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Malinowski e os trobriandeses

TROCA E RECIPROCIDADE
Referências utilizadas:
 MALINOWSKI, M. “Argonautas do Pacífico
Ocidental”;
 MAUSS, M. “Ensaio sobre a dádiva - forma e
razão da troca nas sociedades arcaicas”
 alguns capítulos de “As estruturas
elementares do parentesco” (LÉVI-STRAUSS,
C.);
 e “Cultura e Razão Prática” (SAHLINS, M.) –
em ordem cronológica de publicação.

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A importância do tema para a
antropologia:
 Remete às discussões “clássicas” das ciências
sociais sobre a relação INDIVÍDUO – SOCIEDADE.
 Responsável por ter ocupado grande espaço na
produção intelectual da obra dos autores
“fundadores” da antropologia: Malinowski, Mauss,
Lévi-Strauss, Evans-Pritchard.
 Ressurge na geração da chamada “antropologia
econômica” – Godelier.
 Marca o influente “Cultura e Razão Prática” de
Sahlins.
Fenômenos estudados sobre
reciprocidade

 kula
 potlatch
 regra da proibição do incesto
 mercadoria como símbolo / dádiva / coisa
sagrada
Abordando Malinowski

 Por meio do Kula, costuma-se dizer, Malinowski


adentrou a vida trobriandesa. Por meio do Kula,
costuma-se crer, o Trobriandês habitaria a
antropologia ainda hoje. Por que Malinowski
acreditava que este ritual o permitia compreender a
sociedade trobriandesa? Seria o conhecimento de
seus traços formais? Ou, como ritual, seria o Kula
uma espécie singular de processo comunicativo que
se deixa entrever, que se deixa tocar, mesmo por
quem não domina o conjunto dos símbolos
orquestrados?
 O objeto de estudo de Malinowski é o sistema de comércio, o
Kula. Ele cita algumas condições adequadas para o trabalho
etnográfico, descritas a seguir.
“O etnógrafo precisa isolar-se de outros brancos e
permanecer em contato, o mais íntimo possível com os
nativos. É bom estabelecer uma base na residência de um
branco, mas deve ser longe o bastante para não se tornar um
local de moradia permanente, do qual ele sai, a determinadas
horas, para visitar a aldeia (p.21).
Deve-se ficar na aldeia porque há uma grande diferença
entre um mergulho esporádico na vida dos nativos e ficar
realmente em contato com eles. Para o etnógrafo, significa
que ele deixa de ser um elemento perturbador que, com a
própria aproximação alterava a vida tribal que pretendia
estudar. Viver na aldeia somente com o interesse de
acompanhar a vida nativa é como ver a carne e o sangue de
sua verdadeira vida, que recobrem o esqueleto das
construções abstratas (p.29).
Os bens de Kula são manipulados ritualmente em alguns
dos mais importantes atos da vida nativa, inclusive na morte.
cont.:
 O etnógrafo deve trazer consigo também o maior
número de problemas possível e o hábito de formular
teorias que possam ser contestadas pelos fatos ou não.
Saber enunciar problemas constitui o maior talento de
uma mente científica (p.22).
O objetivo básico da pesquisa etnográfica de campo é
mostrar nítida e claramente a constituição social e dividir
leis e regularidade dos fenômenos naturais do que for
irrelevante. O estudo é feito através de perguntas em
situações reais e/ou hipotéticas – só assim os nativos
conseguem falar sobre o tema proposto. Deve-se
observar o comportamento das pessoas porque assim
descobre-se o comentário de determinado assunto
contido na mente do nativo (p.24).

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cont.:

 O Kula é um comércio intertribal entre comunidades num


largo anel de ilhas. A troca desses artigos é acompanhada
de rituais mágicos, fixados e regulamentados por
convenções tradicionais. Os nativos não têm consciência
da extensão do Kula. Para eles seu aspecto fundamental é
a troca cerimonial de soulava e mwali (colares e
braceletes de conchas).

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cont.:

 A posse temporária de algum deles constitui um símbolo


da importância e da glória da aldeia, que são puramente
ornamentais (recebido como um troféu). Kula é recebido
por quem possui poderes obtidos pela magia ou por
heranças familiares. Todos os nativos desejam participar
do Kula, mas somente alguns o conseguem.
Kula é um mecanismo sociológico, uma rede de
relações sociais de influências culturais ampla, enraizada
na tradição destes nativos.”

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Localização das Ilhas que fizeram parte
da pesquisa de campo de Malinowski.
As ilhas do circuito do
kula
Cenário atual das praias descritas por MALINOWSKI
CENAS ATUAIS DA VIDA LOCAL
EM PAPUA NOVA GUINÉ
CENAS ATUAIS DA VIDA LOCAL EM PAPUA NOVA GUINÉ
Foto atual de nativo em Papua Nova Guiné
Foto de Malinowski em seu trabalho de campo
no início do séc. XX.
À esquerda, Malinowski.
À direita, foto do autor em seu
trabalho de campo.
Fotos de objetos do kula.
Colares do kula
Homens com braceletes do kula
Mulheres com colares do
kula
A importância do tema das
trocas
 Alguns textos de fundamental importância
para o tema – “Características essenciais do
kula” em OS ARGONAUTAS DO PACIFICO
OCIDENTAL; “Ensaio sobre a dádiva – forma e
razão da troca nas sociedades arcaicas”
(MAUSS); alguns capítulos de “As estruturas
elementares do parentesco” (LÉVI-STRAUSS);
e “Cultura e Razão Prática” (SAHLINS) – em
ordem cronológica de publicação.
A pesquisa de campo de
Malinowski

 Malinowski escreve um texto que se tornou


referência na Antropologia descrevendo o kula
(cuja tradução é círculo), um costume de troca
ritual entre os trobriandeses que envolve um
circuito de várias ilhas cujos habitantes
ingressam num sistema formal de troca de
colares e pulseiras de conchas.
Outros autores e obras sobre o
tema

 Em “ensaio sobre a dádiva”, Mauss acrescenta


a idéia de que as trocas e os presentes, são
simultaneamente fonte de coesão e
solidariedade sociais, bem como mecanismos
de classificação dos indivíduos dentro de seu
grupo.
Os colares e braceletes do
kula
 Não são utilitários;

 Não podem permanecer muito tempo em


posse da mesma pessoa;

 Uma vez no circuito do kula, não se pode sair


mais;

 O fascínio pelo ritual das trocas.


Trechos importantes

 O kula é, portanto, uma instituição enorme


e extraordinariamente complexa, não só
em extensão geográfica mas também na
multiplicidade de seus objetivos. Ele
vincula um grande número de tribos e
abarca em enorme conjunto as atividades
inter-relacionadas e interdependentes de
modo a formar um TODO ORGÂNICO.
Trechos importantes

 O kula não é uma modalidade sub-reptícia e


precária de troca. Muito pelo contrário, está
enraizado nos mitos, sustentado pelas leis da
tradição e cingido por rituais mágicos.
 O kula não decorre de impulsos
momentâneos, mas se realiza periodicamente,
em datas pré-estabelecidas, ao longo de rotas
comerciais que conduzem a locais fixos de
encontro.
Trechos importantes

 Tanto os mwali quanto os longos colares


soulava, os dois principais artigos do kula, são
antes de mais nada enfeites e, como tal,
usados exclusivamente com os trajes de dança
mais elaborados nas grandes ocasiões festivas,
nas danças cerimoniais e nas grandes reuniões
de que participam os nativos de várias aldeias.
Análise comparativa com a
nossa cultura

 Malinowski relaciona com objetos valiosos,


mas que não são propriamente para o
MERCADO:

 As jóias da Coroa;
 Os troféus (taças da Copa do Mundo...);
 São os OBJETOS CERIMONIAIS.
A lógica da retribuição

 “o kula consiste na doação de um presente


cerimonial em troca do qual, após certo lapso
de tempo, deve ser recebido um presente
equivalente.”
 Muito embora o nativo do kula, como qualquer
outro ser humano, tenha paixão pela posse,
deseje manter consigo todos os seus bens e
tema perdê-los, o código social das leis que
regulam o dar e receber suplanta a tendência
aquisitiva natural.
cont.:

 POSSUIR É DAR: (pg.81)


 Pressupõe que qualquer pessoa deve
naturalmente partilhar seus bens e deles ser o
depositário e distribuidor.
 A riqueza é, portanto, o principal indício de
poder – e a generosidade sinal de riqueza.
Com efeito, a avareza é o vício mais
desprezado, constituindo entre os nativos a
única coisa sobre a qual eles fazem críticas
morais realmente acerbas.
Aspectos secundários do
kula
 Atividades preliminares:
 Construção de canoas;
 Preparação do equipamento;
 Aprovisionamento da expedição;
 Estabelecimento de datas;
 Organização social do evento.
Comércio secundário

 Cada expedição retorna fartamente carregada


com espólios de seu empreendimento.
 Potes, cestos, especialidades das tribos de
cada ilha do circuito são trocadas.
 Mas o kula é o principal aspecto, o comércio é
SECUNDÁRIO.
Marcel MAUSS e o potlatch

 Ele trabalha essas idéias sobre um ritual


conhecido entre os povos de todo o noroeste
americano, conhecido na literatura
antropológica como POTLATCH que na
língua chinook significa PRESENTE. Tanto a
palavra como o ritual estavam presentes em
práticas dos nativos que ocupavam a região
que vai da Califórnia ao Alaska e todo o leste
até as rochosas.
O círculo dos presentes

 Um potlatch é um evento no qual um grupo


presenteia outro grupo de forma esbanjadora
com a finalidade de mostrar reputação aos
convidados. Os “convidados” ao potlatch, que
recebem os presentes, tornam-se obrigados a
retribuir – não imediatamente, mas em uma
ocasião posterior apropriada (nascimento,
casamento...)
Reflexões humanas sobre o
presentear
 Podemos dizer que o potlatch é um sistema
social e econômico onde status e posição são
estabelecidos pelo ato de “ser generoso”.
 Para Mauss, presentear é dar uma parte de si
mesmo. Essa representação do indivíduo
através do objeto concedido não é realizada
corriqueiramente, mas dentro de uma lógica
ritual que na visão de Mauss, representa
também a posição social dos sujeitos.
O presente e as relações
sociais
 No “ensaio” Mauss mostra como o ato de presentear
traz consigo algumas “obrigações” sociais – a obrigação
de dar, de receber e a de retribuir o presente.
 Mauss ressalta que na troca primitiva, os presentes
carregam consigo duas categorias de experiência
diferentes – eles são tanto SAGRADOS como
PROFANOS. Os objetos criam a relação da
obrigatoriedade social uma vez que levam consigo o
“espírito” da coisa dada.
 De acordo com Mauss tudo que existe pode se
transformar em “coisa a ser dada e retribuída” –
palavras, bens, e mulheres.
Trecho de Mauss

 E todas essas instituições exprimem


unicamente um fato, um regime social, uma
mentalidade definida: é que tudo, alimento,
mulheres, crianças, bens, talismãs, terra,
trabalho, serviços, ofícios sacerdotais e postos
é matéria de transmissão e retribuição. Tudo
vai-e-vem como se houvesse uma troca
constante de uma matéria espiritual
compreendendo coisas e homens, entre os clãs
e os indivíduos, repartidos entre as categorias,
sexos e gerações. (p.59)
MAUSS e a definição de dádiva

 Mauss já definia a dádiva de modo amplo.

 Ela inclui não só presentes como também visitas, festas,


comunhões, esmolas, heranças, um sem número de
“prestações” enfim – prestações que podem ser “totais”
ou “agonísticas” (incluindo-se, neste último caso, como
veremos, o potlatch dos índios do noroeste americano –
MAUSS, 1983, p. 147).
 É fundamental notar como Mauss entendia até mesmo
os tributos como uma forma de dádiva. Esta é uma de
suas proposições que aguardam futuros
desenvolvimentos.
Tema central do “Ensaio sobre a
dádiva”

 postula um entendimento da constituição da vida social


por um constante dar-e-receber.

 Mostra ainda como, universalmente, dar e retribuir são


obrigações, mas organizadas de modo particular em
cada caso.

 Daí a importância de entendermos como as trocas são


concebidas e praticadas nos diferentes tempos e
lugares, de fato que elas podem tomar formas variadas,
da retribuição pessoal à redistribuição de tributos.
Continuação:
 Mauss dedicava especial atenção ao fato de algumas
trocas serem prerrogativas de chefias: receber tributo,
por exemplo.

 Essas prerrogativas podem ser socialmente construídas


de modo diferente, como privilégios, obrigações etc.
 A isso Mauss associava o fato de que freqüentemente,
da chefia emanam valores que se estendem à sociedade
como um todo, generalizando-se (um pouco como Marx
mostrara ter a moeda capacidade para generalizar-se
como valor capitalista).
Contribuição da obra de Mauss

 Outra contribuição fundamental de Mauss:


 a de que a vida social não é só circulação de
bens, mas também de pessoas (mulheres
concebidas como dádivas em praticamente
todos os sistemas de parentesco conhecidos),
nomes, palavras, visitas, títulos, festas.
Continuação:
 Note-se que as trocas não são só materiais: a circulação
pode implicar prestações de valores espirituais, assim como
maior ou menor alienabilidade do que é trocado. Por
exemplo, os sobrenomes na nossa sociedade são pouco
alienáveis, circulam ainda menos que os prenomes, mas sua
circulação gera considerável valor.

 Há, entretanto, outras dádivas que devem necessariamente


circular muito, para gerar cada vez mais valor, como os
objetos kula descritos por Malinowski. A relação entre
maior ou menor alienabilidade e criação de valor não é,
assim, como veremos, simples e direta.
Pontos a serem ressaltados
 Após a leitura dessa obra de Mauss e Malinowski,
podemos ressaltar portanto os seguintes pontos:
 que há uma relação moral que funda a sociedade; para
sobreviver e se realizar como seres humanos, somos
obrigados a encarar a necessidade das relações sociais
uns com os outros;

 que essa fundação pode ser reduzida a três obrigações


básicas – dar, receber e retribuir.

 por ser moral não podemos garantir a atitude do outro,


e trocar é também se colocar em risco. O outro lado da
troca é a guerra.

cont.:
 por ser moral, a troca permite atribuição de status e
honra pessoais; ao responder à obrigação moral de
DAR eu me coloco numa posição superior a quem
RECEBEU. Assim, as pessoas não têm escolha a não ser
aceitar e tentar igualar-se ao retribuir. A troca possui
então duas qualidades antagônicas e complementares:
a generosidade e o desinteresse, mas também a
tentativa de auto-promoção em relação aos outros.

 o motivo pelo qual a troca cria vínculos sociais é que ela


une as pessoas de forma particular, por conta do
“espírito” da coisa dada. O valor do que se dá seria uma
extensão do valor do clã, ou seja, a relação entre o
lugar das pessoas e o valor dos presentes não pode ser
quebrado. Isso é o que Mauss concebe como uma
atividade do espírito que compele à reciprocidade e à
aceitação das regras da troca.

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