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DIAGNÓSTICO OPERATÓRIO – PROVAS PIAGETIANAS QUE

AVALIAM O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO SUJEITO


Ptof. Cleo Sales

1. Introdução: Para se utilizar as Provas Piagetianas com uma compreensão


aprofundada é necessário conhecer a posição histórica e epistemológica da
Escola de Genebra, os conceitos fundamentais que tem a ver com o uso das
provas, o método clínico ou crítico piagetiano e as especificidades de cada prova.

2. Piaget: Ainda na Universidade iniciou estudos de malacologia (sobre


moluscos), observando os processos de adaptação destes ao meio (lagos). Era
sua tese de doutorado. Um de seus professores, Arnold Raymond, sugeriu a
Piaget que construísse uma teoria do conhecimento sobre a base de suas
descobertas biológicas.

2.1. Teorias de conhecimento vigentes na época:

INATISTA = os conhecimentos preexistem no sujeito.

MEIO AMBIENTALISTA = os conhecimentos provém do mundo externo.


As duas posições tinham um aspecto em comum: não eram experimentais; só
reflexivas. Piaget se propôs a pesquisar, fazendo um percurso primeiro pela
Suíça e posteriormente na França, para voltar a trabalhar na Suíça (Genebra).
Desenvolvendo a teoria INTERACIONISTA = o conhecimento é construído na
interação do sujeito com o meio.

3. O Método Clínico Piagetiano: Piaget nunca dedicou ao método uma escrita


exclusiva; as referências à estes aparecem isoladamente. Segundo Jorge
Visca(1999), o primeiro autor que trabalhou fazendo um apanhado geral do
método foi Vinh-Bang. E a primeira pessoa que sistematizou algumas provas foi
Bärbel Inhelder. Depois Bärbel, Bovet e Sinclairnum num livro cujo nome é
“Aprendizagem e Estruturas do Conhecimento”, organizaram e protocolizaram
outras provas.

3.1. Conceitos Principais Da Teoria Piagetiana: Para Piaget existem duas


grandes formas de adaptação dos seres vivos: a Embriogênesis e Psicogênesis.
Na embriogênesis, que é o primeiro período, se produz a adaptação dos seres
vivos exclusivamente como forma biológica, com diferenças pequenas, tanto no
reino vegetal quanto no animal e humano até o momento do nascimento.

Do nascimento em diante se produz a Psicogênesis. Que consiste na


construção de mecanismos psicológicos que facilitam ou permitem o intercâmbio
com o meio. Ao momento do nascimento o sujeito se encontra em uma situação
de adualismo, que significa que o sujeito ainda não percebe o mundo externo e
não percebe a si próprio como duas realidades, ou seja, não tem consciência de
si e do mundo externo, por isso o termo adualismo: “a” = negação/ não e
“dualismo” = dois.
Deste estado de indiscriminação o sujeito vai partir para atingir um nível de
pensamento altamente abstrato, mas terá que fazer um percurso de
aproximadamente 15 anos.

Inter-jogo entre Assimilação e Acomodação - Piaget diz que assimilação e


acomodação são invariantes funcionais: invariantes porque existem em todos os
seres vivos tanto vegetais como animais; e funcionais porque são mecanismos
de funcionamento de ser vivo. A assimilação e a acomodação são dois
mecanismos complementares. Não existe um sem o outro. Na assimilação o
sujeito incorpora o mundo externo a seus esquemas. Exemplo: imaginem que eu
estou acostumado a abrir a janela puxando-a, então me aproximo de outra janela
e quero abri-la do mesmo jeito. Estou vendo esta janela do meu modo, como
quero ver. A acomodação consiste na modificação do sistema pela resistência
do objeto ao esquema. Exemplo: Se eu não consegui abrir a janela do jeito que
eu sei, terei que aprender um outro jeito para abri-la.

3.2. Estágios do desenvolvimento cognitivo:


3.2.1. Sensório-Motor – Do nascimento aos 18/24 meses de vida da criança.
Este primeiro período se subdivide em seis subestágios, cujo traço principal é
que o sujeito não representa os objetos e de alguma forma "acredita" que os
objetos dependem dele.

Ao momento da nascimento o sujeito traz consigo uma bagagem reflexa


(sucção, preensão, etc..). A partir de um certo tempo, estes reflexos atingem um
nível de desenvolvimento diferente e se transformam em reações circulares
primárias. Na reação circular primária, a criança de mais ou menos dois meses,
suga seu próprio dedo. Se chama de reação circular toda a conduta que se
repete e alimenta um esquema (de sucção, por exemplo), mas a sucção do
próprio dedo não está contida no reflexo de sucção propriamente dito, é um
acréscimo que acontece na experiência. Posteriormente acontece a reação
circular secundária, que acontece com um objeto do mundo externo, por
exemplo quando a criança no berço começa a brincar com o chocalho. Isto
permite a coordenação de um esquema visual com um esquema auditivo com
um esquema tátil, e isto já produz a assimilação recíproca do esquema.

Num momento posterior, o sujeito age com a reação circular terciária que é
quando pega nos objetos e os joga no chão, a mãe devolve e a criança volta a
jogar e isto se produz repetidamente o que o sujeito está fazendo é experimentar
os efeitos de sua conduta sobre os objetos. Caseiramente, Piaget chama a
reação circular terciária de “reação para ver" o resultado de sua conduta sobre o
objeto. Este tipo de exercício é importante que o sujeito faça.

Por volta dos 18/24 meses, a criança começa a representar os objetos, com o
início de uma nova capacidade, que Piaget chama de função simbólica ou
semiótica. O pensamento adquire uma flexibilidade muito maior; a conduta do
sujeito é mais flexível, plástica, abrangente com relação ao mundo externo. O
que primeiro era um egocentrismo radical aos poucos vai se abrindo. A função
simbólica ou semiótica possibilita uma nova reorganização cognitiva, dando
início ao Estágio Pré-operatório.

3.2.2. Pré-Operatório - nos processos normais vai dos 18/24 meses até os 7/8
anos. Sua caraterística é que o sujeito orienta-se pela percepção. Neste período
pré-operatório o sujeito necessita agir sobre os objetos. Subdivide-se em:
 Simbólico  Dos 2 anos até os 3 ou 3 anos e meio.
 Intuitivo  se subdivide em dois períodos: simples ou global 4 anos e meio
a 5 anos) e intuitivo articulado (até os 7/8 anos).

Condutas da criança pré operatória:

 Imitação Diferida – tendência a se acomodar ao objeto externo para


poder reproduzir esta conduta. Acomodação pura; ex.: criança imita mãe
cozinhando.
 Jogo Simbólico – a criança pega os objetos ou situações e os
incorpora aos seus esquemas. Predominância da assimilação. Exemplo: Usar
uma caneta como se fosse um cigarro. (Transforma o objeto em algo que deseja.

 Desenho - num primeiro momento é a garatuja – existe um inter-jogo


entre a assimilação e a acomodação. Ex.: um mesmo desenho em diferentes
momentos representa diferentes coisas.

 Palavra ou Linguagem - o sujeito chama as coisas, os objetos, com


algum som, de alguma forma, construindo um instrumento de intercâmbio
simbólico.

 Imagem Mental - é mais difícil de ser observada porque é uma


representação interna. As anteriores podem ser filmadas ou descritas por
alguém. No entanto, a imagem mental só pode ser pesquisada; por exemplo,
pede-se a um sujeito que tateie um objeto por detrás de um anteparo (que ele
não esteja vendo). Outro jeito de pesquisar a imagem mental é dar um objeto
detrás de um anteparo, para que o sujeito tateie e desenhe. Se é um sujeito que
tem interiorizado um modelo de uma chave antiga e eu lhe der para adivinhar
uma chave nova, ele vai desenhar a chave antiga. O importante é que a partir
deste momento evolutivo, o sujeito se percebe como um objeto entre os objetos.
Piaget diz que a construção da psique - que nós podemos chamar de construção
da identidade, e a construção do real/externo - que nós podemos chamar de
identificação, são solidárias, ou seja, que acontecem ao mesmo tempo. São
como verso e reverso da mesma moeda. Estas duas construções são analisadas
nas obras “A construção do real na criança”, de Piaget e “A Psicologia da
Criança”, de Barbel Inhelder, respectivamente.

Uma das características do Intuitivo Global ou simples é que o sujeito além de


guiar-se pelas percepções, percebe totalidades. Por exemplo: Se nós
colocamos diante de um sujeito do global duas coleções de elementos, com
diferentes números de elementos cada coleção, mas com o mesmo comprimento
de fileira o sujeito vai achar que ambas coleções tem o mesmo tanto de
elementos porque percebe a globalidade, o total.
Além disso, o pensamento também apresenta outras características, por
exemplo, no estabelecimento das relações causais e com uma característica que
se chama de pensamento transdutivo. Nas relações causais não está
claramente estabelecida a relação entre antecedente e conseqüente (causa e
efeito). Por exemplo: Se perguntamos para uma criança por que a lua está no
céu, ela pode responder: “porque a cor é prata”; ou então se perguntamos por
que o trem caminha, ela pode responder: “Porque tem fumaça”. Ela concentra-
se num aspecto atrativo de uma situação e por analogia generaliza do particular
para o particular.
A diferença entre a percepção do intuitivo simples e do intuitivo articulado é que
no articulado o sujeito reconhece que o número de elementos de duas
coleções é o mesmo sempre que os elementos se encontram em uma
disposição espacial e que permite reconhecer a relação termo a termo ou seja
frente a frente, como nestas duas coleções de fichas que estão frente a frente:

3.2.3. Estágio Operatório Concreto: 7/8 anos até 11/12 anos. Neste estágio o
sujeito orienta-se pelo raciocínio. Todo período anterior ao operatório concreto
caracteriza-se através do agir do sujeito sobre os objetos. Quando o sujeito é
capaz de interiorizar em pensamento uma ação, dizemos que seu nível de
desenvolvimento cognitivo se situa no estágio do pensamento operatório
concreto. Este é o traço principal do operatório concreto: a reversibilidade, ou
seja, a capacidade de interiorização em pensamento do agir concreto.

No período anterior (pré-operatório) por exemplo, se vocês apresentavam duas


bolinhas de massa com a mesma quantidade de massa e deformavam uma
bolinha como salsicha e perguntavam para a criança se a bolinha e a salsicha
tinham o mesmo “tanto” de massa, o sujeito necessitava fazer com a salsicha
uma bolinha porque ainda não consegue anular a operação só em pensamento.
No operatório concreto o sujeito não necessita agir sobre o objeto em concreto
porque pode anular a operação em pensamento. A reversibilidade se consegue
por dois fatores:

 Imagem Mental – o sujeito percebe o objeto e guarda a imagem em


sua tela mental (por exemplo, olha a bolinha e guarda a sua imagem).

 Anulação - realiza operações de anulação da imagem mental - retida


em sua tela mental - que se apresentam em três classes:

 Identidade – consiste quando o sujeito explana que o tanto é o mesmo


porque na salsicha não se tirou ou acrescentou nada de massa

 Inversão (reversibilidade) – o argumento é a inversão quando o sujeito diz:


“Se voltar a fazer uma bolinha com a salsicha vai perceber que é o mesmo
tanto”.

 Compensação – quando o sujeito diz que a salsicha é mais comprida, porém


é mais fina.

Obs.: Quando o argumento que o sujeito usa indica reversibilidade de


pensamento, não é necessário fazer para saber.
O operatório concreto apresenta como todos os períodos: um início, um meio e
um fim. INÍCIO: observa-se por exemplo, que o sujeito conserva o que se chama
de invariante de massa (o tanto de massa será o mesmo indiferente da forma do
objeto).

MEIO: por volta dos 9 anos aproximadamente o sujeito conserva peso, percebe
que qualquer que seja a forma de objeto o peso se mantém permanente.

FIM: por volta dos 11/12/13 anos percebe que independente da forma de um
objeto o espaço ocupado por ele vai ser o mesmo, ou seja o seu volume.

O sujeito vai atingir esta capacidade paulatinamente e numa ordem de sucessão


constante. Não se pode pular níveis, ou seja, não se pode atingir peso e depois
massa.

O sujeito que atinge a invariante de volume faz o encerramento do operatório


concreto e dá-se o início de um novo nível chamado de Formal ou Hipotético
Dedutivo.
3.2.4. O Pensamento formal ou hipotético dedutivo: inicia-se por volta dos
12/13 anos e nos processos normais evolutivos culmina por volta dos 15.
Também possui dois patamares: um anterior aos 14 anos e um posterior aos 14
anos.

A diferença entre o pré-operatório, o operatório concreto e o operatório formal, é


que no pré-operatório o sujeito necessita agir sobre os objetos; no operatório
concreto o sujeito necessita ter os objetos diante dele mas não agir sobre os
objetos e no operatório formal - hipotético dedutivo, o sujeito consegue pensar
sobre os objetos que não estão presentes e em suas possíveis combinações.

4. Conclusão e orientação para a aplicação das provas do diagnóstico


operatório: Piaget percebeu que a cada nível da construção cognitiva, o
indivíduo passa a perceber as coisas de forma mais elaborada, e que ninguém
pode aprender além da estrutura cognitiva que possui. Portanto, diante de uma
criança com dificuldade de aprendizagem devemos investigar o seu nível de
desenvolvimento cognitivo, mapeando as possibilidades reais desse sujeito.

. Referências bibliográficas:

Referências citadas em aula pelo Professor Jorge Visca, durante o Módulo


“Introdução ao Estudo das Funções Cognitivas no Modelo Diagnóstico da
Epistemologia Convergente”, constante do curso FORMAÇÃO EM CLÍNICA
PSICOPEDAGÓGICA, realizado pelo CEP-Curitiba em 1.999, acrescido de
informações contidas nos livros:

Visca,J. El diagnóstico Operatório en la practica psicopedagogica. Buenos


Aires: Visca & Visca Editores, 1987.

Visca,J. El diagnóstico Operatório de adolescentes y adultos en la practica


psicopedagogica. Buenos Aires: Visca & Visca Editores, 2002.

Nunes Carraher, T. O método Clínico: usando os exames de Piaget. São Paulo:


Cortez editora, 1983.

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