5) pela 14ª


Vara Federal do Rio de Janeiro por propaganda enganosa rela-
tiva ao plano “DDD Amigo”. O órgão de Justiça, motivado por
uma ação do MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Ja-
neiro), determinou que a empresa pague uma indenização de
R$ 500 mil por dano moral coletivo e que a operadora devolva
o dinheiro aos usuários. Segundo a Justiça, a operadora não
deixava claro aos consumidores os detalhes do plano, o que em
alguns casos fazia com que os clientes pagassem mais caro que
o normal em chamadas. Ao contratar o plano “DDD Amigo”,
segundo o MPF-RJ, o usuário só tem desconto para o número
que ele escolhe. Em todas as outras ligações há um acréscimo na
tarifa.... Em alguns casos, o preço pode ser 750% mais caro que
o convencional. (UOL NOTÍCIAS, 2016)

Outra peça interessante quanto ao engano por omissão a ser analisa-


da é a de uma linha de computadores (dektops e laptops) veiculada em
2003 na revista Veja12. Esse anúncio passaria desapercebido, caso não
prestássemos atenção na antepenúltina frase de uma legenda/lettering/
asterisco de cinco linhas e difícil leitura na qual constava nada mais,
nada menos, que a frase “Monitor não incluso”. Considerando a imensa
possibilidade de um público leigo em informática não imaginar rapida-
mente ser uma opção comprar apenas a “torre” do computador e utilizar
um monitor antigo para complementar o aparelho, tem-se aí a ocultação
de uma informação extremamente relevante para a decisão de compra.
Sendo assim, publicidade enganosa por omissão parcial.
Como exemplo de campanhas enganosas de cosméticos enquadrado
na categoria de “mentira” ou dados falsos, menciona-se primeiramente
um comercial do produto “emagrecedor” da marca Magrins veiculado em
2008 (ver vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=GtUG07x_
kvo). Na peça, uma amiga fala à outra, no vestuário de uma loja, para
12. Tenho esta peça em meu arquivo pessoal de anúncios, mas sem a identificação da edição da
revista e não a encontrei on line.

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que ela pare de se penalizar tentando entrar em uma calça apertada e
passe imediatamente a tomar Magrins, pois, assim, poderá voltar na se-
mana que vem e comprar uma peça até três (3) números menor. Não há
nenhuma referência no comercial de que tal resultado só é alcançado se
o consumo do produto for associado a uma mudança na alimentação e
na rotina de atividades físicas (o que, mesmo assim, seria muito difícil
de ocorrer no prazo mencionado). Sem dúvida, portanto, trata-se de um
anúncio enganoso por falseamento de dados, ou seja, mentira.
Anúncios de cosméticos e de produtos “emagrecedores” são com
frequência enquadrados como enganosos. Entre eles, estão os conhe-
cidos cremes antirrugas e produtos para cuidados com o cabelo. Se o
público entende que se trata de uma “exageração/licença publicitária”
e não acredita nos resultados, mas compra apenas por gostar do jogo
ilusório, o que será comentado no próximo tópico, não se pode falar em
engano. O curioso é que, se os anunciantes apostam em tanto recursos
tecnológicos e científicos para apresentar tais produtos, talvez a inten-
ção seja mesmo fazer o consumidor assimilar que eles oferecem toda a
“revolução” funcional anunciada. Nesse caso, então, tem-se mais um
caso de publicidade enganosa naturalizada no mercado.
Ainda sobre esse tipo de produto e engano, em sua edição de junho
de 2005, a revista Galileu, em reportagem de capa intitulada “O fantás-
tico mundo do marketing”, demonstrou como, de fato, essa abordagem
continua comum. Após testar produtos e buscar pareceres de especia-
listas sobre os itens analisados, o repórter destinado a essa matéria, Fer-
nando Muylaert, comprovou vários exemplos de publicidade enganosa
devido a dados falsos sobre os produtos. No caso de um creme depilató-
rio feminino que prometia no rótulo “tirar os pelos pela raiz, sem dor”,
o jornalista deu, de forma bem humorada, o seguinte testemunho:

Era a primeira vez que eu iria me depilar e achei curioso um


método sem dor. Na primeira aplicação deixei pelo tempo indi-
cado e não aconteceu nada. No dia seguinte, aumentei o tempo
e a maior parte dos pelos do meu peito caiu após 4 minutos. O
único incômodo foi o cheiro forte, meio químico, meio de quei-
mado. Imagino que quem aplicar o produto no corpo inteiro vai
ter problemas com o odor. No dia seguinte os pelos voltaram a

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crescer, pois não é uma depilação e sim como se fosse uma ras-
pagem, não tira os pelos pela raiz. (ARTONI, 2005, p. 33)

A dermatologista consultada na reportagem, Lígia Kogos, concordou


que havia exagero na promessa:

(...) O único pecado do creme, na verdade, é a propaganda enga-


nosa. Ao contrário do que dizem os anunciantes, ele não enfra-
quece o pelo nem tira os pelos pela raiz. Seu resultado é como o
de uma boa lâmina. Os pelos são seccionados na mesma altura
e voltam da mesma maneira (ARTONI, 2005, p. 33).

O mesmo ocorreu na pesquisa em relação a um cinturão de ginástica


voltado a fortalecer/aumentar músculos por meio de uma bateria de cho-
ques elétricos. Demonstram esse resultado, as palavras sinceras e até mes-
mo anedóticas do repórter, bem como o parecer da fisioterapeuta do Centro
de Medicina da Atividade Física e do Esporte, da UNIFESP, Gerseli Angeli:

De imediato, o produto apresentou um desconforto enorme.


No início eu não queria fazer mais, pois temi ter um enfarte
de tanto ficar tomando choques seguidos. O choque era muito
incômodo, mas aos poucos o corpo vai se acostumando e ele
aparentemente deixa os músculos mais rígidos. Eu odeio acade-
mias, mas prefiro a ficar tomando choque na poltrona. No braço
eu não consegui usar, pois meu braço é bem mais fino que o
dos homens da propaganda. (...) O cinto pode ser visto como
complemento de um programa de exercícios, já que tonifica um
pouco a musculatura, mas nunca como substituição. O aparelho
não cumpre a maior parte das promessas. É impossível perder
peso ou medidas com a eletroestimulação, porque o gasto caló-
rico não se altera. As alterações bioquímicas são semelhantes às
causadas pelos exercícios abdominais – o manual informa que
10 minutos de uso são equivalentes a 600 abdominais, mas, na
verdade correspondem a apenas 200. É um efeito muito discreto,
que não é capaz de formar uma barriga de tanquinho. Para isso,
só com muito exercício e o uso de carga. Felizmente, não afeta a
pressão arterial e a frequência cardíaca. (ARTONI, 2005, p. 35)

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Outro tipo de engano é o chamado aqui de “engano por ambiguida-
de” (termo observado em alguns documentos normativos estudados). Tal
infração ocorre quando não há dados falsos explícitos que possam gerar
o engano, mas há elementos verbais e/ou não verbais passíveis de gerar
uma interpretação não condizente à verdade dos fatos relacionados ao
produto/marca ofertado.
Como primeiro exemplo desse tipo de anúncio, tem-se uma campanha
de 2008 do shampoo “Novo Seda Crescimento Fortificado”, cujo benefício
focado é “fortificar” os cabelos para que eles cresçam menos quebradiços
(ver vídeo no link http://www.youtube.com/watch?v=3Qfxv4vfKsQ).
Por meio do recurso gráfico de uma trena medindo o cabelo de uma
mesma modelo presente em imagens que demonstravam o crescimento
obtido ao longo dos meses, a peça passa claramente a ideia de que o
shampoo promoveria um crescimento mais rápido dos fios capilares em
relação aos concorrentes (“Até 1,27 cm por mês”, precisamente, como
consta no texto do anúncio). Não há uma só pessoa para quem mos-
trei esse anúncio que não tenha pensado dessa forma. Ocorre que, em
lettering, surge a legenda pouco visível (e rápida, no caso da versão em
audiovisual) ressaltando que esse é o crescimento natural do cabelo em
cada mês. Não há uma mentira explícita sendo apresentada, mas, soman-
do a mensagem verbal à não verbal, trasmite-se facilmente a ideia de
que, com o shampoo, o crescimento seria mais rápido, proposição que é
falsa. Engano por ambiguidade, portanto (e também por omissão parcial,
já que a informação que esclarece o erro de interpretação está camuflada
em letras miúdas no rodapé presentes por poucos segundos na tela).
Alguns anúncios de pasta de dente também podem ser discutidos sob
esse aspecto da ambiguidade, como é o caso de vários da marca Colgate
veiculados em 2010, 2011 e 2012 (elaborados pela agência Y&R, sob o
título Colgate Total RL 2010). Várias peças listavam doze (12) problemas
bucais e, em uma delas, um dentista estava de prontidão para testar a
higienização oral de quem passava, valendo-se de um aparente aparelho
de alta tecnologia que mediria o quanto os dentes estariam sujos (http://
www.youtube.com/watch?v=Z2ZIAIXhkSs;http://www.youtube.com/
watch?v=RKhIFqeSRGM). Após fazer uso do produto da marca ofertada,
obviamente o aparato detectou menos bactérias na boca da passante.

99
Nota-se pelo menos duas situações de engano por ambiguidade nes-
se comercial. Primeiramente, os doze (12) problemas bucais rapidamen-
te apresentados dão uma ideia de que o produto resolve uma série de
problemas distintos. No entanto, ao analisar um a um os itens listados
(“cárie; protege a gengiva; tártaro, previne a placa; previne a desminera-
lização dos dentes; previne as bactérias da língua; combate as bactérias;
cárie nas raízes; problemas na gengiva; mal hálito; fortalece o esmalte;
promove a remineralização dos dentes”), nota-se o quanto eles se sobre-
põem e se referem aos problemas bucais tradicionalmente conhecidos e
sanados por praticamente qualquer marca de dentifrício.
Outro caráter ambíguo é o aparelho utilizado na peça que aparece
juntamente à seguinte legenda minúscula: “Representação criativa. Visão
ampliada da placa bacteriana”. Como essa explicação de que se trata de
algo fictício pode passar desapercebida ao espectador, dada a sua omis-
são parcial, esse recurso ilustrativo pode levar à interpretação de que o
produto realmente é muito bom e diferenciado dos demais, já que estava
associado a um aparato tecnológico de ponta. Além disso, não seria um
absurdo alguém entender (equivocadamente) que o aparelho existe, uma
vez que a explicação de que se trata de uma “brincadeira” está ilegível,
e seu manuseio está sendo feito por um perito no assunto, um dentista
(é apresentado, na peça, um número de registro profissional, o que dá a
entender que se trata mesmo de um dentista e não de um ator). Conse-
quentemente, pode-se reforçar, com ou sem intenção, a ideia enganosa
de que a pasta de dente ofertada é uma “revolução” em limpeza dental.
O CONAR recebeu e arquivou uma denúncia de consumidor que talvez
tenha sido motivada por um olhar como esse.

COLGATE TOTAL 12
Mês/Ano Julgamento: ABRIL/2011
Representação nº: 337/10
Autor(a): Conar, a partir de queixa de consumidor
Anunciante: Colgate-Palmolive
Relator(a): Conselheiro André Luiz Costa
Câmara: Segunda Câmara
Decisão: Arquivamento

100
Fundamentos: Artigo 27, nº 1, letra “a” do Rice
Resumo: Terminou em arquivamento representação aberta a
partir de queixa de consumidor de São Paulo. Ele considerou
que anúncio em TV do creme dental Colgate se utilizaria de
artifícios enganosos ao veicular lettering em letras muito peque-
nas. Em sua defesa, a anunciante considerou que o filme traz de
forma clara e legível todas as informações necessárias ao con-
sumidor. O relator considerou suficiente o tamanho das letras,
assim como o seu tempo de exposição. Seu voto foi aceito por
unanimidade. (CONAR, 2011a)

Apesar de a autorregulamentação não ter observado engano por am-


biguidade nessa peça, o conteúdo apresenta, sim, conforme argumenta-
do, elementos para essa afirmação.
Outro anúncio que pode ser classificado como enganoso por ambigui-
dade é o conhecido comercial das Casas Bahia veiculado em 2003 com o
mote “Quer pagar quanto”?

Mês/Ano Julgamento: DEZEMBRO/2003


Representação nº: 304/03
Autor(a): Conar, a partir de queixa de consumidor
Anunciante: Anunciante e agência: Casas Bahia e Bates Brasil
Relator(a): Rubens da Costa Santos
Decisão: Alteração
Fundamentos: Artigos 1°, 3°, 27 par. 1º e 2º e 50 letra “b” do
Código.
Resumo: Para consumidores de Campinas, Jundiaí, Rio de Janeiro
e Itaboraí, o mote da campanha das Casas Bahia, expresso acima,
é enganoso. Ao contrário do que sugere a afirmação, em momen-
to algum o consumidor é capaz de influenciar no valor e forma
de pagamento dos produtos. Em sua defesa, Casas Bahia e Bates
Brasil consideram que a afirmação é recurso criativo que sempre
está ligado a uma determinada oferta. O relator propôs alteração,
voto acolhido por maioria, de forma a deixar mais clara a ligação
entre a afirmação e as ofertas a ela associadas. (CONAR, 2003b)

101
Não há nesse anúncio engano por falseamento de dados/mentira, por-
que não há dados falsos apresentados. Da mesma forma, não há omissão
parcial, isto é, alguma informação em lettering que devesse ser melhor elu-
cidada. O que há é um título que sugere a interpretação equivocada (e,
portanto, enganosa) de que há opções de preços disponíveis ao consumidor,
quando na verdade, como o anunciante posteriormente se explicou, o enre-
do se refere a condições flexíveis de pagamento. Como não há nenhuma in-
formação complementar escrita ou em áudio afirmando isso, além de enga-
no por ambiguidade, pode-se considerar a peça enganosa por omissão total.
Não é a toa que o engano quanto a apelos funcionais persiste no
mercado. Eventualmente, reconhecidos livros técnicos de marketing re-
comendam justamente esses ardis como táticas de sucesso. Kotler (2006,
p. 310), por exemplo, registrou em um de seus livros, sem qualquer críti-
ca sob o ponto de vista da ética, a recomendação de se usar termos que
passem a ideia de novidade tecnológica mesmo que tais atributos não
interfiram significativamente na qualidade do produto. Como exemplo,
conforme consta abaixo, o autor mencionou uma marca de café que uti-
lizou o benefício “flocos de cristal de café” para dar ideia da qualidade
do produto, o que, no entanto, é irrelevante nesse sentido, pois não é o
formato das partículas o fator determinante para o sabor desse item.

Pesquisas demonstraram, no entanto, que as marcas às vezes po-


dem ser diferenciadas com êxito em qualidades aparentemente ir-
relevantes se os consumidores deduzirem qual é o benefício espe-
cífico. A Procter & Gamble diferencia seu café instantâneo Folger
por meio de seus ‘flocos de cristal de café’, criados por um ‘pro-
cesso patenteado exclusivo’. Na verdade, o formato das partículas
de café é irrelevante, pois os cristais se dissolvem de imediato na
água quente. A afirmação de que uma marca de café é ‘cultivada
em clima temperado’ também é irrelevante, porque o café é quase
sempre cultivado em clima temperado. (KOTLER, 2006, p. 310)

Outro tipo de engano por ambiguidade ocorre quando não há dados


falsos no anúncio ou omissão de informações relevantes para a decisão
de compra, mas a linguagem utilizada é de difícil compreensão podendo
induzir o consumidor a erro por não entendê-la. Um exemplo bem re-

102
presentativo julgado pelo CONAR em 2003 se refere a um anúncio que
continha apenas em lettering a informação de que a promoção era válida
somente para um certo tipo de ligação.

A Embratel questiona a ética de campanha promovendo ligações


interurbanas com o uso do 23 Intelig. A Embratel argumenta
que a oferta, anunciada pela atriz Regina Casé como “muito
mais barata que a concorrência, bem nos dias e horários em que
você mais usa o celular” é válida apenas para as chamadas VC3
- aquelas para cidades cujo primeiro dígito do código de área
não seja o mesmo da localidade do cliente. A Embratel argumen-
ta em sua denúncia que, apesar desta informação constar em
lettering, considerado por ela como de difícil leitura, a imensa
maioria dos usuários não saberá distingui-la e compreendê-la.
Questiona também a Embratel o fato de não constar do filme
a validade da promoção. A Intelig enviou defesa ao Conar con-
siderando que o filme contém todas as informações relevantes
para a decisão do consumidor e que o lettering está em confor-
midade com as práticas de mercado. Mas, de forma a tornar as
informações ainda mais claras, a Intelig afirma ter introduzido
espontaneamente uma alteração em seu filme, procurando dei-
xar mais claro o que são as chamadas VC3. (...) (CONAR, 2003c)

Schultz (2005, p. 166) também menciona esse tipo de ambiguidade


dando como exemplo um anúncio fictício de elevadores que utiliza a lin-
guagem técnica do INMETRO. Como coloca o autor, “nada de chamar, na
hora de vender, um elevador de ‘cabine digitalizada de ascensão vertical’,
para fazê-lo parecer algo mais revolucionário” (SCHULTZ, 2005. P. 166).
O parágrafo oitavo do artigo 27 do CBARP, já apresentado, referente ao
dever de não se utilizar linguagem técnica incompreensível para leigos
também sugere que este anúncio feriu a ética profissional do setor.
Já o parágrafo sétimo deste mesmo artigo voltado a ressaltar a ne-
cessidade de se ter comprovação de qualquer estatística e outros dados
de pesquisa apresentados em publicidades sugere que campanhas co-
nhecidas só estarão éticas mediante esse cenário comprobatório. Assim
sendo, motes publicitários amplamente difundidos como “Nove entre
dez estrelas usam o sabonete X” e “Nove entre dez dentistas recomen-

103
dam a marca Y de pasta de dente” só estarão éticos e legais se refletirem
uma metodologia científica séria e imparcial de pesquisa. Isso implica,
por exemplo, que a amostra da pesquisa não pode ter ficado restrita a
algumas pouca dezenas de entrevistados. 13
Dependendo de como é executada, a técnica corriqueira de se utilizar
testemunhais na publicidade também pode levar a engano por ambi-
guidade e até mesmo por mentira/falseamento de dados. Como coloca-
do anteriormente, trechos do CBARP trazem recomendações específicas
para esse tipo de aplicação.
Pelo já citado item “c” do artigo 9 do CBARP, nota-se que o testemu-
nhal se refere apenas a modelos personalizados, ou seja, não anônimos. É
por essa razão que os nomes dos depoentes são sempre apresentados na
peça (a não ser no caso de pessoas famosas, que, por serem conhecidas,
não precisam ter o nome citado para deixarem de ser anônimas). Claro
que, segundo o referido artigo, é ético apresentar na peça pessoas anô-
nimas não adeptas do produto/marca fazendo uso do mesmo (recurso
adotado com grande frequência). No entanto, tais personagens consistem
em “modelos sem personalização” e não em testemunhais e devem ser
apresentados na peça de forma que fique bem claro que remetem a uma
encenação fictícia de uso do produto e não a um testemunhal. Nesse
momento, tem-se um exemplo da chamada “licença publicitária”, o que,
nesse caso, se dá pela não aparição, nas cenas, da identificação verídica
dos personagens apresentados e geralmente pelo uso de um tom de hu-
mor para caracterizar a cena como uma “brincadeira”.
Como lembra Schultz (2005, p. 169), enquadram-se nessa licença
publicitária, por não remeterem a um testemunho sério devido ao tom
de humor ou de exagero, os chamados “garotos propagada” de marcas
diversas, como o porta-voz da Bombril (Carlos Moreno, não mais anô-
nimo devido à sua fama através do cenário publicitário), e o ator que
introduz até hoje (2017) os comerciais das Casas Bahia.
Uma crítica a ser feita aqui em relação ao citado artigo 9 do CBARP
diz respeito ao trecho que afirma que “modelos trajados com unifor-
mes, fardas ou vestimentas de uma profissão” podem ser enquadrados
nessa “licença publicitária”. Isso porque tal abordagem só pareceria éti-
13. Isso não quer dizer que as marcas relacionadas a esses títulos necessariamente não realizem
pesquisas sérias.

104
ca caso as cenas, provavelmente em função de um tom de humor, dei-
xassem muito claro que os atores utilizando uniformes não pertencem
de fato às classes profissionais em questão. Se a peça apresentar em
tom de seriedade/veracidade um ou mais atores com dado uniforme, a
mensagem transmitida pode vir a ser a de que aquela classe profissional
atestaria, sim, o uso do produto, o que nem sempre pode ser verdade,
tornando, portanto, a mensagem enganosa.
O anexo Q do CBARP exposto no tópico anterior trata especificamente de
testemunhais. Entre os vários artigos presentes, também consta ali que todos
eles devem ser comprováveis. Ou seja, eticamente, seja uma pessoa comum,
famosa ou perita no assunto (classificação para testemunhos apresentada no
documento), é preciso que ela tenha realmente utilizado o produto e aprecia-
do seus atributos para que venha a falar dele em um anúncio.
A respeito de pessoas famosas utilizadas em peças publicitárias, é im-
portante dizer que elas nunca serão anônimas nos anúncios aos públicos
massivos que as conhecem. Sendo assim, pode-se dizer que a sua presen-
ça na peça acaba por transformar o conteúdo em um testemunhal. Como
apresentado, o anexo destaca ainda que, devido à possível maior influência
desses personagens sobre o público, as recomendações referentes ao cui-
dado com o engano em testemunhais devem ser ainda mais rigorosamente
seguidas quando o anúncio apresentar celebridades. Posto isso, registra-se
um questionamento: será mesmo que as celebridades porta-vozes de pro-
dutos diversos realmente atestam todos os itens que anunciam?
Cabe discutir agora algumas alternativas éticas para a publicidade
enganosa quanto ao apelo racional/funcional/informativo.
Um recurso comumente utilizado para evitar o engano por ambigui-
dade por parte do consumidor consiste na conhecida prática de colocar
a legenda “Fotos Ilustrativas” em anúncios diversos, geralmente em ta-
manho reduzido, especialmente nos de lojas de departamento voltados a
vender artigos para o lar.
A intenção do anunciante com isso é evitar que o espectador considere
todos os itens apresentados como oferta, sendo que apenas um ou outro
está a venda pelo preço anunciado, constando os demais ali somente para
efeito decorativo. Um exemplo dessa situação é uma publicidade de um
determinado jogo de sofá sendo exposto junto com vários outros itens de
uma sala-de-estar, no intuito de chamar mais a atenção do consumidor ou

105
acender mais rapidamente seu desejo de compra. Dito isso, cabe também
aqui uma consideração: se houver consumidores que não forem habitua-
dos à crítica de mídia, e, portanto, que talvez não entendam o que quer
dizer tal expressão, colocada geralmente com pouquíssimo destaque, seria
ela a melhor saída para resolver o dilema ético? Talvez o melhor fosse uma
expressão mais precisa e colocada com mais evidência, associada à postura
de enfatizar visualmente na peça que apenas um produto é o anunciado.
Quanto a testemenhuais, uma alternativa ética óbvia apontada por
Schutz (2005, p. 167) é, como consta no próprio CBARP, que sejam “per-
sonalizados e genuínos”. Isso significa, por mais redundante que pareça,
que os testemunhos devem, sim, ser dados por pessoas que realmente
utilizam e apreciam o produto em seu cotidiano, pelo menos por tempo
significativo, e não apenas uma única vez.
Outra proposta para resolver situações de engano consiste na ação,
não plenamente correta, em minha opinião, de inserir na peça a frase
“Consulte o regulamento”. Isso, por si só, não parece suficiente, devido a,
pelo menos, duas razões. Primeiramente, porque nem todos os consumi-
dores potenciais terão acesso à internet ou a outro suporte previsto para
esse feito. Segundo, porque, se há dados importantes para a decisão de
compra no regulamento e o principal canal de comunicação é o anúncio
e não esse documento on line, é na primeira via que tais dados devem
constar, até mesmo porque pode haver meios de como fazer isso na peça,
tanto em termos de tempo como de espaço.
Diante do que foi exposto até aqui e do que se observa no cenário
atual da publicidade, podemos dizer que os atenuantes do engano con-
sistem nas já citadas “licenças publicitárias”, também denominadas “exa-
geros publicitários”, desde que nitidamente identificadas como tal pelo
consumidor. Como exemplo disso, cita-se um comercial de automóvel
(não encontrado on line) no qual, para enfatizar a resistência da lataria,
uma bomba explode dentro do veículo acarretando no mesmo não mais
que um tímido salto. A princípio, em se tratando de um público adulto
sem limitações cognitivas graves, a peça parece não incorrer em engano
porque o consumidor estaria imediatamente consciente de que se trata
de uma “mentirinha”, um exagero, para transmitir a mensagem. Ou seja,
o espectador saberia que o automóvel não aguentaria uma bomba explo-
dindo no seu interior. No entanto, se a lataria não fosse um diferencial do

106
produto/marca, tal raciocínio não se aplicaria, já que esse efeito retórico
sugere implicitamente que a lataria é, no mínimo, mais resistente que as
demais encontradas no mercado.
Infelizmente, complementando reflexões já inseridas nesse tópico, o
setor publicitário costuma utilizar a desculpa da “licença/exageração pu-
blicitária” em muitos outros casos não pertinentes.
Pelo que se pode observar dos aspectos considerados antiéticos relata-
dos até aqui, nota-se que várias outras alternativas éticas são claras e viá-
veis: não prometer benefícios que o produto não possa cumprir (como, por
exemplo, emagrecer 3 números de calça em 1 semana, segundo a publici-
dade do “emagrecedor” Magrins descrita anteriormente); não esconder em
letras pequenas informações relevantes para a decisão de compra, o que é
perfeitamente possível principalmente em mídias impressas, mas também
nas eletrônicas; e ainda, não usar termos em destaque nos títulos quando
há informações em letterings que simplesmente os contrariam (é o caso
de dizer que algo é “grátis”, no título, enquanto que, simultaneamente, no
rodapé da peça, consta a condição de que há uma entrada de dado valor).
Para Ferrel (2008), outra alternativa ética no intuito de evitar a publi-
cidade enganosa pode ser a adoção pela empresa de uma postura de não
criar termos com a intenção de confundir a cabeça do consumidor, como
por exemplo, “extralight” em uma situação em que há produtos definidos
como “light” contendo a mesma quantidade calórica que aquele.
Independente de tal especificação, consiste em uma estratégia geral
para evitar o engano responder às seguintes perguntas ao se criar o anún-
cio: o consumidor é realmente consciente de que se trata de um efeito
lúdico/exagero publicitário ou licença publicitária na peça? Quais são
os dados mais relevantes para a decisão de compra? Esses dados estão
facilmente compreendidos na peça? Dependendo do perfil do público (o
quanto ele conhece o produto, por exemplo), as respostas podem ser di-
ferentes e a tendência ao caráter enganoso, atenuada ou reforçada.
Apesar de existir regulamentação e autorregulamentação sobre o
tema, não se veem muitos anunciantes e agências acusados de publicida-
de enganosa em função de testemunhais ou informações mais sutis que
possam gerar ambiguidade. Talvez isso ocorra por não haver, no país,
um sólido comportamento de denúncia e controle social da publicidade
ou por se concluir, mesmo sem pesquisas empíricas, que o consumidor

1 07
entenderia claramente os elementos acusados de antiéticos como “licen-
ças publicitárias”, isto é, como recursos meramente lúdicos e devidamente
entendidos como tal. Independente disso, como não há certezas de que o
engano não ocorre, o caminho mais seguro parece ser evitar recursos como
os aqui discutidos que possam induzir o consumidor a algum tipo de erro.

1.4. ENGANO QUANTO AO APELO EMOCIONAL:


CARACTERÍSTICAS, EXEMPLOS ANTIÉTICOS E
CONTRAEXEMPLOS ÉTICOS
Não raras vezes nos deparamos com críticas como a da psicóloga es-
panhola Montoya (2007, p. 71), de que deveria ser considerada enganosa
a “propaganda emocional”, referindo-se, entre outras abordagens, à “pu-
blicidad que vende con el producto valores asociados como la felicidad, la
belleza, el amor, la libertad”.
Para discutir até que ponto esse argumento pode ser verdadeiro, cabe
lembrarmos de que a publicidade é enganosa, como apresentado ante-
riormente, quando o seu conteúdo somado ao contexto de recepção (per-
fil do público etc.) levam a uma probabilidade de o consumidor entender
que o produto/marca oferece benefícios que não podem ser alcançados
de fato a partir de sua aquisição. Isso independe da intenção do anun-
ciante de efetuar ou não o engano.
A linguagem emocional, por si só, não se liga necessariamente a
engano. A sociologia, a antropologia, as ciências da linguagem e, entre
outras áreas, a psicologia atestam o potencial de verdade existente nos
símbolos, entre os quais também podem estar mercadorias e marcas.
Campbell (2001, p. 261) parece endossar esse pensamento ao afirmar que
“para os românticos (...) o mito e o símbolo continham mais verdade do que
qualquer observação mais cuidadosa, fiel ao modelo, da realidade”. Também
parece reforçar tal pressuposto a fala de Da Matta de que há tantos símbolos
no capitalismo quanto entre os índios no Amazonas (ROCHA, 1985, p. 9).
Ao que parece, a grande maioria dos publicitários defende a publici-
dade emocional como não enganosa justamente porque entende que o
público compreende o caráter “lúdico”, “ficcional” deste jogo de sedu-
ção. Bassat (2008, p. 99), reconhecido profissional espanhol que se decla-
ra um “gran defensor de la publicidad emocional”, afirma, por exemplo,
que a publicidade é como uma declaração de amor: “¿Quién no ha pro-

108
metido alguna vez a su pareja [parceiro/parceira] que la convertirá en la
persona más feliz del mundo?” E complementa seu argumento provoca-
tivo com a afirmação de que “nunca podría acusar a ningún enamorado
de haber mentido prometiendo la felicidad absoluta, si era éste el dictado
de su corazón”14. (BASSAT, 2008, p. 99)
O argumento implícito é o de que, assim como em promessas amo-
rosas, o interlocutor estaria ciente de que determinadas abordagens con-
sistem na já mencionada “exageração publicitária” ou “mentira inofen-
siva”, isto é, em uma licença poética compreendida como tal para dar
mais ênfase a alguma verdade que se quer dizer (seja de que o produto
é muito bom, seja de que se ama alguém).
Contrariando essa fala de Bassat, com base na reflexão sobre o que
foi brevemente exposto neste tópico, defende-se aqui que podemos falar,
sim, em publicidade emocional enganosa, mas em contextos específicos.
Sugere-se pelos menos as seguintes condições para se enquadrar uma
publicidade emocional como enganosa: 1) quando o consumidor busca e
não obtém, com o produto/marca, a emoção/experiência ofertada, enfim,
o “mundo feliz”/prazeres diversos apresentados; 2) quando o consumi-
dor busca e obtém, com o produto/marca, emoção/experiência almejada
na forma acima citada (seja via experimentação de fato ou por vivenciar
a aparência/ilusão de tal experimentação), mas não percebe que isso é
efêmero e/ou que o produto/marca ofertado não é essencial para que tal
sensação ocorra; 3) quando o consumidor entende (até mesmo incons-
cientemente) que, se a peça apresenta um apelo emocional tão positivo,
o produto/marca não deve ter qualquer ponto negativo.
Um exemplo que se enquadra no primeiro contexto apresentado é o
citado por Martins (2002) a respeito da associação, em anúncios, do valor
de liberdade a automóveis, no caso de um público-alvo que utiliza o carro
apenas para o trabalho, sofrendo com os engarrafamentos da cidade e
o movimento contínuo de avançar para essa “liberdade” somente até o
próximo sinal fechado que desponta. Outro exemplo é a associação de vi-
talidade, saúde e força física a cigarros, como costumava ocorrer em cam-
panhas de várias marcas até o início dos anos 2000. (MARTINS, 2002)
Se o produto/marca realmente puder oferecer ao consumidor tais emo-
ções/simbologias na forma como ele as deseja – isto é, como experimentação,
14. Tradução do autor: “Nunca se pode acusar a nenhum apaixonado de ter mentido ao prometer a
felicidade absoluta, se era isso algo sincero em seu coração”.

109
de fato, ou aparência/ilusão/sensação de experimentação – não poderemos
falar em publicidade enganosa, embora a discussão sob o ponto de vista da
ética ainda possa ser realizada com base em outras linhas argumentativas.
O segundo caso sugerido é um tanto diferente. Imagine-se um compor-
tamento de consumo de comprar certas grifes de roupas, calçados, aces-
sórios, ou certas marcas de celular e automóveis tendo como uma das
motivações principais, até mesmo inconsciente, sentir-se, permanente ou
prolongadamente e não só pontualmente, desfrutando da emoção almeja-
da (seja autoestima elevada, seja a sensação de maior aprovação social).
Como já colocado anteriormente, o benefício emocional das mercado-
rias geralmente é efêmero, razão pela qual é comum a continuidade da prá-
tica do consumo para se obter os prazeres almejados. Assim, caso a pessoa,
mesmo que inconscientemente, imagine desfrutar por médio ou longo pra-
zo do bem-estar obtido com o consumo pontual de uma dada mercadoria, é
possível, por mais inusitado e pouco consensual que esse raciocínio pareça,
dizer que houve publicidade enganosa se a publicidade destacava enfatica-
mente tais emoções vinculadas ao consumo. Afinal, quanto maior o desta-
que dado para tais associações, mais provável pode parecer a relação entre
simbologias e o item ofertado, e quanto mais se tem tal percepção, mais
se pode pensar que as emoções vinculadas não se dissipam com rapidez.
Posto isso, quais tipos de publicidade emocional (de produtos/mar-
cas e não da propaganda de ideias) teriam maior potencial de engano?
Tendo por base a ênfase e a relevância dada aos bens pela publicidade,
pode-se dizer que o engano está presente pelo menos nos seguintes tipos
de publicidade: publicidade emocional assertiva; publicidade emocional
exclusivista; publicidade emocional comparativa ou publicidade exclu-
dente; publicidade emocional glamourizada, e publicidade única ou pre-
dominantemente emocional em geral.
A publicidade emocional exclusivista se refere a linguagens que atri-
buem exclusividade (ou prioridade) ao produto/marca para se obter a
emoção ofertada. Uma definição mais detalhada está colocada no próxi-
mo capítulo deste livro. O potencial de engano aí presente se explica pelo
fato de que até mesmo uma análise simples, à base do senso comum,
permite notar que emoções diversas associadas a bens de consumo – fe-
licidade em geral, aprovação social, independência, virilidade, lideran-
ça, sucesso profissional etc. – não são verdadeiramente condicionadas

110
à aquisição de produtos/marcas e nem são esses recursos os que mais
permitirão tal desfrute a longo prazo.
A publicidade emocional assertiva, também melhor conceituada no
próximo capítulo, é outro tipo de abordagem que, sugere-se aqui, tem
um maior potencial de ser enganosa. Isso porque afirmar direta e enfa-
ticamente que o produto/marca garante dada emoção (basta lembrar do
anúncio/slogan “Abra a felicidade”, da Coca-Cola, para entender no que
consiste esse tipo de peça), conota mais certeza de que tal associação
realmente pode ocorrer sempre e para todos. Do contrário, como anun-
ciante e agência teriam “coragem” de enfatizar tão aberta e certeiramente
tal associação? Como há grandes chances de a longevidade da experi-
mentação da emoção pelo consumo pontual da mercadoria ser uma fa-
lácia e uma vez que certamente há quem não obterá a emoção almejada
consumindo o item divulgado, ecoar algo com tamanha assertividade
pode significar, sim, linguagem enganosa. Outro exemplo nessa linha foi
veiculado na revista Veja, entre 2003 e 2008 (vários similares atuais po-
dem ser facilmente encontrados). Trata-se de anúncio do automóvel New
Civic Restart (Honda), que tem como título a frase “Às vezes, para mudar
o rumo na sua vida, você precisa de um impulso: 140 cavalos”15.
A chamada “publicidade excludente” ou “publicidade emocional com-
parativa”, a ser aprofundada na próxima seção, também parece ser uma
abordagem com mais potencial de engano quanto às promessas que divul-
ga. Afinal, esse tipo de publicidade dissemina que quem não possui o pro-
duto/marca ofertado é inferior a quem o consome em aspectos que nada
têm a ver com a funcionalidade da mercadoria em foco. Uma vez que é
indiscutivelmente falsa a ideia de que qualquer pessoa seja inferior à outra
pelo fato de possuir dada mercadoria, tal associação também pode ser clas-
sificada como publicidade emocional enganosa. Por mais que, infelizmen-
te, alguém de fato possa se sentir inferior ou superior ou parecer inferior ou
superior a outros em função disso, trata-se de publicidade enganosa por-
que, em essência, não existe essa gradação de valor por meio do consumo.
Aquele tipo de publicidade emocional com estilos de vida mais “inal-
cançáveis”, o que chamo aqui de “publicidade glamourizada/top de li-
nha”, também pode ser visto com maior potencial de gerar engano. Isso
15. Tenho essa peça em meu arquivo pessoal de anúncios, mas sem identificação da edição (ano,
mês, número) e não a encontrei on line.

111
simplesmente porque enfatizar estilos mais inalcançáveis de vida pode
reforçar a ideia de que tais estilos são facilmente alcançáveis, o que, evi-
dentemente, é algo enganoso.
Um exemplo clássico desse tipo de anúncio são as conhecidas cam-
panhas de margarina com famílias felizes tradicionais (pãe, mãe, filhos),
de classe média alta ou alta e sem qualquer pressa durante as refeições
tomando, com muita calma e junto a todos os seus membros, um farto
café da manhã. Outro exemplo são as inúmeras publicidades de perfu-
mes e outros produtos de luxo que apresentam locais, corpos e situações
idílicas, seja uma tarde de romance em uma lancha atracada em um mar
paradisíaco, seja uma mulher impecável em termos estéticos segundo o
padrão hegemônico de beleza, atraindo todos os olhares em uma festa.
Na verdade, pode se enquadrar como publicidade glamourizada qual-
quer peça que faça uso de padrões de beleza dificilmente alcançáveis e de
situações prazerosas que atualmente (ou desde sempre) não são comuns
(o amor romântico, o arranjo tradicional de família etc.). Claro que, como
a publicidade trabalha justamente com a “falta”, conforme o que já foi
visto nesse livro, são justamente essas abordagens as mais escolhidas por
publicitários e profissionais de marketing. Mas isso não significa que elas
sejam sempre éticas e muito menos que só elas sejam vendáveis.
Independente de todas as abordagens específicas aqui introduzidas, a
“publicidade única ou predominantemente emocional em geral”, ou seja,
com forte ênfase no apelo emocional/felicidade, também parece ter, por si
só, maior potencial de gerar algum tipo de engano, independente de seu
detalhamento. Afinal, como já colocado, quanto mais ênfase se coloca em
um dado valor, mais se pode passar a “certeza” de que o produto/marca
realmente pode oferecer, inclusive permanentemente, a emoção desejada.
Dois exemplos de peças nesse tom, que não são excludentes, exclu-
sivistas, nem totalmente assertivas, mas apenas única ou predominante-
mente emocional, podem ser aqui registrados. Uma delas é o anúncio do
automóvel Honda i-DSI, cujo título é “Não é à toa que o sucesso chega rá-
pido. Ele anda com motor Honda i-DSI” (também veiculado em 2003 em
edição da revista Veja)16. A peça pode ser classificada como predominan-
temente emocional porque, apesar de ofertar algum apelo técnico/funcio-
16. Tenho essa peça em meu arquivo pessoal de anúncios, mas sem identificação da edição (ano,
mês, número) e não a encontrei on line.

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nal do produto, é o valor de sucesso vinculado à marca/modelo o que é
principalmente destacado e mais tende a ser apreendido. Outro exemplo,
dessa vez unicamente emocional, é o da marca de tênis All Star/Conver-
se veiculado em 2013 (confira em http://propmark.com.br/anunciantes/
converse-divulga-novos-modelos). A peça, criada pela agência Anomaly,
dos Estados Unidos, e adaptada para os países latino-americanos pela
GlobalComm, tinha como chamada o apelo unicamente emocional “Sa-
patos voltam às aulas. Tênis voltam aos amigos” ou “Sapatos têm postu-
ra. Tênis têm atitude”, e o slogan, “Shoes are boring. Ware sneakers”17.
Dada a ênfase com que destacam o apelo emocional ligado ao con-
sumo ou devido ao alto potencial de sedução do valor de comparação ao
outro, presente em algumas tipologias aqui colocadas, tais abordagens po-
dem ser muito atrativas aos consumidores. Isso implica na possibilidade
de estimularem o consumidor a prestar mais atenção nas emoções positi-
vas vinculadas a produtos e marcas, e menos em possíveis riscos ligados
aos itens ofertados ou à prática do consumo em si. Se a felicidade, o pra-
zer é tão enfatizado na publicidade e de forma amplamente massificada,
o sujeito poderia se sentir encorajado a imaginar que essa marca/produto
poderia lhe fazer algum mal? Seria fácil para ele, diante desse alarde, su-
por que a marca estaria utilizando trabalho escravo ou explorando seus
funcionários, por exemplo? Como pensar seriamente nos efeitos negativos
de consumir em excesso refrigerante, medicamentos ou cerveja, se a pu-
blicidade dela só me lembra que a felicidade está associada ao consumo
dessa mercadoria? A peça encoraja o sujeito a se lançar em um trabalho
“chato” e árduo de pensar sobre consequências potenciais e motivações
de seu consumo (endividamento, carências, colaboração com uma prática
injusta de algum anunciante, dano ambiental, entre outras situações), se
fala que esse produto é a felicidade que ele sempre quis e quer?
Enfim, diante desse tipo de conteúdo, intencionalmente ou não, pa-
rece haver uma possibilidade de a publicidade única ou predominante-
mente emocional e também as outras versões de publicidade emocional
mencionadas neste tópico acabarem acarretando em engano, por omis-
são, inclusive. Afinal, a ênfase e o conteúdo específico de sua linguagem
sedutora podem acabar não deixando espaço para aparecer, na peça ou
17. Tradução do autor: “Sapatos são chatos. Use tênis”.

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diretamente no consumidor, dados não tão prazerosos mas que podem
ser extremamente relevantes para uma decisão acertada de compra.
Sendo assim, quais seriam as alternativas éticas para se evitar o po-
tencial de engano da publicidade emocional? Parece não haver saída: é
colocar o menor destaque possível nesse apelo e transferir essa ênfase
para apelos informativos/racionais/funcionais, porém com muita criativi-
dade. Os anúncios podem continuar extremamente criativos e vendáveis
dessa forma, com a imensa vantagem de não venderem “falsos sonhos”,
como afirma Toscani, para a massa de consumidores que os contempla.
Como exemplo desse tipo de abordagem, cita-se um anúncio brasileiro
da agência Grey Brasil, que recebeu prêmio internacional em 2003, referen-
te ao produto/marca Post it (confira em http://br.adforum.com/people/fer-
nando-moussali-45980/work/25668). Na peça, apenas o dizer “Buy pen”
(“Compre caneta”), escrito com o próprio papel amarelinho de recados, e
o subtítulo “Post it. Reminds you of what you already forgot” (“Lembrando
você até do que você já esqueceu), ao canto direito inferior do anúncio.
Outro exemplo nessa linha é o comercial “Aumentado” do plano de
internet para smartphone Vivo Sempre, da Vivo (ver em http://o2filmes.
com.br/acervo/996/Aumento). Encenam a peça dois personagens: o ator
Edson Celulari e a personagem Eulália, que faz o papel de faxineira da
casa. No comercial, Eulália (que é branca, de idade e não sensualizada
–ponto para a publicidade) pede um aumento de salário. O ator nega o
pedido, afirmando que ela já ganha bem. Como contra-argumento, Eulá-
lia se informa no seu smartphone Vivo com plano de internet que seu pa-
gamento está abaixo da média do mercado. Em resposta, Celulari afirma
que as coisas estão difíceis, o que leva a faxineira a dizer que, “segundo a
internet”, a peça de teatro do ator está um sucesso. Na sequência, o ator
simula uma dor de vesícula, recebendo como resposta a afirmação da
empregada de que “segundo a internet”, ele havia retirado a vesícula em
2003. Enfim, mesmo tendo elementos emocionais implícitos no anúncio
(alegria; estilo de vida associado à mercadoria etc.), o que realmente é
destacado e, portanto, pode ser mais facilmente assimilado é principal-
mente o benefício técnico do produto ofertado, ou seja, os planos aumen-
tados de internet da operadora em questão e não uma promessa de que o
item é um atalho para algum tipo de felicidade.

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Como se nota, tais caminhos já estão em andamento e demandam
muita criatividade do publicitário, comportamento por ele bastante apre-
ciado. Isso torna ainda mais fácil amplificar tais enfoques, em detrimento
de apelos emocionais que, entre outros problemas, podem favorecer o
engano nos processos de consumo, como aqui discorrido.

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