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DOI: 10.

17666/bib9105-2020

Sociologia da educação brasileira:


diversidade e qualidade

Maria Ligia de Oliveira BarbosaI


Luís Armando GandinII

Introdução foram mencionados anteriormente visando


principalmente evitar sobreposições. Este ar-
Nas décadas iniciais do século XXI fo- tigo focaliza o conteúdo e as diferenças de
ram feitos diversos levantamentos sobre a abordagens teórico-metodológicas, buscan-
produção brasileira na área da Sociologia da do nos aproximar do formato estabelecido
Educação: Débora Mazza (2001), Clarissa nos balanços clássicos e contemporâneos fei-
Eckert Baeta Neves (2002), Márcio da Cos- tos pela literatura internacional: de Forquin
ta e Graziella Moraes Dias da Silva (2003), (1995) a Apple, Ball e Gandin (2013), pas-
Carlos Benedito Martins e Silke Weber sando por Duru-Bellat e Van Zanten (2012)
(2010), Georgia Sobreira dos Santos Cêa e e Ballantine e Hammarck (2012).
Camila Ferreira da Silva (2015), Amurabi Em 2013, a tradução de um handbook
Oliveira e Camila Ferreira da Silva (2016), de Sociologia da Educação (The Routled-
Ana Maria Almeida e Ana Paula Hey (2018). ge International Handbook of the Sociology
Quase todos eles foram encomendados pe- of Education), organizado por Michael W.
las associações de pós-graduação, tanto na Apple, Stephen J. Ball e Luís Armando Gan-
área de sociologia (Associação Nacional de din (2013), foi publicada no Brasil (Editora
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências So- Penso), trazendo uma coletânea de 37 textos
ciais – ANPOCS e Sociedade Brasileira de da área. Entre os textos, três são de autores
Sociologia – SBS) quanto na de educação brasileiros (Maria Alice Nogueira, Marília
(Associação Nacional de Pós-Graduação e Pontes Sposito e Luís Armando Gandin).
Pesquisa em Educação – ANPED), e forne- Maria Alice Nogueira (Universidade Federal
cem um panorama amplo de uma produção de Minas Gerais – UFMG) traz um balan-
diversificada, configurando-se como um pa- ço dos estudos sociológicos sobre as classes
tamar sólido a partir do qual organizamos a médias e a escola, mostrando também a im-
análise aqui apresentada. Optamos por um portância da influência que as famílias têm
formato de apresentação distinto dos que ganhado na organização das escolas e dos

I
Laboratório de Pesquisa em Ensino Superior, Universidade Federal do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
E-mail: mligiaifcs@gmail.com
II
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Porto Alegre (RS), Brasil. E-mail: luis.Gandin@ufrgs.br
Recebido em: 23/02/2019. Aprovado em: 03/07/2019.

BIB, São Paulo, n. 91, 2020 (publicada em fevereiro de 2020) pp. 1-38. 1
sistemas educacionais. Marília Pontes Sposi- posição, afirmando que “o que realmente
to (Universidade de São Paulo – USP), em conta como Sociologia da Educação é sem-
seu capítulo, analisa as contribuições da So- pre uma construção” (Apple; Ball; Gandin,
ciologia da Educação para os estudos sobre 2013, p. 17). Reconhecendo essa realidade,
juventude. Segundo a autora, a Sociologia no levantamento que fizemos, buscamos re-
da Educação tenderia a não confinar os estu- presentar estudos e pesquisadores que utili-
dos sobre a socialização dos jovens à escola, zam predominantemente as contribuições
abrangendo o universo mais amplo de sua da sociologia. Estamos cientes de que a in-
socialização. Luís Armando Gandin (Uni- clusão e a exclusão de trabalhos nesse texto,
versidade Federal do Rio Grande do Sul – por mais que tenhamos buscado tomar to-
UFRGS) retoma o tema das reformas educa- dos os devidos cuidados, é também um ato
cionais, utilizando o caso da Escola Cidadã de construção.
de Porto Alegre (1989-2004). A abordagem multidisciplinar dos fenô-
Além de trazer três autores brasileiros menos escolares nas faculdades de educação
que trabalham com a Sociologia da Educa- permite dar conta do caráter multidimen-
ção, o livro levanta um interessante debate sional da Educação. Nos departamentos de
sobre as fronteiras da Sociologia da Edu- sociologia – para seguir a distinção proposta
cação. Nas faculdades de educação, muitas por Almeida e Hey (2018) – haveria maior
áreas do conhecimento convivem, represen- homogeneidade de áreas de formação com-
tadas por professores com formações muito binada com grande pluralidade das aborda-
diversas. Além disso, muitos pesquisadores, gens consideradas legítimas entre os soció-
mesmo aqueles com formação na sociologia, logos. Mais ainda, cada abordagem constrói
acabam utilizando contribuições de outras seus campos de diálogos com outras disci-
áreas das ciências humanas. Isso faz com que plinas, de acordo com suas definições do seu
haja maior porosidade nas fronteiras disci- objeto de pesquisa. Desenha-se também aqui
plinares nos estudos produzidos nas facul- forte interdisciplinaridade que faz a sociolo-
dades de educação. Como mostra Stephen gia trabalhar com a economia, a estatística,
Ball em sua análise do campo da Sociologia a demografia, a antropologia, a psicologia, a
da Educação: história, a filosofia. Fica evidente que, ao me-
nos nesse aspecto, haveria uma identificação
As [...] relações interdisciplinares [...] são bem maior entre as faculdades de educação
cada vez mais complexas a medida que, es- e os departamentos de sociologia do que fa-
pecialmente diante da “virada” pós-moder- ria supor a forte diferenciação institucional.
na, as fronteiras entre sociologia e filosofia, Manteremos as referências institucionais,
a ciência política, a geografia e a psicologia mas o corte que organiza nosso estudo se
social tornaram-se imprecisas e frouxas. [...] vincula mais marcadamente às temáticas e às
Consequentemente, às vezes é difícil dizer abordagens teóricas.
quem é sociólogo da educação e quem não Ainda no plano das instituições, vale
é (Ball, 2004, p. 1). destacar o empenho mais significativo na
construção de grupos de pesquisa voltados
Também Apple, Ball e Gandin (2013), para problemáticas educacionais entre os
na introdução de seu livro Sociologia da Edu- profissionais da educação que entre os cole-
cação: análise internacional, corroboram essa gas da sociologia. Na área de educação, se-

2
gundo Romulo Portela Oliveira (2017, p. 2), A sociologia como ciência do social
o único espaço disponível para a produção e a educação como fenômeno social
de conhecimento seria os programas de pós-
-graduação, que são 170. Formaram-se, com Desde a sua fundação, a sociologia esta-
base nesses programas, 4.151 grupos de pes- belece uma forma única, nova e distinta de
quisa registrados no diretório do Conselho olhar o mundo, construída1 a partir da espe-
Nacional de Desenvolvimento Científico e cificidade do seu objeto, o social ou, como
Tecnológico (CNPq). Já na área de socio- na formulação de Giddens (2005), a vida
logia, com 51 programas, registraram-se social humana, os grupos e as sociedades.
943 grupos de pesquisa sobre o tema educa- As características definidoras dos fenôme-
ção. Esse parece ser um indicador de maior nos sociais seriam, segundo Durkheim, em
proximidade nos trabalhos das faculdades As Regras do Método Sociológico, sua abstra-
de educação e departamentos de sociologia: ção, externalidade, generalidade e regulari-
para cada grupo na sociologia, existiriam 4,4 dade. A primeira dimensão opõe a materia-
na educação, o que parece uma enormidade. lidade dos fenômenos econômicos ao caráter
Porém, para cada programa de pós-gradua- moral – para Durkheim, sinônimo de social
ção em sociologia, existem 3,3 programas de –, intelectual, espiritual ou abstrato dos fe-
educação! Ou seja, guarda-se certa propor- nômenos sociais. Ou seja, o social é a cons-
cionalidade que parece respeitar o tamanho ciência coletiva, são formas de agir e pensar
das áreas. externas à consciência individual, pois se
Quanto ao tipo de estudos considera- repetem entre os demais indivíduos daquele
dos, optamos por incluir apenas artigos, li- grupo. Note-se bem: agir e pensar. Os fenô-
vros e capítulos de livros, sem usar teses e menos sociais são morais, mas têm efeitos
dissertações. Em cada tema, tomaremos um materiais: mulheres tendem a receber salá-
ou dois trabalhos exemplares, tentando cap- rios menores que os homens não pela mate-
turar as tendências mais recentes. É impor- rialidade das suas diferenças biológicas, mas
tante fazer notar que procuramos mencionar pelo julgamento moral – ou valorativo – que
a maior variedade de autores e trabalhos. a sociedade faz de homens e mulheres. É o
No entanto, a obrigatoriedade de fazer es- social que os diferencia, não a natureza ma-
colhas pode ter levado a algumas injustiças terial de suas estruturas corpóreas. Isso sig-
e mesmo percepções equivocadas. O critério nifica que essas formas morais orientam as
utilizado foi escolher o artigo ou o livro que ações dos indivíduos em relação aos demais
melhor expressa ou que mais se aproxima do e à natureza. Então, são essas as primeiras
tratamento sociológico naquele tema e na- características definidoras do social. Seu ca-
quela abordagem específica. Iniciamos ten- ráter moral, intelectual, abstrato. Vale desta-
tando indicar por que a Sociologia da Edu- car que moral não tem sentido de “ideal”, de
cação forneceria uma perspectiva única para dever ser. Ideal ou moral significa apenas que
entender os processos escolares. os fenômenos sociais são abstratos. Portanto,

1 A abordagem dos fenômenos sociais e de suas inúmeras dimensões como objeto da sociologia foi construída com
base em leituras variadas, tendo como referências principais Nisbet (1966), Cohn (1979), Alexander (1996),
Bourdieu (1987) e Mouzelis (1995). É importante fazer notar que este texto não tem nenhuma intenção de expli-
car Weber, Durkheim, Bourdieu ou qualquer outro autor. Apenas utiliza esses autores para organizar a exposição
de um argumento.

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