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O desenvolvimento neurológico pode ser modificado pela aprendizagem? Quais são os BARKLEY, R.A
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: manual para
fatores que interferem nesse processo? Cognição, aprendizagem e desenvolvimento diagnóstico e tratamento – 3.ed.
neural estão interligados? Ou são elementos diferentes que se sobrepõem?
BARKLEY, R.A.; BENTON, C.M.
Vencendo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade adulto
O complexo processo cognitivo aparece neste livro sob a forma de intervenções
práticas nos processos clínicos e em diferentes concepções teóricas. A partir dos BARKLEY, R.A.; MURPHY, K.R.
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: exercícios
relatos de profissionais de áreas como neurologia, psicologia, psicopedagogia, clínicos – 3.ed.
fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia, é possível construir novas formas
CLARK, J.W.
de pensar e agir clinicamente. Esta obra mostra como, por meio do lúdico, novos
Neurologia clínica: da sala de aula ao consultório
caminhos neurais e subjetivos tomam forma e possibilitam que crianças reconfigurem
seus modos de aprender, viver e compreender o mundo. FARRELL, M.
Guia do professor – Dificuldades de aprendizagem moderadas,
graves e profundas: estratégias educacionais em
Temas abordados neste livro: necessidades especiais
FARRELL, M.
Transtorno do espectro autista Guia do professor – Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem
específicas: estratégias educacionais em necessidades especiais
Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
GOSSELIN, J.; AMIEL-TISON, C.
Deficiência intelectual Avaliação neurológica: do nascimento aos 6 anos – 2.ed.
VIANIN, P.
Estratégias de ajuda a alunos com dificuldades de aprendizagem
Para as crianças e suas famílias
que generosamente partilham suas
histórias e nos ensinam sobre o
aprender em suas diferentes dimensões.
receber o diagnóstico (DSM-5 DEVELOP- cas apontam para diversas causas que po-
MENT, c2014). dem estar presentes ou ausentes em al-
Atualmente, o TEA é concebido co- guns casos desse espectro, refletindo a he-
mo um transtorno biológico de etiologia terogeneidade, mencionada por Lampreia
diversificada. A esse respeito, Sadock e (2003). Entretanto, é consenso na área
Sadock (2011) afirmam que evidências que não existem testes laboratoriais para
atuais confirmam a noção de uma base a detecção do transtorno do espectro au-
genética para o desenvolvimento do trans- tista e que o diagnóstico é feito basicamen-
torno autista, com contribuição de até qua- te pela avaliação do quadro clínico. Por
tro ou cinco genes, mas também estaria isso, o diagnóstico deve ser feito por um
associado a condições neurológicas, em profissional com experiência clínica (FER-
especial rubéola congênita, fenilcetonúria NANDES; NEVES; SCARAFICCI, 2006).
e esclerose tuberosa. O autor informa que As áreas que se encontram acentua-
diversos relatos sugerem que incompatibi- damente prejudicadas são caracterizadas
lidade imunológica também pode contri- por anormalidades qualitativas na intera-
buir para o TEA. Os linfócitos de algumas ção social, na comunicação e no uso da
crianças autistas reagem com anticorpos imaginação, como Kanner havia apresen-
maternos, elevando a possibilidade de que tado na década de 1940 (TAMANAHA;
tecidos neurais embrionários ou extraem- PERISSINOTO; CHIARI, 2008).
brionários possam ser danificados durante Até hoje, analisam-se quatro crité-
a gestação. Casos de complicações perina- rios da área de interação social que são
tais e sangramento materno após o pri- qualitativamente comprometidos ou até
meiro trimestre foram relatados com maior mesmo ausentes em crianças com TEA.
frequência na história de crianças autistas. O primeiro critério está relacionado ao
No período neonatal, crianças com síndro- uso de comportamentos não verbais, co-
me de sofrimento respiratório e anemia mo expressões faciais, postura corporal
também apresentam maior incidência de e gestos comuns na interação social. A es-
TEA do que na população geral. se respeito, Meneghello (1997) afirma
Embora haja alguma evidência que que, quando uma criança pequena chega
indica que a exposição a uma ampla clas- para atendimento no colo da mãe se pa-
se de condições que refletem comprome- recendo mais como um boneco de pano
timentos gerais à saúde perinatal e neo- do que uma criança, por falta de sincro-
natal pode aumentar o risco de TEA, Gar- nização gestual, pode ser um indicativo
dener, Spiegelman e Buka (2011) afirmam de TEA.
que não há evidências suficientes para O segundo critério está ligado ao as-
sugerir um fator perinatal ou neonatal na pecto de relacionamentos. Como afirmam
sua etiologia. Kaplan, Sadock e Grebb (1996), a crian-
Dados recentes apontam para a im- ça atípica pode não demonstrar sorriso
portância da base neuroanatômica do social, contato visual e postura antecipa-
TEA e fatores bioquímicos. Vários estu- tória para que seja tomada pelos braços
dos mostram que cerca de um terço dos de um adulto.
pacientes com TEA tem altas concentra- O terceiro critério é a falta de esponta-
ções de serotonina plástica (SADOCK; neidade em compartilhar momentos agra-
SADOCK, 2011). dáveis, interesses ou conquistas com outras
Da literatura revisada infere-se que a pessoas. Como confirmam Sadock e Sadock
etiologia do transtorno não está bem de- (2011), há um déficit saliente na capaci-
finida, os resultados de pesquisas científi- dade de interagir com seus pares e fazer
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-se com um ruído alto e, inclusive, voltam do rosto: olhos, nariz e boca. Dessa forma,
a cabeça na direção de determinado som. os pais percebem claramente que o bebê
Já apresentam sucção rítmica ao mamar, começou a fazer contato visual.
com pausas, durante as quais ocorrem tro- Segundo Valdizán et al. (2003), a ca-
cas de olhares de sentido psicológico e que pacidade de fixação visual existe desde o
seguramente têm um papel especial no de- nascimento, mas a capacidade para o se-
senvolvimento cognitivo (CONDON; SAN- guimento visual é escassa e não se mani-
DERS, 1974). Entretanto, os bebês autis- festa antes dos 2 meses. Esse é, segundo
tas, como apontam Marcelli e Cohen Mussen, Conger e Kagan (1974), um dos
(2010), apresentam hipotonia oral e hipo- desenvolvimentos maturacionais mais in-
tonia da cabeça enquanto fazem sucção teressantes. A fixação visual orientada é
mamária. uma resposta que geralmente alcança a
Field (1987) acrescenta que, aos 6 sua maturidade por volta dos 5 meses.
meses, os bebês mostram um aumento O desenvolvimento visual dos autis-
acentuado em sua responsividade aos sons tas é atípico, como se fosse de um recém-
acompanhada por aspectos visuais inte- -nascido, de tal maneira que necessitam
ressantes, como a face ou a voz da mãe. do tato para confirmar o que veem. O sis-
Também distinguem sons da voz humana tema visual dessas crianças não é sufi-
de outras espécies de sons. Portanto, os ciente para sobreviver no mundo social.
bebês humanos parecem nascer com me- Manifestam pobre contato ocular e olham
canismos de percepção já adequados às as pessoas como se fossem objetos (VAL-
propriedades da fala humana que o aju- DIZÁN et al., 2003).
darão em seu domínio da linguagem (EI- A evidência empírica confirma a exis-
MAS, 1985). tência de dificuldades sensoriais e moto-
No bebê autista, observam-se altera- ras desde muito cedo no desenvolvimen-
ções nos programas de sintonia e harmo- to dos autistas. Portanto, é complexo pa-
nização. Os esquemas de harmonia podem ra as crianças com transtorno do espectro
consistir em respostas de grupos muscula- autista que apresentam déficits sensoriais
res sincrônicos aos estímulos auditivos da envolver-se em ligações sociais devido à
voz humana ou na evocação de respostas pobre regulação da ativação, da atenção,
próprias, semelhantes às apresentadas pe- do afeto e da ação (ANZALONE; WILLIA-
lo estímulo social. Esses esquemas de har- MSON, 2000; BARANEK, 2002).
monia já se encontram prejudicados no O desenvolvimento social da criança
bebê com desenvolvimento atípico (CON- autista é marcado por comportamento de
DON; SANDERS, 1974). apego prejudicado, não reconhecem ou
Pesquisas mostram que os bebês com não diferenciam as pessoas mais próximas
desenvolvimento típico têm maior prefe- em suas vidas. Seguidamente, podem de-
rência não aprendida por faces humanas, monstrar ansiedade extrema quando sua
além de atração por estímulos característi- rotina é interrompida. Quando atingem a
cos, linhas curvas, bordas interessantes, idade escolar, há um evidente déficit na
movimento e complexidade, tudo que um capacidade de brincar com seus pares e
rosto possui (ASLIN, 1987; BANKS; SALA- fazer amigos (SADOCK; SADOCK, 2011).
PATEK, 1983). Também Haith, Bergman e Fejerman et al. (1994) acrescentam
Moore (1977) informam que os recém-nas- que o jogo exploratório está ausente na
cidos observam principalmente o contorno criança autista. Normalmente ela mani-
externo de um rosto, porém, aos 2 meses pula objetos por meio do toque, levando-os
de vida, focalizam sua atenção no interior até a boca para chupá-los, mordê-los ou
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Mora com a mãe e tem uma irmã de 12 riso social, resposta ao nome, toque
anos; o pai faleceu quando a menina tinha 3 social, comunicação não verbal (apon-
anos. A criança será referida com o nome tar), empatia, comportamentos repe-
fictício de Júlia. titivos, exploração de objetos, reação
visual, reação auditiva, reações nervo-
Instrumentos e procedimentos sas, comunicação verbal e sincroniza-
ção gestual.
Depois de a mãe ter concordado em • A Escala de Traços Autísticos (AS-
participar da pesquisa, marcou-se o pri- SUMPÇÃO JR. et al., 1999), respon-
meiro encontro no qual foram informados dida pela mãe da criança. Essa escala
a ela os detalhes da pesquisa e foi assina- foi traduzida, adaptada e validada a
do o Termo de Consentimento Livre e Es- partir da escala construída por Balla-
clarecido (TCLE). No segundo encontro, a briga, Escudé e Llaberia (1994). Cons-
mãe disponibilizou todo o histórico para ta de 23 subescalas, cada uma das
ser analisado e, no terceiro, foi aplicada a quais divididas em vários itens. O tem-
Escala de Traços Autísticos e feita a Entre- po médio de aplicação foi de 25 minu-
vista de Anamnese. tos. A escala é pontuada da seguinte
Os instrumentos utilizados para a aná- forma: cada subescala da prova tem
lise foram: um valor de 0 a 2 pontos; então, pon-
• O prontuário neonatal, que abrange tua-se a escala positiva no momen-
todos os dados da paciente durante to em que um dos itens for positivo.
os primeiros 15 dias de vida enquan- A pontuação global da escala se faz a
to esteve internada na CTI-Neonatal. partir da soma aritmética de todos os
Na sequência, informações sobre a valores positivos da subescala. Foi so-
sua segunda internação com 1 mês licitado à mãe para responder a essa
de vida. São informações relevantes escala focando os comportamentos
para o diagnóstico e prognóstico. observados no primeiro ano de vida,
• A entrevista de anamnese foi elabo- ou seja, de forma retrospectiva.
rada para a realização desta pesqui- • O psicodiagnóstico foi realizado por
sa e teve a finalidade de investigar a uma psicóloga especialista em trans-
história pregressa da criança, tal torno do espectro autista quando a
como a gravidez, o parto, as condi- criança tinha 2 anos e 6 meses.
ções do recém-nascido, a alimenta- • Os relatórios do profissional de Aten-
ção, o desenvolvimento psicomotor, dimento Domiciliar Terapêutico após
o desenvolvimento da fala, a escola- um ano de intervenção aos 3 anos e
ridade, o controle dos esfíncteres, o 6 meses e mais tarde aos 8 anos e 6
sono, doenças e suas complicações e meses. Esses relatórios buscam des-
os antecedentes familiares. crever o curso do desenvolvimento
• Dois vídeos familiares, um vídeo do global da criança.
nascimento aos 3 meses de vida e o
outro dos 3 aos 6 meses. A análise
desse material tem como finalidade
RESULTADOS E DISCUSSÃO
identificar a presença ou ausência de
comportamentos de desenvolvimento Prontuário neonatal
típico, como atenção compartilhada,
contato visual, sucção rítmica ao ma- De acordo com os dados coletados no
mar, imitação neonatal, abraço e sor- prontuário neonatal, Júlia nasceu de par-
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termo, e o parto foi por cesárea porque o gista justificou que a alteração apresenta-
bebê estava em posição sentada. da em um único exame não era suficiente
Corroborando os dados colhidos no para fechar diagnóstico de convulsão,
prontuário neonatal, a mãe lembra na uma vez que os outros resultados eram
entrevista que imediatamente após o nas- todos normais. A mãe relata que, a partir
cimento a menina teve complicações res- do momento em que foi retirado o anti-
piratórias e permaneceu na incubadora convulsivo e iniciou tratamento com fluo-
durante 15 dias. Logo depois começou a xetina, a criança acordou para o mundo,
ser monitorizada com oxigênio. por volta dos 12 meses.
A mãe informa que, aos 15 dias de Novamente iniciaram outra maratona
vida, Júlia recebeu alta do hospital e, após de exames para investigar os prejuízos nas
20 dias, teve já em casa uma crise convulsi- funções da comunicação, da socialização e
va, sendo necessário interná-la novamente. do comportamento exploratório, assim
Permaneceu internada uma semana para como dos movimentos estereotipados, an-
investigar a convulsão. Nesse momento, co- tes chamado de “crise”. Portanto, foram a
meçou a tomar Gardenal e passou a dormir São Paulo e Salvador em busca de um
muito, permanecendo a maior parte do diagnóstico. Pela primeira vez levantaram
tempo deitada e sonolenta. a hipótese diagnóstica de TEA e indicaram
Recebeu monitoramento por meio do profissionais especialistas no transtorno em
oxímetro até os 7 meses. Por causa do pro- Porto Alegre.
blema respiratório, fazia apneia com fre- Os dados colhidos na entrevista, com
quência. Clinicamente, foi observada uma a mãe de Júlia corroboram os dados ex-
importante hipotonia muscular, motivo postos do prontuário neonatal. Adicional-
pelo qual começou com sessões de fisiote- mente, a mãe relata que já nos primeiros
rapia aos 5 meses. Para tratar a convulsão meses ela percebia que a menina não in-
inicialmente, fez tratamento com Garde- teragia de acordo com o esperado e que
nal®, que depois foi trocado pelo Trilep- apresentava algo estranho.
tal® e, na sequência, fez uso do Depake- Ao analisar a entrevista, infere-se que
ne®. A queixa da mãe se referia, exclu- apesar de que os exames neurológicos
sivamente, à sonolência e à hipoatividade efetuados não mostrassem indícios de al-
da menina quando estava acordada. terações, três manifestações da criança
A partir desse momento, Júlia iniciou chamaram a atenção para possíveis pre-
investigação neurológica por manifes- juízos nessa área: as convulsões, a hipo-
tar crise convulsiva e investigação gastroen- tonia e os prejuízos nas funções de socia-
terológica por apresentar dor abdominal. lização. Com afirmam Fernandes, Neves
A criança se contorcia com frequência. e Scaraficci (2006), na maioria das vezes,
A mãe relata que tinha a impressão de que a criança autista tem um funcionamento
a criança fazia força excessiva por dificul- irregular de desenvolvimento ao mesmo
dade para defecar. Embora apresentasse re- tempo em que apresenta uma aparência
sultados normais, as dores se mantinham e totalmente normal.
a criança continuava se contorcendo. O caso de Júlia não foi diferente, foi
Em seguida, recorreram a outro neu- um bebê de aparência saudável com me-
rologista, que levantou a hipótese de não didas adequadas, apenas com a compli-
ser crise convulsiva e, sim, um movimen- cação respiratória no período neonatal.
to estereotipado. O médico responsável Contudo, nos primeiros contatos interati-
pelo caso suspendeu o uso do anticonvul- vos entre mãe e filha, a mãe percebeu
sivante e indicou fluoxetina. O neurolo- que alguma coisa não estava indo bem
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nessa interação. Esse tipo de queixa é re- da fluoxetina líquida nos comportamen-
portado por Marcelli e Cohen (2010) co- tos repetitivos em 45 crianças e adoles-
mo uma percepção precoce da mãe de centes diagnosticados com transtorno in-
que há algo errado no desenvolvimento vasivo de desenvolvimento (TID). Apesar
da criança. de os resultados não mostrarem uma me-
O que fica de manifesto de forma im- lhora nas medidas de comportamento
portante na análise dos relatos é a difi- global, observou-se que pequenas doses
culdade de interpretar os sintomas, ou de fluoxetina líquida foram efetivas para
seja, a dificuldade inerente do diagnósti- tratar os comportamentos repetitivos, es-
co de transtorno do espectro autista. Por pecialmente em crianças mais novas. Em
exemplo, Júlia realmente estava sofrendo vários artigos de revisão, também se con-
uma crise convulsiva ou estava realizan- firma a efetividade do uso de fluoxetina
do movimentos estereotipados? Se for a como inibidor seletivo da recaptação de
segunda hipótese e foi tratada com medi- serotonina, especialmente para a inibição
cação anticonvulsiva, foram esses remé- dos movimentos estereotipados e ritualis-
dios que deixaram Júlia sonolenta e hipo- tas (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004;
ativa como reporta a mãe? As próprias NAVARRO et al., 2001; NIKOLOV; JONKER;
contorções frequentes de Júlia, interpreta- SCAHILL, 2006).
das como dores abdominais das quais não
se acharam as causas em exames clínicos
e de laboratórios, poderiam ser outra ma- ANÁLISE DOS VÍDEOS: SINAIS
nifestação de movimentos estereotipados? PRECURSORES DO TEA
No presente caso, pode-se pensar que,
diante desses comportamentos de ambí- O vídeo (1) contém aspectos expres-
gua interpretação, uma variável foi deter- sivos do nascimento até os 3 meses de
minante para a busca de um diagnóstico vida. Júlia aparece recém-nascida sendo
mais apurado, a percepção de mãe de monitorada por oxímetro 24 horas por dia
que algo não estava bem na relação mãe- com a presença constante de uma enfer-
-bebê. Esse aspecto foi bem abordado por meira-cuidadora. Observam-se interação fa-
Marcelli e Cohen (2010). miliar e manifestações afetivas. Toda a fa-
Outra conclusão que pode ser extraí- mília (pais, avós, irmã e prima) mostra-se
da dos dados analisados consiste na ne- muito presente e estimulante. Frequente-
cessidade de ter outros olhares profissio- mente fazem trocas afetuosas por meio de
nais quando as primeiras interpretações conversa, de beijo e de toque. A mãe inte-
deixam dúvidas ou não fecham um diag- rage com o bebê, seguidamente. No mo-
nóstico explicativo. No caso de Júlia, ob- mento da amamentação, observa-se clara-
servou-se que a criança submeteu-se a di- mente uma hipotonia oral e hipotonia da
ferentes terapias farmacológicas indica- cabeça enquanto faz sucção mamária. Dian-
das para crises convulsivas, tendo efeitos te desse dado, lembra-se que é comum o
colaterais que poderiam interferir no seu bebê autista apresentar transtorno tônico
desenvolvimento. em forma de hipotonia e ausência de dialo-
A substituição dessas medicações pela go tônico a partir de 2 e 3 meses, ou seja,
fluoxetina pareceu apropriada, uma vez sem tônus nem gesto antecipatório (MAR-
aceita a hipótese de comportamentos es- CELLI; COHEN, 2010).
tereotipados. Em um ensaio clínico cru- No vídeo (2) existem aspectos signifi-
zado, controlado com placebo, de Hollan- cativos dos 3 aos 6 meses de vida. Com
der et al. (2005), investigou-se o efeito relação à interação mãe-bebê, observou-se
66 Rotta, Bridi Filho e Bridi (orgs.)
que a mãe posiciona a cabeça do bebê Da mesma forma, em outra cena, Júlia
para ter um melhor contato visual e inte- está no colo da avó e a irmã de 3 anos se
ração, porém, o bebê faz pouco contato aproxima e olha bem perto o rosto dela,
visual e quando o faz não sustenta o fala com ela, a toca e a beija, observa-se que
olhar. A criança olha mais para a câmera, a resposta de Júlia é de indiferença. Ela
talvez por apresentar um ponto de luz mantém a palma da mão bem aberta e não
vermelho, do que para a mãe que a está fixa o olhar. Assim como aconteceu na cena
solicitando com sua conversa. Essa cena em que estava com a mãe, nas vezes em
tem duração de 1 minuto e 22 segundos, que estabelece contato visual com a irmã,
no entanto, o tempo de interação mãe- muito pouco o sustenta, dando a impressão
-bebê, com resposta evidente do bebê, é ainda de que esse contato acontece por aca-
de apenas 2 segundos. Em geral, os bebês so. Nessa cena, o tempo de interação é de 2
com desenvolvimento típico mostram um minutos e 14 segundos, porém, o tempo de
aumento acentuado em sua responsivida- resposta do bebê é de 3 segundos.
de diante da face e da voz humana da Na mesma cena, observando a postu-
mãe (FIELD, 1987; NEWCOMBE, 1999). ra de Júlia no colo da avó, nota-se sua hi-
Entretanto, o bebê autista de 0 a 6 meses potonia que a faz parecer uma boneca de
pouco repara e não solicita a presença pano, como Meneghello (1997) descreve
das pessoas, inclusive da própria mãe a criança autista quando chega para aten-
(CLEMENTE, 2009). dimento. O autor informa que essas crian-
Com relação ao sorriso como compor- ças parecem mais com um boneco do que
tamento responsivo, Sadock e Sadock com uma criança, por falta de sincroniza-
(2011) informam que, quando os bebês ção gestual.
carecem de sorriso social, de contato vi- Ao longo de todo esse vídeo, Júlia
sual e de postura antecipatória, pode ser não apresenta vocalizações não linguísti-
um sinal de alerta, já que crianças com cas, apesar de já corresponder à idade
transtorno do espectro autista não apre- para comportamento linguístico. Clemen-
sentam o nível esperado de habilidades so- te (2009) salienta que no bebê autista a
ciais recíprocas sutis na relação com as pes- quantidade de balbucio é menor ou anor-
soas. No caso de Júlia, em uma cena na mal durante o primeiro ano de vida.
qual a tia está brincando com ela, sua rea- Em outra cena de amamentação ob-
ção mostra-se bastante empobrecida. Ape- servou-se novamente durante a sucção ma-
sar de Júlia esboçar um sorriso, não apre- mária a hipotonia oral e da cabeça, sendo
senta um sorriso intencional e nem espon- necessário o braço da mãe para sustentá-
tâneo. O sorriso parece muito mais biolo- -la. A duração da cena foi de 1 minuto e
gicamente condicionado do que produtivo. 18 segundos e não houve nenhum com-
Em outra cena, enquanto a mãe inte- portamento interativo mãe-bebê esperado
rage com ela, fazendo contato visual e para essa faixa etária. Júlia não faz conta-
emitindo voz serena, Júlia mostra-se sé- to ocular, não coloca a mão no seio mater-
ria. Poucas vezes esboça um sorriso ou no, nem faz qualquer manifestação de tro-
emite uma vocalização primitiva. Mar- ca afetiva, apesar da solicitação materna.
celli e Cohen (2010) apontam que o bebê Segundo Condon e Sanders (1974), o bebê
autista apresenta ausência de sorriso vo- normal apresenta sucção rítmica ao ma-
luntário, mantendo um rosto sério. Além mar, com pausas, durante as quais ocor-
disso, demonstra ausência de braço es- rem trocas de sentido psicológico e que
tendido, de imitação, de contato físico e seguramente tem um papel especial no de-
de balbucio. senvolvimento cognitivo.
Neurologia e aprendizagem 67
Em outro momento em que Júlia é co- sem apoio (MUSSEN; CONGER; KAGAN,
locada no colo da irmã, apresenta notada- 1974; NEWCOMBE, 1999).
mente hipotonia dos membros superiores Em outro momento de interação com
(cabeça e braços), com palma da mão a irmã, depois do banho no quarto da Jú-
aberta. Ao ser abraçada pela irmã, ela lia, a irmã conta a história do chapeuzi-
mantém a mão aberta contra o corpo da nho vermelho, mostrando o livrinho. Jú-
irmã. A literatura aponta que a hipotonia lia permanece deitada, quieta na mesma
das crianças autistas, acompanhada de posição. Nesse momento, não olha para a
uma falha de ajustamento corporal, é um irmã, fixando o olhar nas próprias mãos.
sinal bastante frequente nesse quadro. Emite por tempos breves o som da letra
Observa-se total ausência da atitude “a”. Essa cena dura 2 minutos e 50 se-
antecipatória presente por volta dos 4 a 6 gundos, e o tempo de resposta é zero.
meses, ou antes, que corresponde aos Outro momento de interação com a
movimentos que a criança faz quando irmã é no sofá da sala de estar. Enquanto
a mãe ou alguém significativo estende a irmã tenta interagir, conversando e bus-
os braços para ela. Em geral, a criança se cando contato visual, Júlia permanece
antecipa e movimenta o corpo e/ou os na mesma posição deitada sem se mexer.
braços em direção à pessoa familiar A postura parece desconfortável. Braços e
(GILLBERG; NORDIN; EHLERS, 1996). mãos estendidos ao longo do tronco e ca-
Na hora do banho, Júlia permanece beça dobrada em um ângulo de 90 graus.
em posição deitada sob os cuidados da tia Além disso, permanece de boca aberta e
e demonstra olhar periférico “pelo canto faz poucas vocalizações. Baseado em Fran-
do olho”. Enquanto isso, a mãe faz tentati- kenburg e Dodds (1967), é esperado que
vas de comunicação verbal, mas Júlia não a criança, aos 3 meses, vire-se de lado, aos
responde à interação da mãe, permane- 4 meses, suporte o peso sobre as pernas e,
cendo fixada na tia por meio do olhar pe- entre 5 e 6 meses, sente-se sem apoio e
riférico. Em outra cena, ainda durante o segure-se em móveis. De acordo com as
banho, Júlia está sob os cuidados da mãe observações do vídeo, é possível perceber
e da presença da irmã. Ela permanece en- declaradamente um atraso psicomotor.
costada no braço da mãe, mantendo-se Em uma cena de interação com a avó
em posição deitada. Ainda não consegue e a tia no chão da sala de estar, Júlia está
permanecer sentada e nem faz tentativas. sentada no colo da avó de frente para a
Faz pouco contato ocular com a mãe e a câmera. Observa-se notadamente hipotonia
irmã, permanecendo séria. O tempo filma- muscular, especialmente dos membros supe-
do é de 2 minutos e 10 segundos e o tem- riores. Demonstra incômodo no colo da
po de resposta visual aos estímulos que avó, esboçando um leve choro. Em segui-
consistem de conversa, música, toque e da se tranquiliza no colo da tia, permane-
contato visual é de 6 segundos. cendo deitada e agarrada no cabelo da
Observou-se também nessa cena que tia sem evidência de contato visual.
Júlia, apesar de estar com 6 meses de Na cena seguinte mostra a interação
idade, apresenta um significativo atraso com a prima. A prima busca interação,
na postura de sentar, já que é uma habili- por meio da conversa e da brincadeira
dade que começa a se desenvolver, em que consiste em beijar o pé de Júlia, que
média, aos 3 meses. Os bebês são capa- está sem meia. Nessa ocasião, o bebê não
zes de ficar sentados por 1 minuto, com faz contato visual com a prima nem rea-
apoio nas idades de 3 e 4 meses e, por ge ao estímulo, permanecendo parada com
volta dos 7 ou 8 meses, podem fazê-lo olhar desviado.
68 Rotta, Bridi Filho e Bridi (orgs.)
Na cena de interação com a mãe, a los por meio da interação familiar. Faz
mãe está frente a frente com o bebê, esti- pouco contato visual, desviando e não sus-
mulando o contato visual e a linguagem, tentando o olhar. A mãe estimula a posi-
que pouco aparece. A mãe mostra-se in- ção sentada. Nesse momento, Júlia apre-
sistente na interação a fim de obter um senta muito balanceio, precisando do su-
retorno, mas mesmo assim não consegue. porte e da supervisão direta da mãe.
Quando estimulada a olhar para o pai Pode-se observar que na maioria das cenas
que está filmando e quando lhe é pergun- relatadas os comportamentos de não en-
tado cadê o papai? Não se mostra respon- gajamento social estão sempre presentes.
siva nem faz contato visual. Da mesma Em seu batizado aos 6 meses, Júlia
forma ocorre quando a mãe a chama pe- permanece no colo do pai em posição
lo nome, e Júlia não a olha. Entretanto, deitada e fixa o olhar no teto da igreja,
quando a mãe assobia, o bebê responde mesmo com a solicitação social do pai.
rapidamente com o olhar, não havendo Quando é colocada no colo de outra pes-
sustentação da atenção. Segundo Bel- soa, permanece na mesma posição ante-
monte, Gomot e Baron-Cohen (2010), a rior, deitada e com falta de sustento com-
criança autista apresenta perturbações de pleto da cabeça. Na hora das fotos, não
atenção e de percepção que podem apon- olha para a câmera, mesmo diante dos
tar para a anormalidade neural. O não estímulos familiares. Parece um olhar per-
interesse por brinquedos estão em oposi- dido nos registros fotográficos.
ção ao grande interesse que lhe é desper- Na análise dos vídeos foram observa-
tado por ruídos cotidianos. das manifestações comportamentais que
Na mesma cena, as duas vezes em que revelam prejuízos nas funções da sociali-
esboça um sorriso, este parece estar associa- zação, da comunicação e da linguagem,
do ao fato de a mãe colocar o pé do bebê além de atraso psicomotor com presença
na boca. Esse sorriso da Júlia parece mais de hipotonia. Essa análise mostrou que o
uma resposta ao estímulo sensitivo (cóce- comprometimento no comportamento so-
gas) do que uma resposta intencional e so- cial e na capacidade de fixar a atenção
cial. Nessa ocasião, também, parece falta de pode ser efetivamente percebido antes do
interação recíproca e de comunicação. primeiro ano de idade, indicando o risco
Na outra cena de interação com a ir- de transtorno do espectro autista. Na li-
mã, as duas estão na cama dos pais. A ir- teratura encontram-se vários estudos que
mã busca a interação, cantando, conver- utilizam os filmes familiares para analisar
sando, beijando e tocando a Júlia. Nesse os comportamentos da criança no primei-
momento, Júlia faz pouco contato visual e ro ano de vida e os resultados mostraram
se mantém séria. As falhas de interação que desde cedo se pode distinguir a sín-
social levam a irmã a abandonar a brinca- drome autista da deficiência intelectual e
deira possivelmente por falta de trocas do desenvolvimento típico (OSTERLING;
afetivas e comunicativas. Quando a irmã DAWSON; MUNSON, 2002). Portanto, a
desce da cama, Júlia não acompanha com análise desse material pode ser considera-
o olhar a fuga da irmã, mantendo-se na da de grande utilidade na busca do diag-
mesma posição. nóstico precoce do transtorno.
Na cena de interação mãe-irmã-bebê
por meio de exercícios de fisioterapia Escala de Traços Autísticos
para tônus dos membros inferiores, em-
bora Júlia permaneça deitada na cama, A Escala de Traços Autísticos foi respon-
na mesma posição, recebe muitos estímu- dida pela mãe, focando os comportamentos
Neurologia e aprendizagem 69
• Torcia o corpo, mantinha uma pos- ta-se que o histórico do primeiro ano de
tura desequilibrada, pernas dobra- vida da criança pode ser responsável, em
das, cabeça recolhida aos pés, ex- parte, pelas condutas presentes.
tensões violentas do corpo. A psicóloga chegou à conclusão de
• Não se dava conta do perigo. que Júlia com 2 anos e 6 meses apresenta-
va atraso no desenvolvimento neuropsico-
Nesse caso, a pontuação geral foi de 33 motor e da linguagem expressiva muito
pontos, sugerindo a presença de traços au- importante, com presença de hipotonia
tísticos antes dos 12 meses de vida. Nessa com perdas na capacidade funcional.
escala, seu ponto de corte é de 15. Portan- Os ajustes posturais eram precários e
to, pontua-se zero se não houver a presen- existia grande redução da atividade es-
ça de nenhum sintoma, 1 se houver apenas pontânea no brincar, no explorar e no
um sintoma e 2 se houver mais de um sin- construir. A fala apresentava atraso, utili-
toma em cada um dos 36 itens, realizando- zando muito precariamente formas alter-
-se uma soma simples dos pontos obtidos. nativas para a comunicação. Quando in-
Foi possível detectar de forma retros- comodada, agarrava-se à mãe e chorava.
pectiva por meio da Escala de Traços Autis- O nível cognitivo tinha indícios de estar
tas, da análise dos vídeos e da entrevista mais preservado, pois era capaz, por alguns
com a mãe, a presença de condutas autísti- momentos, do uso apropriado dos objetos
cas antes dos 12 meses de idade. Relacio- oferecidos, evidenciando processamento
nando esses dados com o relato da mãe ob- adequado dos estímulos, havendo interrup-
tido na entrevista, fica claro que a per- ção provavelmente pela fadiga e certo des-
cepção que a mãe tinha de que algo andava ligamento e desinteresse pelo outro.
mal no desenvolvimento de seu bebê esta- É importante referir que nesses momen-
va fundamentada na observação desses tos não se empenhava em manipulações bi-
comportamentos diariamente. Daí a impor- zarras e/ou estereotipias observáveis. A con-
tância da divulgação entre os médicos pe- duta imitativa estava emergindo, respon-
diatras de trabalhos científicos que identifi- dendo ao prompt físico, momentos nos quais
quem os sinais precoces do transtorno do manteve a atenção adequada, mesmo que
espectro autista com a finalidade de possi- por breves momentos.
bilitar a escuta atenta e qualificada por par- Portanto, os repertórios condutuais
te desses profissionais dos relatos maternos apontavam para um atraso global do de-
sobre esses possíveis indicadores. senvolvimento. Ao mesmo tempo, exis-
tiam referências de condutas que se en-
Psicodiagnóstico quadrariam em um espectro autista, mas
que não puderam ser comprovadas com
O psicodiagnóstico foi realizado quan- exatidão nessa avaliação.
do Júlia tinha 2 anos e 6 meses. Os instru- O prognóstico era reservado, devendo
mentos e as técnicas de avaliação utilizados submeter-se a reavaliações em período
pela psicóloga foram: o DSM-IV, o CARS, a aproximado de 6 a 8 meses, devendo a fa-
descrição de perfil do desenvolvimento e a mília e os terapeutas ficarem atentos para
anamnese. Os resultados dessa avaliação o aparecimento e/ou fortalecimento de
apontam para um atraso global do desen- condutas que se enquadrariam em um es-
volvimento com presença de referências de pectro autista.
conduta que se enquadram em um espectro Em função desse relatório, Júlia rece-
autista, mas que não puderam ser compro- beu estimulação específica, contínua e
vadas com exatidão nessa avaliação. Ressal- sistemática de todos os repertórios bási-
Neurologia e aprendizagem 71
los, já que era capaz do uso apropriado ções de oposição quando seus desejos e ex-
dos objetos oferecidos. Conseguiu man- pectativas não se cumprem. Há presença
ter-se por tempo compatível para realizar de agressividade quando contrariada.
as tarefas (emparelhamento, encaixe, que- Em relação à linguagem, Júlia apre-
bra-cabeça), demonstrando bastante inte- senta estereotipias vocais e emite sons es-
resse pelas atividades propostas. tereotipados, especialmente quando está
Em geral evidenciava mau humor ao agitada ou excitada. Apesar de não esta-
ser exigida, reagindo de forma irritável belecer diálogo, em alguns momentos,
ou agressiva. Nesses momentos, apresen- mostra-se capaz de falar algumas pala-
tava baixa tolerância à frustração. Nota- vras com valor comunicativo.
damente, a oscilação do humor limitava Além disso, revela dificuldades na ca-
muito a receptividade nas brincadeiras, pacidade de atenção-concentração. É co-
aprendizagens e nos contatos sociais. mum fixar a atenção em suas próprias pro-
Apesar de Júlia ter tido acompanha- duções sonoras ou motoras, dando a im-
mento terapêutico permanente, por ra- pressão de que está ausente. Entretanto,
zões de espaço, neste capítulo será ex- quando realiza uma atividade de caráter
posto o relatório do acompanhamento pedagógico, fixa a atenção por tempos mui-
aos 8 anos. to breves. Busca constantemente a comodi-
dade e espera que lhe deem tudo pronto.
Relatório de atendimento aos Em geral, não demonstra o que sabe até
que tenha uma necessidade primária. Apren-
8 anos e 6 meses realizado por
de coisas, porém demonstra em determina-
acompanhante domiciliar terapêutica
dos lugares e com determinadas pessoas.
Júlia apresenta transtorno de espec- Notadamente, em situações de repou-
tro autista e manifesta claramente altera- so ocorrem movimentos estereotipados e
ções das interações sociais, das capacidades repetitivos. Tapa os olhos e as orelhas,
de comunicação e dos comportamentos es- roda objetos ou sobre si mesma, caminha
tereotipados. Quase não sorri e poucas ve- na ponta dos pés ou saltando, fica pulan-
zes manifesta aproximações espontâneas. do no mesmo lugar, arrasta os pés e
Geralmente evita pessoas, mostrando-se anda, fazendo movimentos estranhos.
incapaz de manter um intercâmbio so- Torce o corpo e mantém uma postura de-
cial. Desvia os olhares diretos, fazendo sequilibrada. Sobe e escala em todos os
pouco contato ocular. Raramente respon- lugares. Não se dá conta do perigo, ex-
de quando é chamada pelo seu nome. pondo-se sem ter consciência do risco.
A relação com o adulto quase nunca Em momentos livres, as estereotipias
se mostra interativa. Utiliza-se do adulto se acentuam, prevalecendo as “crises no
como um objeto, levando-o até aquilo que chão”. Conforme relato da mãe, essas cri-
deseja. Muitas vezes, o adulto lhe serve ses eram as mesmas descritas na anamne-
como apoio para conseguir o que deseja. se. Ainda bebê, se contorcia toda, pare-
Diante das exigências do meio ambien- cendo dores abdominais.
te, manifesta crises de birra, mudança re- Vendo os comportamentos descritos
pentina de humor e excitação motora. De- em ambos os relatórios feitos com dife-
monstra reações de desagrado, caso seja rença de cinco anos pela acompanhante
interrompida alguma atividade de que gos- terapêutica, depreende-se que a interven-
te. Nesses momentos, grita, chora, morde, ção terapêutica teve maior significado
amolece o corpo e joga-se para trás em di- nos primeiros anos. Na literatura, consta
reção ao chão. Revela aborrecimento e rea- esse tipo de resultado, porém, não expli-
Neurologia e aprendizagem 73
ca cientificamente por que isso pode ocor- tervenção precoce e pode trazer prejuízos
rer no desenvolvimento do autista. Possi- determinantes, como observado nesse ca-
velmente pela heterogeneidade do qua- so. Também salienta-se a importância de
dro comportamental. investigar e direcionar atenção em rela-
ção à estereotipia precoce nos próximos
estudos como um possível indicador de
CONSIDERAÇÕES FINAIS TEA.
Júlia teve complicações neonatais, por-
O diagnóstico precoce é fundamental tanto, é pertinente questionar quais são os
no desenvolvimento da criança autista já indicadores que nos fazem acreditar que es-
que permitiria uma intervenção também sas complicações sejam responsáveis por al-
precoce, evitando tanto o sofrimento da terações cognitivas, de linguagem e de com-
família quanto da própria criança. O mé- portamento. Possivelmente, uma relação de
dico-pediatra deve ter uma visão global da causa e efeito possa ser discutida. Outro as-
síndrome autista e deve estar atento às pecto que o presente trabalho permite ques-
aquisições das etapas do desenvolvimento tionar é o quanto as intercorrências neona-
como o contato visual, o sorriso social, os tais podem contribuir para um quadro do
gestos antecipatórios, o balbucio como espectro autista, como apontado por Garde-
forma de comunicação e o apego aos inte- ner, Spiegelman e Buka (2011).
grantes de seu entorno. A ausência de al- Não é raro um paciente autista ser
gumas delas serve ao médico como alerta diagnosticado com diferentes distúrbios
de estar diante de uma criança autista. por diferentes profissionais. Isso se deve
No presente estudo, mediante a análi- ao fato de que o TEA pode ser acompa-
se dos vídeos do nascimento aos 6 meses nhado de outras síndromes. É importan-
de vida de Júlia, identificaram-se vários e te que o quadro do paciente seja detecta-
importantes sinais precoces do transtorno do de maneira correta e precoce, para
do espectro autista. Aparece visivelmente que se tenha a possibilidade de um co-
carência de contato visual, de sorriso so- nhecimento maior sobre esse transtorno
cial, de toque, de vocalizações e, ainda, tão complexo e, ao mesmo tempo, cheio
importante atraso psicomotor. Portanto, de possibilidades. Sugere-se que quanto
muito antes dos 2 anos e 6 meses poderia mais estudos forem realizados sobre os
ter sido iniciado um programa de inter- primeiros indicadores do espectro autista
venção precoce para minimizar os sinto- e disponibilizados para pais e profissio-
mas da síndrome autística, trazendo bene- nais da saúde, nesse caso, pediatras,
fícios à criança. mais chances de intervenção precoce te-
Outro indicador precoce que surgiu riam as crianças autistas, o que ajudaria
nas observações dos vídeos e relatos da a evitar mais atraso no desenvolvimento
mãe se refere à estereotipia. Durante 11 do que o próprio transtorno impõe.
meses de vida, a estereotipia, que é uma
característica do transtorno do espectro
autista, foi entendida como crise convul- REFERÊNCIAS
siva. A partir de 1 mês de vida, Júlia pas-
sou a tomar remédios para convulsão, re- ANZALONE, M. E.; WILLIAMSON, G. G. Sensory
processing and motor performance in autism spec-
sultando em sonolência e hipoatividade.
trum disorders. In: WETHERBY, A. M.; PRIZANT, B.
Aqui se pode fazer uma alerta em relação M. (Org.). Autism spectrum disorders: a transactional
ao diagnóstico errôneo em período cru- developmental perspective. Baltimore: Paul H.
cial do desenvolvimento, pois adia a in- Brookes, 2000.