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Calebe Silva Vidal

Patrimônio Histórico e Ambiental

DE LOURDES, M. Teatro da Memória. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional. Ed. 22/1987. Pp. 158-162.

No libreto (teto utilizado em peça musical) Um reino singular, que a autora introduz ao
leitor, há o relato de um extraterrestre sobre o Brasil de 2500, em que todos os livros e
documentos são incendiados, gnomos existem e homens travam batalhas com criaturas
místicas. Segundo Maria de Lourdes, essa fábula, ou metáfora da realidade, se refere à
linguagem e ao discurso dos museus, fábricas de mitos e interrogações. (p. 159)

O libreto evoca quatro questões principais: qual é o discurso oficial dos museus do
Brasil? Os museus são espelhos precisos ou distorcidos da sociedade que os criou? Se
não existissem os museus, teríamos que cria-los dada a função que a cultura material
exerce em nossa sociedade? E por fim, museus podem ser usados para uma “educação
cultural”?

Remetendo ao relato do extraterrestre da fábula, De Lourdes afirma que, para o


entendimento adequando do extraterrestre, faltou-lhe o contexto de referências
histórico-artísticas acadêmicas e as demais peças que iriam compor o quadro do
panorama social do “Reino”, além da capacidade de operações abstratas de raciocínio
lógico, que é capacidade, de fato, da extracultura. Contudo, “Se os objetos não falam
por si mesmos, eles também não mentem e são, portanto uma verdade – ou ao menos
parcelas de uma grande “verdade” maior, se é que ela existe!” (p. 160)

Assim, o silêncio pode calar permanentemente a memória de um grupo, e falar muito


alto no sentido de legitimar um discurso dominante. Pra uma seleção há várias
“rejeições”, no “teatro da nossa memória”, assim como aconteceu com o ET do libreto.
Coleções representam isso, em especial após sua institucionalização em museus pela
política nacionalista da década de 30.
Qual parte da sociedade se reconhece no espelho museológico da sociedade brasileira?
“Se, por acaso, o ‘mistério’ começar a ser descoberto e desmistificado por alguns, há
sempre o recurso fácil de se apagar a luz.” (p.161) Museus são como teatros de mistério,
e os ECs (Extracultura) dificilmente se veem identificados por aquilo que lá veem.

O que o mundo contemporâneo deveria esperar dos museus, que no século XX passam a
ser avaliados por sua função social? Desenvolvimento da museologia e surgimento da
“nova história”, com a concepção da cultura material como fonte primária de estudos.
“Naturalmente, sempre haverá diferentes ângulos (como no caso dos hologramas) para
se enfocar um objeto – o econômico, o social, o tecnológico, o artístico, o ângulo do
cientista, do usuário e o da criança -, mas a trifuncionalidade concreta do testemunho
está ali, aberta à exploração. Tão inocentemente aberta que pode ser, eventualmente,
roubada por um Mito. Tão perigosamente inocente que pode até mesmo servir para
acabar com o Mito. É nesta perigosa ‘batalha de significados’ que a museologia estende
o seu campo de investigação e se faz ciência.” (p.162) Buscar extrair de uma cultura
material todas as significações atribuídas por diferentes grupos e exprimir isso no museu
(que a autora chama de laboratórios de interrogação, onde se desenvolve a capacidade
crítica e interpretativa do indivíduo).

“Enquanto os museus estiverem mais preocupados com múmias do que com mentes não
conseguirão descobrir a contribuição intrínseca e específica que podem trazer ao bem-
estar da humanidade.” (p. 162) Museu ou casa de memória não como um grande
“armazém” de “coisa antiga”, mas como apresentadores da memória conservada de
diversos grupos que compõem a sociedade, e laboratórios de interrogação ligados ao
contexto atual, que desenvolvam uma capacidade crítica e que se tornem casas
democráticas.

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