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Aparelho

Circulatório
Coração

C A P Í T U L O

Imagem colorida das fibras da rede de Purkinje no


coração. 20 Já passaram aproximadamente 370
anos desde que foi estabelecido que
a função de bomba do coração é es-
sencial à circulação do sangue em to-
dos os vasos sanguíneos do organismo.
No entanto, o conhecimento de que hoje
dispomos da função pormenorizada desta
extraordinária bomba, da sua regulação e dos
modernos tratamentos para a patologia cardíaca
é, comparativamente, muito recente.
Na verdade, o coração é composto por duas bombas e não uma. O lado
direito recebe o sangue proveniente do corpo e bombeia-o para a circulação
pulmonar, que transporta o sangue para os pulmões e, seguidamente, para o
lado esquerdo do coração. Nos pulmões, o dióxido de carbono difunde-se do

Parte 4 Regulação e Manutenção


sangue para os pulmões enquanto o oxigénio se difunde dos pulmões para o
sangue. O lado esquerdo do coração bombeia o sangue para a circulação
sistémica, que fornece oxigénio e nutrientes a todos os outros tecidos do corpo
e recebe deles dióxido de carbono e outros produtos de degradação que, pos-
teriormente, transporta até ao coração (figura 20.1).
O coração de um indivíduo saudável, com 70 quilogramas (kg) de peso,
bombeia aproximadamente 7200 litros (L) de sangue por dia a um débito de 5 L
por minuto. Na maioria das pessoas o coração mantém este funcionamento
durante mais de 75 anos. Em períodos de exercício vigoroso, a quantidade de
sangue bombeada por minuto aumenta várias vezes. Se, no entanto, o coração
perder essa capacidade por poucos minutos que seja, a vida do indivíduo fica
em perigo. A cardiologia é a especialidade médica relacionada com o diagnós-
tico e tratamento das doenças do coração.
Este capítulo descreve as funções (680), dimensões, forma e localização
(680), anatomia (682) e circulação sanguínea (689) do coração, assim como a
sua histologia (691) e propriedades eléctricas (693). O ciclo cardíaco (697),
pressão arterial média (704), regulação do coração (705), ou coração e
homeostase (708) são temas também descritos. O capítulo termina com os efei-
tos do envelhecimento sobre o coração (711).
680 Parte 4 Regulação e Manutenção

CO2 O2

Capilares
nos tecidos Circulação
para os
tecidos
da cabeça

Pulmão
CO2

Capilares
Circulação pulmonares O2
pulmonar Circulação
sistémica

Lado
Lado direito do coração esquerdo
do coração

Circulação para
os tecidos da
Capilares porção inferior
dos tecidos do corpo

CO2 O2

Figura 20.1 Circulação Sistémica e Pulmonar


O lado direito do coração recebe sangue desoxigenado (azul) de todo o corpo e bombeia-o para os pulmões através da circulação pulmonar. O lado esquerdo do
coração recebe o sangue oxigenado (vermelho) dos pulmões e bombeia-o para todas as partes do corpo através da circulação sistémica, a fim de oxigenar os
tecidos. Depois de circular por todo o corpo, o sangue desoxigenado regressa ao lado direito do coração.

Funções do Coração Dimensões, Forma e Localização


Objectivo do Coração
■ Explicar as funções do coração.
Objectivo
As funções do coração são: ■ Descrever as dimensões, forma e localização do coração.
1. Gerar a pressão sanguínea. As contracções do coração O coração adulto tem a forma de um cone truncado e as
geram a pressão sanguínea, que é responsável pela circu- dimensões aproximadas de uma mão fechada. O vértice arre-
lação do sangue nos vasos sanguíneos. dondado do cone recebe o nome de ápex, vértice ou região
2. Dirigir a circulação sanguínea. O coração separa a circula- apical. A porção achatada do lado oposto é a base.
ção pulmonar da sistémica e assegura uma melhor O coração está localizado na cavidade torácica, entre os
oxigenação do sangue que chega aos tecidos. pulmões. O coração, traqueia, esófago e as estruturas que lhes
3. Assegurar um fluxo unidireccional. As válvulas cardíacas estão associadas formam uma zona mediana, denominada
asseguram um fluxo unidireccional do sangue através do mediastino (ver figura 1.14).
coração e vasos sanguíneos. Na clínica, é importante conhecer a localização do coração
4. Regular o aporte de sangue. As alterações, na frequência e na cavidade torácica. O posicionamento do estetoscópio para
na força da contracção, adequam o aporte de sangue às auscultar os sons cardíacos ou dos eléctrodos para registar as
variações das necessidades metabólicas dos tecidos du- derivações precordiais do electrocardiograma (ECG) dependem
rante o repouso, o exercício e as alterações posturais. desse conhecimento. Também a eficácia da ressuscitação cardio-
1. Enuncie as quatro principais funções do coração. -respiratória (RCR) está dependente de um conhecimento ra-
zoável da posição e forma do coração. O coração assenta obliqua-
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 681

mente no mediastino, tendo a base dirigida para trás e ligeira- 2. Refira a forma e as dimensões aproximadas do coração.
mente para cima e o vértice dirigido para a frente e para baixo. O Onde está localizado?
vértice dirige-se também para a esquerda, razão porque cerca de
dois terços da massa cardíaca se situam para a esquerda da linha
média esternal (figura 20.2). A base do coração encontra-se por Ressuscitação Cardio-Respiratória (RCR)
trás do esterno, estendendo-se até ao segundo espaço intercos- Nos casos em que o coração para subitamente de bater, a RCR pode
tal. A região apical situa-se aproximadamente a 9 centímetros salvar vidas. A RCR contempla a compressão rítmica do tórax combinada
(cm) do bordo esquerdo do esterno, por trás do quinto espaço com a ventilação artificial dos pulmões. A aplicação de pressão sobre o
intercostal. esterno comprime a parede torácica, comprimindo também o coração e
fazendo-o bombear o sangue. Em muitos casos, a RCR pode proporcio-
nar uma irrigação adequada da parede cardíaca e do cérebro até à
chegada dos serviços de emergência médica.

Laringe

Traqueia

Veia cava superior


Crossa da aorta
Pulmão direito
Artéria pulmonar
Aurícula esquerda
Aurícula direita Pulmão esquerdo

Ventrículo direito
Ventrículo esquerdo
Costela
Vértice cardíaco
Pleura visceral
Cavidade pleural
Pleura parietal

Diafragma

Folheto visceral
Cavidade pericárdica
Folheto parietal
Pericárdio fibroso

Pulmão esquerdo
Pleura visceral
Cavidade pleural
(a) Pleura parietal

Figura 20.2 Localização do Coração no Tórax


(a) O coração está situado atrás e ligeiramente para a esquerda do esterno. A base, localizada por detrás do esterno, estende-se até ao segundo espaço intercostal,
enquanto o vértice se situa no quinto espaço intercostal, aproximadamente 9 centímetros para a esquerda da linha média.
682 Parte 4 Regulação e Manutenção

Aorta descendente
Esófago Tecido mediastínico
Brônquios pulmonares
Pleura parietal
Cavidade pleural direita
Cavidade pleural esquerda
Pleura visceral
Artéria pulmonar direita
Artéria pulmonar esquerda
Veia pulmonar direita
Veia pulmonar esquerda

Veia cava superior Artéria pulmonar


Aorta ascendente
Aurícula esquerda
Aurícula direita
Ventrículo esquerdo
Ventrículo direito
Folheto visceral
Cavidade pericárdica

Folheto parietal
(b) Pericárdio fibroso

Figura 20.2 (continuação)


(b) Secção transversal do tórax revelando a posição do coração no mediastino e a sua relação com as outras estruturas.

Anatomia do Coração Pericardite e Tamponamento Cardíaco


Pericardite é a inflamação do pericárdio seroso. Muitas vezes é de
Objectivos causa desconhecida, embora possa ocorrer devido a infecções, doenças
■ Descrever a estrutura e função do pericárdio. do tecido conjuntivo ou lesões provocadas pela radioterapia usada no
■ Descrever a histologia das três principais camadas do tratamento do cancro. Pode ser extremamente dolorosa, irradiando a
coração. dor para as costas e para o peito, o que a pode confundir com a do
■ Descrever a anatomia externa e interna do coração. enfarte do miocárdio (ataque cardíaco). A pericardite pode originar a
acumulação de pequenas quantidades de líquido no saco pericárdico.
Tamponamento cardíaco é uma situação potencialmente fatal em
Pericárdio que um grande volume de sangue ou outro líquido se acumula no saco
O pericárdio, ou saco pericárdico, é um saco fechado que en- pericárdico e comprime o coração pelo exterior. Embora o coração seja
volve o coração (figura 20.3), constituído por com dois folhetos: um músculo poderoso, a sua distensão é passiva. Quando é comprimi-
uma resistente camada externa de tecido conjuntivo fibroso, o do pelo líquido contido no saco pericárdico, este não se consegue
pericárdio fibroso, e uma fina e transparente camada interna dilatar quando o músculo cardíaco se relaxa. Consequentemente, não
de epitélio pavimentoso, o pericárdio seroso. O pericárdio fi- pode encher-se de sangue durante a distensão, o que impossibilita o
broso impede a distensão excessiva do coração e fixa-o no ulterior bombeamento de sangue. O tamponamento cardíaco pode levar
mediastino. Na sua parte superior, o pericárdio fibroso tem con- uma pessoa à morte em pouco tempo, a menos que o líquido seja
tinuidade com o tecido conjuntivo que reveste os grandes vasos; removido. São causas do tamponamento cardíaco a rotura da parede
cardíaca após enfarte do miocárdio, a rotura dos vasos sanguíneos no
na sua porção inferior insere-se na superfície do diafragma.
pericárdio por invasão de tumor maligno, as lesões pericárdicas
A parte do pericárdio seroso que reveste o pericárdio fi- resultantes de radioterapia e traumatismos (p. ex., acidente de viação).
broso é o folheto parietal; a que reveste a superfície do coração
denomina-se folheto visceral ou epicárdio (ver figura 20.3). As
porções parietal e visceral do pericárdio seroso têm continuida-
de com as dos grandes vasos que nascem ou desembocam no Parede Cardíaca
coração. A cavidade pericárdica, situada entre o folheto visceral A parede cardíaca é composta de três camadas de tecido: o
e o parietal, é preenchida por uma pequena porção de líquido epicárdio, o miocárdio e o endocárdio (figura 20.5). O epicárdio
pericárdico, cuja função é reduzir a fricção exercida pelos mo- é uma fina membrana serosa que constitui o revestimento da
vimentos do coração dentro do saco pericárdico. superfície exterior do coração. Epicárdio e folheto visceral são
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 683

Pericárdio fibroso
Pericárdio Folheto parietal
Pericárdio seroso Folheto visceral
(ou epicárdio)
Cavidade pericárdica
preenchida com
líquido pericárdico

Figura 20.3 Coração no Pericárdio


O coração está localizado no pericárdio, que é composto, externamente, pelo pericárdio fibroso e, internamente, pelo pericárdio seroso. O pericárdio seroso tem
duas partes: o folheto parietal, que reveste o pericárdio fibroso, e o folheto visceral (epicárdio) que cobre a superfície do coração. A cavidade pericárdica, entre os
folhetos parietal e visceral, contém uma pequena quantidade de líquido pericárdico.

Epitélio pavimentoso
simples

Tecido conjuntivo
laxo e gordura

Epicárdio
(folheto visceral)

Miocárdio

Endocárdio

Trabéculas
carnosas

Figura 20.4 Parede Cardíaca


Foi removida parte da parede cardíaca para mostrar a respectiva estrutura. A porção aumentada ilustra o epicárdio, o miocárdio e o endocárdio.
684 Parte 4 Regulação e Manutenção

duas denominações para a mesma estrutura. Ao pericárdio seroso inferior (figura 20.5). Umas projecções em forma de orelha, os
chama-se epicárdio quando é considerado uma parte do cora- apêndices auriculares, são extensões das aurículas que podem
ção e folheto visceral quando é considerado parte do pericárdio. ser observadas na porção anterior, entre cada aurícula e o res-
A espessa camada média da parede cardíaca, o miocárdio, é com- pectivo ventrículo. Várias veias de grande calibre transportam o
posta de células musculares cardíacas que são responsáveis pela sangue para o coração. As veias cava superior e inferior trans-
capacidade contráctil do coração. A fina superfície interna das portam o sangue de todas as partes do corpo para a aurícula
câmaras cardíacas é o endocárdio, que consiste de epitélio direita e quatro veias pulmonares transportam o sangue dos
pavimentoso simples sobre uma camada de tecido conjuntivo. A pulmões para a aurícula esquerda. Além disso, os seios coronários,
fina superfície interna permite ao sangue mover-se facilmente mais pequenos, trazem o sangue das paredes do coração para a
através do coração. As válvulas cardíacas são formadas por uma aurícula direita.
prega no endocárdio, formando assim uma dupla camada de A aorta e a artéria pulmonar são duas artérias com ori-
endocárdio com tecido conjuntivo no meio. gem no coração. A aorta transporta o sangue do ventrículo es-
A superfície interna das aurículas é praticamente plana, mas querdo para o corpo e a artéria pulmonar transporta o sangue
o interior de ambos os apêndices auriculares e de parte da pare- do ventrículo direito para os pulmões.
de auricular direita é modificado por rugas musculares chama- Um grande sulco coronário, situado obliquamente em re-
das músculos pectinatos ou musculi pectinati. Os músculos dor do coração, separa as aurículas dos ventrículos. Outros dois
pectinatos da aurícula direita estão separados das grandes por- sulcos estendem-se para baixo do sulco coronário, indicando a
ções lisas da parede auricular por uma prega denominada crista divisão entre os ventrículos direito e esquerdo. O sulco inter-
terminal. As paredes interiores dos ventrículos são modificadas ventricular anterior situa-se na superfície anterior do coração
por pregas e colunas chamadas trabéculas carnosas. e o sulco interventricular posterior na superfície posterior do
coração. No coração normal e saudável, os sulcos estão cobertos
Anatomia Externa e Circulação Coronária por gordura e só após a remoção desta se tornam visíveis.
O coração é constituído por quatro câmaras ou cavidades: duas As principais artérias que irrigam de sangue o tecido car-
aurículas e dois ventrículos. As aurículas, com as suas paredes díaco estão alojadas dentro dos sulcos coronários e inter-
finas, formam as partes superior e posterior do coração, e os ventriculares localizados à superfície do coração. As artérias
ventrículos, de paredes espessas, formam as porções anterior e coronária esquerda e direita nascem da aorta, logo acima do

Crossa da aorta

Veia cava superior


Ramos da artéria
pulmonar esquerda

Ramos da artéria
pulmonar direita Artéria pulmonar esquerda
Artéria pulmonar
Veias pulmonares esquerdas
Veias pulmonares direitas Aurícula esquerda

Aurícula direita
Grande veia coronária
Sulco coronário

Artéria coronária direita


Artéria interventricular
anterior

Ventrículo direito Ventrículo esquerdo

Veia cava inferior

(a)

Figura 20.5 Superfície do Coração


(a) Superfície anterior (esternocostal).
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 685

ponto onde esta deixa o coração, e alojam-se no sulco coronário coronária esquerda que irriga a parede lateral do ventrículo es-
(figura 20.6a). A artéria coronária direita é normalmente mais querdo. A artéria circunflexa é outro ramo da artéria coronária
pequena que a esquerda e irriga uma parte menor do coração. esquerda que se estende em redor da face posterior do coração,
O principal ramo da artéria coronária esquerda, chamada no sulco coronário. Os seus ramos irrigam a maior parte da pa-
artéria interventricular anterior, ou artéria descendente an- rede posterior do coração.
terior esquerda, estende-se inferiormente no sulco interven- A artéria coronária direita estende-se pelo sulco coronário,
tricular anterior e perfunde a maior parte da zona anterior do a partir da aorta e ao longo da parte posterior do coração. Os
coração. A artéria marginal esquerda é um ramo da artéria seus ramos irrigam a parede lateral do ventrículo direito, sendo

Veia cava
superior Aorta

Pericárdio
(reflectido lateralmente)

Aurícula direita Artéria pulmonar

Artéria coronária
direita Grande veia coronária
Ventrículo direito
Artéria interventricular anterior
Pequena
veia Ventrículo esquerdo
coronária
Artéria
marginal
(b) direita

Aorta

Veia cava superior


Artéria pulmonar esquerda
Artéria pulmonar direita
Veias pulmonares
esquerdas
Veias pulmonares direitas
Aurícula
esquerda
Aurícula direita
Grande veia coronária

Veia cava inferior


Seio coronário Artéria coronária direita
Pequena veia coronária
Ventrículo esquerdo
Artéria interventricular posterior
Veia interventricular
inferior Ventrículo direito

Vértice
(c)

Figura 20.5 (continuação)


(b) Fotografia da superfície anterior. (c) Superfícies posterior (base) e inferior (diafragmática) do coração.
686 Parte 4 Regulação e Manutenção

Crossa da aorta
Crossa da aorta
Veia cava
superior Artéria
pulmonar
Válvula Veia cava Artéria
Artéria coronária
semilunar superior pulmonar
aórtica esquerda
Aurícula esquerda Aurícula esquerda
Aurícula
direita Artéria
circunflexa Veias posteriores
Artéria do ventrículo
coronária Artéria Aurícula esquerdo
direita marginal esquerda Abre na
direita aurícula Seio
Artéria Artéria direita coronário
Veia
interventricular interventricular interventricular
posterior Grande
anterior inferior veia
Artéria Pequena coronária
marginal veia
direita Ventrículo Ventrículo
esquerdo coronária esquerdo
Ventrículo Ventrículo direito
direito
(a) (b)

Figura 20.6 Circulação Coronária


(a) Artérias que irrigam o coração. As artérias da superfície anterior são visualizadas directamente e com uma cor mais escura; as da superfície posterior são
visualizadas através do coração e têm uma cor mais esbatida. (b) Veias que drenam o sangue do coração. As veias da superfície anterior são visualizadas directa-
mente e com uma cor mais escura; as da superfície posterior são visualizadas através do coração e têm uma cor mais esbatida.

a artéria marginal direita o mais importante deles. Outro ramo drena o bordo direito do coração (Figura 20.6b). Estas veias
da artéria coronária direita, chamada artéria interventricular convergem para a parte posterior do sulco coronário e con-
posterior, aloja-se no sulco interventricular posterior e fornece tinuam-se por um canal venoso de grande calibre, designado seio
sangue às paredes posterior e inferior do coração. coronário, que, por sua vez, drena para a aurícula direita. Algu-
mas pequenas veias terminam noutras veias cardíacas, no seio
E X E R C Í C I O
coronário ou directamente na aurícula direita.
Que efeito teria sobre o coração a restrição ou bloqueio completo
O fluxo cardíaco nos vasos coronários não é contínuo. Quan-
da circulação coronária, na artéria interventricular anterior?
do o músculo cardíaco contrai, os vasos sanguíneos da parede car-
díaca são comprimidos e o sangue não circula através deles. Quan-
A maior parte do miocárdio recebe sangue de mais que um
do o músculo cardíaco relaxa, os vasos sanguíneos deixam de estar
ramo arterial. Além disso, existem muitas anastomoses ou cone-
comprimidos e a circulação nos vasos coronários é restabelecida.
xões directas entre os ramos das artérias. As anastomoses podem
existir entre ramos de uma mesma artéria ou entre ramos de
diferentes artérias. No caso de uma artéria ficar bloqueada, as Cavidades e Válvulas Cardíacas
áreas irrigadas principalmente por essa artéria podem continu- Aurículas Direita e Esquerda
ar a receber algum sangue de outros ramos arteriais e a partir de A aurícula direita tem três grandes aberturas: as da veia cava
anastomoses com outros ramos. O exercício aeróbio tende a au- superior e da veia cava inferior recebem o sangue proveniente de
mentar a densidade de vasos sanguíneos que irrigam o miocárdio todo o corpo e a do seio coronário recebe o sangue do próprio
assim como o número e extensão de anastomoses. Consequen- coração (figura 20.7). A aurícula esquerda tem quatro abertu-
temente, o exercício aeróbio aumenta a possibilidade de sobre- ras relativamente uniformes que recebem as quatro veias pul-
vivência a um bloqueio das pequenas artérias coronárias. No monares provenientes dos pulmões. As duas aurículas são sepa-
entanto, o bloqueio de vasos coronários de maior calibre conti- radas uma da outra pelo septo inter-auricular. Uma ligeira de-
nua a trazer a possibilidade de lesar permanentemente grandes pressão oval no lado direito do septo, a fossa oval, demarca a
áreas da parede cardíaca. antiga localização do foramen ovale ou canal arterial, uma aber-
A principal veia que drena os tecidos do lado esquerdo do tura entre a aurícula direita e a esquerda existente no embrião e
coração é a grande veia coronária; a pequena veia coronária no feto (ver capítulo 29).
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 687

Crossa da aorta

Veia cava superior


Artéria pulmonar esquerda
Artéria pulmonar
Ramos da artéria
pulmonar Veias pulmonares esquerdas

Aurícula esquerda
Válvula semilunar aórtica

Canal aurículo-ventricular
Válvula semilunar esquerdo
pulmonar

Aurícula direita Válvula bicúspide

Seio coronário Ventrículo esquerdo


Canal aurículo-ventricular Cordas tendinosas
direito
Músculos papilares
Válvula tricúspide
Músculos papilares Septo interventricular

Ventrículo direito

Veia cava inferior

Figura 20.7 Anatomia Interna do Coração


Corte de um plano frontal do coração onde se visualiza a anatomia interna.

Ventrículos Direito e Esquerdo para a aurícula retraindo as cordas tendinosas que estão ligadas
As aurículas abrem para os ventrículos através dos canais às cúspides da válvula. O fluxo do sangue da aurícula para o
aurículo-ventriculares (ver figura 20.7). Cada ventrículo tem, ventrículo empurra a válvula, abrindo-a para o ventrículo, mas,
na sua parte superior, uma grande via de saída de sangue que se quando o ventrículo se contrai, o sangue empurra a válvula de
situa próximo da linha média do coração. O ventrículo direito novo contra a aurícula. O canal aurículo-ventricular fecha quan-
abre para a artéria pulmonar e o ventrículo esquerdo abre para do as cúspides valvulares se tocam (figura 20.9).
a aorta. Os dois ventrículos estão separados um do outro pelo
septo interventricular, que tem uma espessa parte muscular per- Válvulas Semilunares
to do vértice e uma fina porção membranosa perto da aurícula. A aorta e a artéria pulmonar possuem as válvulas semilunares
(em forma de lua) pulmonar e aórtica. Cada válvula é formada
Válvulas Aurículo-Ventriculares por três cúspides semilunares em forma de bolsa, em que as ex-
Em cada canal aurículo-ventricular existe uma válvula aurículo- tremidades interiores livres se encontram no centro da artéria
-ventricular composta de cúspides ou valvas. Estas válvulas para bloquear a passagem do sangue (ver figuras 20.7 e 20.8b). O
permitem a passagem do sangue da aurícula para os ventrículos, sangue que sai dos ventrículos pressiona cada válvula, forçando-
mas impedem o seu retorno para a aurícula. A válvula aurículo- -a a abrir; mas quando o sangue reflui da aorta ou da artéria
-ventricular entre a aurícula direita e o ventrículo direito tem pulmonar para os ventrículos entra nas bolsas das cúspides, for-
três cúspides e é chamada válvula tricúspide. A que se encontra çando-as a dirigir-se para o centro da aorta ou da artéria pulmo-
entre a aurícula esquerda e o ventrículo esquerdo tem duas nar, fechando-as e impedindo, assim, o refluxo do sangue para
cúspides e é chamada válvula bicúspide ou mitral (semelhante os ventrículos (ver figura 20.9).
à mitra de um bispo). 3. O que é o pericárdio? Refira as suas divisões e respectivas
Cada ventrículo contém pilares musculares em forma de funções.
cone, chamados músculos papilares. Estes músculos estão liga- 4. Descreva as três camadas do coração e refira as suas
dos às cúspides das válvulas aurículo-ventriculares por finas, mas funções. Diga como se chamam as pregas musculares
fortes, cordas de tecido conjuntivo, chamadas cordas tendinosas existentes no interior das aurículas. Diga como se chamam
(ver figuras 20.7 e 20.8a). Os músculos papilares contraem quan- as pregas musculares e colunas existentes nas paredes
do os ventrículos contraem e impedem as válvulas de abrirem interiores dos ventrículos.
688 Parte 4 Regulação e Manutenção

Artéria Artéria
Veia cava Válvula pulmonar
pulmonar
superior semilunar pulmonar Aorta ascendente
Aorta Abertura da artéria Abertura da artéria
ascendente coronária esquerda coronária direita
Trabéculas
Aurícula do septo
interventricular Válvula semilunar aórtica
direita Válvula
Cúspide bicúspide Veia cava superior
Cordas
anterior da válvula tendinosas Aurícula direita
tricúspide Aurícula esquerda
Músculos
Veia cava inferior (aberta)
papilares
(a) (b)

Figura 20.8 Válvulas Cardíacas


(a) Fotografia da válvula tricúspide, cordas tendinosas e músculos papilares. (b) Perspectiva superior das válvulas cardíacas. Note-se que as três cúspides de cada
válvula semilunar unem-se para impedir o retorno do sangue.

Veias pulmonares
Veias pulmonares

Aurícula esquerda
Aorta Aurícula esquerda
Aorta
Válvula bicúspide Válvula bicúspide
(aberta) (encerrada)
Válvula semilunar
Cordas tendinosas aórtica (aberta)
Válvula semilunar (pouca tensão) Cordas tendinosas
aórtica (encerrada) (grande tensão)

Músculos papilares
(relaxados) Músculos papilares
(contraídos)
Músculo cardíaco
(relaxado) Músculo cardíaco
(contraído)
Ventrículo esquerdo
(dilatado) Ventrículo esquerdo
(contraído)

(a) Quando a válvula bicúspide está aberta, as cúspides são (b) Quando a válvula bicúspide está encerrada, as suas cúspides
empurradas pelo sangue para dentro do ventrículo. Os sobrepõem-se ao serem empurradas pelo sangue para dentro
músculos papilares estão relaxados e a tensão sobre as cordas da aurícula esquerda. Não há refluxo de sangue do ventrículo
tendinosas é baixa. O sangue flui da aurícula esquerda para para a aurícula. Os músculos papilares estão contraídos e a
o ventrículo esquerdo. Quando a válvula semilunar aórtica está tensão sobre as cordas tendinosas aumenta. Quando a válvula
encerrada, as suas cúspides sobrepõem-se ao serem empurradas semilunar aórtica está aberta, as suas cúspides são empurradas
para dentro do ventrículo, pelo sangue que se encontra na aorta. pelo sangue no sentido da aorta. Então, o sangue flui do ventrículo
Não há refluxo de sangue da aorta para o ventrículo. esquerdo para a aorta.

Figura 20.9 Funções das Válvulas Cardíacas


(a) Posição das válvulas quando o sangue entra no ventrículo esquerdo. (b) Posição das válvulas quando o sangue sai do ventrículo esquerdo.

5. Enumere os principais vasos sanguíneos que entram e 7. Mencione as válvulas que separam a aurícula direita do
saem do coração. Em que câmaras cardíacas entram ou ventrículo direito e a aurícula esquerda do ventrículo
saem? O fluxo cardíaco é contínuo nos vasos esquerdo. Quais são as funções dos músculos papilares e
coronários? das cordas tendinosas?
6. Que estrutura separa as aurículas? Que estrutura separa os 8. Enumere as válvulas existentes na aorta e na artéria
ventrículos? pulmonar.
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 689

Perspectiva Clínica Angina, Enfartes e Tratamento da Insuficiência Coronária

A angina de peito é uma dor que resulta da O enfarte do miocárdio é o resultado de poucas semanas, ou meses, e a formação
redução da irrigação sanguínea ao múscu- uma interrupção prolongada do fluxo sanguí- de coágulos sanguíneos tende a aumentar
lo cardíaco. A dor é temporária e, se o fluxo neo numa parte do músculo cardíaco, originan- nas artérias coronárias depois da angio-
de sangue for restabelecido, provoca danos do carência de oxigénio e morte celular. O plastia. Para ajudar a evitar futuros bloque-
permanentes insignificantes. A angina de enfarte do miocárdio varia com a quantidade ios, é introduzido no vaso um tubo de rede
peito é caracterizada por um desconforto de músculo cardíaco e a parte do coração que metálica, denominado stent. Embora o stent
torácico retro-esternal, muitas vezes descri- foi afectada. Se o fornecimento de sangue ao tenha maior capacidade para manter o vaso
to como um peso, pressão ou dor modera- músculo cardíaco for restabelecido dentro de aberto, também se pode dar a eventualida-
damente intensos mas que é por vezes con- 20 minutos, não ocorrerão danos permanen- de de ficar obstruído. Pequenas lâminas
fundida com indigestão. A dor também tes. Se a falta de oxigénio for mais demorada, rotativas e lasers são outras técnicas usa-
pode irradiar para o pescoço, maxilar infe- haverá morte celular. Todavia, 30 a 60 segun- das para remover lesões dos vasos coro-
rior, braço esquerdo e ombro esquerdo (ver dos depois do bloqueio dum vaso coronário nários.
capítulo 14). são óbvias as alterações funcionais. As propri- O bypass coronário é um procedimen-
Muito frequentemente, a angina de pei- edades eléctricas do músculo cardíaco são al- to cirúrgico que alivia os efeitos da oclusão
to resulta do estreitamento e endurecimen- teradas e a sua capacidade para funcionar cor- das artérias coronárias. A técnica consiste
to da parede arterial. A redução do fluxo rectamente perde-se. A causa mais comum dos em retirar segmentos de vasos saudáveis de
sanguíneo origina a redução do fornecimen- enfartes do miocárdio é formação de trombos outras partes do corpo do doente e utilizá-
to de oxigénio às células do músculo car- que bloqueiam uma artéria coronária. As arté- -los como um bypass às artérias coronárias
díaco. Como consequência, o limitado me- rias coronárias estenosadas por lesões ateros- ocluídas. Esta técnica é usual no tratamen-
tabolismo anaeróbio do músculo cardíaco cleróticas constituem uma das condições que to de oclusões graves em zonas específicas
origina a formação de ácido láctico e a re- aumentam as probabilidades de enfartes do das artérias coronárias.
dução do pH nas áreas afectadas do cora- miocárdio. As lesões ateroscleróticas obstru- Enzimas especiais são usadas para des-
ção. Os receptores da dor são estimulados em parcialmente os vasos sanguíneos, origi- fazer os coágulos que se formam nas artéri-
pelo ácido láctico. A dor é inevitavelmente nando turbulência no fluxo sanguíneo, e a su- as coronárias e provocam ataques cardíacos.
associada ao exercício porque o aumento perfície da lesão fica áspera. Essas mudanças As mais utilizadas são a estreptoquinase, o
da actividade bombeadora do coração re- aumentam a probabilidade de formação de activador do plasminogénio dos tecidos (t-PA)
quer mais oxigénio e os vasos sanguíneos trombos. ou, algumas vezes, a uroquinase. A função
estenosados não podem fornecê-lo. A an- A angioplastia é um processo pelo qual destas enzimas é activar o plasminogénio,
gina de peito é frequentemente aliviada um pequeno balão é introduzido através da que é a forma inactiva de uma enzima do
pelo repouso e por fármacos como a nitro- aorta até à artéria coronária. Depois de o ba- organismo que decompõe os coágulos de
glicerina. A nitroglicerina provoca a dilata- lão ter entrado na artéria coronária parcialmen- fibrina. A estratégia consiste em administrar
ção dos vasos sanguíneos reduzindo assim te obstruída, é insuflado para a abrir. Esta téc- estes fármacos a pessoas que sofrem de
a sobrecarga cardíaca e a necessidade de nica é útil para melhorar a função muscular car- enfarte do miocárdio, o mais cedo possível
oxigénio, uma vez que o coração passa a díaca em doentes que sofram de um inadequa- após o início dos sintomas. A remoção das
bombear o sangue contra uma pressão mais do fluxo sanguíneo do músculo cardíaco nas oclusões produzidas pelos coágulos resta-
pequena. Por outro lado, o coração bombeia artérias coronárias. Existe alguma controvérsia belece o fluxo de sangue para o músculo
menos sangue porque este tende a perma- em considerar a eficácia da angioplastia, pelo cardíaco e reduz a quantidade de músculo
necer nos vasos dilatados, diminuindo-se menos em alguns doentes, porque a dilatação sujeita a danos permanentes em resultado
o retorno ao coração. das artérias coronárias desaparece dentro de da oclusão.

conceito é particularmente importante quando se consideram a


Fluxo do Sangue Através do Coração actividade eléctrica, as variações de pressão e os sons cardíacos.
O sangue da circulação sistémica, proveniente de todos os te-
Objectivo
cidos do corpo, entra na aurícula direita. O sangue circula das re-
■ Descrever o fluxo do sangue através do coração.
giões de alta pressão, na circulação sistémica, para a aurícula direita,
A circulação sanguínea no coração está representada na fi- que tem baixa pressão. A maior parte do sangue existente na aurícula
gura 20.10. Embora seja mais conveniente analisar a circulação direita passa, então, para o ventrículo direito à medida que este re-
sanguínea de um lado do coração de cada vez, é importante en- laxa, após a contracção anterior. Seguidamente, a aurícula direita
tender que ambas as aurículas se contraem mais ou menos ao contrai-se, e o sangue que ficou na aurícula é empurrado para o
mesmo tempo, o mesmo acontecendo com os ventrículos. Este ventrículo para completar o enchimento do ventrículo direito.
690 Parte 4 Regulação e Manutenção

Veia cava Crossa da aorta


superior
Artérias pulmonares
Artérias esquerdas
pulmonares
direitas Artéria pulmonar
Veias pulmonares
Válvula semilunar
aórtica
Aurícula esquerda

Válvula semilunar Válvula bicúspide


pulmonar

Aurícula direita

Ventrículo esquerdo
Válvula tricúspide
Músculos papilares Septo interventricular
Ventrículo direito

Veia cava
inferior
(a)

Veias cavas Válvulas Artérias pulmo-


Aurícula Válvula Ventrículo Artéria
superior semilunares nares esquerda
direita tricúspide direito pulmonares pulmonar e direita
e inferior

Tecidos Tecido
orgânicos pulmonar
(circulação circulação
sistémica) pulmonar)

Válvulas
semilunares Ventrículo Válvula Aurícula Veias
Aorta
aórticas esquerdo bicúspide esquerda pulmonares

(b)

Figura 20.10 Fluxo do Sangue Através do Coração


(a) Secção frontal do coração revelando as quatro câmaras e a direcção do fluxo sanguíneo no coração. (b) Diagrama que enuncia por ordem as estruturas através
das quais o sangue passa nas circulações sistémica e pulmonar. As válvulas cardíacas estão indicadas por círculos: sangue desoxigenado (azul); sangue oxigenado
(vermelho).

A contracção do ventrículo direito empurra o sangue de contracção da aurícula esquerda completa o enchimento do
encontro à válvula tricúspide, forçando-a a encerrar, e contra a ventrículo esquerdo.
válvula semilunar pulmonar, forçando-a a abrir, permitindo, as- A contracção do ventrículo esquerdo empurra o sangue
sim, a entrada do sangue na artéria pulmonar. contra a válvula bicúspide, encerrando-a, e contra a válvula
A artéria pulmonar ramifica-se para formar as artérias semilunar aórtica, abrindo-a, permitindo a entrada de sangue
pulmonares direita e esquerda, que transportam o sangue na aorta. A circulação sanguínea através da aorta distribui o san-
para os pulmões onde o dióxido de carbono é libertado e o gue por todas as partes do corpo, excepto pelas zonas dos pul-
oxigénio captado (ver capítulos 21 e 23). O sangue retorna mões que são irrigadas pelos vasos pulmonares (ver capítulo 23).
dos pulmões e entra na aurícula esquerda através das quatro
9. Começando pelas veias cavas e terminando na aorta,
veias pulmonares. Ao passar da aurícula esquerda para o
descreva o fluxo sanguíneo no coração.
ventrículo esquerdo, o sangue abre a válvula bicúspide e a
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 691

Histologia Esqueleto do coração


incluindo anéis fibrosos Válvula semilunar pulmonar
em redor das válvulas
Objectivos Válvula semilunar
■ Identificar as características do músculo cardíaco. aórtica
■ Descrever o sistema de condução do coração. Válvula
bicúspide Válvula
tricúspide
Esqueleto do Coração
O esqueleto do coração consiste numa membrana de tecido con-
juntivo fibroso entre a aurícula e os ventrículos. Esta placa de teci-
do conjuntivo forma anéis fibrosos em redor das válvulas aurículo-
-ventriculares e semilunares, proporcionando-lhes um sólido supor-
Músculo cardíaco
te (Figura 20.11). A membrana de tecido conjuntivo fibroso funcio- do ventrículo
na como isolante eléctrico entre as aurículas e os ventrículos e pro- direito
porciona um apoio rígido para a inserção dos músculos cardíacos.
Músculo cardíaco
Músculo Cardíaco do ventrículo esquerdo
As células musculares cardíacas são alongadas e ramificadas e Figura 20.11 Esqueleto do Coração
contêm um ou, ocasionalmente, dois núcleos localizados no cen- O esqueleto do coração consiste em anéis de tecido conjuntivo fibroso que
tro. As células musculares cardíacas contêm miofilamentos de circundam as válvulas cardíacas e separam as aurículas dos ventrículos. O
actina e miosina organizados em forma de sarcómeros, que se músculo cardíaco insere-se no tecido conjuntivo fibroso. As fibras musculares
unem pelas extremidades para formar miofibrilhas (ver capítulo estão organizadas para que, quando os ventrículos contraem, seja produzido um
movimento em espiral e a distância entre o vértice e a base do coração diminua.
4). Os miofilamentos de actina e miosina são os responsáveis
pela contracção do músculo cardíaco e a sua organização confe-
re-lhe um aspecto estriado (com bandas), embora as estrias se- músculo esquelético e podem ser encontrados próximo dos dis-
jam menos regulares e menos numerosas que as existentes no cos Z dos sarcómeros em vez de na vizinhança da zona de
músculo esquelético (figura 20.12). sobreposição entre a actina e a miosina, como acontece no mús-
O músculo cardíaco tem um retículo sarcoplasmático liso culo esquelético. Esta ligação frágil entre o retículo sarcoplas-
que nem é tão regularmente organizado nem tão abundante mático e os tubos T é, em parte, responsável pelo início lento da
como o das fibras musculares esqueléticas nem apresenta cister- contracção e pela prolongada fase de contracção no músculo
nas dilatadas como o músculo esquelético. O retículo sarco- cardíaco. As despolarizações das membranas celulares do mús-
plasmático entra em estreita associação com as membranas dos culo cardíaco não são transportadas da superfície das células para
túbulos transversos (tubos T) em vários pontos. Também os o retículo sarcoplasmático de forma tão eficiente como no mús-
tubos T são menos abundantes no músculo cardíaco que no culo esquelético, e o cálcio tem de difundir-se por uma maior

Ramificações
das fibra
musculares
Discos
Túbos T intercalados

Retículo Núcleos da célula


sarcoplasmático do músculo cardíaco
Estrias LM 400x

Sarcómero Miofibrilha

Tecido conjuntivo
Mitocôndria
Sarcolema
(a) (b)

Figura 20.12 Histologia do Coração


(a) Músculo cardíaco mostrando a estrutura e organização das fibras musculares. (b) Microfotografia do músculo do coração.
692 Parte 4 Regulação e Manutenção

distância, do retículo sarcoplasmático para os miofilamentos de contracções altamente coordenadas do coração dependem dessa
actina. Adicionalmente, entra nas células um número substan- característica funcional.
cial de iões de Ca2+ proveniente do líquido extracelular.
A adenosina trifosfato (ATP) fornece a energia para a con- Sistema de Condução
tracção do músculo cardíaco e, como noutros tecidos, a sua pro- O sistema de condução do coração, que retransmite o potencial de
dução depende da existência de oxigénio. Todavia, o músculo acção eléctrico através deste órgão, consiste em células musculares
cardíaco não pode suportar uma grande carência de oxigénio. A cardíacas modificadas que formam dois nódulos (nodosidades ou
sua limitada capacidade para suportar uma falta de oxigénio é protuberâncias) e um feixe de condução (figura 20.13). Os dois
compatível com a função do coração, já que uma grande carên- nódulos estão contidos dentro das paredes da aurícula direita e são
cia de oxigénio resultaria em fadiga muscular e paragem da con- denominados de acordo com a sua posição na aurícula. O nódulo
tracção do músculo cardíaco. As células do músculo cardíaco sino-auricular (SA), ou sinusal, está numa zona mediana da aber-
são ricas em mitocôndrias, que realizam o metabolismo oxidativo tura da veia cava superior e o nódulo aurículo-ventricular (AV)
a uma velocidade suficiente para fornecer a energia necessária está numa zona mediana da válvula aurículo-ventricular direita. O
ao funcionamento normal do miocárdio. Uma extensa rede ca- nódulo AV dá origem a um feixe de condução do coração, o feixe
pilar fornece um aporte adequado de oxigénio às células do mús- aurículo-ventricular, ou feixe de His, que passa através de uma
culo cardíaco. pequena abertura no esqueleto fibroso para alcançar o septo
interventricular, onde se divide formando os ramos direito e es-
E X E R C Í C I O
querdo que se estendem, por baixo do endocárdio, de ambos os
Em condições de repouso, muito do ATP produzido no músculo
lados do septo interventricular, até à região apical dos ventrículos
cardíaco é obtido a partir do metabolismo dos ácidos gordos.
direito e esquerdo, respectivamente.
Todavia, durante períodos de exercício intenso, as células do
As ramificações inferiores e terminais dos ramos de feixe são
músculo cardíaco usam ácido láctico como fonte de energia.
a rede de Purkinje, constituída por fibras musculares cardíacas de
Explique as vantagens deste facto.
grande diâmetro. Estas têm menos miofibrilhas que a maioria das
As células do músculo cardíaco estão organizadas em fei- células musculares cardíacas e não se contraem tão energicamente.
xes espiralados ou em baínhas. As células adjacentes unem-se, Os discos intercalares estão bem desenvolvidos entre as fibras que
topo-a-topo e lateralmente, por contactos especializados célula constituem a rede de Purkinje e contêm numerosas sinapses. Em
a célula chamados discos intercalares (ver figura 20.12). As resultado destas modificações estruturais, os potenciais de acção
membranas dos discos intercalares têm pregas e as células adja- propagam-se ao longo das fibras de Purkinje muito mais rapida-
centes ajustam-se às outras, aumentando assim grandemente o mente que através de restante tecido muscular cardíaco.
contacto entre elas. As estruturas especializadas da membrana Todas as células musculares cardíacas têm a capacidade de
celular, chamadas desmossomas, mantêm as células em contac- gerar potenciais de acção espontâneos, mas as do nódulo SA fa-
to, e as junções comunicantes ou sinapses (gap juntions) funcio- zem-no com uma frequência maior. Assim, o nódulo SA é cha-
nam como áreas de baixa resistência eléctrica entre as células, mado de pacemaker do coração, isto é, o coração contrai-se es-
permitindo que os potenciais de acção passem de uma célula pontânea e ritmicamente. Depois dos impulsos eléctricos serem
para a adjacente (ver figura 4.3). Electricamente, as células do produzidos, propagam-se do nódulo SA para as fibras musculares
músculo cardíaco comportam-se como uma única unidade e as da aurícula que lhe ficam adjacentes. Há trajectos preferenciais

Nódulo
1. Os potenciais de acção têm origem no nódulo sinusal (SA) Aurícula esquerda
sinusal (SA) e propagam-se através da parede
da aurícula (setas) desde o nódulo SA até ao
nódulo AV. Nódulo aurículo- 1
-ventricular (AV)
2. Os potenciais de acção propagam-se pelo nódulo
AV e pelo feixe de His, que se estende desde o nódulo
AV, através do esqueleto fibroso, até ao septo interventricular.

3. O feixe de His divide-se nos ramos direito e esquerdo


e os potenciais de acção descem para o vértice de
cada ventrículo ao longo dos feixes desses ramos. Ventrículo
3
Feixe de His esquerdo

4. Os potenciais de acção são transportados pelas Ramos esquerdo


fibras da rede de Purkinje até às paredes e direito 4
ventriculares.

Rede Vértice
de Purkinje

(Processo) Figura 20.13 Sistema de Condução do Coração


Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 693

que conduzem os potenciais de acção, desde o nódulo SA até ao neurónios e as fibras musculares esqueléticas. Todas essas célu-
nódulo AV, a uma velocidade superior à dos que são transmiti- las têm um potencial de membrana em repouso (PMR). O PMR
dos pelo resto das fibras musculares auriculares, embora tais tra- depende de uma baixa permeabilidade da membrana plasmática
jectos não se distingam estruturalmente da restante aurícula. ao Na+ e ao Ca2+ e de uma permeabilidade maior ao K+. Quando
Em condições de repouso são necessários, aproximada- os neurónios, as células musculares esqueléticas e as células mus-
mente, 0,04 segundos para que o potencial de acção se propague culares cardíacas despolarizam para o seu nível limiar, dão ori-
do nódulo SA para o nódulo AV. Dentro do nódulo AV, os po- gem a potenciais de acção (ver capítulo 11).
tenciais de acção propagam-se lentamente em comparação com
o restante sistema de condução. Como consequência, há um atra- Potenciais de Acção
so de 0,11 segundos desde que os potenciais de acção atingem o Tal como no músculo esquelético, os potenciais de acção no
nódulo AV até passarem para o feixe AV. O atraso total de 0,15 músculo cardíaco exibem uma despolarização seguida de
segundos permite a conclusão da contracção auricular antes do repolarização do PMR. As alterações que ocorrem nos canais de
ventrículo se começar a contrair. membrana são responsáveis pelas mudanças na permeabilidade
Depois dos potenciais de acção passarem do nódulo AV da membrana plasmática que produzem os potenciais de acção.
para os feixes de condução altamente especializados, a velocida- Ao contrário dos potenciais de acção no músculo esquelético, os
de de condução aumenta drasticamente. Os potenciais de acção do músculo cardíaco são mais prolongados e apresentam dife-
passam através dos ramos direito e esquerdo e das fibras indivi- renças ao nível dos canais da membrana. Em contraste com os
duais da rede de Purkinje que penetram no miocárdio dos potenciais de acção do músculo esquelético, que demoram me-
ventrículos (ver figura 20.13). nos de 2 milissegundos (mseg) para se completarem, os poten-
Devido à disposição do sistema de condução, a primeira par- ciais de acção no músculo cardíaco demoram aproximadamente
te do miocárdio a ser estimulada é a parede interna dos ventrículos, 200 a 500 mseg.
perto do vértice, local em que a contracção ventricular tem início e No músculo cardíaco, o potencial de acção consiste de uma
de onde progride para todo o ventrículo. Uma vez estimulada a rápida fase de despolarização, seguida por uma rápida, mas par-
contracção, o arranjo em espiral das camadas musculares da pare- cial, repolarização inicial. Então há um período prolongado de
de do coração resulta numa acção de torção, que progride desde o repolarização lenta, chamado planalto, seguido por uma mais
vértice até à base. Durante este processo, a distância entre as duas rápida fase de repolarização final, durante a qual o potencial
extremidades do coração diminui. da membrana retorna para o seu nível de repouso (figura 20.14).
10. Descreva e enumere as funções do esqueleto do coração. Os canais de membrana, denominados canais de mem-
11. Descreva as semelhanças e diferenças entre os músculos brana com portão de voltagem para o Na+, ou canais rápidos
cardíaco e esquelético. de sódio (ou canais rápidos), abrem dando origem à fase de
12. Porque é que o músculo cardíaco tem uma contracção de despolarização do potencial de acção. Quando estes abrem, os
início lento e duração prolongada? iões de sódio difundem-se na célula causando a sua despolari-
13. Que substâncias usam as células do músculo cardíaco zação rápida até que seja despolarizada para aproximadamente
como fontes de energia? +20 milivolts (mV).
14. Que características anatómicas são responsáveis pela A variação na voltagem que ocorre durante a despolarização
capacidade do músculo cardíaco se contrair como uma
afecta outros canais iónicos existentes na membrana plasmática.
unidade?
Existem diversos tipos de canais de membrana com portão de
15. Enumere as partes constituintes do sistema de condução
cardíaco. Explique como se coordena a contracção entre a voltagem para o K+, que abrem e fecham a diferentes potenciais de
aurícula e o ventrículo. Explique por que razão as fibras da membrana, originando mudanças na permeabilidade desta ao K+.
rede de Purkinje conduzem os potenciais de acção mais Por exemplo, em repouso, o movimento do K+ através dos respec-
rapidamente que as outras células cardíacas. tivos canais de membrana abertos é o principal responsável pelo
estabelecimento do potencial de membrana em repouso nas célu-
E X E R C Í C I O
las do músculo cardíaco. A despolarização faz com que estes canais
Explique porque é mais eficiente a contracção dos ventrículos
encerrem e, consequentemente, diminua a permeabilidade da mem-
iniciada no vértice do que na base do coração.
brana a este ião. A despolarização também faz com que os canais
de membrana com portão de voltagem para o Ca2+, ou canais
Propriedades Eléctricas lentos de cálcio (ou canais lentos), comecem a abrir. Em compa-
ração com os canais rápidos de sódio, os canais lentos de cálcio
Objectivos abrem e fecham lentamente.
■ Descrever os potenciais de acção nas células do músculo
A repolarização resulta de variações na permeabilidade da
cardíaco.
membrana ao Na+, K+ e Ca2+. A repolarização inicial ocorre quan-
■ Definir os termos automatismo e ritmicidade e explicar de
do os canais com portão de voltagem para o Na+ encerram e
que modo o nódulo SA funciona como pacemaker.
abre um pequeno número canais com portão de voltagem para
■ Explicar o traçado do electrocardiograma e os eventos que
o K+. A entrada de Na+ na célula cessa e dá-se a saída de K+. Dá-se a
representa.
fase de planalto à medida que os canais com portão de voltagem
As células musculares cardíacas têm muitas características para o Ca2+ continuam a abrir e a entrada de Ca2+ na célula con-
comuns a outras células excitáveis electricamente, tais como os traria a mudança de potencial produzida pela saída de K+. A fase
694 Parte 4 Regulação e Manutenção

Fase de
repolarização
Fase de Fase de
inicial
repolarização planalto
2
0 0

1
(mV)

(mV)
2 1 Fase de 3
repolarização
Fase de Fase de final
despolarização despolarização

– 85 – 85

1 2 1 2 500
Tempo (m) Tempo (mn)

(a) (b)

Alterações da permeabilidade durante um potencial Alterações da permeabilidade durante um potencial


de acção no músculo esquelético: de acção no músculo cardíaco:
1. Fase de despolarização 1. Fase de despolarização
• Canais de Na+ abrem • Canais de Na+ abrem
• Canais de K+ começam a abrir • Canais de K+ fecham
• Canais de Ca2+ começam a abrir
2. Fase de repolarização
• Canais de Na+ fecham 2. Fases de repolarização inicial e planalto
• Canais de K+ continuam a abrir • Canais de Na+ fecham
• Canais de K+ fecham no final da • Alguns canais de K+ abrem, causando
repolarização e o potencial de membrana a repolarização inicial
regressa ao seu valor de repouso • Canais de Ca2+ abertos , produzindo o planalto
ao atrasarem a restante repolarização

3. Fase de repolarização final


• Canais de Ca2+ fecham
• Muitos canais de K+ abrem

Figura 20.14 Comparação dos Potenciais de Acção no Músculo Esquelético e Cardíaco


(a) Um potencial de acção no músculo esquelético corresponde às fases de despolarização e de repolarização. (b) Um potencial de acção no músculo cardíaco
corresponde às fases de despolarização, repolarização inicial, planalto e repolarização final. O músculo cardíaco não despolariza tão rapidamente como o músculo
esquelético (indicado pela interrupção na curva) devido à fase de planalto.

de planalto termina e a repolarização final começa quando os Automatismo e Ritmicidade do Músculo


canais com portão de voltagem para o Ca2+ fecham e abrem muito
mais canais com portão de voltagem para o K+. Deste modo, o
Cardíaco
Ca2+ deixa de se difundir na célula e a tendência para o K+ se Diz-se que o coração tem automatismo e ritmicidade porque se
difundir para fora dela aumenta. Estas variações da permea- estimula a si próprio (auto) para se contrair a intervalos regulares
bilidade fazem com que o potencial de membrana regresse aos (rítmico). Se o coração for removido do corpo e mantido sob con-
seus níveis de repouso. dições fisiológicas, com nutrientes e temperatura correctos, conti-
Os potenciais de acção no músculo cardíaco são conduzi- nuará a bater automática e ritmicamente durante longo tempo.
dos de célula para célula, ao passo que nas fibras musculares No nódulo SA, as células pacemaker geram espontaneamente
esqueléticas são conduzidos longitudinalmente em cada fibra potenciais de acção a intervalos regulares. Estes potenciais de acção
muscular, mas não de fibra para fibra. Também a velocidade de propagam-se por meio do sistema de condução cardíaco a outras
propagação do potencial de acção é mais lenta no músculo car- células do músculo cardíaco, levando a que os canais com portão
díaco que no esquelético, porque as células musculares cardía- de voltagem para o Na+ abram. Daqui resulta a produção de poten-
cas têm menor diâmetro e são mais curtas que as fibras muscu- ciais de acção e a contracção das células do músculo cardíaco.
lares esqueléticas. Embora as sinapses dos discos intercalares A geração de potenciais de acção no nódulo SA dá-se quan-
permitam a transferência de potenciais de acção entre as células do um potencial local de desenvolvimento espontâneo, denomi-
musculares cardíacas, atrasam a condução do potencial de ac- nado pré-potencial, atinge o limiar (figura 20.15). As alterações
ção entre elas. na entrada e saída de iões nas células pacemaker desencadeiam o
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 695

Alterações da permeabilidade das células pacemaker:


1. Pré-potencial
• Um pequeno número de canais de Na+ está aberto Fase de
Fase de
• Os canais de K+ que abriram na fase de repolarização despolarização
repolarização
do potencial de acção anterior estão a fechar 0
• Os canais de Ca2+ começam a abrir

2. Fase de despolarização

(mV)
• Os canais de Ca2+ estão abertos
• Os canais de K+ estão fechados 2 3

3. Fase de repolarização Limiar


• Os canais de K+ fecham
• Os canais de K+ abrem 1
260
Pré-potencial

1 300
Tempo (mn)

Figura 20.15 Potencial de Acção no Nódulo SA


A produção de potenciais de acção pelo nódulo SA é responsável pelo automatismo e pela ritmicidade do coração.

pré-potencial. O sódio desencadeia a despolarização entrando Embora a maioria das células musculares cardíacas respon-
nas células através de canais especializados sem portão de volta- dam a potenciais de acção produzidos pelo nódulo SA, algumas
gem para o Na+. A diminuição da permeabilidade para o K+ tam- células cardíacas do sistema de condução podem gerá-los espon-
bém provoca a despolarização, na medida em que cada vez me- taneamente. Normalmente, o nódulo SA controla o ritmo cardía-
nos destes iões saem da célula. Em resultado da despolarização, co porque as suas células pacemaker geram potenciais de acção
os canais com portão de voltagem para o Ca2+ abrem e a movi- com uma frequência mais rápida do que as outras, assegurando
mentação destes iões para dentro das células pacemaker causa uma frequência cardíaca de 70-80 batimentos por minuto. Um
ainda mais despolarização. Quando o pré-potencial atinge o li- foco ectópico é qualquer porção do coração, à excepção do nó-
miar dá-se a abertura de muitos canais de Ca2+. Ao contrário das dulo SA, que gere um batimento cardíaco. Por exemplo, se o nó-
outras células do músculo cardíaco, a entrada do Ca2+ nas célu- dulo SA não funcionar correctamente, a parte do coração que
las pacemaker é a principal responsável pela fase de despolarização produz potenciais de acção a uma frequência mais próxima da-
do potencial de acção. Tal como nas restantes células do múscu- quela é o nódulo AV, que origina uma frequência cardíaca de 40
lo cardíaco, a repolarização ocorre quando os canais com portão a 60 batimentos por minuto. Outra causa de focos ectópicos é o
de voltagem para o Ca2+ fecham e os canais com portão de volta- bloqueio das vias de condução entre o nódulo SA e outras áreas
gem para o K+ abrem. Depois de o PMR ser restabelecido, a pro- do coração. Por exemplo, se os potenciais de acção não passarem
dução de outro pré-potencial dá início à geração do potencial de pelo nódulo AV, pode desenvolver-se um foco ectópico num ramo
acção seguinte. AV, originando uma frequência cardíaca de 30 batimentos por
minuto.
Fármacos que Bloqueiam os Canais de Cálcio Os focos ectópicos também aparecem quando a frequência
Há vários agentes químicos, como os iões de manganês (Mn2+) e o da geração de potenciais de acção no foco ectópico aumenta. Por
verapamil, que bloqueiam os canais com portão de voltagem para o exemplo, quando as células são lesadas, as membranas celulares
cálcio. Estes medicamentos impedem o movimento do Ca2+ para dentro tornam-se mais permeáveis, resultando em despolarização. Estas
da célula e, por essa razão, são chamados bloqueadores dos canais de células lesadas podem ser a fonte de potenciais de acção ectópicos.
cálcio. Alguns bloqueadores dos canais de cálcio são muito usados
clinicamente no tratamento de várias doenças cardíacas, incluindo a E X E R C Í C I O
taquicardia e certas arritmias. Eles atrasam o desenvolvimento do pré- Preveja quais as consequências para a eficácia da bomba cardíaca
-potencial e, por isso, reduzem a frequência cardíaca. Se os potenciais se numerosos focos ectópicos localizados nos ventrículos produzi-
de acção surgirem prematuramente no nódulo SA ou em outras áreas do rem potenciais de acção em simultâneo.
coração, os bloqueadores dos canais de cálcio reduzem essa tendência.
Os bloqueadores dos canais de cálcio também reduzem a quantidade
de trabalho realizado pelo coração porque entra, nas células muscula- Período Refractário do Músculo Cardíaco
res cardíacas, menos cálcio para activar o mecanismo de O músculo cardíaco, tal como o esquelético, tem um período
contractilidade. Por outro lado, a epinefrina e a norepinefrina aumentam refractário associado ao potencial de acção. Durante o período
a frequência e a força de contracção do coração porque abrem os canais refractário absoluto, a célula muscular cardíaca está completa-
com portão de voltagem para o cálcio.
mente insensível à estimulação e durante o período refractário
696 Parte 4 Regulação e Manutenção

Quadro 20.1 Principais Arritmias Cardíacas


Perturbações Sintomas Causas Possíveis
Ritmos Cardíacos Anormais
Taquicardia Frequência cardíaca superior a 100 batimentos/min Hipertermia; estimulação simpática excessiva;
situações tóxicas
Taquicardia auricular paroxística Aumento súbito da frequência cardíaca para 95-150 bat/ Estimulação simpática excessiva; permeabilidade
min durante poucos segundos ou mesmo várias anormalmente elevada dos canais lentos
horas; a onda P precede todos os complexos QRS;
onda P invertida e sobreposta na onda T
Taquicardia ventricular Frequentemente causa fibrilhação Muitas vezes associada a danos no nódulo AV ou
no músculo ventricular

Ritmos Anormais Resultantes de Potenciais de Acção Ectópicos


Flutter auricular 300 ondas P/min; 125 complexos QRS/min resultando Potenciais de acção ectópicos nas aurículas
em duas ou três ondas P (contracção auricular) por
cada complexo QRS (contracção ventricular)
Fibrilhação auricular Ausência de ondas P; complexos QRS normais; ocorrên- Potenciais de acção ectópicos nas aurículas
cia regular; ventrículos constantemente estimulados
pelas aurículas; redução da eficácia da bomba e do
tempo de enchimento
Fibrilhação ventricular Ausência de complexos QRS; ausência de contracções Potenciais de acção ectópicos nos ventrículos
rítmicas do miocárdio; muitos nódulos de músculo
ventricular contraindo de forma assíncrona

Bradicardia Frequência cardíaca inferior a 60 bat/min Volume de ejecção aumentado nos atletas;
estimulação vagal excessiva; síndroma do seio
carotídeo

Arritmia Sinusal Frequência cardíaca com variações de 5% durante o ciclo Causa nem sempre conhecida; ocasionalmente
respiratório e até 30% durante a respiração profunda causada por isquemia ou inflamação ou
associada à insuficiência cardíaca

Bloqueio do Nódulo SA Cessação da onda P; descida recente da frequência Isquemia; danos nos tecidos devido a enfarte;
cardíaca devido à actuação do nódulo AV como causa desconhecida
pacemaker; complexo QRS e onda T normais

Bloqueio do Nódulo AV
Primeiro grau Intervalo PR superior a 0,2 segundos Inflamação do feixe AV
Segundo grau Intervalo PR de 0,25-0,45 segundos; algumas ondas P Estimulação vagal excessiva
desencadeiam complexos QRS e outras não; podem
ocorrer rácios de onda P/complexos QRS de 2:1, 3:1 e
3:2
Bloqueio cardíaco completo Ondas P dissociadas do complexo QRS; ritmo auricular de Isquemia das fibras do nódulo AV ou compressão
aproximadamente 100 bat/min; ritmo ventricular do feixe AV
inferior a 40 bat/min

Extrassístoles Supra-Ventriculares Intervalos ocasionalmente encurtados entre uma Tabagismo excessivo; falta de sono; demasiado
contracção e a seguinte; frequentes em pessoas café; alcoolismo
saudáveis
Onda P sobreposta nos complexos QRS

Extrassístoles Ventriculares (ESV) Complexo QRS prolongado; voltagem exagerada porque Focos ectópicos nos ventrículos; falta de sono;
apenas um ventrículo pode despolarizar; onda T demasiado café; irritabilidade; ocasionalmente
invertida; aumento da probabilidade de fibrilhação ocorre associado a trombose coronária
SA = sino-auricular; AV = aurículo-ventricular.

relativo exibe sensibilidade reduzida à estimulação adicional. Electrocardiograma


Dado que a fase de planalto do potencial de acção no músculo A condução dos potenciais de acção através do miocárdio durante
cardíaco atrasa a repolarização para o PMR, o período refractá-
o ciclo cardíaco produz correntes eléctricas que podem ser medi-
rio é prolongado. Um período refractário longo assegura que,
das à superfície do corpo. Eléctrodos colocados na superfície do
depois da contracção, o relaxamento esteja quase completo an-
corpo e ligados a um equipamento apropriado podem detectar
tes de outro potencial de acção poder ser iniciado, prevenindo
pequenas variações de voltagem provocadas pelos potenciais de
assim contracções tetânicas do músculo cardíaco.
acção do músculo cardíaco. Os eléctrodos detectam a soma de to-
E X E R C Í C I O dos os potenciais de acção que são transmitidos através do coração,
Preveja quais as consequências, para o músculo cardíaco, de uma num dado tempo, e não potenciais de acção individuais. O registo
contracção tetânica. da soma dos potenciais de acção é um electrocardiograma (ECG).
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 697

O ECG não é a medição directa de eventos mecânicos do Complexo QRS


coração assim como não permite determinar a força da contrac-
ção nem a pressão arterial. Todavia, cada deflexão do traçado do R
ECG indica um acontecimento eléctrico ocorrido no coração que
tem relação directa com um subsequente acontecimento mecâ-
nico. Consequentemente, é um meio de diagnóstico extrema-
mente valioso para identificar inúmeras anomalias cardíacas
(quadro 20.1), particularmente porque é indolor, fácil de regis-
tar e não invasivo (significa que não necessita de métodos cirúr-
gicos). Frequências ou ritmos cardíacos anormais, vias de con-

(mV)
dução anormais, hipertrofia ou atrofia de parte do coração e a T
localização aproximada da área danificada do músculo cardíaco
P
podem ser determinadas pela análise de um ECG.
O ECG normal consiste em uma onda P, um complexo QRS
e uma onda T (figura 20.16). A onda P, que é o resultado de
potenciais de acção que causam a despolarização do miocárdio Q
auricular, assinala o início da contracção auricular. O complexo
QRS é composto de três ondas: a onda Q, a onda R e a onda S. O S
complexo QRS é originado pela despolarização ventricular e as-
sinala o início da contracção ventricular. A onda T representa a Intervalo PR Intervalo QT
repolarização dos ventrículos e precede o relaxamento ventricular. Tempo (segundos)
Uma onda representando a repolarização auricular não pode ser
visível porque ocorre durante o complexo QRS. Figura 20.16 Electrocardiograma
O tempo entre o início da onda P e o início do complexo São referenciadas as principais ondas e intervalos de um electrocardiograma.
QRS é o intervalo PQ, frequentemente chamado intervalo PR por- Cada linha horizontal representa um mV e cada linha vertical representa 0,04
que a onda Q é geralmente muito pequena. Durante o intervalo segundos.
PR, que dura aproximadamente 0,16 segundos, a aurícula contrai e
começa a relaxar. Os ventrículos começam a despolarizar no fim
do intervalo PR. O intervalo QT estende-se desde o início do com- 18. O que é que faz com que a despolarização das células
plexo QRS até ao final da onda T, dura aproximadamente 0,36 se- pacemaker seja diferente da das restantes células do
gundos e representa a duração aproximada do tempo necessário músculo cardíaco? O que é o pré-potencial?
para os ventrículos contraírem e começarem a relaxar. 19. Porque é que o músculo cardíaco tem um período refractá-
rio prolongado? Qual é a vantagem desta característica?
20. O que mede um ECG? Refira-se às ondas que o represen-
Alterações no Electrocardiograma
tam e enumere os eventos que ocorrem em cada uma.
O prolongamento do intervalo PR pode resultar de (1) um atraso na
condução do potencial de acção através do músculo da aurícula devido
a lesões, tais como as provocadas por isquemia, isto é, obstrução do
aporte de sangue às paredes do coração, (2) um atraso na condução do Ciclo Cardíaco
potencial de acção através do músculo da aurícula devido a dilatação
auricular, ou (3) um atraso na condução do potencial de acção através
Objectivos
do nódulo AV e do feixe de His, devido a isquemia, compressão ou ■ Descrever os cinco eventos do ciclo cardíaco que ocorrem
necrose. Todas estas situações provocam uma lenta condução dos durante a sístole e a diástole ventricular.
potenciais de acção nos ramos do feixe de His. Um intervalo QT ■ Explicar as bases dos principais sons cardíacos.
excessivamente longo reflecte a condução anormal dos potenciais de ■ Descrever a curva de pressão aórtica.
acção pelo ventrículo que pode surgir em resultado de um enfarte do
miocárdio ou de uma hipertrofia ventricular esquerda ou direita.
O coração corresponde, efectivamente, a duas bombas se-
São exemplos de alterações na forma do electrocardiograma paradas que trabalham em conjunto, uma na metade esquerda
devido a alterações cardíacas, ilustrados na figura 20.17, o bloqueio e outra na direita. Cada uma consiste de uma bomba de enchi-
cardíaco completo, as extrassístoles ventriculares, os bloqueios de mento – a aurícula – e outra de potência – o ventrículo. As
ramo e a fibrilhação auricular ou ventricular. bombas de enchimento auriculares completam o enchimento
dos ventrículos com sangue e as bombas de potência ven-
16. Relativamente aos potenciais de acção do músculo triculares produzem a principal força que origina a circulação
cardíaco, descreva o movimento de iões durante as fases do sangue pelas artérias pulmonares e sistémicas. O termo ciclo
de despolarização, repolarização inicial, planalto e cardíaco refere-se ao processo de bombagem repetitivo que ini-
repolarização final. Que iões estão associados aos canais cia com o começo da contracção muscular cardíaca e acaba com
rápidos e aos canais lentos? o início da próxima contracção (figuras 20.18 e 20.19). As varia-
17. Por que razão se diz que o músculo cardíaco tem ções de pressão produzidas dentro das câmaras cardíacas origi-
automatismo e ritmicidade? O que são focos ectópicos? nadas pela contracção muscular são responsáveis pelo fluxo do
698 Parte 4 Regulação e Manutenção

miocárdio ventricular. Todavia, quando os termos sístole e diástole


P P P P P P P P P P são usados, sem referência à câmara específica, dizem respeito
ao ventrículo.
Antes de considerar as particularidades do ciclo cardíaco, é
útil passar em revista os principais acontecimentos. Imediata-
mente antes do início da sístole, as aurículas e os ventrículos es-
tão relaxados, os ventrículos estão repletos de sangue, as válvulas
Bloqueio cardíaco completo (as ondas P e os complexos QRS não estão coordenados) semilunares estão encerradas e as válvulas AV estão abertas.
Quando a sístole começa, a contracção dos ventrículos aumenta
as pressões ventriculares, o que leva o sangue a refluir no sentido
ESV ESV
da aurícula fechando as válvulas AV. Enquanto a contracção pros-
segue, as pressões ventriculares continuam a subir mas nenhum
sangue sai do ventrículo porque todas as válvulas estão encerra-
das. A este breve intervalo chama-se período de contracção
isovolumétrica porque o volume de sangue nos ventrículos não
Extrassístoles ventriculares (ESV) (as ESV não são precedidas de ondas P) altera, embora estes se contraiam (ver figura 20.18 1). À medida
que os ventrículos continuam a contrair, as pressões ventriculares
Complexos QRS prolongados superam as pressões da artéria pulmonar e da aorta, o que leva a
que, durante o período de ejecção, as válvulas semilunares se-
jam forçadas a abrir e deixem o sangue sair dos ventrículos para
aquelas artérias (ver figura 20.18 2).
No início da diástole, os ventrículos relaxam e a pressão
ventricular cai abaixo das pressões da artéria pulmonar e da aorta.
Bloqueios de ramo Consequentemente, o sangue começa a refluir em direcção aos
ventrículos levando a que as válvulas semilunares fechem (ver
figura 20.18 3). Assim, todas as válvulas cardíacas ficam encerra-
das e nenhum sangue entra nos ventrículos durante o período
de relaxamento isovolumétrico.
No decurso da sístole ventricular e do período de relaxa-
mento isovolumétrico, as aurículas relaxam e recebem o sangue
proveniente das veias. Durante o relaxamento gradual dos
Fibrilhação auricular (ausência de ondas P óbvias e complexos QRS rápidos) ventrículos, as pressões ventriculares tornam-se inferiores às
auriculares, as válvulas AV abrem e o sangue flui das auriculares
para os ventrículos relaxados (ver figura 20.18 4). Em repouso, a
maior parte do enchimento ventricular é um processo passivo
que resulta da maior pressão do sangue nas veias e nas aurículas
que nos ventrículos completamente relaxados. A porção termi-
nal do enchimento ventricular é um processo activo que depen-
de do aumento da pressão auricular decorrente da contracção
Fibrilhação ventricular (ausência de ondas P, QRS ou T) das aurículas (ver figura 20.18 5). Durante o exercício, a con-
tracção das aurículas é mais importante para o enchimento
Figura 20.17 Exemplos de Alterações no Electrocardiograma ventricular porque, à medida que a frequência cardíaca aumen-
ta, o tempo para o enchimento passivo diminui.
sangue, já que este se move das áreas de alta pressão para as de
baixa pressão.
A duração do ciclo cardíaco varia consideravelmente de Eventos que Ocorrem Durante a Sístole
uma pessoa para outra e também durante a vida de um indiví- Ventricular
duo. Pode ser tão curto como 0,25 a 0,3 segundos num recém- A figura 20.19 exibe os principais eventos do ciclo cardíaco sob a
-nascido ou tão longo como 1 ou mais segundos num atleta bem forma de gráfico e deve ser analisada de cima para baixo para
treinado. O ciclo cardíaco normal, de 0,7 a 0,8 segundos, depen- cada período do ciclo cardíaco. O ECG indica os acontecimentos
de da capacidade contráctil do músculo cardíaco e da integrida- eléctricos que originam a contracção e o relaxamento das au-
de funcional do sistema de condução. rículas e dos ventrículos. O gráfico da pressão representa as varia-
O termo sístole significa contrair e diástole significa dila- ções de pressão que ocorrem na aurícula esquerda, no ventrículo
tar. A sístole auricular é a contracção do miocárdio auricular e esquerdo e na aorta em resultado da contracção e do relaxamento
a diástole auricular é o relaxamento do miocárdio auricular. das aurículas e dos ventrículos. Embora as variações da pressão
Do mesmo modo, a sístole ventricular é a contracção do mio- no coração direito não estejam representadas, elas são similares
cárdio ventricular e a diástole ventricular é o relaxamento do às do lado esquerdo, embora mais baixas. O gráfico do volume
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 699

Válvulas semilunares
Válvulas semilunares abertas
encerradas

Válvulas AV Válvulas AV
encerradas abertas

1. Sístole: Período de contracção isovolumétrica. 2. Sístole: Período de ejecção. A continuação da contracção


A contracção ventricular faz com que as válvulas ventricular força o sangue a sair dos ventrículos,
AV encerrem, o que representa o início da sístole causando a abertura das válvulas semilunares.
ventricular. As válvulas semilunares estavam encerradas
na diástole anterior e permanecem encerradas durante
este período.

Válvulas semilunares
Válvulas semilunares encerradas
encerradas

Válvulas AV
Válvulas AV encerradas
abertas

5. Diástole: Enchimento ventricular activo. 3. Diástole: Período de relaxamento isovolumétrico.


As aurículas contraem e completam O refluxo do sangue para os ventrículos relaxados faz
o enchimento ventricular. com que as válvulas semilunares encerrem, o que
representa o início da diástole ventricular.
Note-se que as válvulas AV também
estão encerradas.

Válvulas semilunares
encerradas

Válvulas AV
abertas
Figura 20.18 Ciclo Cardíaco
O ciclo cardíaco é composto de séries
repetidas de contracções e relaxamentos
que fazem circular o sangue através do
4. Diástole: Enchimento ventricular passivo. As válvulas AV abrem coração. Ver a figura 20.19 e o quadro
e o sangue passa para os ventrículos relaxados, contribuindo 20.2 para explicações e detalhes
para a maior parte do enchimento ventricular. adicionais. (AV=aurículo-ventricular)
700 Parte 4 Regulação e Manutenção

Sístole Diástole

Período de Período Período de Enchimento Enchimento


Períodos de tempo contracção de ejecção relaxamento ventricular ventricular
isovolumétrica isovolumétrico passivo activo

R R

T T
(mV)

P P

Q Q
Pressão
S sistólica S

120 Válvulas Válvulas


semilunares semilunares
encerram Válvulas encerram
Válvulas
100 semilunares semilunares
abrem abrem


Pressão (mm Hg)

80
dicrótico
Pressão
60 diastólica

40 Válvulas Válvulas
AV AV
encerram Válvulas Válvulas
encerram
20 AV abrem AV abrem

Volume tele- Volume


-diastólico tele-diastólico
125
Volume ventricular
esquerdo (ml)

90

55
Volume Volume
tele-sistólico tele-sistólico
Frequência do "som"
(ciclos/segundo)

Primeiro Segundo Terceiro Primeiro Segundo


som som som som som
cardíaco cardíaco cardíaco cardíaco cardíaco

Sístole Diástole Sístole

Figura 20.19 Eventos que Ocorrem Durante o Ciclo Cardíaco


O ciclo cardíaco divide-se em cinco períodos (ver topo da figura) sendo apresentado um gráfico para cada um. De cima para baixo, são ilustrados o
electrocardiograma; as variações da pressão na aurícula esquerda (linha azul), no ventrículo esquerdo (linha preta) e na aorta (linha vermelha); a curva de volume
ventricular esquerdo; e os sons cardíacos. Ver no quadro 20.2 explicações para estes eventos em cada período e a figura 20.18 para ilustração das válvulas e do
fluxo do sangue.
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 701

apresenta as variações do volume ventricular esquerdo quando as pressões ventriculares descem abaixo das pressões existentes
o sangue entra e sai do ventrículo em consequência das varia- na aorta e na artéria pulmonar, a retracção das paredes elásticas
ções de pressão. O gráfico dos sons regista o encerramento das das artérias, que estiveram distendidas durante o período de
válvulas provocado pelo fluxo sanguíneo. Veja também na figura ejecção, força o sangue a refluir para os ventrículos, o que deter-
20.18 a ilustração das válvulas e do fluxo sanguíneo e no quadro mina o encerramento das válvulas semilunares. O volume
20.2 o resumo dos eventos em cada período. ventricular não varia durante o período de relaxamento isovolu-
métrico porque durante esse tempo todas as válvulas cardíacas
Período de Contracção Isovolumétrica estão encerradas.
A conclusão do complexo QRS inicia a contracção dos
ventrículos. A pressão ventricular aumenta rapidamente, levan- Enchimento Ventricular Passivo
do ao encerramento das válvulas AV. Durante a diástole ven- Durante a sístole ventricular e o período de relaxamento isovo-
tricular anterior o ventrículo encheu com 120-130 ml de sangue, lumétrico, as aurículas relaxadas enchem de sangue. Quando a
o que é designado volume tele-diastólico. O volume ventricular pressão ventricular desce abaixo da auricular, as válvulas aurículo-
não varia durante o período de contracção isovolumétrica por- -ventriculares abrem e deixam o sangue passar das aurículas para
que durante esse tempo todas as válvulas cardíacas estão encer- os ventrículos. O sangue flui das áreas de maior pressão, as veias
radas. e as aurículas, para as de menor pressão, os ventrículos relaxa-
E X E R C Í C I O dos. A maior parte do enchimento ventricular ocorre durante a
Durante o período de contracção isovolumétrica, a contracção primeira terça parte da diástole ventricular. No fim do enchi-
cardíaca é isotónica ou isométrica? mento ventricular passivo, os ventrículos já atingiram cerca de
70% da sua capacidade.
Período de Ejecção E X E R C Í C I O
Logo que a pressão ventricular excede a da artéria pulmonar ou A fibrilhação define-se como a existência de contracções anormais
da aorta, as válvulas semilunares abrem. A válvula semilunar e rápidas em diferentes áreas do coração e que impedem o
aórtica abre a uma pressão ventricular aproximada de 80 mm músculo cardíaco de se contrair como uma unidade. Explique
Hg, ao passo que a válvula semilunar pulmonar abre a aproxi- porque razão a fibrilhação auricular não causa a morte imediata
madamente 25 mm Hg. Embora as pressões sejam diferentes, mas a fibrilhação ventricular pode fazê-lo.
ambas as válvulas abrem quase ao mesmo tempo.
Durante o tempo em que o sangue sai dos ventrículos, o
período de ejecção, a pressão ventricular esquerda continua a Enchimento Ventricular Activo
subir até 120 mm Hg, aproximadamente, e a pressão ventricular A despolarização do nódulo SA gera potenciais de acção que se
direita aumenta para, aproximadamente, 25 mm Hg. A maior propagam pelas aurículas, produzindo a onda P e estimulando
pressão ventricular esquerda faz com que o sangue circule por ambas a contraírem (sístole auricular). As aurículas contraem
todo o corpo (circulação sistémica), enquanto que a pressão durante a última terça parte da diástole ventricular e completam
ventricular direita faz com que o sangue circule pelos pulmões o enchimento ventricular.
(circulação pulmonar). Apesar de a pressão gerada pelo ventrículo
esquerdo ser muito mais elevada que a do direito, a quantidade Sons Cardíacos
de sangue bombeada por cada um é quase igual. Quando se usa um estetoscópio para auscultar os sons cardía-
E X E R C Í C I O cos, normalmente ouvem-se sons distintos (figuras 20.19 e 20.20).
Qual dos ventrículos tem uma parede mais espessa? Porque razão O primeiro som cardíaco é um som de baixa frequência, mui-
é tão importante que ambos os ventrículos bombeiem aproximada- tas vezes descrito como o som da palavra “lâb”. É causado pela
mente o mesmo volume de sangue? vibração provocada pelas válvulas aurículo-ventriculares e pelos
líquidos que as envolvem enquanto encerram, próximo do iní-
Durante a primeira parte da ejecção, o sangue flui rapida- cio da sístole ventricular. O segundo som cardíaco é um som de
mente para fora do ventrículo. Próximo do final da ejecção, o frequência mais alta, descrito muitas vezes como o som da pala-
fluxo de sangue torna-se muito pequeno, o que faz com que a vra “dâp”. Resulta do encerramento das válvulas semilunares,
pressão ventricular diminua apesar de a contracção prosseguir. aórtica e pulmonar, no início da diástole ventricular. Assim sen-
No fim da ejecção, o volume reduziu para 50-60 ml passando a do, a sístole corresponde aproximadamente ao tempo que me-
designar-se volume tele-sistólico. deia entre o primeiro e o segundo som cardíaco. A diástole, que
tem uma duração um tanto mais longa, situa-se aproximada-
Eventos que Ocorrem Durante a Diástole mente entre o segundo som cardíaco e o primeiro som cardíaco
seguinte.
Ventricular Ocasionalmente, um terceiro som cardíaco, causado pelo
Período de Relaxamento Isovolumétrico fluxo turbulento do sangue dentro dos ventrículos, pode ser de-
A onda T no ECG representa a repolarização e o relaxamento tectado perto do fim do primeiro terço da diástole. O terceiro
ventricular. A já reduzida pressão ventricular desce muito rapi- som cardíaco é normal, embora fraco, e é detectado mais facil-
damente quando, subitamente, os ventrículos relaxam. Quando mente em pessoas jovens e magras.
702 Parte 4 Regulação e Manutenção

Quadro 20.2 Resumo dos Eventos do Ciclo Cardíaco


Sístole Ventricular
Período de Contracção Isovolumétrica Período de Ejecção
Período de Tempo Os ventrículos começam a contrair mas o volume Os ventrículos continuam a contrair esvaziando-se de
ventricular não altera. sangue.

Estado das Válvulas Válvulas semilunares encerradas; válvulas AV encerradas Válvulas semilunares abertas; válvulas AV encerradas (ver
(ver figura 20.18 1). figura 20.18 2).

ECG O complexo QRS está concluído e os ventrículos A onda T resulta da repolarização ventricular.
despolarizados. Em consequência, estes começam a
contrair.
A repolarização auricular é camuflada pelo complexo
QRS. As aurículas estão relaxadas (diástole
auricular).

Gráfico da Pressão Auricular A pressão auricular diminui nas aurículas relaxadas. A pressão auricular aumenta gradualmente quando o
Quando é inferior à pressão venosa, o sangue entra sangue flui das veias para as aurículas relaxadas.
na aurícula.
A pressão auricular aumenta brevemente quando a
contracção ventricular leva o sangue a refluir para as
aurículas.

Gráfico da Pressão Ventricular A contracção ventricular provoca o aumento da pressão A pressão ventricular torna-se superior à pressão aórtica,
ventricular, levando o sangue a refluir para as à medida que os ventrículos continuam a contrair. As
aurículas, encerrando as válvulas AV. válvulas semilunares são forçadas a abrir pelo fluxo do
A pressão ventricular aumenta rapidamente. sangue que sai dos ventrículos.
A pressão ventricular atinge o seu pico durante a
contracção ventricular máxima; em seguida, a pressão
diminui quando o fluxo de saída ventricular também
diminui.

Gráfico da Pressão Aórtica Imediatamente antes de as válvulas semilunares Quando a contracção ventricular força o sangue a entrar
abrirem, a pressão aórtica diminui para o seu valor na aorta, a pressão aórtica aumenta para o seu valor
mínimo, denominado pressão diastólica (aproxima- máximo, denominado pressão sistólica (aproximada-
damente 80 mm Hg). mente 120 mm Hg).

Gráfico de Volume Durante o período de contracção isovolumétrica, o Depois de as válvulas semilunares abrirem, o volume de
volume ventricular não varia porque as válvulas AV e sangue diminui à medida que este sai dos ventrículos
semilunares estão fechadas. durante o período de ejecção.
A quantidade de sangue restante no ventrículo no fim do
período de ejecção chama-se volume tele-sistólico.

Gráfico de Som O fluxo do sangue das aurículas para os ventrículos


encerra as válvulas AV. A vibração destas e o fluxo
turbulento do sangue produzem o primeiro som
cardíaco, que marca o início da sístole ventricular.

Curva da Pressão Aórtica duplo; quando o aumento da pressão causado pela retracção é
As paredes elásticas da aorta são distendidas quando o sangue é grande, pode sentir-se um pulso duplo. O nó dicrótico também
ejectado do ventrículo esquerdo para a aorta. A pressão aórtica pode ser designado de incisura (um corte em). Em seguida, a
permanece ligeiramente abaixo da pressão ventricular durante pressão aórtica desce gradualmente durante o resto da diástole
este período de ejecção. Quando a pressão ventricular desce abai- ventricular, à medida que o sangue flui para os vasos periféricos.
xo da pressão aórtica, o sangue reflui para o ventrículo por causa Neste momento, a pressão aórtica cai para aproximadamente 80
da retracção elástica da aorta. Consequentemente, a válvula mm Hg e os ventrículos contraem novamente, forçando o san-
semilunar aórtica fecha e a pressão dentro da aorta aumenta li- gue uma vez mais para a aorta.
geiramente produzindo um nó dicrótico na curva da pressão A medição da pressão arterial realizada para fins clínicos
aórtica (ver figura 20.19). O termo dicrótico significa batimento reflecte mais as variações de pressão que ocorrem na aorta, do
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 703

Diástole Ventricular
Período de Relaxamento Isovolumétrico Enchimento Ventricular Passivo Enchimento Ventricular Activo
Os ventrículos relaxam mas o volume ventricular O sangue entra nos ventrículos porque a pressão A contracção das aurículas bombeia para os
não altera. sanguínea é mais elevada nas veias e nas ventrículos.
aurículas que nos ventrículos relaxados.

Válvulas semilunares encerradas; válvulas AV Válvulas semilunares abertas; válvulas AV Válvulas semilunares abertas; válvulas AV
encerradas (ver figura 20.18 3). encerradas (ver figura 20.18 4). encerradas (ver figura 20.18 5).

A onda T está concluída e os ventrículos A onda P é produzida quando o nódulo SA gera A onda P está concluída e as aurículas são
repolarizados. Os ventrículos relaxam. potenciais de acção e uma onda de estimuladas a contrair. Os potenciais de
despolarização começa a propagar-se pelas acção sofrem um atraso de 0,11 segundos
aurículas. no nódulo AV, dando tempo às aurículas
para se contraírem.
O complexo QRS começa quando os poten-
ciais de acção se propagam do nódulo AV
para os ventrículos.

A pressão auricular continua a aumentar Depois de as válvulas AV abrirem, a pressão A contracção auricular (sístole) provoca o
gradualmente à medida que o sangue flui auricular diminui quando o sangue flui das aumento da pressão auricular e o sangue é
das veias para as aurículas relaxadas. aurículas para os ventrículos relaxados. forçado a fluir das aurículas para os
ventrículos.

A retracção elástica da aorta força o refluxo do Não ocorrem variações significativas na pressão A contracção auricular (sístole) e o movimento
sangue para o coração, o que provoca o ventricular durante este período. do sangue para dentro dos ventrículos
encerramento das válvulas semilunares. provocam um ligeiro aumento na pressão
Depois do encerramento das válvulas ventricular.
semilunares, a pressão desce rapidamente
nos ventrículos a relaxar.

Depois de as válvulas semilunares fecharem, a A pressão aórtica diminui gradualmente quando A pressão aórtica diminui gradualmente
retracção elástica da aorta leva a um ligeiro o sangue passa da aorta para os outros vasos quando o sangue passa da aorta para os
aumento na pressão aórtica, produzindo o nó sistémicos. outros vasos sistémicos.
dicrótico ou incisura.

Durante o período de relaxamento Depois de as válvulas AV abrirem, o sangue flui A contracção auricular (sístole) completa o
isovolumétrico, o volume ventricular não das aurículas e veias para os ventrículos enchimento ventricular durante a última
varia porque as válvulas AV e semilunares devido a diferenciais de pressão. A maior terça parte da diástole.
estão encerradas. parte do enchimento ventricular ocorre
durante a primeira terça parte da diástole.
Durante o terço médio da diástole é mínimo o
enchimento ventricular.

O sangue que flui dos ventrículos para a aorta e Por vezes, o fluxo turbulento do sangue ao entrar A quantidade de sangue existente no
a artéria pulmonar encerra as válvulas nos ventrículos produz o terceiro som ventrículo no fim da diástole ventricular
semilunares. A vibração destas e o fluxo cardíaco. denomina-se volume tele-diastólico.
turbulento do sangue produzem o segundo
som cardíaco, que marca o início da diástole
ventricular.

AV = aurículo-ventricular

que no ventrículo esquerdo (ver capítulo 21). Assim, a pressão 23. Defina isovolumétrico. Quando ocorre a maior parte do
arterial na aorta oscila entre a pressão sistólica, que é cerca de enchimento ventricular?
120 mm Hg, e a diastólica, que é cerca de 80 mm Hg para a mé- 24. Defina volume tele-diastólico e volume tele-sistólico.
dia dos jovens adultos em repouso. 25. Diga que acontecimentos produzem o primeiro, o segundo
e o terceiro sons cardíacos.
21. Defina sístole e diástole.
26. Explique a produção, na aorta, da pressão sistólica, da
22. Enumere os cinco períodos do ciclo cardíaco e refira se as
pressão diastólica e do nó dicrótico ou incisura.
válvulas AV e semilunares estão abertas ou fechadas em
cada período.
704 Parte 4 Regulação e Manutenção

Perspectiva Clínica Sons Cardíacos Anormais

Os sons cardíacos fornecem importantes te depois do encerramento da válvula. Uma um som impetuoso imediatamente antes do
informações acerca das funções normais do válvula tricúspide ou bicúspide insuficiente primeiro som cardíaco, e uma válvula se-
coração e contribuem para o diagnóstico de provoca um som imediatamente após o primei- milunar estenosada provoca um som impe-
anomalias cardíacas. Os sons cardíacos ro som cardíaco, podendo abafá-lo. A incom- tuoso imediatamente antes do segundo som
anormais são chamados sopros, alguns dos petência das válvulas aórtica ou semilunar cardíaco.
quais são indicadores importantes de ano- pulmonar origina um som imediatamente após A inflamação das válvulas cardíacas, re-
malias cardíacas específicas. Por exemplo, o segundo som cardíaco. sultante de doenças como a febre reumáti-
uma válvula insuficiente é uma válvula que As válvulas estenosadas têm uma abertu- ca, pode fazer com que as válvulas fiquem
não fecha convenientemente. Depois do ra anormalmente estreita e também produzem insuficientes ou estenosadas. Além disso, os
fecho duma válvula insuficiente, o sangue sons cardíacos anormais. A circulação de san- enfartes do miocárdio que provocam dis-
passa através dela na direcção inversa. O gue através destas válvulas apresenta-se mui- função dos músculos papilares podem tor-
movimento de sangue numa direcção opos- to turbulenta, produzindo um som impetuoso nar as válvulas bicúspide e tricúspide insu-
ta à normal origina turbulência que provo- antes do fecho da válvula. Portanto, uma vál- ficientes.
ca um gorgolejar ou um silvo imediatamen- vula aurículo-ventricular estenosada origina

Pressão Arterial Média A pressão arterial média (PAM) corresponde à pressão


sanguínea média entre as pressões sistólica e diastólica, na aorta.
Objectivo É proporcional ao débito cardíaco (DC) vezes a resistência pe-
■ Descrever os factores que determinam a pressão arterial riférica (RP). O débito cardíaco, ou volume minuto, é a quan-
média. tidade de sangue bombeada pelo coração, por minuto, e a resis-
tência periférica corresponde à totalidade da resistência de en-
A pressão sanguínea é responsável pela circulação do san-
contro à qual o sangue é bombeado.
gue e, por isso, tem uma importância crítica para a manutenção
da homeostase no corpo humano. O sangue circula das áreas de PAM = DC ⫻ RP
maior pressão para as de menor pressão. Por exemplo, durante As variações do débito cardíaco e da resistência periférica
um ciclo cardíaco, a circulação sanguínea dá-se da aorta, em que (figura 20.21) podem alterar a pressão arterial média. O débito
a pressão é muito elevada, para a zona de baixa pressão que cons- cardíaco é abordado em pormenor neste capítulo mas a resis-
titui o ventrículo relaxado. tência periférica é explicada no capítulo 21.
O débito cardíaco é igual à frequência cardíaca vezes o vo-
lume de ejecção. A frequência cardíaca (FC) significa o núme-
ro de vezes que o coração se contrai (bate) por minuto. O volu-
me de ejecção (VE), ou volume de sangue que sai do coração
durante cada batimento cardíaco (ciclo cardíaco), é igual ao vo-
lume tele-diastólico menos o volume tele-sistólico. Durante a
Válvula diástole, o sangue passa das aurículas para os ventrículos e, nor-
semilunar
pulmonar malmente, o volume tele-diastólico aumenta para, aproximada-
mente, 125 ml. Depois de os ventrículos esvaziarem parcialmen-
Válvula te durante a sístole, o volume tele-sistólico desce para cerca de
semilunar aórtica
55 ml. O volume de ejecção é, então, de 70 ml (125-55).
Válvula Para compreender melhor o volume de ejecção, imagine
bicúspide
que colocou uma esponja sob uma fonte de água corrente. Quan-
do relaxa a mão, a esponja enche-se de água; quando os seus
dedos se contraem espremem a água da esponja embora, apesar
de a ter espremido, a esponja ainda fique com alguma água. Nes-
Válvula ta analogia, a quantidade de água espremida da esponja (volume
tricúspide de ejecção) corresponde à diferença entre a quantidade de água
Silhueta que estava na esponja quando a sua mão estava relaxada (volu-
cardíaca
me tele-diastólico) e a quantidade que lá permanece depois de a
espremer (volume tele-sistólico).
Figura 20.20 Localização das Válvulas Cardíacas no Tórax O volume de ejecção pode ser aumentado pelo aumento
Pontos de referência superficiais do coração masculino. A posição das quatro
do volume tele-diastólico ou pela diminuição do volume tele-
válvulas está indicada por elipses e os locais onde os respectivos sons são -sistólico (ver figura 20.21). Durante o exercício, o volume tele-
mais audíveis com o estetoscópio são representados por círculos cor-de-rosa. -diastólico aumenta em consequência do aumento do retorno
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 705

Diminuição da pressão arterial, diminuição do


Aumento da volémia, exercício,
pH sanguíneo, aumento do dióxido de carbono Ver no capítulo 21 a regulação
mudança da posição erecta
e diminuição do oxigénio sanguíneos, exercício dos vasos sanguíneos
e emoções para a de deitado

O aumento do retorno venoso


Aumento dos estímulos simpáticos, aumenta o volume tele-diastólico Aumento da vasoconstrição
diminuição dos estímulos parassimpáticos, e a pré-carga
aumento da secreção de epinefrina
e norepinefrina

O aumento da O aumento da força da


força da contracção contracção (lei do coração de
diminui o volume Starling) ejecta um volume
tele-sistólico tele-diastólico maior

Aumento da Aumento do débito Aumento do volume


frequência cardíaca cardíaco de ejecção Aumento da resistência periférica

Aumento da pressão arterial média

Figura 20.21 Factores que Afectam a Pressão Arterial Média


A pressão arterial média é regulada pelo controlo do débito cardíaco e da resistência periférica.

venoso, isto é, da quantidade de sangue, proveniente da circula- dade de vida. O exercício continuado pode melhorar grande-
ção periférica, que regressa ao coração. O volume tele-sistólico mente a reserva cardíaca através do aumento do débito cardíaco.
diminui porque o coração contrai com maior força. Por exem- Em atletas bem treinados, durante o exercício, o volume de
plo, o volume de ejecção pode aumentar desde o seu valor em ejecção pode aumentar para cerca de 200 ml/bat, o que permite
repouso, 70 ml, até ao valor de esforço de 115 ml, aumentando o atingir débitos cardíacos de 40 l/min ou mais.
volume tele-diastólico para 145 ml e diminuindo o tele-sistólico
27. Defina pressão arterial média, débito cardíaco e resistên-
para 30 ml.
cia periférica. Explique o papel da pressão arterial média
Em condições de repouso, a frequência cardíaca é de, apro-
no fluxo sanguíneo.
ximadamente, 72 batimentos por minuto e o volume de ejecção
28. Defina volume de ejecção e refira duas formas de o
é de 70 ml/batimento, embora estes valores possam variar consi-
aumentar.
deravelmente de pessoa para pessoa. Em resumo, o débito car-
29. O que é a reserva cardíaca? De que modo pode o exercício
díaco é:
continuado aumentá-la?
DC = FC ⫻ VE
= 72 bat/m ⫻ 70 ml/bat
= 5040 ml/min (aproximadamente 5 l/min)
Regulação do Coração
Durante o exercício, a frequência cardíaca pode aumentar
Objectivos
para 190 batimentos por minuto e o volume de ejecção pode
■ Descrever a regulação intrínseca do coração.
elevar-se para 115 ml. Consequentemente, o débito cardíaco é:
■ Descrever os mecanismos envolvidos na regulação
DC = 190 bat/m x 115 ml/bat extrínseca do coração.
= 21850 ml/min (aproximadamente 22 l/min)
Para manter a homeostase, a quantidade de sangue bom-
À diferença entre os valores do débito cardíaco em repouso beado pelo coração é submetida a variações drásticas. Por exem-
e do débito cardíaco máximo chama-se reserva cardíaca. Quanto plo, durante o exercício o débito cardíaco pode aumentar muitas
maior for a reserva cardíaca de uma pessoa, maior é a sua capa- vezes acima dos valores em repouso, sendo controlado por meca-
cidade para fazer exercício. A falta de exercício e as doenças car- nismos reguladores intrínsecos ou extrínsecos. A regulação in-
diovasculares podem reduzir a reserva cardíaca e afectar a quali- trínseca resulta de características funcionais normais do coração e
706 Parte 4 Regulação e Manutenção

não depende da regulação neural ou hormonal. Funciona, quer Regulação Extrínseca


o coração esteja colocado no corpo ou fora dele, desde que sob O coração é inervado por fibras nervosas parassimpáticas e sim-
condições adequadas. Por outro lado, a regulação extrínseca páticas (figura 20.22) que influenciam a bomba cardíaca afec-
envolve o controlo nervoso e hormonal. A regulação nervosa do tando a frequência cardíaca e o volume de ejecção. A influência
coração resulta dos reflexos parassimpáticos e simpáticos e a prin- da estimulação parassimpática sobre o coração é muito menor
cipal regulação hormonal advém da epinefrina e da norepine- que a simpática. A estimulação simpática pode aumentar o dé-
frina, segregadas pela medula supra-renal. bito cardíaco de 50% a 100% acima dos valores em repouso, ao
passo que a estimulação parassimpática pode diminui-lo apenas
Regulação Intrínseca de 10% a 20%.
A quantidade de sangue proveniente das veias que entra na A regulação extrínseca do coração funciona para manter a
aurícula direita durante a diástole chama-se retorno venoso. pressão arterial, os níveis de oxigénio e de dióxido de carbono e o
Quando o retorno venoso aumenta, o volume tele-diastólico do pH do sangue dentro dos valores normais. Por exemplo, se a pres-
coração também aumenta (ver figura 20.21). Quanto maior este são sanguínea diminuir subitamente, mecanismos extrínsecos de-
for, maior é a distensão das paredes ventriculares. A distensão a tectam-na e desencadeiam respostas que aumentam o débito car-
que as paredes ventriculares são sujeitas é, por vezes, chamada díaco para restabelecer os valores normais da pressão arterial.
de pré-carga. Um aumento da pré-carga causa um aumento do
débito cardíaco, enquanto a sua diminuição tem o efeito inverso. Controlo Parassimpático
O músculo cardíaco exibe uma relação comprimento- As fibras nervosas parassimpáticas chegam ao coração através
versus-tensão similar à do músculo esquelético. Todavia, enquan- dos nervos vagos. As fibras pré-ganglionares do nervo vago es-
to o músculo esquelético é distendido até próximo do seu com- tendem-se do tronco cerebral até aos gânglios terminais, situa-
primento máximo antes da contracção, as fibras musculares car- dos dentro da parede do coração, e as fibras pós-ganglionares
díacas não distendem até ao ponto em que contrairiam com a estendem-se desde os gânglios até ao nódulo SA, ao nódulo AV,
máxima força (ver capítulo 9). Portanto, um aumento da pré- aos vasos coronários e ao miocárdio auricular.
-carga provoca uma contracção mais forte das fibras musculares A estimulação parassimpática tem uma influência inibitó-
cardíacas e produz um maior volume de ejecção. Esta relação ria sobre o coração, principalmente através da diminuição da
entre a pré-carga e o volume de ejecção é geralmente referida frequência cardíaca. Em condições de repouso, a estimulação
como a lei de Starling do coração, a qual descreve a relação en- parassimpática contínua inibe o coração em pequeno grau. O
tre as variações na eficácia de bomba e as variações na pré-carga aumento da frequência cardíaca durante o exercício resulta, em
(ver figura 20.21). O retorno venoso pode descer a valores tão parte, da diminuição da estimulação parassimpática. Uma
baixos como 2 l/min ou aumentar até 24 l/min, o que tem gran- estimulação parassimpática forte pode diminuir a frequência
de influência sobre a pré-carga. cardíaca em 20 a 30 batimentos por minuto mas tem pouco im-
A pós-carga é a pressão que a contracção dos ventrículos pacto sobre o volume de ejecção. Realmente, se o retorno venoso
tem de produzir para superar a pressão na aorta e impulsionar o permanecer constante enquanto o coração é inibido pela
sangue para dentro desta. Embora a eficácia da bomba cardíaca estimulação parassimpática, o volume de ejecção pode até au-
seja grandemente influenciada por variações relativamente pe- mentar. Um aumento do tempo entre dois batimentos permite
quenas da pré-carga, é muito insensível a variações da pós-car- ao coração encher mais, resultando num aumento da pré-carga
ga, ainda que grandes. A pressão arterial na aorta tem de aumen- que, de acordo com a lei de Starling, aumenta o volume de ejecção.
tar para mais de 170 mm Hg antes de comprometer a capacida- A acetilcolina, um neurotransmissor produzido pelos
de bombeadora dos ventrículos. neurónios pós-ganglionares parassimpáticos, liga-se a canais com
Durante o exercício físico, os vasos sanguíneos dos múscu- portão de ligante que fazem com que, no coração, as membranas
los esqueléticos exercitados dilatam, permitindo o aumento do plasmáticas se tornem mais permeáveis aos iões de potássio.
fluxo sanguíneo através deles. O aumento do fluxo sanguíneo Como consequência, a membrana hiperpolariza e a frequência
aumenta o aporte de oxigénio e nutrientes aos músculos em exer- cardíaca diminui porque as membranas hiperpolarizadas levam
cício. Além disso, as contracções musculares comprimem repe- mais tempo a despolarizar e a originar um potencial de acção.
tidamente as veias e aumentam a velocidade com que o sangue
retorna ao coração. Como o sangue circula rapidamente através Controlo Simpático
dos músculos esqueléticos e retorna ao coração, o retorno veno- As fibras nervosas simpáticas têm origem na região torácica da
so para o coração aumenta, provocando um aumento na pré- medula espinhal, sob a forma de neurónios pré-ganglionares.
-carga que, por sua vez, aumenta a força contráctil do músculo Estes neurónios têm sinapses com neurónios pós-ganglionares
cardíaco e o volume de ejecção. O aumento do volume de ejecção de duas cadeias ganglionares simpáticas, a cervical e a torácica
origina um aumento do débito cardíaco e do volume de sangue superior, que se projectam para o coração como nervos cardía-
que flui para os músculos envolvidos no exercício. Quando em cos (ver figura 20.22 e capítulo 16). As fibras nervosas simpáti-
repouso, o retorno venoso para o coração diminui porque as ar- cas pós-ganglionares inervam os nódulos SA e AV, os vasos
térias existentes nos músculos esqueléticos se contraem e as con- coronários e o miocárdio auricular e ventricular.
tracções musculares deixam de comprimir repetidamente as veias. A estimulação simpática aumenta a frequência cardíaca e a
Como resultado, o fluxo sanguíneo nos músculos diminui, ori- força de contracção muscular. Em resposta a uma forte esti-
ginando a redução da pré-carga e do débito cardíaco. mulação simpática, a frequência cardíaca pode aumentar para
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 707

1. Os neurónios sensoriais (verde)


transportam os potenciais de acção Centro cardio-regulador
dos barorreceptores para o centro e quimiorreceptores no bulbo raquidiano
cardio-regulador. Os
quimiorreceptores do bulbo Fibras dos nervos
raquidiano influenciam o centro sensoriais
cardio-regulador. Barorreceptores
na parede da
2. O centro cardio-regulador controla a 1 carótida interna
frequência dos potenciais de acção Quimiorreceptores
nos neurónios parassimpáticos Fibras nos corpos carotídeos
(vermelho) que se dirigem ao dos nervos
coração. Os neurónios sensoriais Barorreceptores
parassimpáticos diminuem a aórticos
frequência cardíaca.
2 Fibras dos nervos parassimpáticos
3. O centro cardio-regulador controla a
frequência dos potenciais de acção
nos neurónios simpáticos (azul) que Nódulo sinusal
3 icos
se dirigem ao coração. Os neurónios Fibras dos nervos simpát
simpáticos aumentam a frequência
cardíaca e o volume de ejecção.
Coração
4. O centro cardio-regulador influencia Fibras simpáticas
a frequência dos potenciais de dirigem-se à glândula
acção nos neurónios simpáticos supra-renal
(azul) que se dirigem à medula
supra-senal. Os neurónios 4
simpáticos aumentam a secreção de Circulação
epinefrina e de alguma norepinefrina
Medula
para a circulação sistémica. A Epinefrina e norepinefrina
supra-renal
epinefrina e a norepinefrina
aumentam a frequência cardíaca e o
volume de ejecção.

(Processo) Figura 20.22 Reflexos Barorreceptores e Quimiorreceptores


Os nervos sensoriais (verde) transportam os potenciais de acção dos receptores sensoriais para o bulbo raquidiano. Os nervos simpático (azul) e o parassimpático
(vermelho) saem da medula espinhal ou do bulbo raquidiano e estendem-se até ao coração para regular a sua função. A epinefrina e a norepinefrina, produzidas
pela glândula supra-renal, também contribuem para regular a acção do coração.

250 ou, ocasionalmente, 300 batimentos por minuto. Contrac- ção ventricular a um nível cerca de 20% mais elevado do que
ções mais fortes podem, também, aumentar o volume de ejecção. seria sem estimulação simpática.
O aumento da força de contracção resultante da estimulação sim- A norepinefrina, um neurotransmissor simpático pós-
pática origina um volume tele-sistólico mais baixo no coração; -ganglionar, aumenta a frequência e o grau de despolarização do
por isso, o coração esvazia mais (ver figura 20.21). músculo cardíaco de forma que tanto a frequência como a am-
plitude dos potenciais de acção aumentam. O efeito da norepine-
E X E R C Í C I O
frina no coração envolve a associação entre a norepinefrina e os
Qual o efeito da estimulação simpática sobre o volume de ejecção
receptores beta-adrenérgicos da superfície celular. Esta combi-
se o retorno venoso permanecer constante? A estimulação
nação provoca a síntese da proteína G e acumulação da adenosina
simpática do coração também provoca dilatação dos vasos
monofosfato ciclíca (AMPc) no citoplasma das células muscula-
coronários. Explique a vantagem funcional de tal efeito.
res cardíacas. A AMPc aumenta a permeabilidade da membrana
Não obstante, existem limitações à relação entre o aumen- celular aos iões de cálcio, principalmente através da abertura dos
to da frequência e do débito cardíaco. Se a frequência cardíaca canais lentos de cálcio na membrana celular.
ficar demasiado rápida, a diástole não dura o suficiente para per-
mitir o enchimento ventricular completo, diminuindo o volume Controlo Hormonal
tele-diastólico e o volume de ejecção. Além disso, se a frequência A epinefrina e a norepinefrina, libertadas pela medula supra-
cardíaca aumentar acima de um nível crítico, a força de contrac- -renal, têm uma grande influência sobre a eficácia da bomba car-
ção diminui, provavelmente em resultado da acumulação de díaca. Essencialmente, ambas têm o mesmo efeito sobre o mús-
metabolitos nas células do músculo cardíaco. O limite da capa- culo cardíaco, aumentando a frequência e a força de contracção
cidade do coração para aumentar o volume do sangue bombea- do coração (ver figura 20.21). A secreção da epinefrina e da
do é de 170 a 250 bat/min em resposta à estimulação simpática norepinefrina pela medula supra-renal é controlada pela
intensa. estimulação da medula e ocorre em resposta ao aumento da ac-
A estimulação simpática do miocárdio ventricular tem um tividade física, excitação emocional, ou condições de stress. Mui-
papel significativo na regulação da força de contracção durante tos dos estímulos que aumentam a estimulação simpática do
o repouso. A estimulação simpática mantém a força da contrac- coração também aumentam a libertação da epinefrina e da
708 Parte 4 Regulação e Manutenção

norepinefrina pela glândula supra-renal (ver capítulo 18). Estas nuir é o centro cardio-inibidor. Os potenciais de acção eferentes
hormonas são transportadas, pelo sangue, até às células muscu- são enviados pelo centro cardio-regulador para o coração, atra-
lares cardíacas, onde se ligam aos receptores beta-adrenérgicos e vés das divisões simpática e parassimpática do sistema nervoso
estimulam a síntese da AMPc. A epinefrina leva mais tempo a autónomo.
actuar no coração que a estimulação simpática, mas os seus efei- O aumento da pressão dentro das artérias carótida interna
tos são mais duradouros. e aorta provoca uma distensão das suas paredes, levando a um au-
mento da frequência dos potenciais de acção nos barorrecepto-
30. Defina o termo retorno venoso e explique de que modo ele
res (figura 20.23). Com pressões arteriais normais (80 a 120 mm
afecta a pré-carga. Como é que a pré-carga interfere com o
Hg), são enviados potenciais de acção aferentes, dos barorrecep-
débito cardíaco? Enuncie a lei de Starling do coração.
tores para o bulbo raquidiano, a uma frequência relativamente
31. Defina o termo pós-carga e descreva o seu efeito sobre a
constante. Quando a pressão arterial aumenta, as paredes arte-
eficácia da bomba cardíaca.
riais distendem-se ainda mais e a frequência dos potenciais de
32. Que parte do cérebro regula o coração? Descreva a sua
acção aferentes aumenta. Quando a pressão arterial diminui, as
inervação autónoma.
paredes arteriais distendem menos e a frequência dos potenciais
33. Qual é o efeito das estimulações parassimpática e
de acção aferentes diminui. Em resposta ao aumento da pressão
simpática sobre a frequência cardíaca, a força contráctil e
arterial, os reflexos barorreceptores diminuem a estimulação sim-
o volume de ejecção?
pática e aumentam a parassimpática a nível do coração, causan-
34. Que neurotransmissores são libertados pelos neurónios
do uma diminuição da frequência cardíaca. A diminuição da
pós-ganglionares parassimpáticos e simpáticos do
pressão arterial provoca, no coração, o aumento da estimulação
coração? Que efeitos têm sobre a permeabilidade e a
simpática e a diminuição da parassimpática, resultando num
excitabilidade da membrana?
aumento da força de contracção e da frequência cardíaca. A ces-
35. Enumere as duas principais hormonas que têm efeito
sação da estimulação parassimpática é a principal responsável
sobre o coração. Diga onde são produzidas, o que causa a
por elevações da frequência cardíaca até cerca de 100 bat/min.
sua libertação e que efeitos têm sobre o coração.
Aumentos superiores, especialmente durante o exercício, resul-
tam de estímulos simpáticos. Os reflexos barorreceptores são
homeostáticos porque mantêm a pressão arterial dentro de uma
Coração e Homeostase estreita gama de valores, adequada para manter o fluxo sanguí-
Objectivo neo para os tecidos.
■ Descrever os principais factores que ajudam a manter a
homeostase através da regulação da actividade cardíaca.
Efeitos do pH, do Dióxido de Carbono e do
A eficiência contráctil do coração tem um importante pa- Oxigénio
pel na manutenção da homeostase. A pressão do sangue nos va- Os reflexos quimiorreceptores ajudam a regular a actividade
sos sistémicos deve ser mantida a um nível tal que o fluxo san- cardíaca. No bulbo raquidiano existem quimiorreceptores sen-
guíneo seja suficiente para fornecer os nutrientes e recolher os síveis a variações dos níveis de pH e dióxido de carbono. Uma
produtos de degradação através das paredes dos capilares, de diminuição no pH e um aumento no dióxido de carbono dimi-
modo a satisfazer as necessidades metabólicas. A actividade do nuem a estimulação parassimpática e aumentam a simpática do
coração tem de ser regulada porque a função metabólica dos te- coração, originando um aumento da frequência e da força de
cidos varia de acordo com condições como o exercício e o re- contracção do coração (figura 20.24).
pouso. O aumento do débito cardíaco origina um maior fluxo san-
guíneo através dos pulmões, onde o dióxido de carbono é elimi-
Efeitos da Pressão Arterial nado, o que ajuda a baixar os níveis de dióxido de carbono para
Os reflexos barorreceptores detectam variações na pressão ar- valores normais e a aumentar o pH sanguíneo.
terial originando alterações na frequência e na força de contrac- Nos corpos carotídeos e aórtico existem quimiorreceptores
ção do coração. Os receptores sensoriais dos reflexos barorrecep- particularmente sensíveis às variações nos níveis de oxigénio no
tores são receptores de estiramento ou elásticos. Encontram-se sangue. Estas pequenas estruturas estão localizadas próximo das
nas paredes de certas artérias de grande calibre, tais como a grandes artérias, junto do cérebro e do coração, e controlam o san-
carótida interna e a aorta, tendo como função medir a pressão gue que se dirige para o cérebro e para as restantes partes do corpo.
arterial (ver figura 20.22). A anatomia destas estruturas sensori- Os reflexos quimiorreceptores dos corpos carotídeos e aórtico são
ais e os seus trajectos aferentes são descritos no capítulo 21. activados quando os níveis de oxigénio no sangue diminuem dras-
Os neurónios aferentes projectam-se principalmente atra- ticamente, como ocorre durante a asfixia. Em experiências cuida-
vés dos nervos glossofaríngeo (IX par craniano) e vago (X par dosamente controladas é possível isolar os efeitos dos reflexos qui-
craniano) desde os barorreceptores até uma área do bulbo miorreceptores dos corpos carotídeos e aórtico de outros, tais como
raquidiano, denominada centro cardio-regulador, onde estão os reflexos quimiorreceptores bulbares. Estas experiências indicam
integrados potenciais de acção sensoriais (ver figura 20.22). A que a diminuição do oxigénio no sangue resulta numa diminuição
parte do centro cardio-regulador que faz aumentar a frequência da frequência cardíaca e num aumento da vasoconstrição. O au-
cardíaca chama-se centro cardio-acelerador e a que a faz dimi- mento da vasoconstrição eleva a pressão arterial, assegurando a
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 709

• A diminuição da frequência cardíaca e do


O centro cardio-regulador aumenta a volume de ejecção resultam de alterações
dos estímulos do SNA sobre o coração.
estimulação parassimpática do coração
e diminui a estimulação simpática • A diminuição da frequência cardíaca e do
do coração e da medula supra-renal. volume de ejecção resultam da diminuição da
libertação de epinefrina e norepinefrina pela
medula supra-renal.

Um aumento súbito da pressão arterial A pressão arterial diminui devido à diminuição


é detectado pelos barorreceptores do débito cardíaco resultante da diminuição da
na carótida interna e na aorta, o que frequência cardíaca e do volume de ejecção.
afecta o reflexo barorreceptor.

A pressão arterial
(valores normais)

(valores normais)
Pressão arterial

aumenta

Pressão arterial
A homeostase
(equilíbrio) da
pressão arterial
é mantida
A pressão arterial
diminui

Uma diminuição súbita da pressão arterial A pressão arterial aumenta devido ao aumento
é detectada pelos barorreceptores do débito cardíaco resultante do aumento da
na carótida interna e na aorta, frequência cardíaca e do volume de ejecção.
o que afecta o reflexo barorreceptor.

• O aumento da frequência cardíaca e do volume de


O centro cardio-regulador diminui ejecção resultam de alterações dos estímulos do
a estimulação parassimpática do coração SNA sobre o coração.
e aumenta a estimulação simpática • O aumento da frequência cardíaca e do volume de
do coração e da medula supra-renal. ejecção resultam do aumento da libertação de
epinefrina e norepinefrina pela medula supra-renal

(Homeostase) Figura 20.23 Reflexo Barorreceptor


O reflexo barorreceptor mantém a homeostase em resposta a alterações da pressão arterial (SNA = sistema nervoso autónomo).

distribuição do sangue apesar da diminuição da frequência cardía- localizados. Os potenciais de acção aferentes provenientes desses
ca. Os reflexos quimiorreceptores dos corpos carotídeos e aórtico receptores influenciam o centro cardio-regulador, com consequente
permitem ao coração funcionar a um nível mínimo durante um aumento da frequência cardíaca. Os reduzidos níveis de oxigénio
certo tempo, reduzindo-lhe a frequência e, consequentemente, as que existem a grandes altitudes podem originar um aumento na
necessidades de oxigénio. Os reflexos quimiorreceptores dos cor- frequência cardíaca, mesmo quando os níveis de dióxido de carbo-
pos carotídeos e aórtico não funcionam independentemente de no permanecem baixos. Os reflexos quimiorreceptores dos corpos
outros mecanismos reguladores. Uma diminuição grande e pro- carotídeos e aórtico são mais importantes para a regulação da ven-
longada nos níveis de oxigénio no sangue estimula os quimiorre- tilação (ver capítulo 23) e da vasoconstrição (ver capítulo 21) que
ceptores dos corpos carotídeos e aórtico, activando outros meca- para a regulação da frequência cardíaca.
nismos reguladores. Quando todos os mecanismos reguladores fun-
cionam em conjunto, o efeito de grandes e prolongadas descidas Efeitos da Concentração Iónica Extracelular
dos níveis de oxigénio no sangue reflecte-se num aumento da fre- Os iões que afectam a função do músculo cardíaco são os mes-
quência cardíaca. Os reduzidos níveis de oxigénio levam a uma mos (potássio, cálcio e sódio) que influenciam os potenciais de
maior estimulação dos movimentos respiratórios (ver capítulo 23). membrana noutros tecidos excitáveis electricamente. Todavia,
A hiperinsuflação dos pulmões estimula os receptores elásticos aí há alguma diferença entre a resposta do músculo cardíaco e a
710 Parte 4 Regulação e Manutenção

• A diminuição da frequência cardíaca e do volume de


O centro cardio-regulador aumenta a ejecção resultam de alterações dos estímulos do SNA
estimulação parassimpática do coração e sobre o coração.
diminui a estimulação simpática do coração e • A diminuição da frequência cardíaca e do volume de
da medula supra-renal. ejecção resultam da diminuição da libertação de
epinefrina e norepinefrina pela medula supra-renal.

A diminuição no pH sanguíneo (causada por aumento


Um aumento no pH sanguíneo (possivelmente dos níveis de CO2) resulta da diminuição do fluxo de
causado por redução dos níveis de CO2) é sangue aos pulmões. Essa diminuição do fluxo resulta
detectado pelos quimiorreceptores no bulbo da diminuição do débito cardíaco causada pela
raquidiano, o que afecta o reflexo quimiorreceptor. diminuição da frequência cardíaca e do volume
de ejecção.
(valores normais)

O pH sanguíneo aumenta

(valores normais)
pH sanguíneo

pH sanguíneo
A homeostase
(equilíbrio) do
pH sanguíneo
é mantida
O pH sanguíneo diminui

O pH sanguíneo aumenta (causado por redução dos


Uma diminuição súbita no pH sanguíneo
níveis de CO2) devido ao aumento do fluxo de
(possivelmente causado por elevação dos níveis de
sangue aos pulmões. Esse aumento resulta do
CO2) é detectada pelos quimiorreceptores no bulbo
aumento do débito cardíaco causado pelo aumento
raquidiano, o que afecta o reflexo quimiorreceptor.
da frequência cardíaca e do volume de ejecção.

• O aumento da frequência cardíaca e do volume de


O centro cardio-regulador diminui ejecção resultam de alterações dos estímulos do
a estimulação parassimpática do coração SNA sobre o coração.
e aumenta a estimulação simpática do coração • O aumento da frequência cardíaca e do volume de
e da medula supra-renal. ejecção resultam do aumento da libertação de
epinefrina e norepinefrina pela medula supra-renal.

(Homeostase) Figura 20.24 Reflexo Quimiorreceptor-pH


O reflexo quimirorreceptor mantém a homeostase em resposta a alterações das concentrações de CO2 e H+ (SNA = sistema nervoso autónomo).

dos tecidos nervoso ou muscular a esses iões. Por exemplo, os reduzida dos potenciais de acção também provoca uma dimi-
níveis extracelulares de sódio raramente se desviam o suficiente nuição na entrada de cálcio no sarcoplasma da célula; assim, a
do valor normal para afectarem significativamente a função do força de contracção do músculo cardíaco diminui.
músculo cardíaco. Embora a concentração extracelular dos iões de potássio
Iões de potássio em excesso no tecido cardíaco reduzem a normalmente seja pequena, uma diminuição no potássio
frequência cardíaca e o volume de ejecção. Uma duplicação dos extracelular origina uma diminuição na frequência cardíaca por-
iões de potássio extracelular causa um bloqueio cardíaco, que é que o PMR fica hiperpolarizado; como consequência, a mem-
a perda da condução funcional dos potenciais de acção através brana necessita de mais tempo para despolarizar até ao limiar.
do sistema de condução cardíaco. O excesso de potássio no lí- Ainda assim, a força de contracção não é afectada.
quido extracelular provoca a despolarização parcial do PMR, Um aumento na concentração extracelular dos iões de cál-
resultando numa diminuição da amplitude dos potenciais de cio produz um aumento na força de contracção cardíaca devido
acção e da velocidade com que são conduzidos ao longo das fi- a um maior fluxo de cálcio para o sarcoplasma durante a gera-
bras musculares. À medida que a velocidade de condução dimi- ção dos potenciais de acção. Uma elevação dos níveis plasmáticos
nui, podem ocorrer potenciais de acção ectópicos. A amplitude de cálcio tem um efeito indirecto na frequência cardíaca, porque
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 711

reduz a frequência dos potenciais de acção nas fibras nervosas, sultante do aumento da rigidez das paredes das grandes artérias. As
reduzindo assim a estimulação simpática e parassimpática do células do miocárdio acumulam lípidos e as fibras de colagénio
coração (ver capítulo 11). Geralmente, níveis de cálcio elevados aumentam no tecido cardíaco. Estas alterações tornam o tecido
reduzem a frequência cardíaca. cardíaco menos elástico. O aumento de volume de ventrículo es-
Uma queda dos níveis de cálcio no sangue aumenta a fre- querdo pode conduzir, por vezes, ao aumento da pressão na aurícula
quência cardíaca, embora o efeito seja imperceptível até que aque- esquerda e nos capilares pulmonares. Esta situação pode conduzir
les sejam reduzidos para aproximadamente um décimo do seu a edema pulmonar e a uma tendência para que as pessoas sintam
valor normal. A redução dos níveis extracelulares de cálcio pro- dificuldade respiratória quando fazem esforços violentos.
voca a abertura dos canais de sódio, permitindo um rápida difu- Dá-se uma descida gradual na frequência cardíaca máxima, a
são dos iões de sódio para dentro da célula, originando a des- qual pode ser estimada grosseiramente pela fórmula seguinte: Fre-
polarização e geração de potenciais de acção. Todavia, níveis de quência cardíaca máxima = 220 – idade do indivíduo. Existe, tam-
cálcio baixos podem causar a morte em resultado da tetania dos bém, um aumento na taxa com que o ATP é utilizado pelo músculo
músculos esqueléticos, antes que diminuam o suficiente para cardíaco e uma diminuição na taxa de transporte de Ca2+. Pelo con-
influenciar substancialmente a função cardíaca. trário, dá-se uma diminuição na taxa máxima com que o músculo
cardíaco consegue realizar o metabolismo aeróbio. Adicionalmen-
Efeitos da Temperatura Corporal te, existe uma diminuição no grau com que a epinefrina e a
Sob condições de repouso, a temperatura do músculo cardíaco não norepinefrina conseguem aumentar a frequência cardíaca. Estas
costuma variar muito nos seres humanos, embora as alterações da alterações são consistentes com tempos de contracção e relaxamento
temperatura influenciem a frequência cardíaca. Um pequeno au- mais prolongados e com a diminuição da frequência cardíaca má-
mento na temperatura do músculo cardíaco provoca um aumento xima. Tanto o débito cardíaco em repouso como máximo diminu-
na frequência e uma diminuição na temperatura provoca um efei- em lentamente à medida que as pessoas envelhecem e, por volta
to inverso. Por exemplo, durante o exercício ou febre, a frequência dos 85 anos, aquele pode ter reduzido entre 30 e 60%.
cardíaca e a força de contracção acompanham o aumento da tem- Em consequência do envelhecimento, também ocorrem alte-
peratura, mas a frequência cardíaca diminui sob condições de rações a nível do tecido conjuntivo das válvulas cardíacas. Este per-
hipotermia. Durante a cirurgia cardíaca, algumas vezes a tempera- de flexibilidade e adquire mais depósitos de Ca2+. O resultado é
tura do corpo é reduzida drasticamente para diminuir a frequência uma maior tendência para anomalias valvulares, especialmente a
cardíaca e outras funções metabólicas do corpo. nível da válvula aórtica que tende a estenosar, embora outras, como
a bicúspide, também possam ficar estenosadas ou insuficientes.
36. Como é que o sistema nervoso detecta e responde (a) a A atrofia e substituição das células do ramo esquerdo do
diminuições da pressão arterial, (b) ao aumento dos níveis feixe de His e a diminuição do número de células no nódulo SA
de dióxido de carbono, (c) a diminuições do pH sanguíneo
alteram o sistema de condução eléctrica do coração e favorecem
e (d) a diminuições dos níveis de oxigénio?
uma maior incidência de arritmias nos idosos.
37. Descreva o reflexo barorreceptor e a resposta do coração a
um aumento do retorno venoso. O músculo cardíaco, dilatado e espessado, especialmente
38. Que efeitos têm aumentos ou diminuições dos iões de no ventrículo esquerdo, consome mais oxigénio para bombear a
potássio, cálcio e sódio sobre a frequência cardíaca e a mesma quantidade de sangue do que aquele que seria consumi-
força contráctil do coração? do por um coração mais jovem. Esta alteração não é significati-
39. Que efeito tem a temperatura sobre a frequência cardíaca? va, excepto se a circulação coronária estiver afectada por doença
das coronárias. Não obstante, o desenvolvimento de doença
Efeitos do Envelhecimento sobre o coronária é, também ele, relacionado com a idade. A insuficiên-
cia cardíaca congestiva também é uma doença relacionada com
Coração a idade, já que, aproximadamente, 10% dos idosos com mais de
80 anos padecem desta doença cujo principal factor causal é a
Objectivo doença coronária. Devido a estas alterações cardíacas relacionadas
■ Enunciar as principais alterações cardíacas relacionadas com a idade, muitos idosos vêem limitada a sua capacidade para
com o envelhecimento. lidarem com emergências, infecções, perda de sangue ou stress.
O envelhecimento provoca alterações graduais na função O exercício tem muitos efeitos benéficos para o coração. O
cardíaca, pouco importantes em situações de repouso mas mais exercício aeróbio regular melhora a capacidade funcional do
significativas quando em resposta ao esforço e quando surgem coração em qualquer idade, dificultando o desenvolvimento de
doenças associadas à idade. Os mecanismos que regulam o cora- doenças que fazem com que a sobrecarga cardíaca seja lesiva.
ção compensam eficazmente a maioria das alterações quando 40. Explique de que modo as alterações relacionadas com o
em situação de repouso. envelhecimento afectam a função ventricular esquerda.
A hipertrofia ventricular esquerda é um problema frequente- 41. Descreva as alterações na frequência cardíaca relaciona-
mente associado ao envelhecimento que parece resultar de um au- das com o envelhecimento.
mento gradual da pressão aórtica, contra a qual o ventrículo es- 42. Descreva de que modo o envelhecimento afecta a função
querdo tem de bombear o sangue, e a um aumento gradual da rigi- do sistema de condução e as válvulas cardíacas.
dez do tecido muscular do coração. O aumento da pressão aórtica 43. Descreva o efeito de duas doenças cardíacas relacionadas
é consequência da diminuição gradual da elasticidade da aorta re- com o envelhecimento sobre as funções do coração.
712 Parte 4 Regulação e Manutenção

Perspectiva Clínica Situações e Doenças que Afectam o Coração

Inflamação do Tecido Cardíaco farte do miocárdio. A evolução da trombose Considera-se uma válvula cardíaca
A endocardite é a inflamação do endo- coronária depende da extensão da lesão no insuficiente quando deixa passar sangue en-
cárdio. Afecta com maior gravidade as vál- músculo cardíaco causada pelo inadequado quanto está fechada. Nesse caso, a sobre-
vulas que outras zonas do coração e pode fluxo de sangue e da existência de outros va- carga cardíaca aumenta porque as válvulas
levar à formação de tecido cicatricial origi- sos que possam fornecer o sangue suficiente insuficientes reduzem a eficácia da bomba
nando estenose ou insuficiência valvular. para manter a função cardíaca. A morte pode cardíaca. Por exemplo, quando a válvula
A miocardite é uma inflamação do ocorrer rapidamente se o enfarte for extenso; aórtica é insuficiente, deixa refluir o sangue
miocárdio que pode levar à insuficiência se este for pequeno, o coração pode manter a para o ventrículo durante a diástole fazendo
cardíaca. sua função. Na maioria dos casos, há forma- com que o enchimento ventricular seja su-
A pericardite é a inflamação do peri- ção de tecido cicatricial que substitui o mús- perior ao normal. Devido à lei de Starling do
cárdio. As pericardites podem resultar de culo cardíaco danificado na área do enfarte. coração, este enchimento excessivo aumen-
infecções virais ou bacterianas e serem ex- As pessoas que sobrevivem aos enfartes ta o volume de ejecção. A pressão produzi-
tremamente dolorosas. podem ter uma vida razoavelmente normal se da pela contracção ventricular e a pressão
A doença cardíaca reumática pode resul- tomarem precauções como exercício modera- aórtica são superiores às normais durante a
tar de uma infecção estreptocócica nos jo- do, repouso adequado, dieta disciplinada e re- sístole ventricular. No entanto, a pressão
vens. As toxinas produzidas pelas bactérias dução do stress. aórtica diminui muito rapidamente à medi-
podem originar uma reacção imunitária cha- da que o sangue reflui para o ventrículo es-
mada febre reumática, cerca de 2 a 4 sema- Doenças Congénitas do Coração querdo durante a diástole.
nas depois da infecção. A reacção imunitária A cardiopatia congénita é o resultado do Uma válvula bicúspide insuficiente per-
pode causar inflamação do endocárdio, cha- anormal desenvolvimento cardíaco. Os defei- mite o refluxo do sangue do ventrículo para
mada endocardite reumática. As válvulas in- tos congénitos mais comuns são os seguintes: a aurícula esquerda durante a sístole
flamadas, especialmente a bicúspide, O defeito do septo é um orifício no septo ventricular. Isto aumenta a pressão na au-
podem ficar estenosadas ou insuficientes. O estabelecendo a comunicação entre os lados rícula esquerda e nas veias pulmonares, de
tratamento eficaz da infecção estreptocócica esquerdo e direito do coração, podendo ser in- que resulta edema pulmonar. Por outro lado,
com antibióticos tem reduzido a incidência ter-auricular ou interventricular. Estes defeitos o volume de ejecção do ventrículo esquer-
da doença cardíaca reumática. permitem que o sangue circule de um lado para do fica reduzido, o que provoca a diminui-
o outro do coração o que, consequentemente, ção da pressão arterial sistémica. De um
Diminuição do Aporte de Sangue ao reduz muito a eficiência da bomba cardíaca modo idêntico, uma válvula tricúspide insu-
Músculo Cardíaco (ver capítulo 29). ficiente permite o refluxo do sangue para a
A doença coronária reduz a quantidade de A persistência do canal arterial acontece aurícula direita e veias sistémicas, causan-
sangue que as artérias coronárias são ca- quando um vaso sanguíneo, chamado canal ar- do edemas periféricos.
pazes de fornecer ao miocárdio. A redução terial, presente nos fetos, não encerra depois A cianose é um sintoma de função car-
do fluxo sanguíneo causa lesões ao do nascimento. O canal arterial estende-se díaca inadequada em bebés que sofrem de
miocárdio num grau que depende do tama- entre a artéria pulmonar e a aorta, permitindo cardiopatia congénita. O termo bebé azul é
nho das artérias envolvidas e de a oclusão a passagem de sangue da artéria pulmonar muitas vezes usado para referir as crianças
(bloqueio) ser parcial ou completa, gradual para a aorta, sem passar pelos pulmões. Isto com cianose. A pele azulada é provocada pe-
ou súbita. Como, com o envelhecimento, as é normal antes do nascimento porque os pul- los baixos níveis de oxigénio no sangue dos
paredes das artérias ficam mais espessas mões não funcionam (ver capítulo 29). Se o vasos periféricos.
e menos elásticas o volume de sangue que canal arterial não encerrar depois do nascimen-
elas podem fornecer ao músculo cardíaco to, o sangue circula em direcção contrária, da Insuficiência Cardíaca
diminui e, por sua vez, a capacidade do co- aorta para a artéria pulmonar, o que origina A insuficiência cardíaca é o resultado do
ração para bombear sangue também dimi- uma circulação de alta pressão a nível dos enfraquecimento progressivo do músculo
nui. Um inadequado aporte de sangue ao pulmões, danificando-os. Além disso, aumen- cardíaco e da incapacidade do coração para
músculo cardíaco pode originar angina de ta o trabalho do ventrículo esquerdo necessá- bombear eficazmente o sangue. A hiperten-
peito, que é uma sensação de dor mal loca- rio para manter uma pressão arterial sistémica são (pressão arterial elevada) aumenta a
lizada na região do tórax, assim como no adequada. pós-carga do coração podendo produzir uma
braço e ombro esquerdos. A estenose de uma válvula cardíaca é um dilatação ventricular significativa e, final-
Alterações degenerativas nas paredes estreitamento da abertura de uma das válvu- mente, resultar em insuficiência cardíaca.
das artérias podem fazer com que a sua su- las cardíacas. Na estenose da válvula aórtica Idade avançada, má nutrição, infecções cró-
perfície interna se torne rugosa. A possibi- ou pulmonar, o trabalho do coração aumenta nicas, toxinas, anemias graves ou hipertiroi-
lidade de haver aumento da agregação porque os ventrículos têm de contrair com mais dismo podem causar degeneração do mús-
plaquetária nas superfícies rugosas aumen- força para bombear o sangue. A estenose da culo cardíaco e insuficiência cardíaca. Os
ta o que, por sua vez, aumenta a probabili- válvula bicúspide impede a entrada do sangue factores hereditários também podem ser res-
dade de trombose coronária (formação de no ventrículo esquerdo, provocando a sua acu- ponsáveis pelo aumento da susceptibilida-
coágulos de sangue num vaso coronário). mulação na aurícula esquerda e pulmões, re- de a esta doença.
A irrigação inadequada pode provocar um sultando em congestão pulmonar. A estenose
enfarte, uma área de lesão do tecido car- da válvula tricúspide causa uma acumulação Terapêutica Cardiológica
díaco. Um ataque cardíaco é, com frequên- de sangue na aurícula direita e veias sisté- Os digitálicos aumentam a força de contrac-
cia, denominado trombose coronária ou en- micas, provocando edemas periféricos. ção do músculo cardíaco e reduzem a frequên-
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 713

cia cardíaca. Estes fármacos são frequentemente terial incluem-se os que reduzem a activida- Um coração artificial é uma bomba me-
administrados a pessoas que sofrem de insufi- de do sistema nervoso simpático, os que di- cânica que substitui o coração. Ainda é um
ciência cardíaca, embora também possam ser latam as artérias e veias, os que aumentam a procedimento experimental, não podendo
usados no tratamento da taquicardia auricular. produção de urina (diuréticos) e os que blo- ser considerado como um seu substituto per-
A nitroglicerina provoca a dilatação das queiam a conversão de angiotensinogénio em manente. No entanto, tem sido utilizado para
veias e artérias de todo o corpo, incluindo as angiotensina I. manter um doente vivo até ser encontrado
coronárias, sem aumento da frequência cardía- Os anticoagulantes previnem a formação um dador compatível.
ca ou do volume de ejecção. Quando todos os de coágulos em pessoas com lesões nas vál- A assistência cardíaca envolve o implan-
vasos sanguíneos dilatam, acumula-se um mai- vulas cardíacas ou nos vasos sanguíneos, ou te temporário de um dispositivo mecânico
or volume de sangue nos vasos dilatados, cau- em pessoas que tenham tido enfarte do mio- que coadjuva o coração a bombear o san-
sando uma diminuição do retorno venoso ao cárdio. A aspirina funciona como um anticoa- gue. Em alguns casos, a diminuição do tra-
coração. O fluxo sanguíneo nas artérias coro- gulante fraco. balho cardíaco proporcionada pelo disposi-
nárias também aumenta. A redução da pré-car- tivo parece promover a recuperação de co-
ga provoca a diminuição do débito cardíaco, re- Instrumentos e Procedimentos rações insuficientes, após o que tem sido
sultando numa diminuição do trabalho realiza- Seleccionados possível removê-lo com sucesso. Na miocar-
do pelo coração. A nitroglicerina é frequente- Um pacemaker artificial é um instrumento colo- dioplastia é colocada uma faixa do músculo
mente administrada a pessoas que sofram de cado sob a pele, equipado com um eléctrodo grande dorsal em redor do músculo cardía-
doença coronária que restrinja o fluxo sanguí- que se estende até ao coração. Um pacemaker co que é estimulada a contrair em sintonia
neo coronário. A diminuição do trabalho reali- artificial fornece um estímulo eléctrico para que com o coração.
zado pelo coração reduz a quantidade de oxi- o coração contraia numa frequência definida. É
génio necessário ao músculo cardíaco. Conse- utilizado em doentes em que o pacemaker Prevenção da Doença Cardíaca
quentemente, o coração não sofre de falta de natural do coração não produz a frequência A nutrição adequada é importante para a re-
oxigénio e não se desenvolve angina de peito. cardíaca suficiente para manter a actividade dução do risco de doença cardíaca (ver
Os bloqueadores beta-adrenérgicos redu- física normal. A electrónica moderna tem con- capítulo 25). Recomenda-se uma dieta pobre
zem a frequência cardíaca e a força de contrac- seguido criar pacemakers artificiais que au- em gorduras, especialmente gorduras
ção do músculo cardíaco, reduzindo assim a mentam a frequência cardíaca quando a acti- saturadas e colesterol, e em açúcar refinado.
necessidade de oxigénio do coração. Os vidade física aumenta. Os pacemakers tam- As dietas devem ser ricas em fibras, cereais
bloqueadores beta-adrenérgicos ligam-se aos bém podem ser programados para detectar integrais, frutas e vegetais. A ingestão total
receptores da norepinefrina e epinefrina, evi- paragens cardíacas, arritmias graves ou fibri- deve ser limitada para evitar a obesidade e a
tando que estes tenham os seus efeitos nor- lhação e responder estimulando fortemente o ingestão de sal deverá ser reduzida.
mais. São muitas vezes usados no tratamento coração a fim de restaurar a função cardíaca. Deve evitar-se o tabaco e o consumo ex-
de pessoas que sofrem de taquicardia, certos A máquina coração-pulmão funciona cessivo de álcool. O tabagismo aumenta o
tipos de arritmias e hipertensão arterial. como substituto temporário do coração e do risco de doença cardíaca em, pelo menos,
Os bloqueadores dos canais de cálcio re- pulmão. Oxigena o sangue, remove-lhe o dez vezes e o uso excessivo de álcool tam-
duzem o transporte de iões de cálcio para as dióxido de carbono e bombeia-o para todo o bém aumenta substancialmente o risco de
células musculares cardíacas e células muscu- corpo. Também tem tornado possíveis muitas doença cardíaca.
lares lisas. Uma vez que os potenciais de ac- cirurgias de coração e de pulmões. O stress crónico, as perturbações emo-
ção que produzem as contracções musculares A reparação ou substituição de válvulas cionais frequentes e a falta de exercício físi-
cardíacas dependem, em parte, da entrada dos cardíacas é um procedimento cirúrgico, reali- co podem aumentar o risco de doença car-
iões de cálcio nas células do músculo cardía- zado em pessoas que possuem patologia diovascular. O remédio inclui técnicas de
co, os bloqueadores dos canais de cálcio valvular com válvulas deformadas e fibrosadas relaxamento e programas de exercício aeró-
podem ser usados para controlar a força de que, em consequência de doenças como a bio envolvendo o aumento gradual, em du-
contracção do coração e reduzir a arritmia, a endocardite, ficaram gravemente insuficientes ração e dificuldade, das actividades como
taquicardia e a hipertensão. Dado que a en- ou estenosadas. As válvulas para substituição natação, jogging ou dança aeróbica.
trada de cálcio nas células musculares lisas fabricadas em materiais sintéticos, tais como A hipertensão arterial é uma pressão ar-
provoca a sua contracção, os bloqueadores plásticos ou dacron, são eficazes; também são terial sistémica anormalmente alta. Afecta
dos canais de cálcio dilatam os vasos coro- usadas válvulas transplantadas de porcos. cerca de um quinto da população norte-ame-
nários e aumentam o fluxo sanguíneo para o Um transplante cardíaco é uma técnica ricana. É importante medir regularmente a
músculo cardíaco, pelo que podem ser usados cirúrgica que só é possível quando as caracte- pressão arterial porque a hipertensão não
no tratamento da angina de peito. rísticas imunitárias do dador combinam per- produz sintomas óbvios. Se não for possível
Os anti-hipertensivos são um conjunto de feitamente com as do receptor (ver capítulo controlá-la pela dieta e exercício, é impor-
vários fármacos usados especificamente no 22). O coração de um dador falecido recente- tante que seja controlada com fármacos. Na
tratamento da hipertensão. Reduzem a pres- mente é transplantado para um receptor cujo maioria dos casos a causa da hipertensão é
são arterial e, consequentemente, o trabalho coração doente é removido. Pessoas que te- desconhecida.
necessário ao coração para bombear o san- nham feito um transplante cardíaco devem Alguns dados sugerem que a ingestão de
gue. Além disso, a redução da pressão arte- permanecer, para o resto da sua vida, subme- uma aspirina diária reduz a possibilidade de
rial diminui o risco de ataques cardíacos e tidos a terapêutica que suprima a sua respos- ataque cardíaco. A aspirina inibe a síntese das
tromboses cerebrais. De entre os fármacos ta imunitária. Caso contrário, o seu sistema prostaglandinas nas plaquetas, o que ajuda
usados para o tratamento da hipertensão ar- imunitário rejeitará o coração transplantado. a prevenir a formação do coágulo.
714 Parte 4 Regulação e Manutenção

Patologia do Aparelho Circulatório


Enfarte do Miocárdio

O Sr. P. era um executivo com excesso de peso e fora de forma que coração não consegue contrair eficazmente e, por isso, a eficácia da bom-
fumava regularmente e fazia uma alimentação rica em gorduras. Con- ba cardíaca é drasticamente reduzida. Este facto é responsável pela re-
siderava o seu trabalho frustrante porque habitualmente era confron- dução da pressão arterial, o que faz reduzir a perfusão cerebral com
tado com situações altamente geradoras de stress. Como não era sub- consequente confusão, desorientação e perda de consciência.
metido a um exame físico há muitos anos, não tinha conhecimento da A hipotensão, o aumento dos níveis de dióxido de carbono, a dor
sua hipertensão arterial. Uma noite, ao dirigir-se ao seu carro, após e a ansiedade aumentam a estimulação simpática do coração e das
um dia de trabalho, começou a sentir uma dor no peito que irradiava glândulas supra-renais. O aumento da estimulação simpática da me-
para o braço esquerdo. Imediatamente após, sentiu falta de ar, ficou dula supra-renal provoca a libertação de epinefrina. As sensações do-
intensamente pálido e com tonturas, tendo tido mesmo que se deitar lorosas provocam um aumento da estimulação parassimpática do co-
na beira do passeio. Embora não fosse bem localizada, a dor que tinha ração. Nestes casos, o coração exibe arritmias periódicas devido aos
no peito e braço era muito intensa, o que o levou a ficar ansioso e, efeitos combinados da estimulação parassimpática, da epinefrina e
posteriormente, desorientado. O Sr. P. perdeu a consciência embora da norepinefrina libertadas pelas glândulas supra-renais e da
não tenha deixado de respirar. Depois de algum tempo, um dos seus estimulação simpática. Adicionalmente, são produzidos batimentos
colegas de trabalho apercebeu-se da situação e pediu ajuda. Quando ectópicos pelas zonas de isquemia do ventrículo esquerdo.
os paramédicos chegaram, verificaram que a pressão arterial do se- O edema pulmonar resulta do aumento da pressão nas veias pul-
nhor estava baixa e que este apresentava arritmia e taquicardia. Os monares resultante da incapacidade do ventrículo esquerdo para bom-
paramédicos transmitiram ao médico o electrocardiograma que lhe fi- bear o sangue. O edema favorece a infecção bacteriana dos pulmões
zeram através do seu sistema de comunicação electrónica e analisa- dando origem a pneumonia.
ram conjuntamente a sua sintomatologia. O médico prescreveu a admi- O coração do Sr. P. começou a bater ritmicamente em resposta à
nistração imediata de oxigénio e de medicamentos para controlo da medicação porque o enfarte não danificou o sistema de condução car-
arritmia, assim como o transporte imediato ao hospital. No hospital, díaco, o que é indicativo de que não se vão desenvolver arritmias per-
foi-lhe administrado activador do plasminogénio dos tecidos (t-PA), o manentes. As arritmias permanentes indicam a existência de lesão em
que melhorou o fluxo sanguíneo à área afectada do coração uma vez zonas do coração especializadas na condução de potenciais de acção.
que este fármaco activa o plasminogénio que dissolve os coágulos san- A análise do ECG, das avaliações da pressão arterial e da
guíneos. Durante os dias seguintes, os níveis das enzimas sanguíneas, angiografia (figura A) indica que o enfarte, neste caso, estava situado
como a creatina fosfoquinase, sofreram elevações, o que confirmou no lado esquerdo do coração. O Sr. P. exibia diversas características
uma lesão do músculo cardíaco resultante de um enfarte do miocárdio. relacionadas com um aumento da probabilidade para enfarte do
No hospital, o Sr. P. começou a ter falta de ar em consequência de miocárdio: falta de exercício físico, excesso de peso, tabagismo e stress.
edema pulmonar e, após alguns dias no hospital, desenvolveu uma O médico assistente do Sr. P. fez-lhe notar com muita clareza que
pneumonia. Esta foi alvo de tratamento e o doente foi melhorando gra- ele tinha tido sorte por sobreviver ao enfarte do miocárdio e recomen-
dualmente durante as semanas seguintes. Uma angiografia, realizada dou-lhe que parasse de fumar, assim como um programa de emagreci-
vários dias após o enfarte, revelou que ele sofrera uma lesão de uma mento e uma dieta pobre em sódio e em gorduras. Explicou-lhe, ainda,
área significativa da parede lateral do ventrículo esquerdo embora não que teria que tomar anti-hipertensivos se a pressão arterial não bai-
fosse necessário proceder a angiografia ou a cirurgia de bypass, ape- xasse em resposta às outras medidas prescritas. Depois de um perío-
sar de apresentar restrições graves na circulação coronária. do de convalescença, o médico recomendou um programa de exercício
aeróbio, avisou o doente da importância de reduzir o stress laboral e
Fundamentação de tomar regularmente uma pequena quantidade de aspirina. A aspiri-
O Sr. P. sofreu um enfarte do miocárdio. Uma trombose num dos ramos na foi prescrita para reduzir a probabilidade de trombose já que, ao
da artéria coronária esquerda reduz a irrigação da parede lateral do inibir a síntese das prostaglandinas, reduz a tendência do sangue para
ventrículo esquerdo e provoca-lhe isquemia. A eficácia do t-PA no trata- coagular. O Sr. P. seguiu as recomendações do médico e, após vários
mento do ataque cardíaco é consistente com a conclusão de que o enfarte meses, começou a sentir-se melhor do que estivera nos últimos anos e
foi provocado por uma trombose. Uma região isquémica na parede do a sua pressão arterial voltou ao normal.
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 715

Artéria coronária E X E R C Í C I O
ocluída A isquemia grave da parede ventricular pode provocar a morte das
células do músculo cardíaco. Desenvolve-se um processo inflama-
tório em redor do tecido necrosado e os macrófagos invadem-no e
fagocitam as células mortas. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se
vasos sanguíneos e tecido conjuntivo na zona necrosada e
começam a depositar tecido conjuntivo para substituir a zona de
necrose. Assuma que o Sr. P. teve um enfarte do miocárdio e se
encontra em convalescença. No entanto, ao fim de uma semana a
pressão arterial desceu subitamente para valores muito baixos e o
doente morreu ao fim de pouco tempo. Na autópsia, foi encontrada
uma grande quantidade de sangue no saco pericárdico e uma
ruptura da parede ventricular esquerda. Explique.

Figura A Angiografia
A angiografia corresponde a uma fotografia de um vaso sanguíneo. Geral-
mente, obtém-se colocando um cateter num vaso e injectando através dele
um produto de contraste opaco ao raio-x. Nesta angiografia, trabalhada em
computador para visualização colorida, é visível uma artéria coronária
ocluída (bloqueada).

Interacções Sistémicas Efeito do Enfarte do Miocárdio Sobre Outros Sistemas


Sistema Interacções
Tegumentar Palidez da pele resultante da intensa vasoconstrição periférica, incluindo na pele.
Muscular A redução da actividade dos músculos esqueléticos necessária para actividades como a marcha resulta da falta de irrigação
cerebral e do facto de haver um shunt venoso dos vasos que irrigam os músculos para os que irrigam o coração e o cérebro.
Nervoso A diminuição da irrigação cerebral, a hipotensão arterial e a dor devida à isquemia cardíaca provocam um aumento dos
estímulos simpáticos e uma diminuição dos parassimpáticos, a nível do coração. A perda de consciência ocorre quando a
irrigação cerebral diminui de tal modo que a oxigenação deixa de ser suficiente para manter a função cerebral, especial-
mente no sistema de activação reticular.
Endócrino Quando a pressão arterial atinge valores muito baixos, a hormona antidiurética (ADH), libertada pela hipófise, e a renina,
libertada pelo rim, activam o sistema renina-angiotensina-aldosterona. A ADH, segregada em grandes quantidades, e a
angiotensina II levam à vasoconstrição periférica. A ADH e a aldosterona actuam sobre o rim, levando-o a reter água e
electrólitos. Um aumento da volémia aumenta o retorno venoso, do que resulta um aumento do volume de ejecção
cardíaco e da pressão arterial, excepto se a lesão cardíaca for muito grave.
Linfático ou Imunitário Os glóbulos brancos, incluindo os macrófagos, migram para a zona de lesão no músculo cardíaco e fagocitam as células
mortas.
Respiratório A diminuição da pressão arterial reduz a irrigação pulmonar. A diminuição das trocas gasosas provoca aumento dos níveis de
CO2, acidose e diminuição dos níveis de O2. Inicialmente, a respiração é profunda e laboriosa em consequência da
hipercápnia, da hipoxémia e da diminuição do pH sanguíneo. Quando os níveis de O2 baixam demasiado, a pessoa perde a
consciência. Pode ocorrer edema pulmonar quando a eficácia da bomba ventricular esquerda é substancialmente
reduzida.
Digestivo A diminuição da irrigação do aparelho digestivo para níveis muito baixos leva, muitas vezes, ao aparecimento de náuseas e
vómitos.
Urinário O fluxo sanguíneo no rim diminui grandemente em resposta aos estímulos simpáticos. Se o rim ficar isquémico, pode ocorrer
lesão tubular e insuficiência renal aguda, o que reduz a produção de urina. O aumento da uremia, a hipercaliemia e o
edema são dados que indicam que o rim não consegue eliminar os produtos da degradação e o excesso de água. Se a
lesão não for muito grande, o período de oligúria pode durar até 3 semanas após o que a produção de urina regressa
gradualmente ao normal, à medida que os túbulos renais recuperam.
716 Parte 4 Regulação e Manutenção

R E S U M O

Funções do Coração (p. 680) Histologia (p. 691)


O coração produz a força que promove a circulação sanguínea. Esqueleto do Coração
Dimensões, Forma e Localização do Coração (p. 680) O esqueleto fibroso que suporta as aberturas do coração, isola electrica-
mente a aurícula do ventrículo e proporciona um ponto de inserção do
O coração é aproximadamente do tamanho de uma mão fechada, tem a músculo cardíaco.
forma de um cone truncado e localiza-se no mediastino.
Músculo Cardíaco
Anatomia do Coração (p. 682)
1. As células musculares cardíacas são ramificadas e têm um núcleo
O coração é composto por duas aurículas e dois ventrículos. central. A actina e a miosina estão organizadas para formar
Pericárdio sarcómeros. O retículo sarcoplasmático e os tubos T não estão tão
organizados como no músculo esquelético.
1. O pericárdio é um saco que envolve o coração, composto pelo
2. As células musculares cardíacas são ligadas pelos discos intercalares,
pericárdio fibroso e pelo pericárdio seroso.
que permitem que os potenciais de acção sejam transmitidos de uma
2. O pericárdio fibroso ajuda a manter o coração na sua posição
célula para a seguinte. Assim, as células do músculo cardíaco
anatómica.
funcionam como uma unidade.
3. O pericárdio seroso reduz a fricção durante o batimento cardíaco e é
3. As células musculares cardíacas têm uma contracção de início lento,
dividido nas partes seguintes:
mas prolongada, devido ao tempo necessário para que o cálcio entre
• O folheto parietal, que reveste o pericárdio fibroso.
e saia da miofibrilha.
• O folheto visceral, que reveste a superfície exterior do coração.
4. O músculo cardíaco é bem suprido de vasos sanguíneos que
• A cavidade pericárdica, entre os folhetos parietal e visceral, contém
suportam a respiração aeróbia.
líquido pericárdico.
5. Aerobicamente, o músculo cardíaco consome glicose, ácidos gordos
Parede Cardíaca e ácido láctico, produzindo ATP para a energia. O músculo cardíaco
não gera um consumo de oxigénio significativo.
1. A parede cardíaca tem três camadas:
• A externa, ou epicárdio (folheto visceral), confere protecção contra Sistema de Condução
a fricção entre os órgãos.
1. Os nódulos SA e AV estão situados na aurícula direita.
• A média, ou miocárdio, é responsável pela contracção.
2. O nódulo AV está ligado aos ramos do septo interventricular pelo
• A interna, ou endocárdio, reduz a fricção resultante da passagem
feixe AV.
do sangue pelo coração.
3. Os ramos do feixe AV dão origem às fibras da rede de Purkinje, que
2. As superfícies internas das aurículas são praticamente lisas mas os
se estendem pelos ventrículos.
apêndices auriculares apresentam umas elevações chamadas
4. O nódulo SA inicia os potenciais de acção, que se propagam através
músculos pectinatos.
da aurícula e provocam a sua contracção.
3. Os ventrículos têm rugas chamadas trabéculas carnosas.
5. Os potenciais sofrem um atraso no nódulo AV, permitindo a
Anatomia Externa e Circulação Coronária contracção da aurícula e a passagem do sangue para os ventrículos.
Quando os potenciais de acção se deslocam pelo feixe AV e respecti-
1. Cada aurícula tem uma prega chamada apêndice auricular.
vos ramos, para as fibras da rede de Purkinje, provocam a contracção
2. As aurículas estão separadas dos ventrículos pelo sulco coronário. Os
dos ventrículos que tem início no vértice.
ventrículos direito e esquerdo estão separados pelos sulcos
interventriculares. Propriedades Eléctricas (p. 693)
3. As veias cava inferior e superior e o seio coronário desembocam na
aurícula direita. As quatro veias pulmonares desembocam na Potenciais de Acção
aurícula esquerda. 1. Depois da despolarização e da repolarização parcial, existe um
4. A artéria pulmonar tem origem no ventrículo direito e a aorta no planalto, durante o qual o potencial de membrana só repolariza
esquerdo. lentamente.
5. As artérias coronárias são ramificações da aorta que irrigam o 2. A despolarização é causada pelo movimento dos iões de sódio
coração. O sangue proveniente dos tecidos cardíacos regressa à através dos canais de sódio com portão de voltagem.
aurícula direita através do seio coronário e das veias cardíacas. 3. Durante a despolarização, os canais de K+ com portão de voltagem
fecham e começam a abrir os canais com portão de voltagem para o
Cavidades e Válvulas Cardíacas Ca2+.
1. As aurículas estão separadas uma da outra por um septo inter- 4. A repolarização parcial resulta do encerramento dos canais de Na+
auricular e o septo interventricular separa os ventrículos. com portão de voltagem e da abertura de alguns canais de K+ com
2. A aurícula e o ventrículo direitos estão separados pela válvula portão de voltagem.
tricúspide. A aurícula e o ventrículo esquerdos estão separados pela 5. O planalto existe porque os canais com portão de voltagem para o
válvula bicúspide. Os músculos papilares ligam-se, pelas cordas Ca2+ permanecem abertos.
tendinosas, às válvulas aurículo-ventriculares. 6. A fase rápida da repolarização resulta do fecho dos canais com
3. A aorta e a artéria pulmonar estão separados dos ventrículos pelas portão de voltagem para o Ca2+ e da abertura de muitos canais de
válvulas semilunares. potássio.
Fluxo do Sangue Através do Coração (p. 689) Automatismo e Ritmicidade do Músculo Cardíaco
1. O sangue proveniente do corpo atravessa a aurícula e o ventrículo 1. As células pacemaker do músculo cardíaco têm automatismo e
direito e prossegue para os pulmões. ritmicidade devido ao desenvolvimento espontâneo de um pré-
2. O sangue proveniente dos pulmões entra na aurícula esquerda, passa -potencial.
para o ventrículo esquerdo e é bombeado novamente para o corpo. 2. O pré-potencial resulta da entrada de Na+ e Ca2+ na célula.
3. Focos ectópicos são áreas do coração que regulam a frequência
cardíaca em condições anormais.
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 717

Período Refractário do Músculo Cardíaco Pressão Arterial Média (p. 704)


O músculo cardíaco tem uma despolarização prolongada e, consequente- 1. A pressão arterial média é o valor médio da pressão sanguínea na
mente, um período refractário prolongado, que dá tempo para que o aorta. É necessária uma pressão sanguínea adequada para assegurar a
músculo cardíaco se relaxe antes do potencial de acção seguinte provocar irrigação dos tecidos.
uma contracção. 2. A pressão arterial média é proporcional ao débito cardíaco (quanti-
dade de sangue bombeado pelo coração por minuto) vezes a
Electrocardiograma resistência periférica (resistência total ao fluxo do sangue através dos
1. O ECG regista somente a actividade eléctrica do coração. vasos sanguíneos).
• A despolarização das aurículas produz a onda P. 3. O débito cardíaco é igual ao volume de ejecção vezes a frequência
• A despolarização dos ventrículos produz o complexo QRS. A cardíaca.
repolarização das aurículas ocorre durante o complexo QRS. 4. O volume de ejecção, quantidade de sangue bombeado pelo coração
• A repolarização dos ventrículos produz a onda T. por batimento, é igual ao volume tele-diastólico menos o volume
2. Tendo por base a magnitude das ondas do ECG e o tempo entre elas, tele-sistólico.
o ECG pode ser usado para diagnosticar anomalias cardíacas. • O retorno venoso é a quantidade de sangue que entra no coração.
O seu aumento aumenta o volume de ejecção na medida em que
Ciclo Cardíaco (p. 697)
aumenta o volume tele-diastólico.
1. O ciclo cardíaco corresponde à contracção e relaxamento repetitivos • O aumento da força da contracção aumenta o volume de ejecção
das câmaras cardíacas. na medida em que reduz o volume tele-sistólico.
2. O sangue percorre o aparelho circulatório das áreas de alta pressão 5. A reserva cardíaca é a diferença entre o débito cardíaco em repouso e
para as de baixa pressão. A pressão é produzida pela contracção do durante o esforço.
coração.
3. O ciclo cardíaco é dividido em cinco períodos: Regulação do Coração (p. 705)
• Embora o coração esteja a contrair, durante o período de contrac- Regulação Intrínseca
ção isovolumétrica, o volume ventricular mantém-se constante 1. O retorno venoso é a quantidade de sangue que volta ao coração
porque todas as válvulas cardíacas estão encerradas. durante cada ciclo cardíaco.
• Durante o período de ejecção, as válvulas semilunares abrem e o 2. A lei de Starling do coração descreve a relação entre a pré-carga e o
sangue é expelido do coração. volume de ejecção. Um aumento da pré-carga aumenta a força da
• Embora o coração esteja a relaxar, durante o período de relaxa- contracção do músculo cardíaco e produz um maior volume de
mento isovolumétrico, o volume ventricular mantém-se constante ejecção.
porque todas as válvulas cardíacas estão encerradas.
• O enchimento ventricular passivo acontece quando o sangue flui Regulação Extrínseca
das veias e aurículas, onde a pressão é mais elevada, para os 1. O centro cardio-regulador do bulbo raquidiano regula o controlo
ventrículos que, por estarem relaxados, têm uma pressão inferior. nervoso simpático e parassimpático do coração.
• O enchimento ventricular activo dá-se quando as aurículas 2. Controlo parassimpático
contraem e impulsionam o sangue para os ventrículos. • A estimulação parassimpática deve-se ao nervo vago.
Eventos que Ocorrem Durante a Sístole Ventricular • A estimulação parassimpática diminui a frequência cardíaca.
• Os neurónios pós-ganglionares segregam acetilcolina, que aumenta
1. Durante a contracção dos ventrículos, as válvulas AV encerram, as a permeabilidade da membrana aos iões de potássio, produzindo a
semilunares abrem e o sangue é ejectado do coração. hiperpolarização desta.
2. O volume de sangue existente no ventrículo imediatamente antes da 3. Controlo simpático
contracção é o volume tele-diastólico. O volume de sangue • A estimulação simpática advém dos nervos cardíacos.
ventricular após a contracção é o volume tele-sistólico. • A estimulação simpática aumenta a frequência cardíaca e a força de
Eventos que Ocorrem Durante a Diástole Ventricular contracção (volume de ejecção).
• Os neurónios pós-ganglionares segregam norepinefrina, que
1. O relaxamento ventricular resulta no encerramento das válvulas
aumenta a permeabilidade da membrana ao sódio e ao cálcio,
semilunares, na abertura das válvulas AV e na entrada do sangue nos
produzindo a sua despolarização.
ventrículos.
4. A epinefrina e a norepinefrina são produzidas pela medula supra-
2. A maior parte do enchimento ventricular acontece quando o sangue
renal para o sangue, em resultado da estimulação simpática.
flui das veias e aurículas, onde a pressão é mais elevada, para os
• Os efeitos da epinefrina e da norepinefrina sobre o coração são
ventrículos que, por estarem relaxados, têm uma pressão inferior.
mais duradouros que os estímulos nervosos.
3. A contracção das aurículas completa o enchimento ventricular.
• A epinefrina e a norepinefrina aumentam a frequência e a força de
Sons Cardíacos contracção do coração.
1. O primeiro som cardíaco é produzido pelo encerramento das Coração e Homeostase (p. 708)
válvulas aurículo-ventriculares.
2. O segundo som cardíaco é produzido pelo encerramento das Efeitos da Pressão Arterial
válvulas semilunares. 1. Os barorreceptores monitorizam a pressão arterial.
2. Em resposta a um aumento na pressão arterial, os reflexos
Curva de Pressão Aórtica barorreceptores aumentam a estimulação simpática e diminuem a
1. A contracção dos ventrículos impulsiona o sangue para a aorta, parassimpática a nível do coração, do que resulta um aumento da
produzindo assim a pressão sistólica máxima. frequência e da força de contracção do coração.
2. A pressão sanguínea na aorta cai para níveis diastólicos quando o
sangue a abandona. Efeitos do pH, do Dióxido de Carbono e do Oxigénio
3. A retracção elástica da aorta mantém a pressão na aorta e produz o 1. Os quimiorreceptores monitorizam os níveis sanguíneos de dióxido
nó dicrótico. de carbono, pH e oxigénio.
718 Parte 4 Regulação e Manutenção

2. Em resposta a aumentos do dióxido de carbono e diminuições do Efeito da Temperatura Corporal


pH, os reflexos quimiorreceptores bulbares aumentam a estimulação A frequência cardíaca aumenta quando aumenta a temperatura do corpo
simpática e diminuem a parassimpática do coração. e diminui quando esta diminui.
3. Os quimiorreceptores dos corpos carotídeos, estimulados pelos
baixos níveis de oxigénio, provocam diminuição da frequência Efeitos do Envelhecimento sobre o Coração (p. 711)
cardíaca e vasoconstrição. 1. O envelhecimento provoca alterações graduais da função cardíaca
4. Todos os mecanismos reguladores, funcionando conjuntamente em que são pouco significativas em repouso mas que se tornam mais
resposta à descida dos níveis de pH, elevações do teor de dióxido de importantes durante o exercício.
carbono e diminuição do oxigénio no sangue, normalmente 2. A hipertrofia ventricular esquerda é frequente nas pessoas mais
produzem um aumento da frequência cardíaca e vasoconstrição. velhas.
Efeitos da Concentração Iónica Extracelular 3. A frequência cardíaca máxima diminui e por volta dos 85 anos o
débito cardíaco pode ter diminuído 30-60%.
1. Um aumento ou uma diminuição dos iões de potássio extracelulares 4. Existe uma tendência acrescida para o aparecimento de problemas
diminuem a frequência cardíaca. valvulares e arritmias.
2. Um aumento dos iões de cálcio extracelulares aumenta a força de 5. O aumento do consumo de oxigénio, necessário para bombear a
contracção e diminui a frequência cardíaca. A sua diminuição mesma quantidade de sangue, faz com que a doença coronária
produz o efeito contrário. relacionada com a idade seja mais grave.
6. O exercício melhora a capacidade funcional do coração em todas as
idades.

R E V I S Ã O D E C O N T E Ú D O S

1. O pericárdio fibroso 7. A maior parte da parede do coração é


a. está em contacto com o coração a. epicárdio
b. é uma membrana serosa b. pericárdio
c. é o mesmo que epicárdio c. miocárdio
d. forma a camada externa do saco pericárdico d. endocárdio
e. todas as anteriores e. exocárdio
2. Qual das seguintes estruturas assegura o retorno do sangue ao 8. As pregas musculares existentes na superfície interna dos apêndices
coração? auriculares chamam-se
a. seio coronário a. trabéculas carnosas
b. veia cava inferior b. crista terminal
c. veia cava superior c. músculos pectinatos
d. alíneas b e c d. endocárdio
e. todas as anteriores e. músculos papilares
3. A válvula localizada entre a aurícula direita e o ventrículo direito é 9. O músculo cardíaco tem
a. válvula semilunar aórtica a. sarcómeros
b. válvula semilunar pulmonar b. retículo sarcoplasmático
c. válvula tricúspide c. túbulos transversos
d. válvula bicúspide (mitral) d. muitas mitocôndrias
4. Os músculos papilares e. todas as anteriores
a. estão ligados às cordas tendinosas 10. Os potenciais de acção passam de uma célula do músculo cardíaco
b. localizam-se nas aurículas para outra
c. contraem-se para encerrar o foramen ovale a. através de sinapses
d. estão fixados às válvulas semilunares b. por um sistema nervoso cardíaco especial
e. rodeiam as aberturas das artérias coronárias c. devido à alta voltagem dos potenciais de acção
5. Considerando os seguintes vasos sanguíneos: d. devido à fase de planalto dos potenciais de acção
1. aorta e. por neurotransmissores
2. veia cava inferior 11. Durante a transmissão dos potenciais de acção pelo sistema de
3. artéria pulmonar condução cardíaco, dá-se um atraso temporário em
4. veia pulmonar a. ramos do feixe de His
Escolha a alínea que enuncia os vasos pela ordem com que um b. rede de Purkinje
glóbulo vermelho os encontraria ao passar das veias sistémicas para c. nódulo AV
as artérias sistémicas. d. nódulo SA
a. 1,3,4,2. e. feixe de His
b. 2,3,4,1 12. Considerando as seguintes estruturas do sistema de condução
c. 2,4,3,1 cardíaco
d. 3,2,1,4 1. feixe de His
e. 3,4,2,1 2. nódulo AV
6. Qual das alíneas seguintes não descreve correctamente o esqueleto 3. ramos do feixe de His
do coração? 4. rede de Purkinje
a. confere isolamento eléctrico entre as aurículas e os ventrículos 5. nódulo SA
b. serve de suporte rígido à fixação do músculo cardíaco Escolha a alínea que enuncia as estruturas pela ordem com que os
c. funciona como reforço ou suporte das aberturas valvulares potenciais de acção passam por elas
d. é composto principalmente por cartilagem a. 2,5,1,3,4
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 719

b. 2,5,3,1,4 d. o volume de ejecção vezes a pressão arterial


c. 2,5,4,1,3 e. a pressão arterial menos a resistência periférica
d. 5,2,1,3,4 22. A pressão aórtica atinge o seu mínimo
e. 5,2,4,3,1 a. no momento do primeiro som cardíaco
13. As fibras da rede de Purkinje b. no momento do segundo som cardíaco
a. são células especializadas do músculo cardíaco c. imediatamente antes de as válvulas AV abrirem
b. conduzem impulsos muito mais lentamente que o músculo d. imediatamente antes de as válvulas semilunares abrirem
cardíaco normal 23. Logo após o nó dicrótico na curva de pressão aórtica,
c. conduzem os potenciais de acção pelas aurículas a. a pressão aórtica é superior à pressão no ventrículo esquerdo
d. ligam o nódulo SA ao nódulo AV b. a pressão no ventrículo esquerdo é superior à pressão aórtica
e. asseguram que a contracção ventricular se inicia na base do c. a pressão na aurícula esquerda é superior à pressão no ventrículo
coração esquerdo
14. No ECG, as ondas T representam d. a pressão na aurícula esquerda é superior à pressão aórtica
a. despolarização dos ventrículos e. a pressão arterial na aorta é 0 mm Hg
b. repolarização dos ventrículos 24. O som “lâb” (primeiro som cardíaco) é causado por
c. despolarização das aurículas a. encerramento das válvulas AV
d. repolarização das aurículas b. encerramento das válvulas semilunares
15. Qual das seguintes situações observadas num ECG sugere que os c. enchimento ventricular
potenciais de acção não estão a ser conduzidos pelo nódulo AV? d. contracção ventricular
a. ausência completa de ondas P 25. O aumento do retorno venoso tem como consequência
b. ausência completa de complexos QRS a. o aumento do volume de ejecção
c. mais complexos QRS que ondas P b. o aumento do débito cardíaco
d. prolongamento do intervalo PR c. a diminuição da frequência cardíaca
e. ausência de sincronismo entre as ondas P e os complexos QRS d. alíneas a e b
16. A maior parte do enchimento ventricular ocorre durante 26. As fibras parassimpáticas encontram-se nos nervos _________ e
a. a primeira terça parte da diástole libertam _________ no coração.
b. o terço médio da diástole a. cardíacos, acetilcolina
c. a última terça parte da diástole b. cardíacos, norepinefrina
d. a sístole ventricular c. vago, acetilcolina
17. Enquanto as válvulas semilunares estão abertas, durante um ciclo d. vago, norepinefrina
cardíaco normal, a pressão no ventrículo esquerdo é 27. O aumento dos estímulos parassimpáticos a nível cardíaco
a. superior à pressão aórtica a. aumenta a força da contracção ventricular
b. inferior à pressão aórtica b. aumenta a frequência da despolarização no nódulo SA
c. igual à pressão da aurícula esquerda c. diminui a frequência cardíaca
d. inferior à pressão da aurícula esquerda d. aumenta o débito cardíaco
18. A pressão no ventrículo esquerdo varia entre 28. Devido ao reflexo barorreceptor, quando a pressão arterial normal
a. 120 e 80 mm Hg desce
b. 120 e 0 mm Hg a. diminui a frequência cardíaca
c. 80 e 0 mm Hg b. diminui o volume de ejecção
d. 20 e 0 mm Hg c. a frequência dos potenciais de acção aferentes provenientes dos
19. O sangue não entra nem sai dos ventrículos durante barorreceptores diminui
a. o período de contracção isovolumétrica d. o centro cardio-regulador estimula os nervos parassimpáticos
b. o período de relaxamento isovolumétrico e. todas as anteriores
c. a diástole 29. A diminuição do pH e o aumento dos níveis de dióxido de carbono
d. a sístole a nível sanguíneo provocam
e. os períodos referidos em a e b a. aumento da frequência cardíaca
20. O volume de ejecção é b. aumento do volume de ejecção
a. a quantidade de sangue bombeado do coração por minuto c. aumento da estimulação simpática do coração
b. a diferença entre os volumes tele-diastólico e tele-sistólico d. aumento do débito cardíaco
c. a diferença entre a quantidade de sangue bombeado do coração e. todas as anteriores
em repouso ou durante o débito máximo 30. O aumento dos níveis extracelulares de potássio pode originar
d. a quantidade de sangue bombeado das aurículas para os a. aumento do volume de ejecção
ventrículos b. aumento da força da contracção
21. Define-se débito cardíaco como c. diminuição da frequência cardíaca
a. a pressão arterial vezes a resistência periférica d. alíneas a e b
b. a resistência periférica vezes a frequência cardíaca
c. a frequência cardíaca vezes o volume de ejecção Respostas no Apêndice F
720 Parte 4 Regulação e Manutenção

Q U E S T Õ E S C O N C E P T U A I S

1. Explique porque razão as paredes dos ventrículos são mais espessas 9. Partindo da mesma situação, que alterações ocorreriam relativamen-
que as das aurículas. te à pressão arterial? Explique essas alterações.
2. Em muitos tecidos, o pico do fluxo sanguíneo ocorre durante a 10. Uma amiga contou-lhe que o filho fez um ECG que revelou um
sístole e diminui durante a diástole. Todavia, no tecido cardíaco ligeiro sopro cardíaco. Ficaria convencido de que ele tem um sopro
acontece precisamente o contrário. O pico da circulação ocorre cardíaco? Explique.
durante a diástole. Explique a razão desta diferença. 11. Foi realizada uma experiência com um cão em que a pressão arterial
3. Um doente tem taquicardia. Recomendaria um fármaco que média era vigiada antes e depois de as artérias carótidas comuns
prolongasse ou encurtasse o planalto dos potenciais de acção das serem parcialmente clampadas (no momento A). O resultado está
células musculares cardíacas? representado no gráfico seguinte:
4. Os atletas de alta competição têm, muitas vezes, uma frequência
cardíaca baixa em repouso, se comparada com a das outras pessoas

Pressão arterial
nas mesmas condições. Explique por que razão a frequência cardíaca
de um atleta bem treinado desce em vez de subir.

(mm Hg)
5. Se auscultar o coração de um doente e simultaneamente lhe palpar o
pulso, de vez em quando vai poder ouvir dois batimentos cardíacos
muito juntos mas sentirá somente uma pulsação. O médico do A
doente dir-lhe-á, depois, que aquele tem um foco ectópico na
Tempo (minutos)
aurícula direita. Explique por que razão se ouvem dois batimentos
cardíacos muito juntos. O mesmo médico dir-lhe-á também que o
doente apresenta um défice de pulso (isto é, o número de pulsações Explique a alteração da pressão arterial média (pista: os
sentidas é inferior ao número de batimentos cardíacos ouvidos). barorreceptores estão localizados nas artérias carótidas internas,
Explique porque surge um défice de pulso. localizadas a um nível superior ao da clampagem das artérias
6. Foram efectuadas medições da frequência e do débito cardíaco a um carótidas comuns).
grupo de estudantes não atléticos. Depois de 2 meses de treino 12. Durante um choque hemorrágico (causado por perda de sangue), a
aeróbio, foram repetidas as medições. Verificou-se que frequência queda da pressão arterial pode ser drástica apesar de a frequência
cardíaca tinha diminuído, mas o débito cardíaco permanecera cardíaca estar elevada. Explique o porquê destes dois acontecimentos.
constante para muitas actividades. Explique estes achados.
7. Explique porque razão é suficiente substituir os ventrículos num Respostas no Apêndice G
transplante cardíaco artificial.
8. Durante uma experiência num laboratório de fisiologia, um
estudante chamado Francisco foi colocado numa mesa basculante. O
instrutor pediu aos outros estudantes para preverem o que acontece-
ria à frequência cardíaca do Francisco se a mesa fosse tão inclinada
que a sua cabeça ficasse a um nível inferior ao dos pés. Alguns
estudantes previram um aumento na frequência cardíaca e outros a
sua diminuição. Consegue explicar por que razão ambas as hipóteses
podem ser verdadeiras?

R E S P O S T A S A O S E X E R C Í C I O S

1. Os tecidos cardíacos perfundidos por esta artéria perdem o aporte de bomba porque esta requer a alternância entre contracção e relaxa-
oxigénio e nutrientes e morrem. Esta parte do coração (possivelmen- mento.
te todo o coração) pára de funcionar. Se esta situação se desenvolver 6. Durante a contracção isovolumétrica, o volume dos ventrículos
rapidamente é chamada de ataque cardíaco ou enfarte do miocárdio. mantém-se constante porque nenhum sangue sai dos ventrículos.
2. O coração tem de continuar a funcionar sob todas as condições e Por isso, a pressão aumenta mas o tamanho do coração não varia
necessita de energia sob a forma de ATP. Durante o exercício significativamente. É por isto que a contracção é isométrica (ver
violento, o ácido láctico é produzido no músculo esquelético como capítulo 9).
um subproduto do metabolismo anaeróbio. A capacidade para 7. O ventrículo esquerdo tem a parede mais espessa e, por isso, produz
recorrer ao ácido láctico confere ao coração uma fonte de energia uma pressão muito mais elevada que o ventrículo direito quando
adicional. ambos se contraem. É importante que cada ventrículo bombeie a
3. A contracção dos ventrículos, que começa no vértice e se desloca em mesma quantidade de sangue, porque com duas circulações
direcção à base do coração, força a saída do sangue dos ventrículos simultâneas, o sangue que circula numa deve ser de quantidade igual
para a aorta e artéria pulmonar. Estes vasos têm origem na base do ao que circula na outra, para que não haja sobrecarga de uma com o
coração. sangue da outra. Por exemplo, se o ventrículo direito bombear
4. Os focos ectópicos provocam, em várias regiões do coração, contrac- menos sangue que o esquerdo, o sangue vai acumular-se nos vasos
ções em tempos diferentes, originando uma diminuição na eficácia sistémicos. Se o ventrículo esquerdo bombear menos sangue que o
da bomba cardíaca. A contracção do músculo cardíaco fica descoor- direito, este acumula-se nos vasos pulmonares.
denada e interrompe o ciclo de enchimento e esvaziamento dos 8. A fibrilhação torna a bomba cardíaca ineficaz. A eficácia da bomba
ventrículos. cardíaca depende da contracção coordenada do músculo cardíaco. A
5. Se o músculo cardíaco sofresse uma contracção tetânica, ficaria a fibrilhação destrói essa coordenação, o que conduz a uma perda da
contrair durante muito tempo sem relaxar. Perder-se-ia a eficácia da capacidade do músculo cardíaco para actuar como bomba. Os
Capítulo 20 Aparelho Circulatório: Coração 721

ventrículos são as câmaras que desempenham um papel primordial 10. A ruptura do ventrículo esquerdo, como aconteceu ao Sr. P., é mais
a este nível. A fibrilhação ventricular provoca a morte devido à provável vários dias após um enfarte do miocárdio. À medida que o
incapacidade do coração para bombear o sangue. As aurículas tecido necrosado é removido pelos macrófagos, as paredes do
funcionam essencialmente como reservatórios. A sua acção como ventrículo ficam mais finas e podem dilatar durante a sístole. Se
bombas é particularmente importante durante o exercício. É por esta ficarem excessivamente finas antes de serem reforçadas com novo
razão que a fibrilhação auricular não destrói a capacidade dos tecido conjuntivo, podem romper. Se ocorrer a ruptura do
ventrículos para bombearem o sangue. ventrículo esquerdo, o sangue passa do ventrículo para o saco
9. A estimulação simpática aumenta a frequência cardíaca. Se o retorno pericárdico que, ao ficar cheio de sangue, comprime externamente o
venoso permanecer constante, o volume de ejecção diminui à ventrículo. A isto chama-se tamponamento cardíaco. Perante esta
medida que o número de batimentos por minuto aumenta. A situação, o ventrículo deixa de conseguir encher de sangue e deixa de
dilatação das artérias coronárias é importante porque, quanto mais o conseguir bombear o sangue. A morte ocorre rapidamente no caso
coração trabalha, mais os tecidos cardíacos necessitam de energia, o de uma ruptura da parede do ventrículo esquerdo.
que requer um maior aporte de sangue para transportar mais
oxigénio.

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