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Interfaces cariocas
Irmãos Roberto e a dimensão urbana da arquitetura para a
habitação
Interfaces from Rio: Irmãos Roberto and the housing architecture’s urban
dimension
Resumo
Reconhecidamente importante no quadro moderno brasileiro, a produção arquitetônica dos Irmãos Roberto
encontra na sua dimensão urbana alguns dos principais aspectos que a singularizam e que garantem tanto seu
papel histórico quanto seu valor como experiência de projeto. Analisaremos um conjunto de cinco edifícios
residenciais projetados pelos Irmãos Roberto no Rio de Janeiro – Júlio Barros Barreto 1947-50; MMM Roberto,
1943-45; Dona Fátima e Finúsia, 1951-54; Sambaíba, 1953; e Angel Ramirez, 1954 – a partir das relações
estabelecidas pelo trinômio espaço, estrutura e fechamento. Partindo da célula habitacional como elemento
essencial na articulação da arquitetura com a cidade, investigaremos como os elementos de estrutura e fechamento
são combinados para estabelecer distintos modos de relacionar os espaços interior e exterior, diferenciando os
âmbitos privado e público, definindo fronteiras e transições entre estes domínios, e com isso ajudando a entender
que tipo de cidade essas arquiteturas têm o potencial de gerar. A valorização dos espaços de transição e dos limites
dos edifícios coloca no centro das atenções as possibilidades de articulação entre edifício e cidade. Buscaremos,
portanto, compreender estas obras a partir das interfaces que elas estabelecem com a cidade do Rio de Janeiro e
que garantem, por consequência, sua singular dimensão urbana.
Abstract
Recognizably important within the Brazilian modern framework, the architectural production of the Irmãos Roberto
finds in its urban dimension some of the main aspects that make it unique and that guarantee both its historical role
and its value as a design experience. We will analyze a set of five residential buildings designed by the Irmãos
Roberto in Rio de Janeiro – MMM Roberto, 1943-45; Júlio Barros Barreto, 1947-50; Dona Fátima and Finúsia,
1951-54; Sambaíba, 1953; and Angel Ramirez, 1954 – based on the relationships established between space,
structure, and enclosure. Starting from the housing cell as an essential element in the articulation of architecture with
the city, we will investigate how the elements of structure and closure are combined to establish distinct ways of
relating interior and exterior spaces, differentiating private and public spheres, defining boundaries and transitions
between these domains, and thereby helping to understand what kind of city these architectures have potential to
generate. The valorization of transitional spaces and building boundaries puts the possibilities of articulation between
building and city in the center of attention. We will seek, therefore, to understand these works from the interfaces
that they establish with the city of Rio de Janeiro and that guarantee their singular urban dimension.
Artículo de acceso abierto distribuido bajo una licencia Creative Commons Attribution (CC BY)
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Artículos Mara Oliveira Eskinazi. Interfaces cariocas
Irmãos Roberto e a dimensão urbana da uma questão fundamental na arquitetura, que são
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arquitetura para a habitação as relações estabelecidas a partir do trinômio
espaço, estrutura e fechamento (Fanelli e
Reconhecidamente importante no quadro Gargiani, 2008,) e a consequente função de
moderno brasileiro, a produção arquitetônica de intermediação exercida pelas fachadas destes
Marcelo, Milton e Maurício Roberto – os Irmãos edifícios. Nos fundamentaremos, ao mesmo
Roberto – encontra na sua dimensão urbana tempo, na premissa de Colin Rowe de que as
alguns dos principais aspectos que a singularizam relações espaciais e os efeitos plásticos dos
e que garantem tanto seu papel histórico quanto edifícios são potencializados por um amplo leque
seu valor como experiência de projeto. Esta de possibilidades de articulação entre a fachada e
dimensão urbana pode ser verificada a partir da a grelha tridimensional que compõe a sua
análise de um conjunto de estratégias de projeto estrutura resistente (Rowe, 1976, p. 89-117). Além
empregadas reiteradamente em seus edifícios, tais disso, os cinco edifícios formam um conjunto de
como: o amplo repertório de soluções para os repertório diversificado e representativo sobre os
planos de fechamento e a articulação entre a dispositivos arquitetônicos de controle ambiental.
estrutura resistente, a fachada, os dispositivos
arquitetônicos de controle ambiental empregados Cabe lembrar que no período de consolidação da
e a cidade; a preferência pela construção de arquitetura moderna brasileira, o edifício
superfícies permeáveis e porosas; as estratégias de residencial tornou-se um importante local de
urbanização e de inserção dos edifícios nos experimentação, levando a novas formas de
esquemas apresentados pela cidade tradicional expertise no conhecimento arquitetônico. Além
pré-existente; as estratégias de projeto dos disso, considerando a célula habitacional como
pavimentos térreos, que exacerbam e elemento essencial na articulação da arquitetura
potencializam relações de continuidade com o com a cidade, investigaremos como os elementos
tecido urbano; o modo de projetar tomando o de estrutura e fechamento são combinados para
corte como instrumento principal de concepção e estabelecer distintos modos de relacionar os
de exploração espacial, o que valoriza espaços interior e exterior, diferenciando os
interpenetrações verticais nos espaços, bem como âmbitos privado e público, definindo fronteiras e
o encontro do edifício com o solo e, transições entre estes domínios, e com isso
consequentemente, com a paisagem urbana ajudando a entender que tipo de cidade essas
vizinha. arquiteturas têm o potencial de gerar.
Com base nestas considerações, analisaremos um Nesse sentido, a obra residencial dos Irmãos
conjunto de cinco edifícios residenciais Roberto nos oferece uma oportunidade única de
multifamiliares projetados pelos Irmãos Roberto no repensar a arquitetura dos espaços domésticos a
Rio de Janeiro – edifício Júlio Barros Barreto 1947- partir dos seus planos de fechamento, pois coloca
50; edifício MMM Roberto, 1943-45; edifício no centro das atenções as possibilidades de
Dona Fátima e Finúsia, 1951-54; edifício intermediação entre os domínios interior-privado e
Sambaíba, 1953; e edifício Angel Ramirez, 1954 exterior-público. A valorização desses espaços
– a partir das relações estabelecidas pelo trinômio transitórios aponta para uma redescoberta dos
espaço, estrutura e fechamento. Os cinco edifícios limites de expansão do edifício como forma de
estão inseridos no período de pouco mais de uma acessar o ambiente externo a partir do domínio
década que sucedeu a partir da publicação de interno da unidade doméstica, mudando a
Brazil Builds (Goodwin, 1943), ou seja, entre 1943 perspectiva relacionada às soluções de
e 1954 – ponto alto na produção moderna articulação entre esses elementos (Aureli, 2014, p.
residencial brasileira e carioca. Buscaremos 153-168).
compreender estas obras a partir das interfaces
que elas estabelecem com a cidade do Rio de
Janeiro e que garantem, por consequência, sua Fachadas cariocas: espessamento e
singular dimensão urbana. intermediação
Dentro do espectro de estratégias de projeto
Embora os primeiros ímpetos modernos
acima mencionadas, endereçaremos com especial
tenham chegado por importação, bem logo
ênfase as soluções para o problema envolvendo
o Brasil achou um caminho próprio. A sua
grande contribuição para a arquitetura nova permeabilidade que apresentam, acabam por
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está nas inovações destinadas a evitar o calor diluir a função de vedação atribuída às fachadas.
e os reflexos luminosos em superfícies de Com isso, a combinação dessas sequências de
vidro, por meio de quebra-luzes externos, planos de fechamento, por vezes tornados
especiais. Para a América do Norte isto é varandas, com filtros e demais elementos de
coisa de leve conhecida. Tendo que receber proteção, é também a responsável por uma ideia
de chapa o rude sol das tardes de verão, os de espessamento e decomposição da fachada,
grandes edifícios, em geral, ficam como um que passa então a acontecer em diversas camadas
forno, dada a proteção insuficiente de suas ou planos. Ou seja, para Goodwin, o que
janelas de folhas semicerradas. As oficinas movimentou a arquitetura moderna brasileira e
modestas então têm que escolher uma dentre carioca alguns passos para além das referências
duas alternativas: ou assar-se ou proteger-se europeias e norte-americanas seriam justamente
escassamente por meio de toldos ou as soluções relacionadas com as considerações
venezianas, proteção fraca porque nada climáticas de cada fachada (Goodwin, 1943, p.
podem contra os reflexos do sol nas vidraças. 81-84).
E é curioso verificar-se como os brasileiros
fizeram face ao importantíssimo problema, Contudo, este artigo pretende demonstrar que, na
cujo estudo foi o que animou a nossa arquitetura residencial produzida pelos Irmãos
viagem. (Goodwin, 1943, p. 81-84) Roberto, a preferência pelo espessamento das
fachadas, assim como a forma como a dilatação
Explicitada no texto introdutório do catálogo da é resolvida, vai além das considerações climáticas.
exposição Brazil Builds. Architecture new and old Fatores como a autonomia da fachada, a posição
1652-1942, de 1943, a motivação de Philip dos elementos estruturais com relação aos planos
Goodwin para visitar o Brasil com o propósito de de fechamento e a incorporação e exploração dos
investigar, no início da década de 40, a espessamentos como espaços de intermediação e
arquitetura moderna brasileira, tem relação direta de intervalo entre os domínios interior da unidade
com o tema da dilatação e o espessamento das e exterior da cidade desempenham papel
fachadas na produção moderna brasileira, e em determinante na composição dos planos de
especial na produção da escola carioca. Goodwin fechamento destes edifícios, acrescentando outros
credita a inovação e a singularidade encontradas ingredientes à premissa levantada por Goodwin.
nos edifícios modernos brasileiros às soluções
adotadas pelos então jovens arquitetos para o Neste contexto, endereçaremos dois temas
problema das considerações climáticas de cada substancialmente caros tanto para a produção
fachada. Tais soluções, ao dotarem as fachadas carioca, como para a dos Irmãos Roberto: a
dos mais variados tipos de quebra-sol, elementos fachada entendida como transição dilatada entre
de proteção solar, ou filtros, singularizaram a interior e exterior, e o emprego de brise-soleils,
arquitetura brasileira, atenta e já familiarizada cobogós, grelhas e filtros como elementos de
com as soluções modernas que vinham sendo proteção e resguardo, mas também como
implementadas em países como França e dispositivos plásticos. Para tanto, voltaremos o
Alemanha. Parte significativa dessas soluções teve olhar para situações em que a dilatação e o
sua origem no Rio de Janeiro, embora tenha se espessamento das fachadas – e seus espaços de
disseminado por grande parte do país. transição em camadas ou layers – atuaram como
definidoras de um padrão de espacialidade
A adoção, no Brasil, dessas variadas soluções pautado na busca por intermediação entre interior
para a proteção climática das fachadas provocou e exterior. Ao mesmo tempo, procuraremos
um efeito de dilatação dos planos de fechamento explicitar as articulações entre as fachadas e as
dos edifícios, que com isso passaram a ter um tramas tridimensionais que as compõem, com o
comportamento ativo como envolventes. As objetivo de demonstrar o potencial de expressão
tramas de cheios e vazios geradas pelas construtiva da arquitetura no desenvolvimento da
combinações de cobogós,1 grelhas, filtros, planos forma moderna. Por fim, a valorização dos
de vidro, varandas espessas, entre outros, espaços de transição e, consequentemente, dos
configuram, em cada uma das situações em que limites dos edifícios, coloca no centro das
foram testadas e aplicadas, um sistema de atenções as possibilidades de articulação entre
camadas que, devido aos diferentes graus de edifício e cidade. Para tanto, analisaremos os
Planejado para fornecer moradia acessível para os O conjunto é composto por duas barras
associados do Instituto de Aposentadoria dos implantadas afastadas das divisas, uma com 40m
Servidores do Estado, o IPASE, o Júlio Barros x 10m e outra com 65m x 12m, cada uma com
Barreto foi projetado em 1947 pelos irmãos cinco linhas de apartamentos duplex com áreas
Marcelo, Milton e Maurício Roberto e construído que variam de 110m2 a 150m2. O módulo
em 1950. O edifício localiza-se no bairro de estrutural tem 6,50m de largura e vãos de
Botafogo, na esquina das ruas Fernando Ferrari e profundidade variável. Os térreos são recuados
Muniz Barreto, em terreno com topografia em com relação ao corpo dos edifícios e abrigam
aclive e distante pouco mais de 200m da Enseada compartimentos originalmente destinados a lojas
de Botafogo. O edifício repete a configuração dos e depósitos. As barras estão dispostas em níveis
vizinhos, que se caracterizam como edifícios soltos distintos como resposta à topografia do terreno e
em lotes amplos, e afastados dos alinhamentos são articuladas não ortogonalmente pela torre de
das divisas. O local tem paisagem generosa, com circulação vertical, que abriga elevadores e
vista para a Baia de Guanabara e para o Pão de escada, e por passarelas que conectam a torre às
Açúcar, marcos importantes da paisagem da zona barras.
sul carioca (Figura 1).
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Figura 2. Edifício Júlio Barros Barreto, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada de um apartamento. Desenhos
de Jônatas Sousa da Costa, 2021.
Figura 3. Edifício Júlio Barros Barreto, vista do corredor social e da fachada posterior. Foto de Mara Oliveira Eskinazi,
2017.
O Júlio Barros Barreto compartilha com a Unidade Com térreo com hall de acesso e loja comercial
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de Habitação outras questões pelas quais também ocupando toda a extensão do terreno, e volume
passa o projeto de Le Corbusier, tais como a ideia superior principal em “L” com oito pavimentos,
de empilhamento de unidades dúplex, a busca de sendo o último a cobertura, o edifício conta com
alternativas para articulação entre circulação um apartamento tipo de três quartos e 143m2 por
vertical e horizontal e para resolução dos longos andar. O apartamento 701 apresenta uma ligeira
corredores de circulação horizontal, e as soluções diferença no tratamento dispensado à fachada
para dotar os apartamentos de ventilação cruzada principal, prolongando a sala de estar até o limite
e dupla orientação. Além disso, ambos propõem frontal da grelha que a define, conforme veremos
uma arquitetura adaptada ao parque, de prédios a seguir.
alongados, soltos do chão, e que dispõem de
varandas em toda extensão das fachadas A fachada principal, orientada para sudoeste, e
principais. para onde se voltam a sala de estar e um dos
quartos, é composta por en conjunto de brise-
soleils de concreto em grelha acoplado à fachada,
combinado com um sistema que associa
A fachada intermediada por grelhas e venezianas de madeira fixas e móveis com
brise-soleils de concreto acoplados esquadrias de vidro (Figura 6). Tal conjunto se
organiza em três planos dentro de um sistema de
Edifício MMM Roberto (Irmãos Roberto, 1941- grelha. O primeiro plano, e o de maior evidência
45) na definição da fachada, é a própria grelha de
brise-soleils de concreto. A grelha é composta por
Projetado entre 1941 e 1945 para a mãe dos
elementos verticais de seção retangular
irmãos e para os demais membros da família, o
dominantes, e por elementos horizontais
Edifício MMM Roberto, ou A Mamãe, foi
secundários de seção quadrada, que dão suporte
desenhado pelos irmãos Roberto para um terreno
para as venezianas móveis de madeira. A grelha
na Av. Nossa Senhora de Copacabana 1267,
de concreto tem recuos laterais de
principal via comercial de Copacabana, e
aproximadamente 1,20m, gerando um
localiza-se a 100m da praia, na quadra situada
descolamento com relação aos edifícios vizinhos.
entre as ruas Francisco Sá e Júlio de Castilhos. O
O segundo plano da fachada é composto por
terreno mede 12m x 16m, e o edifício é
venezianas fixas de madeira pintadas em amarelo
implantado alinhado com a avenida, ocupando
– atualmente removidas do edifício –, e o terceiro
toda a testada do terreno e encostado nos limites
por um intrincado jogo de esquadrias móveis.
dos edifícios vizinhos. Além disso, caracteriza-se
Deste modo, nos pavimentos tipo prevalece uma
como um edifício em meio de quarteirão, inserido
ideia de continuidade e ritmo constante da
em um tecido urbano de cidade tradicional, em
fachada, definidos pela grelha de concreto (Figura
quarteirão consolidado por alta densidade
7).
construtiva e populacional (Figura 5).
Figura 5. Edifício MMM Roberto, vista da fachada principal à época da inauguração e perspectiva com inserção urbana.
NPD, Núcleo de Pesquisa e Documentação da FAU UFRJ, e desenho de Jônatas Sousa da Costa, 2022.
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Figura 6. Edifício MMM Roberto, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada de um apartamento. Desenhos
de Jônatas Sousa da Costa, 2022.
Figura 7. Edifício MMM Roberto, perspectiva isométrica e perspectiva isométrica explodida do plano de fechamento de
uma unidade tipo. Desenhos de Jônatas Sousa da Costa, 2022.
No sétimo pavimento, que se configura como de intermediação entre interior e exterior (Figura
exceção, a sala de jantar avança no espaço da 8). Já o quarto que se volta para a fachada
grelha de concreto, e as venezianas de madeira principal segue a composição do restante da
(com bandeiras inferior e superior fixas, e fachada, com a presença da grelha de concreto.
intermediária móvel) são levadas para o plano Assim, neste pavimento de exceção, a fachada é
frontal. Esta diferenciação gera uma situação de dilatada por um novo elemento que é a varanda
assimetria na composição da fachada. Além disso, interna, mudando a relação de transição entre
também a espacialidade interna da unidade é interior e exterior, uma vez que a possibilidade de
alterada, uma vez que a franja posterior da sala abertura para o ambiente externo da cidade se
assume o caráter de varanda, alterando a relação amplia (Figura 9).
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Figura 8. Edifício MMM Roberto, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada do apartamento no sétimo
pavimento. Desenhos de Jônatas Sousa da Costa, 2022.
Figuras 9. Edifício MMM Roberto, perspectiva isométrica e perspectiva isométrica explodida do plano de fechamento do
apartamento no sétimo pavimento. Desenhos de Jônatas Sousa da Costa, 2022.
A estrutura resistente é formada por um sistema de já que os planos que a compõem são projetados
pilares e lajes planas. Os pilares têm 1,80m de em balanço para além da estrutura, que está
recuo com relação ao plano da fachada principal, ocultada no interior das alvenarias. Com a
e estão, em sua maioria, localizados dentro das fachada liberada de exercer função estrutural, a
paredes que limitam o edifício com os vizinhos, ou intermediação entre o interior e o exterior ocorre
dentro de paredes divisórias internas. Deste modo, de duas maneiras: a primeira com o efeito de
a presença da estrutura resistente não está continuidade obtido com a profundidade da
explicitada no interior das unidades. Assim, a ideia grelha de brise-soleils de concreto; e a segunda,
de autonomia da fachada está mais uma vez no pavimento de exceção, a partir do avanço das
presente (tal qual ocorre no Júlio Barros Barreto), venezianas para o plano principal, constituindo
Tal qual ocorre nos edifícios Júlio Barros Barreto e presença dos pilares é imperceptível no interior
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MMM Roberto, também no Dona Fátima e Finúsia das unidades. Além disso, o recuo dos pilares com
a estrutura é resolvida a partir de um sistema relação ao plano da fachada possibilita mais uma
independente de pilares e lajes planas, porém a vez uma autonomia no tratamento das fachadas.
Figura 10. Edifício Dona Fátima e Finúsia, vista da esquina com as ruas República do Peru e Barata Ribeiro, e perspectiva
com inserção urbana. Foto de Mara Oliveira Eskinazi, 2021, e desenho de Felipe Cabral Bitar, 2022.
Figura 11. Edifício Dona Fátima e Finúsia, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada de um apartamento.
Desenhos de Felipe Cabral Bitar, 2022.
100
Figura 12. Edifício Dona Fátima e Finúsia, perspectiva isométrica e perspectiva isométrica explodida do plano de
fechamento de uma unidade. Desenhos de Felipe Cabral Bitar, 2022.
Figura 13. Edifício Sambaíba, vista da fachada principal e perspectiva com inserção urbana. Foto de Mara Oliveira
Eskinazi, 2021, e desenho de Carolline Artioli, 2021.
A fachada intermediada por filtros, composto por dois blocos lineares, cada um
venezianas e treliças de madeira alinhado com uma das ruas, e por passarelas que
assumem a função de conexão entre ambos. Ele
Edifício Sambaíba (Irmãos Roberto, 1953) assume uma relação ambígua com o entorno,
uma vez que, por um lado, estabelece
O Edifício Sambaíba, projetado pelos irmãos continuidade com o edifício vizinho na Rua
Roberto em 1953, localiza-se na esquina das ruas Sambaíba, mas, por outro, está alinhado à rua,
Sambaíba e Engenheiro Cortes Sigaud, no Alto embora descolado do vizinho da rua Engenheiro
Leblon, na encosta do Morro Dois Irmãos. O Cortes Sigaud (Figura 13).
terreno se aproxima a uma forma triangular, e tem
topografia com forte declive em direção à Rua O maior dos blocos é alinhado à Rua Sambaíba,
Sambaíba. A área é composta por uma mistura de e compõem-se por subsolo com acesso de serviço
edifícios isolados em centro de lote, e outros e garagens, térreo em pilotis (elevado em relação
colados às divisas. O edifício Sambaíba é ao nível da rua) com jardins e duas caixas de
elevador e escada, quatro pavimentos tipo e um vãos com esquadrias e venezianas de madeira
101
pavimento de cobertura. O pavimento tipo conta pintadas em azul, referentes aos quartos. As
com quatro unidades de dois quartos cada, com esquadrias pintadas em verde da sala de estar são
áreas entre 90m2 e 98m2. Já o bloco alinhado à planos de vidro de piso a teto e ocupam toda a
Rua Engenheiro Cortes Sigaud, onde há um largura do vão; elas são tripartidas, com módulos
acesso secundário, com pavimento tipo alinhado inferiores fixos, módulos intermediários de correr e
com a cota da rua, tem também quatro módulos superiores basculantes. Os grandes
pavimentos tipo com três unidades cada (sendo planos de vidro garantem uma relação completa
dois apartamentos com 70m2 e um duplex com de integração com o ambiente externo, com
112m2), e um pavimento de cobertura. Ambos se visuais que alcançam até o Morro do Corcovado
conectam no miolo do terreno por meio de (Figura 14).
passarelas elevadas. Os dois blocos se conectam
no limite norte do terreno. Já o conjunto de esquadrias e venezianas azuis
dos quartos segue a mesma divisão tripartida, e
O bloco voltado para a Rua Sambaíba tem sua ocupa igualmente toda a largura do vão; porém o
fachada principal voltada para o leste. Esta módulo inferior é um peitoril em alvenaria, por
fachada é organizada a partir de uma grelha cima do qual corre a veneziana do módulo
regular composta pelas linhas horizontais das lajes intermediário; no módulo superior, as venezianas
planas e pelas linhas verticais das paredes que são fixas. As esquadrias encontram-se recuadas
dividem os ambientes internos. No interior desta com relação ao plano da grelha principal,
grelha há uma alternância de vãos com planos de enquanto as venezianas estão projetadas para
vidro compostos por esquadrias de madeira frente, alinhadas frontalmente com a grelha
pintadas de verde, referentes às áreas de estar, e (Figura 15).
Figura 14. Edifício Sambaíba, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada de um apartamento. Desenhos de
Carolline Artioli, 2021.
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Figura 15. Edifício Sambaíba, perspectiva isométrica e perspectiva isométrica explodida do plano de fechamento de uma
unidade. Desenhos de Carolline Artioli, 2021.
Já no bloco voltado para a Rua Engenheiro Cortes partir de uma malha regular de 6,30m x 5,80m.
Sigaud, orientada para sudoeste, não há a Os pilares têm recuo frontal e posterior de 1,30m
presença das linhas verticais da grelha (somente com relação ao plano das fachadas longitudinais.
as horizontais das lajes), e a fachada é mais Nos pavimentos tipo, os pilares localizam-se
homogênea. Todos os vãos são idênticos e dentro das paredes, não estando visíveis no
resolvidos a partir da combinação de esquadrias interior dos apartamentos. Mais uma vez, os
com venezianas de madeira pintadas em azul. Em Roberto adotam um sistema estrutural que
cada vão há também uma composição tripartida, viabiliza, ao mesmo tempo, o térreo em pilotis, a
onde o módulo inferior é um parapeito por cima liberação plena da fachada, e a não interferência
do qual corre a veneziana de madeira do módulo da estrutura no interior das unidades. Porém, no
intermediário; no módulo intermediário localizam- Sambaíba, há uma correspondência entre a
se os vidros, também de correr; e o módulo grelha regular da estrutura e a grelha que
superior é composto por venezianas fixas. Em compõem a fachada.
ambos os blocos, o fechamento do pavimento de
cobertura é resolvido com treliças de madeira
pintadas em verde.
Edifício Angel Ramirez (Irmãos Roberto, 1954)
Mesmo com as diferenças no tratamento das
fachadas principais de cada bloco, há um O Edifício Angel Ramirez, projetado pelos Irmãos
predomínio da ideia de dilatação do plano da Roberto em 1954, localiza-se na Rua República do
fachada por meio da criação de sistemas de Peru, via perpendicular à praia, no quarteirão
esquadrias com diferentes tipos de funcionamento entre as Avenidas Atlântica e Nossa Senhora de
em diversos planos, ou esquadrias que combinam Copacabana. Trata-se de edifício linear entre
planos de vidro com planos de venezianas. Estas divisas, em meio de quarteirão, ocupando toda a
diferenças são também usadas para caracterizar superfície de um terreno retangular com
as áreas íntimas e as áreas sociais. Além disso, dimensões de 68m x 20m. Ele se insere em
assim como no Edifício Dona Fátima e Finúsia, quarteirão consolidado, denso volumetricamente,
também no Sambaíba os Roberto lançam mão de e estabelece uma relação de continuidade de sua
uma inflexão no plano das fachadas principais, de forma com os vizinhos e com o quarteirão, que se
forma que o pavimento tipo ganha maior configura por uma sequência de edifícios
profundidade em direção à esquina. alinhados entre si, colados nas divisas e ocupando
toda a superfície frontal dos terrenos (Figura 16).
A estrutura resistente baseia-se em sistema
independente com pilares retangulares dispostos a
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Figura 16. Edifício Angel Ramirez, vista da fachada principal e perspectiva com inserção urbana. Foto de Leonardo Finotti,
acessível em: http://www.leonardofinotti.com/projects/edificio-angel-ramirez, e desenho de Júlia Lopez, 2021.
Figura 17. Edifício Angel Ramirez, trecho de planta, trecho de corte e trecho de fachada de um apartamento. Desenhos
de Júlia Lopez, 2021.
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Figura 18. Edifício Angel Ramirez, perspectiva isométrica e perspectiva isométrica explodida do plano de fechamento de
uma unidade. Desenhos de Júlia Lopez, 2021.
O volume principal é um prisma retangular com no caso da sala de estar, juntam-se dois módulos
68m x 20m, e 41m de altura, com térreo em pilotis completos, acrescidos de 1/3 de módulo – sendo
e doze pavimentos de apartamentos, em sua os 2/3 restantes referentes a um quarto conectado
maioria duplex. O térreo em pilotis é poroso, à área de serviço. Cada um destes módulos de
estabelecendo relações explícitas de continuidade esquadrias divide-se em três vãos nas faixas
com a calçada e com a cidade, e abriga três halls intermediária e inferior, e em dois vãos na faixa
de elevadores e duas caixas de escadas, além dos superior, e compõe-se de um intricado sistema
jardins e seis pilares em V arredondados e que combina planos com folhas de vidro com
inclinados em direção ao interior do lote. O planos com folhas de venezianas. A faixa inferior
edifício tem 97 apartamentos, sendo 77 duplex e tem um plano de vidro fixo externo e um de
20 simples. Cada pavimento tipo tem um corredor venezianas móvel interno, com abertura
central de circulação com 2m de largura, e sete basculante para o interior; a faixa intermediária
apartamentos para cada lado. Há uma combina planos de vidro internos móveis de correr
alternância de corredores sociais e de serviço. A horizontalmente, com um plano externo de
partir da cota do corredor social, cada venezianas móveis que correm verticalmente sobre
apartamento duplex acessa meio nível acima a a faixa inferior; e, por fim, a faixa superior
área social, com estar, cozinha e dependências, e combina vidros internos de correr com venezianas
meio nível abaixo a área íntima, com três quartos basculantes externas (Figura 18).
e banheiros. A área dos apartamentos varia, nos
duplex, de 132m2 a 175m2, e ficando, nos Tal qual os demais edifícios dos Irmãos Roberto
simples, com 53m2 (Souza, 2014, p. 189). analisados anteriormente, o Angel Ramirez
articula térreo em pilotis com estrutura
A fachada sudoeste é homogênea e composta, independente aparente, com bloco superior com
grosso modo, por dois elementos principais: as estrutura independente internalizada nas paredes
linhas horizontais das lajes entre pavimentos, e, divisórias, plano de fachada livre da função de
entre estas lajes, os módulos que configuram um suporte e definido por uma grelha regular como
complexo sistema que articula esquadrias de vidro elemento de composição. Contudo, diferente do
com venezianas de madeira repetidas por toda a Sambaíba, no Angel Ramirez a grelha presente na
extensão da fachada (Figura 17). As esquadrias fachada é somente composta pelas linhas
têm uma divisão tripartida, e o módulo que horizontais das lajes; os demais elementos dessa
compõe esta grande trama da fachada tem 3,20m trama pertencem às esquadrias.
x 2,91m. Este módulo corresponde à largura de
cada um dos três quartos do pavimento inferior, e,
O modo como os filtros são trabalhados no Júlio posteriores, os filtros obtidos pela alternância de
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Barros Barreto, no Sambaíba e no Angel Ramirez paredes com vazios dos rasgos horizontais nas
se diferencia dos precedentes corbusianos que varandas dos corredores de serviço oferecem
fizeram uso destes elementos como recursos de ainda proteção e resguardo para as áreas de
composição, uma vez que as experimentações de circulação. Além disso, todos esses filtros atuam
Corbusier em torno do tema dos brise-soleils como dispositivos plásticos, oferecendo cor e
concentraram-se, de um modo geral, em textura de minúcia delicada às extensas fachadas
estruturas de concreto acopladas às fachadas. Por longitudinais dos blocos de apartamentos.
outro lado, as grelhas de concreto estão presentes
no MMM Roberto e no Dona Fátima e Finúsia, Já o MMM Roberto e o Dona Fátima e Finúsia se
porém em ambos os casos combinadas com um utilizam de uma combinação de grelhas de
sistema de venezianas de madeira e planos de concreto acopladas ao plano das fachadas,
vidro. combinados com venezianas de madeira fixas ou
móveis e esquadrias de vidro móveis. Em ambos
Os filtros de madeira utilizados são planos os edifícios, contudo, as venezianas de madeira
treliçados ou ainda esquadrias tipo venezianas originais foram removidas nas últimas décadas.
com os mais variados sistemas de abertura e No caso do MMM Roberto, a fachada principal é
movimento. Todos estes elementos adquirem orientada para sudoeste, e é onde acontece a
funções similares ao brise-soleil industrial ou em combinação de grelha de concreto com módulos
concreto. Contudo, eles referem-se a tradições de venezianas, elementos de variação na fachada
construtivas pré-modernas, seja através de sua no projeto original. No Dona Fátima e Finúsia
materialidade – a madeira, pintada de azul no encontramos uma situação de esquina, com uma
Sambaíba e no Angel Ramirez, ou pintada de fachada orientada para nordeste e uma para
amarelo no MMM Roberto, ou ainda de branco noroeste. A fachada voltada para nordeste e para
no Dona Fátima e Finúsia – ou através de sua a Rua República do Peru combina planos de vidro
imagem – em treliças e persianas que se referem com venezianas de madeira, enquanto a noroeste,
aos muxarabis, filtros de madeira de origem árabe voltada para a Rua Barata Ribeiro, é onde estão
presentes na arquitetura colonial sul-americana, os brise-soleils de concreto acoplados ao plano da
como as treliças pintadas em azul nos guarda- fachada, combinados com um sistema de planos
corpos do Júlio Barros Barreto. A intenção de de vidro e as então removidas venezianas móveis
promover a continuidade com a tradição, de madeira.
utilizando elementos da cultura local e inserindo-
os em uma nova sintaxe arquitetônica através de Por fim, no Sambaíba, com as fachadas principais
novos meios de produção, é uma das importantes de cada um dos blocos voltadas para leste e
qualidades reconhecidas da escola carioca de sudoeste, e no Angel Ramirez, com fachada
arquitetura moderna. principal orientada para sudoeste, a sucessão de
camadas compostas por planos de vidro e por
Nos cinco edifícios, os Roberto preenchem vãos de venezianas móveis com diferentes tipos de
piso a teto com grandes planos de vidro funcionamento são as definidoras da composição
associados ou não a elementos vazados que plástica das fachadas. No Angel Ramirez, o plano
adquirem também a função de filtros, produzindo externo perfurado funciona como um elemento
transições mediadas entre o interior e o exterior plástico ainda mais expressivo, uma vez que cobre
que não são totalmente explícitas. No caso do toda a fachada com uma espécie de colcha de
Júlio Barros Barreto, onde as fachadas principais retalhos de tecidos rendados, fazendo com que o
têm orientação sul e sudeste e pouca incidência grande bloco pareça mais leve e delicado. Nestes
de sol, as venezianas de madeira localizadas no dois casos, elementos como varandas e grelhas de
pavimento superior das varandas proporcionam concreto, dominantes nos demais edifícios, não
privacidade e permitem o escurecimento interior estão presentes, deslocando a responsabilidade
dos quartos. Os planos inclinados de treliças de sobre a interface com a cidade para os planos de
madeira empregados como guarda-corpos e vidro e para os complexos sistemas de venezianas
proteções das varandas também oferecem uma móveis que compõem essas fachadas.
suave mediação da vista em direção à Baia de
Guanabara, garantindo um certo grau de
permeabilidade visual. Já nas fachadas
Intermediações entre arquitetura e cidade a resolução dos pavimentos térreos por meio da
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porosidade, até a inserção dos edifícios nos
Apesar das diferenças com relação aos elementos esquemas apresentados pela cidade pré-existente
arquitetônicos utilizados, ao modo como são e que reforçam a comunicação entre edifício e
combinados e ao tipo de intermediação que cidade. Este repertório inclui o edifício solto em
acontece em cada situação, os cinco edifícios lote amplo, o edifício em meio de quarteirão, e o
estudados compartilham de uma mesma vontade edifício em esquina de quarteirão (Bahima, 2002,
de explorar a sobreposição de uma sucessão de p. 87-95), e reconhece, nestes elementos de
camadas como solução não só para os planos de formulação da cidade, fundamentos de projeto
fechamento, mas especialmente para o problema aplicáveis no âmbito da edificação. E é justamente
da intermediação entre edifício e cidade. Com na síntese da exploração de todos esses pontos, e
isso, deslocam a ênfase, depositada por Goodwin do seu potencial como espaços de interface e de
sobre as considerações climáticas de cada transição, onde encontramos a singularidade da
fachada, para outras duas questões: o duplo dimensão urbana da arquitetura moderna para a
potencial destas camadas de relacionarem os residência multifamiliar produzida pelos Irmãos
domínios interior da unidade e exterior da cidade, Roberto no Rio de Janeiro.
e de atuarem como elementos de composição
plástica.
maraeskinazi@fau.ufrj.br
https://orcid.org/0000-0003-3083-6426