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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 6791


Requerentes: Partido dos Trabalhadores – PT e outros
Requeridos: Governador e Assembleia Legislativa do Estado do Paraná
Relator: Ministro DIAS TOFFOLI

Educação. Lei nº 20.338/2020, do Estado do Paraná, que institui


o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná para
instituições de ensino da rede de educação básica, e artigo 1º,
inciso VI, da Lei estadual nº 18.590/2015, que excetua as escolas
cívico-militares da obrigação legal de realizarem consulta à
comunidade escolar para a escolha de seus respectivos diretores.
Preliminar. Inobservância do ônus da impugnação especificada
quanto à integralidade das disposições contidas na Lei estadual
nº 20.338/2020. Conhecimento parcial. Mérito. Ausência de
usurpação da competência da União para editar normas sobre
educação e ensino. O Programa Nacional das Escolas Cívico-
Militares – PECIM foi instituído no plano federal com o
propósito de inovar e aprimorar o processo de gestão
educacional, didático-pedagógica e administrativa. O Estado do
Paraná atuou no âmbito de sua competência de tornar
específicas, à comunidade local, as diretrizes fixadas pela
legislação geral. Os colégios cívico-militares não são instituições
de ensino destinadas à carreira militar, não possuem gestão
pedagógica militar e tampouco se comunicam diretamente com o
serviço militar obrigatório. A adesão ao programa é facultativa
pelos entes da Federação. Improcedentes as alegações de
militarização precoce de jovens, de esvaziamento da gestão
democrática da escola e da valorização de profissionais da
educação. As normas estaduais observam a voluntariedade do
estudante e preveem consulta à comunidade escolar.
Manifestação pelo conhecimento parcial da presente ação direta
e, no mérito, pela improcedência do pedido formulado pelos
requerentes.

Egrégio Supremo Tribunal Federal,

O Advogado-Geral da União, tendo em vista o disposto no artigo


103, § 3º, da Constituição da República, bem como na Lei nº 9.868, de 10 de
novembro de 1999, vem, respeitosamente, manifestar-se quanto à presente ação
direta de inconstitucionalidade.
I – DA AÇÃO DIRETA

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de


medida cautelar, proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT, pelo Partido
Socialismo e Liberdade – PSOL e pelo Partido Comunista do Brasil – PCdoB,
tendo por objeto a Lei nº 20.338, de 06 de outubro de 2020, do Estado do Paraná,
que institui o Programa Colégios Cívico-Militares para instituições de ensino da
rede de educação básica de referido ente. A presente ação direta também impugna
o artigo 1º, inciso VI, da Lei paranaense nº 18.590, de 15 de outubro de 2015, que
excetua as escolas cívico-militares da obrigação legal de realizarem consulta à
comunidade escolar para a escolha dos respectivos diretores. Eis o teor das normas
impugnadas:

Lei nº 20.338/2020

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Institui o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná para


instituições de ensino da Rede Estadual de Educação Básica a serem
selecionadas conforme critérios estabelecidos nesta Lei.

§ 1º O Programa de que trata o caput deste artigo tem a finalidade de


promover a melhoria da qualidade da educação ofertada no Ensino
Fundamental e no Ensino Médio.

§ 2º As instituições de ensino selecionadas funcionarão em regime de


cooperação, por meio de Termo de Cooperação Técnica, entre a
Secretaria de Estado da Educação e do Esporte e a Secretaria de Estado
da Segurança Pública do Paraná.

§ 3º Este Programa é complementar às políticas de melhoria da


qualidade da educação básica em âmbito estadual e não implicará no
encerramento ou na substituição de outros programas.

§ 4º Para implantação do disposto neste artigo serão consideradas as


instituições de ensino já credenciadas e em pleno funcionamento, as
quais passarão por processo de conversão, e as unidades novas, as quais
poderão ser criadas e autorizadas no modelo cívico-militar.

§ 5º As atividades extracurriculares cívico-militares que comporão o


Programa serão definidas conjuntamente pela Secretaria de Estado da
Educação e do Esporte e pela Secretaria de Estado da Segurança

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 2


Pública.

CAPÍTULO II
DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES

Art. 2º Além dos princípios e fins comuns a todas as instituições de


ensino da Rede Pública Estadual são princípios dos Colégios Cívico-
Militares do Paraná:
I - a oferta de educação básica de qualidade aos estudantes das
instituições de ensino públicas estaduais;
II - o atendimento, preferencialmente, às instituições de ensino públicas
regulares em situação de vulnerabilidade social;
III - o desenvolvimento de ambiente escolar adequado que promova a
melhoria do processo ensino-aprendizagem;
IV - a gestão de excelência em processos educacionais, pedagógicos e
administrativos;
V - a promoção dos direitos humanos e cívicos, respeito à liberdade e o
apreço à tolerância como garantia do exercício da cidadania e do
compromisso com a superação das desigualdades educacionais;
VI - a adoção de modelo de gestão que proporcione a igualdade de
oportunidades de acesso, permanência e excelência educacional, sendo
vedada a seleção de estudantes por meio de teste seletivo de qualquer
natureza;
VII - o incentivo as boas práticas para a melhoria da qualidade do ensino
público, com ênfase no respeito à Pátria, à ética e à honestidade;
VIII - coparticipação da comunidade escolar e das Corporações.

Art. 3º São objetivos do Programa dos Colégios Cívico-Militares do


Paraná:
I - garantir o cumprimento das diretrizes e metas estabelecidas no Plano
Estadual de Educação do Paraná, aprovado pela Lei nº 18.492, de 24 de
junho de 2015;
II - desenvolver ações que assegurem políticas públicas que promovam
a melhoria da qualidade da educação pública no Estado do Paraná, com
ênfase na aprendizagem e na equidade; I
II - atuar no enfrentamento da violência e promover a cultura da paz no
ambiente escolar;
IV - estimular a integração da comunidade escolar;
V - colaborar para a formação humana e cívica, garantindo liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e
o saber;
VI - auxiliar no enfrentamento das causas de repetência e abandono
escolar com vistas a garantir igualdade de condições para o acesso e a
permanência dos estudantes na escola;
VII - contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho dos
profissionais da educação e da infraestrutura das unidades estaduais de
ensino.

Art. 4º São diretrizes do Programa dos Colégios Cívico-Militares do


Paraná:

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 3


I - elevação da qualidade de ensino medida pelo Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB);
II - estabelecimento de parceria por meio de acordo de cooperação entre
a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte e a Secretaria de
Estado de Segurança Pública do Paraná;
III - gestão e organização do trabalho escolar pautadas na gestão
pedagógica eficiente, conduzida por professor efetivo da Secretaria de
Estado da Educação e do Esporte, e gestão das atividades cívico-
militares conduzida por militares do Corpo de Militares Estaduais
Inativos Voluntários (CMEIV) da Secretaria de Segurança Pública do
Paraná.

CAPÍTULO III
DAS COMPETÊNCIAS

Art. 5º Compete à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte:


I - a escolha das instituições de ensino que farão parte do Programa,
respeitada a vontade da comunidade escolar;
II - a conscientização da comunidade escolar sobre a importância da
implementação dos colégios cívico-militares;
III - a edição dos atos normativos necessários à operacionalização, à
gestão e à implantação do Programa;
IV - prestar apoio técnico e financeiro às instituições participantes do
Programa;
V - ofertar formação continuada aos profissionais da educação e do
CMEIV que atuarão nos colégios cívico-militares em parceria com a
Secretaria de Segurança Pública do Paraná;
VI - implementar o modelo de colégios cívico-militares do Paraná nas
instituições de ensino estabelecidas conforme art. 1.º desta Lei;
VII - definir metodologia de monitoramento e avaliação para as
instituições participantes do programa;
VIII - realizar em colaboração com a Secretaria de Segurança Pública
do Paraná, o processo seletivo dos profissionais do CMEIV que atuarão
nos colégios cívico-militares do Paraná;
IX - disponibilizar o corpo docente e os demais profissionais da
educação necessários à implementação do Programa;
X - definir as diretrizes pedagógicas, acompanhar, gerenciar e orientar
as instituições educacionais envolvidas;
XI - elaborar a proposta pedagógica para os colégios cívico-militares
do Paraná, Projeto Político Pedagógico (PPP) e Regimento Interno,
respeitada a legislação especifica.

Parágrafo único. Cabe à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte,


a qualquer tempo, determinar o afastamento dos integrantes do CMEIV
que estiverem desempenhando as atribuições de que trata esta Lei, caso
não atendam às diretrizes do Programa.

Art. 6º Compete à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná:


I - realizar o chamamento dos integrantes do CMEIV que atuarão nos
Colégios Cívico-Militares do Paraná, como prestadores de tarefa por
tempo certo, para o desempenho das atividades cívico-militares;
ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 4
II - garantir que os deveres dos militares que integram o Programa
sejam cumpridos, pautados na salvaguarda da comunidade escolar de
toda forma de violência, na proteção das pessoas contra atos ilegais, na
defesa dos direitos humanos, na defesa da criança e do adolescente de
toda forma de discriminação, violência, exploração, levando-se em
consideração sua condição de pessoa em desenvolvimento.

Art. 7º Compete às instituições de ensino participantes do Programa


Colégios Cívico-Militares do Paraná:

I - adotar e implementar o Programa Colégios Cívico-Militares do


Paraná, elaborado pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte
em colaboração com a Secretaria de Estado da Segurança Pública do
Paraná, com atendimento às suas especificidades;
II - garantir as condições para a implementação do programa dispostas
no termo de cooperação entre Secretaria de Estado da Educação e do
Esporte e Secretaria de Estado da Segurança Pública;
III - elaborar diagnóstico e plano de ação para a implementação do
programa de Colégios Cívico-Militares do Paraná;
IV - zelar pela garantia da qualidade do processo educacional;
V - prestar informações ao respectivo Núcleo Regional de Educação e
à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte sobre a execução do
Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná;
VI - incluir no ambiente escolar as atividades desenvolvidas pelos
integrantes do CMEIV que atuarão nos Colégios Cívico-Militares do
Paraná, observados os princípios éticos de respeito aos direitos
humanos, a proteção à dignidade humana, o zelo pelos direitos
fundamentais de toda a comunidade escolar e a diversidade.

CAPÍTULO IV
DO MODELO E COMPOSIÇÃO

Art. 8º O modelo de Colégios Cívico-Militares do Paraná é o conjunto


de ações promovidas com vistas à gestão de excelência nas áreas
pedagógica, administrativa e de atividades cívico-militares.

§ 1º O modelo disposto no caput deste artigo terá a seguinte composição


para cada instituição de ensino:

I - integrantes do quadro de servidores públicos civis:


a) um professor do Quadro Próprio do Magistério para suprir a função
de Diretor-Geral de Instituição de Ensino;
b) Diretor-Auxiliar, corpo docente, equipe pedagógica e administrativa,
conforme demanda especificada em norma própria;
II - integrantes do CMEIV:
a) um militar para a atribuição de Diretor Cívico-Militar;
b) dois militares para a atribuição de monitor até o limite máximo de
quatro, conforme porte da instituição de ensino.

§ 2º O Diretor Cívico-Militar exercerá a gestão na área de infraestrutura,


patrimônio, finanças, segurança, disciplina e de atividades cívico-

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 5


militares.

§ 3º Os monitores atuarão nas atividades extracurriculares de natureza


cívico-militar e auxiliarão o Diretor Cívico-Militar nas áreas a que se
refere o § 2º deste artigo, conforme normas complementares para o
cumprimento do disposto nesta Lei.

Art. 9º Os militares do CMEIV serão selecionados para atuar nos


colégios cívico-militares como prestadores de tarefa por tempo certo.

§ 1º A seleção será realizada por meio de processo seletivo conduzido


pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, em colaboração
com a Secretaria de Estado da Segurança Pública.

§ 2º O Diretor Cívico-Militar será indicado pela Secretaria de Estado da


Educação e do Esporte, a qual fará a seleção por meio de entrevista e
avaliação.

§ 3º É vedada a prestação da tarefa por prazo superior a quatro anos na


mesma instituição de ensino.

§ 4º A prestação de tarefa por tempo certo tem caráter precário, não


gerando qualquer direito indenizatório ao militar afastado antes do
prazo inicialmente previsto.

Art. 10. O Diretor-Geral de Instituição de Ensino será selecionado e


designado pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte por meio
de processo seletivo.

§ 1º Os professores que possuem lotação nas instituições de ensino que


passarem a ser cívico-militares terão seus direitos assegurados nos
termos da legislação específica, não sendo admitidas novas lotações.

§ 2º Os demais servidores públicos civis serão designados pela


Secretaria de Estado da Educação e do Esporte por meio de ordem de
serviço ou, em caso de necessidade temporária de excepcional interesse
público, serão contratados por tempo determinado, nos termos da Lei
Complementar nº 108, de 18 de maio de 2005.

Art. 11. À seleção do Diretor-Geral de Instituição de Ensino, do


Diretor-Auxiliar e do Diretor Cívico-Militar não se aplica o processo de
consulta de que trata a Lei nº 18.590, de 13 de outubro de 2015.

Art. 12. A Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, em conjunto


com a Secretaria de Estado da Segurança Pública, deverá propor a
realização de capacitação para todos os profissionais envolvidos no
Programa de que trata esta Lei.

CAPÍTULO V
DA SELEÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO E DA
AVALIAÇÃO

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 6


Art. 13. Para a seleção das instituições de ensino serão considerados os
seguintes critérios:
I - municípios que dispõem de, no mínimo, dois Colégios Estaduais que
ofertem ensino fundamental e médio regular situados na zona urbana;
(Redação dada pela Lei 20505 de 15/01/2021)
II - as instituições de ensino poderão apresentar uma ou mais das
seguintes características: (Redação dada pela Lei 20505 de 15/01/2021)
a) alto índice de vulnerabilidade social; (Redação dada pela Lei 20505
de 15/01/2021)
b) baixos índices de fluxo escolar; (Redação dada pela Lei 20505 de
15/01/2021)
c) baixos índices de rendimento escolar; (Redação dada pela Lei 20505
de 15/01/2021)
d) possuir prédio próprio (Redação dada pela Lei 20505 de 15/01/2021)
III - aprovação da comunidade escolar para implantação do Programa,
por meio de consulta pública, observado o seguinte:
a) o quórum para a validade da consulta será de maioria absoluta dos
integrantes da comunidade escolar;
b) o quórum para a aprovação da proposta será de maioria simples;
c) em caso de quórum insuficiente para validar a proposta, a consulta
deverá ser repetida quantas vezes forem necessárias até atingir a
maioria absoluta de participantes.
IV - as instituições de ensino a partir do momento que forem
selecionadas e validadas pela comunidade escolar por meio de consulta
pública, para implementar o programa dos colégios cívico-militares,
para o próximo ano letivo, não poderão: (Incluído pela Lei 20505 de
15/01/2021)
a) ofertar ensino integral; (Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)
b) ser CEEBJA; (Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)
c) ofertar ensino técnico; (Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)
d) ofertar ensino noturno; (Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)
e) ser instituições: rural, indígena, quilombola ou conveniadas;
(Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)
f) ter dualidade administrativa. (Incluído pela Lei 20505 de 15/01/2021)

Art. 14. O Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná será avaliado


continuamente, como forma de aferição da melhoria e do atingimento
das metas do modelo proposto.

§ 1º Serão objeto de avaliação pela Secretaria de Estado da Educação e


do Esporte as atividades de apoio à gestão pedagógica e à gestão
administrativa do Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná.

§ 2º Ato da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte definirá as


metas e a metodologia de mensuração de resultados do Programa.

CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 15. A implantação e a ampliação do Programa ocorrerá conforme


disponibilidade orçamentária e financeira do Estado.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 7


Art. 16. Compete à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte a
coordenação estratégica e implementação das ações do Programa
Colégios Cívico-Militares do Paraná.

§ 1º O apoio financeiro para a contratação de serviços relativos aos


Colégios Cívico-Militares do Paraná ficará a cargo da Secretaria de
Estado da Educação e do Esporte.

§ 2º A Secretaria de Estado da Educação e do Esporte será responsável


pela aquisição dos uniformes para os estudantes das instituições de
ensino selecionadas, respeitada a disponibilidade orçamentária e
financeira do Estado.

Art. 17. Os militares que atuarem nos colégios cívico-militares do


Paraná não serão considerados, para todos os fins, como profissionais
da educação básica, nos termos do disposto no art. 61 da Lei Federal n.º
9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Art. 18. Para a execução do Programa, poderão ser firmados convênios,


termos de compromisso, acordos de cooperação, termos de execução
descentralizada, ajustes ou outros instrumentos congêneres, com órgãos
e entidades da administração pública federal, estadual, municipal e
distrital e com entidades privadas sem fins lucrativos.

Art. 19. Aos Diretores-Gerais de Instituição de Ensino e Diretores


Auxiliares se aplicam, respectivamente, as gratificações previstas no
inciso III e no parágrafo único do art. 27 da Lei Complementar nº 103,
de 15 de março de 2004.

Art. 20. Aos militares do CMEIV serão atribuídas as diárias de que trata
o art. 37 da Lei nº 19.130, de 25 de setembro de 2017, cujo valor variará
conforme a atribuição desempenhada na instituição de ensino.

Art. 21. Altera o § 1º e o § 6º do art. 33 da Lei nº 19.130, de 2017, que


passam a vigorar com as seguintes redações:

§1º O integrante do CMEIV poderá exercer atividades civis nos


termos do inciso I do art. 24-I do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho
de 1969, assim como, na área de Segurança Pública, exercer
atividades externas, atividades administrativas internas,
atividades em colégios cívico-militares, a guarda de próprios
públicos e atividade de brigada de incêndio, com o objetivo de
preservação da incolumidade das pessoas e dos edifícios e de
garantir as atividades do ente público.

(...)

§6º O CMEIV poderá ser composto por militares estaduais


inativos de todos os postos e graduações.

Art. 22. Acrescenta os §§ 7º, 8º, 9º e 10 ao art. 33 da Lei nº 19.130, de

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 8


2017, com a seguinte redação:

§7º O exercício das atividades constitui prestação de tarefa por


tempo certo, de caráter voluntário, e não caracteriza a ocupação
de cargo ou emprego público nem o exercício de função pública.

§8º A prestação da tarefa por tempo certo visará à execução de


determinada tarefa de caráter eventual e finito ou o exercício de
determinado encargo por tempo predeterminado.

§9º O integrante do CMEIV não poderá exercer a tarefa por mais


de quatro anos no mesmo órgão.

§10. O integrante do CMEIV poderá exercer atividades em


escolas cívico-militares.

Art. 23. A Secretaria de Estado da Educação e do Esporte e a Secretaria


de Segurança Pública do Paraná editarão, no âmbito de suas
competências, normas complementares para o cumprimento do
disposto nesta Lei.

Art. 24. Esta Lei não se aplica aos Colégios da Polícia Militar, os quais
são regidos por ato do Comandante-Geral da PMPR.

Art. 25. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Lei nº 18.590/2015

Art. 1. A designação de Diretores e Diretores Auxiliares da Rede


Estadual de Educação Básica do Paraná é competência do Poder
Executivo, nos termos desta Lei, mediante delegação da escolha à
Comunidade Escolar, em consulta realizada simultaneamente em todos
os estabelecimentos de ensino.

Parágrafo único. Excetuam-se da presente Lei os estabelecimentos de


ensino:
(...)
VI - cívico-militares; (Incluído pela Lei 20.358 de 26/10/2020).

Os requerentes sustentam, de início, que a Lei estadual nº


20.338/2020 estabeleceria as bases de um novo programa escolar da Rede de
Educação Básica do Estado do Paraná e criaria um verdadeiro projeto de
militarização da escola civil que não guardaria “qualquer relação com o
programa do MEC instituído pelo Decreto Federal 10.004/19” (fl. 04 da petição
inicial).

Aduzem, nessa vertente, que a “militarização das escolas públicas”

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 9


representaria a “antítese institucional do espírito republicano e democrático
advento do pacto de 1988” e que a educação civil deveria seguir como base
estrutural da democracia. Nesse viés, argumentam que regimes autoritários se
estabeleceriam mediante “pequenas e aparentemente inofensivas alterações no
sistema constitucional” e que a Constituição da República de 1988 teria
promovido a separação das ordens civil e militar, não havendo em nosso
ordenamento jurídico “nada que se apresentasse como ‘cívico-militar’” (fls. 08 e
10 da petição inicial).

Os autores apontam diversos aspectos da Lei estadual nº 20.338/2020


que estariam em descompasso com os preceitos constitucionais invocados como
parâmetro de controle. Em primeiro plano, afirmam que as normas constantes de
referido diploma legal padeceriam de inconstitucionalidade formal, por usurpação
de competência privativa da União para legislar sobre princípios e diretrizes do
sistema educacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República1).

Nessa vertente, argumentam que a lei estadual não se limitaria a


instituir um modelo de gestão da educação, mas um novel modelo educacional,
com viés militar e amparado em princípios e diretrizes próprios não contidos na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96, a qual
consolidaria elementos norteadores aplicáveis somente às escolas civis e
direcionaria o ensino militar, de caráter supostamente residual, às disposições
contidas em lei específica2.

Em reforço à caracterização desse alegado novo modelo de ensino,


afirmam que a coparticipação de corporações na gestão educacional (artigo 2o,

1
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXIV – diretrizes e base da educação nacional;
2
Lei de Diretrizes e Bases da Educação:
“Art. 83. O ensino militar é regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as
normas fixadas pelos sistemas de ensino”.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 10


inciso VIII, da Lei nº 20.338/2020), assim como a previsão normativa de que o
diretor militar e seus auxiliares sejam selecionados dentre militares inativos do
Estado (artigo 9º do mesmo diploma legal) seriam exemplos de contrariedade às
disposições constantes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, por
conseguinte, de ofensa à competência da União para editar normas gerais sobre
educação, nos termos do artigo 24, inciso IX, §§ 1º e 2º, da Carta da República3.

De acordo com os requerentes, a norma estadual não disporia sobre


qualquer exigência relacionada à formação ou capacitação de diretores e
monitores das escolas, limitando-se a exigir somente a condição de militar do
Corpo de Militares Inativos Voluntários do Estado do Paraná – CMEIV para
ocupar tais postos. Previsões desse jaez, segundo afirmam, violariam a
competência da União para dispor sobre normas gerais relacionadas à educação.

Em outra vertente, os autores também apontam aspectos da lei que


igualmente estariam em descompasso com o texto constitucional e, por essa razão,
padeceriam de inconstitucionalidades de natureza material por ofensa ao princípio
da valorização do profissional da educação e da gestão democrática da escola; por
impor a militarização precoce aos jovens e impedir o exercício do direito do
imperativo de consciência; por violar os direitos e garantias fundamentais de
crianças e adolescentes, em desrespeito ao poder familiar; por extrapolar as
atribuições constitucionais da força militar estadual e por ofender os princípios
constitucionais da isonomia, razoabilidade e legalidade (artigos 143, § 1º; 144, §
5º; 206, incisos V e VI; e 227, todos da Constituição Federal4).

3
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados”.
4
“ Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 11


Em análise às referidas ofensas constitucionais, os autores defendem
que o conceito de escola civil-militar não albergaria uma gestão democrática da
escola pública e carregaria “em seus valores e sentido uma diminuição do espaço
para diálogo e construção conjunta”, a caracterizar ofensa ao artigo 206, inciso
IV, da Carta da República (fl. 19 da petição inicial).

Enfatizam que o artigo 1º, inciso VI, da Lei estadual nº 18.590/15,


juntamente com o artigo 11 da Lei estadual nº 20.338/2020 afrontariam o disposto
no artigo 206, inciso IV, da Carta da República, pois os comandos normativos das
referidas disposições legais afastariam a possibilidade de “oitiva da comunidade
escolar sobre a forma de sua administração, em evidente violação ao princípio
da gestão democrática do ensino” (fl. 08 da petição inicial).

Mencionam que, no âmbito do Estado do Paraná, embora a


designação do cargo de Diretor seja do Governador, a escolha da direção da escola
pública estadual deveria ser precedida de um processo de consulta à comunidade
local, de acordo com os parâmetros fixados pela Lei estadual nº 14.231/2003,
recentemente substituída pela Lei estadual nº 18.590/2015, com semelhante teor.

No entanto, a lei questionada teria disposto de forma diversa,

§ 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após
alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de
convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.”

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros
militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.”

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
(...)
V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com
ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;”

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 12


afastando das escolas militarizadas esse processo de consulta à comunidade
escolar. De acordo com os requerentes, não haveria razão para que “as
comunidades de algumas escolas da rede estadual sejam consultadas e outras
não. A comunidade escolar que se forma em torno de uma escola militarizada –
atualmente mais de duzentas – fica privada do direito constitucional de participar
da gestão da escola, o qual, por lei estadual, é conferido às demais escolas da
rede” (fl. 22 da petição inicial).

Os autores também exploram a temática da valorização dos


profissionais da educação e alegam usurpação de funções exclusivas em razão da
inobservância da regra do concurso público exigido pelo artigo 206, inciso V, da
Carta, uma vez que os militares integrantes do CMEIV ficariam “vinculados
administrativamente à Polícia Militar, para efeitos de chamamento, ingresso e
controle” (fl. 23 da petição inicial). Afirmam que também haveria ofensa ao
princípio da legalidade que rege os cargos públicos, pois os militares inativos
ocupariam esses cargos sem a respectiva e prévia criação por lei.

Em outra linha argumentativa, sustentam que em muitos municípios


do Estado do Paraná haveria apenas uma escola estadual, circunstância que
impediria a livre escolha de alunos, pais e responsáveis; reforçaria a escolarização
militar compulsória como antecipação do serviço militar obrigatório; e mitigaria
os direitos constitucionais garantidos a crianças e adolescentes.

Com amparo nos argumentos mencionados, os autores pedem a


concessão de medida cautelar para suspender os efeitos da Lei nº 20.338/20, bem
como do artigo 1º, inciso VI, da Lei 18.590/15, ambas do Estado do Paraná,
“interrompendo-se os procedimentos administrativos voltados a implementação
das mencionadas escolas cívico-militares” (fl. 33 da petição inicial).

No mérito, requerem a procedência do pedido para: i) declarar a


inconstitucionalidade formal da Lei nº 20.338/20, por usurpação de competência

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 13


legislativa da União e afronta aos artigos 22, inciso XXIV, e 24, §1º e §2º, da
Constituição Federal; ii) declarar a inconstitucionalidade material da Lei nº
20.338/20, em sua integralidade, por violação aos artigos 206, incisos V e VI;
227, caput; 143, §1º; e 144, § 5º, bem como aos princípios constitucionais da
isonomia, razoabilidade e legalidade; iii) declarar a inconstitucionalidade material
do inciso VI do artigo 1º da Lei nº 18.590/15, por ofensa ao artigo 206, inciso VI,
da Constituição Federal.

O processo foi distribuído ao Ministro DIAS TOFFOLI, que, nos termos


do rito previsto pelo artigo 12 da Lei nº 9.868/1999, solicitou informações às
autoridades requeridas, bem como determinou a oitiva do Advogado-Geral da
União e do Procurador-Geral da República.

Em atendimento à solicitação, a Assembleia Legislativa do Estado


do Paraná suscitou, em caráter preliminar, ofensa reflexa à Constituição Federal
em face da necessidade de confrontação das normas impugnadas na presente ação
direta com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Em análise de mérito, defendeu que a tramitação das proposições


legislativas que deram origem às Leis estaduais nº 20.338/2020 e nº 18.590/2015
observara todos os ditames constitucionais, legais e regimentais inerentes à
espécie.

Na sequência, afastou a alegação de vício formal de


inconstitucionalidade sob a afirmativa de que as normas estaduais sob invectiva
decorreram do espaço constitucionalmente assegurado ao Estado para legislar
sobre as regras de educação e ensino em âmbito local, nos termos do artigo 24,
inciso IX, e §§1º a 3º, da Constituição da República.

Quanto ao vício material também versado pelos autores, a requerida


afirmou que o objetivo primordial da legislação hostilizada é a melhoria da

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 14


qualidade da educação ofertada pelo Estado e esclareceu que o modelo de gestão
escolar cívico-militar não é compulsório, constituindo-se em alternativa de ensino
oferecida à livre escolha da comunidade escolar e em respeito às liberdades e
garantias individuais.

Por derradeiro, defendeu que as normas objurgadas foram editadas


em semelhança ao “Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares”,
implementado pelo Decreto federal nº 10.004, de 5 de setembro de 2019, e
regulamentado pela Portaria MEC nº 2.015, de 20 de novembro de 2019.

Por sua vez, o Governador do Estado do Paraná também defendeu a


validade das normas hostilizadas apontando que, anteriormente à aprovação da
Lei estadual nº 20.338/2020, “já existiam 7(sete) colégios estaduais que adotavam
o modelo cívico-militar, utilizando a plataforma e o regime jurídico da Lei federal
n. 13.954/2019, regulamentada pelo Decreto n. 10.004, de 05 de setembro de
2019” (fl. 06 das informações do requerido).

Consignou, ainda, que a Secretaria de Educação estadual


promovera consulta à comunidade escolar quanto à conversão de colégios para o
modelo cívico-militar, oportunidade em que 186 (cento e oitenta e seis) escolas
paranaenses aprovaram a conversão para o novo modelo. Esclareceu, ainda, que
“os Diretores-Gerais e Diretores-Auxiliares são profissionais da rede estadual
de educação, assim como todos os profissionais da área pedagógica, professores,
secretárias e demais funcionários”, afastando a argumentação dos autores de que
haveria a substituição de diretores civis por militares.

Destacou, ademais, a competência concorrente dos Estados para


legislar sobre educação e afastou os vícios materiais de inconstitucionalidade,
invocando a fragilidade dos argumentos autorais em face da legislação federal que
estabelece a possibilidade de militares inativos desempenharem, por tempo
determinado, atividades de natureza civil ou militar, inclusive no âmbito das

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 15


escolas cívico-militares.

A Associação Nacional de Juristas pelos Direitos Humanos de


Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais
– ANAJUDH-LGBTI requereu o seu ingresso no feito na qualidade de amicus
curiae.

Na sequência, vieram os autos para manifestação do Advogado-


Geral da União.

II – PRELIMINAR – Da inobservância do ônus da impugnação especificada

Registre-se, em sede preliminar, que os partidos políticos requerentes


não se desincumbiram do ônus da impugnação especificada acerca das normas
que compõem a Lei nº 20.338/2020, conforme determina o artigo 3º, inciso III, da
Lei nº 9.882/19995.

Com efeito, embora a impugnação esteja voltada contra o artigo 1º,


inciso VI, da Lei nº 18.590/2015, bem como o inteiro teor da Lei estadual nº
20.338/2020, a argumentação desenvolvida pelos autores não se dirige, de modo
específico, contra todas as disposições desse último diploma legal, limitando-se a
citar alguns artigos da Lei estadual nº 20.338/2020 com o propósito de conferir
um suporte meramente exemplificativo à genérica sustentação de invalidade desse
diploma legal.

Vale destacar, por oportuno, que os diversos artigos da Lei estadual


nº 20.338/2020 tratam de questões distintas entre si, cujo questionamento
demandaria impugnações individualizadas, mediante fundamentação específica
para cada uma delas, de forma a demonstrar a suposta incompatibilidade das

5
“Art. 3o A petição inicial deverá conter:
(...)
III - a prova da violação do preceito fundamental;”

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 16


normas com os preceitos fundamentais contemplados na Constituição Federal.

Uma leitura integral do diploma normativo impugnado permite aferir


que os seus dispositivos contemplam disposições preliminares relacionadas à
instituição do Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná, com seus
princípios, objetivos e diretrizes; às atribuições de competências às Secretaria de
Estado da Educação e do Esporte, da Segurança Pública e das Instituições de
Ensino participantes do programa; à elaboração do modelo e composição dos
colégios cívico-militares; e critérios para a seleção e delimitação das funções das
escolas selecionadas.

Por fim, em suas derradeiras disposições, a lei também trata da


implantação e da ampliação do programa; dos convênios e termos de
compromisso, acordos de cooperação e outros instrumentos congêneres; das
gratificações de diretores e das atividades dos integrantes do CMEIV; da
aquisição de fardas para os alunos; e da inaplicabilidade da lei a Colégios da
Polícia Militar.

Nota-se que as genéricas afirmativas de ofensa à competência


privativa da União para legislar sobre princípios e diretrizes do sistema
educacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República6) e a
invocação exemplificativa de algumas disposições da norma com o intuito de
evidenciar contrariedade às disposições constantes da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação não evidencia fundamentação jurídica ou base argumentativa apta a
refutar a validade da integralidade do diploma legal.

Do mesmo modo, ao invocar vício material de inconstitucionalidade,


os autores também argumentam, genericamente, que a ausência de valorização do

6
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXIV – diretrizes e base da educação nacional;

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 17


profissional da educação e da gestão democrática da escola violaria direitos e
garantias fundamentais de crianças e adolescentes, além de ofender a força militar
estadual e os princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e legalidade.

No entanto, a petição inicial não declina de maneira direcionada a


todas as normas constantes da lei paranaense, resumindo-se a elaborar algumas
referências de suposta invalidade quanto à totalidade do conteúdo da lei, sem se
debruçar sobre cada uma das disposições e proceder ao respectivo enfrentamento
dos temas por elas tratados.

Como visto, os autores não atenderam ao ônus da impugnação


especificada, de modo que esse vício macula a admissibilidade do presente feito
quanto à Lei nº 20.338/20. Sem dúvida, a impugnação elaborada com esteio em
termos abstratos prejudica o entendimento da argumentação dos requerentes e,
consequentemente, o exercício do contraditório e a defesa de todas as normas
contempladas pela lei paranaense.

Dessa forma, em razão da generalidade da impugnação formulada


pelo autor, constata-se a inépcia da inicial, motivo pelo qual a presente arguição
não deve ser conhecida no tocante à inconstitucionalidade da Lei nº 20.338/20,
nos termos da jurisprudência dessa Suprema Corte. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO
GENÉRICA E ABSTRATA. RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
IMPOSSIBILIDADE. INÉPCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO.
LEI COMPLEMENTAR 141/2012, ART. 13, § 2º. EXPRESSÃO
“FEDERAL”. DECRETO 7.507/2011, ART. 2º, CAPUT.
EXPRESSÃO “FEDERAIS”. AGRAVO REGIMENTAL.
DESPROVIMENTO. 1. Pedido articulado em termos meramente
genéricos desatende pressuposto para desenvolvimento adequado
do processo. Inicial inepta. 2. Esta CORTE inadmite, para fins de
questionamento da higidez constitucional de norma, que a
impugnação se apresente de forma abstrata. Precedentes. 3. Agravo
regimental que repisa argumentação desprovida de fundamentos
específicos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ADI nº 5118 AgR, Relator: Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Órgão

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 18


Julgador: Tribunal Pleno, Julgamento em 09/04/2018, Publicação em
17/05/2018; grifou-se);

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


IMPUGNAÇÃO ABSTRATA E GENÉRICA DE LEI
COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO
EXATA DO PEDIDO. NÃO CONHECIMENTO. 1. Argüição de
inconstitucionalidade de lei complementar estadual. Impugnação
genérica e abstrata de suas normas. Conhecimento.
Impossibilidade. 2. Ausência de indicação dos fatos e fundamentos
jurídicos do pedido com suas especificações. Não observância à
norma processual. Conseqüência: inépcia da inicial. Ação direta
não conhecida. Prejudicado o pedido de concessão de liminar.
(ADI nº 1775, Relator: Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 06/05/1998, Publicação em 18/05/2001;
grifou-se).

Desse modo, evidenciado vício na petição inicial, conclui-se que a


presente arguição não merece ser conhecida quanto à suposta
inconstitucionalidade da Lei estadual nº 20.338/2020.

III – MÉRITO

III.I – Da inexistência de vício formal de inconstitucionalidade

Conforme relatado, os autores sustentam, em primeiro plano, a


inconstitucionalidade formal da Lei nº 20.338/2020, por usurpação de
competência privativa da União para legislar sobre princípios e diretrizes do
sistema educacional (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição da República).
Afirmam, nessa vertente, que a lei estabeleceria um novel modelo educacional
amparado em princípios e diretrizes próprios, sem respaldo na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/96 e, por conseguinte, violaria a
competência da União para editar normas gerais sobre educação, nos termos do
artigo 24, inciso IX, §§ 1º e 2º, da Carta da República.

A alegação não merece guarida.

A Constituição Federal traça, por meio de seus artigos 21 a 24, o


sistema de repartição de competências legislativas e administrativas das unidades

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 19


políticas, conformando o núcleo do federalismo brasileiro (artigos 1º, caput; 18;
e 60, § 4º, inciso I, da Carta Magna7). Amparado no critério da predominância do
interesse, o texto constitucional atribui à União competência para legislar sobre
diretrizes e bases da educação nacional, conforme se extrai de seu artigo 22, inciso
XXIV:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


(...)
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

Por sua vez, o artigo 24, inciso IX, da Carta da República estabelece
a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito
Federal para dispor sobre educação e ensino, cabendo ao ente central a primazia
acerca da elaboração das normas gerais sobre a matéria, de modo a fixar, no
interesse nacional, as diretrizes que devem ser observadas pelas demais unidades
federativas. Assim, aos Estados e ao Distrito Federal cabe suplementar a
legislação nacional, o que significa, nas palavras de José Afonso da Silva, “o
poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas
gerais ou que supram a ausência ou omissão destas”8.

Acerca do que sejam normas gerais, Diogo de Figueiredo Moreira


Neto9 ressalta que lhes cabe o estabelecimento de diretrizes nacionais, restando
aos Estados-membros editar normas particularizantes que permitam a aplicação

7
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os


Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º - Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;”
8
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 481.
9
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Competência concorrente limitada: o problema da conceituação das
normas gerais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 25, nº 100, out/dez 1988, p. 159.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 20


daquelas em seus respectivos âmbitos políticos. Confira-se:

Normas gerais são declarações principiológicas que cabem à União editar, no uso de
sua competência concorrente limitada, restrita ao estabelecimento de diretrizes
nacionais sobre certos assuntos, que deverão ser respeitadas pelos Estados-Membros
na feitura de suas legislações, através de normas específicas e particularizantes que as
detalharão, de modo que possam ser aplicadas, direta e imediatamente, às relações e
situações concretas a que se destinam, em seus respectivos âmbitos políticos.

No presente caso, verifica-se que o Programa Nacional das Escolas


Cívico-Militares – PECIM foi instituído através do Decreto nº 10.004, de 05 de
setembro de 201910, e decorre de uma iniciativa do Ministério da Educação, com
o apoio do Ministério da Defesa, com o propósito de apresentar inovação no
processo de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa11.

A meta principal do programa é a promoção de melhoria na qualidade


da educação básica no ensino fundamental e no ensino médio em âmbito nacional,
estadual, municipal e distrital. Portanto, a sua implementação está associada à
colaboração dos entes da Federação na promoção de ações destinadas ao fomento
e ao fortalecimento das Escolas Cívico-Militares.

Através das Portarias nº 2.015, de 20 de novembro de 201912, nº


1.071, de 24 de dezembro de 2000 e nº 40, de 22 de janeiro de 2021, todas editadas
pelo Ministério da Educação, regulamentou-se a implantação do Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares, consolidando-se esse modelo de escola no
âmbito do Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, mediante a adesão
voluntária dos entes.

Verifica-se que as diretrizes federais que instituem o modelo cívico-


militar compõem um conjunto de regras específicas e próprias, que se integram

10
Acesso em:
<http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/images/pdf/legislacao/decreto_n10004_de_5_de_setembro_de_2019_dou
_pecim.pdf> Consulta em 05 de jun. 2021.
11
Acesso em: <http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/> Consulta em 05 de jun. 2021.
12
Acesso em: <http://escolacivicomilitar.mec.gov.br/images/pdf/legislacao/portaria_2015_20112019.pdf>
Consulta em 05 de jun. 2021.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 21


de forma “transversal com os programas do Ministério da Educação” e se
baseiam em “práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos colégios militares
do Comando Exército, das polícias militares e dos corpos de bombeiros
militares”13.

Diante desse contexto, ao aderir voluntariamente ao programa


nacional e às diretrizes gerais estabelecidas pelo ente central, o Estado do Paraná
editou a legislação sob invectiva no âmbito de sua competência legislativa
concorrente para legislar sobre educação, conforme esclarecem as informações
prestadas no presente feito pelo Governador de referido ente, in verbis:

Argumentaram os autores que a Lei nº 20.338/2020, do Estado do


Paraná, seria formalmente inconstitucional, isto porque seria de
competência privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da
educação nacional, nos termos do art. 22, inciso XXIV, da Constituição
Federal.
Esse argumento é demasiadamente frágil, pois as regras que instituem
o modelo cívico-militar são regras específicas e particulares, que não
têm a pretensão de estabelecer normas gerais sobre a educação e, por
conseguinte, não estabelecem diretrizes e bases da educação nacional.
Desse modo, à evidência, a Lei 20.338/2020 não estabelece normas de
diretrizes e bases da educação e, portanto, não usurpou a competência
estabelecida no art. 22, inciso XXIV, da Constituição.
(...)
Ademais, os §§ 1º e 2º desse artigo uma estabelecem divisão funcional
entre os diferentes entes federativos, imputando à União o dever de
editar normas gerais, ao passo que os Estados e o Distrito Federal
podem editar normas específicas, respeitando-se, assim, a autonomia
legislativa, que é uma característica própria e essencial da Federação.
A norma paranaense, ao instituir o Programa Colégios Cívico-Militares,
foi editada pelo Estado do Paraná no exercício de sua competência para
edição de leis sobre educação, tema que é de competência legislativa
concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, inciso
IX, da CF).

Constata-se, portanto, que o Estado do Paraná atuou no âmbito de


sua competência de tornar específicas, à comunidade local, as diretrizes fixadas
pela legislação geral. A respeito da competência dos Estados-membros para

13
Artigo 5º do Decreto nº 10.004/2019.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 22


dispor sobre educação, confiram-se os seguintes precedentes:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO


CONSTITUCIONAL. PARTILHA DE COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO
(CRFB, ART. 24, IX). LEI ESTADUAL DE SANTA CATARINA
QUE FIXA NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS EM SALA DE
AULA. QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA. IMPUGNAÇÃO
FUNDADA EM OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO.
CONHECIMENTO DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO
DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE NORMAS
GERAIS. COMPREENSÃO AXIOLÓGICA E PLURALISTA DO
FEDERALISMO BRASILEIRO (CRFB, ART. 1º, V).
NECESSIDADE DE PRESTIGIAR INICIATIVAS
NORMATIVAS REGIONAIS E LOCAIS SEMPRE QUE NÃO
HOUVER EXPRESSA E CATEGÓRICA INTERDIÇÃO
CONSTITUCIONAL. EXERCÍCIO REGULAR DA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PELO ESTADO DE SANTA
CATARINA AO DETALHAR A PREVISÃO CONTIDA NO
ARTIGO 25 DA LEI Nº 9.394/94 (LEI DE DIRETRIZES E BASES
DA EDUCAÇÃO NACIONAL). PEDIDO JULGADO
IMPROCEDENTE. 1. O princípio federativo brasileiro reclama, na sua
ótica contemporânea, o abandono de qualquer leitura excessivamente
inflacionada das competências normativas da União (sejam privativas,
sejam concorrentes), bem como a descoberta de novas searas
normativas que possam ser trilhadas pelos Estados, Municípios e pelo
Distrito Federal, tudo isso em conformidade com o pluralismo político,
um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CRFB, art. 1º,
V) 2. (...) 4. A competência legislativa do Estado-membro para dispor
sobre educação e ensino (CRFB, art. 24, IX) autoriza a fixação, por lei
local, do número máximo de alunos em sala de aula, no afã de viabilizar
o adequado aproveitamento dos estudantes. 5. O limite máximo de
alunos em sala de aula não ostenta natureza de norma geral, uma vez
que dependente das circunstâncias peculiares a cada ente da federação,
tais como o número de escola colocadas à disposição da comunidade, a
oferta de vagas para o ensino, o quantitativo de crianças em idade
escolar para o nível fundamental e médio, o número de professores em
oferta na região, além de aspectos ligados ao desenvolvimento
tecnológico nas áreas de educação e ensino. 6. Pedido de declaração de
inconstitucionalidade julgado improcedente.
(ADI nº 4060, Relator: Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador: Tribunal
Pleno, Julgamento em 25/02/2015, Publicação em 04/05/2015; grifou-
se);

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


DISTRITAL N. 3.694, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2005, QUE
REGULAMENTA O § 1º DO ART. 235 DA LEI ORGÂNICA DO
DISTRITO FEDERAL QUANTO À OFERTA DE ENSINO DA
LÍNGUA ESPANHOLA AOS ALUNOS DA REDE PÚBLICA DO
DISTRITO FEDERAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA À

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 23


CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Competência concorrente
entre a União, que define as normas gerais e os entes estaduais e Distrito
Federal, que fixam as especificidades, os modos e meios de cumprir o
quanto estabelecido no art. 24, inc. IX, da Constituição da República,
ou seja, para legislar sobre educação. 2. O art. 22, inc. XXIV, da
Constituição da República enfatiza a competência privativa do
legislador nacional para definir as diretrizes e bases da educação
nacional, deixando as singularidades no âmbito de competência dos
Estados e do Distrito Federal. 3. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente.
(ADI nº 3669, Relatora: Ministra CÁRMEN LÚCIA, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 18/06/2007, Publicação em
29/06/2007);

CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. LEI DE DIRETRIZES E BASES


DA EDUCAÇÃO. LEI 9.394, DE 1996. COMPETÊNCIA
LEGISLATIVA CONCORRENTE: CF, ART. 24. COMPETÊNCIA
ESTADUAL CONCORRENTE NÃO-CUMULATIVA OU
SUPLEMENTAR E COMPETÊNCIA CONCORRENTE
ESTADUAL CUMULATIVA. I. - O art. 24 da CF compreende
competência estadual concorrente não-cumulativa ou suplementar (art.
24, § 2º) e competência estadual concorrente cumulativa (art. 24, § 3º).
Na primeira hipótese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, §
1º), poderão os Estados e o DF, no uso da competência suplementar,
preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeiçoála
às peculiaridades locais (art. 24, § 2º); na segunda hipótese, poderão os
Estados e o DF, inexistente a lei federal de normas gerais, exercer a
competência legislativa plena “para atender a suas peculiaridades” (art.
24, § 3º). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º). II. - A
Lei 10.860, de 31.8.2001, do Estado de São Paulo foi além da
competência estadual concorrente não-cumulativa e cumulativa, pelo
que afrontou a Constituição Federal, art. 22, XXIV, e art. 24, IX, § 2º e
§ 3º. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente,
declarada a inconstitucionalidade da Lei 10.860/2001 do Estado de São
Paulo.
(ADI nº 3098, Relator: Ministro CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 24/11/2005, Publicação em
10/03/2006).

Diante das considerações expostas, deve ser afastada a alegação de


vício formal de inconstitucionalidade sustentada pelos autores, pois não
caracterizada a ofensa à competência privativa do ente central para legislar sobre
educação.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 24


III.II – Da inexistência de vício material de inconstitucionalidade

Em outra vertente, os autores afirmam que as normas questionadas


padeceriam de inconstitucionalidades de natureza material, pois violariam o
princípio da valorização do profissional da educação e da gestão democrática da
escola. Nesses aspectos, enfatizam que o artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 18.590/15,
juntamente com o artigo 11 da Lei nº 20.338/2020 afrontariam o disposto no artigo
206, inciso IV, da Carta da República, pois afastariam a possibilidade de oitiva da
comunidade escolar acerca de sua respectiva administração.

Os argumentos não merecem prosperar.

De acordo com as informações prestadas pelo Governador do Estado


do Paraná, com respaldo em esclarecimentos elaborados pela respectiva
Secretaria da Educação e do Esporte14, alguns colégios do Estado do Paraná,
anteriormente à edição da Lei estadual nº 20.338/2020, já adotavam o modelo
educacional cívico-militar através do uso da plataforma federal e do regime
jurídico estabelecido pela Lei federal nº 13.954/2019, regulamentada pelo Decreto
nº 10.004/2019.

Nesse cenário anterior à edição das leis paranaenses, as respectivas


consultas públicas foram realizadas em dezembro de 2019, com a adesão de 4
(quatro) colégios estaduais de municípios diversos15, e, posteriormente, em maio
de 2020, outros 3 (três) colégios de municipalidades diversas16 também foram
consultados e contemplados com o programa, despertando um “amplo debate na
sociedade sobre o tema, com envolvimento da rede de pais, alunos e profissionais

14
Documento eletrônico n. 47.
15
Colégio Estadual Vinícius de Morais, município de Colombo; Colégio Estadual Beatriz Faria Ansay, município
de Curitiba; Colégio Estadual Tancredo de Almeida Neves, município de Foz do Iguaçu; Colégio Estadual Adélia
Dionísia Barbosa, município de Londrina.
16
Colégio Estadual Professora Júlia Wanderley, município de Cascavel; Colégio Estadual Cataratas, município de
Cascavel; e Colégio Estadual Professor José Alexandre Chiarelli, município de Rolândia.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 25


da rede de Educação do Paraná e visibilidade nos veículos de comunicação de
massa (...). Ao contrário do que sugere a peça vestibular, o debate acerca do
modelo de escolas cívico-militares não foi iniciado a partir da Lei estadual n.
20.338/2020, pois as comunidades escolares já estavam familiarizadas com a
ideia desde a regulamentação federal” (fl. 06 das informações do requerido).

Diversamente do exposto na inicial, a conversão dos colégios


paranaenses para o modelo cívico-militar contempla um prévio processo de
consulta à comunidade escolar, conforme expressamente dispõe o artigo 5º, inciso
I, da Lei nº 20.338/2020, in verbis:

Art. 5º Compete à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte:


I - a escolha das instituições de ensino que farão parte do Programa,
respeitada a vontade da comunidade escolar;

Nesse ponto, vale mais uma vez trazer à baila os informes prestados
pelo Governador estadual, ao atestar que a respectiva Secretaria da Educação e do
Esporte promovera consulta à comunidade escolar durante o período de 27 de
outubro de 2020 a 04 de novembro de 2020, oportunidade em que 186 (cento e
oitenta e seis) escolas aprovaram a conversão ao novo modelo.

Registre-se que a gestão de escolas cívico-miliares, nos termos


estabelecidos pela legislação de referido ente, mantém a administração e a
organização dos colégios sob a responsabilidade e provimento da Secretaria de
Estado da Educação e do Esporte. Nesse contexto, os Diretores-Gerais e os
Diretores-Auxiliares são escolhidos dentre os profissionais da rede estadual de
educação, assim como todos os profissionais da área pedagógica, professores,
secretárias e demais funcionários. Veja-se:

Art. 8º O modelo de Colégios Cívico-Militares do Paraná é o conjunto


de ações promovidas com vistas à gestão de excelência nas áreas
pedagógica, administrativa e de atividades cívico-militares.

§ 1º O modelo disposto no caput deste artigo terá a seguinte composição


para cada instituição de ensino:

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 26


I - integrantes do quadro de servidores públicos civis:
a) um professor do Quadro Próprio do Magistério para suprir a função
de Diretor-Geral de Instituição de Ensino;
b) Diretor-Auxiliar, corpo docente, equipe pedagógica e administrativa,
conforme demanda especificada em norma própria; (Grifos apostos).

Em observância às características do programa, evidenciadas em


informações prestadas pela mencionada Secretaria estadual, o Diretor Cívico-
Militar atua mediante “gestão compartilhada” e é subordinado ao Diretor-Geral,
designado pelo Governador do Estado. Ou seja, em momento algum ocorre a
substituição de diretores civis por diretores militares.

Nota-se, inclusive, que a direção de instituições de ensino mantidas


pelo Poder Público pode ser definida pelo Governador do Estado, conforme
jurisprudência dessa Suprema Corte:

ESCOLAS - DIRETORES - PROCESSO DE ESCOLHA - AÇÃO


DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CAUTELAR.
Concorrem os pressupostos indispensáveis a concessão da cautelar
quando os atos normativos impugnados preveem a escolha dos diretores
das escolas publicas mediante processo seletivo peculiar e para o
cumprimento de mandato. Ao primeiro exame, a hipótese envolve
cargos a serem preenchidos a livre discrição, sendo impróprio o
afastamento, por norma legal, da atuação do Executivo.
(ADI nº 640, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 22/11/1991, Publicação em
13/03/1992);

CONSTITUCIONAL. ENSINO PÚBLICO. DIRETORES DE


ESCOLAS PÚBLICAS: ELEIÇÃO: INCONSTITUCIONALIDADE.
Constituição do Estado de Santa Catarina, inciso VI do art. 162. I. - É
inconstitucional o dispositivo da Constituição de Santa Catarina que
estabelece o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para
escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É que os cargos
públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de
cargo em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do Chefe
do Poder Executivo, se os cargos estão na órbita deste (C.F., art. 37, II,
art. 84, XXV). II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente.
(ADI nº 123, Relator: Ministro CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 03/02/1997, Publicação em
12/09/1997);

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 308, inc. XII, da


Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Normas regulamentares.
ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 27
Educação. Estabelecimentos de ensino público. Cargos de direção.
Escolha dos dirigentes mediante eleições diretas, com participação
da comunidade escolar. Inadmissibilidade. Cargos em comissão.
Nomeações de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.
Ofensa aos arts. 2º, 37, II, 61, § 1º, II, "c", e 84, II e XXV, da CF.
Alcance da gestão democrática prevista no art. 206, VI, da CF. Ação
julgada procedente. Precedentes. Voto vencido. É inconstitucional toda
norma que preveja eleições diretas para direção de instituições de
ensino mantidas pelo Poder Público, com a participação da comunidade
escolar.
(ADI nº 2997, Relator: Ministro CEZAR PELUSO, Órgão Julgador:
Tribunal Pleno, Julgamento em 12/08/2009, Publicação em
12/03/2010).

Diante das considerações expostas, verifica-se que os profissionais


que atuam nesse novo modelo escolar são escolhidos dentre aqueles que já
integram os quadros estaduais da educação, a afastar a suposta ofensa ao princípio
da valorização do profissional da educação.

Ademais, igualmente restam evidenciados a adesão facultativa do


ente, o elemento da voluntariedade de alunos e famílias e, em especial, a consulta
pública à comunidade escolar em todo o processo de adesão e conversão ao novo
modelo educacional, sendo improcedentes os argumentos constantes da inicial.

Os autores também afirmam que as normas atacadas imporiam a


militarização precoce aos jovens e impediriam o exercício do direito do
imperativo de consciência, violando direitos e garantias fundamentais de crianças
e adolescentes, em consonância com o desrespeito ao poder familiar.

É relevante notar que os colégios cívico-militares não são instituições


de ensino destinadas à carreira militar e, conforme mencionado, não possuem
gestão pedagógica militar. Nesse sentido, a tese exposta na petição inicial de que
as normas paranaenses imporiam uma militarização precoce aos jovens padece de
respaldo fático e jurídico.

Conforme exposto, o programa impugnado pelos autores insere-se


em uma política pública de educação que não se comunica diretamente com o

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 28


serviço militar obrigatório. De fato, a adesão ao programa é voluntária, assim
como constitui opção do estudante e da respectiva família a realização de
matrícula em uma escola cívico-militar, sendo descabida a alegação de ofensa à
liberdade de escolha de crianças e adolescentes.

Ademais, o programa não exclui a permanência ativa de escolas que


seguem o modelo regular. De acordo com informes do Governador do Estado do
Paraná, “a imensa maioria das escolas públicas permanece sob o regime
tradicional. Existem 2.143 escolas públicas no Paraná. Ou seja, uma pequena
parcela delas segue o modelo cívico-militar” (fl. 17 das informações do
requerido).

Em reforço, a Secretaria de Estado da Educação estadual também


assegura vagas “em outras instituições a todos os estudantes que não desejarem
frequentar um colégio cívico-militar”17. Ou seja, permanece guarnecida a
prerrogativa do estudante e de sua família de optarem pela formação educacional
em outro colégio público, caso não estejam de acordo com o formato cívico-
militar.

Por derradeiro, os autores invocam a inobservância da regra do


concurso público exigido pelo artigo 206, inciso V, da Carta da República, bem
como a ofensa ao princípio da legalidade que rege os cargos públicos, pois os
militares inativos ocupariam esses cargos sem a respectiva e prévia criação por
lei.

É necessário registrar que o Corpo de Militares Estaduais Inativos


Voluntários – CMEIV foi instituído no âmbito do Estado do Paraná com o
objetivo de utilizar militares inativos no regime de atividades civis ou de
segurança pública junto ao Poder Público, desde que não executem diretamente

17
Documento eletrônico n. 47.

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 29


atividades finalística dos órgãos integrantes da Secretaria de Estado da Segurança
Pública, nos termos do artigo 33, da Lei nº 19.130/201718.

A atuação do Estado do Paraná está em consonância com a Lei


federal nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, que trata do exercício de atividade
de natureza civil por militares inativos. Referida norma inseriu o artigo 24-I no
Decreto-Lei nº 667/196919, de modo a contemplar expressamente a possibilidade
de edição de lei específica pelos entes federativos para estabelecerem regras que
permitam, ao militar transferido para a reserva, o exercício de atividades civis em
qualquer órgão de âmbito local, por tempo certo e determinado.

Nota-se que as normas estaduais impugnadas permitem a


participação de integrantes do Corpo de Militares Estaduais Inativos Voluntários
para as atribuições de Diretor Cívico-Militar e de monitor. O Diretor Cívico-
Militar exerce a gestão na área de infraestrutura, patrimônio, finanças, segurança,
disciplina e de atividades cívico-militares. Os monitores, por sua vez, auxiliam o

18
“Art. 33. Autoriza o Poder Executivo a instituir, na Polícia Militar do Paraná, o Corpo de Militares Estaduais
Inativos Voluntários – CMEIV, destinado ao chamamento de militares estaduais inativos da Polícia Militar do
Paraná – PMPR, para exercer atividades junto ao Poder Público no Estado do Paraná. § 1º O integrante do
CMEIV poderá exercer atividades civis nos termos do inciso I do art. 24-I do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho
de 1969, assim como, na área de Segurança Pública, exercer atividades externas, atividades administrativas
internas, atividades em colégios cívico-militares, a guarda de próprios públicos e atividade de brigada de
incêndio, com o objetivo de preservação da incolumidade das pessoas e dos edifícios e de garantir as atividades
do ente público. (Redação dada pela Lei 20338 de 06/10/2020) § 2º O integrante do CMEIV não poderá exercer
atividade finalística da Corporação, de policiamento ostensivo, preventivo, de manutenção da ordem pública, de
socorro público, de defesa civil, de prevenção e combate a incêndios e de busca e salvamento, assim como
qualquer atividade finalística dos órgãos integrantes da estrutura da Secretaria de Estado da Segurança Pública.”
19
“Art. 24-I. Lei específica do ente federativo pode estabelecer:
I - regras para permitir que o militar transferido para a reserva exerça atividades civis em qualquer órgão do
ente federativo mediante o pagamento de adicional, o qual não será incorporado ou contabilizado para revisão
do benefício na inatividade, não servirá de base de cálculo para outros benefícios ou vantagens e não integrará
a base de contribuição do militar; e
II - requisitos para o ingresso de militares temporários, mediante processo seletivo, cujo prazo máximo de
permanência no serviço ativo será de 8 (oito) anos, observado percentual máximo de 50% (cinquenta por cento)
do efetivo do respectivo posto ou graduação.
§ 1º O militar temporário de que trata o inciso II do caput deste artigo contribuirá de acordo com o disposto no
art. 24-C deste Decreto-Lei e fará jus aos benefícios de inatividade por invalidez e pensão militar durante a
permanência no serviço ativo.
§ 2º Cessada a vinculação do militar temporário à respectiva corporação, o tempo de serviço militar será objeto
de contagem recíproca para fins de aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social ou em regime próprio
de previdência social, sendo devida a compensação financeira entre os regimes.”

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 30


Diretor Cívico-Militar e atuam em atividades extracurriculares de natureza cívico-
militar.

As tarefas, portanto, não se encaixam às atividades finalísticas dos


órgãos integrantes da Secretaria da Educação e devem ser exercidas por prazo
certo e determinado, conforme expressa determinação da lei estadual, veja-se:

Art. 9º Os militares do CMEIV serão selecionados para atuar nos


colégios cívico-militares como prestadores de tarefa por tempo certo.

§ 1º A seleção será realizada por meio de processo seletivo conduzido


pela Secretaria de Estado da Educação e do Esporte, em colaboração
com a Secretaria de Estado da Segurança Pública.

§ 2º O Diretor Cívico-Militar será indicado pela Secretaria de Estado da


Educação e do Esporte, a qual fará a seleção por meio de entrevista e
avaliação.

§ 3º É vedada a prestação da tarefa por prazo superior a quatro anos na


mesma instituição de ensino.

§ 4º A prestação de tarefa por tempo certo tem caráter precário, não


gerando qualquer direito indenizatório ao militar afastado antes do
prazo inicialmente previsto.

Evidencia-se, portanto, que os argumentos expostos pelos autores


não se relacionam com a criação de cargos públicos ou com o ingresso mediante
concurso público, razão pela qual não devem ser acolhidos.

Por todo o exposto, conclui-se pela constitucionalidade das normas


estaduais impugnadas na presente ação direta.

IV – CONCLUSÃO

Ante o exposto, o Advogado-Geral da União manifesta-se pelo


conhecimento parcial da presente ação direta e, no mérito, pela improcedência do
pedido veiculado pelos autores.

São essas, Excelentíssimo Senhor Relator, as considerações que se

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 31


tem a fazer, cuja juntada aos autos ora se requer.

Brasília, de junho de 2021.


ANDRE LUIZ DE Assinado de forma digital por ANDRE
LUIZ DE ALMEIDA MENDONCA
ALMEIDA MENDONCA Dados: 2021.06.09 11:03:37 -03'00'

ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA


Advogado-Geral da União ADRIANO Assinado de forma
digital por ADRIANO
MARTINS DE MARTINS DE
PAIVA:45785066 PAIVA:45785066300
Dados: 2021.06.09
300 12:06:29 -03'00'

IZABEL VINCHON NOGUEIRA DE ANDRADE


Secretária-Geral de Contencioso

LETÍCIA DE CAMPOS ASPESI SANTOS


Advogada da União

ADI nº 6791, Rel. Min. Dias Toffoli 32

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