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Crónica de Costumes

Caracterização de Portugal em “Os Maias”

Ao subtítulo de “Os Mais”, Episódios da Vida Romântica, corresponde a crónica de costumes.


Estes episódios, descritos ao longo da obra, têm como objectivo fazer o relato da sociedade
portuguesa na segunda metade do século XIX. Eça utiliza um desfile de personagens
(personagens tipo) que representam grupos, classes sociais ou mentalidades por forma a mostrar
aos leitores o estado de corrupção, providencialismo e parasitismo da sociedade portuguesa, bem
como, seus costumes e vícios.

O jantar no Hotel central

Neste jantar, Ega pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava
apaixonado e com a qual mantinha uma relação. Em roda da mesa surgiram assuntos do foro
literário e politico que permitem ter uma noção da situação de Portugal.

Literário: Alencar defende o Ultra-Romantismo enquanto que Ega o Realismo/Naturalismo


(mostra uma sociedade dominada por valores tradicionais, que se opõe a uma nova geração, a
geração de 70 representada por Ega). Este defende exageradamente a inserção da ciência na
literatura.

Político: Ega crítica a decadência do país e afirma desejar a bancarrota e a invasão espanhola.

A maneira de ser português revelada, através das visões de Carlos (começa por pensar, a
propósito da mouraria, que "esse mundo de fadistas, de faias" merecia um estudo, um romance) e
de Craft, que fica impassível perante a feroz discussão entre Alencar e Ega (a propósito de um
verso "o homem da ideia nova", o paladino do Realismo), discussão que quase termina em
agressão física, reconhecendo que "a torpeza do Alencar sobre a irmã do outro fazia parte dos
costumes de crítica em Portugal", até porque sabia que "a reconciliação não tardaria, ardente e
com abraços".

Provocando Sousa Neto, Ega percebe que este nada sabe do socialismo e não é capaz de um
diálogo consequente.

A corrida de cavalos

É uma sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de cosmopolitismo, e
ao provincianismo do acontecimento. As corridas de cavalos permitem apreciar de forma irónica e
caricatural uma sociedade que vive de aparências.

O comportamento da assistência feminina é naturalmente caricaturado. A conformidade do


vestuário à ocasião parece não ser a melhor e acaba por traduzir a falta de gosto e, sobretudo, o
ridículo de uma situação que se pretende requintada sem o ser.

As corridas servem, para Eça, criticar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia:


- O aborrecimento, motivado pelo facto das pessoas não revelarem qualquer interesse pelo
evento.

- A desordem, originada pelo jóquei que montava o cavalo "Júpiter" e que insultava
Mendonça, o juiz das corridas, pois considerava ter perdido injustamente em detrimento do
Pinheiro, que montara o Escocês e que obtivera a vitória por ser íntimo de Mendonça.
Tomava-se partido, havia insultos, até que Vargas resolveu com um encontrão para os lados
desafiar o jóquei – foi, então, que se ouviu uma série de expressões como "Morra" e
"Ordem", se viram chapéus pelo ar, se ouviam baques surdos de murros.

O jantar na casa do Conde Golvarinho

O espaço social permite através das falas, observar a gradação dos valores sociais, o atraso
intelectual do país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia.

Desfilam perante Carlos as principais figuras e problemas da vida política, social e cultural da alta
sociedade lisboeta: a crítica literária, a literatura, a história de Portugal, as finanças nacionais, etc.
Todos estes problemas denunciam uma fragilidade moral dessa sociedade que pretendia
apresentar-se como civilizada.

No jantar podemos apreciar duas concepções opostas sobre a educação das mulheres: salienta-
se o facto de ser conveniente que "uma senhora seja prendada, ainda que as suas capacidades
não devam permitir que ela saiba discutir, com um homem, assuntos de carácter intelectual" (Ega,
provocador, defende que "a mulher devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem").

A falta de cultura dos indivíduos que são detentores de cargos que os inserem na esfera social do
poder – Sousa Neto (oficial superior de um cargo de uma grande repartição do Estado, da
Instituição Pública), desconhece Proudhon, começando por responder a Ega que, provocante, lhe
pergunta a sua opinião sobre o socialista, que não se recorda textualmente, depois "que
Proudhon era um autor de muito nomeada", e finalmente, perante a insistência de Ega, sintetiza a
sua ignorância, afirmando que não sabia que "esse filósofo tivesse escrito sobre assuntos
escabrosos", como o amor, acrescentando que era seu hábito aceitar "opiniões alheias, pelo que
dispensava as discussões". Posteriormente, perguntará a Carlos se existe literatura em Inglaterra.

O deslumbramento pelo estrangeiro – Sousa Neto manifesta a sua curiosidade em relação aos
países estrangeiros, interrogando Carlos, o que revela o aprisionamento cultural de Sousa Neto,
confinado ás terras portuguesas.

Os Jornais, “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”

Critica-se, neste episódio, a decadência do jornalismo português, pois os jornalistas deixavam-se


corromper, motivados por interesse económicos (é o caso de Palma Cavalão, do Jornal A Corneta
do Diabo) ou evidenciam uma parcialidade comprometedora, originada por motivos políticos (é o
caso de Neves, director do Jornal A Tarde).

A Corneta do Diabo: Carlos dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta, escrita
por Dâmaso Salcede, insultando e expondo, em termos degradantes, a sua relação amorosa com
Maria Eduarda. Palma Cavalão revela o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o
original, escrito pela letra de Dâmaso Salcede, a troco de "cem mil réis"

A Tarde: Neves, o director do jornal, acede a publicar a carta em que Dâmaso Salcede se
confessa embriagado ao redigir a carta insultuosa, mencionando a relação de Carlos e de Maria
Eduarda, por concluir que, afinal, não se tratava do seu amigo político Dâmaso Guedes, o que o
teria levado a rejeitar a publicação.

O sarau do Teatro da Trindade

Evidencia-se o gosto dos portugueses, dominados por valores caducos, enraizados num
sentimentalismo educacional e social ultrapassados. Total ausência de espírito crítico e analítico
da alta burguesia e da aristocracia nacionais e a sua falta de cultura.

Rufino, o orador “sublime”, que pregava a “caridade” e o “progresso”, representa a orientação


mental daqueles que o ouviam: a sua retórica vazia e impregnada de artificialismos barrocos e
ultra-românticos traduz a sensibilidade literária da época, o seu enaltecimento á nação e à família.

Cruges, que tocou Beethoven, representa aqueles que, em Portugal, se distinguiam pelo
verdadeiro amor à arte e que, tocando a Sonata patética, surgiu como alvo de risos mal
disfarçados, depois de a marquesa dizer que se tratava da Sonata Pateta, o que o tornaria o
fiasco da noite.

Alencar declamou “A Democracia”, depois de “um maganão gordo” lamentar que nós
Portugueses, não aproveitássemos “herança dos nossos avós”, revelando um patriotismo
convincente. O poeta aliava, agora, poesia, e política, numa encenação exuberante, que traduzia
a sua emoção pelo facto de ter ouvido “uma voz saída do fundo dos séculos” e que o levava a
querer a República, essa ”aurora” (e os aplausos foram numerosos) que viria com Deus.

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