A displicência do homem para com a natureza se dá pela
ideia antropocêntrica de que os humanos são superiores a outros seres. O antropocentrismo é uma concepção que coloca o ser humano como o centro do universo, enquanto a vida dos não-humanos possui pouco ou nenhum valor moral, sendo estes considerados apenas recursos, bens ou propriedades para a humanidade. Trata-se de uma ótica totalmente egocêntrica, que estabelece deveres morais positivos e negativos, tendo em vista unicamente o bem-estar humano.
Conforme dispõe Medeiros:
O antropocentrismo está calcado na visão de que os
animais humanos pertencem a uma categoria especial, pois parte do pressuposto de que a vida humana possui um valor singular, ao passo que as vidas não-humanas, ou seus estados, tem (pouco ou) nenhum valor moral, sendo considerados (pouco ou) nada mais que bens, propriedades ou recursos para a humanidade.[1]
Teixeira define a visão antropocentrista clássica como
uma ótica caracterizada pela “ausência de valores éticos – tais como a dignidade dos demais seres e a solidariedade entre as gerações”.[2] Conclui que:
O antropocentrismo clássico, ao desvincular o homem da
natureza e das outras formas de vida, coloca-o no centro da própria ética, e exclui a vida em todas suas formas, pois o homem sente-se como se fosse senhor absoluto delas.[3]
sobre o antropocentrismo e a relação do homem com o mundo natural:
Pois o homem é, por excelência, o ser da antinatureza. É
de fato sua diferença específica em reação aos outros seres, inclusive os que parecem mais próximos dele: os animais. É por isso que ele escapa aos ciclos naturais, que ele tem acesso à cultura e mesmo à esfera da moralidade que supõe um ser-paraalei e não somente para a natureza. É por não estar limitada pelo instinto ou só pelos processos biológicos que a humanidade possui história, que as gerações se sucedem mas não se assemelham em tudo – ao passo que o reino animal observa uma perfeita continuidade.[4]
O antropocentrismo divide-se em radical e moderado. A
visão radical do antropocentrismo está fundamentada na concepção de que apenas os humanos possuem valor moral a ser considerado, sendo seus interesses os únicos relevantes. Considera injustificada qualquer restrição da autonomia ou da inteligência criativa humana, o que torna a espécie uma ameaça à vida não-humana, à matéria inanimada, e à própria autonomia no planeta.[5]
Em contrapartida, o antropocentrismo moderado ou
alargado argumenta que o interesse pelo bem-estar humano não necessita obstruir um interesse pelo bem- estar dos não-humanos, podendo, inclusive, promovê-lo. [8] Nessa perspectiva alargada, “o equilíbrio ambiental e a natureza como um bem de uso comum do povo servem como instrumentos de proteção tanto do homem quanto da natureza”.[9]
Essa ideia não deixa de considerar os humanos como
centro da preocupação ética, não obstante visa a rejeição da atuação injustificada, em defesa de formas moderadas nas situações de colisão de interesses humanos com os de outras espécies, garantindo, entretanto, a superioridade dos direitos daqueles em detrimento destes.[10]
Destarte, demonstra Naconecy:
O antropocentrismo moderado, admitindo que somente
humanos são moralmente relevantes, mas que fazem parte de um ambiente maior com o qual interagem, argumenta que a natureza não-humana deve ser protegida somente na medida em que essa constitui uma fonte instrumentalmente valiosa de bem-estar humano, desde o enriquecimento físico até o intelectual, estético e espiritual. Ou seja, é razoável que nos preocupemos com o ambiente porque é desejável viver num ambiente saudável, desfrutar do prazer de ver outros animais e belas paisagens, e proteger outros seres que possam ter utilidade para nós e para as gerações futuras.[11]
Na ética, o antropocentrismo é caracterizado pela visão
de que os interesses humanos estão acima de tudo, discriminando outras raças, sendo atribuída relevância ética somente aos humanos, sendo os direitos ou dignidades dos animais inconcebíveis.
Tal discriminação dá origem ao especismo. O termo
especismo foi criado pelo cientista e psicólogo britânico Richard D. Ryder, na década de 1970, para designar a supremacia dos interesses humanos em detrimento dos não-humanos, apenas por pertencerem a espécies distintas. O autor utilizava a expressão em seus manifestos na universidade de Oxford, com o intuito de questionar os tratamentos cruéis aos quais os não- humanos são submetidos, positivados no comportamento humano discriminatório em relação às outras espécies animais.[12]
Ryder foi além ao declarar que, além de expor a conduta
discriminatória em relação a outras espécies, o especismo tem a função de traçar um paralelo com o racismo e, inclusive, com o sexismo, uma vez que ambos são formas de preconceito justificados pela diferença na aparência e que acarretam na exclusão da comunidade moral. Os discriminados têm seus interesses e sofrimentos desprezados, enquanto suas semelhanças são ignoradas.[13]
Com base na ótica antropocêntrica, fundou-se a
chamada “ecologia rasa”. A ecologia rasa considera os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, enxergando o mundo como uma coleção de objetos isolados, através da ideia de que os recursos naturais são ilimitados e possuem valor meramente instrumental a ser explorado pelos humanos.[14]
Em resposta à ecologia rasa, foi fundada a ecologia
profunda (deep ecology), em 1973, pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Naess, influenciado pelas teorias de Gandhi, Thoreau, Rousseau, Aldo Leopoldo e Spinoza. A ecologia profunda, uma filosofia contemporânea ecológica e ambientalista, defende que cada elemento da natureza deve ser preservado e respeitado, a fim de garantir o equilíbrio do planeta. A ecologia profunda tem como ideia central o valor intrínseco da natureza, ou seja, a concepção de que natureza possui valor em si e para si mesma, independentemente da sua utilidade para o ser humano. Nessa, o homem é inseparável psicológica, física e espiritualmente do ambiente em que vive, sendo seu dever proteger o globo terrestre.
Capra ilustra que “o ambientalismo superficial é
antropocêntrico. Vê o homem acima ou fora da natureza, como fonte de todo valor, e atribui à natureza um valor apenas instrumental ou de uso. A ecologia profunda não o separa”.[16]
Com o surgimento da ecologia profunda, caracterizada
pela sua defesa do valor intrínseco dos seres vivos, independentemente de sua utilidade instrumental às necessidades humanas, juntamente com os movimentos dos direitos dos animais, a ciência tem ganhado espaço na Filosofia Moral e no Direito, passando, necessariamente, pela ética animal.[17]
Antropocentrismo, Biocentrismo e Direito dos
Animais Diariamente, milhares de animais (aqui entendidos os não-humanos) são explorados e submetidos às mais variadas formas de maus-tratos, no que apenas pode ser comparado, tanto em termos de números como de nível de crueldade, ao holocausto da segunda guerra mundial.
Os animais são utilizados para os mais variados
propósitos: alimentação, vestuário, companhia, entretenimento e experimentações científicas. Na base dessa utilização encontra-se a premissa de superioridade do homem sobre os demais seres vivos. É como se essa “posição especial” ocupada pelo homem lhe conferisse um direito, quase que natural, de dominar e explorar a natureza.
De acordo com a definição constante da Wikipédia
(enciclopédia livre, cujo conteúdo é elaborado de forma cooperativa), antropocentrismo (do anthropos, “humano”; e kentron, “centro”) é uma concepção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos, isto é, tudo no universo deve ser avaliado de acordo com a sua relação com o homem. Essa concepção, fundada na (errônea) percepção de superioridade da humanidade, traz em si o traço da segregação, servindo de substrato à ação dominadora do homem sobre os outros seres vivos. O sistema utilitarista, que reduz a natureza a um elemento a ser usado (e abusado), se aproveita da diversidade entre as espécies para justificar, nas suas diferenças, a exploração humana sobre os outros seres.
Conforme apontado por Jonas , uma das características
da ética antropocêntrica é a não-atribuição de relevância ética a tudo que atuasse em objetos não-humanos. Assim, direitos ou dignidade dos animais não poderiam sequer ser cogitados.
Nesse contexto, os animais são vistos como bens a serem
explorados e como tais são considerados. Possuem relevância na medida em que representam alguma utilidade (visão utilitarista) para os homens. Não lhes é reconhecido qualquer valor intrínseco, mas puramente o valor de uso, em especial do uso econômico.
Levai nos chama a atenção para o fato de que, sob o
prisma antropocêntrico, a natureza e os animais deixam de ter um valor em si, transformando-se em meros recursos ambientais. E completa:
“Tal sistema, ao desconsiderar a singularidade de cada
criatura e o caráter sagrado da vida, justifica a tutela da fauna conforme a serventia que os animais possam ter.Tratados, via de regra, como mercadoria, matéria- prima ou produto de consumo, os animais – do ponto de vista jurídico – têm negada sua natural condição de seres sensíveis.”
Diante do paradigma antropocêntrico, até mesmo a
proteção jurídica que é assegurada a natureza é feita com vistas ao bem-estar e sobrevivência da espécie humana. Veja-se, por exemplo, o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida (do homem?), cabendo ao Poder Público e à coletividade preservá-lo para as presentes e futuras gerações (humanas).
Como alternativa a essa concepção antropocêntrica,
encontra-se o biocentrismo (do grego bios, “vida”; e kentron, “centro”), uma concepção segundo a qual todas as formas de vida são igualmente importantes, não sendo a humanidade o centro da existência. O biocentrismo preocupa-se com a vida, em todas as formas que possa apresentar – vegetal e animal, humana e não-humana, mostrando-se conciliador, integrador e holístico por definição.
Nessa ótica, começa a surgir a noção de que a atribuição
de proteção jurídica a espécies não-humanas não se deva à sua utilidade para os homens, mas sim ao reconhecimento de seu valor próprio. E, a partir dessa compreensão, pode-se inclusive defender-se a idéia não apenas de uma proteção jurídica aos animais (que apesar de válida, traz agregada a si uma conotação ainda passiva, que encerra nos animais a marca de entes protegidos), mas sim de direitos dos animais (que denota maior empoderamento dos demais seres vivos, agora como verdadeiros titulares de direitos, oponíveis aos homens).
A visão biocêntrica ainda encontra opositores no nosso
sistema legal e jurídico, que possui uma marca antropocêntrica inegável. Entretanto, conforme ensina Edna Cardoso Dias , o animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Ela segue afirmando:
“Se cotejarmos os direitos de uma pessoa humana com os
direitos do animal como indivíduo ou espécie, constatamos que ambos tem direito à defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida, ao livre desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu organismo e de seu corpo, bem como o direito ao não sofrimento. Sob o ponto de vista ético e científico fácil justificar a personalidade do animal. ”
Peter Singer, citado por Soffiati , diz que o princípio da
vida é uno. Afirma: Um chimpanzé normal é pleno enquanto chimpanzé, o que o faz equivaler-se a um ser humano normal, pleno de humanidade. Se consideramos sujeitos de Direito uma criança, que ainda é um ser humano em potencial, ou um deficiente mental como um humano com limites, por que não considerar os animais também como sujeitos de Direito?
Assim, na linha do quanto defendido acima, a questão do
reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos não dependeria mais da existência de leis de proteção animal, pois essas já existem. Dependeria, sim, da mudança do paradigma ético, da passagem do antropocentrismo para o biocentrismo, da valoração dos animais não mais pelo seu valor econômico ou pelo uso antrópico que deles possa ser feito, mas sim pela sua existência enquanto indivíduos. E para isso contamos com a educação ambiental, para difundir informações e disseminar a necessidade de respeitar-se a vida, onde quer que ela se manifeste