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John H.

Flavell

Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais


CAPÍTULO 3

O Período Sensorio-Motor:
Desenvolvimento Geral

Este Capítulo, ao lado dos trés capítulos seguintes, tem por objetivo ofere­
cer uma descrição do desenvolvimento intelectual, desde o nascimento até a ma­
turidade. ^Este Capítulo apresentaas características gerais e fundamentais do pri-
pieiro período mais importanteToperíodo sensóriomiotof-, que abrangemos dois
primeiros anos de vida.fO Capítulo 4 começa pelaanãlise de algumas evoluções
sensório-motoras mais especializadas — o desenvolvimento da imitação, do brin­
quedo, da noção de objeto, etc. — e termina com uma descrição do pensamento
pré-operacional. O Capítulo 5 abrange a construção das operações concretas nos
anos intermediários de infância. E, finalmente, o Capítulo 6 é dedicado (em par­
te) à descrição das operações formais da adolescência.
Os quatro capítulos não abrangem com a mesma amplitude os respectivos
períodos de desenvolvimento a que se referem. Piaget realizou uma quantidade
muito menor de trabalhos experimentais com crianças até os dois anos de
idade, do que com os demais grupos etários. Assim sendo, torna-se perfeitamente
compreensível a tentativa de apresentar a teoria e a pesquisa referente à criança
pequena em um capítulo e meio, embora isto seja completamente impossível em
relação aos períodos posteriores. Por isso, os Capítulos 5 e 6 e a parte final do
Capítulo 4 descrevem principalmente as características do sistema geral das estru­
turas de pensamento - os aspectos mais teóricos do pensamento da criança e do
adolescente —, e os dados experimentais são apresentados ocasionalmente, a títu­
lo de ilustração. Grande parte dos dados experimentais relativos a estes períodos
encontra-se na Parte II.

Resumo dos períodos de desenvolvimento

Como roteiro para a leitura deste capítulo e dos três seguintes, parece útil
apresentar, cm linhas gerais, a taxonomia piagetiana dos períodos de desenvolvi­
mento, resumindo cm apenas uma ou duas sentenças os aspectos importantes de
cada um deles. De acordo com as preferências mais recentes de Piaget (1955d, p.

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36 nota IX o termo período i usado para designar as principais épocas do desen
voNimento e o tcmio estágio designa subdivisões menores dentro dos períodos
quando necessário, são usados também os termos subperíodo e subestágio.1
O período da inteligência sensôrio-motora (0 a 2 anos). Durante este impor-
tante período inicial, a criança se desenvolve de um nível neonatal, reflexo de
completa mdiferenciação entre o eu c o mundo para uma organização relativa­
mente coerente de ações sensório-motoras diante do ambiente imediato. Esta or­
ganização. no entanto, é inteiramente “prática”, pois abrange ajustamentos per-
ceptivos c motores simples às coisas e não manipulações simbólicas delas. Há seis
estágios principais neste período, alguns das quais se subdividem em subestágios.
O período de preparação e de organização das operações concretas (2 a 11
anos). Este período tem início com as primeiras simbolizações rudimentares que
aparecem no final do período sensório-motor e termina com o início do pensa­
mento formal, durante os primeiros anos da adolescência. Há dois subperíodos
importantes. O primeiro, das representações pré-operacionais (2 a 7 anos), refe­
re-se ao termo preparação usado no título. Trata-se daquele período, na infância
inicial, no qual a criança realiza suas primeiras tentativas relativamente desorgani­
zadas e hesitantes de enfrentar um mundo novo e estranho de símbolos. Às ve­
zes, Piaget distingue três estágios neste primeiro subperíodo: (1) primórdios do
pensamento representativo (2 a 4 anos); (2) representações ou intuições simples
(4 a 5¥i anos); (3) representações ou intuições articuladas (5 a 7 anos). 0 tra­
balho desta fase preparatória frutifica no subperíodo seguinte, das operações con­
cretas (7 a 11 anos). Nele, a organização conceituai do ambiente circundante tor-
na-se lentamente estável e coerente, dada a formação de uma série de estruturas
cognitivas chamadas agrupamentos. Particularmente neste subperíodo, a criança
começa a parecer racional e bem organizada em suas adaptações; parece possuir
um quadro de referências conceituai razoavelmente estável e regular que aplica
sistematicamente ao mundo de objetos que a rodeia.
O período das operações formais (11 a 15 anos). Durante este período
ocorre uma reorganização nova e definitiva, com novas estruturas isomórficas aos
grupos e aos reticulados da álgebra. Em resumo, o adolescente é capaz de lidar
eficientemente não só com a realidade que o cerca (como o faz a criança
subperíodo precedente), mas também com um mundo de pura possibilidade,
mundo das afirmações abstratas e proposicionais, o mundo do “como se •

Embora Piaget seja totalmente coerente em todos os artigos na descrição das m


C^rnJ>o,rta^ento cognitivo que ocorrem durante a ontogênese, ele não é tão coer* m,
pn . 1X3 e C0n^ante dos períodos e dos estágios nos quais estas mudanças o
eBtáffín<rnP °’ ° ^período do pensamento pré-operacional (2 a 7 anos) é diví > 0 zeSj
sofre ma PU J5icaç^° e em apenas dois em outra. Mesmo o nome dos estágios,
scr um reflex™ d ’ >CaÇÕes de uma publicação para outra. Esta ausência de form i c0íTio
abstrações aue ° u°nt° ÓC vista de Pia8et de que os estágios devem ser consi er cretaS e
imutáveis realm ana,isc do desenvolvimento e não como entida es ^sen­
tamos é típica ou ma CSCnlCS onto^ncse- De qualquer modo, a classificado trar.
ui que difere pouco de algumas versões que o leitor pode

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tipo de cognição, do qual Piaget encontra provas entre os adolescentes que estu­
da, caracteriza o pensamento adulto no sentido de que é através destas estruturas
que o adulto funciona quando está em sua melhor forma cognitiva, isto é, quan­
do pensa de modo lógico e abstrato.

O PERÍODO SENSÓRIO-MOTOR: DESENVOLVIMENTO GERAL

O material informativo sobre o desenvolvimento sensório-motor encontra-se


disperso em vários livros e artigos de Piaget. A fonte principal é uma série de trés
volumes, originalmente publicada em francês entre 1935 e 1945, mas baseada em
observações empíricas realizadas muitos anos antes. O primeiro volume da série
(1952c) é o principal repositório da teoria e das observações sobre as caracterís­
ticas fundamentais e gerais do desenvolvimento sensório-motor; o conteúdo do
presente capítulo foi quase todo retirado deste livro. O segundo volume (1954a) é
dedicado a aquisição intelectual das noções de espaço, tempo, causalidade e obje­
to. O terceito (1951a) descreve o desenvolvimento inicial da imitação e do brin­
quedo, bem como a evolução conceituai nos primeiros anos que sucedem o perío­
do sensório-motor. Estes dois livros constituem a principal fonte do Capítulo 4,
especialmente de sua primeira parte. Finalmente, há várias outras publicações que
datam dos anos 20 e que, de uma forma ou de outra, dizem respeito ao desenvol­
vimento sensório-motor (por ex., Piaget, 1925a, 1927a, 1937a, 1941, 1942b,
1950a; Piaget e Inhelder, 1956); via de regra, estas fontes acrescentam pouco ao
que encontramos nos trés livros básicos a que nos referimos. &
Os dados que fundamentam empiricamente a análise que Piaget faz do de­
senvolvimento sensório-motor consistem quase exclusivamente de observações sis­
temáticas, cuidadosas e minuciosas de seus trés filhos - Jacqueline, Lucienne e
Laurent — durante seus anos pré-escolares (realizados há cerca de trinta anos).
Muitas destas investigações encontram-se inseridas em suas publicações, cada uma
delas sistematicamente rotulada com um número de identificação, o nome da
criança e sua idade na época da observação (por ex., 03 (20) significa “trés me­
ses e vinte dias de idade”).
Como estas observações são a base experimental de sua teoria do desenvol­
vimento sensório-motor, é necessário dizer algumas palavras sobre elas. Em algu­
mas de suas observações, Piaget é apenas um observador que, embora muito pers­
picaz, limita-se a registrar, sem intervir, aquilo que a criança faz. Em muitas de­
las, entretanto, ele assume o papel de pai-experimentador, ou seja, coloca a crian­
ça diante de alguns problemas simples, modifica alguma condição ambiental rele­
vante para a atividade que a criança está realizando, e assim por diante. Comu-
mente, o experimento é feito com um objetivo definido: às vezes, apenas para
verificar o que acontece quando isto ou aquilo é introduzido; mais freqüentemen-
te, para fundamentar algum ponto interpretativo, confirmar algum dado anterior,
etc. Neste sentido, há ocasiões em que Piaget mantém sua interpretação em sus­
penso, para esclarecê-la através de observações realizadas posteriormente; em tais

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cmos há vantagens no método de observação longitudinal, embora se limite a
uma amostra de tres sujeitos.
Piaget discrimina seis estágios principais em toda a sequência de desenvolvi­
mento do período sensório-motor (1952c). No estágio 1 (0 a 1 més) a criança
é capaz do muito pouco, além dos reflexos com os quais nasceu. No estágio 2 (1 a 4
meses) as várias atividades reflexas começaram a passar por modificações isoladas
decorrentes da experiência c a se coordenarem mutuamente de várias maneiras
complexas. No estágio 3 (4 a 8 meses) a criança começa a realizar ações mais defini-
damente orientadas para os objetos e eventos externos além do próprio corpo. Em
suas tentativas de reproduzir repetidas vezes os efeitos ambientais conseguidos ini-
culmente através de ações casuais, o bebê demonstra uma espécie de prenúncio de
intencionalidade ou de direção para um alvo. No estágio 4 (8 a 12 meses) nota-se
daramente a presença da intencionalidade que se manifesta nas primeiras seqüên-
cias de ação meios-fim ou instrumentais. Enquanto neste estágio a criança se limi­
ta a empregar apenas padrões de comportamento familiares ou habituais como
meios para enfrentar situações novas, no estágio seguinte (estágio 5: 12 a 18 me­
ses) ela tenta encontrar novos meios e parece procurar, pela primeira vez, a novi­
dade com um fim em si. Finalmente, no estágio 6(18 meses em diante) a crian­
ça começa a fazer representações internas, simbólicas dos problemas sensório-mo-
tores, a inventar soluções através de comportamentos implícitos de ensaio-e-eno,
em lugar de emitir comportamentos explícitos deste mesmo tipo. Com 0 advento
destas primeiras representações elementares, a criança transpõe os limites entre 0
período sensório-motor e o pensamento pré-operacional.
Antes de retomar estes seis estágios em detalhes, é necessário apresentar
uma série de esclarecimentos e explicações. Alguns dos esclarecimentos já sao co
nneddos. Primeiro, cada estágio é definido de acordo com os comportamento
mais adiantados que abrange; indubitavelmente, a persistência de comportamen
evolutivamente anteriores é a regra e não a exceção. Em muitos casos,
te, a forma anterior se integra diretamente à sua sucessora, embora estas
antenores possam simplesmente persistir como são; por exemplo, a crianç
dois anos apresenta comportamentos primitivos de sucção quando rece e çs:
madeira, apesar de sua capacidade evidente para adaptações maiores e me

s dc comPorta
De modo geral, deve ser enfatizado o fato de que os padr t linear
mento que caracterizam os diferentes estágios não se sucedem de moS se-
<os que pertencem a um dado estágio desapareceríam quando n0 vertí"
gumtes) mas, como as camadas de uma pirâmide (apoiada na ^aS^creScenDd°s
<*)> de modo que os padrões de comportamento mais simples sao ^id^ P*
íos antigos completando-os, corrigindo-os ou combinando-se com
329),
1 . de obserV11',á0
1 m fn ie^un<^° ’u8ar. basta examinar rapidamente os protoo:0,0SÍfi^^
U .ern seu* **vro* »obre o período sensório-motor, para qoc melhor
hèn/t ° K ,nten,aJo’ de idade atribuídos aos cstiígios são, n sentar c«X
h.^te»e», média, muito gro,seiras; por exemplo, Lucionne pode ap^
portamentos equivalentes ao estágio 5 cerca de um més antes que seus irmãos ou
vice-versa. Assim sendo, torna-se claro que um estágio não pode ser nada além de
uma espécie de abstração retirada de uma continuidade cinemática. Estes esclare­
cimentos são leitos pelo próprio Piaget (ibid.) e convém enfatizá-los, mesmo sob o
risco de repetição excessiva, para que fique excluída a possibilidade de qualquer
mal-entendido.
O domínio do comportamento sensório-motor se presta especialmente a
uma explicação referente a problemas de exposição, dos quais o leitor precisa
estar ciente. Ao resumir a obra de Piaget é impossível evitar reorganizações, mu­
danças de ênfase e outros desvios do original; isto ocorre devido às idiossincrasias
de expressão e de ênfase que caracterizam Piaget, ao período no qual o trabalho
toi realizado ou escrito, ao público a que se dirige, etc. No caso específico do
desenvolvimento sensório-motor, há dois temas aos quais Piaget dedica muita
atenção mas que, neste sumário, serão menos valorizados. Um deles se refere às
suas longas discussões teóricas sobre as vicissitudes complexas das funções inva-
riantes de organização, a assimilação e a acomodação, quando se trata de explicai
o comportamento presente em cada estágio. O outro diz respeito às repetidas
comparações entre sua própria explicação teórica do desenvolvimento, expressa
em termos das invariantes funcionais, e as explicações alternativas que o associa-
cionismo, a teoria da Gestalt e outras posições teóricas ofereceríam para os mes­
mos fenômenos. Estes dois temas foram discutidos em linhas gerais no Capítulo 2.

Estágio 1: O Uso dos Reflexos (0—1 Mês)

Para qualquer pessoa que já tenha observado um recém-nascido, é evidente


que seu repertório de comportamentos é bastante limitado. Ele apresenta poucos
comportamentos além de atividades descoordenadas do tipo reflexo, sucção, mo­
vimentos da língua, deglutição, choro, atividade corporal indiferenciada, etc. Este
estágio caracteriza-se, sobretudo, pela ausência de um comportamento genuina­
mente inteligente, mesmo do tipo sensório-motor mais elementar e, por isso,
Piaget o discute em poucas palavras. No entanto, ele considera este período como
extremamente importante, pois ele é o cadinho do qual surgirá mais tarde a inte­
ligência sensório-motora. Esta afirmação é válida em dois sentidos.
Em primeiro lugar, como ficará claro na discussão do estágio seguinte, os
reflexos simples de que o recém-nascido é dotado passam por modificações defi­
nidas em conseqüência do contato com o ambiente; assim, eles imperceptivelmen-
te se transformam em adaptações adquiridas em vez de meros reflexos ou respos­
tas “em circuito” determinadas apenas por fatores endógenos. Portanto, os refle­
xos do recém-nascido são realmente os blocos de construção do edifício sensó-
rio-motor; a inteligência tem início neles e é função de sua adaptação ao meio.
Em segundo lugar, e particularmente importante na concepção teórica de
Piaget, o comportamento reflexo do primeiro més já contém as origens imprecisas

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das invariantes funcionais - a organização, a assimilação e a acomodação ue
sistirão como constantes funcionais durante todo o desenvolvimento. ***’

Quanto à acomodação, há duas maneiras pelas quais ela estaria presente


pelo menos numa forma embrionária. Em primeiro lugar, Piaget acredita que o
reflexo de sucção, por exemplo, “necessita” de objetos para apoiai seu funciona­
mento. Isto não significa que o reflexo passa por alterações imediatas e notáveis
em sua estrutura, ou seja, acomodações, como função da experiência com os vá­
rios objetos sugados. Em vez disso, os objetos tém a função simples, mas básica
de dar à atividade um apoio funcional que consolida e fortalece o reflexo. Entre­
tanto, Piaget encontra evidências que indicam a ocorrência de mudanças acomo-
dativas sutis e limitadas, embora genuínas, no reflexo, praticamente desde as pri­
meiras horas de vida. Por exemplo, Laurent exibe um progresso mínimo mas
bem definido na capacidade de distinguir e localizar o mamilo em relação às áreas
circunvizinhas da pele. Isto não significa que o padrão de sucção - a forma real
da resposta — se modificou, mas que as condições ambientais que o eliciavam ou
as atividades instrumentais que levavam a ele passaram por uma ligeira variação
(íbid., pp. 30-1).
É possível encontrar também os primórdios das atividades de assimilação
funcional (ou reprodutiva), generalizadora e de reconhecimento, descritas no Ca­
pítulo 2. Quanto à primeira, Piaget cita observações que sugerem que a atividade
de sugar parece se manter através de uma espécie de auto-excitação que tem as
características do feedback'. o próprio exercício do esquema de sucção parece m
duzir outras atividades de sucção e, assim, fortalece e consolida o esquema, a
também o comportamento que prefiguram a assimilação generalizadora e a assirn^
lação de reconhecimento: quanto à primeira, um número crescente de |a
sendo incluído no campo de aplicação do esquema e passa a ser a rang *
categoria sensório-motora de “algo para sugar” ; quanto à segunda, a crian^3ajgUnS
gradualmente a “reconhecer”, no sentido mais primitivo do termo, e
objetos são “sugáveis e nutritivos” (o seio, a mamadeira, etc.) e outroS^ais ^usco
não-nutritivos” (os dedos, o lençol, etc.) tomando-se, por exemp o,
e definido na rejeição aos objetos do segundo tipo, quando tem fome.
Além de apresentar os limites superiores da realização que cara feQex0 dc
meiro estágio, é preciso destacar também suas limitações. O es(^ue,ainente com0
sucção é quase totalmente vazio e autista; apenas funci°na ^esm0in0<*0’
uma totalidade rígida, “desconhecendo” os objetos que assim’ a- . jjação;a
suas acomodações formam um todo indiferenciado com esta n0 esQuCl^3
meira característica apontada acima não leva a mudanças acen^rjança, P0^3^
o que, por sua vez, reflete-se na assimilação subseqüente. A c eIT1
existe num estado de total e completo egocentrismo que não aproveitdvelS
aspectos essenciais, pelos contatos aperiódicos e muito 1 é jo
organismo com uma realidade externa vaga. Em resumo, o es ag prenUncia
preâmbulo do que um primeiro ato; é mais importante pe 0
que por aquilo que produz diretamente.

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Estágio 2: As Primeiras Adaptações Adquiridas e
a Reação Circular Primária (1—4 meses)

Pode-se dizer que este estágio tem início quando os reflexos do rece'm-nas-
cido começam a mudar, e alteram sua forma em função da experiência. É o pe­
ríodo no qual realmente começam a surgir os primeiros hábitos simples, as aquisi­
ções sensório-motoras mais elementares:

Através do uso do reflexo, como vimos, ocorre apenas a fixação do mecanis­


mo como tal e é neste sentido que a acomodação de um esquema hereditário,
embora pressuponha a experiência e o contato com o meio, forma uma única
entidade com a assimilação, ou seja, com o uso funcional deste esquema. Num
certo momento, de outro lado, a atividade da criança retém alguma coisa que
lhe é externa, isto é, é transformada numa função da experiência; neste sentido,
existe acomodação adquirida. Por exemplo, quando a criança suga sistematica­
mente o polegar, não mais por causa de contatos casuais, mas através da coor­
denação entre a mão e a boca, podemos chamar a isto de acomodação adquiri­
da. Nem os reflexos da boca nem os da mão podem ter esta coordenação deter­
minada hereditariamente (não há instinto de chupar o dedo!) e somente a expe­
riência pode explicar a sua formação (ibid., p. 48).

Estas aquisições iniciais, apesar de sua superioridade evolutiva em relação


aos reflexos inatos, são ainda acontecimentos primitivos; em particular, não têm
o caráter intencional e orientado para o ambiente das ações que surgem mais
tarde:

De modo geral, podemos dizer que os padrões de comportamento estuda­


dos... consistem em buscas que prolongam a atividade reflexa e que ainda são
destituídos de intenção, mas que levam a resultados novos dos quais a mera
descoberta é fortuita e cuja conservação deve-se a um mecanismo adpatado, a
partir de combinação da acomodação e da assimilação sensório-motora. Estes
padrões de comportamento são um prolongamento daqueles padrões que carac­
terizam o primeiro estágio, na medida em que as necessidades ligadas ao reflexo
(sugar, olhar, ouvir, chorar, pegar, etc.) ainda são suas únicas fontes de motiva­
ção, sem haver ainda necessidades ligadas a objetivos derivados e adiados (pegar,
para jogar, para balançar, etc.). Porém, ao contrário de uma busca puramente
reflexa, a busca peculiar a este estágio é realizada através de tateamentos casuais
Mue levam a novos resultados. Ao contrário do estágio subseqüente, estes resul­
tados não são intencionalmente procurados (jbid., pp. 137-38).

~ Dois aspectos daMO exposição


ca longa e detalhada que Piaget faz deste estágio
tual e particular interesse
—w* «nvivwe e importância. Em primeiro lugar, sua análise concei-
e (ja^Cra^ d° comportamento no estágio 2. Isto requer uma descrição da operação
Wcu/ntera^° C'aS ’nvar’antes funcionais e uma elaboração do conceito de reação
volv ar segundo aspecto abrange um conteúdo mais empírico sobre o desen-
sucçãoent°’.c'cnlro d°s limites do comportamento individual: especificamente, a
entre eh3 V,S3°’ a audiÇão, a vocalização, a preensão e as várias coordenações

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AS INVAKJANTES FUNCIONAIS E A REAÇÃO CIRCULAR PRIMÁRIA

Como indicam as duas citações acima, o comportamento neste estágio evi


dencia uma diferenciação sutil, mas definida entre a assimilação e a acomodação
No estágio reflexo dissemos que estas duas funções eram essencialmente indistim
tas. Um esquema reflexo é sempre ativado em bloco, como uma totalidade rígida.
Se puder assimilar um objeto ou acomodar-se a ele sem se alterar, ele o faz. Mas
se as propriedades do objeto levarem à necessidade de alguns ajustamentos aco-
modativos novos (que, uma vez ocorridos, naturalmente alterariam o esquema em
assimilações futuras), a adaptação torna-se impossível. No estágio em questão, de
outro lado, a seqüéncia de adaptação é levemente mais avançada (ibid.y pp.
138-39). Como antes, dá-se uma aplicação automática e “autista” de esquemas,
qualquer que seja a realidade enfrentada. Entretanto, se a estrutura da realidade
resiste à assimilação pelos caminhos usuais, a criança é capaz, pela primeira vez,
de modificar um pouco seus movimentos acomodativos. Esta modificação provo­
ca uma leve mudança na estrutura do esquema o que, por sua vez, faz com que
as futuras assimilações e acomodações sejam um pouco diferentes das iniciais.
Neste sentido, podemos dizer que ocorre um início de distinção entre a assimi­
lação e a acomodação; a criança acaba fazendo acomodações que não são, por
assim dizer, “intencionais”, quando o esquema assimilativo começa a funcionar,
acomodações que representam um leve afastamento do esquema inicial.
Esta separação entre a assimilação e a acomodação, tão pequena no estagio
2, toma-se muito mais pronunciada nos estágios subseqüentes. Nestes estágios
posteriores, as duas funções operam sucessivamente como atividades complenien
tares: a assimilação fornece a direção e a organização iniciais e a acomodaçao
modifica as assimilações futuras (mediando as mudanças nos esquemas), de acor^
do com as exigências estruturais da realidade a que o organismo se acomoda,
estágio 2, esta diferenciação e esta complementação são muito pouco percepti
e, como ocorreu no estágio 1, as possíveis adaptações sofrem sérias limitaçoe
criança ainda é extremamente egocêntrica, muito mais evoluída no ato de ap^
esquemas do que no de explorar e incorporar as realidades externas so
quais estes esquemas operam. O que é realmente novo neste estágio e
de uma novidade muito importante — é o fato dos esquemas começarem
por alterações definidas em função da experiência. Como o estágio 1, 0 ^gye
é talvez mais importante pelo que prenuncia do que pelo que realmente
atingir- ssênciadas
Piaget introduz o conceito de reação circular2 para apreender a ess• qS
aptações do estágio 2 e para relacioná-las às realizações que eara

2 ue Q empíe'
gou raTntó?Predt0U eSte conceito de j- M. Baldwin (Baldwin, 1925, 9Jentro
orientação teó**3 L" explicar a seleção e a retenção dos hábitos de e t ’ cjaimente jp
nificado h-' qUe$e darwiniana- Embora Piaget não tenha alterado su min

sxar ™ u,üsouo'
crtâpos posteriores Este termo se refere a uma série de repetições de uma res-
pcists sensõrio-motora (ou a uma destas repetições). A resposta inicial da série é
tcnprr nova para a criança, pois seus resultados específicos não foram antecipa-
dos nào foram “planejados" antes da emissão da resposta. O componente im­
portante desta reação do qual deriva o termo circular - está naquilo que acon-
taoc depois que a resposta, nova c inicial, foi emitida. Dada a existência da assi-
rrulaç*0 reprodutiva ou funcional, inerente à atividade inteligente, a criança tende
i repetir muito c muitas vezes esta adaptação nova e casual. Através destas repeti-
çVs i resposta rs va se consolida num esquema novo e firmemente estabelecido.
Assim, a sequência consiste, em primeiro lugar, em deparar-se casualmente com
um c.vpenência nova, em conseqüéncia de algum ato e, em segundo lugar, em
tentar recapturar esta experiência, realizando os movimentos originais repetidas
vezes, numa espécie de ciclo rítmico.3
A importância da reação circular está no fato de que ela é um mecanismo
sensóno-motor por excelência que permite adaptações novas e, obviamente, as
adaptações novas são o cerne do desenvolvimento intelectual em qualquer estágio.
Piaget descreve três tipos de reação circular: a primária, a secundária e a
icrciária. As diferenças entre elas referem-se tanto àquilo que a resposta inicial
atinge como à natureza de suas repetições. As reações circulares primárias são
escontradas no estágio 2 — na realidade, praticamente o definem (1952c, p. 49);
a reações circulares secundárias e terciárias aparecem nos estágios 3 e 5, respecti-
*-mente. Embora a diferença vá se tornar mais clara quando discutirmos o estágio
podemos antecipar que as reações circulares primárias diferem das secundárias,
fl ^dida em que estão mais centradas no corpo da criança do que dirigidas para
ora, para a manipulação de objetos circundantes. Esta distinção certamente não
’ imutável, sendo mais fácil intuí-la quando se compara exemplos concretos dos
tipos de reações circulares. Piaget apresenta numerosos exemplos de reação
-Lilar primária; talvez apenas um deles seja suficiente como ilustração:

Observação 53 A partir de 0;2 (3), Laurent apresenta uma reação circular


que ficará melhor definida e constituirá o início da ação sistemática de agarrar;
arranha e tenta agarrar, solta, arranha e agarra novamente, etc. Aos 0;2 (3) e
Ox2 (6), este fenômeno só pode ser observado durante a alimentação. Laurent
arranha suave mente o ombro desnudo da mãe. Mas a partir de 0,2 (7)» o com-
P°rt a mento é nítido no próprio berço. Laurent arranha o lençol que está dobra-
io sobre a manta, agarra-o e o segura por alguns momentos, larga-o, arranha-o
"ovamente c recomeça sem interrupção. Aos 0;2 (11), esta brincadeira dura um
quarto de hora de cada vez, e oçorre várias vezes durante o dia. Aos 0.2 (12),
graniu e segura meu punho quando o coloco de encontro às costas de sua mão
da Coni^gue até mesmo discriminar meu dedo médio e o agarra separada
n»rnte( segurando-o por alguns segundos. Aos 0,2 (14) e 0,2 (lò), noto quào
definidamente a preensão espontânea do lençol revela as ca t '
çâo circular cnsaio-c-erro inicial, a seguir atividade rítmica* re11?**’ rea‘
agarra, segura c larga) c, finalmente, uma perda progressiva d* • ♦ (arTanha,
pp. 91-2). e mteresse (ibid.,

DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS ESPECIFICAS DO COMPORTAMENTO

Piaget tenta acompanhar, através da observação, o desenvolvimento isolado


e mter-relacionado dos vários tipos de comportamento encontrados no estágio
2 — sucção, visão, etc. Embora estes dados tenham uma importância inegável para
o próprio Piaget, pelo apoio que dão à teoria geral, eles têm um valor intrínseco
como observações extremamente penetrantes do desenvolvimento inicial.
Hábitos de Sucção Adquiridos. Há três tipos de comportamento ligados à
sucção que podem ser detectados durante este período. Primeiro, dá-se o estabe­
lecimento das reações circulares de projetar a língua para fora e movimentá-la e
de sucção do polegar e dos dedos. Os movimentos de língua e de outras partes da
boca inicialmente são concomitantes ao reflexo de sucção, mas gradualmente pas­
sam por evoluções complexas que independem deste reflexo:

bservação 14 Durante a segunda metade do segundo mês, isto é, depois


aprendido a sugar o polegar, Laurent continua intermitentemente a brin­
car com a língua e a sugar. De outro lado, esta habilidade aumenta. Assim, com
> ), noto que ele faz caretas quando coloca a língua entre as gengivas e os
ios e quando arqueia os lábios assim como produz estalo quando fecha a bo­
ca rapidamente após estes exercícios (ibid., p. 50).

Piaget também acompanha o desenvolvimento gradual da capaci& $


var a mão à boca e sugá-la. Esta é a primeira de numerosas coor a suga
esquemas encontrados no período sensório-motor. A principio, a ajuito a
momentaneamente a mão (se ela acidentalmente tocar a boca ou
de mantê-la na
colocar) e a perde em seguida. Mais tarde, a criança torna-se capaz <-
da mão e do
boca durante períodos cada vez mais longos, fazendo moviment^^ a mão à b°*
braço que parecem tentativas genuínas, embora fracassadas, de eva , a c00r-
ca através de esforço deliberado. Finalmente, no terceiro ou Quar^^ je modo
denação mão-boca geralmente está bem estabelecida: a mao se ^a para tece'
mais ou menos certeiro na direção da boca que já se encontra
bé-Ja. estágio abraHSf
Uma segunda categoria de desenvolvimento observada ^^g^ora seja dtf1'
associações entre a sucção e várias pistas posturais e de posição. 57), é evi
cil fixar claramente as origens do comportamento neste caso (/ ^^ipatôri05 e
dente que o bebê começa gradualmente a exibir movimentos
sucção quando colocado na posição em que é comumente amame
J os ded°s
Antes da alimentação, a criança só mostra disposição que e
berço quando não está chorando ou com muito sono, nias

94
na posição dc rcccbcr alimentos (nos braços da mãe, ou na cama, etc.), as mãos
deixam dc ter interesse, c tirada da boca c torna-se evidente que a criança não
procura mais nada além do seio, isto c, o contato com o alimento... Durante o
segundo mes, a coordenação entre a posição e a busca do seio já passou por um
progresso considerável. No final do mês, Laurent só tenta mamar quando está
no colo da mãe c não mais quando está na mesa onde é trocado (ibid., p. 58).

Finalmente, surge um comportamento diferente daquele que acabamos de


descrever e que aparece mais tarde: a criança apresenta reações antecipatórias de
sucção, na presença de certas pistas visuais:

Observação 27 — Jacqueline, aos 0;4 (27) e nos dias subseqüentes, abre a


boca assim que vê a mamadeira. Começou a receber alimentação mista aos 0;4
(12). Aos 0;7 (13) noto que eh abre a boca de maneiras diferentes, quando lhe
é oferecida uma mamadeira ou uma colher. Lucienne aos 03 (12) pára de cho­
rar quando vê a mãe desabotoando o vestido para alimentá-la.
Laurent também entre 0;3 (15) e 0;4 reage a sinais visuais. Quando, logo
após ser trocado antes da mamada, é colocado em meus braços na posição de
mamar, olha para mim e procura algo em volta, olha para mim novamente,
etc. - mas não tenta mamar. Quando o coloco no colo da mãe sem que ele
encoste nos seios, ele a olha e imediatamente abre a boca, chora, se debate, em
resumo, reage de uma maneira totalmente significativa. Portanto, o sinal passa a
ser a visão, e não mais a posição apenas (ibid., p.60).

Visão. Há trés subestágios gerais no desenvolvimento dos esquemas visuais.


Em primeiro lugar, há uma resposta passiva, reflexa à estimulação visual; no en-
tanto, quando a fonte do estímulo se move, a criança faz pouco ou nenhum es­
forço no sentido de segui-la. Na etapa seguinte, a reação circular de “olhar” surge
únperceptivelmente a partir do reflexo de “ver”. Isto é, a criança tenta cada vez
mais fazer acomodações para olhar objetos imóveis e para acompanhá-los quando
se movem. Em seguida, superpondo-se à reação circular acima descrita e que ca­
racteriza o estágio 2, mas indo além deste estágio, ocorrem várias coordenações
complexas entre o olhar ativo e outros esquemas — ouvir, tocar, agarrar, etc. Es-
^as intercoordenações serão discutidas mais tarde (aquela que se dá entre a visão
e a sucÇão já foi mencionada).
Quanto à reação circular de olhar, Piaget acha que seu desenvolvimento é
particularmente adequado para ilustrar os trés tipos de assimilação. Primeiro, a
ais,rnílação funcional ou reprodutiva: a criança olha sem parar, mais e mais a ca-
dia que passa, e os objetos que vé são os alimentos que nutrem e sustentam o
Cxjuema. É também evidente que a assimilação visual se generaliza rapidamen-
um número cada vez maior de objetos cai nos domínios do esquema de
^,ar* No início, como dissemos, o olhar é passivo e sem direção. Depois, entre-
rdo, a criança tenta sistematicamente olhar c seguir um objeto, depois outro e
uíro Os objetos novos além dc fixados são preferidos aos objetos família-
es aos quais a criança já se adaptou. Finalmente, encontramos a assimilação de
cconhecimcnto. Quanto a isto, Piaget apresenta uma hipótese interessante de que
° sorriso da criança, que com o tempo se transforma numa resposta predominan-

95
temente social, é a princípio uma simples reação (de prazer) a ob e
e seria o equivalente sensório-motor do reconhecimento de °S
71-2). Um °bÍet0 ('*#.,
Tal como no estágio reflexo, a criança ainda não percebe os obi
objetos, quando realiza as reações circulares primárias visuais. Como C°m°
a construção de um mundo cognitivo de objetos estáveis e externos”1 ISSemos’
coisas sejam assimiladas não a um único esquema, mas a uma rede^?^ “
intercoordenados: esquema$

Para que uma imagem sensorial se constitua num objeto externo não é sufi
ciente que ela seja reconhecida quando aparece. Qualquer estado subjetivo pode
ser reconhecido, embora nao se encontre ligado à ação de objetos que indLn-
em do ego. O recem-nascido que mama reconhece o mamilo através da combi­
nação dos reflexos de sugar e de deglutir, sem transformar o mamilo num obje­
to. Do mesmo modo, uma criança de um mês é capaz de reconhecer algumas
imagens visuais, sem entretanto realmente exteriorizá-las. Qual é a condição ne­
cessária a solidificação destas imagens? Parece-nos essencial que os esquemas
visuais se coordenem com outros esquemas de assimilação como os de preensão,
au içao ou sucção. Em outras palavras, devem estar organizados num universo.
sya inclusão numa totalidade que lhes confere um início de objetividade
(ibid.y pp. 74-5).

ocalizaçao e Audição. Nos primeiros meses, as vocalizações também pas-


., por uma transformação gradual, desde o reflexo até a reação circular adqui-
aget descreve a ocorrência desta transformação em sua filha Jacqueline:

Observação 40 Jacqueline, até a metade do segundo mês só havia utili-


o 3 voz seus resmungos diários ou para reações de choro mais violentas
que expressavam desejo e raiva quando a fome se tornava persistente. Por volta
e > (14) o choro parece ter deixado de indicar apenas fome ou desconforto
especialmente cólicas intestinais), para tornar-se um pouco mais diferen
o. Por exemplo, o choro cessa quando a criança é retirada do berço e retor
tad ,°r*e quando colocada sentada por alguns segundos antes de ser alimen"
o e se observar também choros que denotam raiva quando a alimentação
Parece evidente, a partir destes dois exemplos, que o choro esta
Dr - Pa rÕeS de comPortamento de expectativa e de desapontamento qu
Lnt! rr adquirida. A diferenciação de estados mentais conco^
pela cria°na^t° e *OgO acomPanhada por uma diferenciação nos sons einl
c suave - Vezes’ 0 choro é imperioso e exasperado, às vezes, melanco
relacionad Cnta° que pode 561 claramente observada a primeira reação cir
ou suXT? fOn.aÇáO- ÀS P- exemplo, os gemidos que P^
“ntes: 0;l qV rw 530 mantidos simplesmente porque parecem
que distrai > * UtFaS vezes» 0 choro exasperado termina num gr1
(2) (ibid,, p 7C^nça 013 dor e é seguido por uma espécie de gorjeio s

mento de unia difí^'^^0’ °S prime*ros meses de vida testemunham 0 a


criança, no máximo™?»/^0 gradual das cações a sons externos. A Prl1* je
,m°’ ntcrr°mpe sua própria atividade e parece atenta diante

96
determinados sons. Mais tarde, demonstra, de maneira mais ou menos consistente
prazer diante de certos sons e desprazer diante de outros (assimilação de reco^ :
amento) e. em geral revela um interesse genuíno por uma vaidade cada Vez
maior de ruídos (assnnilaçao generalizadora).
É nesse estágio que se dá o esperado início de coordenação entre a visão e
a audiçlo e entre a audição e a vocalização. Segundo Piaget, estas coordenações
não são simples associações, mas assimilações recíprocas entre os esquemas (ver
Capítulo 2). Tomemos como exemplo o caso da visão e da audição. Poder-se-ia
concluir que quando a criança vira a cabeça em resposta a um som, ela está ten­
tando ver o objeto que produziu o som. Entretanto, Piaget duvida que este seja o
caso durante os primeiros meses e sugere, em lugar desta interpretação, que a
ativação de um esquema (audição) simplesmente excita os outros (no caso, a vi­
são). Segundo Piaget, embora pareça que a criança está tentando ver o que ouve
ela está, na realidade, apenas tentanto olhar enquanto ouve (ibid., p. 86). E, reci­
procamente, ele acredita que a ativação do esquema de olhar sensibiliza a criança
para ouvir. O que ocorre, portanto, não é uma simples associação entre a visão e
o som, mas uma assimilação recíproca entre os esquemas. Isto é, a criança tenta
assimilar atividades auditivas ao esquema de olhar e imagens visuais ao esquema
de ouvir; segundo as palavras de Piaget, a criança tenta ouvir o objeto que vé e
ver o som que o objeto produz (ibid., p. 87).
0 mesmo se dá em relação à vocalização e à audição, talvez de maneira
ainda mais clara. Sem dúvida a criança assimila os sons que ela própria produz ao
esquema de ouvir; estes sons estimulam a atividade de ouvir e são, em parte, con­
trolados por ela. O inverso também é verdadeiro. Os bebes revelam uma espécie
de imitação primitiva ou de fenômeno de contágio no qual sons externos tendem
a estanular a vocalização, especialmente quando o som e a vocalização são seme­
lhantes. Deste modo, como no caso da visão e da audição, a criança assimila os
SOns que ouve aos esquemas de vocalização, ao mesmo tempo que assimila a vo-
calização à audição.
Preensão. A área de evolução mais complexa durante o estágio 2 é, sem
'dda, a do comportamento de agarrar ou da preensão. O conceito de assimi-
recíproca que acabamos de descrever assume uma importância particular
contexto; Piaget o utiliza para organizar e esclarecer conceitualmente esta
*ea difícil e intrincada. O desenvolvimento da preensão contém cinco subes-
Os primeiros abrangem a atividade manual per se\ os últimos referem-se às
Jfdenações entre esta atividade e os esquemas de sugar e de olhar.
Embora tenhamos a intenção de adiar qualquer avaliação positiva ou nega-
n a da produção piagetiana para os últimos capítulos, é difícil deixar de fazer,
ponto, alguns comentários sobre sua descrição do desenvolvimento da
^r^/)sío. a leitura cuidadosa deste material dá a impressão de que nele Piaget
As ° r^^mo de sua capacidade num campo em que trabalha com perfeição.
rnc .. * ^rvaÇôes empíricas são especialmente penetrantes e criativas — criativas na
sad da Crn qUe Procuro“ c encontrou fenômenos sutis que a maioria dos pesqui-
nao teria procurado c, conseqüentcrnente, não teria encontrado. Seu qu

97
1 referências tóorico é parcialmente responsável pelo fato dele saber o que
procurar e ccomo encontrar; q no
conc eitodadepreensão
caso ele parece
assimilação, mais útil
que parece tãoe adequado
impreciso
do que cm ,.bstrato torna-se surpreendentemente útil na ordenação
qUa"Ó° Z-** que de^oulta «d. - U!t. Jie.
e no esclarec Dito isto> paSsemos aos detalhes.
de observações 1 eSL . é d atividade reflexa impulsiva e pertence, portan-
° T i Xeafic^nte, o recém-nascido exrbe um reflexo de fechara

í Pia8el “ 0 se8“inle sob,e ““ “P““


iniciais e automáticas.

fa.tO’qUand° a Criança fecha a em torno de um objeto que toca sua


qu^o ponho meu dedo „ ,uo mão. . .ecomeç.aos 0;0dépol
palma, ela demonstra um certo interesse. Laurent, (12) Dáradechnr
õ X.7

preensão e portanto, comparável a visão e à audição durante as duas primeiras


semanas e totabnente diferente dos reflexos de espirrar, bocejar, etc., que não
atraem a atenção do sujeito. A situação permanece assim por um longo período
e a preensão nao e sistematicamente utilizada, desde o início, como ocorre com
a sucção. Mas podemos nos perguntar se os movimentos impulsivos dos braços,
das mãos e dos dedos, que são praticamente contínuos durante as primeiras se­
manas (agita os braços, abrir e fechar lentamente as mãos, movimentar os de­
dos, etc.) não seriam uma espécie de uso funcional destes reflexos (ibid., pp.
89-90).

O segundo subestágio é o das reações circulares primárias que incluem ape­


nas a preensão (ao contrário de suas intercoordenações com outros esquemas).
Neste subestágio também estão presentes as coordenações mão-boca, descritas an-
teriormente (chupar o dedo, etc.) e uma assimilação unilateral e não recíproca
dos movimentos da mão e dos dedos à visão como, por exemplo, olhar com inte­
resse as ações da própria mão.
As reações circulares primárias seguem a regra usual de elaboração graudal e
progressiva do reflexo. A criança começa com um reflexo de preensão indiferencia
do e automático que pouco a pouco torna-se mais sistemático e, através da re i
zaçao freqüente, torna-se mais generalizado e mais diferenciado em função da ex
periéncia com os objetos agarrados — em resumo, torna-se uma verdadeira reação
circular (ver a Observação 53, pp. 93-4). As várias ações de tocar e de segurar
partes do próprio corpo, especialmente a face, freqüentemente observadas
primeiros meses, também são classificadas como casos especiais de reações circ
fes primárias.
Embora os movimentos das mãos passem definidamente para o control
esquema de sucção durante este subestágio — a criança leva a mão à boca
c upa a, a mantém na boca enquanto a suga e assim por diante — o mesm
C°m ° con^ro'e dos esquemas visuais sobre os movimentos da ma
vi a, a criança acompanha com interesse os movimentos da própria mao'
senti o, pode-se dizer com certeza que os esquemas manuais estão as
aos esquemas visuais. Mas a assimilação correspondente das imagens v> a
esquemas manuais c de preensão ainda não foi alcançada; neste sube

98
cnançâ não tenta pegar o que ve (isto é, manipular as imagens visuais); na realida-
de ainda não consegue sequer manter as mãos no campo visual para continuar
exanunando-as. Assim, a relação olho-mão é mais atrasada quando comparada
com a relação boca-mão. Embora não exista nenhuma explicação lógica para esta
décalagc (ibid.. p. 99), ela continua a existir no terceiro subestágio.
Durante o terceiro subestágio, tém lugar duas novas conquistas importan­
tes. Primeiro, dá-se a assimilação recíproca dos esquemas de preensão e de suc­
ção. A criança não só leva à boca aquilo que pega, como também segura qualquer
coisa que seja colocada em sua boca. Obviamente, esta coordenação entre esque­
mas leva a criança a um degrau intelectual mais próximo do mundo de objetos
(ibid.. p. 101). Sob os auspícios das reações circulares primárias de pegar, a crian­
ça adquire a capacidade de reconhecer vários objetos de um ponto de vista tá-
til-motor. No entanto, este reconhecimento é apenas o germe de um conceito dos
objetos como objetos — como coisas externas que são diferentes das próprias
ações. Porém o progresso mais importante no sentido da objetividade é consegui­
do quando a criança se toma capaz de inserir os objetos em dois esquemas ao
mesmo tempo - neste subestágio, os de preensão e sucção (ibid.. p. 101).
Em segundo lugar, verifica-se um progresso nas coordenações entre a preen­
são e a visão sem todavia haver uma assimilação recíproca definida entre ambas.
A criança ainda não segura os objetos quando os vé, mas é capaz de duas realiza­
ções que indicam um avanço em relação ao subestágio anterior. Em primeiro lu-
8a1» o simples olhar para a mão, muitas vezes, parece levar a um aumento da
atividade desta; trata-se de um tipo de controle visual primitivo do comportamen-
to manual. Em segundo lugar, a criança desenvolve a capacidade de manter a mão
a vista, assim que ela entra (casualmente) no campo visual. Apresentamos a seguir
Urn exemplo deste fenômeno.

Observação 70 - Jacqueline, aos 0.4 (D. °'ha olha para


reita que ela parece manter no campo visual. Ao , esauecen-
os objetos que está levando à boca e os mantem lan e » adUçâo
do-se de sugá-los. Mas ainda não existe preensão dirigida pe a vi cas^p
coordenada de objetos no campo visual É apenas quan o a m
mente diante dos olhos que ela é imobilizada pelo olhar i

neste estágio * d*0 Contro‘e v*sua^ da atividade das mãos, embora rudimentar
deira preensão lmPortante na medida em que leva muito em breve a uma verda-
Ça aPrenda * Onentada pela visão. Para que isto ocorra, é necessário que a crian-
dade motora transformar as imagens visuais através de sua própria ativi-
ria-se reaJmcj ma vez adquirida esta noção, a assimilação entre os esquemas tor-
recíproca e não mais um direcional:

A criança descobre que ao mover a mao ^mila(mais


- a.t uma certa maneira deva-o
ao olhar
gar, etc.) ela conserva esta imagem interessan e* , * imagem visual cor-
movimento das mãos, assimila também a ativi a c ao mesmo tempo cm
respondente. Move com as mãos a imagem que con c apenas os objetos
que olha os movimentos que produz. Embora a e

99
J
tátcis tenham servido como alimentos para os esquemas manuais as
convertem cm material para os exercícios manuais. Neste sentido ™agen”e i
visuais podem ser consideradas “assimiladas" à atividade sensóridmStUnagens
braços c das nwos (ibid., pp. 107-08). ,Ora d<»
í
No quarto subestágio, a relação entre a visão e a preensão progride ainda
mais, porém novamente com evidentes limitações. A criança é capaz, pela primei
ra vez, de pegar deliberadamente um objeto que vê. Mas isto pode ocorrer somen­
te quando o objeto e a mão que o pega são percebidos no mesmo campo visual

Observação 79 - Lucienne, aos 0;4 (15), olha interessadamente para um


chocalho, mas não estende a mão. Coloco o chocalho perto de sua mão direita.
Assim que Lucienne vê o chocalho e a mão juntos, ela aproxima a mão do
chocalho e finalmente o segura. No momento seguinte, está envolvida no ato de
olhar para a mão. Então, ponho o chocalho ao lado; Lucienne olha para ele,
depois olha para a mão, depois novamente para o chocalho, após o que move
lentamente a mão na direção do chocalho. Assim que o toca, tenta segurá-lo e
finalmente o consegue. Depois disso, afasto o chocalho. Lucienne olha para a
mão. Ponho o chocalho ao lado. Olha alternadamente para a mão e para o cho­
calho, e, então, move a mão. Esta casualmente deixa o campo visual Lucienne
pega então a colcha e a leva em direção à boca. A seguir, a mão se move com­
pletamente a esmo. Assim que a mão reaparece no campo visual, Lucienne
olha-a fixamente e imediatamente olha para o chocalho que permaneceu imóvel
A seguir, olha alternadamente para a mão e para o chocalho, após o que apro­
xima a mão do chocalho e o segura (ibid., p. 111).

Por que é necessário que a criança veja a mão e o o J romoreensão do


para que ocorra a preensão visualmente orientada7 É aqui qu
subestágio precedente se torna extremamente útil. toresda

Realmente, assim que os esquemas visuais e os es^™as olhos se dingeI"


mão são mutuamente assimilados durante o terceiro e ue os olhos veem ’
para a mão, assim como a mão reproduz os moví e a0 próprio at0
este tipo de coordenação é aplicado mais ce o ou tenta manter to
pegar. Ao olhar para a mão que pega um objeto, a oihos contÍnlLnte
mão o espetáculo que os olhos contemplam, assim e ma duplo, é cvl a
fixar os movimentos da mão. Uma vez formado es e eamente ollia t0
que a criança tenta pegar um objeto enquanto s este comport
mão, numa época em que ainda não é capaz e
quando não vê a mão (ibid., p. 115).

No quinto e último subestágio, a assimilação recíproca da pteensãe° ten^


6
visão é completa e absoluta. A criança tenta ver tudo aqui ^eS dur^
pegar tudo aquilo que vê - o que resulta em muito trabalhop $ ^simil^®65 ?
os vários meses subsequentes. É interessante notar que as
cem surgir praticamente ao mesmo tempo: , . d0 qu^10
• o imcl° qüC
Observação 84 - Aos 0;6 (3) - ou seja, três dia^^taS, relÓ8»°s
estágio - Jacqueline, a princípio pega lápis, dedos, 0|j10s» QüCt
eu lhe apresento a uma distância de cerca de 1 crn
estejam ou não visíveis.

100
tos O^nação sua mctno
que coloco85cm No mao que Jacqucline
dia.está fora do leva paravisual
campo do, olho,
diante(lápis, Eia­
etc.) obje
rcaçao <5 nova c nao apareceu no, dias anteriores (ibid., p. H6).

É quase desnecessário dizer que a coordenação entre a preensão e a visão


mais do que aquela entre a preensão e a sucção, é um passo crucial na direção da
efetivação sensóno-motora do universo (ibid., p. 121). Ao contrário do compor­
tamento de sucção, destinado a um papel relativamente menor como instrumento
cognitivo (quer adotemos ou não a teoria psicanalítica), a visão terá cada vez
mais importância, como veículo na formação de ligações com a realidade Portan
to. a coordenação entre a visão e a preensão é crítica e libertará, como nenhuma
outra, a enança do egocentrismo sufocante do início da vida.

Estágio 3: A Reação Circular Secundária e os Procedimentos para


Prolongar Espetáculos Interessantes (4 — 8 Meses)

As realizações deste estágio podem ser convenientemente classificadas de


acordo com a relação que mantém com a assimilação reprodutiva de reconhecí
mento e generalizadora. Em primeiro lugar, a reação circular secundária será con
siderada como uma forma nova e superior da assimilação reprodutiva ou funcio
nal, uma vez que se refere à consolidação, através da repetição de certos hábitos
motores que provocam no ambiente circundante efeitos que são interessantes pa­
ra a criança. Em segundo lugar, a assimilação de reconhecimento adquire, tam­
bém, uma forma nova e extremamente interessante: a criança manifesta um re­
conhecimento motor” de objetos familiares, realizando versões abreviadas e redu­
ndas dos esquemas de ação que costumam ser aplicados a estes objetos. Em ter­
ceiro lugar, a generalização de reações circulares secundárias dá origem a uma
dasse peculiar de comportamentos, que Piaget chama simplesmente de “procedi-
rnentos para prolongar espetáculos interessantes”. Tendo experimentado e solidifi-
^do através da repetição a reação circular secundária de, digamos, balançar um
chocalho para ouvir o ruído, a criança pode fazer movimentos semelhantes na
tentativa de manter qualquer som interessante que tenha ouvido. Finalmente, as
reahzações deste estágio, consideradas em conjunto, constituem os primt ros pas-
definidos em direção à intencionalidade ou orientação para um objetivo que,
ddeste estágio, tornar-se-á uma propriedade cada vez mais característica
adaptações sensório-motoras.

s,MILAÇAo REPRODUTIVA: A REAÇÃO CIRCULAR SECUNDÁRIA

estágio 2 * } adyento das coordenações entre a visão e u preensão, no final do


Piaget (jeno cr,anía começa a manifestar um novo padrão de comportamento que
círcuF mJna rea^° c^rcu^ secundária. Estes padrões assemelham-se às rea-
pnrnárias na medida que, sob a égide da assimilação reprodutiva,

101
consistem na repetição de adaptações casuais, isto é, adaptações claramente ’
antecipadas pela criança. Porém, existe uma diferença fundamental. Dito da ma
neira a mais simples possível, no estágio 2 a criança dedica-se principalmente às
atividades de seu próprio corpo suga pelo prazer de sugar, pega pelo prazer de
pegar, etc. , intcressando-se rclativamente pouco pelos efeitos destas atividades
sobre o ambiente. Por sua vez, a criança do terceiro estágio está muito mais inte­
ressada pelas consequências ambientais de suas ações; a reação circular secundária
consiste exatamente em tentativas de manter, através da repetição, uma mudança
ambiental interessante que sua própria ação produziu acidentalmente. Assim, no
estágio 2, a criança simplesmente pega, toca, olha, ouve, etc.; no estágio 3, ela
balança, joga, esfrega e bate os objetos com grande interesse pelas imagens e sons
que estas açòes produzem nos objetos. Obviamente, às vezes é difícil distinguir entre
as reações primárias e secundárias, especialmente no início do estágio 3, como ocor­
re com todas as diferenciações evolutivas, ela se torna mais clara quanto maior
for a diferença de idade entre as crianças tomadas como modelos. De modo geral,
pode-se dizer que a reação circular primária é mais autocêntrica, mais centrada
em seu próprio funcionamento, enquanto que a reação circular secundária é mais
alocéntrica, mais orientada para fora, além dos limites do eu.
Não é difícil perceber como o desenvolvimento da atividade manual visual­
mente orientada, realização máxima do estágio 2, permite a transição gradual das
reações primárias para as reações secundárias. Esta atividade mais do que todas as
outras, possibilita alterações genuínas no ambiente, que são essenciais à reação
circular secundária. Durante suas reações manuais primárias cotidianas de pegar,
bater, puxar, etc., a criança inevitavelmente nota que o chocalho que pega, pro­
duz um som especial, que o boneco que ela golpeia, balança, etc. A assimilaçao
reprodutiva garante que a criança tentará conservar a nova aquisição, repetindo os
atos de pegar e de golpear muitas e muitas vezes. Os esquemas primários foram
construídos exatamente desta maneira. Portanto, é assim que as reações circulares
secundárias nascem de um contexto de reações primárias e é assim que tem inicio
a primeira exploração real do mundo exterior.
Piaget oferece inúmeros exemplos de reações circulares secundárias que
servou em seus próprios filhos. Há vários tipos diferentes de reações secundárias,
a maioria das quais abrange atividade manual (puxar, bater, balançar, esfrega ,
etc.), e algumas que incluem movimentos gerais do corpo, especialmente esperne
e agitá-lo violentamente. A seguinte observação ilustra a evolução gradual de
reação secundária manual:

Observação 104 - Um exemplo final digno de nota é o padrao Q vime


mento que consiste cm esfregar objetos contra superfícies duras, tarde, a
do cesto. Lucienne a partir de 0;5 (12), e Jacqueline um Pou^° supep
partir de 0;7 (20), usavam os brinquedos que seguravam para e' reg cjfCUns-
fícies do cesto. Laurent descobriu este comportamento aos 0,
tá netas que convem analisar. . veZ; olM*
Aos 0*3 (29), Laurent segura uma espátula que vê p«la Pr*mtlpurante
por alguns momentos e então a agita, segurando-a com a rnao t

102
esses movimentos, o objeto c casuahncnte friccionado contra o vime do cesto:
Laurent então agita vigorosamente os braços, evidentemente tentando repro­
duzir o som que ouviu, sem perceber a necessidade do contato entre a espátula
e o vime c, consequentemente, só o consegue por acaso.
Aos 0;4 (3), as reações são as mesmas, mas Laurent olha para o objeto
quando este é casualmente friccionado contra o vime do cesto. O mesmo ainda
ocorre aos 0:4 (5), embora haja um leve progresso no sentido de sistematização.
Finalmente, aos 0;4 (6), o movimento torna-se intencional: assim que a
criança tem o objeto na mão, fricciona-o regularmente contra o vime. Posterior­
mente, faz o mesmo com bonecas, chocalhos (ver Observação 102), etc. (ibid.,
pp. 168-69).

Como exemplo de um esquema não manual:

Observação 95 - Lucienne, aos 0;4 (27), está em seu cesto de vime. Suspen­
do uma boneca acima de seus pés, o que imediatamente mobiliza o esquema de
espernear (veja as observações precedentes). Seus pés alcançam a boneca em
cheio e lhe imprimem um movimento violento que Lucienne observa encantada.
Em seguida, ela olha para seu pé que está imóvel e recomeça em seguida. Não
há controle visual do pé, pois os movimentos são os mesmos quando Lucienne
apenas olha para a boneca ou quando a coloco sobre a sua cabeça. Por outro
lado, o controle tátil do pé é visível: depois dos primeiros chutes, Lucienne faz
movimentos lentos com o pé, como se quisesse pegar e explorar. Por exemplo,
quando ela tenta chutar a boneca e não acerta o alvo, ela reinicia lentamente
até conseguir (sem ver os pés). Do mesmo modo, cubro seu rosto ou a distraio
por alguns momentos; mesmo assim, ela continua a golpear a boneca e a con­
trolar seus movimentos (ibid., p. 159).

Antes de nos voltarmos para fenômenos derivados que estão associados à


assimilação de reconhecimento e à assimilação generalizadora, é necessário fazer
as outras observações sobre a reação secundária. Antes de mais nada, o interes-
recente pelos acontecimentos externos dá origem aos primeiros equivalentes
d”0"m°tores das c^asses e das relações. Quanto às classes, o chocalho é consi-
mo i° C?m° Um exempl° de coisas “para-agitar-e-ouvir-o-barulho”, a boneca co­
tes £° Para“emPurrai'e’ver-o-movimento”, etc. Do mesmo modo, estão presen-
entr°S Precursores va80S das relações, inclusive das relações quase quantitativas,
a intensidade do ato da criança e a intensidade do seu resultado:

Observação 106 - Na tarde dos 0;3 (13), Laurent, por acaso, golpeia a cor­
rente enquanto chupa os dedos (Obs. 98): segura-a e lentamente a desloca en-
Quanto observa os chocalhos. Começa então a balançá-la levemente, o que pro-
duz um movimento leve dos chocalhos pendentes e um som ainda mais leve
( entro deles. Laurent, então, aumenta clara e gradualmente seus movimentos:
aK'ta a corrente cada vez com mais força e ri ruidosamente diante do resultado
1 - Ao observar a expressão da criança é impossível não achar que esta
gradação é intencional.
Aos 0,4 (21), quando golpeia com a mão os brinquedos pendurados na co-
Ção d° CeSt° 103), ele gradua visivelmente seus movimentos em fun-
° resultado: a princípio, golpeia levemente e depois continua cada vez
m rnaís f°rça, etc. (ibid., p. 185).

103
U „.1undSo secundárias de nota
ponto dignopara « refere intelectual,
a atividade à impottãncia
naoexUaotdiato
só neste estágio,
reações circulare . *Viagct afirma que os adultos, quando se defrontam com
mas durante tocatém nenhuma informação, recorrem a reações cir-
um aparelho sobre q puxam aquilo> repetindo apenas aqueies atos
cularcs secundárias. 1 são interessantes por algum motivo. Entretanto,
cujas consequências i p * a e 0 aduito neste sentido. Primeiro, para a
há duas diferenças ensecundárias constituem o máximo de suas capaci-
criança do n’ào XO,K com a maioria dos adultos! Segundo, as r»
^do^to são mais | '
pura e deliberadamente exploratórias e experimentais,
Desde o início, ele tenta sistematicamente fazer novas adaptações; isto não acon-
tece com a criança neste estágio, como veremos quando discutirmos o problema
da intencionalidade.

ASSIMILAÇÃO DE RECONHECIMENTO. RECONHECIMENTO MOTOR

Entre as observações mais fascinantes realizadas por Piaget no estágio 3


estão aquelas relativas ao reconhecimento motor:

milação reprodutiva: atravÁc n cons duem essencialmente fenômenos de assi-


fortuito. Antes de verificar rePetl^ao’ da’se a redescoberta de um resultado
generalizadora, dando or ■ C°m° f.Ste comPortamento é estendido à assimilação
interessantes”, vamos t’roced*mentos P^a prolongar os espetáculos
de assimilação de rec 3 EaT Uma vez ma*s um gruP° de fatos, na capacidade
mas que são deriv d^” eCUnen^°’ 3ue nao constituem mais reações circulares,
ocorre é que a cr 3 °S C rea^°es circulares secundárias. Na realidade, o que
bilizam suas rea -3n^3’. *aníe de objetos ou de imagens que habitualmente mo-
costumeiros em Clrcu*ares secundárias, limita-se a esboçar os movimentos
satisfizesse èm / L realmente realizá-los. Tudo ocorre como se a criança se
mento, mas íeC?n ecer estes objetos ou imagens e registrar este reconhecí-
reconhecimpn»«e S0,P°der*a reconhecê-los ativando o esquema que ajuda no
secundária nu C 1130 aPenas Pensando nele. Este esquema é a reação circ
e corresponde ao objeto em questão (ibid., pp. 185-86).

Transcrevemos a gUlr
• Uma amostra destas observações:
presos a um lustrp^UC*enneT>e[ce*)e a certa distância dois papagaios de
e,a agita definida e ™ VeZeS' estiveiem em seu cest° d^*
Este só pOtje Ptdamente as pernas sem tentar agir sobre eles
(19), basta oue L Uni. 03X0 reconhecimento motor. Assim tambcni.
to de agitá-las com VCJa.SUas bonecas à distância para que esboce uni

bilizam reac<V« (27)’ dctcrminadas situações muito famAi»”* nJÇ


Quando vê um-i ?rcU,arex «cundárias, mas apenas esboços de , jN*
c fechar as màr °neca quc já balançou muitas vezes, Lucienm-
fazer um m “ 3gitar as P^s, durante um curto perto^0

m rCal «‘orço (ibid.,pp. 186.87).

104
Se a interpretação destas observações estiver correta, tudo indica que en-
-ontramos os precursores do reconhecimento contemplativo puro, não contami­
nados pela antecipação. Assim, ao contrário da criança que franze a boca quando
vê a maniadeira, neste caso, o comportamento de reconhecimento parece não ser
unia simples antecipação de uma ação que a criança pretende realizar em bre-
ve - Lucienne não parece realmente interessada em balançar a boneca neste mo­
mento. Ao contrário, parece estar indicando, através da única maneira que lhe é
possível no nível em que se encontra, que conhece o significado do aconteci­
mento em questão. Neste contexto, é interessante pensar na relevância destas
observações para a teoria do significado de Osgood, na qual as respostas significa­
tivas são consideradas frações reduzidas e implícitas das respostas totais e explíci­
tas emitidas originalmente em relação ao objeto-sinal (Osgood, Suei e Tannen-
baum, 1957).

ASSIMILAÇÃO GENERALIZADORA: PROCEDIMENTOS PARA


PROLONGAR OS ESPETÁCULOS INTERESSANTES

Piaget afirma que quanto mais velha a criança, mais ativamente ela procura
se acomodar às novidades trazidas pelos objetos novos ou desconhecidos. Por
exemplo, mostraremos que a criança no quinto estágio do desenvolvimento sensó
rio-motor reage a novas situações com um programa decididamente ativo e versa
tü de experimentação. Modifica os esquemas comuns de todas as maneiras possí
veis, observando intencionalmente como o estímulo novo responde às suas várias
ações. As crianças muito pequenas, por sua vez, tendem a desconsiderar os aspec
tos novos dos objetos desconhecidos, simplesmente assimilando-os aos esquemas
habituais, ou seja, tratando-os, na medida do possível, como se tivessem todas as
Pr°priedades do objeto familiar que lhes seja mais semelhante. Segundo palavras
do Práprio Piaget: “é interessante que quanto mais nova a criança, menos as novi
dades lhe Parecem novas” (ibid., p. 196).
0 comportamento da criança no estágio 3 encontra-se no extremo inferior
e°ntínuo: diante de situações novas, ela se contenta em aplicar os esquemas
visuais:
Aos 0;4 (8), coloco um grande macaco deuma en’
membros e o rabo móveis, assim como a ca eça demonstra assombro e
tidade absolutamente nova para ele. Realmen e, aplica ao macaco alguns
mesmo um certo temor. Mas se acalma rapi amen t 0 corpO, bate
dos esquemas que ele usa para balançar objetos Pen 0 resultado obtido
com as mãos, etc., graduando seus esforços e acor verificar se ele repete
(•••). Aos 0,6 (7) apresento-lhe vários objetos novos P associadas a0 objeto
as tentativas de exploração especial que pareceram alimento para
anterior. Isto não ocorre; a criança utiliza o o jc o $ e cabeça móvel e
seus esquemas habituais. Assim, um pingüiin t Pes uoipeia, depois o esfre-
observado durante pouco tempo, a principio. UI° cò,n quc pegou o
8* na lateral do cesto, etc., sem levar em conta a COIU
objeto. Várias bugigangas recebem o mesmo t^ento. ele P
das mãos e as golpeia com a outra (ibid., pp- l

105
Trata-sc nitidamente de um comportamento de generaliza '
que acontecimentos novos são incorporados a esquemas antigos rnedida em
neralização sem uma real discriminação, sem muita diferencia Uma ge‘
que decorra da acomodação precisa a aspectos novos. °s es<Juenras
No estágio 3 encontramos também uma espécie de generaliza '
renciação mais exótica do que a que citamos acima. A propósito o^ dife’
vo, neste caso, não é um objeto novo que a criança manipula diretam™10
um acontecimento que ela assiste à distância. O que aconterp n»,. "e’ mas
enança põe em açao uma ou mais de suas reações circulares secundárias
parece uma tentativa de preservar o espetáculo através da ação à distância Este
comportamento difere da reação de reconhecimento motor descrita anteriormen
te, pois agora a criança parece estar fazendo uma tentativa completa e ativa de
reconstituição do acontecimento, em lugar de simplesmente tomar conhecimento
dele através de movimentos reduzidos. Estes procedimentos são claramente irra­
cionais apenas do ponto de vista de um observador familiarizado com a textura
causai do ambiente; para a criança, eles simplesmente constituem uma generali­
zação inteiramente natural a partir de experiências anteriores de reação circular
secundária. Apresentamos, a seguir, alguns exemplos:
Aos 0;7 (7), ele (Laurent) olha para uma caixa de metal, colocada numa
almofada que está a sua frente, muito distante para ser alcançada. Tamborilo no
objeto por um momento, num ritmo que o faz rir, e a seguir apresento-lhe mi­
nha mão (de frente, a uma distância de 2 cm dele). Ele a olha, apenas por um
momento, e volta-se novamente para a caixa; então, agita os braços enquanto a
olha fixamente (depois lança-se para a frente, golpeia as cobertas,
beça, etc., ou seja, se vale de todos os “procedimentos de que dispõe), vi
temente, ele espera que o fenômeno se repita. A mesma reação e o sen' ,
0;7 (12), 0;7 (13), 0;7 (22), 0;7 (29) e 0;8 (1), numa variedade de cir
cias (veja Observação 115). a princíp*0
Portanto, parece evidente que o movimento de agitar os raç
inserido num esquema circular de conjunto, foi retirado dc seui quaiquer
ser usado, cada vez mais, como um “procedimento para pr
espetáculo interessante (ibid., p. 201). chegou
Observação 118 - Finalmente, vamos mencionar como ^enteSe pesde
lizar os movimentos da cabeça como “procedimentos e r coni ape*
Laurent é capaz de imitar um deslocamento lateral da 03.e uando se
nas 0'3 (23), surpreendo-o movendo a cabeça desta rnan^^n^r.|jie um mo^
ta com um chocalho dependurado, como se quisesse impr
to real (ver Vol. II, Observação 88). UIT1a
Aos 03 (29) balança a cabeça quando paro de ba.^crrOinpo um ^°v
semanas seguintes, reage da mesma maneira assim que
to que ele observava. ar a continuar a
Aos 0;7 (1) ele faz este movimento para me *centlV reaçâo na
dedo médio contra o polegar. Aos 0,7 (5) tem a mvs ^oS 0;7 a
um jornal que desdobrei e que deixei imóvel diante e njo unl
cabeça, agita os braços ou joga o corpo para a fren
qual eu havia batido ritmadamente. ra fazer
Até cerca de 0;8, ele continua usar este esquema( p-
acontecimento interessante, seja ele um movimento etc ) 1
importa sua direção ou até mesmo um som (um mur

106
O PROBLEMA DA INTENCIONALIDADE

As várias conquistas do estágio 3 tem importância para Piaget, em função


de um problema diferente daqueles já discutidos até agora: este é um estágio de
transição no desenvolvimento da cognição intencional. Para Piaget, a intencionali­
dade a busca deliberada de um objetivo através de comportamentos instrumen­
tais subordinados a este objetivo — é uma das características distintivas da inteli­
gência (considerada num sentido restrito). No período sensório-motor, dá-se uma
evolução notável de hábitos não intencionais para atividades experimentais e ex­
ploratórias que são claramente intencionais ou orientadas para um objetivo. Para
Piaget, esta evolução contém dois problemas. Em primeiro lugar, embora não seja
difícil perceber intuitivamente a presença ou ausência de intencionalidade quando
comparamos crianças de idades bastante contrastantes como, por exemplo, o re­
cém-nascido e a criança de quinze meses, o comportamento de crianças em idades
intermediárias traz uma série de problemas. São necessários critérios, roteiros que
nos digam se um comportamento é mais intencional ou, pelo menos, mais clara­
mente intencional do que outro. Em segundo lugar, é necessário examinar cuida­
dosamente os estágios intermediários, para verificar como a criança passa da
não-intencionalidade para a intencionalidade. Isto significa reexaminar o estágio 3
sob um novo ângulo.
Piaget sugere vários critérios inter-relacionados que auxiliam na determi­
nação do grau de intencionalidade de uma seqüéncia de comportamento. Primei­
ro, em que medida a ação tem uma orientação extema, centrada no objeto? 0
carater de exercício pelo prazer do exercício, próprio dos reflexos neonatais e
Qas reações circulares primárias iniciais, certamente os colocam no extremo infe-
rior da escala. É, apenas, quando o comportamento se torna centrado nos obje-
fin 6 em SU3S inter-relaÇões que P°de a distinção genuína entre meios e
que a intencionalidade pressupõe. Neste mesmo sentido, pode-se dizer que a
ro tonalidade se impõe cada vez mais definidamente, à medida que um núme-
da Cr^SCente a0es intermediárias, que funcionam como meios, ocorrem antes
aÇa° Este critério é particularmente importante para Piaget:

Assim sendo, vemos apenas um método para distinguir a adaptação intencio­


nal das reações circulares simples peculiares ao hábito sensório-motor: verificar
0 numero de ações intermediárias que ocorrem entre o estímulo da ação e seu
resultado. Quando um bebê de 2 meses chupa o polegar, não podemos conside­
rar este ato como intencional porque a coordenação da mão e da sucção é sim-
P es e direta. Basta que a criança mantenha, através da reação circular, os movi­
mentos favoráveis que satisfazem sua necessidade para que este comportamento
SL* tornc habitual. De outro lado, quando uma criança de oito meses afasta um
s acul° para atingir um objetivo, este comportamento pode ser considerado
qu^fnC,Ona^ a necessidade criada pelo estímulo da ação (pelo objeto que se
Cf dl,r,K‘r) é satisfeita apenas após uma série mais ou menos longa de ações
p ermcdiárias (obstáculos que devem ser transpostos) pp. 147-48).

a^aPtaçj0 (j d ' Um at0 *ntenc*onal 4 aquele que consiste muito mais numa
erada a unia situação nova do que numa repetição simples e cega

107
dc esquemas habituais. Considerando os três critérios simultaneamente-
qücncia de comportamento é tanto mais intencional quanto mais se d • Jma " se-
objetos, quanto mais atos instrumentais intervenientes ou “meios” 8 para
abrange e
quanto mais for claramcntc uma adaptação progressista, que busca a
novidade e
não uma repetição retrógrada do velho.
De acordo com estes critérios, os comportamentos encontrados
no estágio
3 podem ser considerados semi-intencionais. Em primeiro lugar, eles tém em*co
i co-
mum com os comportamentos mais definidamente intencionais dos estágios pos
tenores a propriedade de estarem orientados para o mundo exterior. É preciso
lembrar que as reações circulares secundárias são definidas como ações destinadas
a manter um acontecimento sensorial interessante que acaba de ser produzi­
do — pela ação da criança (reações secundárias “puras”) ou de outra pessoa (os
"procedimentos para prolongar espetáculos interessantes”). Além disso, é mais
justificável considerar estes atos como verdadeiros meios para produzir um acon­
tecimento sensorial do que assim considerar as reações primárias mais autocén-
tncas.
No entanto, a intencionalidade no estágio 3 possui algumas limitações bem
definidas. A mais importante delas refere-se à maneira pela qual a intencionali­
dade se apresenta. Nos estágios posteriores, a criança inicia uma seqüéncia de
comportamento com um objetivo a ser atingido e passa a procurar os meios apro­
priados para atingi-lo. Nestes estágios, a intencionalidade está presente desde o
início, e a seqüéncia como um todo é muito mais uma adaptação nova (já que
os meios não são imediatamente dados e precisam ser descobertos) do que uma
repetição automática. No caso da reação circular secundária, de outro lado, o
acontecimento sensorial interessante torna-se um objetivo somente depois que os
meios forem postos em ação. Em outras palavras, os aspectos intencionais sao
post hoc\ não estando presentes inicialmente, eles passam a existir apenas depois
que o objetivo foi descoberto, ou seja, na repetição e não na ação original- 0
fato das reações secundárias, como as primárias, serem fundamentalmente orienta
das para a repetição e não centradas em adaptações novas, constitui uma segun
limitação à sua intencionalidade. Assim, o que Piaget vé no estágio 3 é uma for
ma de transição altamente interessante entre a não-intencionalidade e a intencio
nalídade. Esta, surgindo no estágio 3 somente depois da repetição de uma sequ
da ativa, eventualmente começará a surgir antes da seqüéncia, orientando n
ações desde o seu início. Os primeiros exemplos indiscutíveis de intenção, em
forma mais pura, ocorrem no estágio que passamos a apresentar.

Estágio 4: A Coordenação de Esquemas Secunda rios^e^^


Aplicação a Situações Novas (8 - 1

No final do primeiro ano, a criança apresenta uma série de novas


ções intelectuais. As reações circulares secundárias que se desenvolveram
gio 3 começam a se coordenar e formar novas totalidades de comp

108
usoagora
evidentes noque
totalidades que asão inquestionavelmente
criança intencionais
faz dos signos oti sinais Za 7^ P^0’
mentos iminentes. Finalmente, suas reações a obietos nnv P anteciPar acontecí-
conhecidos passam por uma mudança sutil e importante ° COmpletamente des'

adaptações novas através da coordenação de esquemas conhecidos

Como vimos, as reações circulares secundárias do estágio 3 que derivam das


reações primárias através de um processo de generalização consistem em tentati­
vas repetidas de reproduzir acontecimentos ambientais que resultaram inesperada­
mente de algo que a criança fez. Quando comparadas com o estágio 4, estas rea­
ções são limitadas em dois sentidos. Primeiro, como vimos, as reações secundárias
adquirem no máximo uma aparência de diferenciação entre meios e fins e uma qua-
se-intencionalidade apenas depois que o objetivo foi atingido, isto é, na primeira vez
em que a ação é repetida. Segundo, as várias reações secundárias que se desenvol­
vem são seqüências de respostas isoladas. No estágio 4, de outro lado, dois ou
mais esquemas independentes intercoordenam-se e formam uma nova totalidade,,
um deles funcionando como intrumento e o outro como objetivo. Além disso, e
em virtude desta coordenação, o objetivo é estabelecido desde o início, e os
meios são postos em ação exatamente com a finalidade de atingir o objetivo.
Além das formas transitórias e intermediárias comuns, há dois tipos princi­
pais de coordenações recíprocas no estágio 4. A mais nítida é a seqüéncia de
comportamento, que consiste em pôr de lado um obstáculo para alcançar algum
objeto desejado. Este padrão de coordenação recíproca revela um desenvolvimen-
0 complexo mas bem definido. A princípio, a criança ignora o objetivo quando
tuais°^St^CU'° Se °U’ na me^l0r d35 hipóteses, recorre a esquemas habi-
pebj lrre'evantes’ numa espécie de tentativa de mágica de conservá-lo. Mais tarde,
para 016008 no caso um dos filhos de Piaget, a criança golpeia o obstáculo
técnica<\6Sejave* e a P^1 deste esquema de bater desenvolve-se gradualmente a
Parte d lntermediária” e bem sucedida de afastar o objeto. No estágio 4, uma
criança °n^°^eto’a*vo Precisa ficar visível atrás do obstáculo, caso contrário a
alguns 030 fea^za 0 ato*> nos estágios seguintes esta restrição desaparece. Eis
echos relativos ao desenvolvimento de Laurent:

Ate 0;7 (13), Laurent jamais conseguiu afastar o obstáculo.


or exemplo, aos O# (0), apresento-lhe uma caixa de fósforos, estendendo
Himha mão lateralmente de modo que ela seja um obstáculo a preensão. Lau-
Com tCn^ transPor minha mão por cima ou pelo lado, mas não tenta deslocá-la.
o a cada tentativa impeço sua passagem, ele acaba por atacar violentamente
outro^3 Vnquanto as mãos, se sacode e balança a cabeça de um lado para
co-f. Cin resumo» substitui a preensão impossível por “procedimentos" mági-
mentc0,neniSt*C°8’ ” F*nalmente, aos 0;7 (13), Laurent reage de modo inteira-
f6iforo * C,r<íntC’ desde o início do experimento. Apresento-lhe uma caixa de
tfastar ^°*oco a mao nu frente de modo que ele não possa pegá-la sem
dr o obstáculo. Laurent, upós tentar ignorá-la, repentinamente tenta golpear

109
minha mão como que para removê-la ou abaixá-la; deixo-o
a caixa. - Recomeço a impedir sua passagem, mas’ usando * 'le pegi
almofada suficientemente flexível, para conservar as marcas dos1 anlepwo Un>»
ça. Laurent tenta alcançar a caixa e, aborrecido com o obstáculo*"' 05 Cr“n’
te o golpeia c o abaixa ate que o caminho fique desimpedido

Observação 123 - A partir de 0;7 (28), o esquema de transição de “


empup
rar o obstáculo" aparece ligeiramente diferenciado em Laurent
em lugar de
simplesmente golpear os objetos que se interpõem entre sua mão
e o objetivo,
ele tenta empurrá-las ou até mesmo deslocá-las.
Por exemplo, aos 0;7 (28), apresento-lhe um pequeno sino de 5 cm atrás d
um dos cantos de uma almofada. Laurent golpeia a almofada, comoanterior
mente, mas em seguida a abaixa com uma das mãos enquanto pega o objeto
com a outra. A mesma reaçâo se repete quando o obstáculo é minha mão
Aos 0;7 (29), ele abaixa imediatamente a almofada com a mão esquerda pa­
ra alcançar a caixa com a mão direita. Faz o mesmo aos 0;8 (1): quando minha
mão se interpõe como obstáculo, sinto claramente que ele a empurra para bai­
xo, cada vez com mais força para superar a resistência que imponho (ibid., pp.
218-19).

O segundo esquema é, em certa medida, o oposto do que acabamos de des­


crever. Em lugar de remover objetos que interferem na aquisição do objetivo, a
criança tenta usar objetos como instrumentos para atingir o alvo:

Observação 127 - Jacqueline, aos 0;8 (8), demonstrou a capacidade de re­


mover a mão que constitui um obstáculo aos seus desejos e não tardou em se
tornar capaz de realizar o padrão de comportamento inverso: usar a mão de
outra pessoa como um elemento intermediário que produz um resultado dese­
jado. Assim, aos 0;8 (13), Jacqueline olha para a mãe que agita uma toalha com
as mãos. Quando este espetáculo termina, em lugar de imitar o movimento, o
que fará em breve, ela procura pela mão da mãe, a coloca diante da toalha e a
empurra para fazê-la reiniciar a atividade. ... Aos 0;10 (30), Jacqueline pega nu
nha mão, a coloca numa boneca pendente que ela não havia conseguido^man^ 0
em movimento e exerce pressão sobre meu indicador para levar-me a pro
movimento necessário (a mesma reação é produzida três vezes segui
p. 223).

As coordenações entre os esquemas que definem o estágio 4 sa°’tencionajs.


de vista de Piaget, os primeiros comportamentos inequivocamente in °
Antes deste estágio, não existe uma forma de distinguir a intenção ve[(ja.
supostamente a expressa. Mas neste estágio ocorre, pela primeira ' .pjca que
deira diferenciação. A criança tenta realizar alguma ação deseja a e .mejiata
um obstáculo a impede. Então, ela adia a ação-alvo e procura urna a ^uajquer
que lhe permita alcançar este objetivo futuro. Embora Piaget na°uaçã0 dizen^°
espécie de afirmação sobre a consciência, poderiamos traduzir a antef1°r a
que agora existe um “desejo” de atingir o alvo que indepen ^rdadeira inWn'
resposta consumatória; é este fato que nos permite falar numa
donalidade:

110
É muito provável que surja a seguinte objeção: as coordenações íntersenso-
riais peculiares a algumas reações circulares primárias nos põem desde muito
cedo diante de scriaçõcs do mesmo tipo. Quando a criança pega um objeto
para sugá-lo» olhá-lo, etc., tudo indica que diferencia meios e fins e, conseqüen-
temente, estabelece um objetivo. Porém, na falta de um obstáculo que atraia a
atenção da criança, nada justifica atribuir tais diferenciações à consciência do
sujeito. Pegar para sugar constitui um ato isolado no qual os meios e os fins se
confundem, sendo este ato isolado formado pela assimilação recíproca imediata
dos esquemas presentes. Portanto, é o observador e não o sujeito quem estabe­
lece distinções no caso desses esquemas. A diferenciação entre meios e fins sur­
ge somente quando a criança tenta estabelecer relações entre os objetos - em
outras palavras, surge a aquisição de consciência que caracteriza a intenção e
que é mobilizada quando ocorrem obstáculos externos (ibid., pp. 226-27).

Este novo padrão de comportamento tem outras conseqüéncias. Os esque­


mas secundários são agora mais móveis e genéticos, uma vez que foram retirados
de seus contextos originais para se combinarem reciprocamente numa variedade
de adaptações novas. Assim que adquirem mobilidade, possibilitam o aparecimen­
to de uma nova flexibilidade e versatilidade no funcionamento cognitivo. E, tal
como se deu no estágio 3, surgem várias analogias funcionais interessantes com a
lógica de classes e de relações que caracterizam a criança mais velha e o adulto.
Portanto, a subordinação dos meios aos fins lembra a subordinação da premissa à
conclusão no raciocínio lógico. Existe também o equivalente da classificação: pa­
ra a criança, o obstáculo é inibidor e indesejável, e o objetivo é algo facilitador e
desejável. Os protótipos primitivos das relações espaço-temporais talvez sejam o
^pecto mais interessante. 0 obstáculo é percebido como estando “na frente” do
objetivo e é preciso remové-lo “antes” que o esquema-alvo seja acionado, etc.

O USO DE SINAIS PARA ANTECIPAR ACONTECIMENTOS

0 estágio 4, como os demais estágios sensório-motores, apresenta prog


característicos no sentido da objetivação da realidade. Por exemp o, as co
nações recíprocas dos esquemas secundários que acabamos de descrever mc ,
pela primeira vez, o estabelecimento de relações entre dois objetos o o s*ac
instrumento e O objeto-alvo - em lugar de conexões simples e indiferenciadas
Ou i-W
011
entre um objeto e uma ação. Esta objetividade crescente evidencia-se, também,
nas reações que a criança apresenta neste estágio, diante dos signos ou sinais.
No estágio 2, a criança só responde àqueles sinais que anunciam guma
aÇão incipiente. Por exemplo, a criança ouve um som e isto a induz a tentar ver
f^nte do som; isto é, o sinal anuncia uma ação da criança em vez de in ícar
acontecimento externo que ocorre independentemente de suas ações. Em-
°ra Ma um progresso neste sentido durante o estágio 3, c apenas no estágio
começamos a perceber exemplos realmente claros da antecipação de acontecí
£ento* que independem da ação da criança. Entre os vários exemplos citados por
,dgel (ibid., pp. 249-50), talvez os mais ilustrativos sejam os seguintes: um adul­

111
to começa a levantar da cadeira c a criança, antecipando sua partida '
chora. A criança vê a mãe pôr o chapéu c, como este gesto foi seguido'™^^’
da mãe no passado, ela também chora. Portanto, as reações antecipatóriasV31^
de sinais evoluem como os demais padrões sensório-motores: a princípio os
tos não se diferenciam do próprio comportamento da criança e apenas gradual
mente são reconhecidos como independentes de seu comportamento A partir do
que dissemos, não é de surpreender que Piaget considere desnecessário inferir°
neste período inicial, processos de imaginação ou processos simbólicos complexos
como mediadores do comportamento diante de sinais:

Quando Jacqueline espera ver uma pessoa assim que uma porta se abre ou
suco de frutas numa colher que foi retirada de um determinado recipiente, não
é necessário, para que haja compreensão dos sinais e, conseqüentemente, pre­
visão, que ela seja capaz de imaginar estes objetos quando estão ausentes. É
suficiente que o sinal mobilize uma determinada atitude de expectativa e um
certo esquema de reconhecimento de pessoas ou de alimentos (ibid., p. 25 2).

EXPLORAÇÃO DE OBJETOS NOVOS

Até agora descrevemos a maneira pela qual a criança do estágio 4 reage a


estímulos conhecidos. Resta o problema de suas reações diante de objetos novos
e estranhos. Como vimos, a criança no estágio 3 tende a responder às novidades,
percorrendo seu repertório de reações circulares secundárias, tentando uma de ca­
da vez. O mesmo ocorre com a criança do estágio 4, porém com uma diferença
sutil de orientação:

Como no caso da “generalização de esquemas secundários”, os padrões


atuais de comportamento consistem, na realidade, na aplicação de esquemas ad­
quiridos a objetos ou fenômenos novos. Assim como desde os 4 até os 6 meses
a criança golpeia, sacode, esfrega, etc. os objetos desconhecidos que lhe sao
apresentados, de 8 a 10 meses, ela igualmente os desloca, sacode, agita, etc. A
exploração a que nos referimos prolonga a generalização dos esquemas, sem na
da acrescentar, o que torna impossível traçar limites claros entre as transições
que ocorrem entre os dois padrões de comportamento. No entant0,/^e^s
nos parecem idênticos porque, não importa quão delicada seja a avaliaçao
características, sua orientação é diferente. No início do terceiro ape.
mente, o novo objeto não interessa à criança como novidade. A noví a
nas prende a curiosidade da criança por alguns segundos, e o objeto• passai
díatamente a ser usado como alimento para os esquemas habituais, onse
temente, o interesse não se dirige para o objeto como tal, mas para a
dade. Por outro lado, quando uma criança de 8 meses examina umJ^|ema à
cigarros ou uma gravata, tudo indica que estes objetos trazem um
sua mente que ela tenta “compreender”. Antes de começar a agir, e ^eseS>
olha para estes objetos durante mais tempo do que a criança de
mas também realiza um conjunto de movimentos exploratórios que ^or(jas,
com o objeto e nao consigo mesma. Ela sente, explora a superticie’ tainento
vira e desloca lentamente os objetos, e estes últimos padrões de c°n1Peinente, 0
expressam de modo muito significativo uma nova atitude. Evi en^ ^eve
desconhecido representa para a criança uma realidade externa, a q

112
se adaptar, c não unia substância ilimitadamentc flexível ou um simples alimen­
to paia sua própria atividade, l inalmentc, os esquemas habituais são aplicados a
esta realidade. Mas quando tenta sucessivamcntc aplicar cada um dos esquemas,
a criança deste estagio da mais a impressão de estar fazendo um experimento
do que de estar generalizando seus padrões de comportamento: ela tenta “com­
preender" (ibid., pp. 258-59).

Obviamente, estas reações não são radicalmente descontínuas em relação às


anteriores. Talvez se possa expressar a diferença existente da seguinte maneira: a
criança mais nova está um pouco mais interessada por aquilo que o objeto lhe
permite tazer, enquanto que a criança mais velha está algo mais orientada para
aquelas características do objeto que lhe permitem agir. Para que esta diferença
fique clara, é suficiente citar um pequeno exemplo do comportamento explora­
tório no estágio 4:

Observação 136 — Aos 0;8 (16), Jacqueline pega um maço de ciganos que
não conhece e que lhe apresento. A princípio, ela o examina muito atentamen­
te, vira-o e o segura com ambas as mãos, produzindo o som apff (uma espécie
de assobio que ela comumente faz na presença de pessoas). Depois, o esfrega no
vime do berço (movimento habitual de sua mão direita, Observação 104), de­
pois se projeta para a frente enquanto o observa (Observação 115), depois agita
o maço acima dela e finalmente o coloca na boca (ibid., p, 253).

Estágio 5: A Reação Circular Terciária e a Descoberta de


Novos Meios Através da Experimentação Ativa (12 — 18 Meses)

Se considerarmos por um momento os estágios 3 e 4 como um único perío­


do, torna-se evidente que ocorreram duas evoluções diferentes, mas relacionadas.
Em primeiro lugar, a criança desenvolve um me'todo (a reação circular secundária)
para conservar novas aquisições e transformá-las em novos esquemas. Estes novos
esquemas secundários, como dissemos, se destacam porque incluem uma cognição
elementar de acontecimentos e de objetos externos e, portanto, correspondem a
explorações primitivas do ambiente. Em segundo lugar, uma vez estabelecidos
estes esquemas secundários, torna-se possível combiná-los entre si, numa relação
entre meios e fins e assim inaugurar novas totalidades de comportamento que
são, desde o início, intencionais e dirigidas a um objetivo.
A principal conquista do estágio 5 é a repetição deste duplo desenvolvimen­
to num nível superior. A reação circular terciária surge gradualmente da secun­
dária como uma forma mais avançada e efetiva de explorar as propriedades dos
objetos novos. Assim que o modus operandi da reação terciária se desenvolve, a
criança tem a possibilidade de descobrir novos “esquemas-meios” para utilizar nas
sequências de ação que se dirigem para um objetivo. A reação circular terciária é,
portanto, a contraparte, no estágio 5, da reação secundária do estágio 3 e a reali­
zação que acabamos de descrever — Piaget refere-se a ela como “descoberta de
novos meios através da experimentação ativa” — é o equivalente da coordenação
entre os meios e o fim do estágio 4.

113
A REAÇÃO CIRCULAR TERCIÃRIA

Assim como no caso da distinção entre reações circulares primárias e secun


dárias. a diferença entre as reações secundárias e terciárias é ardilosa e de difícil
definição em termos precisos. Ambas as reações têm um início muito semelhante
a criança se depara com um dado novo no mundo maravilhoso e imprevisível que
a cerca na maioria das vezes, uma ação comum, quando se aplica a um objeto
novo, resulta numa conscqüência imprevisível e curiosa. Tanto nas reações secun­
dárias como nas terciárias dá-se uma segunda fase de repetição, de encontros re­
petidos com o fenômeno novo.
Porém, existe uma diferença fundamental na natureza destas repetições. Na
reação secundária, a criança parece perceber, na melhor das hipóteses, uma cone­
xão vaga entre o comportamento e seu resultado, e luta simplesmente para repro­
duzir este último, ativando repetidamente o esquema de comportamento, de uma
maneira mecânica e esteriotipada - somos tentados a dizer “impensada”. Na rea­
ção terciária, de outro lado, também ocorre a repetição, mas uma repetição com
variações. A criança dá a impressão — e aqui está o verdadeiro significado da
reação terciária para o desenvolvimento intelectual — de que está realmente explo­
rando as potencialidades do objeto, variando a ação para verificar como isto afeta
o objeto, de que está realmente subordinando suas ações a um objeto percebido
como algo à parte, como algo que “está lá”. Piaget resume os aspectos diferen­
ciais desta nova espécie de adaptação do seguinte modo:

surja da diferencihcão'no^"3 ° C°mpletaniente diferente: embora ela também


não é mais üXXlo CÍfCUlareS secundáz*os- esta diferenciação
desejada. Com efeito nà/™ ien e’ maS C’. P°r assim dizer’ aceita e ate mesm0
esquemas até aqui 6X3™!™^^*^° aSSÍmÍlar Certos objetos ou situaÇões aos
comportamento: através de umà esné'3"^ manifeSta Um padrao inesperado de
em que sentido n ♦ especie de experimentação, eh tenta descobrir
não só se submet ° aC°ntecime"‘o ' novo. Em outras palavras, ela
simplesmente se sari^TemV "T’’ |C°m° também os provoca’ em vez de
Deste modo □ „ • . 01 rePr°duzi-los depois de seu aparecimento casual
“experimento paí^ ver” ToÍ^ a?“j10 qUe’ 1ÍngUagem cientl'fica’ « chania
rado pelo praz rorem’ e claro que o resultado novo, embora procu-
imediatamente «ruHnTT’ Pre-ÍSa SW reproduzido- e o experimento inicial é
uma diferença v Pe a rea^ao circular. No entanto, neste caso haz também
criança renet 13 Cntre as reaÇÔes “terciárias” e “secundárias”. Quando a
mais os renct °S rnov*mentos Que a levaram ao resultado interessante, ela não
ÇÕes no rpciii*2 ?Om LXatidà°, mas os gradua e varia de modo a descobrir flutua-
° início um-3 t° Onseqüentemente, o “experimento para ver” contém, desde
(ibid., pp 266-67)° enC*a para se amPÍ>ar na conquista do ambiente externo

A essência da reação circular terciária é a busca do novo, daque eSque-


de um objeto que não são assimiláveis, pelo menos não inteiramen^
mas usuais. Esta tendência de buscar a novidade nos ”experimcníos^^^
tem pelo menos dois significados importantes. Antes de mais nada, c

114
diferenciação considerável entre a assimilação e a acomodação. A partir da exis­
tência de um hiato quase imperceptível entre elas, no estágio 2, as duas invarian-
tes funcionais atingem agora um estado adiantado de individualidade e de com-
plementação. A verdadeira exploração de um objeto novo requer que a função
acomodativa sc separe da ação assimil ativa original, para colocar-se a serviço da
estrutura do objeto e, assim, modificar o esquema para o próximo encontro. É
exatamente isto que acontece no estágio 5. Neste sentido, a busca da novidade
significa o afastamento de uma orientação autocêntrica para a ação e a aproxima­
ção a uma orientação alocêntrica em relação ao objeto. A criança capaz de reação
terciária, como mostraremos com mais detalhes posteriormente, encontra-se num
estágio avançado de desenvolvimento do conceito de objeto. Ela distingue clara e
nitidamente a ação do objeto, e dirige vigorosamente seus esforços, no sentido de
acomodar a primeira ao segundo. Por este motivo, Piaget refere-se ao estágio 5
como “o estágio dedicado principalmente à elaboração do ‘objeto’” (ibid., p.
264).
Não é preciso dizer que a passagem da reação secundária para a terciária é
totalmente contínua e imperceptível, e tem todas as características das formas de
transição. As respostas aos objetos novos que ocorrem no estágio 4 são típicas.
Além disso, mesmo as reações terciárias geralmente surgem qum contexto de rea­
ções secundárias. A criança comumente inicia uma certa seqüência, realizando re­
petições quase exatas do tipo das reações secundárias e daí passa para as varia­
ções do tipo das reações terciárias. Apresentamos a seguir alguns exemplos de
reações circulares terciárias; os que correspondem a Laurent ilustram a transição a
partir de formas mais primitivas:

Observação 141 - Este primeiro exemplo nos fará compreender a transição


das reações secundárias para as terciárias: refere-se ao conhecimento padrão de
comportamento, através do qual a criança explora o espaço distante e constrói
sua representação de movimento - o padrão de comportamento que consiste
em deixar cair ou atirar objetos para pegá-los em seguida.
Lembro-me (Observação 140) como, aos 0;10 (2), Laurent descobriu, ao
“explorar” uma saboneteira, a possibilidade de atirá-la e deixá-la cair. O que o
interessou a princípio não foi o fenômeno objetivo da queda - ou seja, a traje­
tória do objeto mas a própria ação de deixá-lo cair. Portanto, a princípio ele
se limitou a reproduzir o resultado observado casualmente, o que não deixa de
ser uma reação “secundária”, sem dúvida “derivada”, mas de estrutura típica.
De outro lado, aos 0;10 (10), a reação transforma-se em “terciária”.,Neste
dia, Laurent manipula um pedaço de pão (sem qualquer interesse alimentar;
ele jamais havia comido pão e não mostrou intenção de prová-lo) e o deixa cair
continuamente. Chega a parti-lo em pequenos pedaços que deixa cair. Em con­
traposição ao que aconteceu nos dias anteriores, ele não presta atenção no ato
de deixar cair, mas observa com muito interesse o objeto em movimento; em
particular, ele o olha por um longo tempo depois de ter caído e o pega nova­
mente quando pode.
Aos 0;10 (11), Laurent está deitado de costas, mas mesmo assim repete os
experimentos do dia anterior. Pega sucessivamente um cisne de celulóide, uma
caixa, etc., estende o braço e os deixa cair. Varia nitidamente as posições da

7/5
quedf. Às vezes estende o braço verticalmente, outras vezes o mantém em
ção oblíqua, diante ou atrás dos olhos, etc. Quando o objeto cai numa no<°'1
nova (por exemplo, sobre seu travesseiro), ele o deixa cair duas ou três vezes °
mesmo lugar, como sc estudasse a relação espacial e a seguir modifica a situa
çãó. Num determinado momento, o objeto cai perto de sua boca desta vp7 ~
o suga (embora este objeto habitualmente tenha esta finalidade), mas o deixa
cair três vezes mais enquanto faz o gesto de abrir a boca (ibid., pp. 268-69)

Observação 146 - Aos 1;2 (8), Jacqueline tem na mão um objeto que lhe é
novo; uma caixa redonda e baixa que ela gira, agita, esfrega contra o berço, etc.
Ela a deixa cair e tenta pegá-la novamente. Porém, consegue apenas tocá-la com
o dedo indicador, sem pegá-la. Mesmo assim, ela tenta e pressiona a borda. A
caixa balança e torna a cair. Jacqueline, muito interessada neste resultado ca­
sual, imediatamente se detém em sua observação.... Até aqui temos um exem­
plo de tentativa de assimilação semelhante às Observações 136 e 137 e de des­
coberta casual de um resultado novo, mas esta descoberta, em vez de produzir
uma simples reação circular, continua sob a forma de “experimentos para ver”.
Realmente, Jacqueline imediatamente põe a caixa no chão e a empurra para
o ponto mais distante possível (é digno de nota que a caixa é empurrada para
longe, para que ocorram as mesmas condições da primeira tentativa, como se
esta condição fosse necessária para obter o resultado). Em seguida, Jacqueline
põe o dedo na caixa e a pressiona. Porém, como ela coloca o dedo no centro
da caixa, ela simplesmente a desloca e a faz deslizar, em vez de virá-la. Ela se
diverte com este jogo e se dedica a ele durante vários minutos (o repete após
intervalos, etc.). Então, mudando o ponto de contato, ela finalmente volta a pôr
o dedo na borda da caixa e consegue virá-la. Repete esta ação, muitas vezes,
variando as condições, mas conservando sua descoberta: agora ela pressiona so­
mente a borda da caixa! (ibid., p. 272).

A DESCOBERTA DE NOVOS MEIOS ATRAVÉS DE EXPERIMENTAÇÃO ATIVA

Estes padrões de comportamento assemelham-se às sequências meios-fins do


estágio 4, com uma exceção. A criança do estágio 4 é capaz de iniciar uma série
bem sucedida de comportamentos meios-fins apenas quando a resposta meio ou
instrumental já faz parte de seu repertório. A novidade está na coordenação de
dois esquemas e não nos próprios esquemas separados. No estágio 5, de outro
lado, a criança consegue resolver problemas que requerem meios novos e desco­
nhecidos. Através do método de reação circular terciária — ou seja, através de um
processo ativo de exploração por ensaio-e-erro — ela eventualmente consegue en
contrar técnicas instrumentais eficientes que são realmente novas para ela. Assim,
ao contrário do estágio 4, tanto a coordenação entre meios e fins como os pró
prios meios são novos. Não é necessário dizer que a descoberta sistemática e
novos meios requer uma orientação experimental vigorosa da parte da criança e,
por esse motivo, raramente encontramos exemplos claros destes padrões antes
estágio da reação circular terciária.
Piaget descreve uma variedade de novas seqüências meios-fins que surgem
no estágio 5. Um objeto se encontra fora do alcance da criança, sobre algum
suporte (por exemplo, um lençol), e ela aproxima o objeto puxando o supor

116
De modo semelhante, ela aprende que um objeto que está atado a um barbante,
pode ser conseguido puxando-se apenas o barbante. Ela novamente inventa os
meios de aproximar um objeto através de manipulações criteriosas de um bastão.
Existem também esquemas inteiramente diferentes. A criança descobre que é ne­
cessário inclinar objetos compridos para fazê-los passar através das barras do cer­
cado. Ela aprende a colocar objetos apenas cm recipientes suficientemente gran­
des, como também a lazer uma corrente de relógio ou outros objetos finos e
flexíveis passar por uma abertura estreita, e assim por diante. 0 primeiro padrão,
de puxar o suporte é suficiente como exemplo. A citação que se segue é interes­
sante como amostra do Piaget experimentador-observador, que varia as condições
experimentais, que tenta afastar hipóteses alternativas, etc.:

Em relação ao “padrão de comportamento do suporte”, numerosos experi­


mentos repetidos entre 0;7 (29) e 0;10 (16) revelam que Laurent, até esta últi­
ma data, foi incapaz de utilizá-lo sistematicamente ... Aos 0;l0 (16), entretanto,
Laurent descobre as relações reais entre o suporte e o objetivo, e, conseqüente-
mente, a possibilidade de utilizar o primeiro para aproximar o segundo. Eis al­
gumas reações da criança:
(1) Coloco o relógio numa grande almofada vermelha (de cor uniforme, sem
franjas) e ponho a almofada bem em frerte à criança. Laurent tenta alcançar
diretamente o relógio e não o conseguindo pega a almofada e a puxa para si,
como antes. No entanto, em vez de puxar o suporte de uma só vez, como fez
até agora, para tentar novamente atingir o objetivo, ele recomeça, com interesse
visível, a mover a almofada enquanto olha para o relógio. Tudo se dá como se
ele tivesse percebido pela primeira vez a relação em si e a estudasse como tal.
Em seguida, consegue facilmente pegar o relógio.
(2) Tento imediatamente a seguinte contraprova: ponho duas almofadas co­
loridas diante da criança de forma, cor e dimensão idênticas. A primeira é colo­
cada como antes, bem em frente à criança. A segunda é colocada atrás, num ângu­
lo de 45°, de modo que um dos cantos da almofada fique de frente para a
criança. Este canto é colocado sobre a primeira almofada, mas tomo o cuidado
de achatar as duas almofadas no ponto em que estão parcialmente superpostas,
de modo que a segunda não sobressaia e não fique muito visível Finalmente,
coloco meu relógio no extremo oposto da segunda almofada.
Laurent, assim que vê o relógio, estende as mãos, pega a primeira almofada
e a puxa para si, gradualmente. Então, observando que o relógio não se move
(não deixa de olhá-lo), ele examina o local em que as almofadas se superpõem
(isto ainda acontece, apesar do pequeno deslocamento da primeira). Pega-a pelo
canto, puxa-a para si, passando por cima da primeira almofada, e pega o relógio
(ibid., pp. 282-83).

Ao comentar esta e outras observações, Piaget efetivamente sintetiza o pa­


drão meios-fins do estágio 5, e sua relação com o padrão correspondente no está­
gio 4 (meios familiares, etc.) e com a própria reação terciária do estágio 5:
Os primeiros exemplos nos mostram imediatamente no que consiste o pa­
drão de comportamento que denominamos “descoberta de novos meios através
da experimentação ativa”. A situação geral é exatamente a mesma das Observa­
ções 120 a 130, ou seja, de “aplicação de meios familiares a novas circunstân­
cias”; a criança tenta atingir um alvo, mas obstáculos (distância, etc.) e impe­

117
dem. Portanto, a situação é nova c o problema consiste em descobrir meios
apropriados. Mas, inversamente aos padrões de comportamento mencionados
(Observações 120-130), a criança não se vale mais de nenhum método conheci­
do. Portanto, é preciso inovar. É então que intervém um padrão de comporta­
mento análogo às reações circulares terciárias, isto é, um “experimento para
ver": os tateamentos. A única diferença está no fato de que agora o tateamento
é orientado em função de um objetivo, ou seja, do problema apresentado (da
necessidade que antecede a ação), em lugar de ocorrer simplesmente “para ver”
(ibi<L, p. 288).

Estágio 6: Invenção de Novos Meios Através de


Combinações Mentais (18 Meses em diante)

Piaget distingue três formas de comportamento intencional ou orientado,


para um alvo no período sensório-motor. O primeiro é aquela que abrange a
coordenação de esquemas conhecidos, observada no estágio 4. A segunda, que
acabamos de descrever na discussão do estágio 5, refere-se à descoberta de novos
meios através da experimentação, mais do que à simples aplicação de esquemas
habituais, já formados. A terceira forma, considerada mais avançada, é aquela que
caracteriza o estágio 6: a invenção de novos meios através de coordenações inter­
nas, mentais.
Este novo e importante padrão pode ser resumido da seguinte maneira. A
criança deseja alcançar algum objetivo e não encontra nenhum esquema habitual
que possa servir como meio. Assim, o início da seqüéncia é idêntico ao do pa­
drão do estágio 5: não existem meios disponíveis e é preciso descobri-los. Entre­
tanto, em vez de tatear na busca de uma solução, através de uma série extensa de
explorações sensório-motoras explícitas e visíveis, como no estágio 5, a criança
“inventa” uma solução, através de um processo encoberto, que corresponde a ex­
perimentação interna, a uma exploração interior de formas e meios. Ao contrário
de qualquer dos estágios anteriores, a aquisição de algo genuinamente novo, agora
pode se dar implicitamente, antes da ação, e não mais exclusivamente através de
uma série de assimilações e acomodações realmente realizadas. Antes de analisar
com maiores detalhes a reação que caracteriza o estágio 6, vamos examinar alguns
exemplos deste tipo de reação que Piaget observou em seus filhos:

Observação 181 - Aos 1 í (23), Lucienne brinca, pela primeira vez, com um
carrinho de boneca cuja alça é da altura de seu rosto. Ela o empurra pelo tape
te. Quando chega na parede, ela o puxa, andando para trás. Como esta posição í
não lhe é conveniente, ela pára e sem hesitar passa para o outro lado e continua
a empurrar o carrinho. Assim, ela descobriu este procedimento em uma unica
tentativa, talvez por analogia com outras situações, mas sem treinamento, apren
dizagem ou obra do acaso.
Nesta mesma área de invenções, isto é, no âmbito das representações cine
máticas, é preciso mencionar o seguinte fato. Aos 1 ;10 (27), Lucienne ten
ajoclhar-sc num banquinho, mas ao encostar-se nele o empurra para mais l°n^
Então ela se levanta, pega o banquinho e o coloca de encontro a um 50
Quando o sente bem firme, abaixa-se c ajoelha sem dificuldade.

118
Observação 181 repetida Do mesmo modo, Jacqueline, com lí (9), se
aproxima dc uma porta fechada - com um punhado de grama em cada mão.
Ela estende a mao direita para o trinco, mas percebe que não pode virá-lo sem
deixar cair a grgina. Poc a grama no chão, abre a porta, pega a grama novamen-
te e entra. Porem, no momento em que deseja sair da sala, as coisas se compli­
cam 1 oe a grama no chao e pega na maçaneta. Mas percebe que se puxar a
porta cm sua direção, vai simultaneamente espalhar a grama que colocou entre
a porta e o batente. Então pega a grama e a coloca fora da área de movimento
da porta (ibid., pp. 338-39).

Vamos citar outia observação que, embora longa, é um exemplo especial­


mente gráfico do processo de invenção sensório-motora:

Observação 180- Outra invenção mental, decorrente de uma combinação


mental e não somente de uma aprendizagem sensório-motora, foi aquela que
permitiu que Lucienne redescobrisse um objeto dentro de uma caixa de fósfo­
ros. Com 1 ;4 (0), ou seja, um pouco antes do experimento anterior, brinco de
esconder a corrente na mesma caixa utilizada na Observação 179. Começo
abrindo a caixa tanto quanto possível e colocando a corrente dentro da tampa
(onde a própria Lucienne a coloca, porém mais no fundo). Lucienne, que já
havia praticado a ação de encher e esvaziar seu balde e outros recipientes, pega
a caixa e a vira sem hesitar. Obviamente, não há invenção neste gesto (trata-se
da simples aplicação de um esquema, adquirido através de tateamento), mas o
conhecimento deste padrão de comportamento de Lucienne é útil na compreen­
são do que segue.
Coloco então a corrente dentro de uma caixa de fósforos vazia (no lugar dos
fósforos) e fecho a caixa, deixando uma abertura de 10 mm. Lucienne inicial­
mente dá voltas completas no objeto, depois tenta pegar a corrente através da
abertura. Como não consegue, simplesmente coloca o dedo indicador na abertu­
ra e consegue pegar um pedaço da corrente que puxa até resolver completamen­
te o problema.
Aqui tem início o problema que desejamos enfatizar. Coloco a corrente no­
vamente na caixa e reduzo a abertura para 3 mm. Subentende-se que Lucienne
não conhece o mecanismo de abertura da caixa e que não me viu preparar o
experimento. Ela possui apenas os dois esquemas anteriores: virar a caixa para
esvaziá-la e por o dedo na abertura para tirar a corrente. Ela tenta, em primeiro
lugar, este último procedimento: põe o dedo e tateia, procurando a corrente,
mas fracassa completamente. Segue-se uma pausa durante a qual Lucienne mani­
festa uma reação muito curiosa que testemunha não só o fato de que ela tenta
pensar na situação e representa-la através da combinação mental das operações
que deve realizar, mas também o papel desempenhado pela imitação na gênese
das representações. Lucienne faz em mímica o aumento da abertura.
Olha atentamente para a abertura; depois, várias vezes seguidas, abre e fecha
a boca, a princípio levemente e depois cada vez mais! Tudo indica que Lucien­
ne compreende que existe uma cavidade abaixo da abertura e que deseja am­
pliar aquela cavidade. A tentativa de representação é expressa plasticamente,
isto é, dada a impossibilidade de imaginar a situação usando palavras ou ima­
gens visuais claras, ela usa uma simples indicação motora como “indicador” ou
símbolo. A reação motora que se apresenta para preencher esta função, é exata­
mente a imitação, isto é, a representação através de ações que, sem dúvida, antes
de qualquer imagem mental, possibilita não apenas dividir em partes os espetá­

119
culos presenciados, mas também evocá-los e reproduzi-los à vontade. Ao abrir a
boca, Luciennc expressa e até mesmo reflete seu desejo de aumentar a abertura
da caixa. Este esquema de imitação, com o qual está familiarizada, constitui
para ela o meio dc elaborar a situação. Sem dúvida, ele está associadc a um
elemento dc causalidade ou de eficiência mágico-fenomenística. Assim como
freqüentemente ela usa a imitação para agir sobre as pessoas e levá-las a repro­
duzir movimentos interessantes, é provável que o ato de abrir a boca diante da
abertura que deseja aumentar, signifique a presença de alguma idéia subjacente
de eficiência.
Logo após esta fase de reflexão plástica, Lucienne põe o dedo na abertura
sem hesitar, mas em lugar de tentar, como antes, alcançar a corrente com o
dedo, puxa a caixa de modo a aumentar a abertura! Consegue e pega a corrente
(ibid., pp. 337-38).

Piaget considera útil analisar o padrão do estágio 6 em termos dos proces­


sos de representação e invenção. O primeiro refere-se ao fato de que os vários
esquemas, cujas in te r-rel ações formam o padrão, são representados in te mamente
pela criança antes de serem explicitados através de ações. O segundo refere-se à
inter-relação destas representações.
Quanto à representação, Piaget afirma que o desenvolvimento do comporta­
mento eliciado por sinais, descrito nos estágios anteriores, passa por uma mudan­
ça extremamente importante no estágio 6. Agora a criança é capaz de representar
os acontecimentos ausentes no campo perceptual, através daquilo que Piaget cha­
ma de imagens simbólicas. O exemplo mais claro de imagem simbólica está conti­
do na observação citada acima. De acordo com Piaget, Lucienne faz uma repre­
sentação simbólica primitiva, mas genuína do esquema potencial (mas ainda não
realizado) de aumentar a abertura da caixa de fósforos. Esta representação assu­
me a forma de abrir e fechar a boca. O que Piaget está afirmando neste caso, é
que anteriormente à linguagem — sistema simbólico por excelência, através do
qual a criança é socializada —, há provas conclusivas de que a criança dispõe de
certos recursos simbólicos de natureza motora ou imagística que lhe permitem
algumas manipulações internas e limitadas da realidade. De fato, embora a falta de
espaço nos tenha impedido de discutir amplamente este assunto neste livro, nos
vários estágios anteriores ao estágio 6 estão bem claras as formas primitivas de
comportamento eliciadas por sinais, a partir dos quais a imagem simbólica evoluiu
(ibid., pp. 185-96; 247-52; 327-28; 355-56). O problema da representação
pré-verbal voltará a ser tratado no capítulo 4, quando consideraremos o desenvol­
vimento da imitação e da atividade lúdica ou brinquedo.
A natureza da invenção no estágio 6 pode ser expressa de uma maneira
bem simples: consiste em combinar internamente, em novas totalidades e através
do processo já familiar de assimilação recíproca, as representações dos vários es­
quemas que participam da ação a ser realizada:

A novidade da invenção está no fato de que os esquemas que compõem a ♦


ação permanecem, de agora em diante, num estado de atividade latente e com­
binam-se antes (e não depois) de sua aplicação externa e concreta. É por isso

120
que a invenção parece vir do nada. O ato que aparece subitamente resulta de
uma assimilação recíproca anterior, c não manifesta suas vicissitudes diante de
todos (ibid., p. 347).

Em resumo, a invenção através da dedução sensório-motora não é nada mais


do que uma reorganização espontânea de esquemas anteriores que se acomodam
por si à situação nova, através da assimilação recíproca. Até então, incluindo o
tateamento empírico, os esquemas funcionavam através de sua utilização real,
ou seja, mediante a aplicação real a um dado percebido concretamente.... Na
dedução preventiva, pelo contrário, os esquemas funcionam internamente por si
mesmos, sem requerer uma série de ações externas que os alimentem continua-
inente (ibid., pp. 347-48).

Com o advento da capacidade de representar ações, em vez de simplesmen­


te realizá-las, o período sensório-motor chega ao final, e a criança toma-se prepa­
rada para uma aprendizagem semelhante, porém mais longa e tortuosa, do uso de
símbolos. O final do período sensório-motor, portanto, coincide com o início do
período pré-operacional. Isto obviamente não significa que a criança não continua
a se desenvolver na esfera sensório-motora. Significa que de agora em diante as
adaptações intelectuais mais avançadas de que uma certa criança é capaz, terão
lugar numa arena mais conceitual-simbólica do que puramente sensório-motora.
E as adaptações intelectuais são, afinal, a preocupação central de Piaget.

121

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