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Calebe Silva Vidal

História da Educação

LE GOFF, J. Para um Novo Conceito de Idade Média: Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente.
Editorial Estampa. Lisboa, 1979. Pp. 185 – 199.

No capítulo A Universidade e os poderes públicos durante a Idade Média e o Renascimento do


livro Para um Novo Conceito de Idade Média: Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente, Jacques
Le Goff busca, apesar das dificuldades inerentes do assunto, apontar as relações entre a
Universidade (que surge no período medieval) e os poderes públicos. Em uma primeira parte,
o autor cita alguns aspectos referentes à diversidade das Universidades medievais, referidas
pelo mesmo como “organismos diversos, complexos, mal definidos.” (p.185) De modo
semelhante às Universidades Contemporâneas, as Universidades medievais possuíam
disparidades entre si em relação às faculdades e às disciplinas ministradas, e algumas
faculdades possuíam maior “importância” quando se tratava de sua relação com os poderes
públicos. Le Goff também aponta que o caráter de uma Universidade mudava muito de acordo
com a proporção de pobres e ricos que a frequentam, e que além de receber membros de
diversas origens sociais, a Universidade também recebia pessoas de diferentes nacionalidades.

O poder público com o qual a Universidade medieval poderia se relacionar podia ser o da
cidade, poder senhorial, poder de um príncipe ou rei e o poder imperial. (p.187) Estas possíveis
relações são reflexões de um conflito de interesses, que muitos casos eram frutos de relações
vassálicas múltiplas. Suas relações com os poderes públicos adquirem diversas formas até sua
uniformização. Dentro dessas relações, a Igreja exerce sua influência, devido ao caráter clerical
das Universidades. De qualquer modo, as Universidades, em ação recíproca para com os
poderes públicos, assumiram diversas funções entre os séculos XII (quando surge) e XV, entre
as quais Jacques Le Goff destaca seis:

1) Aspecto corporativo: “Como corporações, as Universidades medievais procuram um


monopólio escolar, quer dizer, antes de tudo, o monopólio da colação das dignidades que,
sobretudo no início da sua história, as põe em conflito com a autoridade eclesiástica, mas não
com os poderes públicos.” (p. 189) O monopólio escolar era de interesse dos poderes públicos,
pois assim se inseria na ordem profissional, e dessa forma a corporação universitária recebia
seus benefícios do poder público, de acordo com a noção da reciprocidade existente entre
estes dois elementos.

2) Universidades como centros de formação profissional: “Os universitários estão animados do


simples desejo de saber ou do desejo de fazer carreira, honorífica ou lucrativa ou todos eles ao
mesmo tempo. Nada há que os leve necessariamente a entrar em conflito com os poderes
públicos. Pelo contrário. O período de formação e de desenvolvimento das Universidades
corresponde, com efeito, a um período de crescimento, de especialização e de tecnização dos
ofícios públicos.” (p. 190) Aqui novamente temos o conceito de reciprocidade ativo, tanto pelo
trabalho utilitário das Universidades quanto pelo caráter eclesiástico das carreiras a serem
seguidas. Este segundo ponto não ia de encontro com o interesse dos poderes públicos, pois
os funcionários eram eclesiásticos e a carreira eclesiástica poderia servir desígnios políticos.

3) Universidades como grupo econômico de consumidores: os universitários representavam os


não produtores, e aqueles que deviam agitar o comércio urbano. Isso se assemelha, de certo
modo, aos centros universitários contemporâneos, em que estudantes animam o comércio das
redondezas, seja através de consumo relacionado à alimentação, seja à moradia.

4) As Universidades como grupo sócio-demográfico: apesar das regras de conduta, boa parte
dos universitários, por pertencerem à nobreza ou campesinato, as duas classes sociais mais
dadas à violência no período, não seguiam essas regras e eram dados à violência.

5) As Universidades como corpo prestigiante: as Universidades tinham um prestígio, que se


ligava à própria ciência, fazendo com que os universitários se definissem como uma
aristocracia intelectual. (p.194) Isso gera uma falta de consideração dos estudantes para com
funcionários públicos, gerando rixas com o poder público. Mesmo com o reconhecimento dos
poderes públicos, esse elemento de prestígio permitiu o uso da greve e recessão para
conquistar suas demandas.

6) As Universidades como meio social: “O fundamento e o mecanismo das relações entre as


Universidades e os poderes públicos devem ser procurados no facto dos universitários
medievais constituírem um meio social original: uma intelligentsia medieval.” (p.196)

Tais funções adquiridas levaram à evolução da Universidade, e em meados do século XV é


possível observar uma outra Universidade: mais fechada a uma minoria privilegiada, menos
independentes, fechadas para o internacional, dividas entre católicas e protestantes, mais
utilitárias, enfim, moldadas ao Renascimento, e sujeitas aos poderes públicos que se
transformaram neste percurso.

“Teremos de esperar as transformações da revolução industrial para que, num quadro tornado
nacional, as Universidades, embora continuando em certos aspectos a ser depositárias e
defensoras de determinadas tradições e de determinada ordem, se tornem o fulcro de uma
nova intelectualidade, revolucionária, pondo em causa os poderes públicos e obedecendo-lhes
apenas na medida em que eles próprios servem princípios e ideais que transcendem a simples
razão de Estado e os interesses das classes dominantes.” (p.199)

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