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DESENVOLVIMENTO HUMANO

Professora Dra. Angela Helena Marin

Caro(a) estudante, apresentaremos, a seguir, dois casos clínicos, a fim de aprofundar


ainda mais seu conhecimento acerca da disciplina de Desenvolvimento Humano, que
oferecerá um importante horizonte de aprendizados dentro do que estamos estudando.
Vamos lá?

CASO CLÍNICO 1
Demanda e encaminhamento

Fernando chegou ao serviço de avaliação psicológica a partir do encaminhamento da


escola, por queixa de dificuldade na compreensão geral das atividades. Foi relatado que,
durante a explicação geral que a professora dava aos alunos, ele não conseguia entender
o que era solicitado, e só compreendia as tarefas a partir do momento em que a
professora vinha até ele para explicar, individualmente. Além disso, Fernando apresentava
comportamento agitado e sempre demonstrava estar bastante desatento. Os pais
informaram, ainda, que Fernando tinha problemas em se socializar com colegas na escola
anterior (educação infantil), mas que, no momento da avaliação, esse aspecto havia
melhorado um pouco.

⁃ IMPORTANTE
Foram adotados nomes fictícios, para preservar a identidade do avaliando e a de seus
familiares.

Caracterização e relato do caso

Nome: Fernando

Idade: 6 anos

Classe socioeconômica: renda entre meio e um salário-mínimo por pessoa da família

Escolaridade: frequentava o 1° ano do ensino fundamental em escola pública

Região de moradia: região metropolitana da capital do estado

Pais: Cláudio e Juliana

Idade dos pais: 37 e 34 anos


Ocupação dos pais: pai militar, mãe auxiliar administrativa

Figura 1 — Genograma da família de Fernando


Fonte: Acervo da autora.

A gestação de Fernando foi de risco, uma vez que a mãe tinha um mioma no útero, e, por
isso, até os três meses, não sabia se a gestação poderia chegar ao fim. Fernando nasceu
prematuro, com 36 semanas, e, devido a isso, tomou complemento alimentar junto à
amamentação enquanto esteve hospitalizado. Por indicação médica, a administração do
complemento foi interrompida, na ocasião da alta hospitalar. A mãe teve depressão pós-
parto e, em razão dos antidepressivos administrados desde o nascimento do menino,
decidiu amamentá-lo até os 3 meses de idade. Apesar da prematuridade, os marcos do
desenvolvimento (como engatinhar, balbuciar, andar sem ajuda, adquirir o controle
esfincteriano) foram alcançados conforme o período esperado.

Até o ingresso na educação infantil, aos 5 anos de idade, o paciente não tinha contato
com outras crianças além da irmã mais velha, Caroline, de 15 anos. A relação dos irmãos
foi classificada como boa, porém a irmã tinha ciúmes de Fernando por ele ser tratado
como o bebê da família. O menino foi descrito pelos pais como bastante dependente.
Havia fiscalização intensa para realização de atividades cotidianas, como se vestir, tomar
banho e ir ao banheiro, e a mãe relatou que em vários momentos acabava fazendo essas
tarefas por ele. Fernando dormia na cama com a mãe, e o pai dormia em um colchão no
chão, ao lado, no entanto, sete meses antes de realizar a avaliação psicológica, Fernando
iniciou psicoterapia individual, e vinha recebendo incentivo da psicoterapeuta para dormir
sozinho em seu quarto. Além disso, com o ingresso na terapia, a família vinha trabalhando
a relação de dependência, e, de acordo com os pais, Fernando também não queria mais
ser visto como o bebê da família.
Na educação infantil, as professoras relataram que seu comportamento era agitado,
agressivo, desatento e “mal-educado”. Por indicação da instituição, os pais procuraram
atendimentos pediátrico, psicopedagógico, neurológico, fonoaudiológico e
psicoterapêutico. Em avaliação com médico neurologista, não foi indicado tratamento,
apenas recomendado observar o comportamento do menino na nova escola até os 5 anos
e meio, e, caso não houvesse mudanças, a família deveria retornar para investigações
adicionais. Fernando realizou duas consultas com psicopedagoga, que sugeriu a
ocorrência de um possível Transtorno do Espectro Autista (TEA). Contudo a avaliação com
fonoaudióloga não constatou prejuízos nesse sentido.

Com a mudança de escola, os pais perceberam que a relação com os colegas melhorou.
No entanto o paciente apresentava dificuldades em entender explicações e regras de
jogos. Nesses momentos, era necessário que recebesse uma explicação individual para
compreensão do que havia sido solicitado.

Foram realizados nove encontros de avaliação, com frequência semanal e duração de 60


minutos, além de entrevista de devolução. Durante o processo, Fernando foi capaz de
estabelecer vínculos com a avaliadora. Aceitou realizar todas as atividades solicitadas,
ainda que, por vezes, a realização destas tenha sido dificultada pelo insistente desejo de
brincar. Na hora do jogo, Fernando costumava direcionar seus enredos para finais trágicos,
como acidentes e mortes. Em alguns momentos, o paciente demonstrou ansiedade
durante a execução das tarefas propostas, a fim de finalizá-las rapidamente, o que pode
ter comprometido o seu desempenho.

Inicialmente, a maior ênfase foi dada à investigação das questões cognitivas, em razão
das dificuldades apresentadas por Fernando na escola para compreender as tarefas.
Porém foi se evidenciando uma demanda emocional bastante acentuada, que poderia
estar interferindo de modo direto na capacidade de aprendizagem do menino. As
informações da hora do jogo de diagnóstico, das entrevistas com os pais e do contato
com os profissionais que acompanham o paciente (psicoterapeuta e coordenadora
pedagógica de sua escola) foram fundamentais para a compreensão do caso.

INDICAÇÃO DE LEITURA
Caso adaptado de: SILVEIRA, L. B. et al. Menino de 6 anos com queixa de
dificuldade de aprendizagem e desatenção. In: YATES, D. B.; SILVA, M. A. da;
BANDEIRA, D. R. (ed.). Avaliação psicológica e desenvolvimento humano:
casos clínicos. São Paulo: Hogrefe, 2019. p. 75–88.

Tendo em vista o relato do caso clínico 1, propõe-se o seguinte.

Identifique as principais características do desenvolvimento físico,


cognitivo e psicossocial de Fernando.
Considerando os contextos de desenvolvimento, quais deles podem ser
associados aos comportamentos apresentados por Fernando? Justifique.
Qual o possível padrão de apego desenvolvido entre a dupla parental e
Fernando?
Que estilo parental os pais de Fernando, em especial, a mãe apresentava?
Quais aspectos relacionados à história e ao contexto se associam à
demanda clínica apresentada por Fernando?
Que possíveis encaminhamentos você daria a Fernando e sua família?
Caso você recebesse Fernando para realizar uma avaliação psicológica,
como você planejaria a avaliação, e que técnicas utilizaria?

CASO CLÍNICO 2
Demanda e encaminhamento

A escola na qual Ricardo estudava, havia quatro meses, antes do começo da avaliação,
solicitou que a família procurasse atendimento psicológico em razão do comportamento
do paciente em sala de aula. O menino de 13 anos não fazia as atividades propostas, além
de não copiar a matéria e ficar isolado da turma.

A queixa da família versava sobre a mudança de comportamento do filho, que estava mais
agressivo e isolado. Não estava empenhado nos estudos como em anos anteriores, não
queria ir à escola e estava sendo alvo de bullying pelos colegas. Os pais afirmavam que o
menino sempre havia sido tímido e tinha dificuldades de relacionamento. Em casa, o
comportamento era agressivo. Respondia aos outros gritando, batia no irmão menor, de 9
anos, e ameaçava bater nos pais.

⁃ IMPORTANTE
Todos os nomes são fictícios, a fim de preservar a identidade do avaliando e a de seus
familiares.
Avaliação de acordo com o Critério Brasil da Associação Brasileira das Empresas de
Pesquisa (ABEP, 2014).

Caracterização e relato do caso

Nome: Ricardo

Idade: 13 anos
Classe socioeconômica: C2, correspondente a uma renda familiar bruta de
aproximadamente 1,4 salário-mínimo, na época da avaliação

Escolaridade: 6° ano do ensino fundamental

Região de moradia: bairro de condição socioeconômica baixa de uma capital brasileira

Pais: Marta e Pedro

Idade dos pais: 45 e 48 anos, respectivamente

Ocupação dos pais: mãe do lar e pai auxiliar de serviços gerais

Figura 2 — Caracterização e relato do caso


Fonte: Acervo da autora.
A família do paciente era composta pelos genitores, casados há 30 anos, e dos cinco
filhos: Renata (27), Roberto (26) (ambos não moravam mais com a família, mas Renata
residia na casa ao lado), Reinaldo (20), Ricardo (13) e Raí (9). Nos dois anos anteriores à
avaliação, a residência principal da família situava-se em uma casa de condição
socioeconômica baixa de uma capital brasileira. Ora os membros da família moravam na
casa da avó materna de Ricardo, no interior de uma cidade da região metropolitana, ora
estavam na capital, onde residiam. Diziam ser “ciganos”, em razão das constantes trocas
de casa. As mudanças aconteciam sempre que a mãe de Marta adoecia (o tempo que
permaneciam não foi informado pela família). Assim, ela precisava se mudar com os três
filhos menores para cuidar de sua mãe. Na última vez em que isso aconteceu, Marta e os
filhos permaneceram residindo com a avó materna por seis meses. O marido ficou na
residência da família. Ricardo, mesmo morando em outra cidade, continuava estudando na
capital, porque o ônibus escolar o buscava na porta de casa.
A gestação de Ricardo foi planejada, tendo a genitora realizado todo o acompanhamento
pré-natal. Não souberam precisar com exatidão com quantos meses o menino nasceu,
mas o parto natural ocorreu no “tempo normal” (o menino nasceu com 52 cm e 3,8 kg).
Ricardo apresentou glicose baixa e foi necessário ficar na incubadora por três dias. Assim,
durante seu primeiro ano de vida, precisou ir ao pediatra todos os meses para medir a
quantidade de açúcar no sangue e monitorar seu desenvolvimento.

Depois dos meses iniciais, nunca mais ficou doente ou teve qualquer problema físico. Não
necessitou de internação e sequer contraiu gripe. Também nunca tomou medicação
psiquiátrica. Mamou no peito até os 6 meses, tendo seguido na mamadeira até os 7 anos.

Ingressou na escola aos 7 anos. Apesar do histórico de bom desempenho escolar, o


comportamento de Ricardo era diferente do manifestado em casa. Portava-se de forma
tímida, não conversando com ninguém. Não copiava a matéria, mostrando-se distraído.
Segundo as professoras, não falava nada ao longo do dia. No passado, havia chegado a
brigar e a bater em colegas, algo que não acontecia na época da avaliação. A preocupação
dos genitores versava sobre uma possível reprovação no ano em que o psicodiagnóstico
estava sendo realizado, algo que nunca havia acontecido. Ricardo estava frequentando a
quarta escola desde o começo de sua vida escolar.

Até os 10 anos de idade, aproximadamente, Ricardo não apresentava queixas de


comportamento. Após essa idade, irritava-se quando era contrariado em casa. Caso
alguém tentasse bater nele, chorava e manifestava comportamento irritado, agitando-se e
batendo na parede. Xingava os outros, batia no irmão e se irritava “por nada”. Tinha medo
de dormir no escuro, e, frequentemente, dormia na cama com os pais (informação negada
pelo paciente). Tais comportamentos haviam se intensificado com o passar do tempo.

Sempre foi muito “de dentro de casa”, assim como toda a família, não tendo amizades na
vizinhança e nunca saindo à rua para brincar. Como lazer, o menino gostava de jogar
videogame com os irmãos. Fora do ambiente doméstico, o máximo que fazia era jogar
bola com os irmãos, no campo de futebol que existia na rua. Na semana anterior ao início
da avaliação, Marta passou a levá-lo à igreja com ela. Segundo ela, ele relutava e dizia que
não queria ir, mas acabava cedendo.

Ao serem questionados sobre algum evento que acreditavam que poderia ter
desencadeado a mudança de comportamento do filho, os pais citaram uma situação
ocorrida na escola. Em certa ocasião, Ricardo chegou em casa “branco e tonto”. Ao
questionarem o que o filho tinha, Ricardo disse que uma colega afirmou saber a razão de
todos o tratarem mal: ele era muito estudioso e os colegas não gostavam disso.

Os pais do paciente haviam procurado um psicólogo particular, o qual disse que Ricardo
“não tinha nada”, encaminhando-o para um psiquiatra.
O profissional solicitou o psicodiagnóstico, em razão dos comportamentos
relatados: avaliação de síndrome psicótica, bem como outros diagnósticos
diferenciais dos Eixos I e II (4ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais [DSM-IV]). Sugeriu também a Escala de Inteligência
Wechsler para Crianças (WISC-III). O psiquiatra, ainda, solicitou uma
avaliação neurológica, tendo tal investigação não evidenciado qualquer
anormalidade. O menino já havia realizado um Eletroencefalograma (EEG), o
qual não apontou a presença de patologias. Não havia queixas do pediatra, e a
família negou outras doenças, informando que Ricardo sempre havia sido
saudável.

Durante todo o período do atendimento de Ricardo, tentou-se estabelecer contato


telefônico com a escola do paciente, mas não houve retorno para as mais de cinco
ligações feitas, mesmo após ter sido explicada a severidade do caso e a importância do
contato para funcionários da direção. Por tal razão, informações mais detalhadas acerca
da vida escolar do paciente não foram obtidas.

Vale referir que os pais de Ricardo apresentavam baixo nível socioeconômico, tendo
estudado apenas até o 1° ano do ensino fundamental. Houve dificuldade de ambos para
responder algumas questões, ou mesmo lembrar de algumas datas.

Foram realizados oito encontros, de 60 minutos cada, além de uma entrevista de


devolução. Ricardo apresentou-se como um adolescente quieto e introspectivo. Foi trazido
pelo pai em todos os atendimentos, não tendo ocorrido faltas. Demonstrava asseio,
embora, eventualmente, apresentasse forte odor de suor.

Considerando o emudecimento praticamente constante do paciente e a dificuldade de


interagir com a avaliadora, toda a comunicação dos atendimentos foi feita por meio da
escrita e de perguntas fechadas, pela psicóloga, as quais podiam ser respondidas com
“sim” ou “não”. O paciente, por vezes, respondia oralmente, ou assentindo com a cabeça
ou com as mãos, além de eventuais murmúrios. Mantinha-se em silêncio durante a maior
parte de todos os encontros, apesar de sempre realizar contato visual.

⁃ IMPORTANTE
A avaliação foi realizada em 2013, época em que DSM-IV e a WISC-III eram utilizados.

Tendo em vista não haver possibilidade de comunicação oral, a maneira encontrada para
se comunicar com o paciente foi a escrita, meio pelo qual Ricardo demonstrou maior
facilidade para se expressar. Em nenhum momento ele se opôs a entrar na sala de
atendimento, mas, por vezes, recusou-se a realizar algumas das atividades propostas
(sobretudo, testagem psicológica), permanecendo imóvel na frente do material que lhe era
apresentado.
No quarto encontro, o adolescente revelou, de forma inesperada, ter sido vítima de abusos
sexuais quando tinha 10 anos de idade. Por escrito, indicou: “minha família é legal, meus
primos trabalham, um deles tem uma namorada. Ele sempre foi melhor que eu em tudo.
Ele é mais velho, mais inteligente, arrumava amigos aonde fosse, ele nunca foi humilhado,
nem sofreu três vezes abuso sexual. Ele luta melhor que eu, sempre se dava bem com as
mulheres, ele sempre teve tênis de marca, ele se achava melhor só porque eu sempre fui
um fracassado.”.

INDICAÇÃO DE LEITURA
Caso adaptado de: CATTANI, B. C. et al. Adolescente de 13 anos com queixa
de mudança de comportamento. In: YATES, D. B.; SILVA, M. A. da; BANDEIRA,
D. R. (ed.). Avaliação psicológica e desenvolvimento humano: casos clínicos.
São Paulo: Hogrefe, 2020. p. 139-153.

Tendo em vista o relato do caso clínico 2, propõe-se o seguinte.

Identifique as principais características do desenvolvimento físico,


cognitivo e psicossocial de Ricardo.
Que influências normativas e não normativas no desenvolvimento de
Ricardo podem ser encontradas no relato?
Quais aspectos relacionados à história e ao contexto se associam à
demanda clínica apresentada por Ricardo?
Que possíveis encaminhamentos você daria a Ricardo e sua família?
Caso você recebesse Ricardo para realizar uma avaliação psicológica,
como você planejaria a avaliação, e que técnicas utilizaria?

REFERÊNCIAS
ABEP - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE PESQUISA. Alterações na aplicação
do Critério Brasil, válidas a partir de 01/01/2014. São Paulo: ABEP, 2014. Disponível em:
https://www.abep.org/criterio-brasil. Acesso em: 5 abr. 2022.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos


mentais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
CATTANI, B. C. et al. Adolescente de 13 anos com queixa de mudança de comportamento.
In: YATES, D. B.; SILVA, M. A. da; BANDEIRA, D. R. (ed.). Avaliação psicológica e
desenvolvimento humano: casos clínicos. São Paulo: Hogrefe, 2020. p. 139-153.
SILVEIRA, L. B. et al. Menino de 6 anos com queixa de dificuldade de aprendizagem e
desatenção. In: YATES, D. B.; da SILVA, M. A. da; BANDEIRA, D. R. (ed.). Avaliação
psicológica e desenvolvimento humano: casos clínicos. São Paulo: Hogrefe, 2019. p. 75–
88.

WECHSLER, D. WISC-III: Escala de Inteligência Wechsler para Crianças: Manual. 3. ed. São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

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