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ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO – ESTÁGIO BÁSICO

NOME DO ALUNO: Carolina Fontoura da Motta


LOCAL DA OBSERVAÇÃO: Psicóloga Caroline Gabriela de Souza - CRPRS 07/21509
PERÍODO DO ESTÁGIO: 2022/2
RELATÓRIO 14
DATA: 04/11/2022

1. Definição do foco da observação (o que é que será observado):


O foco de observação, durante as horas destinadas para Estágio de Observação é
a atuação da psicóloga Dra. Caroline em processos judiciais na vara de família e vara da
infância e juventude, bem como o acompanhamento da aplicação de testes psicológicos e
avaliações psicológicas para diversos fins, tais como: posse e porte de arma de fogo,
cirurgias, adoção, dentre outras.

2. Dentro do foco, definição do tema ou fenômeno a ser observado (especifica o


foco):
Os fenômenos específicos que serão observados semanalmente são a aplicação
dos diversos tipos de testes para as avaliações psicológicas das pessoas envolvidas nos
processos judiciais atendidos pela Dra. Caroline, além dos pacientes que procuram testes
e avaliações por motivos específicos; bem como o acompanhamento dos
desenvolvimentos dos laudos necessários.

3. Descrição do período semanal de observação (dias, horários, duração da


observação em horas ou minutos):
O período de observação semanal ocorrerá durante um total de 04 (quatro) horas
semanais, onde serão realizadas atividades de acompanhamento de aplicação de testes,
estudos sobre os diversos testes que a Dra. Caroline aplica para cada finalidade
específica, discussões sobre os resultados dos testes e as possibilidades de avaliação do
paciente, discussões sobe os resultados dos laudos a serem devolvidos os pacientes,
pesquisas teóricas sobre testes e avaliações psicológicas no âmbito das varas de família
e infância e juventude, bem como no âmbito do porte e posso de arma de fogo, cirurgia,
adoção, etc.

4. Relato semanal da observação, com descrição detalhada e neutra dos fenômenos


observados na semana.
A observação da semana 14 refere-se ao processo de habilitação para adoção
solicitado pelo casal V., de 60 anos, e J., de 55 anos. Caso bastante raro, em função da
idade dos adotantes. A Dra. Caroline foi nomeada, pelo Juízo da Vara da Infância e
Juventude, como Perita Judicial para a Avaliação Psicológica do casal pretendente.
Ainda, há a nomeação de Assistente Social para a realização de Estudo Social da família.
Iniciaremos com a apresentação do estuado social; a seguir, a avaliação psicológica e,
por fim, breve discussão sobre o impacto da idade dos adotantes.
Conforme referido no documento do Estudo Social, temos que esse tipo de estudo
é um processo metodológico específico do Serviço Social e busca conhecer, de forma
crítica, determinada situação, especialmente no tocante aos fatores socioeconômicos,
familiares e culturais. A metodologia utilizada pela profissional, para realização do estudo,
valeu-se do estudo dos autos do processo, aplicação de instrumental semiestruturado,
escutas com o casal V. e J., além de observações técnicas. Também, foi realizada visita
domiciliar, escuta sensível, acolhimento empático e entrevista reflexiva.
A sra. V. (60 anos) e o sr. J. (55 anos) são casados há 32 anos e tiveram dois
filhos: P. (32 anos), casado e pai de um menino de 12 anos e A. (27 anos), solteira. V.,
após o segundo parto, não pode mais ter filhos. O casal relata que sempre quiseram ter
muitos filhos e que “é a coisa mais boa do mundo você ser chamada de mãe”. O casal se
considera jovem e que tem muito amor para dar a outras crianças. J. se demonstra
bastante empolgado, e diz que possuem as condições para suprir os cuidados
necessários para uma criança.
O casal conta que os filhos ficaram felizes quando souberam que os pais iniciariam
processo para adoção. Também, o casal diz que tem consciência de que começarão tudo
de novo, que é uma nova responsabilidade para a vida toda, tal qual com filhos, mesmo
que esses sejam maiores e independentes. Citam que não tem preferência por sexo e
que podem ser irmãos (até três), mas tem restrição no tocante à criança com deficiência
grave. Preferem crianças entre 05 e 12 anos, podendo variar um pouco.
O casal conta que é frequentar assíduo da Igreja Católica e participam de
encontros de casais com frequência. Sonham conhecer Jerusalém, mas acreditam que,
por enquanto, não possuem as condições financeiras necessárias. São proprietários de
uma pequena indústria de velas e não tem empregados. A renda do casal gira em torno
de R$ 7.000,00, residem em casa própria que apresentava bom ambiente de higiene e
conservação.
A propriedade é composta de dois terrenos: um onde está a casa e local de
trabalho e outro onde plantam verduras e legumes para consumo próprio. Além disso, há
diversas árvores frutíferas no terreno. V. e J. dizem que a intenção é que as crianças
estudem na escola católica, no centro da cidade e que eles farão o transporte delas, já
que o casal é proprietário de veículo particular já quitado.
Conforme análise da Assistente Social, o casal exibe um perfil tranquilo e afirmam
que estão cientes de que a adoção é para sempre e demonstram amadurecimento quanto
ao fato de receberem crianças com histórico de vida de ruptura e estão dispostos a
exercer todas as funções parentais necessárias. Por fim, o parecer da profissional é de
que V. e J. demonstram ter condições, no momento, de oferecer ambiente familiar
adequado e compatível com as necessidades de uma criança, estando aptos para
adoção.
Para a elaboração do laudo psicológico a Dra. Caroline valeu-se de análise dos
autos do processo, entrevista semiestruturada com o casal e entrevista individual e a
aplicação individual do teste projetivo de personalidade Pirâmides Coloridas de Pfister,
que permite identificar características da personalidade, o nível intelectual e o
desenvolvimento cognitivo, com o casal. Conforme descrito pela Psicóloga, no laudo
apresentado ao juízo da comarca de Parobé, dá conta de que J. tem 8 irmãos e a mãe
ainda está viva, e V., 9 irmãos e os pais já são falecidos. O casal tem dois filhos: um com
33 anos, casado e pai de um menino de 10 anos e outra com 27 anos, solteira. Contam
que a filha viaja pelo Brasil “doando sua vida para a evangelização por entender que essa
é a sua missão”. O casal mora sozinho, V. está aposentada e os dois trabalham juntos em
uma pequena empresa de fabricação de velas cuja produção é vendida para hotéis e
pousadas.
Conforme a Dra. Caroline, quando eles foram perguntados sobre a adoção, dizem
que “ainda tem muito amor para dar, muito o que mostrar e ensinar”. J. refere que sente
falta de “continuar sendo pai”. Falam que não pensam em adotar apenas para ter alguém
para cuidar deles no futuro, mas que “por ter muitas crianças precisando de uma família e
eles tem uma base para proporcionar a criança adotada para que seja alguém na vida”’. A
motivação para adoção surgiu há tempos e quem mais falava sobre o assunto era J.
Mesmo que o casal entenda as possíveis dificuldades advinda com a idade, acreditam
serem capazes de educar, cuidar, zelar e passar ensinamento ao outro. Tem a intenção
de adotar uma criança com idade entre 5 e 12 anos, já que não precisam dos cuidados
demandados por um bebê e aceitam até três irmãos, mesmo que um deles seja bebê.
O casal refere que, com a criança adotada a rotina da não mudaria, seria a mesma
que já tem, da casa para o trabalho e assim, a criança estaria sempre com eles
“ajudando-os e eles estariam a orientado e ensinando a ajudá-los”. Ensinariam a fazer o
almoço e a cuidar das suas coisas. J. fala que a criança teria rotina para acordar, tomar
café, fazer higiene, almoçar e ir à escola e que teria uma vida como qualquer outra
criança. Pensam em colocar a criança em uma escola particular católica com turno
contrário. V. diz que “desejo é passar o que há de melhor, o essencial e, assim, evitar o
colégio comum que ensina ideologia de gênero e que tudo pode até mesmo dividir o
banheiro sem saber se é menino ou menina”. No tocante à saúde, V. conta que faz uso de
medicação para hipertensão e J. faz uso de psicofármacos para ansiedade.
Quando aos resultados do instrumento Pfister, J. demonstra tendência à
instabilidade e vulnerabilidade equilibrada por leve restrição à abertura aos estímulos.
Moderação e controle, mas certa inconstância de reações; agitação que leva a atividades
incompletas e denota necessidade de seguir rituais, além de dificuldade de adaptação
relacionada ao transtorno de ansiedade. Relacionamentos dentro do esperado, empatia e
capacidade de regular os aspectos mais impulsivos. No tocante aos resultados da
aplicação do teste das pirâmides coloridas em V., esta apresenta moderação e controle
nas atitudes, conduta normal e adaptada, extroversão bem canalizada e adaptada ao
ambiente, contato afetivo e social dentro do esperado; porém, apresenta firmeza e
determinação reativa à necessidade de amparo e proteção.
Na discussão sobre os achados da avaliação psicológica, a Dra. Caroline expõe,
para o juízo da comarca onde tramita o processo de habilitação para adoção, que a
adoção se apresenta como uma possibilidade de novo encontro e continuidade da
parentalidade, pois J. e V. tem os filhos já crescidos e com rotinas e famílias próprias. O
casal está organizado quando a rotina, possui vida financeira estável e empresa própria
consolidada. Ambos, a partir dos resultados da aplicação do instrumento Pfister,
demonstram capacidade de afeto, embora apresentem tendência à instabilidade nas
ações. J. demonstra motivação maior para a adoção. J. salienta que tem muito amor para
dar e que existem “muitas crianças precisando de uma família”. Nesse ponto da discussão
a Dra. Caroline explica que podem haver questões inconscientes no casal relacionado ao
sentimento de benfeitoria ou solidariedade o que pode levar, futuramente, à exigência de
retribuição ou à intolerância aos comportamentos distintos dos seus próprios ou a crença
de que a criança deverá ser uma pessoa grata por ter sido acolhida.
Segue, então, a Psicóloga, explanando que há uma tendência de que a adoção
pode estar sendo compreendida como uma maneira de fazer o bem, ajudar uma criança
desamparada. É essencial a existência do desejo pela parentalidade para que seja
construído o vínculo adequado entre pais e filhos, que não pode ser confundido com
caridade. Destaca, ainda, a Dra. Caroline, que é necessário flexibilidade e capacidade de
adaptação por parte dos adotantes, visto que a criança traz consigo questões inerentes à
sua história pregressa e algumas expectativas podem ser superiores ao que a criança é
capaz de suportar.
Por fim, a Dra. Caroline conclui o documento informando o juízo que “o casal
apresenta empatia, capacidade de afeto e de proporcionar segurança e proteção de uma
ou mais crianças. No entanto, considerando alguns aspectos relacionados às crenças,
fantasias e expectativas em relação à criança adotada, como a flexibilidade e ato de
benevolência, esses aspectos podem interferir em um desenvolvimento sadio na relação
que se estabelece pelo processo de adoção (...) neste momento, J. e V. apresentam
fragilidades que possam dificultar a construção da parentalidade no contexto da adoção
(...)”. grifos nossos1
1 Laudo pericial exarado pela Dra. Caroline Gabriela de Souza, em processo de habilitação para adoção.
O estudo desse caso específico foi enriquecedor, pois, antes de discutir os
resultados com a Dra. Caroline, pensava que “não haveria problema” em um casal mais
velho adotar uma criança. Debatemos o fato de que, em alguns casos, existe a
possibilidade de os possíveis adotantes confundirem a ‘boa ação’ com a parentalidade.
No caso em tela, essa foi a verificação, haja vista a conclusão do documento, em que
neste momento o casal faz essa confusão. Outro ponto importante, que pude entender
melhor, é a questão do “momento”. A avaliação psicológica é a ‘fotografia’ do momento
que as pessoas estão tomando a decisão, o que pode mudar, com o passar do tempo. No
caso de J. e V., um acompanhamento psicológico poderia mostrar para eles que a adoção
não é a melhor opção para o casal, pois há outras maneiras de ajudar crianças que estão
esperando uma família, como o apadrinhamento, por exemplo.
Porém, o caso de J. e V. é um caso concreto, mas e o que há sobre a adoção
tardia? O que é o envelhecer e como isso poderia interferir na parentalidade? Essas
questões levaram a uma breve pesquisa. Iniciando pelo ato de envelhecer, que é um
processo contínuo, biológico e psicológico, porém, cada indivíduo percebe, e vive, esse
processo de uma maneira diferente.
Assim, é preciso que a pessoa esteja atenta às mudanças do seu corpo e mente,
aprendendo a conviver com elas. Esse processo, além de biológico e psicológico,
engloba, ainda, o envelhecimento social, que causa grande impacto na vida da pessoa.
Segundo Mercadante2 “A velhice é, ao mesmo tempo, natural e cultural. É natural e,
portanto, universal se apreendida como um fenômeno biológico, mas é também
imediatamente um fato cultural na medida em que é revestida de conteúdos simbólicos,
evidenciando formas diversas de ação e representação”.
Isto posto, surgem dúvidas quando à possibilidade de pessoas mais velhas
adotarem filhos: i) que motivos levam à adoção por pessoas mais velhas?; ii) a idade da
criança interfere no processo de adaptação aos pais mais velhos?; e, iii) que fatores
podem levar à inabilitação para adoção?. Também, se considerarmos a morosidade do
judiciário brasileiro e o tempo entre a habilitação para a adoção e a adoção, efetivamente,
uma pessoa com mais idade sai prejudicada no transcorrer do processo.

2 MERCADANTE, E.F. A construção da identidade e a subjetividade do idoso. Tese de Doutorado. Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 1997.
Quando observamos o Estatuto da Criança e do Adolescente, há diferença mínima
de 16 anos de idade entre adotante e adotado. Esse critério tem por objetivo estabelecer
a filiação por adoção em condições de idades semelhantes à filiação biológica, visando
assegurar os papéis de pai e mãe. Porém, a legislação pátria não impõem ‘limite de idade’
para o adotante o que, legalmente, não impede que uma pessoa acima de 60 anos, por
exemplo, possa ser adotante.
Considerando que a longevidade humana passa por um aumento significativo, a
parentalidade pode ser exercida mais tarde. Ainda, a legislação nacional não impõe
restrições taxativas de idade. Depreendemos que, questões relacionadas à adoção por
parte de pessoas mais velhas está associada, mais fortemente, às questões culturais do
que às questões legais. Daí a necessidade da avaliação multiprofissional no decorrer do
processo de habilitação para adoção. Observe-se que há uma dicotomia no tocante ao
idoso, visto que ele é considerado capaz de cuidar dos netos mas não é considerado
capaz de cuidar e prover filhos adotivos.
É possível concluir que limitar a idade para exercer a parentalidade está
relacionado com a maneira como a sociedade vê a morte e a velhice, sendo a velhice
caracterizada como a espera pela morte, negando a possibilidade de outras alternativas
para essa fase da vida. Logo, devemos pensar a velhice como uma etapa da vida que
apresenta, sim, limitações físicas e psicológicas, mas que, também, apresenta
possibilidades de crescimento.

5. Comentários do observador sobre a observação realizada, incluindo sua


autoavaliação enquanto observador.
A observação desse processo de habilitação para adoção traz questionamentos
sobre a idade do adotante: “qual a idade ideal?”, além disso: “por que uma pessoa mais
velho pretende adotar?”. Mais uma vez, foi um tipo de observação em que precisei deixar
meus preconceitos de lado, para que o resultado fosse imparcial. Adotar não é um ato
benevolente, não é “para ajudar” alguém, é um ato de formar uma família e, por isso,
estar certo de que “quero ser pai/mãe” é muito importante de serve validado através de
uma avaliação psicológica, durante o processo de habilitação para adoção.
Ainda, surgiu uma questão de semântica, eu diria. A Assistente Social disse que o
casal está aptos para adotar, porém, quem determina isso é o juiz do processo. Ainda, em
relação às colocações da Assistente Social, o laudo exarado por ela diz: “análise descrita
é relativa ao momento dos procedimentos da perícia, não podendo ser considerada
permanente ou imutável”3. Podemos, então, fazer um paralelo entre o Estudo Social e a
Avaliação Psicológica, pois amos avaliam “o momento”, não a vida pregressa ou a vida
futura dos avaliados.

3 Laudo exarado pela Assistente Social designada para o Estudo Social solicitado pelo Juízo Vara Cível onde
tramita o processo de habilitação para adoção.

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