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MANUAL PRÁTICO

TERAPIA COGNITIVO
COMPORTAMENTAL
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
NA INFÂNCIA (PRÉ-ESCOLARES):
PRINCIPAIS INSTRUMENTOS

Desenvolvimento cognitivo
Durante a pré-escola mudanças surpreendentes acontecem nas habilidades cogni-
tivas e comportamentais das crianças. A memória, por exemplo, está se tornando
mais forte, frequentemente as crianças se lembram de detalhes surpreendentes;
são capazes de compartilhar suas ideias de maneiras novas e interessantes; sua
imaginação está se tornando o principal veículo para o brincar e aprender. Neste
período, as crianças começam a comparar, contrastar, organizar, analisar e criar
maneiras cada vez mais modos complexos de resolver problemas. O pensamento
matemático e científico tornam-se mais sofisticados. No quadro a seguir são desta-
cados os principais marcos do desenvolvimento cognitivo na pré-escola.

Marcos de desenvolvimento cognitivo na pré-escola


5 anos
3 anos 4 anos
Conta 10 ou mais coisas.
Brincar de faz de conta com Compreende a
Consegue desenhar uma
bonecos, animais e pessoas. ideia de contar.
pessoa com pelo menos
Faz quebra-cabeças Começa a entender
6 partes do corpo.
com 3 ou 4 peças. o tempo.
Pode imprimir algumas
Entende o que Lembra partes de
letras ou números.
“dois” significa. uma história.
Copia um triângulo e outras
Copia um círculo com Compreende a ideia de
formas geométricas.
lápis ou giz de cera. “igual” e “diferente”.
Sabe sobre coisas usadas
Vira as páginas do livro Desenha uma pessoa com
todos os dias, como
uma de cada vez.. 2 a 4 partes do corpo.
dinheiro e comida.

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Essas habilidades cognitivas geralmente se desenvolvem em uma sequência espe-
rada para a idade. Lembre-se, porém, que cada criança é única, os marcos de desen-
volvimento ajudam os adultos a compreender e reconhecer as idades e os estágios
de desenvolvimento típicos das crianças. Marcos não são regras rígidas de quando
ou como uma criança deve se desenvolver. Em vez disso, os marcos fornecem uma
diretriz de quando esperar que certas habilidades ou comportamentos surjam em
crianças pequenas com base no desenvolvimento cognitivo, motor (movimento),
coordenação motora fina (habilidades dos dedos e mãos), audição, fala visão e
desenvolvimento socioemocional. Neste sentido, pais e profissionais de saúde de-
vem ficar atentas quanto aos sinais de alerta do desenvolvimento cognitivo dessas
crianças, conforme mostra o seguinte quadro:

Possíveis sinais de alerta para crianças em idade pré-escolar


3 anos 4 anos 5 anos
Não consegue trabalhar Tem problemas Não responde às pessoas
com brinquedos simples para rabiscar. ou responde apenas
(como quebra-cabeças Não demonstra interesse superficialmente.
simples, manivela em jogos interativos Não consegue afirmar
giratória, entre outros). ou faz de conta. o que é real e o que
Não brinca de faz-de-conta. Não segue comandos é faz de conta.
Não entende de 3 partes. Não consegue brincar
instruções simples. Não entende “igual” com uma variedade de
e “diferente”. jogos e atividades.
Não consegue dizer seu
nome e sobrenome.
Não consegue desenhar.

Ressalta-se que estes marcos são apenas referências, é preciso considerar que o de-
senvolvimento cognitivo é um processo único e específico para cada criança. Uma
família pode se perguntar sobre o desenvolvimento cognitivo de seu filho e sentir-
-se incerta sobre o que está observando, bem como o que esperar. O terapeuta tem
a oportunidade de aprender primeiro com uma família e considerar a possibilidade
de oferecer informações adicionais sobre o desenvolvimento, através da avaliação
neuropsicológica.

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Avaliação neuropsicológica de crianças pré-escolares
Na avaliação neuropsicológica de crianças pré-escolares é possível reconhecer atra-
sos no desenvolvimento e estabelecer diferentes perfis de competência em relação
às várias funções cognitivas. As habilidades cognitivas desenvolvidas na idade pré-
-escolar são fundamentais para a aquisição de conhecimentos nos anos seguintes.
Os instrumentos neuropsicológicos para pré-escolares ainda são escassos, mas os
disponíveis devem incluir: a organização e o desenvolvimento do sistema nervoso
da criança; a variabilidade dos parâmetros de desenvolvimento entre crianças da
mesma idade; a estreita relação entre o desenvolvimento físico, desenvolvimento
neurológico e emergência progressiva de funções corticais superiores envolvidas
na estimulação cognitiva e comportamental do ambiente desta criança.
A avaliação neuropsicológica é um processo investigativo que visa investigar e con-
cluir o diagnóstico de possíveis atrasos no desenvolvimento; confirmar ou refutar
a suspeita diagnóstica de transtornos do neurodesenvolvimento; investigar fatores
psicossociais e educacionais e orientar profissionais da educação e de saúde acer-
ca da conduta, respectivamente, educacional ou terapêutica para esta criança. As
principais etapas da avaliação neuropsicológica são:

1. Entrevista inicial e anamnese:


Nesta etapa, o terapeuta coleta informações dos pais ou responsáveis acerca de
como foi a gestação e parto da mãe do paciente, dos marcos do desenvolvimento,
da qualidade do sono, da alimentação e dentição, das doenças que teve ou tem, dos
aspectos da escolarização, bem como eventos marcantes na vida desta criança ou
de sua família, sua relação com familiares e cuidadores.

2. A escolha dos instrumentos neuropsicológicos:


A escolha dos instrumentos deve considerar os dados coletados na anamnese as-
sociados às funções cognitivas a serem avaliadas. Neste sentido, o terapeuta pode
avaliar, a depender do caso, funções como inteligência, aspectos neuromotores, lin-
guagem, funções executivas e qualidade do ambiente do paciente:
Inteligência: Testes de inteligência para crianças avaliam basicamente as habilida-
des que são essenciais para o desempenho escolar. O teste que pode ser utilizado é

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a Escala de Maturidade Mental Colúmbia III1, cujo objetivo é avaliar a capacidade
de raciocínio geral de crianças de 3 anos e 0 meses a 9 anos e 11 meses de idade. A
escala não necessita de respostas orais e pouco depende da motricidade dos parti-
cipantes. Pode ser administrado com facilidade em crianças com diferenças cultu-
rais ou de desenvolvimento físico ou cognitivo, já que o seu desempenho não está
atrelado ao desenvolvimento da linguagem.
Aspectos neuropsicomotores: É a maneira como a criança move os braços e as per-
nas (habilidades motoras grossas) e os dedos e as mãos (habilidades motoras fi-
nas). Crianças correm, pulam, escalam, arremessam e pegam. Usando as mãos, eles
exploram materiais como tintas, massa para brincar, quebra-cabeças, areia e coisas
para escrever. Usando seus corpos ativamente em ambientes fechados e ao ar livre,
as crianças constroem ossos e músculos saudáveis.
Os aspectos neuropsicomotores podem ser verificados pelo teste Denver II2, um teste
de triagem usado para identificar a criança cujo desenvolvimento parece estar atra-
sado em comparação com outras crianças. Também útil para identificar mudanças
de escore ou padrões ao decorrer do tempo, interpretando primeiramente os itens
individuais e depois o teste integralmente. O objetivo é mensurar o desenvolvimento
infantil nas quatro áreas do desenvolvimento: pessoal social, motor-fino adaptativo,
linguagem e motor grosso. Ainda não foi validado para o Brasil.
Linguagem: As habilidades de linguagem na pré-escola se desenvolvem quando
ela tem muitas oportunidades de ouvir e falar com outras pessoas. Os pais ou res-
ponsáveis, cuidadores e/ou professores conversam com as crianças ao longo do dia
enquanto elas brincam, em grupos ou individualmente. Eles incentivam as crianças
a compartilhar informações, ideias e sentimentos uns com os outros.
Para avaliação desta função sugere-se a Prova de Consciência Fonológica por Pro-
dução Oral (PCFO)3: A PCFO (Seabra; Capovilla, 2012) avalia habilidades de mani-
pulação de sons da fala por meio de 10 subtestes, sendo estes: o de síntese silábica
e fonêmica; rima; aliteração; segmentação silábica e fonêmica; manipulação silá-

1 Fonte: https://www.pearsonclinical.com.br/cmms-3-escala-de-maturidade-mental-columbia-3.html
2 Fonte: https://www.livrariadopsicologo.com.br/livro-denver-ii--teste-de-triagem-do-desenvolvimento--
kit-9788585439606,WIL039.html
3 Fonte: Seabra AG, Capovilla FC. Prova de consciência fonológica por produção oral. In Seabra A, Dias N
(orgs.), Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem oral (pp. 117-122). São Paulo: Memnon; 2012.

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bica e fonêmica; transposição silábica e fonêmica. O instrumento está disponível e
possui dados psicométricos e normas publicadas.
Funções executivas: São responsáveis por muitas habilidades, como atenção con-
centrada; organizar, planejar e priorizar; iniciar tarefas e permanecer focado nelas
até a conclusão; compreender diferentes pontos de vista; regulando emoções; au-
tomonitoramento. As habilidades de funcionamento executivo geralmente se de-
senvolvem rapidamente desde a primeira infância até a adolescência, e continuam
se desenvolvendo até meados dos 20 anos.
O Teste de Trilhas para Pré-escolares4 tem sido muito utilizado na avaliação neu-
ropsicológica de pré-escolares. Este teste visa avaliar as funções executivas e especifi-
camente a flexibilidade cognitiva, estando relacionado às habilidades cognitivas de
percepção, atenção e rastreamento visual, velocidade e rastreamento visuomotor.
Qualidade do ambiente: Ambientes seguros, responsivos e estimulantes são uma
parte importante do apoio à aprendizagem e ao desenvolvimento de bebês, crian-
ças pequenas e crianças em idade pré-escolar. Esses ambientes também ajudam a
prevenir comportamentos desafiadores e servem como um componente central de
intervenções para bebês e crianças pequenas com deficiências identificadas.
O HOME5 (Home Observation for Measurement of the Environment) proposto por
Caldwell e Bradley (2001) é um dos inventários mais amplamente usado para avaliar o
ambiente domiciliar. O Inventário HOME é útil para avaliar comportamentos dos pais e
outros aspectos físicos e sociais do ambiente domiciliar, visando pontuar a qualidade e
quantidade de estimulação e apoio disponível à criança no ambiente domiciliar.
Após a análise dos resultados da anamnese e observações lúdicas associadas aos
resultados dos testes aplicados, segue-se a elaboração do documento psicológico
(laudo, relatório, entre outros) para ser entregue na entrevista de devolução com as
devidas recomendações de encaminhamentos.

3. Devolução e encaminhamentos
Na entrevista devolutiva, a ser realizada com o solicitante da avaliação neurop-
sicológica, o terapeuta, a depender dos resultados da avaliação, deve destacar a

4 Fonte: https://www.livrariadopsicologo.com.br/
5 Fonte: http://www.sbpcnet.org.br/livro/57ra/programas/CONF_SIMP/textos/analuciaaiello.htm

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importância da estimulação precoce, como uma das principais e mais importantes
estratégias de prevenção de dificuldades e atrasos no desenvolvimento. Esta fase
mostra ser mais sensível à neuroplasticidade, a estimulação precoce pode aumen-
tar os seus níveis e trazer benefícios à criança. Nesta etapa do trabalho avaliativo,
o terapeuta deve realizar os devidos encaminhamentos para outros profissionais,
justificando cada encaminhamento e recomendações para uma compreensão ade-
quada e segura dos pais ou responsáveis acerca da questão e tratamento da criança.

Exemplo prático6
Avaliação de crianças pré-escolares: relação entre testes de funções executivas e
indicadores de desatenção e hiperatividade
Participaram 85 crianças de uma escola municipal de Educação Infantil da Gran-
de SP, com idades entre 4 e seis 6, avaliadas no Teste de Trilhas para pré-escolares
(TT-PE) e no Teste de Atenção por Cancelamento (TAC). Pais e professores respon-
deram à SNAP-IV. As crianças com maiores índices de desatenção e hiperatividade,
conforme relato dos pais, tenderam a apresentar piores desempenhos no TAC e
aquelas com maiores índices de desatenção e hiperatividade, conforme relato dos
professores, tenderam a apresentar piores desempenhos em diversas medidas do
TAC e TT-PE. As relações entre desempenho nos testes e indicadores desatenção e
hiperatividade tenderam a ser mais consistentes quando consideradas as respos-
tas dos professores do que as dos pais. O estudo evidenciou que as relações entre
desempenho em testes de funções executivas e indicadores de desatenção e hipe-
ratividade podem ser observadas desde idades precoces, em amostras não clínicas,
contribuindo para a discussão sobre avaliação e identificação precoce.

6 Para acessar o artigo completo: http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/120/avaliacao-


de-criancas-pre-escolares--relacao-entre-testes-de-funcoes-executivas-e-indicadores-de-desatencao-e-
hiperatividade

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Sistematizando: Avaliação neuropsicológica na infância e
adolescência (escolares): principais instrumentos

Escala de Maturidade
Inteligência e raciocínio geral
Mental Colúmbia III
Avaliação neuropsicológica
na infância (pré-escolares):
principais instrumentos

Denver II Aspectos neuropsicomotores

PCFO Linguagem

Teste de Trilhas para


Funções Executivas
Pré-escolares

HOME Qualidade do Ambiente

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REFERÊNCIA

1. Dias NM, Seabra AG. Neuropsicologia com pré-escolares: avaliação e


intervenção (Coleção Neuropsicologia na Prática Clínica), São Paulo (SP):
Person; 2018.

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