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PARTE 1

APG AFYA
- SOI III

Júlia Morbeck
@med.morbeck
1
APG 01

Objetivos ↠ O ápice pontiagudo é formado pela ponta do


ventrículo esquerdo (a câmara inferior do coração) e está
1- Rever a morfofisiologia do sistema situado sobre o diafragma. O ápice está direcionado para
cardiovascular; frente, para baixo e para a esquerda; (TORTORA, 14ª ed.)
2- Discutir como ocorre a regulação do sistema
cardiovascular; ↠ A base do coração está do lado oposto ao ápice e
• Mecanismos hormonais e neurológicos. constitui sua face posterior. É formada pelos átrios
(câmaras superiores) do coração, principalmente o átrio
Morfofisiologia do sistema cardiovascular esquerdo. (TORTORA, 14ª ed.)

Localização Se você pressionar seus dedos entre a quinta e a sexta costela logo
abaixo do mamilo esquerdo, você pode facilmente sentir seu coração
↠ Do tamanho de uma mão fechada, o coração, oco, batendo, onde o ápice faz contato com a parede torácica. Portanto,
este local é chamado de ponto de máxima intensidade (PMI) (MARIEB,
em forma de cone, tem uma massa entre 250 e 350 3ª ed.).
gramas (MARIEB, 3ª ed.).
Envoltórios do coração
↠ Alojado dentro do mediastino, a cavidade medial do
tórax, o coração se estende obliquamente por 12 a 14 cm, ↠ O coração está envolvido por um saco de parede
da segunda costela ao quinto espaço intercostal (MARIEB, dupla chamado de pericárdio (peri = ao redor, cardi =
3ª ed.). coração) (MARIEB, 3ª ed.).
↠ A parte superficial frouxamente ajustada desse saco é
o pericárdio fibroso. Esta forte camada de tecido
conjuntivo denso protege o coração, ancora às
estruturas que o rodeiam e impede o enchimento
excessivo do coração com sangue (MARIEB, 3ª ed.).
O pericárdio fibroso próximo ao ápice do coração está parcialmente
fundido ao tendão central do diafragma; por conseguinte, o
movimento do diafragma, como na respiração profunda, facilita a
circulação do sangue pelo coração. (TORTORA, 14ª ed.)

↠ Abaixo do pericárdio fibroso está o pericárdio seroso,


↠ Como repousa sobre a superfície superior do uma membrana de duas camadas, fina, escorregadia e
diafragma, o coração se situa anteriormente à coluna serosa (MARIEB, 3ª ed.).
vertebral e posteriormente ao esterno. Os pulmões
flanqueiam o coração lateralmente e o ocultam de modo
parcial. Cerca de dois terços de sua massa situam-se à
esquerda da linha esternal; o restante se projeta para a
direita (MARIEB, 3ª ed.).

↠ Sua lâmina parietal reveste a superfície interna do


pericárdio fibroso. Na margem superior do coração, a
lâmina parietal se liga às grandes artérias que saem dele
e se dobra inferiormente, continuando até a superfície
externa do coração como a lâmina visceral, também

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chamada de epicárdio ("sobre o coração"), o qual é parte acabar se estirando, devido ao contínuo estresse do sangue pulsando através
deles. Além disso, como o tecido conjuntivo não é eletricamente excitável, o
integrante da parede cardíaca (MARIEB, 3ª ed.). esqueleto fibroso limita a propagação direta dos potenciais de ação pelo
coração a vias específicas (MARIEB, 3ª ed.).
↠ Entre as camadas parietal e visceral, está a cavidade
pericárdica, em forma de fenda, a qual contém uma
película de líquido seroso. As membranas serosas, lubrificadas
pelo líquido, deslizam suavemente umas sobre as outras durante a
atividade cardíaca, permitindo que o coração funcione em um meio
relativamente livre de atrito (MARIEB, 3ª ed.).

Camadas da parede cardíaca

↠ A parede do coração é constituída por três camadas:


(TORTORA, 14ª ed.).
↠ O endocárdio mais interno é uma fina camada de
➢ o epicárdio (camada externa); endotélio que recobre uma fina camada de tecido
➢ o miocárdio (camada intermediária); conjuntivo. Fornece um revestimento liso para as
➢ o endocárdio (camada interna). câmaras do coração e abrange as valvas cardíacas. O
revestimento endotelial liso minimiza o atrito de superfície
↠ A camada superficial é o epicárdio, a lâmina visceral do
conforme o sangue passa através do coração. O
pericárdio seroso. Ele com frequência é infiltrado com
endocárdio é contínuo ao revestimento endotelial dos
gordura, especialmente em pessoas idosas (MARIEB, 3ª
grandes vasos sanguíneos ligados ao coração
ed.).
(TORTORA, 14ª ed.).
O tecido adiposo predomina e torna-se mais espesso sobre as faces
ventriculares, onde abriga as principais artérias coronárias e vasos Câmaras, valvas cardíacas e grandes vasos associados
cardíacos. O epicárdio confere uma textura lisa e escorregadia à face
mais externa do coração. O epicárdio contém vasos sanguíneos, vasos ↠ O coração tem quatro câmaras – dois átrios,
linfáticos e vasos que irrigam o miocárdio (TORTORA, 14ª ed.). superiores (câmara de recepção), e dois ventrículos,
↠ A camada intermediária, o miocárdio ("músculo inferiores (câmara de bombeamento). A repartição
cardíaco"), é composta principalmente por músculo interna que divide o coração longitudinalmente é chamada
cardíaco e forma a massa do coração. a camada que de septo interatrial onde separa os átrios e de septo
contrai. Nela as células musculares cardíacas ramificadas interventricular onde separa os ventrículos (MARIEB, 3ª
são interdigitadas umas às outras por entrecruzamento ed.).
de fibras de tecido conjuntivo e arranjadas em feixes ↠ O ventrículo direito forma a maior parte da superfície
espirais ou circulares (MARIEB, 3ª ed.). anterior do coração. O ventrículo esquerdo predomina na
superfície ínfero-posterior do coração e forma o seu
ápice do coração (MARIEB, 3ª ed.).

As fibras de tecido conjuntivo formam uma rede densa, o esqueleto fibroso do


coração, que reforça o miocárdio internamente e ancora as fibras musculares
cardíacas. Essa rede de fibras de colágeno e elastina é mais espessa em
algumas áreas do que em outras. Por exemplo, ela constrói anéis, semelhantes
a cordas, que fornecem suporte adicional onde os grandes vasos deixam o
coração e em torno das valvas. Sem esse suporte, os vasos e as valvas podem

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Na superfície do coração existem vários sulcos, que contêm vasos da superfície anterior do coração, e o ventrículo
sanguíneos coronarianos e uma quantidade variável de gordura. Cada esquerdo predomina na sua superfície póstero-inferior
sulco marca a fronteira externa entre duas câmaras do coração. Os
sulcos são: profundo sulco coronário, sulco interventricular anterior,
(MARIEB, 3ª ed.).
sulco interventricular posterior (TORTORA, 14ª ed.)
↠ Marcando internamente as paredes das câmaras
ÁTRIOS: AS CÂMARAS RECEPTORAS ventriculares, há feixes irregulares de músculo chamados
de trabéculas cárneas ("barras transversais de carne").
Na face anterior de cada átrio existe uma estrutura saculiforme
Ainda outros feixes de músculo se projetam na cavidade
enrugada chamada aurícula. Cada aurícula aumenta discretamente a
capacidade de um átrio, de modo que ele possa conter maior volume ventricular, os músculos papilares, em forma de cone, os
de sangue. (TORTORA, 14ª ed.) quais desempenham um papel na função valvar (MARIEB,
3ª ed.).
↠ Internamente, o átrio direito tem duas partes básicas:
uma parte posterior de parede lisa e uma porção anterior ↠ Quando os ventrículos contraem, o sangue é propelido
na qual as paredes são cortadas por feixes de músculos. do coração para a circulação. O ventrículo direito bombeia
Como esses músculos são parecidos com dentes de um sangue para o tronco pulmonar, o qual leva o sangue para
pente, eles são chamados de músculos pectíneos os pulmões, onde ocorrem as trocas gasosas. O
(pectina = pente). As regiões anterior e posterior do átrio ventrículo esquerdo ejeta sangue na parte ascendente da
direito são separadas por uma saliência em forma de C aorta, a maior artéria do corpo (MARIEB, 3ª ed.).
chamada de crista terminal (MARIEB, 3ª ed.).
Como a pressão arterial é muito maior na circulação sistêmica do que
na circulação pulmonar, o ventrículo esquerdo trabalha mais do que o
↠ Em contraste, o átrio esquerdo é predominantemente
ventrículo direito. (MOORE, 7ª ed.)
liso e internamente indistinguível (MARIEB, 3ª ed.).
A anatomia dos dois ventrículos confirma esta diferença funcional – a
O septo interatrial delimita uma depressão rasa, a fossa oval, que marca parede muscular do ventrículo esquerdo é consideravelmente mais
o ponto onde havia uma abertura no coração fetal, o forame oval do espessa do que a parede do ventrículo direito. Observe também que
coração (MARIEB, 3ª ed.). o lúmen do ventrículo esquerdo é mais ou menos circular, em
contraste com o do ventrículo direito, cujo formato é discretamente
↠ Os átrios são câmaras relativamente pequenas, de semilunar. (TORTORA, 14ª ed.)
paredes finas, uma vez que necessitam contrair apenas
minimamente para empurrar o sangue para os VALVAS CARDÍACAS
ventrículos. Via de regra, eles contribuem pouco para a
↠ O sangue flui através do coração em uma direção,
atividade de bomba propulsora do coração (MARIEB, 3ª
dos átrios para os ventrículos, e sai pelas grandes artérias
ed.).
que deixam o coração por sua face superior. Esse tráfego
↠ O sangue entra no átrio direito por três veias: de uma via é garantido por quatro valvas que abrem e
(MARIEB, 3ª ed.). fecham em resposta às diferenças de pressão sanguínea
presentes nos seus dois lados (MARIEB, 3ª ed.).
➢ a veia cava superior traz o sangue das regiões
do corpo superiores ao diafragma; ↠ Cada uma das quatro valvas ajuda a assegurar o fluxo
➢ a veia cava inferior traz o sangue das áreas do unidirecional de sangue através da abertura ao possibilitar
corpo abaixo do diafragma; que o sangue passe e, em seguida, se fechando para
➢ o seio coronário coleta o sangue que drena do impedir o seu refluxo (TORTORA, 14ª ed.).
miocárdio.
VALVAS ATRIOVENTRICULARES
↠ Quatro veias pulmonares entram no átrio esquerdo,
↠ As duas valvas atrioventriculares (AV), localizadas em
constituindo a maior parte da base do coração. Essas
cada junção atrioventricular, impedem o fluxo retrógrado
veias, as quais transportam sangue dos pulmões de volta
para os átrios quando os ventrículos contraem (MARIEB,
ao coração, são melhor observadas em uma vista
3ª ed.).
posterior (MARIEB, 3ª ed.).
↠ A valva AV direita, valva tricúspide, tem três válvulas
VENTRÍCULOS: AS CÂMARAS EJETORAS
flexíveis (cúspides ou folhetos do endocárdio reforçados
↠ Juntos, os ventrículos (ventre = interno) constituem a por tecido conjuntivo). A valva AV esquerda, com duas
maior parte do volume do coração. Como mencionado válvulas, é denominada valva mitral por causa da sua
anteriormente, o ventrículo direito forma a maior parte

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semelhança com a mitra ou chapéu do bispo (MARIEB, 3ª


ed.).

↠ Acopladas a cada válvula da valva AV estão pequenas


cordas brancas de colágeno chamadas de cordas
tendíneas ("tiras do coração"), as quais prendem as
válvulas aos músculos papilares que se projetam das
paredes ventriculares (MARIEB, 3ª ed.).

VALVAS SEMILUNARES
↠ As valvas aórtica e pulmonar (semilunares, SL)
guardam a base das grandes artérias que partem dos
ventrículos (parte ascendente da aorta e do tronco
pulmonar, respectivamente) e impedem o fluxo
retrógrado para os ventrículos (MARIEB, 3ª ed.).

↠ Cada valva SL é formada por três válvulas, é em forma


de bolsa, com formato aproximado de meia-lua (semilunar
Quando o coração está completamente relaxado, as válvulas da valva = meia-lua). Da mesma forma que as valvas AV, as valvas
AV pendem frouxamente sobre a câmara ventricular e o sangue flui SL abrem e fecham em resposta às diferenças de
para os átrios e depois para os ventrículos através das valvas AV. pressão. No caso das SL, quando os ventrículos estão
Quando os ventrículos contraem, comprimindo o sangue nas suas
contraindo e a pressão intraventricular aumenta acima da
câmaras, a pressão intraventricular aumenta, pressionando o sangue
para cima contra as válvulas das valvas. Como resultado, as pressão na aorta e no tronco pulmonar, as valvas SL são
extremidades das válvulas se encontram, fechando as valvas. As cordas forçadas a abrir, e suas válvulas se achatam contra as
tendíneas e os músculos papilares servem como fios-guia para paredes arteriais quando o sangue passa por elas. Quando
prender as válvulas das valvas na posição fechada. Se as válvulas não os ventrículos relaxam e o sangue (não mais propelido
fossem ancoradas dessa maneira, elas seriam empurradas para cima,
para dentro do átrio, da mesma maneira que um guarda-chuva virado
para a frente pela pressão da contração ventricular) flui
ao avesso em um dia de vento. Os músculos papilares contraem antes para trás, em direção ao coração, ele enche as válvulas
da outra musculatura ventricular, de tal forma que eles estiram as e fecha as valvas (MARIEB, 3ª ed.).
cordas tendíneas antes que a força de contração ventricular
arremesse fortemente o sangue contra as válvulas das valvas AV
(MARIEB, 3ª ed.).

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o suprimento funcional de sangue de todos os tecidos do


corpo constituem o circuito sistêmico (MARIEB, 3ª ed.).
O lado direito do coração é a bomba do circuito pulmonar. O sangue
que retoma do corpo é relativamente pobre em oxigênio e rico em
dióxido de carbono. Ele entra no átrio direito e passa ao ventrículo
direito, o qual o bombeia aos pulmões via tronco pulmonar. Nos
pulmões, o sangue descarrega dióxido de carbono e capta oxigênio. O
sangue recém-oxigenado é levado de volta ao lado esquerdo do
coração, pelas veias pulmonares (MARIEB, 3ª ed.).

O lado esquerdo do coração é a bomba do circuito sistêmico. O sangue


recém-oxigenado que deixa os pulmões retoma ao átrio esquerdo e
passa ao ventrículo esquerdo, o qual o bombeia para a aorta. De lá, o
sangue é transportado vias artérias sistêmicas menores aos tecidos do
corpo, onde gases e nutrientes são transportados através das paredes
capilares (MARIEB, 3ª ed.).

Esse ciclo se repete continuamente. Embora sejam bombeados


volumes iguais de sangue para os circuitos pulmonar e sistémico, em
qualquer momento, os dois ventrículos possuem cargas de trabalho
OBS.: Um dado muito importante a acrescentar é que não há valvas muito diferentes. O circuito pulmonar, suprido pelo ventrículo direito, é
guardando as entradas das veias cavas e pulmonares nos átrios direito uma circulação curta de baixa pressão, enquanto o circuito sistêmico,
e esquerdo, respectivamente (MARIEB, 3ª ed.). Quando os átrios se associado com o ventrículo esquerdo, segue uma longa via através de
contraem, um pequeno volume de sangue reflui dos átrios para estes todo o corpo e depara-se com cerca de cinco vezes mais atrito ou
vasos. No entanto, o refluxo é minimizado por um mecanismo resistência ao fluxo sanguíneo. Essa diferença funcional é revelada na
diferente; conforme o músculo atrial se contrai, ele comprime e quase anatomia dos dois ventrículos (MARIEB, 3ª ed.).
colapsa as fracas paredes dos pontos de entrada das veias (TORTORA,
14ª ed.). Circulação coronariana
TRAJETO DO SANGUE ATRAVÉS DO CORAÇÃO OBS.: O miocárdio é muito espesso para fazer da difusão um meio
prático de entrega de nutrientes (MARIEB, 3ª ed.).

↠ A circulação coronariana, o suprimento sanguíneo


funcional do coração, é a circulação mais curta do corpo.
O suprimento arterial da circulação coronariana é
fornecido pelas artérias coronárias direita e esquerda,
ambas sendo originadas da aorta e circundando o coração
↠ Os vasos sanguíneos que levam e trazem sangue dos no sulco coronário (MARIEB, 3ª ed.).
pulmões formam o circuito pulmonar, o qual efetua as
↠ A artéria coronária esquerda segue em direção ao
trocas gasosas. Os vasos sanguíneos que levam e trazem
lado esquerdo do coração e se divide em seus ramos
principais: (MARIEB, 3ª ed.).

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➢ o ramo interventricular anterior (também esvaziam diretamente no átrio direito anteriormente


conhecido clinicamente como artéria (MARIEB, 3ª ed.).
descendente anterior esquerda), o qual percorre
o sulco interventricular anterior e fornece
sangue ao septo interventricular e às paredes
anteriores de ambos os ventrículos;
➢ o ramo circunflexo, que supre o átrio esquerdo
e as paredes posteriores do ventrículo esquerdo.

↠ A artéria coronária direita cursa pelo lado direito do


coração, onde também se divide em dois ramos:
(MARIEB, 3ª ed.).
➢ o ramo marginal direito, o qual supre o miocárdio
do lado direito do coração;
➢ o ramo interventricular posterior, o qual corre
para o ápice do coração e supre as paredes
ventriculares posteriores. Próximo do ápice do Fibras musculares cardíacas
coração, essa artéria se funde (anastomosa)
com a artéria interventricular anterior. Juntos, os ↠ O músculo c.ardíaco, assim como o músculo
ramos da artéria coronária direita suprem o átrio esquelético, é estriado e contrai pelo mecanismo de
direito e quase todo o ventrículo direito. deslizamento de filamentos (MARIEB, 3ª ed.).

Há muitas anastomoses entre os ramos arteriais coronarianos. Essas ↠ As fibras cardíacas são curtas, ramificadas e
redes se fundem, proporcionando rotas adicionais (colaterais) para interconectadas. Cada fibra contém um ou, no máximo,
entrega de sangue ao músculo cardíaco, mas não são suficientemente dois núcleos grandes, pálidos, localizados no centro da
robustas para manter a nutrição adequada quando uma artéria
coronária é subitamente ocluída (MARIEB, 3ª ed.).
célula (MARIEB, 3ª ed.).

↠ As artérias coronárias fornecem um fluxo sanguíneo


intermitente, pulsátil, para o miocárdio. Esses vasos e seus
ramos principais se situam no epicárdio e enviam ramos
para dentro, nutrindo o miocárdio. Eles entregam sangue
quando o coração está relaxado, mas são bastante
ineficazes quando os ventrículos estão contraindo, pois
são comprimidos pelo miocárdio em contração (MARIEB,
3ª ed.).

↠ Após passar pelos leitos capilares do miocárdio, o


sangue venoso é coletado pelas veias cardíacas, cujos
trajetos seguem aproximadamente aqueles das artérias
coronárias. Essas veias se juntam para formar um vaso ↠ Os espaços intercelulares são preenchidos com uma
alargado chamado de seio coronário, o qual libera o matriz de tecido conjuntivo frouxo (o endomísio)
sangue no átrio direito. O seio coronário é evidente na contendo inúmeros capilares. Essa matriz delicada é conectada
vista posterior do coração (MARIEB, 3ª ed.). ao esqueleto fibroso, o qual atua tanto como um tendão quanto como
uma inserção, fornecendo às células cardíacas ancoragem para
↠ O seio tem três grandes tributárias: a veia cardíaca exercer sua força (MARIEB, 3ª ed.).
magna, pelo sulco interventricular anterior, a veia
interventricular posterior (média), que percorre o sulco ↠ As membranas plasmáticas das células cardíacas
interventricular posterior, e a veia cardíaca parva, que adjacentes se entrelaçam em junções com coloração
escura chamadas de discos intercalares (intercala = inserir).
corre ao longo da margem inferior direita do coração.
Esses discos contêm as junções de ancoramento, os
Além disso, várias veias anteriores do ventrículo direito se
desmossomos, e as junções comunicantes (MARIEB, 3ª
ed.).

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Os desmossomos evitam que as células adjacentes se separe.m ↠ O sinal para a contração é miogênico, ou seja, é
durante a contração e as junções comunicantes permitem que os originado dentro do próprio músculo cardíaco.
íons passem de célula a célula, transmitindo corrente ao longo de todo
o coração (MARIEB, 3ª ed.).
(SILVERTHON, 7ª ed.)
↠ O sinal para a contração miocárdica não é proveniente
do sistema nervoso central, mas de células miocárdicas
especializadas, denominadas células autoexcitáveis. As
células autoexcitáveis são também denominadas células
marca-passo, uma vez que elas determinam a frequência
dos batimentos cardíacos. (SILVERTHON, 7ª ed.)
As células autoexcitáveis miocárdicas são anatomicamente distintas das
células contráteis: elas são menores e contêm poucas fibras contráteis.
Como elas não têm sarcômeros organizados, as células autoexcitáveis
não contribuem para a força contrátil do coração. (SILVERTHON, 7ª
ed.)
↠ Mitocôndrias grandes perfazem 25 a 35% do volume Potenciais de ação
das células cardíacas (comparado com apenas 2% no
músculo esquelético) e conferem às células cardíacas ↠ O músculo cardíaco é um tecido excitável com a
uma alta resistência à fadiga. A maior parte do volume capacidade de gerar potenciais de ação. (SILVERTHON,
restante é ocupada por miofibrilas, compostas de 7ª ed.)
sarcômeros bastante típicos (MARIEB, 3ª ed.).
↠ Cada um dos dois tipos de células musculares cardíacas
tem um potencial de ação distinto, que varia um pouco
no formato, dependendo do local do coração onde ele é
medido. (SILVERTHON, 7ª ed.)

↠ Tanto no miocárdio autoexcitável quanto no contrátil,


o Ca+2 desempenha um papel importante no potencial de
ação. (SILVERTHON, 7ª ed.)
CÉLULAS MIOCÁRDICAS AUTOEXCITÁVEIS

Potencial de membrana instável, o qual inicia em - 60 mV e lentamente


ascende em direção ao limiar. (SILVERTHON, 7ª ed.)

Este potencial de membrana instável é chamado de potencial marca-


O coração é composto por três tipos principais de músculo: o músculo
passo, em vez de potencial de membrana em repouso, uma vez que
atrial, o músculo ventricular e as fibras especializadas excitatórias e
ele nunca permanece em um valor constante. Sempre que o potencial
condutoras. (GUYTON, 13ª ed.)
marca--passo depolariza até o limiar, as células autoexcitáveis disparam
Os tipos atrial e ventricular de músculo contraem-se quase como os um potencial de ação. (SILVERTHON, 7ª ed.)
músculos esqueléticos, mas com duração muito maior da contração.
As células autoexcitáveis contêm canais que são diferentes dos canais
(GUYTON, 13ª ed.)
de outros tecidos excitáveis. Quando o potencial de membrana da
As fibras excitatórias e de condução do coração, no entanto, só se célula é -60 mV, os canais If, que são permeáveis tanto ao K+ quanto
contraem fracamente por conterem poucas fibras contráteis, mas ao Na+2, estão abertos. (SILVERTHON, 7ª ed.)
apresentam descargas elétricas rítmicas automáticas, na forma de
Os canais If são assim denominados porque eles permitem o fluxo da
potenciais de ação, ou fazem a condução desses potenciais de ação
corrente (I) e devido às suas propriedades não usuais. (SILVERTHON,
pelo coração, representando sistema excitatório que controla os
7ª ed.)
batimentos rítmicos. (GUYTON, 13ª ed.)
Os pesquisadores que primeiro descreveram a corrente iônica através
Considera-se que a disposição das células musculares cardíacas forma
desses canais não entenderam, naquele momento, o seu
um sincício mecânico e elétrico, fazendo com que um único potencial
comportamento e a denominaram corrente funny (engraçada), e,
de ação (gerado no interior do nó sinoatrial) curse por todo o coração,
portanto, utilizaram o subscrito f. Os canais I f pertencem à família dos
de maneira que este se contraia de modo sincrônico, semelhante a
canais HCN, ou canais dependentes de nucleotídeos cíclicos ativados
ondas. (BERNE E LEVY)
por hiperpolarização. (SILVERTHON, 7ª ed.)

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Quando os canais If se abrem em potenciais de membrana negativos, cerca de 20 mV antes de os canais de Na+ se fecharem.
o influxo de Na+ excede o efluxo de K+. O influxo resultante de carga Estes são canais de Na+ com duas comportas.
positiva despolariza lentamente a célula autoexcitável. À medida que o ➢ Fase 1: repolarização inicial. Quando os canais rápidos de
potencial de membrana se torna mais positivo, os canais de I f fecham- Na+ se fecham, a célula começa a repolarizar à medida que
se gradualmente, e alguns canais de Ca+2 se abrem. O resultante o K+ deixa a célula pelos canais de K+ abertos.
influxo de Ca+2 continua a despolarização, e o potencial de membrana ➢ Fase 2: o platô. A repolarização inicial é muito breve. O
move-se continuamente em direção ao limiar. (SILVERTHON, 7ª ed.) potencial de ação, então, se achata e forma um platô como
resultado de dois eventos: uma diminuição na
Quando o potencial de membrana atinge o limiar, canais adicionais de permeabilidade ao K+ e um aumento na permeabilidade ao
Ca+2 dependentes de voltagem se abrem. O cálcio entra rapidamente Ca+2.. Os canais de Ca+2 dependentes de voltagem ativados
na célula, gerando a fase de despolarização rápida do potencial de pela despolarização foram abertos lentamente durante as
ação. (SILVERTHON, 7ª ed.) fases 0 e 1. Quando eles finalmente abrem, o Ca+2 entra na
célula. Ao mesmo tempo, alguns canais “rápidos” de K + se
Quando os canais de Ca+2 se fecham no pico do potencial de ação,
fecham. A combinação do influxo de Ca+2 com a diminuição
os canais lentos de K+ estão abrindo. A fase de repolarização do
do efluxo de K+ faz o potencial de ação se achatar e formar
potencial de ação autoexcitável é devida resultante efluxo de K+.
um platô.
(SILVERTHON, 7ª ed.)
Quando os canais de Ca+2 acionados por voltagem do sarcolema se
A velocidade na qual as células marca-passo despolarizam determina a
abrem, os íons cálcio se movem do líquido intersticial para o citosol.
frequência com que o coração contrai (a frequência cardíaca). O
Este influxo de Ca+2 faz com que ainda mais Ca+2 saia do RS para o
intervalo entre os potenciais de ação pode ser modificado pela
citosol por canais adicionais de Ca+2 da membrana do reticulo
alteração da permeabilidade das células autoexcitáveis para diferentes
sarcoplasmático. (TORTORA 14ª ed.)
íons, o que, por sua vez, modifica a duração do potencial marca-passo.
(SILVERTHON, 7ª ed.) A entrada do cálcio é uma característica do acoplamento excitação-
contração cardíaco

No músculo cardíaco, um potencial de ação inicia o acoplamento EC,


contudo, o potencial de ação origina-se espontaneamente nas células
marca-passo do coração e se propaga para as células contráteis
através das junções comunicantes. (SILVERTHON, 7ª ed.)

CÉLULAS MIOCÁRDICAS CONTRÁTEIS

Os potenciais de ação das células cardíacas contráteis são similares,


de diversas maneiras, aos dos neurônios e dos músculos esqueléticos.
A fase de despolarização rápida do potencial de ação é resultado da
entrada de Na+, e a fase de repolarização rápida é devida à saída de
K+ da célula. (SILVERTHON, 7ª ed.)

1- Um potencial de ação que entra em uma célula contrátil se


move pelo sarcolema e entra nos túbulos T;
2- Onde abre os canais de Ca+2 dependentes de voltagem
tipo L na membrana das células;
3- O Ca+2 entra nas células através desses canais, movendo-
se a favor do seu gradiente eletroquímico. A entrada de
cálcio abre os canais liberadores de cálcio do tipo
rianodínico (RyR) no retículo sarcoplasmático;
4- Esse processo do acoplamento EC no músculo cardíaco é
também chamado de liberação de Ca+2 induzida pelo Ca+2
➢ Fase 0: despolarização. Quando a onda de despolarização (LCIC). Quando os canais RyR se abrem, o cálcio estocado
entra na célula contrátil através das junções comunicantes, flui para fora do retículo sarcoplasmático e entra no citosol;
o potencial de membrana torna-se mais positivo. Os canais 5- Cria-se uma fagulha que pode ser vista utilizando-se
de Na+ dependentes de voltagem (canais rápidos de sódio) métodos bioquímicos especiais. A abertura múltipla de
se abrem, permitindo que a entrada de Na+ despolarize diferentes canais RyR se somam para criar o sinal de Ca+2;
rapidamente a célula. O potencial de membrana atinge

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6- A liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático fornece, ↠ A onda de despolarização é seguida por uma onda de
aproximadamente, 90% do Ca+2 necessário à contração contração, que passa pelo átrio e depois vai para os
muscular, sendo que os 10% restantes entram na célula a
partir do líquido extracelular. O cálcio difunde-se pelo citosol
ventrículos. (SILVERTHON, 7ª ed.)
para os elementos contráteis, onde se liga à troponina e
inicia o ciclo de formação de pontes cruzadas e o
movimento;
7- Com a diminuição das concentrações citoplasmáticas de
Ca+2, o Ca+2 desliga-se da troponina, liberando a actina da
miosina, e os filamentos contráteis deslizam de volta para
sua posição relaxada;
8- O Cálcio é transportado de volta para o retículo
sarcoplasmático com a ajuda da Ca+2 -ATPase;
9- No músculo cardíaco, o Cálcio também é removido de
dentro da célula pelo trocador Na+ - Ca+2 (NCX);
↠ A despolarização inicia no nó sinoatrial (nó SA), as
10- Um Ca+2 é movido para fora da célula contra o seu células autoexcitáveis no átrio direito que servem como
gradiente eletroquímico em troca de 3 Na+ para dentro da o principal marca-passo do coração. A onda de
célula a favor do seu gradiente eletroquímico. O sódio que despolarização, então, propaga-se rapidamente por um
entra na célula durante essa troca é removido pela Na+-K+-
sistema especializado de condução, constituído de fibras
ATPase.
autoexcitáveis não contráteis. (SILVERTHON, 7ª ed.)
➢ Fase 3: repolarização rápida. O platô termina quando os
canais de Ca+2 se fecham e a permeabilidade ao K+
aumenta mais uma vez. Os canais lentos de K+,
responsáveis por essa fase são ativados pela
despolarização, mas são abertos lentamente. Quando os
canais lentos de K+ se abrem, o K+ sai rapidamente e a
célula retorna para seu potencial de repouso (fase 4).
➢ Fase 4: potencial de membrana em repouso. As células
miocárdicas contráteis têm um potencial de repouso
estável de aproximadamente -90 mV

Sistema de condução



ATRIOVENTRIC FEIXE DE HIS
SINOATRIAL
ULAR

↠ As células do nó SA não têm potencial de repouso


FIBRAS DE
RAMOS estável. Em vez disso, elas se despolarizam repetida e
DIREITO E
PURKINJE
ESQUERDO espontaneamente até um limiar. Quando o potencial
marcapasso alcança o limiar, ele dispara um potencial de
ação. (TORTORA, 14ª ed.)
↠ A comunicação elétrica no coração começa com um ↠ Uma via internodal ramificada conecta o nó SA com o
potencial de ação em uma célula autoexcitável. A nó atrioventricular (nó AV), um grupo de células
despolarização se propaga rapidamente para as células autoexcitáveis perto do assoalho do átrio direito.
vizinhas através das junções comunicantes nos discos (SILVERTHON, 7ª ed.)
intercalares. (SILVERTHON, 7ª ed.)
↠ No nó AV, o potencial de ação se desacelera
↠ As fibras do nodo sinusal se conectam diretamente às consideravelmente, como resultado de várias diferenças
fibras musculares atriais, de modo que qualquer potencial na estrutura celular do nó AV. Este atraso fornece tempo
de ação que se inicie no nodo sinusal se difunde de para os átrios drenarem seu sangue para os ventrículos.
imediato para a parede do músculo atrial. (GUYTON, 13ª (TORTORA, 14ª ed.)
ed.)

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↠ Do nó AV, a despolarização move-se para os


ventrículos. através do feixe AV (fascículo atrioventricular)
também chamado de feixe de His (“hiss”), no septo
ventricular. (SILVERTHON, 7ª ed.)

↠ Percorrido um curto caminho no septo, o feixe se


divide em ramos esquerdo e direito. Esses ramos
continuam se deslocando para o ápice do coração, onde
se dividem em pequenas fibras de Purkinje, que se
espalham lateralmente entre as células contráteis.
(SILVERTHON, 7ª ed.)

Ciclo cardíaco

↠ O conjunto dos eventos cardíacos, que ocorre entre Período de Contração Isovolumétrica (Isométrica)
o início de um batimento e o início do próximo, é
denominado ciclo cardíaco. Cada ciclo é iniciado pela ↠ Imediatamente após o início da contração ventricular,
geração espontânea de potencial de ação no nodo a pressão ventricular sobe, de modo abrupto, fazendo
sinusal. (GUYTON, 13ª ed.) com que as valvas A-V se fechem.

DiÁstole e SÍstole ↠ É necessário mais 0,02 a 0,03 segundo para que o


ventrículo gere pressão suficiente para empurrar e abrir
↠O ciclo cardíaco consiste no período de relaxamento, as válvulas semilunares (aórtica e pulmonar) contra a
chamado diástole, durante o qual o coração se enche de pressão nas artérias aorta e pulmonar.
sangue, seguido pelo período de contração, chamado
sístole. A duração total do ciclo cardíaco, incluindo a sístole ↠ Durante esse período os ventrículos estão se
e a diástole, é a recíproca da frequência cardíaca. contraindo, mas não ocorre esvaziamento. É o chamado
(GUYTON, 13ª ed.) período de contração isovolumétrica ou isométrica.

Por exemplo, se a frequência cardíaca é de 72 batimentos/min, a Período de Ejeção


duração do ciclo cardíaco é de 1/72 batimentos/min —
aproximadamente 0,0139 minuto por batimento, ou 0,833 segundo por ↠ Quando a pressão no interior do ventrículo esquerdo
batimento.
aumenta até pouco acima de 80 mmHg (e a pressão do
Obs.: O Aumento da Frequência Cardíaca Reduz a Duração do Ciclo ventrículo direito, pouco acima de 8 mmHg), a pressão
Cardíaco. ventricular força a abertura das valvas.
Os átrios funcionam como pré-bombas para os ventrículos: ↠ Imediatamente, o sangue começa a ser lançado para
Normalmente, o sangue flui de forma contínua, vindo das diante, para as artérias. Em torno de 60% do sangue do
grandes veias para os átrios; cerca de 80% do sangue fluem
ventrículo são ejetados durante a sístole.
diretamente dos átrios para os ventrículos, mesmo antes da
contração atrial. Então, essa contração representa os 20% ↠ Cerca de 70% dessa porção são ejetados durante o
adicionais para acabar de encher os ventrículos. Desse modo, primeiro terço do período de ejeção, e os 30% restantes
os átrios funcionam como bomba de escova (primer pump),
do esvaziamento ocorrem nos outros dois terços do
que melhora a eficácia do bombeamento ventricular por, no
período.
máximo, 20%. Entretanto, o coração pode continuar operando,
na maioria das circunstâncias, mesmo sem esses 20% a mais ↠ Assim, o primeiro terço é o chamado período de
de eficiência, pois ele normalmente tem capacidade de ejeção rápida, e os demais dois terços, período de ejeção
bombear de 300 a 400% a mais de sangue do que o
lenta.
necessário para o corpo, nas condições de repouso (GUYTON,
13ª ed.). Período de Relaxamento Isovolumétrico (Isométrico)

↠ Ao final da sístole, o relaxamento ventricular começa


de modo repentino, fazendo com que as pressões
intraventriculares direita e esquerda diminuam
rapidamente.

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↠ As altas pressões nas artérias distendidas que Regulação do sistema cardiovascular


acabaram de ser cheias com o sangue vindo dos
ventrículos contraídos tornam a empurrar o sangue de CONCEITOS IMPORTANTES
volta para os ventrículos, causando o fechamento das
DÉBITO CARDÍACO
valvas aórtica e pulmonar.
↠ Débito cardíaco (DC) é a quantidade de sangue bombeada
↠ Durante mais 0,03 a 0,06 segundo, o músculo por cada ventrículo em um minuto. Ele é o produto da
ventricular continua a relaxar, mesmo que o volume não frequência cardíaca (FC) pelo volume sistólico (VS) (MARIEB, 3ª
se altere, originando o período de relaxamento ed.).
isovolumétrico ou isométrico.
↠ Volume sistólico é definido como o volume de sangue
↠ As pressões intraventriculares diminuem rapidamente bombeado por um ventrículo em cada batimento. Em geral, o
de volta aos valores diastólicos. É então que as valvas A- volume sistólico é correlacionado com a força da contração
V se abrem para iniciar novo ciclo de bombeamento ventricular (MARIEB, 3ª ed.).
ventricular. DC = FC X VS

Os Ventrículos se Enchem de Sangue durante a O volume de sangue em um adulto normal é de aproximadamente 5


L. Assim, todo o suprimento sanguíneo passa através de cada lado do
Diástole. coração uma vez em cada minuto. Observe que o DC varia
diretamente com o VS e a FC. Portanto, o DC aumenta quando o VS
↠ Assim que a sístole termina e as pressões ventriculares
aumenta ou o coração bate mais rápido, ou ambos, e diminui quando
retornam aos baixos valores diastólicos, as pressões um ou os ambos fatores diminuem (MARIEB, 3ª ed.).
moderadamente altas que se desenvolveram nos átrios
durante a sístole ventricular forçam de imediato as valvas ↠ O DC é muito variável e aumenta substancialmente em
resposta a demandas especiais, como correr para alcançar um
A-V a se abrirem.
ônibus. A diferença entre o DC máximo e o de repouso é
↠ É o chamado período de enchimento rápido chamada de reserva cardíaca. Em pessoas não-atletas, a
ventricular. O período de enchimento rápido ocorre reserva cardíaca em geral é 4 a 5 vezes o DC (20 a 25
aproximadamente durante o primeiro terço da diástole. mL/min), mas o DC em atletas treinados pode atingir 35 mL/
min (sete vezes o do repouso) durante a competição (MARIEB,
↠ Ao longo do segundo terço, uma pequena quantidade 3ª ed.).
de sangue nas condições normais flui para os ventrículos,
REGULAÇÃO DO VOLUME SISTÓLICO
sendo esse o sangue que continua a chegar aos átrios,
vindo das veias, fluindo diretamente para os ventrículos. ↠ Essencialmente, o VS representa a diferença entre o
volume diastólico final (VDF), a quantidade de sangue que se
↠ Durante o último terço da diástole, os átrios se acumula em um ventrículo durante a diástole, e o volume
contraem, dando impulso adicional ao fluxo sanguíneo sistólico final (VSF), o volume de sangue que permanece em
para os ventrículos. Esse mecanismo responde por mais um ventrículo após ele ter contraído (MARIEB, 3ª ed.).
ou menos 20% do enchimento ventricular total em cada
↠ O VDF, determinado pela duração da diástole ventricular e
ciclo cardíaco.
pela pressão venosa (um aumento em qualquer desses fatores
eleva o VDF), normalmente é de cerca de 120 mL (MARIEB, 3ª
ed.).

↠ O VSF, determinado pela pressão sanguínea arterial (quanto


maior a pressão, maior o VSF) e pela força de contração
ventricular, é de aproximadamente 50 mL (MARIEB, 3ª ed.).

↠ Embora muitos fatores afetem o VS por causar alterações


no VDF ou no VSF, os três mais importantes são a pré-carga,
a contratilidade e a pós-carga (MARIEB, 3ª ed.).

Pré-carga: grau de estiramento do músculo cardíaco

↠ De acordo com a lei de Frank-Starling do coração, o fator


crítico no controle do VS é a pré-carga, a qual é o grau de

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estiramento das fibras musculares cardíacas imediatamente ↠ Grupos de neurônios espalhados no centro CV regulam a
antes de contraírem (MARIEB, 3ª ed.). frequência cardíaca, a contratilidade (força de contração) dos
ventrículos e o diâmetro dos vasos sanguíneos. (TORTORA, 14ª ed.)
↠ O fator mais relevante para o estiramento cardíaco é a
↠ Os três tipos principais de receptores sensitivos que fornecem
quantidade de sangue que retoma ao coração e distende os
informações ao centro cardiovascular são os proprioceptores, os
ventrículos, chamado de retorno venoso (MARIEB, 3ª ed.).
barorreceptores e os quimiorreceptores. (TORTORA, 14ª ed.)
Contratilidade
Regulação autonômica
↠ Embora o VDF seja o principal fator intrínseco que influencia
o VS, o último também pode ser aumentado por fatores A regulação do coração pelo sistema nervoso se origina no centro
cardiovascular localizado no bulbo. Esta região do tronco encefálico
extrínsecos que aumentam a contratilidade do músculo
recebe informações de vários receptores sensoriais e dos centros
cardíaco. Contratilidade é definida como a força contrátil atingida cerebrais superiores, como o sistema límbico e o córtex cerebral. O
em um determinado comprimento muscular (MARIEB, 3ª ed.). centro cardiovascular então direciona o débito apropriado,
aumentando ou diminuindo a frequência dos impulsos nervosos nas
↠ Observe que a contratilidade é independente do estiramento partes simpática e parassimpática do SNA (TORTORA, 14ª ed.).
do músculo e do VDF. Um aumento na contratilidade é devido
a um maior influxo de Ca+2 para o citoplasma, a partir do líquido REFLEXOS BARORRECEPTORES
extracelular e do RS. O aumento da contratilidade resulta em
ejeção de sangue do coração (maior VS) e, ↠ Mecanismo rápido de controle da pressão que atuam
consequentemente, em um menor VSF. Aumento da em segundos ou minutos (GUYTON, 13ª ed.).
estimulação simpática aumenta a contratilidade do coração
(MARIEB, 3ª ed.). ↠ Os barorreceptores, receptores sensitivos sensíveis à
pressão, estão localizados na aorta, nas artérias carótidas
Pós-carga: pressão retrógrada exercida pelo sangue arterial internas (artérias do pescoço que fornecem sangue ao
↠ A pressão que deve ser superada para que os ventrículos encéfalo) e outras grandes artérias do pescoço e do tórax.
ejetem o sangue é denominada pós-carga. Ela é essencialmente (TORTORA, 14ª ed.)
a pressão para trás exercida pelo sangue arterial nas valvas
aórtica e pulmonar, cerca de 80 mmHg na aorta e 8 mmHg no
↠ Eles enviam impulsos para o centro cardiovascular para
tronco pulmonar. ajudar a regular a pressão sanguínea. Os dois reflexos
barorreceptores mais importantes são o reflexo do seio
↠ Em indivíduos saudáveis, a pós-carga não é o principal carótico e o reflexo da aorta. (TORTORA, 14ª ed.)
determinante do volume sistólico, pois é relativamente
constante. Contudo, em hipertensos (alta pressão arterial), sem Os seios caróticos são pequenas ampliações das artérias carótidas
dúvida ela é importante, por reduzir a capacidade dos internas direita e esquerda, um pouco acima do ponto em que elas se
ramificam da artéria carótida comum. (TORTORA, 14ª ed.)
ventrículos de ejetar sangue. Consequentemente, mais sangue
permanece no coração após a sístole, resultando em aumento ↠ A pressão arterial distende a parede do seio carótico,
do VSF e redução do VS (MARIEB, 3ª ed.). o que estimula os barorreceptores. (TORTORA, 14ª ed.)
Regulação do sistema cardiovascular

↠ Vários sistemas de feedback negativo interligados


controlam a pressão arterial por meio do ajuste do ritmo
cardíaco, do volume sistólico, da resistência vascular
sistêmica e do volume de sangue. Alguns sistemas
possibilitam ajustes rápidos para lidar com mudanças
bruscas, como a queda da pressão sanguínea no encéfalo
que ocorre quando a pessoa levanta da cama; outros
agem mais lentamente para fornecer a regulação a longo
prazo da pressão sanguínea. (TORTORA, 14ª ed.)
↠ Quando a pressão arterial cai, os barorreceptores são
PAPEL DO CENTRO CARDIOVASCULAR menos distendidos e enviam impulsos nervosos em uma
↠ O centro cardiovascular (CV) no bulbo ajuda a regular a frequência frequência mais lenta ao centro cardiovascular. Em
cardíaca e o volume sistólico. O centro CV também controla sistemas resposta, o centro CV diminui a estimulação
de feedback negativo neurais, hormonais e locais que regulam a parassimpática do coração por meio dos axônios motores
pressão e fluxo sanguíneo a tecidos específicos. (TORTORA, 14ª ed.)
dos nervos vago e aumenta a estimulação simpática do

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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coração via nervos aceleradores cardíacos. (TORTORA, subtrair sua idade de 220 fornece uma boa estimativa de sua
14ª ed.) frequência cardíaca máxima em batimentos por minuto (TORTORA,
14ª ed.).
↠ Inversamente, quando é detectado um aumento na Os impulsos nervosos parassimpáticos chegam ao coração por meio
pressão, os barorreceptores enviam impulsos em uma dos nervos vagos (NC X) direito e esquerdo. Os axônios vagais
frequência mais rápida. O centro CV responde terminam no nó SA, no nó AV e no miocárdio atrial. Eles liberam
aumentando a estimulação parassimpática e diminuindo a acetilcolina, o que reduz a frequência cardíaca, diminuindo a velocidade
de despolarização espontânea das fibras autorrítmicas. Dado que
estimulação simpática. As reduções resultantes da
apenas algumas fibras vagais inervam o músculo ventricular, as
frequência cardíaca e força de contração diminuem o alterações na atividade parassimpática pouco influenciam a
débito cardíaco. (TORTORA, 14ª ed.) contratilidade dos ventrículos (TORTORA, 14ª ed.).

REFLEXOS QUIMIORRECEPTORES Existe um equilíbrio que flutua continuamente entre a estimulação


simpática e a estimulação parassimpática do coração. Em repouso, a
↠ Os quimiorreceptores, receptores sensitivos que estimulação parassimpática predomina. A frequência cardíaca de
monitoram a composição química do sangue, estão repouso – de aproximadamente 75 bpm – geralmente é menor do
que a frequência autorrítmica do nó SA (cerca de 100 bpm). Com a
localizados perto dos barorreceptores do seio carótico e estimulação máxima pela parte parassimpática, o coração pode
do arco da aorta em pequenas estruturas chamadas desacelerar para 20 ou 30 bpm, ou pode até mesmo parar
glomos caróticos e glomos para-aórticos, momentaneamente (TORTORA, 14ª ed.).
respectivamente. (TORTORA, 14ª ed.)

↠ Estes quimiorreceptores detectam mudanças nos


níveis sanguíneos de O2, CO2 e H+. Hipoxia (baixa
disponibilidade de O2), acidose (aumento na concentração
de H+) ou hipercapnia (excesso de CO2) estimulam os
quimiorreceptores a enviar impulsos ao centro
cardiovascular. Em resposta, o centro CV aumenta a
estimulação simpática de arteríolas e veias, provocando
vasoconstrição e aumento da pressão sanguínea.
(TORTORA, 14ª ed.) Regulação química

Os neurônios simpáticos se estendem do bulbo à medula espinal. Da ↠ Determinados produtos químicos influenciam a
região torácica da medula espinal, nervos simpáticos aceleradores fisiologia de base do músculo cardíaco e a frequência
cardíacos estendem-se para o nó SA, para o nó AV e para a maior cardíaca (TORTORA, 14ª ed.).
parte das porções do miocárdio. Os impulsos nos nervos cardíacos
aceleradores desencadeiam a liberação de norepinefrina, que se liga
SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA
os receptores beta-1 (ß1) das fibras musculares cardíacas. (TORTORA,
14ª ed.). ↠ Mecanismo de controle da pressão que age após
Essa interação tem dois efeitos distintos: (TORTORA, 14ª ed.). vários minutos (GUYTON, 13ª ed.).

➢ nas fibras do nó SA (e AV), a norepinefrina acelera a taxa ↠ A renina é uma enzima proteica liberada pelos rins
de despolarização espontânea, de modo que estes quando a pressão arterial cai para níveis muito baixos. Sua
marcapassos disparam impulsos mais rapidamente e
resposta consiste em elevar a pressão arterial de diversos
aumentam a frequência cardíaca;
➢ nas fibras contráteis dos átrios e ventrículos, a modos, contribuindo para a correção da queda inicial da
norepinefrina aumenta a entrada de Ca2+ através dos pressão. (GUYTON & HALL, 13ª ed.)
canais lentos de Ca2+ acionados por voltagem, aumentando
assim a contratilidade. Como resultado, um maior volume ↠ A renina é sintetizada e armazenada em forma inativa
de sangue é ejetado durante a sístole. Em caso de chamada pró-renina nas células justaglomerulares (células
aumento moderado da frequência cardíaca, o volume JG) dos rins. (GUYTON & HALL, 13ª ed.)
sistólico não diminui, porque o aumento da contratilidade
compensa a redução da pré-carga. ➢ Quando a pressão arterial cai, reações
Com a estimulação simpática máxima, no entanto, a frequência intrínsecas dos rins fazem com que muitas das
cardíaca pode chegar a 200 bpm em uma pessoa de 20 anos de moléculas de pró-renina nas células JG sejam
idade. Em uma frequência cardíaca assim alta, o volume sistólico é clivadas, liberando renina. (GUYTON & HALL, 13ª
menor do que em repouso, por causa do tempo de enchimento muito ed.)
curto. A frequência cardíaca máxima diminui com a idade; como regra,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


14

➢ A renina é uma enzima e age enzimaticamente Epinefrina e norepinefrina


sobre outra proteína plasmática, a globulina
referida como substrato de renina (ou ↠ Em resposta à estimulação simpática, a medula da
angiotensinogênio), liberando peptídeo com 10 glândula suprarrenal libera epinefrina e norepinefrina.
aminoácidos, a angiotensina I. (GUYTON & HALL, Esses hormônios aumentam o débito cardíaco ao
13ª ed.) elevarem a velocidade e força das contrações cardíacas.
➢ A angiotensina I tem ligeiras propriedades Também causam constrição das arteríolas e veias na pele
vasoconstritoras, mas não suficientes para e órgãos abdominais e dilatação das arteríolas no músculo
causar alterações significativas na função cardíaco e esquelético, o que ajuda a aumentar o fluxo
circulatória. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) sanguíneo para o músculo durante o exercício.
➢ Alguns segundos após a formação de (TORTORA, 14ª ed.)
angiotensina I, dois aminoácidos adicionais são HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO (HAD)
removidos da angiotensina I, formando o
peptídeo de oito aminoácidos angiotensina II. ↠ O hormônio antidiurético (HAD) é produzido pelo
Essa conversão ocorre, em grande parte, nos hipotálamo e liberado pela neuro-hipófise em resposta à
pulmões, enquanto o sangue flui por seus desidratação ou à diminuição no volume sanguíneo. Entre
pequenos vasos catalisados pela enzima outras ações, o HAD causa vasoconstrição, o que
conversora de angiotensina (ECA) presente no aumenta a pressão arterial. Por isso, o HAD é também
endotélio dos vasos pulmonares. (GUYTON & chamado vasopressina. O HAD também promove o
HALL, 13ª ed.) deslocamento de água do lúmen dos túbulos renais para
➢ A angiotensina II é vasoconstritor extremamente a corrente sanguínea. Isso resulta em aumento no volume
potente, e ela afeta a função circulatória por sanguíneo e diminuição na produção de urina.
outros modos. Entretanto, ela persiste no sangue (TORTORA, 14ª ed.)
por apenas 1 ou 2 minutos por ser rapidamente
inativada por múltiplas enzimas sanguíneas e PEPTÍDIO NATRIURÉTICO ATRIAL (PNA)
teciduais, coletivamente chamadas de ↠ Liberado pelas células do átrio do coração, o PNA
angiotensinases. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) reduz a pressão arterial ao causar vasodilatação e
↠ A angiotensina II exerce dois efeitos principais capazes promover a perda de sal e água na urina, o que reduz o
de aumentar a pressão arterial: volume sanguíneo. (TORTORA, 14ª ed.).

➢ Vasoconstrição em muitas áreas do corpo, Outros fatores


ocorre com muita rapidez. A vasoconstrição se
CÁTIONS
dá, de modo muito intenso, nas arteríolas e com
intensidade muito menor nas veias. A constrição
↠ Dado que as diferenças entre as concentrações
das arteríolas aumenta a resistência periférica
intracelulares e extracelulares de vários cátions (p. ex., Na+
total, elevando, dessa forma, a pressão arterial.
e K+) são cruciais para a produção de potenciais de ação
Além disso, a leve constrição das veias promove
em todas as fibras nervosas e musculares, não é de se
o aumento do retorno venoso do sangue para
estranhar que os desequilíbrios iônicos possam
o coração, contribuindo para o maior
comprometer rapidamente a efetividade do
bombeamento cardíaco contra a pressão
bombeamento cardíaco (TORTORA, 14ª ed.).
elevada. (GUYTON & HALL, 13ª ed.)
➢ Diminuição da excreção de sal e de água pelos ↠ As concentrações relativas de três cátions – K+, Ca2+
rins: essa ação eleva lentamente o volume do e Na+ – exercem efeito acentuado na função cardíaca.
líquido extracelular, o que aumenta a pressão Níveis sanguíneos elevados de K+ ou Na+ diminuem a
arterial durante as horas e dias subsequentes. frequência e a contratilidade cardíaca. O excesso de Na +
(GUYTON & HALL, 13ª ed.) bloqueia o influxo de Ca2+ durante potenciais de ação
cardíacos, diminuindo assim a força de contração,
enquanto o excesso de K+ bloqueia a produção de
potenciais de ação. Um aumento moderado do nível
intersticial (e, portanto, intracelular) de Ca2+ acelera a

Júlia Morbeck – @med.morbeck


15

frequência cardíaca e fortalece as contrações cardíacas


(TORTORA, 14ª ed.).
A idade, o sexo, a condição física e a temperatura corporal também
influenciam na frequência cardíaca de repouso (TORTORA, 14ª ed.).

O aumento da temperatura corporal, como ocorre durante a febre


ou os exercícios extenuantes, faz com que o nó SA libere impulsos
mais rapidamente, aumentando assim a frequência cardíaca. A
diminuição da temperatura corporal reduz a frequência e a força de
contração cardíacas (TORTORA, 14ª ed.).

Referências

SILVERTHORN, Dee U. Fisiologia Humana. Disponível em:


Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo A, 2017.
BERNE & LEVY. Fisiologia, 6ª ed. Elsevier Editora, SP, 2009.
GUYTON & HALL. Tratado de Fisiologia Médica, 13ª ed.
Editora Elsevier Ltda., 2017.
MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e Fisiologia, 3ª ed.,
Porto Alegra: Artmed, 2008.
TORTORA. Princípios de Anatomia e Fisiologia. Disponível
em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo GEN, 2016.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


1
APG 02: HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS)

Objetivos alvo, como coração, cérebro, rins e vasos. Ela é o principal fator de
risco modificável com associação independente, linear e contínua para
1- Debater sobre a fisiopatologia, epidemiologia, doenças cardiovasculares (DCV), doença renal crônica (DRC) e morte
prematura (DIRETRIZ, 2020).
manifestações clínicas, etiologia e fatores de
risco da HAS; Além disso, apresenta impacto significativo nos custos médicos e
2- Compreender como é feito o diagnóstico, socioeconômicos, decorrentes das complicações nos órgãos-alvo,
fatais e não fatais, como: (DIRETRIZ, 2020).
tratamento e prevenção da HAS.
➢ coração: doença arterial coronária (DAC), insuficiência
IMPORTANTE cardíaca (IC), fibrilação atrial (FA) e morte súbita;
A pressão arterial deve ser cuidadosamente regulada ao longo do ➢ cérebro: acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico
corpo, para assegurar a perfusão adequada dos tecidos corporais e (AVEI) ou hemorrágico (AVEH), demência;
prevenir a lesão dos vasos sanguíneos (PORTH, 10ª ed.). ➢ rins: DRC que pode evoluir para necessidade de terapia
dialítica.
Com uma pressão arterial muito baixa, o fluxo sanguíneo para os
tecidos é insuficiente para assegurar o suprimento de nutrientes e
oxigênio, bem como para remover os produtos residuais celulares. Isso
gera o risco de lesão celular hipóxica-isquêmica e possível morte
celular (PORTH, 10ª ed.).

Contrariamente, as pressões elevadas no interior dos vasos sanguíneos


podem facilmente lesionar o delicado tecido endotelial, o que aumenta
a probabilidade tanto de doença vascular aterosclerótica quanto de
ruptura vascular. Outra consequência séria é a possibilidade de os
próprios órgãos perfundidos serem gravemente lesionados pela
pressão arterial elevada (PORTH, 10ª ed.).

PA = DC x RVP

Diante disso, mecanismos patogênicos devem envolver:

➢ DC aumentado;
➢ RVP aumentada;
➢ Ambos. Recentemente, o papel da imunidade/inflamação foi acrescentado aos
demais mecanismos envolvidos na fisiopatologia da HAS primária. A
Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) inflamação “de baixo grau”, ou inflamação subclínica, é atualmente uma
característica reconhecida de HAS, aterosclerose e obesidade. A
Definição da HAS proteína C--reativa ultrassensível (PCRus) encontra-se aumentada em
pacientes hipertensos, de forma contínua e gradual aos valores de PA
(SOCESP, 4ª ed.).
↠ A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não
transmissível (DCNT) definida por níveis pressóricos, em Etiologia da HAS
que os benefícios do tratamento (não medicamentoso e/
ou medicamentoso) superam os riscos (DIRETRIZ, 2020). ↠ A hipertensão é amplamente classificada, com base na
etiologia, como hipertensão primária (essencial) ou
↠ Trata-se de uma condição multifatorial, que depende hipertensão secundária (PORTH, 10ª ed.).
de fatores genéticos/epigenéticos, ambientais e sociais,
caracterizada por elevação persistente da pressão arterial HIPERTENSÃO PRIMÁRIA
(PA), ou seja, PA sistólica (PAS) maior ou igual a 140
↠ A hipertensão primária (essencial) se refere à
mmHg e/ou PA diastólica (PAD) maior ou igual a 90
presença clínica de hipertensão sem evidências de uma
mmHg, medida com a técnica correta, em pelo menos
condição clínica causal específica. Tanto os fatores não
duas ocasiões diferentes, na ausência de medicação anti-
modificáveis quanto aqueles relacionados ao estilo de vida
hipertensiva (DIRETRIZ, 2020).
são implicados, seja isolada ou coletivamente, como
↠ A hipertensão é um fator de risco primário para fatores de contribuição para o desenvolvimento da
doenças cardiovasculares e uma causa líder de morbidade hipertensão primária (PORTH, 10ª ed.).
e mortalidade em todo o mundo (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: Por se tratar de condição frequentemente assintomática, a HA
costuma evoluir com alterações estruturais e/ou funcionais em órgãos-

Júlia Morbeck – @med.morbeck


2

FATORES DE RISCO NÃO MODIFICÁVEIS DA HIPERTENSÃO ↠ Em comparação a outros grupos étnicos nos EUA, a
PRIMÁRIA hipertensão é mais prevalente e mais grave em
afrodescendentes (PORTH, 10ª ed.).
↠ Os fatores de risco de hipertensão primária incluem
fatores não modificáveis, como idade, sexo, raça, histórico ↠ Estudos comparativos entre populações também
familiar e genética (PORTH, 10ª ed.). indicam que afrodescendentes tendem a desenvolver
hipertensão em uma idade menos avançada do que as
IDADE demais populações. Os fatores responsáveis por essas
diferenças podem incluir aumento da sensibilidade ao sal,
↠ A hipertensão primária é mais comum em adultos do
aumento dos níveis de obesidade e fatores genéticos
que em crianças. Historicamente, a hipertensão em
(PORTH, 10ª ed.).
crianças é mais provavelmente secundária, muitas vezes
em consequência de distúrbios cardíacos congênitos ou IMPORTANTE: Dados do Vigitel 2018 mostraram que, em nosso país, não
doença renal (PORTH, 10ª ed.). houve uma diferença significativa entre negros e brancos no que diz
respeito à prevalência de HA (24,9% versus 24,2%) (DIRETRIZ, 2020).
OBS.: Entretanto, a incidência de hipertensão primária em crianças e
adolescentes está aumentado, acompanhando o aumento da incidência HISTÓRICO FAMILIAR E GENÉTICA
de obesidade e diabetes melito tipo 2 em crianças (PORTH, 10ª ed.).
↠ A hipertensão é observada com mais frequência entre
↠ Na fase adulta, a probabilidade de hipertensão aumenta pessoas com histórico familiar de pressão arterial alta.
com o avanço da idade, assim como aumenta a Acredita-se que a contribuição genética para a
probabilidade de morbidades cardiovasculares associadas hipertensão possa se aproximar dos 50%. Embora os
à hipertensão (PORTH, 10ª ed.). geneticistas tenham identificado muitos loci genéticos associados à
hipertensão, nenhum deles é responsável por uma grande proporção
↠ A elevação da pressão arterial com o envelhecimento da incidência de hipertensão (PORTH, 10ª ed.).
está relacionada a um enrijecimento das paredes arteriais,
que afeta a pressão sistólica em particular. Evidências mais Pesquisadores estão explorando como os efeitos epigenéticos
recentes também indicam que a capacidade renal de excreção do relacionados à metilação do DNA podem influenciar a incidência e a
sódio diminui com a idade, e a retenção de sódio também contribui gravidade da hipertensão. Também é importante observar que o
ambiente interage com a genética, conforme evidenciado por muitos
para a hipertensão (PORTH, 10ª ed.).
distúrbios sem um locus genético comumente identificado e que, ainda
Em torno de 65% dos indivíduos acima dos 60 anos apresentam HA, assim, tendem a recidivar nas famílias (PORTH, 10ª ed.).
e deve-se considerar a transição epidemiológica que o Brasil vem
Outra possibilidade é que a influência genética sobre a hipertensão seja
sofrendo, com um número ainda maior de idosos (= 60 anos) nas
mediada por uma via de patogênese comum com outros distúrbios.
próximas décadas, o que acarretará um incremento substancial da
Por exemplo, a hipertensão é um componente da síndrome
prevalência de HA e de suas complicações (DIRETRIZ, 2020).
metabólica associada ao diabetes tipo 2, e algumas evidências
científicas iniciais identificaram que os genes selecionados reguladores
SEXO do metabolismo lipídico podem ter uma ligação genética comum com
a síndrome metabólica (PORTH, 10ª ed.).
↠ Em faixas etárias mais jovens, a PA é mais elevada
entre homens, mas a elevação pressórica por década se FATORES DE RISCO MODIFICÁVEIS DA HIPERTENSÃO
apresenta maior nas mulheres (DIRETRIZ, 2020).
PRIMÁRIA
Assim, na sexta década de vida, a PA entre as mulheres costuma ser
mais elevada e a prevalência de HA, maior. Em ambos os sexos, a ↠ Também foram identificados fatores de risco
frequência de HA aumenta com a idade, alcançando 61,5% e 68,0% modificáveis da hipertensão primária, incluindo dieta, níveis
na faixa etária de 65 anos ou mais, em homens e mulheres, de lipídios séricos, consumo de tabaco e álcool, nível de
respectivamente (DIRETRIZ, 2020). condicionamento físico e atividades, sobrepeso/obesidade
ETNIA e controle glicêmico no diabetes melito (PORTH, 10ª ed.).

↠ A etnia é um fator de risco importante para a HA, mas OBS.: As vias fisiopatológicas que podem ser fatores de contribuição
comuns entre esses aspectos do estilo de vida incluem perturbações
condições socioeconômicas e de hábitos de vida parecem no sistema renina-angiotensina-aldosterona, alterações dos
ser fatores mais relevantes para as diferenças na mecanismos dos peptídios natriuréticos, ativação do SNS e alteração
prevalência da HA do que a implicação étnica da função das células endoteliais (PORTH, 10ª ed.).
propriamente dita (DIRETRIZ, 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


3

INGESTÃO DE SÓDIO E POTÁSSIO conexão patogenética entre o tabaco e a hipertensão


também pode se estender para outros tipos de consumo
↠ A ingestão elevada de sódio tem-se mostrado um de tabaco, além do consumo de cigarros (PORTH, 10ª ed.).
fator de risco para a elevação da PA, e
consequentemente, da maior prevalência de HA. A literatura CONSUMO DE ÁLCOOL
científica mostra que a ingestão de sódio está associada a DCV e AVE,
quando a ingestão média é superior a 2 g de sódio, o equivalente a 5 ↠ O impacto da ingestão de álcool foi avaliado em
g de sal de cozinha (DIRETRIZ, 2020). diversos estudos epidemiológicos. Há maior prevalência de
HA ou elevação dos níveis pressóricos naqueles que
OBS.: O consumo excessivo de sódio é um dos principais fatores de
ingeriam seis ou mais doses ao dia, o equivalente a 30 g
risco modificáveis para a prevenção e o controle da HA e das DCV
(DIRETRIZ, 2020). de álcool/dia = 1 garrafa de cerveja (5% de álcool, 600
mL); = 2 taças de vinho (12% de álcool, 250 mL); = 1
↠ De maneira inversa, o aumento na ingestão de dose (42% de álcool, 60 mL) de destilados (uísque, vodca,
potássio reduz os níveis pressóricos. Deve ser salientado aguardente). Esse limite deve ser reduzido à metade para
que o efeito da suplementação de potássio parece ser homens de baixo peso e mulheres (DIRETRIZ, 2020).
maior naqueles com ingestão elevada de sódio e entre
os indivíduos da raça negra (DIRETRIZ, 2020). SOBREPESO/OBESIDADE
A ingestão média de sal no Brasil é de 9,3 g/dia (9,63 g/dia para ↠ Parece haver uma relação direta, contínua e quase
homens e 9,08 g/dia para mulheres), enquanto a de potássio é de 2,7 linear entre o excesso de peso (sobrepeso/obesidade) e
g/dia para homens e 2,1 g/dia para mulheres (DIRETRIZ, 2020).
os níveis de PA (DIRETRIZ, 2020).
DISLIPIDEMIA OBS.: Apesar de décadas de evidências inequívocas de que a
circunferência de cintura (CC) fornece informações independentes e
↠ A dislipidemia contribui para o aumento do risco de
aditivas ao índice de massa corpórea (IMC) para predizer morbidade e
hipertensão. Acredita-se que esse efeito seja em grande risco de morte, tal medida não é rotineiramente realizada na prática
parte mediado pela associação entre os lipídios no sangue clínica. Recomenda-se que os profissionais de saúde sejam treinados
e a aterosclerose (PORTH, 10ª ed.). para realizar adequadamente essa simples medida e considerá-la como
um importante “sinal vital” na prática clínica (DIRETRIZ, 2020).
↠ As placas ateroscleróticas no interior das artérias
Evidências recentes indicam que a leptina, um hormônio derivado dos
aumentam a resistência ao fluxo sanguíneo por esses adipócitos, pode representar uma ligação entre a adiposidade e o
vasos, o que contribui para a elevação da pressão arterial aumento da atividade simpática cardiovascular. Além do seu efeito
para superar o aumento da resistência (PORTH, 10ª ed.). sobre o apetite e o metabolismo, a leptina atua sobre o hipotálamo e
aumenta a pressão arterial por meio da ativação do SNS. Níveis altos
↠ A associação ao risco aumentado de hipertensão se de ácidos graxos livres circulantes em pessoas obesas aparentemente
dá com presença de níveis mais altos de colesterol, também participam na ativação do SNS (PORTH, 10ª ed.).
triglicerídios e LDL entre os lipídios sanguíneos;
SEDENTARISMO
entretanto, níveis baixos de HDL estão associados a um
risco maior de hipertensão (PORTH, 10ª ed.). ↠ Há uma associação direta entre sedentarismo,
elevação da PA e da HA. Chama a atenção que, em 2018,
OBS.: A ingestão alimentar de gorduras e colesterol também é um
fator que contribui para a hipertensão, em parte porque a ingestão
globalmente, a falta de atividade física (menos de 150
alimentar de gorduras contribui para o desenvolvimento de dislipidemia minutos de atividade física por semana ou 75 minutos de
(PORTH, 10ª ed.). atividade vigorosa por semana) era de 27,5%, com maior
prevalência entre as mulheres (31,7%) do que nos
TABACO homens (23,4%) (DIRETRIZ, 2020).
↠ Há muito tempo observa-se que o tabagismo está
↠ No Brasil, o inquérito telefônico Vigitel de 2019
associado ao desenvolvimento de hipertensão; contudo,
identificou que 44,8% dos adultos não alcançaram um
as conexões causais ainda não foram claramente
nível suficiente de prática de atividade física, sendo esse
identificadas (PORTH, 10ª ed.).
percentual maior entre mulheres (52,2%) do que entre
↠ Teorias atuais propõem que o mecanismo causal pode homens (36,1%) (DIRETRIZ, 2020).
envolver alterações inflamatórias relacionadas às toxinas
químicas do tabaco que contribuem para o
desenvolvimento da aterosclerose subclínica. Essa

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (AOS) para o aumento da RVP, e como um estímulo para o
aumento dos níveis de aldosterona e da retenção de
↠ A apneia obstrutiva do sono tem sido ligada sódio pelo rim. Um ou ambos os rins podem estar
diretamente à hipertensão. Acredita-se que o mecanismo afetados. Com o envolvimento da artéria renal de um dos
causal envolva, em parte, a perturbação do sono, a qual rins, o rim não afetado fica sujeito aos efeitos deletérios
interfere na “queda” circadiana noturna normal da pressão da elevação da pressão arterial (PORTH, 10ª ed.).
arterial. Essa “queda” noturna está associada a níveis de
pressão arterial mais baixos. Interrupções repetitivas do DISTÚRBIOS DOS HORMÔNIOS ADRENOCORTICAIS
sono e diminuição da duração ou da qualidade do sono
estão associadas a uma menor “queda” noturna da ↠ O aumento dos níveis de hormônios adrenocorticais
pressão arterial (PORTH, 10ª ed.). também pode ocasionar a hipertensão, em consequência
da retenção renal de sal e água induzida por hormônios
HIPERTENSÃO SECUNDÁRIA (PORTH, 10ª ed.).

↠ É a elevação da pressão arterial em consequência de ↠ O hiperaldosteronismo primário (produção excessiva


outra condição patológica. Contrariamente à hipertensão de aldosterona resultante de hiperplasia adrenocortical ou
primária, muitas condições causadoras de hipertensão adenoma) e níveis excessivos de glicocorticoides (doença
secundária podem ser corrigidas por cirurgia ou ou síndrome de Cushing) tendem a elevar a pressão
tratamento clínico específico (PORTH, 10ª ed.). arterial (PORTH, 10ª ed.).

↠ A hipertensão secundária tende a ser observada em Feocromocitoma


pessoas com menos de 30 e mais de 50 anos de idade
↠ O feocromocitoma é um tumor do tecido cromafínico,
(PORTH, 10ª ed.).
o qual contém células nervosas simpáticas que são
Cocaína, anfetaminas e outras drogas ilícitas podem causar hipertensão coradas com sais de cromo e liberam catecolaminas. O
significativa, assim como os agentes simpaticomiméticos tumor está mais comumente localizado na medula da
(descongestionantes, anorexígenos), a eritropoetina e o alcaçuz
(incluindo alguns tipos de tabaco para mascar contendo alcaçuz como
suprarrenal, mas pode surgir em outros locais, como os
um dos ingredientes) (PORTH, 10ª ed.). gânglios simpáticos, onde existe tecido cromafínico.
Embora seja rara, a presença de um feocromocitoma
↠ Entre as causas mais comuns de hipertensão, estão a pode causar crises hipertensivas sérias (PORTH, 10ª ed.).
doença renal (i. e., hipertensão renovascular), os distúrbios
dos hormônios corticais suprarrenais, o feocromocitoma, COARCTAÇÃO DA AORTA
a coarctação da aorta e o uso de anticoncepcionais orais
(PORTH, 10ª ed.). ↠ A coarctação da aorta é uma condição congênita
envolvendo um estreitamento na área do arco aórtico. O
HIPERTENSÃO RENAL estreitamento aórtico aumenta a resistência ao fluxo
sanguíneo e isso eleva a pressão no ventrículo esquerdo,
↠ Com o papel dominante assumido pelo rim na em uma tentativa de superar a resistência (PORTH, 10ª
regulação da pressão arterial, não surpreende que a ed.).
maior causa isolada de hipertensão secundária seja a
doença renal (PORTH, 10ª ed.). ↠ Como as artérias subclávias tipicamente têm origem
acima do ponto de estreitamento, o resultado é o
↠ A hipertensão renovascular se refere à hipertensão desenvolvimento de hipertensão nos membros
causada pela redução do fluxo sanguíneo renal e pela superiores e uma pressão arterial normal ou baixa nos
ativação do mecanismo da renina-angiotensina- membros inferiores. A coarctação pode ser reparada
aldosterona. É a causa mais comum de hipertensão cirurgicamente, com o objetivo de remover a restrição
secundária, sendo responsável por 1 a 2% de todos os ao fluxo pela aorta e normalizar a pressão arterial (PORTH,
casos de hipertensão (PORTH, 10ª ed.). 10ª ed.).
↠ Como consequência da diminuição do fluxo sanguíneo
renal observada com a doença renovascular, o rim
afetado libera quantidades excessivas de renina,
aumentando os níveis circulantes de angiotensina II. A
angiotensina II, por sua vez, atua como um vasoconstritor

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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relacionadas ao processo da doença primária causadora


da hipertensão secundária (PORTH, 10ª ed.).

LESÃO DOS ÓRGÃOS-ALVOS


↠ O aumento da pressão de perfusão ocasionada pela
hipertensão pode causar lesão direta dos órgãos-alvo.
Além disso, o aumento da pressão intravascular pode
lesionar as células endoteliais vasculares, o que aumenta
o risco de desenvolvimento de doença vascular
aterosclerótica (que compromete ainda mais a perfusão
dos órgãos) (PORTH, 10ª ed.).

↠ A lesão dos órgãos-alvo afeta em particular os órgãos


com estrutura altamente vascularizada ou que dependem
fortemente de um suprimento de sangue adequado para
a sua função apropriada, incluindo coração, cérebro, rins
e retina nos olhos (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: A hipertensão é uma causa líder de cardiopatia e doença cerebral
isquêmica, doença renal em estágio terminal e comprometimento
visual ou cegueira por retinopatia (PORTH, 10ª ed.).
Anticoncepcionais orais
↠ A elevação na pressão arterial aumenta a carga de
↠ O uso de anticoncepcionais orais é uma causa comum
trabalho do ventrículo esquerdo, por aumentar a pressão
de hipertensão secundária em mulheres jovens. A causa
contra a qual o coração precisa bombear o sangue
do aumento da pressão arterial não está muito clara,
ejetado na circulação sistêmica. Com o passar do tempo,
embora haja indícios de que a causa provável seja a
a pressão aumenta a carga de trabalho do coração, e a
expansão do volume, uma vez que tanto os estrogênios
parede ventricular esquerda sofre remodelamento e
quanto as progesteronas sintéticas contidas nas pílulas
hipertrofia para compensar o aumento do trabalho em
anticoncepcionais orais causam retenção de sódio
decorrência da pressão. Essa hipertrofia ventricular
(PORTH, 10ª ed.).
esquerda é um fator de risco importante para o
↠ Felizmente, a hipertensão associada aos desenvolvimento de cardiopatia coronariana, arritmias
anticoncepcionais orais normalmente desaparece após a cardíacas, morte súbita e insuficiência cardíaca congestiva,
descontinuação do medicamento, ainda que isso possa uma vez que o ventrículo não consegue bombear com
demorar 3 meses (PORTH, 10ª ed.). eficiência (PORTH, 10ª ed.).

Manifestações Clínicas da HAS ↠ A lesão dos rins é produzida por diversos mecanismos.
Uma das formas mais significativas de a hipertensão
↠ A hipertensão primária é tipicamente um distúrbio causar lesão renal é por hipoperfusão glomerular, a qual
assintomático. Os sintomas, quando ocorrem, promove glomeruloesclerose e fibrose tubulointersticial.
frequentemente estão relacionados aos efeitos da Outro mecanismo estudado inclui a disfunção endotelial
hipertensão a longo prazo sobre outros sistemas de decorrente da elevação da pressão glomerular (PORTH,
órgãos-alvo, como rins, coração, olhos e vasos 10ª ed.).
sanguíneos. A morbidade e a mortalidade relacionadas à
hipertensão progridem ao longo de toda a variação das ↠ Demência e comprometimento cognitivo são mais
pressões sistólica e diastólica, com a lesão dos órgãos-alvo frequentes em hipertensos. A hipertensão, em particular
variando acentuadamente entre pessoas com níveis de a hipertensão sistólica, é um importante fator de risco
hipertensão semelhantes (PORTH, 10ª ed.). para acidente vascular encefálico e hemorragia
intracerebral. O estreitamento e a esclerose das artérias
↠ Pessoas com hipertensão secundária também penetrantes de pequeno calibre nas regiões subcorticais
apresentam risco para os efeitos sobre esses órgãos-alvo, do cérebro são achados comuns à necropsia de pessoas
mas também podem apresentar manifestações clínicas com hipertensão crônica. Acredita-se que essas

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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alterações contribuam para a hipoperfusão, perda da com PA maior ou igual que 140 por 90 mmHg chegou a
autorregulação do fluxo sanguíneo e comprometimento 32,3% (IC 95% 31,7- 33,0) (DIRETRIZ, 2020).
da barreira hematencefálica, finalmente levando à
↠ Detectou-se que a prevalência de HA foi maior entre
desmielinização da substância branca (PORTH, 10ª ed.).
homens, além de, como esperado, aumentar com a idade
↠ A hipertensão também afeta o olho, em alguns casos por todos os critérios, chegando a 71,7% para os
de modo devastador. A retinopatia hipertensiva afeta a indivíduos acima de 70 anos (DIRETRIZ, 2020).
retina induzindo uma série de alterações microvasculares.
↠ No período de uma década (2008 a 2017), foram
O olho de um hipertenso inicialmente apresenta aumento
estimadas 667.184 mortes atribuíveis à HA no Brasil
do tônus vasomotor, que causa estreitamento arteriolar
(DIRETRIZ, 2020).
generalizado. A longo prazo, essas alterações podem
causar lacerações arteriovenosas (AV) mais graves e ↠ Em termos de custos ao SUS, a HA tem custos
cegueira (PORTH, 10ª ed.). atribuíveis maiores do que os da obesidade e do DM. Ao
EMERGÊNCIA HIPERTENSIVA: Algumas poucas pessoas hipertensas
longo da última década, 77% dos custos com
desenvolvem um tipo de hipertensão acelerada e possivelmente fatal, hospitalizações no SUS com DAC são representados por
denominada emergência hipertensiva, que é caracterizada por DCV associadas à HA e aumentaram 32%, em reais, de
elevações acentuadas e súbitas na pressão arterial (> 180/120 mmHg), 2010 a 2019, passando de R$ 1,6 bilhão para R$ 2,2 bilhões
complicadas por evidências de lesões agudas dos órgãos-alvo ou
no período (DIRETRIZ, 2020).
agravamento destas (PORTH, 10ª ed.).
Diagnóstico da HAS
Epidemiologia
↠ A avaliação inicial de um paciente com hipertensão
DADOS EPIDEMIOLÓGICOS GLOBAIS
arterial (HA) inclui a confirmação do diagnóstico, a suspeita
↠ As DCV são a principal causa de morte, hospitalizações e a identificação de causa secundária, além da avaliação
e atendimentos ambulatoriais em todo o mundo, inclusive do risco cardiovascular (CV). As lesões de órgão-alvo
em países em desenvolvimento como o Brasil. Em 2017, (LOA) e as doenças associadas também devem ser
dados completos e revisados do Datasus mostraram a investigadas (DIRETRIZ, 2020).
ocorrência de 1.312.663 óbitos no total, com um percentual
↠ Fazem parte dessa avaliação: (DIRETRIZ, 2020).
de 27,3% para as DCV. A HA estava associada em 45%
destas mortes cardíacas (DIRETRIZ, 2020). ➢ a medida da pressão arterial (PA) no consultório
e/ou fora dele, utilizando-se técnica adequada e
↠ Ainda, segundo o Carga Global das Doenças (GBD),
equipamentos validados e calibrados;
observou-se que a elevação da PAS foi o principal fator
➢ a obtenção de história médica (pessoal e
de risco, responsável por 10,4 milhões de mortes e 218
familiar);
milhões de DALYs ((anos de vida ajustados para a
➢ a realização de exame físico;
incapacidade ou, em outras palavras, anos perdidos de
➢ a investigação clínica e laboratorial.
vida saudável) (DIRETRIZ, 2020).
OBS.: Propõem-se avaliações gerais a todos os hipertensos e avaliações
↠ Globalmente, em 2010, a prevalência de HA (=140/90 complementares apenas para grupos específicos (DIRETRIZ, 2020).
mmHg e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva) foi
de 31,0%, sendo maior entre homens (31,9%) do que ↠ A avaliação clínica e laboratorial do paciente com
entre as mulheres (30,1%) (DIRETRIZ, 2020). hipertensão arterial deve ser composta pelas seguintes
partes: (SOCESP, 4ª ed.).
PREVALÊNCIA DE HAS NO BRASIL
➢ Histórico clínico e exame físico.
↠ Os dados de prevalência no país tendem a variar de ➢ Exames laboratoriais.
acordo com a metodologia e a casuística utilizadas.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, 21,4% (IC
95% 20,8-22,0) dos adultos brasileiros autorrelataram HA,
enquanto, considerando as medidas de PA aferidas e uso
de medicação anti-hipertensiva, o percentual de adultos

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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diferirem em > 10 mmHg. Registre em prontuário a média das duas


últimas leituras da PA, sem “arredondamentos” e o braço em que a
PA foi medida.

Medidas adicionais podem ter que ser realizadas em pacientes com


valores instáveis da PA devido a arritmias.

Use o manguito adequado para a circunferência do braço.

O manguito deve ser posicionado ao nível do coração. A palma da


mão deve estar voltada para cima e as roupas não devem garrotear
o braço. As costas e o antebraço devem estar apoiados; as pernas,
descruzadas; e os pés, apoiados no chão.
HISTÓRICO CLÍNICO E EXAME FÍSICO
Meça a PA nos dois braços na primeira visita, de preferência
↠ O histórico clínico é fundamental para o conhecimento simultaneamente, para detectar possíveis diferenças entre os braços.
das principais características do paciente, assim como Use o braço com o maior valor como referência.
para todas as avaliações médicas. Deve obrigatoriamente
incluir: (SOCESP, 4ª ed.). ↠ Outros aspectos do exame são fundamentais, como:
(SOCESP, 4ª ed.).
➢ Quando a doença começou;
➢ Tratamentos e exames anteriores; ➢ Obtenção da frequência cardíaca;
➢ Fatores de risco eventualmente presentes; ➢ Peso, estatura e índice de massa corporal (IMC),
➢ Indícios de outras doenças que podem cursar com calculado a partir desses dados: peso
elevação da PA (hipertensão secundária);
➢ Medicamentos em uso e que podem interferir na PA.
(kg/altura2(em metros) = IMC..
➢ Procurar sinais de lesões em órgãos-alvo
(DIRETRIZ, 2020);
➢ Avaliar o aparelho cardiovascular (palpação e
ausculta) (DIRETRIZ, 2020);
➢ Observar as extremidades: edemas, pulsos em
MMSS e MMII (DIRETRIZ, 2020);
OBS.: A obesidade é identificada quando o IMC for maior ou igual a 30
kg/m (SOCESP, 4ª ed.).

A obesidade visceral, um parâmetro que estima risco cardiovascular


com muita precisão, pode ser estimada pela medida da circunferência
↠ No exame físico, a medida da pressão arterial é o abdominal. Segundo o NCEP III, são considerados valores normais
aqueles inferiores a 88 cm para as mulheres e a 102 cm para os
ponto cardinal, pois será a partir desses valores que se homens (SOCESP, 4ª ed.).
considerará o diagnóstico de HAS (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Com a história clínica, valores de pressão arterial e
Aferição da PA dentro do consultório
exame físico, é possível estratificar o risco de cada
A PA deve ser medida em toda avaliação por médicos, de qualquer paciente com HAS, o que será fundamental para o
especialidade, e por todos os profissionais da saúde devidamente estabelecimento do tratamento e para que se definam as
capacitados (DIRETRIZ, 2020).
metas ideais de pressão arterial a serem atingidas com as
O paciente deve sentar-se confortavelmente em um ambiente intervenções propostas (SOCESP, 4ª ed.).
silencioso por 5 minutos, antes de iniciar as medições da PA. Explique
o procedimento ao indivíduo e oriente a não conversar durante a Aferição da PA fora do consultório
medição. Possíveis dúvidas devem ser esclarecidas antes ou depois do
A PA fora do consultório pode ser obtida através da MAPA ou da
procedimento. (DIRETRIZ, 2020).
MRPA, respeitando-se suas indicações e limitações (DIRETRIZ, 2020).
Certifique-se de que o paciente NÃO: (DIRETRIZ, 2020).

➢ Está com a bexiga cheia;


➢ Praticou exercícios físicos há, pelo menos, 60 minutos;
➢ Ingeriu bebidas alcoólicas, café ou alimentos;
➢ Fumou nos 30 minutos anteriores.
MAPA e a MRPA não devem ser confundidas com a automedida da
Três medidas de PA devem ser realizadas, com intervalo de 1 a 2 PA (AMPA), realizada com equipamento automático do próprio
minutos; e medidas adicionais somente se as duas primeiras leituras paciente, que não obedece a nenhum protocolo preestabelecido. As

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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medidas são realizadas aleatoriamente e feitas por decisão do próprio Glicemia de jejum e hemoglobina glicada: é fundamental afastar a
paciente ou até a pedido médico (DIRETRIZ, 2020). presença de diabetes melito, fator de risco agravante da hipertensão
arterial sistêmica.

Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular (TFG calculada): a


creatinina sérica é o principal indicador da função renal. Contudo, deve-
se atentar que a creatinina somente começa a se elevar quando
houver perda de 30 a 40% da massa funcional glomerular, por isso a
necessidade de se calcular a TFG.

Ácido úrico: a artrite gotosa é subdiagnosticada e passível de ser


agravada pelo uso intempestivo de tiazídico. Da mesma forma que o
uso de substâncias que acidificam a urina (p. ex., a vitamina C) pode
facilitar a formação de cálculos renais.

Potássio: a hipocalemia pode ser o único indicador para


hiperaldosteronismo. Além disso, hipocalemia facilita desenvolvimento
de arritmias e prejudica o controle da glicemia.

Lipidograma (colesterol total, HDL-colesterol, LDL-colesterol e


triglicerídeos): atores de risco muito frequentes entre os hipertensos,
já bem estabelecido o seu tratamento quando alterados. Não há
necessidade de solicitar a dosagem do LDL-colesterol. Ele pode ser
obtido (quando os triglicerídeos forem < 400 mg/dL) utilizando-se a
fórmula:

LDL-colesterol = Colesterol total – (Triglicerídeos/5 + HDL-


colesterol)
EXAMES LABORATORIAIS (COMPLEMENTAR)
URINA
↠ Os exames recomendados para a avaliação do
paciente com HAS são os apresentados na tabela abaixo, Alterações nos sedimentos e densidade urinária indicam disfunção
sendo divididos em testes de rotina, testes adicionais renal e a necessidade da dosagem da fração albumina:creatinina,
principalmente em diabéticos.
baseados no histórico clínico, exame físico e exames de
rotina e avaliação especializada, em geral de competência ELETROCARDIOGRAMA (ECG)
do especialista em hipertensão arterial sistêmica
O ECG é um exame pouco sensível, porém bastante específico. A
(SOCESP, 4ª ed.). presença de sinais indicativos de aumento do átrio e hipertrofia
ventricular esquerda (HVE) são dados importantes obtidos pelo exame.
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL NO PACIENTE COM HAS O ECG é também importante para detectar arritmias, principalmente
EXAMES DE ROTINA a fibrilação atrial, frequente nos idosos.
Hemoglobina e/ou hematócrito
Glicemia de jejum EXAMES ADICIONAIS, BASEADOS EM HISTÓRICO CLÍNICO,
Colesterol plasmático total, LDL-C, HDL-C EXAMES FÍSICOS E ACHADOS DE EXAMES LABORATORIAIS DE
Triglicérides plasmático ROTINA
Sódio e Potássio Hemoglobina se glicemia de jejum >/= 100 mg ou
Ácido úrico diagnóstico prévio de diabetes
Creatinina Proteinúria quantitativa
Análise da urina Monitorização ambulatorial de pressão arterial (MAPA) ou
Microalbuminúria residencial (MRPA)
Eletrocardiograma de 12 derivações Ecocardiograma: é mais sensível que o ECG quanto ao
diagnóstico de hipertrofia do ventrículo esquerdo e agrega
valores na avaliação de formas geométricas;
EXAMES DE ROTINA Holter em caso de arritmias que necessitam de avaliação
HIPERTENSÃO, 3ª ed. detalhada
Fundoscopia
SANGUE

Hemograma: deve-se observar a presença de anemia na doença renal


crônica e nas situações primárias de aumento do hematócrito Classificação da HAS
(síndrome de Gaisbock).
↠ No diagnóstico da HA, são possíveis vários fenótipos.
Define-se a normotensão verdadeira (NV) como as

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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medidas da PA no consultório e fora do consultório visitas subsequentes no consultório devem ser utilizadas
normais, a HA sustentada (HS) quando ambas são para confirmar uma elevação persistente, bem como
anormais, a HA do avental branco (HAB) quando a PA é para classificar o estágio da HA (DIRETRIZ, 2020).
elevada no consultório, mas é normal fora dele, e HA
↠ Quanto maior o estágio da HA, maior deverá ser o
mascarada (HM) quando a PA é normal no consultório,
número de visitas e menor o intervalo de tempo entre
mas é elevada fora dele (DIRETRIZ, 2020).
elas (DIRETRIZ, 2020).
↠ Embora a prevalência varie entre os estudos, a HAB
pode ser detectada em cerca de 15 a 19% dos indivíduos Tratamento da HAS
no consultório, alcançando 30 a 40% naqueles com PA ↠ Um dos objetivos específicos do tratamento do
elevada no consultório. É mais comum nos pacientes com paciente hipertenso é obter o controle pressórico
HA estágio 1 (DIRETRIZ, 2020). alcançando a meta de pressão arterial (PA) previamente
estabelecida. Tal meta deve ser definida individualmente,
sempre considerando a idade e a presença de doença
cardiovascular (DCV) ou de seus fatores de risco (FR). De
forma geral, deve-se reduzir a PA visando a alcançar
valores menores que 140/90 mmHg e não inferiores a
120/70 mmHg (DIRETRIZ, 2020).
RECOMENDAÇÕES PARA DIAGNÓSTICO E SEGUIMENTO
TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO
↠ A HA é uma condição habitualmente assintomática. Por
↠ O tratamento não farmacológico (TNF) está indicado
isso, deve ser avaliada em todo atendimento médico e
para todos os pacientes com HAS, pois viabilizam
em programas estruturados de triagem populacional.
menores doses dos anti-hipertensivos (SOCESP, 4ª ed.).
Nestes últimos, mais de 50% dos portadores de HA não
sabiam que tinham a doença (DIRETRIZ, 2020). ↠ Para pacientes com HAS estágio 1 e baixo a moderado
risco CV, sem evidência de lesão m órgãos-alvo, o TNF
↠ Pessoas saudáveis com uma PA ótima no consultório
está indicado isoladamente por um período de 3 a 6
(< 120/80 mmHg) ou com PA normal (120-129/80-84
meses, antes de se iniciar a terapia farmacológica. Paciente
mmHg) devem ter a PA medida novamente pelo menos
com HAS estágio 1, mas com alto risco CV e lesão em
anualmente e nas consultas médicas (DIRETRIZ, 2020).
órgãos-alvo devem iniciar simultaneamente o tratamento
↠ Pacientes com pré-hipertensão (130-139/85-89 mmHg) farmacológico e não farmacológico (SOCESP, 4ª ed.).
devem ter a PA medida anualmente ou,
↠ As mudanças de estilo de vida recomendadas para
preferencialmente antes, devido às altas taxas de
redução da pressão arterial (PA) são: restrição de sal,
progressão para HA. Além disso, nos casos suspeitos de
moderação do consumo de álcool, alto consumo de
HM, a MAPA ou a MRPA devem ser realizadas para
vegetais e frutas, redução de peso com manutenção do
detectar tal fenótipo (DIRETRIZ, 2020).
peso corporal ideal e atividade física regular (SOCESP, 4ª
ed.).
OBS.: Um potencial desvantagem da modificação do estilo de vida é
sua baixa adesão ao longo do tempo (SOCESP, 4ª ed.).

HÁBITOS ALIMENTARES
↠ É importante salientar que orientação de estilo de vida
do ponto de vista nutricional não é recomendar dieta e
sim educação nutricional para o resto da vida (SOCESP,
↠ Como a PA pode ter alta variabilidade, o diagnóstico
4ª ed.).
de HA não deve se basear exclusivamente na medida da
PA em apenas uma consulta médica, a menos que esteja ↠ A reeducação alimentar, por sua vez, implementa o
substancialmente elevada (HA estágio 3) ou haja conceito de mudança de hábitos alimentares que terão
diagnóstico estabelecido de LOA ou de doença CV. Para
os demais pacientes, as medidas repetidas da PA em

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impacto na prevenção CV ao longo da vida (SOCESP, 4ª ➢ diuréticos (DIU);


ed.). ➢ bloqueadores dos canais de cálcio (BCC);
➢ inibidores da enzima conversora de angiotensina
CAFÉ E PRODUTOS COM CAFEÍNA (IECA);
↠ O café, além de ser rico em cafeína, possui compostos ➢ bloqueadores dos receptores da angiotensina I
bioativos como polifenóis, em especial os ácidos (BRA);
clorogênicos, o magnésio e o potássio, que podem ➢ betabloqueadores (BB).
favorecer a redução da PA. A cafeína é capaz de elevar ↠ Esses medicamentos demonstraram reduções
agudamente a PA, por mais de três horas, mas o significativas da PA comparadas com placebo,
consumo regular leva à tolerância (DIRETRIZ, 2020). acompanhadas de diminuições consideráveis dos
desfechos CV fatais e não fatais, benefício relacionado
PERDA DE PESO
fundamentalmente com a redução da PA (DIRETRIZ,
↠ O peso corporal está diretamente relacionado com a 2020).
PA. Isso se torna mais evidente com o aumento da
OBS.: Outras classes de fármacos, como os alfabloqueadores, os
prevalência de obesidade ao redor do mundo. A perda de
simpatolíticos de ação central, os antagonistas da aldosterona e os
peso, além de promover a queda da PA, reduz o risco vasodilatadores diretos, não foram amplamente estudadas em ensaios
CV e melhora a eficácia das medicações anti-hipertensivas clínicos e associam-se a maior taxa de eventos adversos e devem ser
(DIRETRIZ, 2020). usadas quando não há controle da PA em uso de combinações
utilizando-se as principais classes de fármacos já mencionadas
ATIVIDADE FÍSICA E EXERCÍCIO FÍSICO (DIRETRIZ, 2020).

↠ A atividade física (AF) refere-se a qualquer movimento CARACTERÍSTICAS E ORIENTAÇÕES SOBRE OS FÁRMACOS ANTI-
corporal que aumente o gasto energético acima daquele HIPERTENSIVOS

em repouso, como locomoção e atividades laborais, São características desejáveis do fármaco anti-hipertensivo: (DIRETRIZ,
domésticas e de lazer (DIRETRIZ, 2020). 2020).

➢ Ter demonstrado a capacidade de reduzir a morbidade e


↠ O exercício físico (EF), por sua vez, refere-se à AF
a mortalidade CV;
estruturada, organizada e com objetivo específico, como ➢ Ser eficaz por via oral;
melhorar a saúde e/ou a aptidão física (DIRETRIZ, 2020). ➢ Ser bem tolerado;
➢ Ser administrado preferencialmente em dose única diária;
↠ A prática regular de AF diminui a incidência de HÁ ➢ Poder ser usado em associação;
Além disso, os hipertensos que alcançam as ➢ Ter controle de qualidade em sua produção.
recomendações de prática de AF para a saúde Além disso, recomenda-se: (DIRETRIZ, 2020).
apresentam uma redução de 27 a 50% no risco de
mortalidade, mas níveis menores também apresentam ➢ Utilizar por um período mínimo de quatro semanas, antes
de modificações, salvo em situações especiais;
efeito benéfico (DIRETRIZ, 2020). ➢ Não utilizar medicamentos manipulados, pois não são
submetidos a controle da farmacocinética e
farmacovigilância;
➢ O paciente deverá ser orientado sobre a importância do
uso contínuo da medicação anti-hipertensiva, da eventual
necessidade de ajuste de doses, da troca ou da associação
de medicamentos e ainda do eventual aparecimento de
efeitos adversos;
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ➢ Não há evidências suficientes para a recomendação
rotineira da administração noturna de fármacos anti-
↠ A proteção cardiovascular (CV) consiste no objetivo hipertensivos, exceto em condições especiais.
primordial do tratamento anti-hipertensivo. A redução da
pressão arterial (PA) é a primeira meta, com o objetivo IMPORTANTE: O tratamento com medicamentos pode ser iniciado com
monoterapia ou com combinação de fármacos. Ênfase deve ser dada
maior de reduzir desfechos CV e mortalidade associados
ao uso de combinação de fármacos como estratégia preferencial para
à hipertensão arterial (HA) (DIRETRIZ, 2020). a maioria dos pacientes hipertensos (DIRETRIZ, 2020).

↠ As cinco principais classes de fármacos anti-


hipertensivos são: (DIRETRIZ, 2020).

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DIURÉTICOS (DIU)
↠ O mecanismo da ação anti-hipertensiva dos DIU
relaciona-se inicialmente a seus efeitos natriureticos, com
a diminuição do volume circulante e do volume
extracelular (DIRETRIZ, 2020).

MECANISMO DE AÇÃO: Os diuréticos modificam a excreção


ou a reabsorção dos eletrólitos (sódio e cloreto) no rim.
Por sua vez, isso determina o volume de água que se
torna urina e que será eliminada pelo sistema urinário
(FORD, 11ª ed.).
➢ Diuréticos de alça inibem a reabsorção de sódio e de
cloreto nos túbulos distais e proximais do rim, bem como
na alça de Henle. A ação nesses três locais aumenta sua
efetividade como diuréticos (FORD, 11ª ed.).
➢ Diuréticos tiazídicos e diuréticos relacionados inibem a
reabsorção de íons sódio e cloreto no ramo ascendente
da alça de Henle e na parte inicial do túbulo distal do néfron.
Essa ação resulta na excreção de sódio, cloreto e água
(FORD, 11ª ed.).
➢ Diuréticos poupadores de potássio reduzem a excreção
de potássio pelo rim. Eles bloqueiam a reabsorção de sódio
nos túbulos renais, com consequente aumento da
eliminação de sódio e água na urina; isso reduz a excreção BLOQUEADORES DOS CANAIS DE CÁLCIO (BCC)
de potássio. A espironolactona antagoniza a ação da
aldosterona. A aldosterona, um hormônio produzido pelo As artérias sistêmicas e coronárias são influenciadas pelo movimento
córtex das glândulas suprarrenais, aumenta a reabsorção de cálcio através das membranas celulares do músculo liso vascular.
de sódio nos túbulos contorcidos distais do rim. Quando As contrações do músculo cardíaco e músculo liso vascular dependem
essa reabsorção é bloqueada pelo fármaco, o sódio (mas do movimento de íons cálcio extracelulares para dentro dessas
não o potássio) e a água são excretados (FORD, 11ª ed.). paredes através de canais iônicos específicos (FORD, 11ª ed.).
➢ Diuréticos osmóticos (manitol, sorbitol) aumentam a
densidade do filtrado no glomérulo. Isso impede a ↠ Bloqueadores dos canais de cálcio inibem o
reabsorção seletiva de água, que é eliminada na forma de movimento de íons cálcio através das membranas
urina. Ocorre também aumento da excreção de sódio e celulares das células musculares cardíacas e arteriais. Isso
cloreto (FORD, 11ª ed.).
resulta em menor disponibilidade de cálcio para a
➢ Inibidores da anidrase carbônica (acetazolamida) são
sulfonamidas, sem ação bacteriostática, que inibem a transmissão de impulsos nervosos. Em consequência,
enzima anidrase carbônica, resultando em excreção de esses fármacos relaxam os vasos sanguíneos, aumentam
sódio, potássio, bicarbonato e água (FORD, 11ª ed o suprimento de oxigênio ao coração e reduzem o
trabalho cardíaco (FORD, 11ª ed.).
↠ Após quatro a seis semanas, o volume circulante
praticamente normaliza-se, e ocorre redução da ↠ Reduz a disponibilidade de cálcio no interior das células
resistência vascular periférica (RVP) (DIRETRIZ, 2020). dificultando a contração muscular e, consequentemente,
diminui a RVP por vasodilatação (DIRETRIZ, 2020).
↠ Deve-se dar preferência aos DIU tiazídicos
(hidroclorotiazida) ou similares (clortalidona e indapamida) ↠ Os BCC são classificados em dois tipos básicos: os di-
em doses baixas, pois são mais suaves e com maior hidropiridínicos e os não di-hidropiridínicos (DIRETRIZ,
tempo de ação, reservando-se os DIU de alça (furosemida 2020).
e bumetanida) às condições clínicas com retenção de
sódio e água, como a insuficiência renal (DIRETRIZ, 2020). ↠ Os dihidropiridínicos (anlodipino, nifedipino, felodipino,
manidipino, levanlodipino, lercanidipino, lacidipino) exercem
EFEITOS ADVERSOS: Os principais efeitos adversos dos DIU são fraqueza, efeito vasodilatador predominante, com mínima
cãibras, hipovolemia e disfunção erétil (DIRETRIZ, 2020).
interferência na FC e na função sistólica, sendo, por isso,
mais frequentemente usados como medicamentos anti-
hipertensivos (DIRETRIZ, 2020).

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↠ Os BCC não di-hidropiridínicos, como as ➢ não seletivos: bloqueiam tanto os receptores


difenilalquilaminas (verapamila) e as benzotiazepinas adrenérgicos beta-1, encontrados principalmente
(diltiazem), têm menor efeito vasodilatador e agem na no miocárdio, quanto os beta-2, encontrados no
musculatura e no sistema de condução cardíacos. Por músculo liso, nos pulmões, nos vasos sanguíneos
isso, reduzem a FC, exercem efeitos antiarrítmicos e e em outros órgãos (propranolol, nadolol e
podem deprimir a função sistólica, principalmente nos pindolol, este último apresentando atividade
pacientes que já tenham disfunção miocárdica, devendo simpatomimética intrínseca, agindo como um
ser evitados nessa condição (DIRETRIZ, 2020). agonista adrenérgico parcial e produzindo
menos bradicardia);
Convém dar preferência aos BCC de ação prolongada para evitar
oscilações indesejáveis na FC e na PA. São anti-hipertensivos eficazes ➢ cardiosseletivos: bloqueiam preferencialmente os
e reduzem a morbidade e mortalidade CV (DIRETRIZ, 2020). receptores beta-1 adrenérgicos (atenolol,
metoprolol, bisoprolol e nebivolol, que é o mais
EFEITOS ADVERSOS: O edema maleolar costuma ser o efeito colateral cardiosseletivo);
mais registrado e resulta da própria ação vasodilatadora (mais arterial
➢ com ação vasodilatadora: manifesta-se por
que venosa), promovendo a transudação capilar. A cefaleia latejante e
as tonturas são comuns (DIRETRIZ, 2020). antagonismo ao receptor alfa-1 periférico
(carvedilol) e por produção de óxido nítrico
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA (nebivolol).
(IECA)
OBS.: Uma metanálise que incluiu mais de 130 mil pacientes com
↠ São medicamentos anti-hipertensivos eficazes que hipertensão primária identificou que o atenolol, comparado com os
têm como ação principal a inibição da enzima conversora demais anti-hipertensivos, aumenta o risco de AVE em 26% e a
mortalidade geral em 8%, ambos estatisticamente significantes. Essa é
de angiotensina I, responsável a um só tempo pela
a principal razão para tal diretriz recomendar os BB como medicação
transformação de angiotensina I em angiotensina II anti-hipertensiva inicial apenas nos casos em que têm indicação
(vasoconstritora) e pela redução da degradação da específica (DIRETRIZ, 2020).
bradicinina (vasodilatadora). São eficazes no tratamento da
EFEITOS ADVERSOS: Broncoespasmo, bradicardia, distúrbios da condução
HA, reduzindo a morbidade e mortalidade CV (DIRETRIZ, atrioventricular, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos,
2020). depressão, astenia e disfunção sexual. Os BB são contraindicados em
pacientes com asma, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e
EFEITOS ADVERSOS: Habitualmente, são bem tolerados pela maioria dos bloqueio atrioventricular de segundo e terceiro graus. Podem acarretar
pacientes hipertensos, sendo a tosse seca seu principal efeito colateral, intolerância à glicose, induzir ao aparecimento de novos casos de
acometendo 5 a 20% dos usuários (DIRETRIZ, 2020). diabetes melito, hipertrigliceridemia, elevação do colesterol-LDL e
redução do colesterol-HDL (DIRETRIZ, 2020).
BLOQUEADORES DOS RECEPTORES AT1 DA ANGIOTENSINA II
(BRA) SIMPATOLÍTICOS DE AÇÃO CENTRAL
↠ Os BRA antagonizam a ação da angiotensina I pelo ↠ Os alfa-agonistas de ação central agem por meio do
bloqueio específico dos receptores AT1, responsáveis estímulo dos receptores alfa-2 que estão envolvidos nos
pelas ações próprias da angiotensina II (vasoconstrição, mecanismos simpatoinibitório (DIRETRIZ, 2020).
estímulo da proliferação celular e da liberação de
aldosterona) (DIRETRIZ, 2020). ↠ Os efeitos dessa classe são: diminuição da atividade
simpática e do reflexo dos barorreceptores, o que
BETABLOQUEADORES (BB) contribui para a bradicardia relativa e a hipotensão notada
na posição ortostática; discreta diminuição na RVP e no
↠ Os BB têm ações farmacológicas complexas.
débito cardíaco, redução nos níveis plasmáticos de renina;
Promovem a diminuição inicial do débito cardíaco e da
e retenção de fluidos (DIRETRIZ, 2020).
secreção de renina, com a readaptação dos
barorreceptores e diminuição das catecolaminas nas ↠ São representantes desse grupo: metildopa, clonidina
sinapses nervosas (DIRETRIZ, 2020). e o inibidor dos receptores imidazolínicos rilmenidina
(DIRETRIZ, 2020).
↠ Eles podem ser diferenciados em três categorias, de
acordo com a seletividade para ligação aos receptores OBS.: A metildopa encontra sua principal indicação na HA durante a
adrenérgicos: (DIRETRIZ, 2020). gestação, pois é usada por um curto período da vida, com grande
experiência clínica em sua utilização nesse tempo, e apresenta o

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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melhor perfil de segurança para a gestante e para o feto (DIRETRIZ,


2020).

EFEITOS ADVERSOS: Os medicamentos dessa classe apresentam reações


adversas decorrentes da ação central, como sonolência, sedação, boca
seca, fadiga, hipotensão postural e disfunção erétil (DIRETRIZ, 2020).

ALFABLOQUEADORES
↠ Os medicamentos dessa classe agem como
antagonistas competitivos dos receptores alfa-1 pós-
sinápticos, reduzindo a RVP sem mudanças no débito
cardíaco. Promovem maior redução pressórica quando na
posição ortostática e na taquicardia reflexa (DIRETRIZ,
2020).

↠ Os representantes dessa classe utilizados como


medicamentos anti-hipertensivos são a doxazosina e a
prazosina (DIRETRIZ, 2020).

OBS.: Uma ação coadjuvante benéfica dos bloqueadores


alfa-1 é o relaxamento da musculatura do assoalho
prostático, a qual favorece o esvaziamento da bexiga nos
pacientes com hiperplasia prostática benigna (HPB)
(DIRETRIZ, 2020).
EFEITOS ADVERSOS: Podem provocar hipotensão sintomática na primeira
dose (DIRETRIZ, 2020).

VASODILATADORES DIRETOS
↠ Os medicamentos dessa classe, ativos por via oral, são ASSOCIAÇÕES DE FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS
a hidralazina e o minoxidil. Atuam diretamente, relaxando
a musculatura lisa arterial, levando à redução da RVP A terapia anti-hipertensiva inicial com combinação de fármacos
(DIRETRIZ, 2020). parece estar associada à redução do risco de desfechos CV
quando comparada com o tradicional início do tratamento com
EFEITOS ADVERSOS: Os efeitos colaterais da hidralazina são cefaleia, monoterapia. A combinação inicial de dois fármacos em
flushing, taquicardia reflexa e reação lupus-like (dose-dependente). Um comparação com a associação sequencial promove um
efeito colateral frequente do minoxidil é o hirsutismo, que ocorre em controle mais rápido, podendo reduzir em até cinco vezes mais
aproximadamente 80% dos pacientes (DIRETRIZ, 2020). a PA, com evidente impacto sobre LOA e desfechos CV a
longo prazo (DIRETRIZ, 2020).
INIBIDORES DIRETO DA RENINA
↠ O alisquireno, único representante da classe disponível
comercialmente, promove a inibição direta da ação da
renina com a consequente diminuição da formação de
angiotensina II (DIRETRIZ, 2020).
OBS.: Não existem, contudo, evidências de seus benefícios sobre a
morbidade e a mortalidade CV em hipertensos e pré-hipertensos
(DIRETRIZ, 2020).

↠ Seu uso é contraindicado na gravidez pelas mesmas


razões dos IECA e BRA (DIRETRIZ, 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Prevenção da HAS ATIVIDADE FÍSICA


A HA tem alta prevalência e é um dos principais fatores de risco para ↠ Todos os adultos devem ser aconselhados a praticar
as DCV e renais, apresentando determinantes genéticos, ambientais e pelo menos 150 min/semana de atividades físicas
sociais combinados. Mostra-se de fácil diagnóstico e seu tratamento é
eficaz utilizando-se um arsenal terapêutico diversificado, bastante
moderadas ou 75 min/semana de vigorosas. Os
eficiente e com poucos efeitos adversos. Mesmo assim, seu controle exercícios aeróbicos (caminhada, corrida, ciclismo ou
em todo o mundo é pífio, porque se trata de doença frequentemente natação) podem ser praticados por 30 minutos em 5 a 7
assintomática, o que dificulta a adesão aos cuidados (DIRETRIZ, 2020). dias por semana. A realização de exercícios resistidos em
A equação final torna o desafio do tratamento muito elevado, e a 2 a 3 dias por semana também pode ser recomendada
prevenção continua a ser a melhor opção em termos de custo- (DIRETRIZ, 2020).
benefício. A abordagem adequada dos fatores de risco para o
desenvolvimento da HA deve ser o grande foco do SUS. Nesse FATORES PSICOSSOCIAIS
quesito, há vários pontos que merecem destaque (DIRETRIZ, 2020).
↠ O controle do estresse emocional, por diversas
CONTROLE DO PESO técnicas existentes, pode contribuir para a prevenção da
HÁ, carecendo ainda de mais estudos robustos nesse
↠ A obesidade geral e a obesidade abdominal foram associadas ao
sentido (DIRETRIZ, 2020).
aumento do risco de HA. Por outro lado, a diminuição do peso
promove a diminuição da PA tanto em indivíduos TABAGISMO
normotensos quanto em hipertensos. Ser “o mais magro
possível” dentro da faixa da normalidade do IMC pode ser ↠ Independentemente de seu efeito sobre a PA, abordar
a melhor sugestão com relação à prevenção primária da este tema mostra-se muito importante, porque o fumo é
HA (DIRETRIZ, 2020). o único fator de risco totalmente evitável de doença e
morte cardiovasculares, e seu enfrentamento precisa ser
DIETA SAUDÁVEL E SÓDIO feito (DIRETRIZ, 2020).
↠ Tem destaque, nesse sentido, a dieta DASH e suas ↠ O combate ao tabagismo é difícil, pelas dependências
variantes (baixa quantidade de gordura, mediterrânea, química e psíquica que causa, mas os benefícios da
vegetariana/vegana, nórdica, baixo teor de carboidratos cessação na mortalidade CV já ocorrem a curto prazo
etc.). Os benefícios são ainda maiores quando ocorre em (DIRETRIZ, 2020).
conjunto a redução de ingestão de sódio (DIRETRIZ,
2020). ↠ O rigor no combate e no controle, a orientação
contínua e o apoio psicoemocional incondicional ao
OBS.: Todos os documentos sobre o assunto indicam a alimentação tabagista, com a eventual prescrição de medicamentos,
com consumo parcimonioso de frutas, verduras, legumes, cereais, leite têm-se mostrado a abordagem mais eficaz. É também
e derivados, além de indicarem menor quantidade de gordura e sal
(DIRETRIZ, 2020).
importante a proteção contra a exposição ao fumo
passivo que também implica maior risco (DIRETRIZ, 2020).
↠ O consumo excessivo de sódio é um dos principais
fatores de risco modificáveis para a prevenção e o
controle da HA e das DCV. A restrição de sódio mostrou
ter um efeito redutor da PA em muitos estudos
(DIRETRIZ, 2020).

↠ Recomenda-se que a ingestão de sódio seja limitada a


aproximadamente 2 g/dia (equivalente a cerca de 5 g de
sal por dia) na população em geral (DIRETRIZ, 2020).
OBS.: A redução no consumo de sal na população brasileira continua
sendo prioridade de saúde pública, mas requer um esforço combinado
entre indústria de alimentos, governos nas diferentes esferas e público
em geral, já que 80% do consumo de sal envolve aquele contido nos
alimentos processados (DIRETRIZ, 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Referências

BRANDÃO et. al. Hipertensão, 3ª edição – Santana de


Parnaíba – São Paulo: Manole, 2022.
CONSOLIM-COLOMBO et. al. Tratado de Cardiologia
SOCESP, 4ª edição – Barueri – São Paulo: Manole, 2019.
FORD, S. M. Farmacologia Clínica, 11ª edição – Rio de
Janeiro: Gunabara Koogan, 2019.
BARROSO et. al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão
Arterial - 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2021.
NORRIS. PORTH Fisiopatologia, 10ª edição – Rio de Janeiro:
guanabara Koogan, 2021.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 03 – “MUDANÇA NECESSÁRIA” 1

Objetivos células musculares lisas) que levam a adaptações


mecânicas (DIRETRIZ, 2020).
1- Compreender as alterações cardíacas que
ocorrem em decorrência da pressão arterial Tais achados foram descritos, tanto em modelos animais quanto em
estudos in vitro e culturas de órgãos ex vivo, em que células
sustentada; mecanossensitivas responderam ao aumento de estresse com
2- Entender as complicações decorrentes do produção de matriz. Portanto, a HA acelera o envelhecimento vascular,
remodelamento cardíaco; uma resposta mecanobiológica local ao aumento de estresse induzido
3- Analisar os fatores que influenciam na adesão do pelo aumento da PA e, consequentemente, da rigidez arterial (rigidez
como consequência) (DIRETRIZ, 2020).
tratamento.
Remodelamento Cardíaco
Complicações da HAS não controlada
Ao longo da vida, o coração sofre transformações ligadas ao processo
↠ Valores de pressão arterial (PA) elevados têm sido natural de crescimento, maturidade e envelhecimento ou como
tradicionalmente associados ao risco para cardiopatia resposta a situações locais ou sistêmicas que requerem alteração na
isquêmica, acidente vascular encefálico (AVE), doença força contrátil (p. ex., se o indivíduo desenvolve hipertensão arterial
renal crônica (DRC) e mortalidade precoce (DIRETRIZ, sistêmica é necessária maior força para impulsionar o sangue)
(BOGLIOGO, 10ª ed.).
2020).
↠ Quando há sobrecarga de pressão (p. ex., por
↠ Mais recentemente, foram publicados diversos estudos
hipertensão arterial ou estreitamento de uma valva), a
de coorte, muitos com grandes amostras. Eles
força contrátil precisa aumentar. Adicionalmente, há
demonstraram que a elevação da PA propicia riscos
aumento da tensão na parede (BOGLIOGO, 10ª ed.).
similares aos demonstrados para DAC e AVE para a
incidência de outros desfechos CV (DIRETRIZ, 2020). ↠ Remodelamento ventricular é o processo pelo qual
fatores mecânicos, neuro-hormonais e genéticos alteram
↠ Entre eles, incluem-se insuficiência cardíaca (IC), com
o tamanho, a forma e a função ventricular (SOCESP, 4ª
e sem fração de ejeção (FE) preservada, fibrilação atrial,
ed.).
cardiopatias valvares, doença arterial periférica, doença
renal crônica (DRC), demência e doença de Alzheimer ↠ Hipertrofia corresponde a uma alteração no
(DIRETRIZ, 2020). metabolismo celular. Para que tal mudança ocorra, ainda
que fatores neuro-hormonais interfiram, o papel principal
é do estímulo mecânico, que é de algum modo
convertido em sinais bioquímicos. Nas células, ocorre
reprogramação, levando à expressão coordenada de
genes envolvidos na síntese de mais componentes do
sistema contrátil, de modo semelhante ao que ocorre na
vida fetal (contração mais lenta e prolongada e aumento
do metabolismo anaeróbico) (BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ Os principais pontos do remodelamento cardíaco são


a hipertrofia de miócitos e a dilatação cardíaca, com
aumento da formação de matriz intersticial (SOCESP, 4ª
ed.).

↠ Provavelmente, diabetes melito, disfunção erétil e


degeneração macular da senilidade decorrem de
elevações sustentadas da PA (DIRETRIZ, 2020).

↠ O aumento sustentado da PA é um gatilho para o


desenvolvimento da hipertrofia da camada média da
parede arterial, por promover alterações quantitativas e
qualitativas de seus componentes (elastina, colágeno e

Júlia Morbeck – @med.morbeck


2

intersticial, preservam a capacidade de aumentar o número de células


e fornecer suporte aos miócitos (PORTH, 10ª ed.).

Os não miócitos também determinam muitas das alterações


inadequadas que ocorrem durante a hipertrofia do miocárdio. Por
exemplo, o crescimento descontrolado dos fibroblastos cardíacos está
associado ao aumento da síntese das fibras de colágeno, à fibrose do
miocárdio e à rigidez da parede ventricular. Assim como a rigidez da
parede ventricular aumenta a carga de trabalho do coração, a fibrose
e o remodelamento podem levar a anormalidades na condução
elétrica, nas quais o coração se contrai de modo descoordenado – a
chamada dissincronia cardíaca – causando redução da função cardíaca
sistólica (PORTH, 10ª ed.).

↠ O interstício cardíaco também é muito sensível aos


mesmos estímulos mecânicos, inflamatórios e neuro-
hormonais que afetam o crescimento dos miócitos. Em
condições normais, a matriz extracelular tem um papel
biológico determinante nos mecanismos cardíacos. As
mudanças na matriz intersticial provocam alterações nas
propriedades sistólica e diastólica do coração (SOCESP, 4ª
ed.).

↠ Esse processo adaptativo inicia-se como mecanismo ↠ A fibrose provoca rigidez miocárdica e
compensatório a fim de manter a força contrátil e heterogeneidade mecânica e elétrica, que desempenham
preservar o estresse da parede (SOCESP, 4ª ed.). papel importante na gênese de arritmias e deterioração
das funções sistólica e diastólica (SOCESP, 4ª ed.).
IMPORTANTE: Embora a hipertrofia ventricular melhore o desempenho
do trabalho cardíaco, também constitui um importante fator de risco ↠ A morte celular também é determinante no
de morbidade e mortalidade cardíacas subsequentes. A hipertrofia e o remodelamento cardíaco, porque causa a perda de massa
remodelamento inadequados podem resultar em alterações na contrátil, com consequente hipertrofia de células
estrutura (i. e., massa muscular, dilatação das câmaras) e na função (i.
miocárdicas e fibrose reparativa (SOCESP, 4ª ed.).
e., comprometimento da função sistólica ou diastólica), as quais
frequentemente levam à disfunção adicional da bomba e à sobrecarga Tradicionalmente, a perda de miócitos era explicada pela necrose,
hemodinâmica (PORTH, 10ª ed.). porém, nas últimas décadas, evidências mostram que a apoptose
também contribui para a IC (SOCESP, 4ª ed.).
Entretanto, com a progressão da degeneração miocárdica, esse
processo torna-se mal adaptado e contribui para a piora da insuficiência As causas da apoptose na transição para a falência ventricular são
cardíaca com fração de ejeção de ventrículo esquerdo reduzida inúmeras. Destacam-se isquemia, estiramento mecânico, estresse da
(ICFEVEr) (SOCESP, 4ª ed.). parede, estimulação neuro-hormonal e das citocinas (SOCESP, 4ª ed.).
↠ O remodelamento cardíaco é estimulado TIPOS DE HIPERTROFIA
primariamente pelo estiramento mecânico, porém, vários
fatores, incluindo isquemia, hormônios e peptídios ↠ A hipertrofia miocárdica é causada pelo aumento de
vasoativos, podem modificar os efeitos do fator mecânico miofibrilas e mitocôndrias (SOCESP, 4ª ed.).
(SOCESP, 4ª ed.).
↠ Pesquisas recentes enfocaram o tipo de hipertrofia
↠ A hipertrofia e o remodelamento do miocárdio que se desenvolve em pessoas com insuficiência cardíaca.
envolvem uma série de eventos complexos nos níveis No nível celular, as células musculares cardíacas
molecular e celular. O miocárdio é composto por miócitos respondem aos estímulos do estresse imposto sobre a
(ou células musculares) e não miócitos (PORTH, 10ª ed.). parede ventricular pela pressão e pela sobrecarga de
volume, iniciando diversos processos que levam à
Os miócitos são as unidades funcionais do músculo cardíaco. Seu
hipertrofia. Estes incluem estímulos que produzem:
crescimento é limitado por um incremento no tamanho da célula e
não por um aumento na quantidade de células (PORTH, 10ª ed.). (PORTH, 10ª ed.).

Os não miócitos incluem macrófagos cardíacos, fibroblastos, músculo


liso vascular e células endoteliais. Essas células, localizadas no espaço

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➢ Hipertrofia simétrica, com um aumento OBS.: Os melhores indicadores de hipertrofia são o tamanho dos
proporcional no comprimento e na largura dos núcleos e o peso do órgão, pois se alteram tanto na sobrecarga de
pressão quanto na de volume, em comparação com o normal para a
músculos, como ocorre nos atletas
idade e o sexo. Ainda assim, quanto ao peso, não há valores bem
estabelecidos de normalidade, pois há variação conforme a massa
corpórea. Em adultos, peso acima de 350 g em homens e 300 g em
mulheres é considerado elevado, mas alguns autores já chamam de
hipertróficos corações com pesos um pouco menores que esses
(BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ Qualquer que seja o tipo de hipertrofia, a


vascularização do órgão também aumenta, mantendo-se
em geral a proporção numérica capilar/fibra miocárdica.
Mesmo assim, como o volume dos miocardiócitos está
aumentado, pode haver carência relativa do aporte de
➢ Hipertrofia concêntrica (B), com um aumento na sangue (isquemia relativa). Assim, podem ocorrer morte
espessura da parede, como ocorre na de pequenos grupos de células e, posteriormente, surgir
hipertensão (PORTH, 10ª ed.). Na sobrecarga focos de fibrose intersticial (BOGLIOGO, 10ª ed.).
pressórica, ocorre desenvolvimento de
sarcômeros em paralelo, com maior aumento da
massa em relação ao volume ventricular
(SOCESP, 4ª ed.).

Representação esquemática dos padrões de hipertrofia miocárdica do ventrículo esquerdo. Na


hipertensão arterial a hipertrofia é uniforme na parede ventricular e no septo interventricular. Na
sobrecarga de volume, a hipertrofia é excêntrica. Na hipertrofia compensatória pós-infarto, há perda
regional de cardiomiócitos e os demais sofrem hipertrofia na tentativa de manutenção da eficiência
da bomba.

MORTE CELULAR E REMODELAMENTO CARDÍACO: PAPEL DAS CÉLULAS-


TRONCO

Classicamente, os miócitos cardíacos, assim como as células nervosas,


eram tidos como células pós-mitóticas terminais, altamente
diferenciadas e incapazes de regenerar-se. As células endoteliais,
musculares lisas e fibroblastos, por sua vez, são capazes de proliferar.
Só há pouco tempo, entretanto, demonstrou-se que também os
OBS.: A hipertrofia concêntrica pode preservar a função sistólica
miócitos cardíacos são capazes de sofrer mitose; autores têm
durante um período, mas ao final o trabalho realizado pelo
sugerido um índice mitótico de 0,015%, o que seria suficiente para
ventrículo excede a reserva vascular, predispondo à isquemia
gerar 100 g de miocárdio em menos de três meses (SOCESP, 4ª ed.).
(PORTH, 10ª ed.).
A relevância clínica desses achados experimentais foi sedimentada em
➢ Hipertrofia excêntrica (C), com um aumento 2001 com a demonstração da existência de divisão de miócitos na
desproporcional no comprimento do músculo, periferia de áreas necróticas, em pacientes com infarto agudo do
como ocorre na MCD (PORTH, 10ª ed.). No caso miocárdio. Havia dúvida se essas células que proliferavam eram
da sobrecarga volumétrica, ocorre hipertrofia de preexistentes no miocárdio ou provinham de precursores a distância
que migravam para esse ponto de regeneração (SOCESP, 4ª ed.).
sarcômeros em série, com maior aumento do
volume ventricular em relação à massa Em 2002, Quaini et al. demonstraram que células de receptores de
(SOCESP, 4ª ed.). transplante cardíaco são capazes de migrar e repovoar o enxerto,
sugerindo que a capacidade do tecido cardíaco de regenerar-se
ocorria, ao menos em parte, pela migração de células pluripotentes
extracardíacas (SOCESP, 4ª ed.).

A visão do coração como um órgão pós-mitótico tem perdido espaço


para um novo conceito no qual as células do miocárdio são
continuamente substituídas por novas populações recém-formadas de
miócitos, células musculares lisas vasculares e endoteliais. A
homeostase cardíaca seria, portanto, regulada por um compartimento
de células-tronco cardíacas multipotentes que teriam a habilidade de
se transformar em diversas linhagens do miocárdio (SOCESP, 4ª ed.).

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Em condições de aumento da perda celular (como na ICFEVEr), as


células-tronco seriam recrutadas em maior número. A progressão da
disfunção ventricular ocorreria por desbalanço entre a morte celular
(por necrose ou apoptose) e a capacidade tecidual de regeneração
(SOCESP, 4ª ed.).

METABOLISMO ENERGÉTICO

O miocárdio, em situações de normalidade, usa os ácidos graxos como


principal fonte de energia, sendo responsável por 70% do ATP
produzido. No entanto, em situações de estresse (isquemia, sobrecarga
pressórica), o miocárdio dá preferência à glicose como produtora de
ATP, já que ela é mais eficiente e gera maior quantidade de ATP por
molécula de oxigênio utilizada (SOCESP, 4ª ed.).

Nessas situações, o balanço oferta/demanda de oxigênio é um fator


importante. Conforme o processo de remodelamento progride,
Cardiopatia hipertensiva. Corte transversal de coração mostrando acentuada hipertrofia
porém, essa adaptação metabólica torna-se insuficiente, ocorrendo concêntrica do ventrículo esquerdo (VE), em paciente com hipertensão arterial sistêmica. A
redução na capacidade de oxidar glicose e diminuição da eficiência cavidade ventricular esquerda é virtual. Notam-se, ainda, áreas esbranquiçadas de fibrose nas
paredes lateral e diafragmática, sinal de isquemia prévia.
energética. Recentemente disfunção de mitocôndrias tem sido
proposta como tendo parte importante na IC com fração de ejeção
preservada de ventrículo esquerdo (ICFEVEp) (SOCESP, 4ª ed.).
OBS.: Na forma compensada, o paciente pode ser assintomático,
CARDIOPATIA HIPERTENSIVA (HIPERTROFIA VENTRICULAR) embora o risco de morte súbita seja aumentado (BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ A hipertrofia ventricular constitui, portanto, uma Insuficiência Cardíaca


resposta adaptativa que possibilita ao coração vencer a
sobrecarga de pressão e manter o débito cardíaco. ↠ A insuficiência cardíaca é definida como uma síndrome
Ocorrida a hipertrofia do ventrículo esquerdo, o indivíduo complexa, resultante de qualquer distúrbio funcional ou
estrutural do coração, a qual ocasiona ou aumenta o risco
permanece compensado hemodinamicamente por anos
de desenvolver manifestações de débito cardíaco baixo
ou décadas, apesar da hipertensão arterial; nesse período,
e/ou congestão pulmonar ou sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
fala-se em fase compensada da cardiopatia hipertensiva
(BOGLIOGO, 10ª ed.). EPIDEMIOLOGIA
↠ A capacidade de hipertrofia, no entanto, é limitada. Se ↠ A IC tem alta prevalência e grande impacto na
a pressão arterial não é controlada, chega um momento morbidade e mortalidade em todo o mundo, sendo hoje
em que o miocárdio não consegue se hipertrofiar mais um grave problema de saúde pública (SOCESP, 4ª ed.).
nem se manter hipertrofiado. O débito cardíaco não é
mais mantido, resultando em sobrecarga de volume ↠ A insuficiência cardíaca pode ocorrer em qualquer
diastólico e dilatação da cavidade (hipertrofia excêntrica), faixa etária, mas afeta primariamente os idosos. Ainda que
caracterizando insuficiência cardíaca. Esta constitui a fase as taxas de morbidade e mortalidade por DCV tenham
descompensada da cardiopatia hipertensiva (BOGLIOGO, diminuído nas últimas décadas, a incidência de insuficiência
10ª ed.). cardíaca está aumentando a uma taxa alarmante.
Aproximadamente, 400 mil a 700 mil pessoas são
↠ Mesmo na fase compensada e por causa do aumento diagnosticadas com insuficiência cardíaca a cada ano, nos
progressivo da espessura da parede ventricular, a EUA (SOCESP, 4ª ed.).
complacência do ventrículo esquerdo diminui (surge
sobrecarga do átrio esquerdo) e aumenta a necessidade ↠ No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que,
de oxigênio, o que contribui para a isquemia miocárdica e em 2007, quase 40% das internações hospitalares foram
faz com que surjam focos de fibrose intersticial relacionadas à IC descompensada. Essa proporção foi de
(BOGLIOGO, 10ª ed.). 70% no grupo etário com mais de 60 anos (SOCESP, 4ª
ed.).

ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO
↠ A síndrome da insuficiência cardíaca pode ser
produzida por qualquer condição cardíaca que reduza a

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capacidade de bombeamento do coração (PORTH, 10ª lance de escadas pode ser suficiente para causar falta de
ed.). ar, por exceder a reserva cardíaca (PORTH, 10ª ed.).

↠ Entre as causas mais comuns de insuficiência cardíaca, CONCEITOS


podemos citar DAC, hipertensão, CMD e cardiopatia A pré-carga reflete o volume ou as condições de carregamento do
valvar. Como muitos processos que levam à insuficiência ventrículo no final da diástole, pouco antes do início da sístole. É o
cardíaca são de longa duração e progridem volume de sangue que distende o músculo cardíaco no final da diástole
gradualmente, é possível prevenir a insuficiência cardíaca e, normalmente, é determinada pelo retorno venoso para o coração
(PORTH, 10ª ed.).
em muitos casos, ou adiar a progressão por meio da
detecção e intervenção precoces. A importância dessas Durante qualquer ciclo cardíaco, o volume máximo de sangue que
abordagens é enfatizada pelas diretrizes do ACC/AHA, enche o ventrículo está presente no final da diástole. Conhecido como
volume diastólico final, esse volume causa um aumento no
que incorporaram um sistema de classificação da
comprimento das fibras musculares miocárdicas. Dentro de algumas
insuficiência cardíaca com a inclusão de quatro estágios: limitações, conforme o volume diastólico final ou a pré-carga
(PORTH, 10ª ed.). aumentam, o volume sistólico aumenta em função do mecanismo de
Frank-Starling (PORTH, 10ª ed.).
➢ Estágio A: Risco alto de desenvolver insuficiência
cardíaca, mas sem anormalidades estruturais A pós-carga representa a força que o músculo cardíaco contrátil deve
gerar para ejetar o sangue do coração cheio. Os principais
identificadas nem sinais de insuficiência cardíaca. componentes da pós-carga são a resistência vascular sistêmica
➢ .Estágio B: Presença de cardiopatia estrutural, (periférica) e a tensão da parede ventricular. Quando a resistência
mas sem histórico de sinais e sintomas de vascular sistêmica é elevada, como na hipertensão arterial, deve ser
insuficiência cardíaca. gerado um aumento na pressão intraventricular esquerda para
primeiramente abrir a valva aórtica e, em seguida, movimentar o
➢ Estágio C: Sintomas atuais ou anteriores de
sangue para fora do ventrículo e para dentro da circulação sistêmica.
insuficiência cardíaca com cardiopatia estrutural. Esse aumento da pressão é igual a um aumento no estresse ou na
➢ Estágio D: Cardiopatia estrutural avançada e tensão da parede ventricular. Como resultado, uma pós-carga
sintomas de insuficiência cardíaca em repouso, excessiva pode comprometer a ejeção ventricular e aumentar a
com terapia clínica máxima. tensão da parede (PORTH, 10ª ed.).

A contratilidade do miocárdio, também conhecida como inotropismo,


Esse sistema de estadiamento reconhece que existem fatores de risco
se refere ao desempenho contrátil do coração. Representa a
estabelecidos e anormalidades estruturais que são característicos dos
capacidade dos elementos contráteis (filamentos de actina e miosina)
quatro estágios da insuficiência cardíaca. As pessoas normalmente
do músculo cardíaco de interagir e encurtar contra uma carga. A
progridem de um estágio para o outro, exceto se a progressão da
contratilidade aumenta o débito cardíaco, independentemente da pré-
doença for adiada ou interrompida pelo tratamento (PORTH, 10ª ed.).
carga e da pós-carga (PORTH, 10ª ed.).
FISIOPATOLOGIA DA IC A interação entre os filamentos de actina e miosina durante a
contração e o relaxamento do músculo cardíaco (i. e., ligação e
Débito cardíaco é a quantidade de sangue que os ventrículos ejetam
desligamento das pontes cruzadas) requerem o uso da energia
a cada minuto (PORTH, 10ª ed.).
fornecida pela degradação do ATP e a presença de íons cálcio (Ca++)
↠ O coração tem a surpreendente capacidade de ajustar (PORTH, 10ª ed.).
seu débito cardíaco para atender às necessidades Disfunção sistólica X Disfunção diastólica
variáveis do corpo. Durante o sono, o débito cardíaco
declina, e durante os exercícios, aumenta de modo ↠ A classificação separa a fisiopatologia da insuficiência
acentuado. A capacidade de aumentar o débito cardíaco cardíaca em insuficiências ou disfunções sistólica e
durante o aumento das atividades é denominada reserva diastólica, com base na fração de ejeção ventricular
cardíaca (PORTH, 10ª ed.). (PORTH, 10ª ed.).
Por exemplo, nadadores que participam de competições e Fração de ejeção é a porcentagem de sangue bombeada para fora
maratonistas têm grandes reservas cardíacas. Durante os exercícios, dos ventrículos a cada contração. Uma fração de ejeção normal é de
o débito cardíaco desses atletas aumenta rapidamente, atingindo 5 a aproximadamente 55 a 70% (PORTH, 10ª ed.).
6 vezes o nível de repouso (PORTH, 10ª ed.).
↠ Na disfunção ventricular sistólica, a contratilidade do
↠ Em significativo contraste com os atletas sadios, as miocárdio está comprometida, levando a uma diminuição
pessoas com insuficiência cardíaca comumente utilizam a na fração de ejeção e no débito cardíaco (PORTH, 10ª
reserva cardíaca durante o repouso. Para elas, subir um ed.).

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↠ A disfunção ventricular diastólica é caracterizada por de pressão (p. ex., hipertensão e estenose valvar) sobre o coração. A
uma fração de ejeção normal, mas com relaxamento extensão da disfunção ventricular sistólica pode ser estimada medindo-
se o débito cardíaco e a fração de ejeção, e por meio da avaliação
ventricular diastólico comprometido, levando a uma das manifestações de insuficiência cardíaca do lado direito, em
diminuição no enchimento ventricular que, por fim, causa particular de congestão pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
diminuição na pré-carga, no volume sistólico e no débito
cardíaco (PORTH, 10ª ed.). DISFUNÇÃO DIASTÓLICA

Muitas pessoas com insuficiência cardíaca apresentam uma ↠ Ainda que a insuficiência cardíaca em geral esteja
combinação de elementos de disfunções ventriculares sistólica e associada ao comprometimento da função sistólica, em
diastólica, e a divisão entre disfunção sistólica e disfunção diastólica cerca de 55% dos casos a função sistólica é preservada
pode ser razoavelmente artificial, em particular conforme esteja
relacionada às manifestações e ao tratamento (PORTH, 10ª ed.).
e a insuficiência cardíaca ocorre exclusivamente com
base na disfunção diastólica ventricular esquerda. Embora
É importante observar que a disfunção ventricular não é sinônimo de esses corações apresentem contração normal, o
insuficiência cardíaca, mas pode levar ao seu desenvolvimento. Com
ambas as disfunções ventriculares, sistólica e diastólica, os mecanismos
relaxamento é anormal (PORTH, 10ª ed.).
compensatórios em geral conseguem manter a função cardíaca em
↠ O enchimento anormal do ventrículo compromete o
repouso adequada, até os estágios finais da insuficiência cardíaca
(PORTH, 10ª ed.). débito cardíaco, especialmente durante o exercício. Para
qualquer volume ventricular determinado, as pressões
DISFUNÇÃO SISTÓLICA ventriculares estão elevadas, acarretando sinais de
congestão venosa pulmonar e sistêmica, de modo
↠ Primariamente definida como uma diminuição na
idêntico ao observado em pessoas cujo coração está
contratilidade do miocárdio, caracterizada por uma fração
dilatado e contrai inadequadamente (PORTH, 10ª ed.).
de ejeção inferior a 40%. Um coração normal ejeta em
torno de 65% do sangue presente no ventrículo ao final ↠ A prevalência da insuficiência diastólica aumenta com
da diástole. Na insuficiência cardíaca sistólica, a fração de a idade, sendo mais alta nas mulheres e em pessoas com
ejeção declina progressivamente com o aumento dos hipertensão e fibrilação atrial (PORTH, 10ª ed.).
graus de disfunção miocárdica (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: Entre as condições causadoras de disfunção diastólica, estão
OBS.: Nos tipos mais graves de insuficiência cardíaca, a fração de aquelas que impedem a expansão do ventrículo (p. ex., efusão
ejeção pode diminuir para uma porcentagem com dígito único pericárdica, pericardite constritiva), aumentam a espessura da parede
e reduzem a dimensão da câmara (p. ex., hipertrofia do miocárdio,
↠ Com uma diminuição na fração de ejeção, há um MCH), e adiam o relaxamento diastólico (p. ex., envelhecimento,
aumento resultante no volume diastólico final (pré-carga), cardiopatia isquêmica) (PORTH, 10ª ed.).
na dilatação ventricular e na tensão da parede ventricular ↠ O envelhecimento com frequência é acompanhado
e uma elevação na pressão diastólica final ventricular. O por um adiamento no relaxamento do coração durante a
aumento do volume, somado ao retorno venoso normal, diástole, de modo que o enchimento diastólico tem início
leva a um aumento na pré-carga ventricular (PORTH, 10ª enquanto o ventrículo ainda está rígido e resistente à
ed.). distensão para aceitar um aumento no volume. Um
↠ Acredita-se que a elevação na pré-carga seja um adiamento semelhante ocorre na isquemia do miocárdio,
mecanismo compensatório para ajudar a manter o que resulta da falta de energia para romper o rigor
volume sistólico por meio do mecanismo de Frank- estabelecido entre os filamentos de actina e miosina, bem
Starling, apesar da diminuição da fração de ejeção. como para transportar o Ca++ para fora do citosol e de
Embora atue como um mecanismo compensatório, o volta ao interior do retículo sarcoplasmático (PORTH, 10ª
aumento da pré-carga também pode levar a uma das ed.).
consequências mais deletérias da disfunção ventricular IMPORTANTE: A função diastólica também é influenciada pela frequência
sistólica – o acúmulo de sangue nos átrios e no sistema cardíaca, a qual determina o tempo disponível para que ocorra o
venoso (que é esvaziado no interior dos átrios), causando enchimento ventricular. Um aumento na frequência cardíaca abrevia o
edema pulmonar ou periférico (PORTH, 10ª ed.). tempo de enchimento diastólico. Portanto, a disfunção diastólica pode
ser agravada por taquicardia ou arritmia e melhorar com uma queda
IMPORTANTE: A disfunção sistólica comumente resulta de condições na frequência cardíaca, a qual possibilita um tempo maior para o
que comprometem o desempenho contrátil do coração (p. ex., enchimento do coração (PORTH, 10ª ed.).
cardiopatia isquêmica e miocardiopatia), produzem uma sobrecarga de
volume (p. ex., insuficiência valvar e anemia) ou geram uma sobrecarga

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↠ Com a disfunção diastólica, o sangue não consegue se ↠ Além disso, se o ventrículo direito não ocasiona o
movimentar livremente no interior do VE e isso faz com movimento anterógrado do sangue, ocorre acúmulo ou
que a pressão intraventricular aumente com qualquer congestão de sangue no sistema venoso sistêmico. Isso
volume. As pressões elevadas são transferidas do VE para eleva as pressões diastólica final ventricular direita, atrial
dentro do átrio esquerdo e do sistema venoso pulmonar, direita e venosa sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
causando uma diminuição na complacência do pulmão
↠ Um importante efeito da insuficiência cardíaca do lado
que aumenta o trabalho respiratório e evoca sintomas de
direito é o desenvolvimento de edema periférico. Os
dispneia (PORTH, 10ª ed.).
efeitos da ação da gravidade fazem com que o edema
↠ O débito cardíaco encontra-se diminuído, não em seja mais pronunciado nas partes inferiores do corpo
consequência de uma redução da fração de ejeção (PORTH, 10ª ed.).
ventricular conforme a observada com a disfunção
OBS.: Quando a pessoa está em posição ortostática, observa-se edema
sistólica, mas em decorrência de uma diminuição no nos membros inferiores; em decúbito dorsal, o edema é observado
volume (pré-carga) disponível para o débito cardíaco na área acima do sacro. O acúmulo do líquido do edema é evidenciado
adequado. O débito cardíaco inadequado durante a prática por um ganho de peso (i. e., 560 mℓ de líquido acumulado resultam
de exercícios pode levar à fadiga das pernas e dos em um ganho de peso de 0,45 kg). A verificação diária do peso pode
ser utilizada como um meio de avaliar o acúmulo de líquido em uma
músculos acessórios da respiração (PORTH, 10ª ed.).
pessoa com insuficiência cardíaca crônica. Como regra, um ganho de
Disfunção ventricular direita X Disfunção ventricular peso superior a 0,9 kg em 24 h ou 2,2 kg em 1 semana é considerado
um sinal de agravamento da insuficiência (PORTH, 10ª ed.).
esquerda
↠ A insuficiência cardíaca do lado direito também produz
↠ A insuficiência cardíaca é classificada de acordo com o congestão das vísceras. À medida que a distensão venosa
lado do coração (ventricular direita ou ventricular progride, o sangue se acumula nas veias hepáticas que
esquerda) primariamente afetado. Embora o evento inicial drenam na veia cava inferior, e o fígado fica ingurgitado.
que leva à insuficiência cardíaca possa ser de origem Isso pode causar hepatomegalia e dor no quadrante
ventricular direita ou esquerda, a insuficiência cardíaca a superior direito. Na insuficiência cardíaca do lado direito
longo prazo normalmente envolve ambos os lados grave e prolongada, a função hepática está
(PORTH, 10ª ed.). comprometida e as células hepáticas podem morrer. A
congestão da circulação porta também pode levar ao
ingurgitamento do baço e ao desenvolvimento de ascite.
A congestão do trato gastrintestinal pode interferir na
digestão e na absorção de nutrientes, causando anorexia
e desconforto abdominal (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: Na insuficiência cardíaca do lado direito grave, as veias jugulares
externas se tornam distendidas e podem ser visualizadas quando a
pessoa está sentada ou em pé (PORTH, 10ª ed.).

CAUSAS DA DISFUNÇÃO VENTRICULAR DIREITA

As causas da disfunção ventricular direta incluem condições que


impedem o fluxo sanguíneo nos pulmões ou que comprometem a
eficácia do bombeamento do ventrículo direito (PORTH, 10ª ed.).
DISFUNÇÃO VENTRICULAR DIREITA
A insuficiência ventricular esquerda é a causa mais comum de
↠ A insuficiência cardíaca do lado direito compromete a insuficiência ventricular direita (PORTH, 10ª ed.).

capacidade de transporte do sangue desoxigenado da A hipertensão pulmonar prolongada também causa disfunção e
circulação sistêmica para a circulação pulmonar. insuficiência ventricular direita. A hipertensão pulmonar ocorre em
Consequentemente, quando o ventrículo direito é pessoas com doença pulmonar crônica, pneumonia grave, embolia
pulmonar ou estenose aórtica ou mitral. Quando a insuficiência cardíaca
insuficiente, ocorre uma redução na quantidade de do lado direito ocorre em resposta à doença pulmonar crônica, é
sangue deslocada adiante, para a circulação pulmonar, e denominada cor pulmonale (PORTH, 10ª ed.).
em seguida para o lado esquerdo do coração, finalmente
Outras causas comuns incluem estenose ou regurgitação das valvas
causando redução do débito cardíaco ventricular tricúspide ou pulmonar, infarto ventricular direito e miocardiopatia. A
esquerdo (PORTH, 10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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disfunção ventricular direita com insuficiência cardíaca também é CAUSAS DA DISFUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA
causada por defeitos cardíacos congênitos, como tetralogia de Fallot
e defeito do septo interventricular (PORTH, 10ª ed.). As causas mais comuns de disfunção ventricular esquerda são a
hipertensão e o infarto agudo do miocárdio (PORTH, 10ª ed.).
DISFUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA
Mesmo quando a área infartada é pequena, pode haver uma área
adjacente de tecido isquêmico. Isso pode resultar em grandes áreas
↠ A insuficiência cardíaca do lado esquerdo compromete
de hipocinesia ou acinesia da parede ventricular, e no rápido
o movimento do sangue a partir da circulação pulmonar aparecimento de congestão e edema pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
(de baixa pressão) até o lado arterial (de alta pressão) da
circulação sistêmica (PORTH, 10ª ed.). A estenose ou regurgitação da valva aórtica ou mitral também gera o
nível de retorno do lado esquerdo que resulta em congestão
↠ Com o comprometimento da função cardíaca pulmonar. Conforme a pressão pulmonar aumenta como resultado da
congestão, pode haver progressão para insuficiência cardíaca do lado
esquerda, ocorre uma diminuição no débito cardíaco para direito (PORTH, 10ª ed.).
a circulação sistêmica. O sangue se acumula no VE, no
átrio esquerdo e na circulação pulmonar, o que causa INSUFICIÊNCIA COM DÉBITO ALTO X DÉBIDO BAIXO
uma elevação na pressão venosa pulmonar. Quando a Ambas são descritas em termos do débito cardíaco (PORTH, 10ª ed.).
pressão nos capilares pulmonares (normalmente de cerca
de 10 mmHg) excede a pressão osmótica capilar (em geral A insuficiência com débito alto é um tipo incomum de insuficiência
cardíaca causada por uma necessidade excessiva de débito cardíaco.
ao redor de 25 mmHg), ocorre uma transferência do Na insuficiência com débito alto, a função do coração pode estar acima
líquido intravascular para o interstício dos pulmões, do normal e inadequada, devido às necessidades metabólicas
resultando em edema pulmonar (PORTH, 10ª ed.). excessivas. As causas de insuficiência com débito alto incluem anemia
grave, tireotoxicose, condições que causam desvios arteriovenosos e
O episódio de edema pulmonar costuma ocorrer à noite, após a doença de Paget (PORTH, 10ª ed.).
permanência da pessoa em posição reclinada durante algum tempo e
a remoção das forças gravitacionais do sistema circulatório. Nesse A insuficiência com débito baixo é causada por distúrbios que
momento, o líquido do edema sequestrado nos membros inferiores comprometem a capacidade de bombeamento do coração, como
ao longo do dia retorna para o compartimento vascular e é cardiopatia isquêmica e miocardiopatia. A insuficiência com débito baixo
redistribuído para a circulação pulmonar (PORTH, 10ª ed.). é caracterizada por evidências clínicas de vasoconstrição sistêmica,
com extremidades frias, pálidas e por vezes cianóticas Nos casos
avançados de insuficiência com débito baixo, as reduções acentuadas
no volume sistólico são evidenciadas por uma menor amplitude da
pressão de pulso. Contrariamente, na insuficiência com débito alto, as
extremidades normalmente são quentes e ruborizadas, e a pressão
de pulso é normal ou apresenta amplitude aumentada (PORTH, 10ª ed.).

Mecanismos Compensatórios

↠ Na insuficiência cardíaca, a reserva cardíaca é mantida


em grande parte por respostas compensatórias ou
adaptativas, como o mecanismo de Frank-Starling, a
ativação de influências neuro-humorais como os reflexos
do sistema nervoso simpático, o mecanismo renina-
angiotensina-aldosterona, PN cardíacos, substâncias
vasoativas produzidas localmente, além de hipertrofia e
remodelamento do miocárdio (PORTH, 10ª ed.).

↠ A primeira dessas adaptações ocorre rapidamente, em


minutos ou horas após a disfunção miocárdica, e pode
ser adequada para manter o desempenho de
bombeamento geral do coração em níveis relativamente
normais (PORTH, 10ª ed.).

↠ A hipertrofia e o remodelamento do miocárdio


ocorrem lentamente, no decorrer de meses a anos, e
desempenham papel importante na adaptação à
sobrecarga hemodinâmica a longo prazo

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Na insuficiência cardíaca, as diminuições iniciais na


função cardíaca podem ser imperceptíveis, uma vez que
esses mecanismos compensatórios mantêm o débito
cardíaco. Contudo, além de contribuírem para a
adaptação do coração insuficiente, tais mecanismos
também favorecem a fisiopatologia da insuficiência
cardíaca (PORTH, 10ª ed.).

Curvas da função ventricular esquerda. Curva A: Curva da função normal, com um débito cardíaco normal
e pressão de enchimento DFVE ideal. Curva B: Insuficiência cardíaca compensada, com débito cardíaco
normal nas pressões DFVE mais altas. Curva C: Insuficiência cardíaca descompensada, com uma diminuição
no débito cardíaco e elevação DFVE, com elevação final da pressão capilar pulmonar e desenvolvimento
de congestão pulmonar. Curva D: Choque cardiogênico, com uma diminuição extrema no débito cardíaco
e um aumento acentuado nas pressões DFVE.

↠ Um maior estiramento muscular, como observado


com o mecanismo de Frank-Starling, também causa
aumento na tensão da parede ventricular, com
consequente aumento do consumo de oxigênio do
miocárdio. A tensão aumentada da parede amplia as
demandas de oxigênio do miocárdio, o que pode produzir
isquemia e contribuir para o comprometimento adicional
do inotropismo, deslocando a curva de Frank-Starling
MECANISMO DE FRANK-STARLING ainda mais para baixo e à direita. Em tal situação, o
aumento na pré-carga deixa de contribuir para a
↠ O mecanismo de Frank-Starling opera por meio de
compensação e passa a agravar a insuficiência cardíaca.
um aumento na pré-carga. Com o aumento do
(PORTH, 10ª ed.).
enchimento diastólico, ocorre ampliação no estiramento
das fibras miocárdicas e uma aproximação mais ideal das ATIVIDADE DO SISTEMA NERVOSO SIMPÁTICO
cabeças dos filamentos grossos de miosina aos sítios de
ligação da troponina nos filamentos finos de actina, ↠ A estimulação do sistema nervoso simpático
resultando em aumento na força da contração desempenha um papel importante na resposta
subsequente (PORTH, 10ª ed.). compensatória à diminuição do débito cardíaco e do
volume sistólico. Tanto o tônus simpático cardíaco quanto
↠ Conforme ilustrado na figura abaixo, não há uma curva os níveis de catecolaminas (adrenalina e noradrenalina)
única de Frank-Starling. Um aumento na contratilidade, ou estão elevados nos estágios tardios da maioria dos tipos
no inotropismo, aumentará o débito cardíaco em qualquer de insuficiência cardíaca. Por meio da estimulação direta
volume diastólico final, causando deslocamento da curva da frequência e da contratilidade cardíacas, da regulação
para cima e à esquerda, enquanto uma diminuição no do tônus vascular e da intensificação da retenção renal
inotropismo causará o deslocamento da curva para baixo de sódio e água, o sistema nervoso simpático inicialmente
e à direita (PORTH, 10ª ed.). ajuda a manter a perfusão dos diversos órgãos do corpo.
Naqueles que progridem para insuficiência cardíaca mais
grave, o sangue é desviado para as circulações mais
críticas (cerebral e coronariana) (PORTH, 10ª ed.).

↠ Embora o objetivo da resposta do sistema nervoso


simpático seja aumentar a pressão arterial e o débito
cardíaco, constituindo o mecanismo compensatório mais
imediato, pode se tornar uma adaptação inadequada. O
aumento na atividade simpática por meio da estimulação

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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dos receptores beta-adrenérgicos do coração acarreta peptídio natriurético atrial (ANP) e o peptídio natriurético
taquicardia, vasoconstrição e arritmias cardíacas. De modo cerebral (BNP) (PORTH, 10ª ed.).
agudo, a taquicardia aumenta significativamente a carga
Como seu nome indica, o ANP é liberado pelas células atriais em
de trabalho do coração, o que incrementa a demanda de resposta ao estiramento atrial, à pressão ou à sobrecarga de líquido.
oxigênio do miocárdico, e tanto a isquemia quanto a O BNP é secretado primariamente pelos ventrículos em resposta ao
miocardiopatia contribuem para o agravamento da aumento da pressão ventricular ou à sobrecarga de líquido (PORTH,
insuficiência cardíaca (PORTH, 10ª ed.). 10ª ed.).

↠ Em resposta ao aumento do estiramento das câmaras


MECANISMO RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA
e da pressão, promovem natriurese e diurese rápidas e
↠ Um dos efeitos mais importantes da redução do débito transitórias, por meio do aumento na taxa de filtração
cardíaco na insuficiência cardíaca é a redução do fluxo glomerular e da inibição da reabsorção tubular de sódio e
sanguíneo renal e da taxa de filtração glomerular, levando água (PORTH, 10ª ed.).
à retenção de sódio e água. Com a diminuição do fluxo
sanguíneo renal, ocorre aumento progressivo da ↠ Os níveis circulantes de ANP e BNP estão
secreção de renina pelos rins, acompanhado de consistentemente elevados nas pessoas com insuficiência
aumentos paralelos nos níveis circulantes de angiotensina cardíaca (PORTH, 10ª ed.).
II. O aumento da concentração de angiotensina II contribui ENDOTELINAS
diretamente para uma vasoconstrição generalizada e
excessiva, além de facilitar a liberação de noradrenalina e ↠ As endotelinas, liberadas pelas células endoteliais na
inibir a sua recaptação pelo sistema nervoso simpático circulação, são peptídios vasoconstritores potentes. Assim
(PORTH, 10ª ed.). como a angiotensina II, a endotelina também pode ser
sintetizada e liberada por diversos tipos celulares, incluindo
↠ A angiotensina I também proporciona um poderoso os miócitos cardíacos. Foram identificados quatro
estímulo para a produção de aldosterona pelo córtex peptídios de endotelina (endotelina 1 [ET-1], ET-2, ET-3 e
adrenal. A aldosterona aumenta a reabsorção tubular de ET-4) (PORTH, 10ª ed.).
sódio, que é acompanhada por um aumento na retenção
de água. Como a aldosterona é metabolizada no fígado, ↠ Observou-se que as endotelinas induzem a
seus níveis aumentam ainda mais quando a insuficiência proliferação de células musculares lisas vasculares e a
cardíaca causa congestão hepática. A angiotensina II hipertrofia dos miócitos cardíacos; aumentam a liberação
também aumenta o nível do hormônio antidiurético de ANP, aldosterona e catecolaminas; e exercem efeitos
(ADH), que atua como vasoconstritor e inibidor da antinatriuréticos sobre os rins (PORTH, 10ª ed.).
excreção de água (PORTH, 10ª ed.).
↠ A produção de ET-1 é regulada por muitos fatores
↠ Na insuficiência cardíaca, o aumento progressivo de significativos para a função cardiovascular e com
líquido leva à dilatação ventricular e ao aumento da tensão implicações para a insuficiência cardíaca (PORTH, 10ª ed.).
da parede. Por fim, o aumento da demanda de oxigênio
Manifestações Clínicas da IC
que acompanha a elevação da tensão da parede supera
o mecanismo compensatório de Frank-Starling, reduzindo ↠ Dependem da extensão e do tipo de disfunção
o inotropismo e causando progressão da insuficiência cardíaca presente, bem como da rapidez com que se
cardíaca (PORTH, 10ª ed.). desenvolve. Uma pessoa com insuficiência cardíaca
anteriormente compensada estável pode desenvolver
PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
sinais de insuficiência cardíaca pela primeira vez quando a
↠ O músculo cardíaco produz e secreta uma família de condição avançar a um ponto crítico, como no aumento
hormônios peptídicos correlatos (NP), promotores de progressivo da hipertensão pulmonar em pessoas com
potentes efeitos diuréticos, natriuréticos e sobre o regurgitação da valva mitral (PORTH, 10ª ed.).
músculo liso vascular, os quais também interagem com
↠ A gravidade e a progressão dos sintomas dependem
outros mecanismos neuro-humorais que afetam a função
da extensão e do tipo de disfunção presente (sistólica
cardiovascular. Entre os quatro NP conhecidos mais
versus diastólica, do lado direito versus esquerdo) (PORTH,
comumente associados à insuficiência cardíaca, estão o
10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Os sinais e sintomas incluem falta de ar e outras a ser tomada e se interrompe o tratamento posteriormente
manifestações respiratórias, fadiga e tolerância limitada aos (DIRETRIZ, 2020).

exercícios, retenção de líquido e edema, caquexia e ↠ Os problemas de adesão nem sempre são fáceis de
desnutrição, e cianose. As pessoas com insuficiência se detectar e quantifica-los é ainda mais difícil. Para
cardíaca grave podem apresentar diaforese e taquicardia melhorar o controle da HA, é importante reunir esforços
(PORTH, 10ª ed.). no sentido de identificar os pacientes não aderentes ao
tratamento proposto (DIRETRIZ, 2020).
MANIFESTAÇÕES RESPIRATÓRIAS
↠ O abandono mostra-se frequente nos primeiros
↠ A falta de ar decorrente da congestão da circulação
meses do tratamento, além de os pacientes poderem
pulmonar é uma das principais manifestações da
tomar os medicamentos em desacordo com a prescrição
insuficiência cardíaca do lado esquerdo. A falta de ar (i. e.,
médica (DIRETRIZ, 2020).
dificuldade respiratória) que pode ser percebida é
denominada dispneia (PORTH, 10ª ed.). A falta de adesão ao tratamento é frequentemente definida quando
os hipertensos fazem uso de menos de 80% dos medicamentos
FADIGA, FRAQUEZA E CONFUSÃO MENTAL prescritos. No entanto, pode variar ao longo de um contínuo de zero
e até ultrapassar 100% naqueles que usam mais do que foi prescrito,
↠ A fadiga e a fraqueza com frequência acompanham a o que também se considera não adesão ao tratamento (DIRETRIZ,
diminuição do débito do VE. A fadiga cardíaca é diferente 2020).
da fadiga geral, no sentido de normalmente estar ausente
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA ADESÃO DO PACIENTE
pela manhã, porém surgir e progredir com o aumento da
atividade no decorrer do dia (PORTH, 10ª ed.). ↠ Existem várias formas para medir a adesão ao
tratamento medicamentoso anti-hipertensivo na prática
↠ Na insuficiência cardíaca do lado esquerdo aguda ou
clínica e em pesquisa, sendo classificados como:
grave, o débito cardíaco pode diminuir a níveis
(DIRETRIZ, 2020).
insuficientes para o suprimento adequado de oxigênio
para o cérebro, causando assim confusão mental e ➢ métodos diretos os que há comprovação
alterações comportamentais (PORTH, 10ª ed.). objetiva da tomada do medicamento pelo
paciente;
Fatores que influenciam na adesão do tratamento ➢ métodos indiretos aqueles em que estratégias
↠ Um documento da Organização Mundial da Saúde diversas estimam ou não a tomada do
(OMS) publicado em 2003 definiu a adesão como o “grau medicamento prescrito.
em que o comportamento de uma pessoa – tomar o ↠ A escolha do melhor método dependerá da finalidade
medicamento, seguir uma dieta e/ou executar mudanças do uso da informação obtida, dos recursos disponíveis
no estilo de vida (MEV) – corresponde às para a avaliação, da aceitação, da conveniência para o
recomendações acordadas com um prestador de paciente do método a ser utilizado e dos custos
assistência à saúde” (DIRETRIZ, 2020). envolvidos (DIRETRIZ, 2020).
↠ Em 2012, em um novo documento da OMS, os autores
diferenciam os processos, como a adesão aos
medicamentos e o manejo da adesão. De acordo com tal
diretriz, a adesão ao medicamento é um processo
caracterizado por três grandes componentes: (DIRETRIZ,
2020).
➢ o início;
➢ a implementação;
➢ a descontinuação.
O início é o tempo desde a prescrição até a tomada da primeira dose
do medicamento; a implementação corresponde à coincidência entre
a dose que o paciente toma e a dosagem prescrita; e a ATENÇÃO: Medir a adesão ao tratamento é uma tarefa complexa. Não
descontinuação marca a interrupção, quando se omite a próxima dose há um método considerado padrão-ouro que represente as várias
dimensões que envolvem o processo DIRETRIZ, 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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A OMS sugere o uso de um método indireto associado a um método econômico, devido a maiores gastos de atendimentos de
direto para a medida da adesão para doenças crônicas. No contexto saúde e aposentadorias precoces. Por isso, a adoção de
da HA, os métodos indiretos acabam sendo os mais utilizados, pois os
métodos diretos ainda carecem de validação, são caros e estão
estratégias com o objetivo de promover uma melhor
somente disponíveis em ambientes de pesquisa (DIRETRIZ, 2020). adesão ao tratamento anti-hipertensivo, seja de forma
isolada ou em conjunto, tem como finalidade a mudança
FATORES QUE INTERFEREM NA ADESÃO AO TRATAMENTO desse cenário (DIRETRIZ, 2020).
↠ A adesão ao tratamento é um processo complexo e ↠ Entre todas as estratégias disponíveis, as mais factíveis
multidimensional no qual se identificam barreiras reunidas de serem implementadas no Brasil e com maiores
em cinco dimensões que podem fornecer uma visão mais evidências, destacam-se: (DIRETRIZ, 2020).
abrangente para os profissionais de saúde, visando a
intervenções eficazes para o melhor controle da PA. ➢ Automedida da PA (Grau de Recomendação
(DIRETRIZ, 2020). I/Nível de Evidência B);
➢ Esquemas posológicos com maior comodidade:
menores doses possíveis, tomada em dose
única diária, associação de anti-hipertensivos em
um mesmo comprimido (Grau de
Recomendação I/Nível de Evidência A);
➢ Implementação de equipes multiprofissionais no
cuidado de pacientes hipertensos com médico,
enfermeiro, farmacêutico, educador físico,
nutricionista, psicólogo, assistente social e
agentes comunitários de saúde (Grau de
Recomendação I/Nível de Evidência B).

ESTRATÉGIAS PARA PROMOVER A ADESÃO AO TRATAMENTO


ANTI-HIPERTENSIVO
CONCLUSÃO
↠ A falta de adesão ao tratamento tem como principal
Otimizar os índices de adesão ao tratamento anti-hipertensivo contribui
consequência a falta de controle da HA e, portanto, o
para a diminuição dos custos de morbidade, mortalidade e com a
aumento de lesões em órgãos-alvo (LOA) e da assistência à saúde (DIRETRIZ, 2020).
morbimortalidade cardiovascular (CV). Essas
Atualmente, dispõe-se de arsenal terapêutico por meio de tratamento
consequências, por sua vez, têm grande impacto
medicamentoso e não medicamentoso com eficácia comprovada. A

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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adesão às propostas de tratamento e consequente controle dos


hipertensos ainda é um grande desafio para todos profissionais de
saúde (DIRETRIZ, 2020).

Dessa maneira, reunir esforços para atender às reais necessidades da


população hipertensa mostra-se tarefa primordial para a mudança do
atual panorama no contexto da HA (DIRETRIZ, 2020).

Referências

BARROSO et. al. Diretrizes Brasileiras de Hipertensão


Arterial - 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2021.
CONSOLIM-COLOMBO et. al. Tratado de Cardiologia
SOCESP, 4ª edição – Barueri – São Paulo: Manole, 2019.
NORRIS. PORTH Fisiopatologia, 10ª edição – Rio de Janeiro:
guanabara Koogan, 2021.
FILHO, G. B. Bogliogo, Patologia, 10ª edição – Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 04 – “O INIMIGO MORA AO LADO” 1

Objetivos protozoários de importância médica, pertencentes ao filo


Apicomplexa (BATISTA, 2020)
1- Discutir sobre protozoários;
2- Identificar o agente etiológico da Doença de ↠ Mais de 60.000 espécies foram descritas, a maioria das
Chagas, sua epidemiologia e seus fatores de quais são organismos de vida livre; os protozoários são
risco; encontrados em quase todos os hábitats possíveis.
3- Compreender a fisiopatologia da Doença de Algumas espécies são consideradas comensais, ou seja,
Chagas (Ciclo biológico; Ativação do sistema normalmente não são prejudiciais; enquanto outras são
imune); agentes patogênicos e, geralmente, causam alguma
4- Conhecer o diagnóstico, tratamento (mecanismo doença (BATISTA, 2020)
de ação) e prevenção da Doença de Chagas;
↠ A transmissão dos protozoários intestinais,
5- Analisar como funciona a Saúde Indígena.
normalmente, ocorre através da via fecal-oral, enquanto
Protozoários os que vivem no sangue ou nos tecidos do Homo sapiens
são transmitidos a outros seres humanos, por exemplo a
↠ Os protozoários são organismos microscópicos, partir de artrópodes vetores (BATISTA, 2020)
unicelulares e eucariotas, isto é, providos de um núcleo
diferenciado e de outras organelas membranosas, como Doença de Chagas
mitocôndrias, aparelho de Golgi, lisossomos, vacúolos,
↠ A tripanossomíase americana, ou doença de Chagas,
dentre outras (BATISTA, 2020)
tem por agente causal o Trypanosoma cruzi, que
↠ O conteúdo nuclear está separado do citoplasma pela determina no homem quadros clínicos com
membrana nuclear e o material genético (DNA) está características e consequências muito variadas (REY, 4ª
contido em estruturas especiais, os cromossomos. Nisto se ed.).
diferenciam das bactérias e algas azuis (cianofíceas) cujas células, do
O professor Chagas havia recebido a tarefa de controlar a malária na
tipo procariota, tem seu DNA mergulhado no citoplasma (REY, 4ª região de Minas Gerais, onde se encontravam os trabalhadores da
ed.). Estrada de Ferro Central do Brasil; entretanto, teve sua curiosidade
despertada pela presença de um inseto, comum na área, que picava
↠ Dentre as organelas, podem ser destacadas as os indivíduos durante as horas de sono e que podia ser encontrado
mitocôndrias, estruturas relacionadas com a produção de nas frestas das casas cujas paredes eram, em sua maioria, de pau a
energia via respiração celular e que estão ausentes em pique. Devido a esse fato e a frequente sintomatologia cardíaca e
gastrintestinal, que ainda não estava elucidada entre os habitantes locais
protozoários anaeróbio (BATISTA, 2020)
naquela época, Chagas iniciou uma pesquisa envolvendo o inseto e os
residentes na cidade, com o propósito de desvendar possíveis
↠ Um protozoário é, ao mesmo tempo, uma célula e
associações entre tais ocorrências (BATISTA, 2020)
um ser completo, capaz de prover sua nutrição,
crescimento, diferenciação e reprodução, transmitindo as Em 1908, o médico e cientista brasileiro Carlos Chagas encontrou pela
primeira vez os flagelados no intestino de triatomíneos, em Lassance,
gerações seguintes a totalidade das informações
Minas Gerais (Brasil). Suspeitando que esses insetos hematófagos
genéticas indispensáveis à manutenção das pudessem transmitir o parasito ao homem ou a outros animais, fez
características da espécie (REY, 4ª ed.). inocular macacos, que desenvolveram parasitemia e uma doença febril
(REY, 4ª ed.).
↠ A forma varia consideravelmente, podendo apresentar
simetria bilateral ou não e modificar-se ciclicamente no Coube-lhe diagnosticar e estudar clinicamente o primeiro caso humano
da tripanossomíase americana, encontrado na mesma área endêmica,
curso da existência. Os que desenvolvem movimentos em 1909 (REY, 4ª ed.). Como consequência de sua pesquisa, descobriu
ameboides não têm forma constante (REY, 4ª ed.). um novo protista, o qual denominou Trypanosoma cruzi (BATISTA,
2020)
↠ A movimentação dos protozoários ocorre por
intermédio de uma ou da associação de duas ou mais das ↠ Sua transmissão pode ocorrer ao homem via vetorial
seguintes estruturas: flagelos, cílios, pseudópodos e (repasto sanguíneo com excretas de triatomíneo na pele
microtúbulos subpeliculares (BATISTA, 2020). ou mucosa lesada); via transfusional, por transfusão de
hemoderivados ou transplantes de órgão por doadores
↠ A reprodução dos protozoários pode ser assexuada, contaminados; via vertical ou congênita entre gestante e
como em amebas e flagelados que infectam os seres feto; acidentes laboratoriais; e, por fim, menos comum,
humanos, ou assexuada e sexuada, como nos por via oral (ALENCAR et. al., 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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CARACTERÍSTICAS DO PARASITA
↠Trypanosoma cruzi é um flagelado da família
Trypanosomatidae, que parasita mamíferos e tem como
hospedeiros invertebrados numerosas espécies de
hemípteros hematófagos da família Reduviidae (REY, 4ª
ed.).

↠ A transmissão do inseto ao homem resulta, em geral,


de processo contaminativo da conjuntiva, das mucosas ou
de lesões cutâneas (inclusive o local de picada do inseto)
com as fezes do inseto. Nos hospedeiros vertebrados, o
parasito multiplica-se habitualmente sob a forma
amastigota intracelular (REY, 4ª ed.).

OBS: T. cruzi apresenta muitas variações morfológicas, fisiológicas e


ecológicas, além de variações quanto à sua infectividade e ↠ O quadro abaixo aponta essas características de
patogenicidade, o que leva os autores a pensar que não se trate de acordo com a morfologia, a posição do flagelo e do
uma espécie bem definida mas sim de um “complexo cruzi”,
cinetoplasto, o hospedeiro e o hábitat das formas
englobando várias entidades difíceis, por ora, de definição taxonômica
precisa (REY, 4ª ed.). evolutivas do T. cruzi (BATISTA, 2020)

↠ Isso resultou na classificação desses protozoários nos


seguintes grupos (Rey, 2008): (BATISTA, 2020)
➢ Grupo 1: nesse grupo estão incluídos os protistas de animais
silvestres, notadamente encontrados na Região Amazônica,
responsáveis por causar infecções eventuais e
assintomáticas no homem.
➢ Grupo 2: representa o grupo de maior importância médica,
em que estão os flagelados que causam os tipos graves e
sintomáticos da doença. Estes são encontrados nas áreas
endêmicas, e o Triatoma infestans é o principal vetor. CARACTERÍSTICAS DO VETOR
➢ Grupo 3: engloba os protozoários relacionados com a
infecção de animais silvestres e que raramente causam ↠ Os insetos adultos recebem, em diferentes regiões do
infecção humana. Brasil, os nomes de barbeiro, bicho-da-parede, bicudo,
↠ Durante seu ciclo evolutivo, o T. cruzi apresenta chupão, chupança e vários outros. Os hemípteros são
características morfológicas que variam e que podem ser geralmente muito semelhantes entre si (FERREIRA, 2ª ed.).
identificadas, entre outros aspectos, de acordo com a ↠ A probóscida dos triatomíneos, adaptada à sucção de
posição do flagelo e a posição do cinetoplasto, uma sangue, é curta (composta de três segmentos) e reta.
mitocôndria única rica em DNA mitocondrial (BATISTA, Quando em repouso, ela não ultrapassa para trás a
2020) inserção do primeiro par de patas do inseto (FERREIRA,
OBS.: Cinetoplasto – mitocôndria única e ramificada e se estende por 2ª ed.).
todo o corpo celular

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Epidemiologia da Doença de Chagas ↠ Os achados podem indicar uma possível associação


entre a infecção chagásica e indivíduos do sexo
↠ A Doença de Chagas (DC) destaca-se como uma masculino, potencialmente ocasionado pelas atividades
parasitose endêmica em países do continente americano. laborais executadas. Outra hipótese sugerida é que isso
Nos 21 países das Américas, afeta aproximadamente seis pode ocorrer devido a transmissão silvestre, uma vez que
milhões de pessoas, com incidência anual de 30 mil casos são os homens que adentram na mata para caçar ou
novos na região, ocasionando em média, 14.000 mortes cuidar da lavoura, por dias consecutivos, expondo-se mais
por ano e 8.000 recém-nascidos infectados durante a ao vetor (ALENCAR et. al., 2020).
gestação (ALENCAR et. al., 2020).
↠ Se comparado à malária (outra parasitose bastante
↠ Como consequência de correntes migratórias durante importante), o impacto de Anos Potenciais de Vida
as últimas décadas, a partir de países onde a doença é Ajustados por Incapacidade (DALYs) pode ser até 7,5
endêmica, a Doença de Chagas (DC) tem sido detectada vezes maior (ALENCAR et. al., 2020).
em taxas significativas em vários pontos do globo
terrestre, principalmente Estados Unidos, Canadá, No Brasil, a maioria das pessoas infectadas se encontra na fase crônica
da doença, dadas as medidas de controle do vetor e dos bancos de
Espanha, França, Suíça, Itália, Japão, países emergentes sangue. Os estados com maior prevalência são Bahia, Goiás, Minas
da Ásia e Austrália (SOCESP, 4ª ed.). Gerais, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Sul, mas ela também é
encontrada na Amazônia Legal (BATISTA, 2020).

Fatores de risco da Doença de Chagas

➢ Habitar em uma cabana (pau a pique) onde


insetos transmissores vivam nas paredes;
➢ Morar na América do Sul, América Central ou
no México;
➢ Viver sob condições extremas de pobreza;
➢ Receber transfusões de sangue ou transplante
de órgão de uma pessoa portadora do parasita,
mas que não tenha manifestado a Doença de
Chagas;
➢ Ingerir alimentos contaminados com o parasita
(ex. açaí).
↠ A evolução das taxas de incidência no Brasil e por
Região, sendo visível a influência do crescimento desta Fisiopatologia da Doença de Chagas
doença na Região Norte. As incidências desta doença na
CICLO de vida e FORMAS EVOLUTIVAS
região Sudeste, Sul e Centro-Oeste foram insignificantes.
A incidência da Região Nordeste apresenta um valor ↠ Em seu ciclo vital, o parasito exibe formas amastigota,
superior ao das demais, mas muito inferior ainda a região epimastigota e tripomastigota, ou de transição entre elas
Norte, provavelmente devido ao nível de urbanização (REY, 4ª ed.).
maior que a Região Norte (ALENCAR et. al., 2020).
↠ Nos hospedeiros vertebrados ocorrem os
↠ A situação apresentada na região Norte corrobora a tripomastigotas (no sangue) e os amastigotas
relação desta doença com condições relacionadas a falta intracelulares, enquanto nos hospedeiros invertebrados e
de urbanização, saneamento, destinação inadequada de em meios de cultura predominam as formas
resíduos sólidos, desigualdades sociais e outras tantas epimastigotas, que passam depois a tripomastigotas
condições inerentes à regiões mais pobres do país, metacíclicos (REY, 4ª ed.).
atrelado ao fato de que esta região por suas condições
geográficas (clima, temperatura, umidade e vegetação,
por exemplo) favorece as condições necessárias para a
propagação de vetores (ALENCAR et. al., 2020).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


4

➢ Amastigota: apresenta-se como um microrganismo de


pequenas dimensões e contorno aproximadamente
circular, ovoide ou fusiforme. Núcleo relativamente grande,
flagelo curto e incluído em uma invaginação da membrana
chamada bolso flagelar (REY, 3ª ed.). Os amastigotas
ocorrem principalmente durante o ciclo intracelular na
infecção dos mamíferos, constituindo o principal estágio
reprodutivo nesses hospedeiros. Multiplicam-se por fissão
binária no citoplasma das células infectadas (FERREIRA, 2ª
ed.).
➢ Epimastigota: forma alongada (fusiforme). Cinetoplasto
discoide nas proximidades do núcleo. O flagelo emerge
longe da extremidade anterior, mas mantém-se colado à OBS.: Os tripomastigotas, tanto finos como largos, não se reproduzem
membrana celular (REY, 3ª ed.). Os epimastigotas são no sangue. Não foi possível demonstrar que aí utilizassem glicose,
encontrados no intestino médio dos triatomíneos, onde se parecendo que dependem de proteínas do soro como única fonte
multiplicam abundantemente por fissão binária. São as energética (REY, 3ª ed.).
únicas formas capazes de reproduzir-se que podem ser
mantidas em cultivo axênico (FERREIRA, 2ª ed.). OBS: O ciclo de vida de T. cruzi é digenético, com um hospedeiro
➢ Tripomastigota: cinetoplasto arredondado e o bolso flagelar mamífero e um inseto. Em ambos os hospedeiros, observa-se
deslocados para a região entre o núcleo e a extremidade alternância entre estágios reprodutivos que não são infectantes e
posterior (REY, 3ª ed.). No hospedeiro vertebrado, os estágios infectantes que não se reproduzem (FERREIRA, 2ª ed.).
tripomastigotas são encontrados majoritariamente no
sangue, e são conhecidos como tripomastigotas HOSPEDEIRO INVERTEBRADO
sanguícolas ou sanguíneos. Nos triatomíneos, são
encontrados tripomastigotas na extremidade distal do tubo ↠ Quando o inseto, ao sugar sangue de um vertebrado,
digestório; são denominados tripomastigotas metacíclicos. ingere tripanossomos sanguícolas, tem início o ciclo de
Os tripomastigotas não se reproduzem, mas são as desenvolvimento característico do T. cruzi na luz intestinal
principais formas infectantes do parasito. Apesar da
dos triatomíneos (REY, 4ª ed.).
semelhança morfológica e biológica, tripomastigotas
metacíclicos e sanguícolas diferem quanto ao metabolismo
↠ Os tripomastigotas sanguícolas são ingeridos e
e ao perfil de expressão de proteínas, bem como quanto
aos mecanismos de infecção celular (FERREIRA, 2ª ed.). diferenciam-se em epimastigotas no intestino médio do
inseto. Nessa fase observam-se estágios de diferenciação
Tripomastigotas Sanguícolas
transitórios, como os esferomastigotas, esféricos e
No sangue periférico dos mamíferos, o T. cruzi apresenta-se como morfologicamente semelhantes aos amastigotas. Os
um pequeno flagelado, medindo 10 a 25 μm (média, 20 μm) de epimastigotas reproduzem-se por fissão binária e
comprimento por 1 a 5 μm de largura (média, 2 μm) (REY, 4ª ed.). colonizam o intestino médio e posterior do inseto
Observa-se nítido polimorfismo nos tripanossomos sanguícolas. Assim, (FERREIRA, 2ª ed.).
costuma-se descrever dois tipos morfológicos polares, entre os quais
podem existir todas as formas intermediárias: formas finas e largas ↠ Na porção distal do tubo digestório, os epimastigotas
(REY, 4ª ed.). aderem-se às células epiteliais e inicia-se o processo de
diferenciação em tripomastigotas metacíclicos,
infectantes. Os estímulos conhecidos para desencadear a
diferenciação do parasito no tubo digestório do vetor,

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conhecida como metaciclogênese, são a queda de pH motivado pela resposta alérgica à saliva do triatomíneo) são outros
para abaixo de 5,5 e o estresse metabólico. Quando os pontos favoráveis para a invasão (REY, 4ª ed.)
parasitos atingem o reto, encontram maior concentração OBS.: A cada evacuação, um triatomíneo infectado elimina em média
de certos nutrientes que viabilizam, do ponto de vista 50 a 300 tripomastigotas metacíclicos (FERREIRA, 2ª ed.).
energético, a etapa final da diferenciação (FERREIRA, 2ª
↠ Ao encontrar células do hospedeiro mamífero, o
ed.).
parasito começa o complexo processo de invasão, que
↠ Os tripomastigotas metacíclicos perdem a aderência pode se dar essencialmente por duas vias: uma
ao epitélio intestinal, sendo liberados no lúmen da porção semelhante à fagocitose (predominante em células
distal do tubo digestório do vetor. Desta maneira, o fagocíticas como macrófagos, por exemplo) e outra
parasito prepara-se para o encontro com o hospedeiro independente da fagocitose. Em ambos casos, a invasão
mamífero, no próximo repasto sanguíneo do vetor. O celular depende de múltiplas interações bem coordenadas
desenvolvimento completo dos parasitos em triatomíneos requer pelo entre as células hospedeiras e o parasito (FERREIRA, 2ª
menos 7 dias (FERREIRA, 2ª ed.). ed.).
OBS.: Não há relatos na literatura de transmissão horizontal nem de
↠ Do ponto de vista do parasito, o processo de invasão
cura em triatomíneos infectados (FERREIRA, 2ª ed.).
de células é ativo, dependente de energia, e envolve
numerosas moléculas de adesão presentes em sua
superfície. Ocorre troca de sinais moleculares, incluindo
mobilização transitória de cálcio, que sinaliza para o
recrutamento de lisossomos da célula hospedeira. Os
lisossomos migram para as regiões da membrana
plasmática onde há parasitos aderidos. Durante ou após a
invaginação da membrana plasmática, há a fusão de
lisossomos para formar o vacúolo parasitóforo, estrutura
que aloja os tripomastigotas de maneira transitória
(FERREIRA, 2ª ed.).

HOSPEDEIRO VERTEBRADO
Depois de endocitado pelos macrófagos (MF), o Trypanosoma cruzi consegue escapar do vacúolo
parasitóforo ao promover a ruptura da parede do vacúolo em numerosos pontos, como se vê nesta
↠ Os triatomíneos defecam durante – ou pouco tempo foto realizada com microscopia eletrônica. F, sistema flagelar; g, aparelho de Golgi; MT, membrana do
tripomastigota forrada por microtúbulos; MV, membrana do vacúolo parasitóforo; N, núcleo do T. cruzi;
após – o repasto sanguíneo, depositando as fezes sobre P, pontos de ruptura da membrana vacuolar.

a pele do mamífero do qual se alimentam. Nas fezes de


Nas culturas de tecidos, examinadas ao microscópio e a fresco, pode-
triatomíneos infectados encontram-se tripomastigotas se ver a penetração dos parasitos no interior das células. As formas
metacíclicos capazes de penetrar o novo hospedeiro por finas efetuam essa penetração em duas horas, mais ou menos (REY,
pequenas lesões ou escarificações da pele ou pelas 4ª ed.).
mucosas, mesmo íntegras (FERREIRA, 2ª ed.). O mecanismo de interiorização corresponde a um processo de
fagocitose induzida, de que participam tanto o parasito como a célula
OBS.: Não atravessam a pele íntegra, mas o próprio local da picada do
hospedeira, sendo precedida pela aderência dos tripomastigotas à
inseto pode constituir a porta de entrada, se contaminada com as
membrana do macrófago ou de outras células (REY, 4ª ed.).
dejecções que esses hemípteros costumam emitir enquanto se
alimentam. Feridas ou escoriações causadas por coçar (que é

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O parasito fica, pois, contido em um vacúolo digestivo (fagossomo) podem invadir células vizinhas ou atingir a corrente
onde pode ser eventualmente morto e digerido (REY, 4ª ed.). sanguínea, disseminando-se para outros órgãos e tecidos.
Esse desfecho, que tem lugar sempre que formas epimastigotas são Ao fazer seu repasto sanguíneo em um hospedeiro
fagocitadas por macrófagos, pode ser evitado pelos tripomastigotas mamífero com formas tripomastigotas sanguícolas, um
que escapam do vacúolo digestivo e invadem o citoplasma da célula vetor ingere esses estágios circulantes e se infecta.
parasitada (REY, 4ª ed.).
Ocasionalmente, a célula hospedeira rompe-se antes da
↠ As condições ambientais do vacúolo parasitóforo, em diferenciação dos amastigotas em tripomastigotas. Os
especial o pH ácido, induzem o início do processo de amastigotas que chegam ao meio extracelular penetram
diferenciação em amastigotas, que escapam do vacúolo em algumas células hospedeiras, especialmente células
para se estabelecerem no citoplasma celular. Livres no fagocitárias, mas provavelmente não atingem a corrente
citosol, os amastigotas começam a replicar-se por fissão sanguínea (FERREIRA, 2ª ed.).
binária. Portanto, a invasão das células hospedeiras parece O ciclo intracelular dura, ao que parece, 5 ou 6 dias e produz cerca
ser um processo fundamental para a diferenciação do de nove gerações de parasitos, qualquer que seja o tipo de célula
parasito em um estágio capaz de reproduzir-se. Calcula- infectada (REY, 4ª ed.).
se que cada tripomastigota que penetra em uma célula
hospedeira originará até 500 amastigotas, e essa grande
capacidade de multiplicação é um passo fundamental para
o estabelecimento da infecção (FERREIRA, 2ª ed.).
Desde que penetrem no interior de uma célula, seja no organismo do
hospedeiro vertebrado, seja em cultivo de tecido, os tripanossomos
sofrem total reorganização estrutural, transformando-se em
amastigotas ovoides, que medem apenas 4 μm no maior diâmetro
(REY, 4ª ed.).

Desaparecem o flagelo livre e a membrana ondulante, ficando o


aparelho locomotor reduzido ao segmento contido no bolo flagelar. O
único movimento que os amastigotas apresentam é o de rotação
(REY, 4ª ed.).

Fisiologicamente, a característica mais importante dos amastigotas é a


recuperação da capacidade de multiplicação, que se manifesta cerca
de 35 horas após a invasão da célula hospedeira (REY, 4ª ed.).

Mediante uma divisão binária simples, que se repete a intervalos de 12


horas, cada amastigota produz um número crescente de elementos O ciclo tripomastigota sanguícola → amastigota → tripomastigota
filhos semelhantes que, pouco a pouco, vão consumindo o citoplasma assegura a continuidade da infecção no hospedeiro vertebrado, bem
da célula parasitada, até que, umas 12 horas antes de provocarem a como a propagação do parasitismo a outros órgãos e tecidos
ruptura desta, sofrem uma nova transformação: agora no sentido (formação de novos “ninhos de parasitos”) e o progresso das lesões
amastigota → tripomastigota (REY, 4ª ed.). devidas diretamente ao parasitismo (REY, 4ª ed.).

↠ Depois de um número variável de divisões celulares,


os parasitos voltam a diferenciar-se em tripomastigotas,
passando por um estágio intermediário conhecido como
epimastigota intracelular, com características morfológicas,
bioquímicas e biológicas semelhantes ao epimastigota
encontrado no vetor. Alternativamente, os amastigotas
podem espontaneamente adiar sua proliferação e entrar
em um estado de dormência. Esses amastigotas
dormentes podem despertar, reiniciando seu ciclo
proliferativo normalmente, ou ainda diferenciar-se em
tripomastigotas infectantes (FERREIRA, 2ª ed.).

↠ Os tripomastigotas rompem a membrana plasmática


da célula hospedeira e são liberados no meio extracelular.
Uma vez fora da célula hospedeira, os tripomastigotas

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RESPOSTA IMUNE as classes de linfócitos (células T α/βCD4+, α/βCD8+,


γ/δCD8+, γ/δCD8–, CD4–, células B convencionais,
↠ O conhecimento dos aspectos imunológicos e
CD5+) e hipergamaglobulinemia oriunda da diferenciação
patológicos da doença de Chagas está alicerçado, em
dos linfócitos B em plasmócitos produtores de anticorpos
grande medida, nos dados obtidos em modelos
(BATISTA, 2020)
experimentais da enfermidade (BATISTA, 2020)
↠ Como ocorre ativação de distintos clones de células B,
↠ A resposta imune dirigida ao protista e as alterações
são secretadas imunoglobulinas específicas e inespecíficas
estruturais descritas nos tecidos e órgãos do hospedeiro
aos antígenos do T. cruzi e, igualmente, anticorpos
variam na dependência da própria evolução bifásica da
capazes de reagir aos epítopos do hospedeiro vertebrado
moléstia, fase aguda e fase crônica (BATISTA, 2020) (autoanticorpos). Tem sido proposto que a maior parte
FASE AGUDA dos linfócitos B ativados não responde especificamente
ao protozoário (BATISTA, 2020)
↠ Após a infecção por T. cruzi, há o reconhecimento do
agente etiológico pelo sistema imune e a ocorrência de ↠ A imunossupressão é um evento igualmente relevante
uma série de fenômenos que levam ao surgimento da no processo de resposta imune ao protista, ocorrendo,
doença (BATISTA, 2020) em geral, a partir da segunda semana da doença aguda.
Tal circunstância tem participação na disseminação do T. cruzi,
↠ Uma vez parasitada, a célula produz citocinas e facilitando a invasão de novas células, o que contribui para o
quimiocinas que dão início à resposta inflamatória. A incremento do parasitismo pelo patógeno, achado típico dessa fase da
doença. A imunossupressão é descrita em termos da
interferona-gama (IFN-γ) produzida sinaliza a ativação das
células fagocíticas na tentativa de destruir o patógeno atuação das células B e T, além das células do sistema
intracelular via produção de fator de necrose tumoral alfa mononuclear fagocitário (SMF) (BATISTA, 2020)
(TNF-α), óxido nítrico (NO) e radicais livres. Entretanto, ↠ Deve-se destacar que um dos principais componentes
dependendo da intensidade da produção desses que se encontram suprimidos na infecção aguda pelo T.
mediadores inflamatórios, para o controle da parasitemia, cruzi é a produção de interleucina (IL)-2, bem como a
lesões teciduais que causam dano ao hospedeiro podem expressão de seu receptor (IL-2R) nas células-alvo. A IL-
surgir (BATISTA, 2020) 2 é produzida especialmente por subgrupos de células T
↠ Esse fato ocorre devido à elevada produção de CD4+ (Th1) e por células T CD8+ do tipo 1, além das
espécies reativas de oxigênio (ERO) e de nitrogênio (ERN), células natural killer (NK), cujas funções abrangem a
primariamente mediada pela explosão respiratória nos promoção do crescimento dos linfócitos T ativados, a
leucócitos ativados, na tentativa de destruir parasitos geração de células apresentadoras de antígenos (APC), e
circulantes e células anormais parasitadas. Com o intento a ativação e proliferação das células NK (BATISTA, 2020)
de aumentar os mecanismos de resposta do hospedeiro,
a síntese de óxido nítrico (NO) - uma molécula
fundamental contra o T. cruzi - é reforçada pela
regulação positiva de imunomediadores de NO-sintase
indutível (iNOS), ativando processos nitrosativos contra T.
cruzi e, consequentemente, contra os tecidos do
hospedeiro (BATISTA, 2020)

↠ A resposta imune ao protista na fase aguda da doença,


caracterizada por significativa parasitemia, é marcada pela
ocorrência dos seguintes eventos principais: (BATISTA,
2020)
➢ ativação policlonal de linfócitos associada a
hipergamaglobulinemia;
➢ imunossupressão em níveis celular e humoral.
Outros elementos de destaque atinentes à imunossupressão, e que
↠ A ativação policlonal, advinda do processo infeccioso merecem comentário, incluem: a significativa atrofia do timo,
protagonizado pelo T. cruzi, refere-se à indução de todas decorrente da apoptose maciça de células duplamente positivas

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(linfócitos T CD4+ CD8+), e o “escape” anormal de células imaturas e


potencialmente autorreativas do timo. Descreve-se, também, relevante
perda de células T regulatórias de origem tímica (tTreg), evento que
parece estar relacionado parcialmente à desregulação imunológica, em
geral descrita na fase crônica da doença (BATISTA, 2020)

Dados experimentais indicaram que a interferona gama (IFN)-γ e a


interleucina (IL)-12 são componentes fundamentais da resposta imune
protetora na infecção aguda e crônica. Embora a produção de IL-10
contribua para o controle da parasitemia, o excesso dessa citocina
pode também resultar em agravamento da lesão tecidual. A resposta
humoral também parece contribuir para o controle da evolução da
doença; a transferência passiva de anticorpos, em infecções
experimentais, controla a infecção, possivelmente por desencadear
mecanismos efetores de citotoxicidade celular dependente de A infecção crônica pode ser indeterminada ou sintomática. A forma
anticorpos (FERREIRA, 2ª ed.). indeterminada é aquela que se segue à fase aguda, aparente ou não,
em que o indivíduo permanece assintomático. Cerca de 70% dos
FASE CRÔNICA indivíduos cronicamente infectados têm a forma indeterminada, de
duração variável, podendo estender-se por alguns meses ou muitos
↠ A consistente diminuição da parasitemia por T. cruzi anos, até o fim da vida do paciente. Eventualmente, a forma
é, provavelmente, um dos achados mais marcantes da indeterminada pode evoluir para formas sintomáticas ou determinadas,
fase crônica da doença de Chagas. Neste momento da das quais as mais comuns são a cardíaca e a digestiva (FERREIRA, 2ª
ed.).
história natural da doença, a resposta imune tende a ser
mais efetiva, possibilitando, por exemplo, o PERÍODO DE INCUBAÇÃO: Varia entre uma e três semanas, ainda que já
desenvolvimento de resistência a nova infecção tenham registrado casos com apenas 4 a 5 dias. Ele depende talvez
(BATISTA, 2020) da via de penetração, da condição do paciente, entre outros fatores.
Nas infecções transfusionais, esse período costuma ser mais longo e
↠ Um aspecto importante na resposta imune à infecção pode estender-se por mais de 60 dias (REY, 3ª ed.)
crônica pelo T. cruzi é o papel da resposta imune celular.
Merece destaque a centralidade dos linfócitos T CD4+,
uma vez que tais células têm salutar participação no
auxílio (ou controle) das respostas efetoras, dependentes
ou não de anticorpos, a partir da produção de citocinas
que atuam sobre células B, macrófagos e os próprios
linfócitos T (BATISTA, 2020)

↠ A despeito desses achados, não está clara a


participação dos eventos de autoimunidade na doença de
Chagas crônica, tema que permanece controverso
(BATISTA, 2020)

Manifestações Clínicas da Doença de Chagas FASE AGUDA

Em termos patológicos, merecem descrição: (BATISTA, 2020)


↠ A doença de Chagas apresenta duas fases: aguda e
crônica. A fase aguda inicia-se no momento da infecção; ➢ as lesões de porta de entrada (sinal de Romaña e chagoma
caracteriza-se por parasitemia patente (i. e., detectável de inoculação), as quais apresentam características
compatíveis com a reação de hipersensibilidade mediada
por técnicas parasitológicas rotineiras) e pelos baixos por células;
títulos de anticorpos específicos de classe IgG, embora ➢ as alterações cardíacas/miocardite aguda, cujo aspecto
anticorpos IgM possam ser encontrados (FERREIRA, 2ª macroscópico exibe focos de congestão e microfocos
ed.). hemorrágicos (envolvendo endocárdio e pericárdio), muitas
vezes com dilatação das câmaras cardíacas, descrevendo-
↠ A fase crônica inicia-se entre algumas semanas e uns se como alteração histopatológica principal a presença de
poucos meses depois de adquirida a infecção, e ninhos de amastigotas no interior dos macrófagos ou das
fibras miocárdicas, com eventual infiltração
caracteriza-se pela ausência de parasitemia patente e por predominantemente mononuclear (em caso de ruptura
uma intensa resposta imune humoral, com predomínio de dos referidos ninhos);
anticorpos de tipo IgG (FERREIRA, 2ª ed.).

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➢ as lesões do tubo gastrintestinal, com envolvimento mais ↠ Isso constitui o sinal de Romaña e, embora possa ser
frequente da musculatura (miosite focal) e dos plexos produzido simplesmente por hipersensibilidade à
mioentéricos, com a presença de amastigotas no interior
das células de Schwann, de fibroblastos das bainhas dos
secreção salivar dos triatomíneos, representa na maioria
feixes nervosos extraganglionares e nos histiócitos dos casos um indício de primoinfecção característico da
adjacentes aos gânglios, além de significativos fenômenos tripanossomíase americana (REY, 4ª ed.).
degenerativos dos neurônios;
➢ alterações neurais/meningoencefalite aguda, identificando- ↠ A inflamação propaga-se, por via linfática, aos
se, na macroscopia, achados como edema, congestão e linfonodos regionais pré e retroauriculares, submaxilares
hemorragia petequial, e na microscopia, inúmeros nódulos
ou cervicais. A adenite satélite contribui para formar,
microgliais, formados por células da glia e mononucleares,
com a presença de protistas em meio aos nódulos ou no então, um complexo oftalmoganglionar, de importância
interior das células da glia. para o diagnóstico clínico (REY, 4ª ed.).
Mesmo quando a penetração de parasito não se dê pela região
periocular, pode haver a formação de uma tumoração cutânea, com
hiperemia e ligeiro dolorimento local, constituindo outra modalidade do
chagoma de inoculação. As lesões iniciais regridem espontaneamente,
ao fim de uma ou duas semanas (REY, 4ª ed.).

ALTERAÇÕES NO SANGUE
A parasitemia torna-se patente entre o 4º e o 40º dias (em geral,
entre o 8º e o 12º dias), depois da infecção, e dura cerca de um mês
(REY, 4ª ed.).

↠ Durante a fase aguda pode haver hipoproteinemia,


FASE CRÔNICA com redução da soro-albumina e aumento das globulinas
alfa, beta e gama. Às vezes, o hemograma dos pacientes
Duas formas clínicas são muito importantes pela frequência com que
nessa fase mostra uma ligeira leucocitose, com linfocitose,
ocorrem e pela gravidade que podem apresentar: (REY, 3ª ed.).
mas há tendência à leucopenia (REY, 4ª ed.).
➢ Cardiopatia crônica devida ao T. cruzi;
➢ Os “megas”: megaesôfago e megacólon, principalmente. ↠ A anemia pode ser particularmente grave, em alguns
casos (REY, 4ª ed.).
CHAGOMA DE INOCULAÇÃO
ALTERAÇÕES NO CORAÇÃO
↠ A lesão inicial (que nem sempre é observada na
prática cotidiana) chama particularmente a atenção ↠ Esse órgão é o que se encontra afetado com maior
quando se implanta no olho ou em suas imediações. A frequência, se bem que as lesões possam ser leves, nas
reação inflamatória acompanha-se, então, de conjuntivite formas benignas da doença (REY, 4ª ed.).
e de edema bipalpebral, geralmente unilateral, que impede
↠ Os parasitos formam “ninhos” de amastigotas, às vezes
a abertura do olho correspondente (REY, 4ª ed.).
bastante grandes e de formato alongado, ao se
multiplicarem no interior das fibras musculares. Mas,
enquanto estas não se romperem, não haverá́ sinais de
inflamação no local (REY, 4ª ed.).

↠ Depois, as fibras cardíacas apresentam-se parcialmente


dissociadas pelo edema intersticial. Em torno das que
estão sendo destruídas, observa-se um infiltrado
inflamatório, presente também em outros pontos do
miocárdio. Esse infiltrado tende a ser de tipo
linfoplasmocitário, nas fases iniciais da doença (REY, 4ª ed.).

↠ Além das lesões inflamatórias, veem-se outras,


isquêmicas e com enfartes microscópicos, em função das
alterações arteriolares. As fibras cardíacas podem
apresentar intensa degeneração das miofibrilas. As células

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nervosas ganglionares ficam quase sempre lesadas (REY, ↠ Quando os mecanismos de compensação cardíacos
4ª ed.). se tornam incapazes de superar as deficiências de sua
força de contração, aparece a insuficiência circulatória,
A miocardite aguda é mais frequente em crianças que em adultos e
pode levar à dilatação cardíaca, à congestão passiva, a edemas e pois passa a haver um déficit no volume de sangue e na
derrames cavitários, como consequência da insuficiência circulatória. A quantidade de oxigênio que chegam por minuto a cada
morte pode ocorrer então (REY, 4ª ed.). órgão ou tecido, inclusive ao miocárdio, comprometendo
o metabolismo local (REY, 4ª ed.).
↠ Na fase crônica, uma fibrose difusa ocupa o lugar das
áreas inflamadas e necrosadas, principalmente no ↠ Isso traduz-se clinicamente por dispneia aos esforços,
ventrículo esquerdo, onde também se produzem insônia, congestão visceral e edema dos membros
tromboses com maior frequência (REY, 4ª ed.). inferiores, que terminam, como nas insuficiências
cardíacas de outras etiologias, em assistolia (REY, 4ª ed.).
↠ Interpondo-se aos processos de cicatrização e
reparação, surgem novas áreas inflamatórias, de recente ALTERAÇÕES DO SISTEMA DIGESTÓRIO
formação. Há artrites necrosantes, zonas hemorrágicas e
áreas de microenfartes. A substituição dos elementos ↠ Os parasitos são encontrados na musculatura lisa, nas
musculares por tecido conjuntivo acarreta redução da células nervosas e em outros elementos da parede do
força de contração do coração e põe em marcha tubo digestivo. Porém, sempre em pequeno número
mecanismos compensadores tais como: (REY, 4ª ed.). (REY, 4ª ed.).

➢ aumento do diâmetro das fibras musculares ↠ As lesões podem produzir-se em qualquer sítio, mas
cardíacas, tanto mais acentuado quanto mais predominam no esôfago, nos cólons e sigmoide, ou no
extensos forem os focos inflamatórios crônicos intestino delgado. São principalmente processos
e maiores as sequelas fibróticas; subagudos e crônicos de miosite focal e intersticial,
➢ aumento do volume cardíaco: dilatação das acompanhados de: (REY, 4ª ed.).
cavidades e hipertrofia da parede do órgão, com
➢ formação de granulomas;
aumento eventual dos óstios valvulares,
➢ arterites necrosantes, que destroem total ou
decorrentes da dilatação (insuficiência valvular); e
parcialmente a camada média arteriolar;
taquicardia
➢ destruição dos plexos nervosos da parede
↠ O comprometimento do sistema autônomo regulador (plexos de Meissner e de Auerbach);
das contrações cardíacas (nódulo sinusal, nódulo ➢ inflamação crônica em diferentes fases.
atrioventricular e feixe de His) traz como consequência
↠ A destruição dos neurônios ganglionares parece
uma grande variedade de perturbações, tanto da
desempenhar papel relevante nas alterações do trânsito
formação dos estímulos cardíacos, como de sua
esofágico e intestinal (que se tornam cada vez mais lentos
propagação. Daí resultam arritmias, fibrilação atrial,
e difíceis), bem como na hipertrofia muscular e,
bloqueio atrioventricular (REY, 4ª ed.).
finalmente, na dilatação e atonia desses órgãos,
conhecidos respectivamente por megaesófago e
megacólon (REY, 4ª ed.).

↠ O que caracteriza a aperistalse do esôfago é a


incoordenação motora, de modo que não se observa a
propagação da onda contrátil ao longo do órgão, nem o
reflexo de abertura do cárdia, após o ato de deglutição.
A mesma incoordenação é responsável pela estagnação
do bolo fecal no grosso intestino e consequentes
hipertrofia e dilatação das paredes do cólon distal,
sigmoide e reto (REY, 4ª ed.).
OBS.: Os primeiros sintomas são sempre de disfagia. O paciente tem
dificuldade de deglutir alimentos sólidos, como arroz, e bebe água para
ajudar a descer. Surge depois uma tendência à regurgitação. Nos casos

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mais avançados a disfagia é substituída pela sensação de plenitude LESÕES EM OUTROS ÓRGÃOS
intratorácica retroesternal (REY, 4ª ed.).
↠ O fígado apresenta muitas vezes aumento de volume,
na fase aguda, assim como congestão e degeneração
gordurosa das células parenquimatosas. O baço, também,
pode estar aumentado. Os linfonodos, conforme
referimos, são sede de linfadenopatias satélites, que
acompanham o chagoma de inoculação, ou de uma
adenite generalizada, na fase aguda (REY, 4ª ed.).

Diagnóstico da Doença de Chagas

DIAGNÓSTICO CLÍNICO
↠ Elementos importantes para a suspeita da etiologia
chagásica são: (REY, 4ª ed.).
➢ a região de procedência do paciente ou o fato
de ter vivido ou pernoitado em casas onde havia
triatomíneos
➢ paciente ter recebido transfusões sanguíneas,
mesmo fora das áreas endêmicas.
OBS.: Entre as razões que levam o paciente com tripanossomíase a
procurar o médico estão: um exame sorológico positivo, um
eletrocardiograma anormal, falta de ar aos esforços, palpitações, perda
de consciência ou outras manifestações de insuficiência cardíaca,
ALTERAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO disfagia ou obstipação prolongada (REY, 4ª ed.).

↠ No sistema nervoso central pode-se encontrar: (REY, ↠ Em pacientes das áreas endêmicas, deve-se pensar
4ª ed.). na tripanossomíase americana sempre que crianças
apresentarem febre, com poliadenite, aumento do fígado
➢ congestão e edema, com escassos focos e do baço e sintomas cardíacos (REY, 4ª ed.).
hemorrágicos;
➢ discreta infiltração perivascular de células ↠ As doenças coronárias parecem-se muito com a
inflamatórias; cardiopatia chagásica crônica, se bem que aquelas
➢ formação de numerosos nódulos (granulomas) predominam em adultos de meia-idade ou velhos, e esta
disseminados pelo cérebro, cerebelo e última não costuma acompanhar-se de dores precordiais
pedúnculos cerebrais, os quais contém (REY, 4ª ed.).
sobretudo células da micróglia, monócitos e DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
alguns leucócitos polimorfonucleares.
↠ Devido à inespecificidade e diversidade das
↠ Nas células nervosas ou outras, degeneradas, manifestações clínicas, os métodos de laboratório devem
encontram-se acúmulos parasitários. A destruição dessas ser utilizados sempre que se queira confirmar ou afastar
células e a disseminação dos flagelados levam a uma o diagnóstico de tripanossomíase (REY, 4ª ed.).
meningencefalite difusa. Há também necroses focais (REY,
4ª ed.). ↠ No período agudo, em vista da parasitemia ser
geralmente alta, recomenda-se o exame parasitoscópico
OBS.: No núcleo dorsal do vago e do hipoglosso, foram descritas lesões
do sangue, mas também a punção biópsia de linfonodo,
com grande redução do número de neurônios, com significado
particular para a fisiopatologia do megaesôfago (REY, 4ª ed.). a imunofluorescência indireta (IFI), a hemaglutinação (HA)
entre outras (REY, 4ª ed.).

↠ Na fase crônica, os métodos parasitológicos não


revelam mais que metade dos casos positivos. Mas,

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havendo em geral títulos altos de anticorpos específicos EXAMES IMUNOLÓGICOS


no soro, são mais indicados, além da imunofluorescência
e da hemaglutinação, a reação imunoenzimática (ELISA) ↠ São muito importantes no reconhecimento da
e o radioimunoensaio (REY, 4ª ed.). tripanossomíase americana, não só́ pela grande
sensibilidade e facilidade de execução, como por
EXAMES PARASITOLÓGICOS fornecerem informações de valor em prazos curtos (de
minutos ou horas) (REY, 4ª ed.).
Pesquisa de parasitos no sangue

Os tripanossomos são abundantes nas primeiras 6 a 8 semanas de ↠ Eles são utilizados para confirmar ou excluir o
infecção e podem ser encontrados em exame de uma gota de diagnóstico de tripanossomíase, em casos suspeitos,
sangue fresco, entre lâmina e lamínula, graças à sua motilidade sobretudo na fase crônica, e para selecionar doadores em
característica (REY, 4ª ed.). bancos de sangue (REY, 4ª ed.).
Utilizam-se, também, esfregaços corados pelo Giemsa, Leishman ou
outros métodos derivados do Romanowsky (Fig. 22.10), que permitem
↠ Esses métodos beneficiam-se do fato de aparecerem
identificar os parasitos morfologicamente. Repetir os exames se os anticorpos no sangue muito cedo, ainda na fase aguda
negativos (REY, 4ª ed.). da infecção, e de se manterem em geral continuamente
ao longo de toda a fase crônica da doença (REY, 4ª ed.).
Imunofluorescência Indireta

Esta reação tem sido amplamente empregada no diagnóstico


Tripomastigotas laboratorial da doença de Chagas (ALVES et. al., 2018).
sanguíneos de
Trypanosoma cruzi ELISA
corados com azul de
Esta técnica consiste em detectar anticorpos contra o parasita através
metileno (FERREIRA, 2ª
da utilização de um segundo anticorpo (anti-imunoglobulina humana
ed.).
produzido em animais de laboratório), conjugados a enzimas, que, em
presença de substratos específicos, geram produtos coloridos, cuja
quantificação é feita espectrofotometricamente (ALVES et. al., 2018).

Reação em cadeia da polimerase (PCR) e outros métodos


moleculares
Outra técnica eficiente consiste em coletar o sangue em tubo capilar
e centrifugá-lo em baixa rotação. Os flagelados, quando presentes, são Podem detectar DNA do parasito no sangue ou em tecidos com
vistos (com lupa entomológica) na interface hemácias/soro (REY, 4ª razoável sensibilidade (50 a 90%), mas não são amplamente
ed.). disponíveis em áreas endêmicas. Os testes quantitativos possibilitam
avaliar se houve redução na carga parasitária após o tratamento
Punção biópsia de linfonodos
(FERREIRA, 2ª ed.).
Visto que os parasitos acumulam-se desde cedo nos linfonodos,
especialmente quando há adenite satélite do chagoma de inoculação, IMPORTANTE
podem eles ser facilmente encontrados em macró- fagos ou no
Na fase aguda da DC, o diagnóstico laboratorial é baseado na
exsudato inflamatório (REY, 4ª ed.).
observação do parasito presente no sangue dos indivíduos
Xenodiagnóstico infectados, através de testes parasitológicos diretos, como
exame de sangue a fresco, esfregaço e gota espessa. O teste
Este método tem o objetivo de investigar a presença de parasitas nas
direto a fresco é mais sensível que o esfregaço corado e deve
fezes e/ou conteúdo intestinal dos insetos vetores mantidos em
laboratórios e alimentados com sangue de indivíduos que serão ser o método de escolha para a fase aguda. Caso estes testes
testados. Quatro caixas contendo dez triatomíneos cada, fechada em sejam negativos, devem ser usados métodos de concentração
um de seus lados por uma fina rede, são colocadas sobre a face (LIMA et. al., 2019).
ventral do antebraço do paciente por cerca de trinta minutos (ALVES
et. al., 2018). Os testes de concentração (microhematócrito ou Strout)
apresentam 80% a 90% de positividade e são recomendados
Antes da realização deste exame é necessário que os triatomíneos no caso de forte suspeita de DC aguda e negatividade do teste
sejam mantidos em jejum por um período de duas semanas. Após a direto a fresco (LIMA et. al., 2019).
alimentação com sangue do paciente, os insetos devem ser mantidos
a uma temperatura entre 25°C e 30°C e umidade relativa de Na fase crônica da doença, o diagnóstico parasitológico direto
aproximadamente 85% na ausência de luz. O exame fecal ou do torna-se comprometido em virtude da ausência de parasitemia.
conteúdo intestinal será feito após 30-60 dias para pacientes em fase Os métodos parasitológicos indiretos (o xenodiagnóstico ou o
crônica e 10-30 dias para pacientes em fase aguda (ALVES et. al., 2018).
hemocultivo) que podem ser utilizados apresentam baixa

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sensibilidade (20%-50%). Sendo assim, o diagnóstico na fase aneurisma de ponta, que ocorre principalmente no
crônica é essencialmente sorológico e deve ser realizado ventrículo esquerdo, e a existência de trombos
utilizando-se dois testes de princípios metodológicos diferentes: (BATISTA, 2020).
um teste de elevada sensibilidade (ELISA com antígeno total ou
frações semipurificadas do parasito ou a IFI) e outro de alta ↠ A dosagem de peptídeo natriurético tipo B (BNP) é
especificidade (ELISA, utilizando antígenos recombinantes um importante biomarcador de disfunção ventricular
específicos do T. cruzi) (LIMA et. al., 2019). esquerda em pacientes com tripanossomíase americana
Os métodos sorológicos de diagnóstico da doença de Chagas se e é também um preditor de risco de AVE ou de morte
baseiam em geral na detecção de anticorpos anti-T.cruzi da classe IgG, (BATISTA, 2020).
sendo característica da fase crônica. Os anticorpos da classe IgM são
características da fase aguda, porém, esporadicamente podem ser ↠ A radiografia de tórax deve ser solicitada; todavia, cabe
detectados na fase crônica de alguns pacientes (DAVANÇO, 2015). comentar que nem sempre apresentará alteração. Em
casos mais avançados da cardiopatia dilatada, entretanto,
AVALIAÇÃO POR MÉTODOS COMPLEMENTARES
o aumento do coração pode ser percebido por ocasião
↠ Após a confirmação do diagnóstico da doença de da avaliação da área cardíaca (BATISTA, 2020).
Chagas, deve-se realizar uma avaliação mais detalhada do
↠ Outros exames que devem ser solicitados são
paciente, a fim de buscar informações que possam ser
hemograma, urina de rotina, provas de função hepática e
úteis ao prognóstico. Para tanto, anamnese e exame físico
ensaios para a avaliação da coagulação (tempo de
detalhados devem ser revisados em busca de elementos
tromboplastina parcial ativado – TTPA). Deve-se também
que possam não ter sido adequadamente valorizados em
atentar para a realização de endoscopias e radiografias do
avaliação prévia (BATISTA, 2020).
tubo gastrintestinal, caso o paciente apresente queixas
↠ Durante a análise dos dados do paciente, deve-se digestivas (BATISTA, 2020).
averiguar o grau de acometimento dos órgãos mais
Tratamento da Doença de Chagas
afetados pela doença; atenção especial deverá ser dada
à presença de arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca ↠ O tratamento antimicrobiano dirigido ao T. cruzi tem
congestiva, tromboembolismo e doença gastrintestinal como objetivos curar a infecção, prevenir lesões
(BATISTA, 2020). orgânicas ou sua evolução e diminuir a possibilidade de
↠ O ECG convencional está sempre indicado a partir do transmissão do protozoário. Essa modalidade terapêutica
momento em que o diagnóstico é estabelecido, tem resultados adequados na maioria dos casos agudos e
representando um bom preditor de acometimento do congênitos e, também, em casos crônicos recentes.
miocárdico, embora um resultado normal não exclua a Desse modo, de acordo com o II Consenso Brasileiro de
possibilidade de doença. Deve-se atentar principalmente para a Doença de Chagas, estão propostas as seguintes
ocorrência de taquicardia sinusal, estreitamento do complexo QRS, orientações para o tratamento antiparasitário: (BATISTA,
alterações do seguimento ST ou da onda T, extrassístoles atriais ou 2020).
ventriculares, taquicardia paroxística atrial ou ventricular, transitória ou
sustentada, bloqueios de condução atrioventriculares e bloqueios de ➢ Devem ser tratadas todas as crianças com idade
ramo (BATISTA, 2020). igual ou inferior a 12 anos portadoras da doença
de Chagas em sua fase crônica;
↠ Nos casos em que o ECG for inconclusivo, uma boa ➢ Para adolescentes com idade entre 13 e 18 anos
opção é o eletrocardiograma de longa duração, ou e adultos com infecção crônica, quando se
“Holter”, que monitora por 24 horas a atividade elétrica consegue estabelecer que a fase aguda ocorreu
cardíaca (BATISTA, 2020). até 12 anos antes (considerado como infecção
↠ A ecocardiografia tem grande relevância para definir a recente), é usualmente recomendado o
gravidade do acometimento cardíaco por meio da medida tratamento antiparasitário, embora faltem
da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Uma evidências consistentes a partir de estudos
alteração na função desse ventrículo relaciona-se com randomizados justificando tal conduta;
um pior prognóstico, sendo possível a ocorrência de ➢ Para os indivíduos com doença de Chagas na
díspares eventos mórbidos, como o acidente vascular faixa etária de 19 a 50 anos sem infecção
encefálico (AVE) ou mesmo a morte súbita. Pelo recente documentada, o tratamento
ecocardiograma também é possível identificar o antiparasitário deve ser considerado de forma

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individualizada, seja na forma crônica


indeterminada, seja na forma crônica
determinada sem cardiopatia avançada;
➢ Para indivíduos com idade superior a 50 anos,
sem cardiopatia avançada, não há estudos
justificando o tratamento antiparasitário. O
tratamento antiparasitário não deve ser realizado
em indivíduos na fase crônica da doença de
Chagas com a forma cardíaca grave, uma vez
que não há evidências de benefícios clínicos na
evolução desses pacientes.
OBS.: Situações relevantes (para as quais se recomenda consultar o II Os efeitos adversos do BNZ em humanos podem ser agrupados em
Consenso Brasileiro de Doença de Chagas, em que deverá ser manifestações de hipersensibilidade (20% dos casos): dermatite,
considerada a terapêutica antimicrobiana para o T. cruzi, incluem o edema periorbital, linfoadenopatia, dores musculares e febre;
tratamento dos enfermos com imunossupressão (transplantes, depressão da medula óssea (casos raros): neutropenia, agranulociotese
infecção por HIV/AIDS) e da transmissão acidental (contato com fluidos e púrpura trombocitopêmica; e polineuropatia periférica (7% dos
biológicos de pacientes com doença de Chagas, sinistros laboratoriais, casos): parestesias e polineurite (DAVANÇO, 2015).
entre outros) (BATISTA, 2020).
↠ Apesar da toxicidade sistêmica e da baixa tolerabilidade
↠ O fármaco de escolha disponível para o tratamento orgânica associada aos efeitos colaterais marcantes com
específico da doença de Chagas no Brasil é o benznidazol, o uso de benznidazol, estudos clínicos relataram que não
que é comercializado sob a forma de comprimidos de 100 há medicamentos disponíveis com eficiência terapêutica
mg. Sua administração é feita por via oral, sendo rápida a superior à do benznidazol, o que torna esse fármaco o
absorção com concentrações máximas após 2 a 4 horas. único para o tratamento clínico da doença de Chagas no
Tem meia-vida de cerca de 12 horas e metabolização Brasil (BATISTA, 2020).
conduzida pelo fígado e eliminação pela urina; uma
OBS.: Na infância, a cura é alcançada em cerca de 90% das crianças
pequena parcela não absorvida é eliminada nas fezes com infecção congênita e que iniciaram o tratamento no tempo certo.
(BATISTA, 2020). Em todos os casos, o tempo necessário para que haja negativação
dos exames sorológicos é proporcional à idade em que a pessoa
↠ O tratamento deve ser realizado pelo período de 60 adquiriu a doença, ou seja, quanto mais tarde ocorrer a aquisição do
dias, nas doses de 5 mg/kg/dia para adultos e de 10 protozoário, mais tempo será preciso até que se alcancem os
mg/kg/dia para crianças, por via oral, sempre em duas a resultados esperados (BATISTA, 2020).
três tomadas diárias (12/12 horas ou 8/8 horas) (BATISTA,
↠ Nos casos em que houver intolerância ao benznidazol
2020).
ou falha, poderá ser indicado o nifurtimox como opção
↠ A dose máxima recomendada do fármaco é de 300 terapêutica nos seguintes esquemas, os quais deverão
mg/dia (BATISTA, 2020). ser mantidos por 60 dias: (BATISTA, 2020).

MECANISMO DE AÇÃO DO BENZNIDAZOL: Seu mecanismo de ação ainda ➢ adultos: 10 mg/kg/dia (comprimidos de 120 mg),
não está completamente elucidado. Evidências recentes indicam que por via oral, 3 vezes/dia;
age por meio de radicais livres nitrogenados produzidos por nitro- ➢ crianças: 15 mg/kg/dia (comprimidos de 30 mg),
redutases humanas que induzem modificações covalentes de
por via oral, 3 vezes/dia.
macromoléculas. Esses radicais livres podem danificar o DNA do
parasito e exercem efeito inibitório na síntese de proteínas e na MECANISMO DE AÇÃO DO NIFURTIMOX: O Nifurtimox forma um
síntese do ácido ribonucleico em células de T. Cruzi (LAFEPE metabólito radical nitro-ânion que reage com os ácidos nucléicos do
MEDICAMENTOS). parasita, causando uma quebra significativa do DNA.
Outro mecanismo de ação do BNZ seria através do aumento da Seu mecanismo é semelhante ao proposto para a ação antibacteriana
fagocitose atuando na elevação da produção da citocina interferon de agentes nitrofuranos. O Nifurtimox sofre redução e cria radicais de
gama (INF-γ), causando lise celular. Ainda, há evidência de que o oxigénio, como o superóxido. Esses radicais são tóxicos para o T. cruzi.
fármaco atue na inibição enzima NADH-fumarase redutase bloqueando
o crescimento do T. cruzi (DAVANÇO, 2015).
↠ Os principais efeitos adversos do fármaco são similares
aos descritos para o benznidazol (BATISTA, 2020).
OBS.: Os medicamentos disponíveis são relativamente pouco eficientes
contra estágios intracelulares do parasito. Isso foi atribuído,

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recentemente, ao fato já mencionado de os amastigotas intracelulares prevenção da enfermidade, de modo a evitar a infestação
poderem permanecer durante longos períodos de tempo como domiciliar pelo triatomíneo. Outras medidas pessoais que
formas “dormentes”, com redução de sua atividade metabólica e
replicativa. Portanto, o tratamento etiológico da doença de Chagas
podem ser tomadas são o uso de redes nas camas e de
crônica é ainda assunto controverso (FERREIRA, 2ª ed.). repelentes em áreas endêmicas do barbeiro (BARBOSA,
2020).
TRATAMENTO SINTOMÁTICO
↠ O controle da transmissão transfusional é estabelecido
↠ O tratamento das principais manifestações da doença com o manejo rigoroso do sangue dos doadores. No
deve ser realizado de acordo com as diretrizes para cada Brasil, tal perspectiva é amplamente difundida; porém, em
um dos quadros específicos. Na fase aguda, deve ser feito outras localidades, essa via permanece com importância
repouso, e podem ser usadas medicações antitérmicas, na transmissão da doença. De acordo com o I Consenso
anticonvulsivantes e diuréticas, além de digitálicos e outros Brasileiro de Doença de Chagas, gestantes provenientes
fármacos para o tratamento do quadro de miocardite ou que vivem em áreas endêmicas devem ser testadas
aguda (BARBOSA, 2020). quanto à presença do T. cruzi, se possível durante a
↠ Na fase crônica (para a CCC), recomendam-se dieta e primeira consulta do pré-natal (BARBOSA, 2020).
repouso como terapias não medicamentosas, mas ↠ Para a transmissão oral, deve-se ter critério em
podem ser usados inibidores da enzima conversora de relação ao preparo, transporte e armazenamento de
angiotensina (IECA), betabloqueadores seletivos, digitálicos alimentos que tenham possibilidade de entrar em contato
e diuréticos, conforme a necessidade de cada paciente com o vetor ou com suas fezes. Deve ser comentado
(BARBOSA, 2020). que o T. cruzi se classifica como do grupo de risco
PROGNÓSTICO DA DOENÇA DE CHAGAS
biológico 2, ou seja, os laboratórios que trabalham com o
protozoário devem utilizar o equipamento de proteção
A infecção não se cura espontaneamente. Na fase aguda, a doença individual adequado. Ainda assim, em caso de infecção
pode ser grave e fatal (por meningoencefalite ou cardiopatia grave).
Mesmo assim, a mortalidade não chega aos 10%, de acordo com
acidental, faz-se a quimioprofilaxia com o benzonidazol por
estudos a respeito. Nos demais casos, o tratamento pode modificar o 10 dias (BARBOSA, 2020).
prognóstico, reduzindo a mortalidade (REY, 4ª ed.).
Saúde Indígena
Ultrapassada essa fase, a tendência em geral é para lenta evolução
que, segundo alguns autores, leva inexoravelmente ao aparecimento ↠ No Brasil, segundo o último censo do Instituto Brasileiro
de lesões cardíacas e de outros órgãos. de Geografia e Estatística (IBGE), vivem mais de 890 mil
Outros especialistas distinguem dois tipos de evolução: índios, distribuídos em todos os estados e
correspondendo a 0,4% da população brasileira. Esse
➢ Na forma indeterminada, sem manifestações clínicas e sem
alterações eletrocardiográficas, a taxa de mortalidade, 10 grupo, distribuído em 505 terras indígenas, ocupa 12,5%
anos depois de estabelecido o diagnóstico, é muito baixa. O do território nacional. Apesar do contingente populacional
tratamento dos pacientes jovens ainda pode melhorar o não tão expressivo em relação ao total da população
prognóstico se instituído precocemente. brasileira, esses povos apresentam imensa
➢ Na forma crônica da cardiopatia chagásica, isto é, nos casos
sociodiversidade, incluindo 305 grupos étnicos falantes de
com sintomatologia clinica (ainda que por vezes
oligossintomática) e com alterações eletrocardiográficas 274 idiomas (MENDES et. al., 2018).
precoces, o prognóstico é menos favorável. A partir das
formas assintomáticas, a cada ano que passa 2% dos ↠ No Brasil, a 1ª Conferência Nacional de Proteção à
pacientes desenvolvem cardiopatias e 1% começa a Saúde Indígena (CNPSI), realizada em 1986, foi um dos
apresentar megas. primeiros momentos em que o Estado ouviu diferentes
lideranças indígenas para discutir propostas relacionadas à
Prevenção da Doença de Chagas
formulação de diretrizes voltadas à saúde desses povos,
↠ A primeira linha de controle da doença de Chagas em assumindo como legítimas suas necessidades e
regiões endêmicas consiste no controle do vetor, o qual, especificidades e tendo como foco a APS (MENDES et.
tradicionalmente, foi procedido com o uso de inseticidas al., 2018).
no domicílio e no peridomicílio (BARBOSA, 2020). ↠ A luta pela saúde indígena no Brasil, foi mais legitimada
↠ A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza a com a criação do Subsistema de Atenção à Saúde dos
melhoria das habitações como importante passo na Povos Indígenas, que foi criado em 1999, através da Lei nº

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9.836/99, mais conhecida como Lei Arouca. Este acesso a essas aldeias; tais fatores acabam por se soma
subsistema é composto pelos Distritos Sanitários Especiais a falta de infraestrutura e recursos (SANTOS et. al., 2021).
Indígenas (DSEIS), que se constituem em uma rede de
↠ Os polos - bases nas aldeias são estruturados apena
serviços implantada nos territórios indígenas com o
para atender a atenção primária, dessa forma os casos
objetivo de atender essa população, levando em
de média e alta complexidade acabam sendo
consideração os critérios geográficos, demográficos e
referenciados para as unidades do Sistema Único de
culturais (SANTOS et. al., 2021).
Saúde - SUS, tais serviços são localizados em centros
↠ Durante a 4° Conferência Nacional de Saúde dos urbanos próximos ou em outros municípios, onde os
Povos Indígenas, em 2006, foram reivindicadas melhorias povos indígenas sofrem com diferenças organizacionais,
na situação de saúde e questionada a gestão da FUNASA culturais, linguística, refletindo negativamente na
(MENDES et. al., 2018). possibilidade do acesso e na qualidade do cuidado
ofertado, piorando o processo saúde - doença que se
↠ Em 2010, foi aprovada a criação da Secretaria Especial
encontra (SANTOS et. al., 2021).
de Saúde Indígena (SESAI). O que sua criação traz de
novo é, em última instância, a existência de um órgão ↠ A Secretaria Especial de Saúde Indígena conta
responsável unicamente pela saúde indígena (MENDES com 14.600 mil profissionais de saúde, sendo que
et. al., 2018). destes, 46% são indígenas, e promove a atenção
primária à saúde e ações de saneamento,
↠ De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
de maneira participativa e diferenciada, respeitando as
(2021), para garantir aos povos indígenas o acesso
especificidades epidemiológicas e socioculturais destes
igualitário e atenção integral aos povos indígenas de
povos (MINISTÉRIO DA SAÚDE).
acordo com os princípios do SUS, se fez necessário o
estabelecimento de algumas diretrizes que orientam a ↠ A composição da Equipe Multiprofissional de Saúde
definição de instrumentos de planejamento, Indígena - EMSI, é regulamentada pela portaria nº 1.317, de
implementação, avaliação e controle das ações de 3 de agosto de 2017. Nela consta que, a EMSI
atenção à saúde dos povos indígenas (SANTOS et. al., corresponde a um conjunto de profissionais responsáveis
2021). pela atenção básica à saúde indígena em uma área, sob
gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena
↠ As diretrizes para ações de atenção à saúde indígena
(SASI-SUS) (SANTOS et. al., 2021).
são: (SANTOS et. al., 2021).
➢ Organização dos serviços de atenção à saúde
dos povos indígenas na forma de Distritos
Sanitários Especiais e Pólos-Base, no nível local,
onde a atenção primária e os serviços de
referência se situam;
➢ Preparação de recursos humanos para atuação ↠ O gestor/coordenador local pode, opcionalmente, além
em contexto intercultural; da equipe mínima, incluir os seguintes profissionais as
➢ Monitoramento das ações de saúde dirigidas aos equipes que prestam atenção à saúde indígena como:
povos indígenas; médicos clínicos (família), cirurgião dentista (família),
➢ Promoção do uso adequado e racional de enfermeiros (família), técnicos e auxiliares de
medicamentos; enfermagem (família), técnico em saúde bucal, auxiliar em
➢ Promoção de ações específicas em situações saúde bucal, trabalhadores em serviços de promoção e
especiais; apoio à saúde (família), agente de saúde pública,
➢ Promoção de ambientes saudáveis e proteção microscopista, entre outros. Estes não deverão ser
da saúde indígena; marcados como equipe mínima (SANTOS et. al., 2021).
↠ Além dos aspectos organizacionais do serviço de
saúde indígena, também devem ser levados em
consideração alguns fatores peculiares a essa população
como, a sua situação de transculturação, a localização
geográfica dos índios, com ênfase nas dificuldades de

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Referências

ALENCAR et. al. Epidemiologia da Doença de Chagas


aguda no Brasil de 2007 a 2018. Research, Society and
Development, v. 9, n. 10, 2020.
ALVES et. al. Métodos de diagnóstico para a doença de
Chagas: uma atualização. Revista Brasileira de Análises
Clínicas, 2018.
LAPEDE MEDICAMENTOS. Modelo de bula para os
profissionais de saúde.
DAVANÇO, M. G. Farmacocinética do Benznidazol
administrado em coelhos na forma de comprimidos de
liberação imediata e comprimidos de liberação prolongada.
Dissertação de pós graduação, Araraquara, SP, 2015.
LIMA et. al. Doença de Chagas: uma atualização
bibliográfica. Revista Brasileira de Análises Clínicas, 2019.
FERREIRA, M. U. Parasitologia Contemporânea, 2ª edição,
Guanabara Koogan – Rio de Janeiro, 2021.
BATISTA, R. S. Parasitologia – Fundamentos e Prática
Clínica. Guanabara Koogan – Rio de Janeiro, 2020.
REY, L. Parasitologia, 4ª edição. Grupo GEN, 2008.
REY, L. Bases da Parasitologia Médica, 3ª edição. Grupo
GEN, 2009.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Site do GOV. Disponível em:


<https://www.gov.br/saude/ptbr/composicao/sesai>
Acesado em 14 de agosto de 2022.
SANTOS et. al. O enfermeiro na saúde indígena: uma
revisão de literatura. Research, Society and Development,
v. 10, n. 16, 2021.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 05 – CORAÇÃO GRANDE É CORAÇÃO BOM? 1

Objetivos sistêmica de pequena intensidade ou na coronariopatia incipiente


(BOGLIOGO, 10ª ed.).
1- Debater a etiologia e a fisiopatologia da
↠ Em 2006, a American Heart Association (AHA) definiu
miocardiopatia dilatada;
que as cardiomiopatias são um grupo heterogêneo de
2- Conhecer a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia
doenças do músculo cardíaco com correspondente
e manifestações clínicas da insuficiência cardíaca;
disfunção mecânica e/ou elétrica, com frequente, mas
3- Compreender o diagnóstico e tratamento da
não sempre presente, dilatação e hipertrofia ventricular
insuficiência cardíaca;
inapropriada. Podem ser restritas ao coração ou fazer
4- Explicar o motivo de algumas doenças serem
parte de doenças sistêmicas (SOCESP, 4ª ed.).
negligenciadas.

Cardiomiopatia dilata

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as cardiomiopatias,


também chamadas miocardiopatias, são doenças próprias do miocárdio
associadas a disfunção cardíaca. Assim, para caracterizar uma doença
cardíaca como cardiomiopatia é necessário que a disfunção cardíaca
não esteja associada com isquemia miocárdica (coronariopatia) ou com
fatores que acarretam sobrecarga pressórica ou volumétrica, como
valvopatias, hipertensão arterial sistêmica ou cardiopatias congênitas
(BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ As cardiomiopatias representam um grupo de


doenças envolvendo o músculo cardíaco, podendo incluir
doenças que acometem o músculo cardíaco ↠ Em 2008, a European Society of Cardiology (ESC)
primariamente e também doenças sistêmicas que podem trouxe uma nova proposta de classificação das
afetar de forma indireta a função e anatomia do músculo cardiomiopatias, que define as cardiomiopatias como
cardíaco (SOCESP, 4ª ed.). desordem do músculo cardíaco, que se encontra
↠ A forma mais comum de apresentação desta entidade estruturalmente e funcionalmente anormal, na ausência
é a dilatada, podendo chegar a 90% dos casos. Além de de causas específicas. Manteve as alterações estruturais
comprometer a contração ventricular esquerda, ou de e morfológicas dos subtipos das cardiomiopatias em
ambos os ventrículos, é muito comum ser acompanhada dilatada, hipertrófica, restritiva e arritmogênica de
de outras desordens como arritmias, tromboembolismo ventrículo direito, em forma familiar (genética) e não
e, principalmente, a progressão quase que inexorável familiar (não genética) (SOCESP, 4ª ed.).
para insuficiência cardíaca importante (SOCESP, 4ª ed.).
IMPORTANTE: Muitas vezes a morte súbita pode se fazer presente na
evolução clínica desses pacientes (SOCESP, 4ª ed.).

Sabemos que cardiomiopatia dilatada (CMD) pode ser a via final comum
de várias doenças que acometem o miocárdio, resultante de
mecanismos genéticos, infecciosos, metabólicos, inflamatórios e
citotóxicos (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Já em 2013, a World Heart Foundation (WHF) publicou
CLASSIFICAÇÃO a classificação MOGE(S), inspirada no estadiamento dos
tumores (estágio TNM). A classificação MOGE(S) baseia-
IMPORTANTE: A classificação das cardiomiopatias não é tarefa fácil e
tem sido modificada ao longo do tempo. De forma simples e útil para
se em anormalidades estruturas e funcionais (M),
a prática médica, as cardiomiopatias são divididas nas formas dilatada, extensão do comprometimento do órgão envolvido (O),
hipertrófica, restritiva e arritmogênica do ventrículo direito; tipos que se é de causa genética ou não (G), a natureza do defeito
não se enquadram nas descrições clássicas, comentadas adiante, são genético molecular ou se a etiologia é conhecida (E) e o
considerados cardiomiopatias não classificadas. De acordo com a
grau do estágio de Insuficiência cardíaca ou grau de
classificação da OMS, as cardiomiopatias específicas correspondem a
alterações do miocárdio associadas a doenças sistêmicas (p. ex., intolerância aos esforços (S) (SOCESP, 4ª ed.).
sarcoidose ou mucopolissacaridoses) ou a algumas alterações cardíacas
quando as mesmas não justificam a magnitude da disfunção ventricular
– como acontece em valvopatias discretas, na hipertensão arterial

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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OBS.: A classificação das miocardiopatias é dividida em dois grupos


principais: primárias e secundárias. As miocardiopatias primárias
representam os distúrbios cardíacos limitados ao miocárdio, enquanto
as miocardiopatias secundárias representam as alterações miocárdicas
que ocorrem com uma diversidade de distúrbios sistêmicos (de
diversos órgãos) (PORTH, 10ª ed.).

ETIOLOGIA
↠ As causas de CMD podem incluir uma variedade muito
grande de agentes citotóxicos, metabólicos, infecciosos
ou também um número grande de causas genética
(SOCESP, 4ª ed.).
OBS.: Quando não se encontra uma causa aparente para a CMD, ela é EPIDEMIOLOGIA
chamada então de cardiomiopatia dilatada idiopática, em que a etiologia
está presente, mas não foi identificada (SOCESP, 4ª ed.). ↠ A cardiomiopatia dilatada é uma das principais
responsáveis por insuficiência cardíaca congestiva e

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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transplantes cardíacos em todo o mundo, inclusive no FORMA FAMILIAR


Brasil (BOGLIOGO, 10ª ed.).
↠ A grande maioria dos casos são autossômica
↠ Em adultos a incidência é de 7 para 100.000 por ano. É dominante e uma minoria recessivo ligado ao X,
mais frequente entre homens do que em mulheres (2,5: autossômico recessivo e mitocondrial. Também sabemos hoje
1) e entre os negros do que em brancos (2,5:1). Em que a penetrância é dependente da idade a expressão clínica variável
crianças a incidência é de 1,13 casos por 100.000 por ano, (SOCESP, 4ª ed.).
sendo maior em meninos do que em meninas (SOCESP, Nos estudos iniciais acreditava-se que a disfunção genética da
4ª ed.). cardiomiopatia dilatada idiopática se localizava nas proteínas do
citoesqueleto. Com o avanço da tecnologia genética, viu-se que
FISIOPATOLOGIA existem mutações em praticamente todas as estruturas e vias de
condução do cardiomiócito, podendo conduzir a dilatação ventricular
De forma geral, na cardiomiopatia dilatada estariam primariamente
e má contração do músculo cardíaco (SOCESP, 4ª ed.).
alteradas proteínas estruturais do citoesqueleto e do sarcolema,
relacionadas fundamentalmente com a transmissão da força gerada, ↠ Em sua maioria, os genes envolvidos fazem parte de
como a distrofina e sarcoglicanos (BOGLIOGO, 10ª ed.).
codificações do sarcomêro, citoesqueleto, cápsula nuclear
↠ Há fortes indícios de que a doença seja o resultado e sarcolema (SOCESP, 4ª ed.).
final e comum de uma grande variedade de agressões ao
miocárdio ocorridas ao longo da vida. Suas principais
causas são doenças virais, afecções autoimunes,
toxicidade pelo álcool ou outras drogas, distúrbios
associados à gravidez e anormalidades genéticas
(BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ Na maioria dos pacientes, no entanto, esta


cardiomiopatia não se associa a nenhuma causa
conhecida, recebendo, por isso, a denominação
cardiomiopatia dilatada idiopática (BOGLIOGO, 10ª ed.).
OBS.: Com frequência, nenhuma causa pode ser identificada e, nesse
caso, a miocardiopatia é denominada MCD idiopática (PORTH, 10ª ed.).

CARDIMIOPATIA DILATADA IDIOPÁTICA


↠ Nas últimas décadas o papel da genética ganhou
importância muito elevada com a identificação de uma
frequência de casos familiares maior do que o que se
antecipava previamente (30 a 50% dos casos). Um
grande número de genes identificados (mais de 40) e Estes estudos sugerem que as mutações em genes presentes na CF
uma clara evidência de que, mesmo os chamados “casos são: (SOCESP, 4ª ed.).
esporádicos”, podem abrigar um defeito genético ➢ Mutações em gene do sarcômero: incluem TTN (titina),
(SOCESP, 4ª ed.). MYH7 (miosina de cadeia pesada); TNNT2 (troponina T) e
TPM1 (alfa – tropomiosina). São as causas mais comuns,
Denomina-se forma esporádica os casos em que não se conseguiu representando cerca de 30% dos casos. A titina (gigante
estabelecer um determinante genético e de forma familiar os casos TTN) é altamente expressa no coração onde funciona
em que o fenótipo é expressado em mais de um membro da família como uma mola gigante, que proporciona uma força
(SOCESP, 4ª ed.). passiva e regula a contração do sarcômero. Em um estudo
multicêntrico recentemente publicado, os autores
Em mais de 50% das vezes não é possível a sua determinação,
mostraram que a maioria das mutações da titina ocorreram
recebendo a denominação de idiopática. Desses casos de MCD
no grupo CMD (mais de 20%).
idiopática, cerca de 30-50% dos casos correspondem a forma familiar,
➢ Mutações em gene SCN5A: gene do canal de sódio;
demonstrando a influência da hereditariedade e genética na sua
também apresentam relação com a presença de
patogênese (CAMANDAROBA et. al., 2020).
cardiomiopatia familiar. Apresenta frequência de cerca 2%
na CMD e foi encontrada tendência para um traço
arritmogênico, incluindo defeitos de condução; fibrilação
atrial e taquicárdica ventricular.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ A MCD é caracterizada por aumento ventricular, ↠ Histologicamente, a MCD é caracterizada por fibras
redução da espessura da parede ventricular e miocárdicas atróficas e hipertróficas, além de fibrose
comprometimento da função sistólica de um ou de intersticial. Os miócitos cardíacos, em particular no
ambos os ventrículos (PORTH, 10ª ed.). subendocárdio, frequentemente apresentam alterações
degenerativas avançadas. Também há fibrose intersticial,
↠ O peso está aumentado, geralmente em torno de 400
de modo mais predominante na zona subendocárdica, e
a 600 g, raramente 900 g ou mais. O achado
possível presença de células inflamatórias dispersas
predominante é a dilatação das quatro câmaras,
(PORTH, 10ª ed.).
sobretudo do ventrículo esquerdo (BOGLIOGO, 10ª ed.).
↠ Há graus variados de hipertrofia das miocélulas
↠ Em geral, a dilatação é acentuada e sempre
(caracterizada por núcleos volumosos, irregulares e
acompanhada de hipertrofia do miocárdio. Entretanto,
hipercromáticos), que paradoxalmente podem
geralmente a parede do ventrículo esquerdo tem
apresentar-se alongadas e adelgaçadas, devido à dilatação
espessura diminuída devido à grande dilatação cavitária
ventricular (BOGLIOGO, 10ª ed.).
(hipertrofia por adição de sarcômeros em série –
hipertrofia excêntrica). Às vezes, são vistas finas traves ↠ À microscopia eletrônica, as alterações também são
esbranquiçadas de fibrose no miocárdio. Trombos murais inespecíficas e consistem em cardiomiócitos com edema
são frequentes, sobretudo nos átrios e no ápice dos intracelular, dilatação dos túbulos do sistema T e do
ventrículos (BOGLIOGO, 10ª ed.). retículo sarcoplasmático, perda de cristas e variação na
forma e no tamanho das mitocôndrias, gotículas de
gordura e grânulos de lipofuscina no sarcoplasma. Todas
essas alterações constituem sinais de processo
degenerativo inespecífico em células hipertróficas
(BOGLIOGO, 10ª ed.).

Insuficiência Cardíaca

↠ A insuficiência cardíaca é definida como uma síndrome


complexa, resultante de qualquer distúrbio funcional ou
estrutural do coração, a qual ocasiona ou aumenta o risco
de desenvolver manifestações de débito cardíaco baixo
e/ou congestão pulmonar ou sistêmica (PORTH, 10ª ed.).

EPIDEMIOLOGIA
↠ A IC tem alta prevalência e grande impacto na
morbidade e mortalidade em todo o mundo, sendo hoje
um grave problema de saúde pública (SOCESP, 4ª ed.).
↠ A insuficiência cardíaca pode ocorrer em qualquer
faixa etária, mas afeta primariamente os idosos. Ainda que
as taxas de morbidade e mortalidade por DCV tenham
diminuído nas últimas décadas, a incidência de insuficiência
cardíaca está aumentando a uma taxa alarmante.
Aproximadamente, 400 mil a 700 mil pessoas são
diagnosticadas com insuficiência cardíaca a cada ano, nos
EUA (SOCESP, 4ª ed.).

↠ No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que,


em 2007, quase 40% das internações hospitalares foram
relacionadas à IC descompensada. Essa proporção foi de
70% no grupo etário com mais de 60 anos (SOCESP, 4ª
ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ETIOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO reserva cardíaca durante o repouso. Para elas, subir um


lance de escadas pode ser suficiente para causar falta de
↠ A síndrome da insuficiência cardíaca pode ser ar, por exceder a reserva cardíaca (PORTH, 10ª ed.).
produzida por qualquer condição cardíaca que reduza a
capacidade de bombeamento do coração (PORTH, 10ª Disfunção sistólica X Disfunção diastólica
ed.).
↠ A classificação separa a fisiopatologia da insuficiência
↠ Entre as causas mais comuns de insuficiência cardíaca, cardíaca em insuficiências ou disfunções sistólica e
podemos citar DAC, hipertensão, CMD e cardiopatia diastólica, com base na fração de ejeção ventricular
valvar. Como muitos processos que levam à insuficiência (PORTH, 10ª ed.).
cardíaca são de longa duração e progridem
Fração de ejeção é a porcentagem de sangue bombeada para fora
gradualmente, é possível prevenir a insuficiência cardíaca dos ventrículos a cada contração. Uma fração de ejeção normal é de
em muitos casos, ou adiar a progressão por meio da aproximadamente 55 a 70% (PORTH, 10ª ed.).
detecção e intervenção precoces (PORTH, 10ª ed.).
↠ Na disfunção ventricular sistólica, a contratilidade do
CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM A FRAÇÃO DE EJEÇÃO miocárdio está comprometida, levando a uma diminuição
IC com fração de ejeção FEVE < 40% na fração de ejeção e no débito cardíaco (PORTH, 10ª
reduzida ed.).
IC com fração de ejeção FEVE = 40 A 49%
intermediária ↠ A disfunção ventricular diastólica é caracterizada por
IC com fração de ejeção FEVE ≥ 50% uma fração de ejeção normal, mas com relaxamento
preservada ventricular diastólico comprometido, levando a uma
OBS.: Recentemente, foi publicada a nova definição e classificação diminuição no enchimento ventricular que, por fim, causa
universal de IC, que recomenda o termo IC com fração de ejeção diminuição na pré-carga, no volume sistólico e no débito
melhorada (ICFEm) para pacientes com FEVE prévia < 40% e tiveram cardíaco (PORTH, 10ª ed.).
um aumento de 10 pontos percentuais atingindo taxas acima de 40%.
Esta classificação universal recomenda que seja utilizado o termo Muitas pessoas com insuficiência cardíaca apresentam uma
“melhorada” ao invés de “recuperada” (DIRETRIZ, 2021). combinação de elementos de disfunções ventriculares sistólica e
diastólica, e a divisão entre disfunção sistólica e disfunção diastólica
pode ser razoavelmente artificial, em particular conforme esteja
relacionada às manifestações e ao tratamento (PORTH, 10ª ed.).

É importante observar que a disfunção ventricular não é sinônimo de


insuficiência cardíaca, mas pode levar ao seu desenvolvimento. Com
ambas as disfunções ventriculares, sistólica e diastólica, os mecanismos
compensatórios em geral conseguem manter a função cardíaca em
repouso adequada, até os estágios finais da insuficiência cardíaca
(PORTH, 10ª ed.).

Disfunção ventricular direita X Disfunção ventricular


esquerda

FISIOPATOLOGIA DA IC ↠ A insuficiência cardíaca é classificada de acordo com o


Débito cardíaco é a quantidade de sangue que os ventrículos ejetam lado do coração (ventricular direita ou ventricular
a cada minuto (PORTH, 10ª ed.). esquerda) primariamente afetado. Embora o evento inicial
que leva à insuficiência cardíaca possa ser de origem
↠ O coração tem a surpreendente capacidade de ajustar
ventricular direita ou esquerda, a insuficiência cardíaca a
seu débito cardíaco para atender às necessidades
longo prazo normalmente envolve ambos os lados
variáveis do corpo. Durante o sono, o débito cardíaco
(PORTH, 10ª ed.).
declina, e durante os exercícios, aumenta de modo
acentuado. A capacidade de aumentar o débito cardíaco
durante o aumento das atividades é denominada reserva
cardíaca (PORTH, 10ª ed.).
↠ Em significativo contraste com os atletas sadios, as
pessoas com insuficiência cardíaca comumente utilizam a

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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comprometida e as células hepáticas podem morrer. A


congestão da circulação porta também pode levar ao
ingurgitamento do baço e ao desenvolvimento de ascite.
A congestão do trato gastrintestinal pode interferir na
digestão e na absorção de nutrientes, causando anorexia
e desconforto abdominal (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: Na insuficiência cardíaca do lado direito grave, as veias jugulares
externas se tornam distendidas e podem ser visualizadas quando a
pessoa está sentada ou em pé (PORTH, 10ª ed.).

CAUSAS DA DISFUNÇÃO VENTRICULAR DIREITA

As causas da disfunção ventricular direta incluem condições que


DISFUNÇÃO VENTRICULAR DIREITA impedem o fluxo sanguíneo nos pulmões ou que comprometem a
eficácia do bombeamento do ventrículo direito (PORTH, 10ª ed.).
↠ A insuficiência cardíaca do lado direito compromete a A insuficiência ventricular esquerda é a causa mais comum de
capacidade de transporte do sangue desoxigenado da insuficiência ventricular direita (PORTH, 10ª ed.).
circulação sistêmica para a circulação pulmonar.
A hipertensão pulmonar prolongada também causa disfunção e
Consequentemente, quando o ventrículo direito é
insuficiência ventricular direita. A hipertensão pulmonar ocorre em
insuficiente, ocorre uma redução na quantidade de pessoas com doença pulmonar crônica, pneumonia grave, embolia
sangue deslocada adiante, para a circulação pulmonar, e pulmonar ou estenose aórtica ou mitral. Quando a insuficiência cardíaca
em seguida para o lado esquerdo do coração, finalmente do lado direito ocorre em resposta à doença pulmonar crônica, é
denominada cor pulmonale (PORTH, 10ª ed.).
causando redução do débito cardíaco ventricular
esquerdo (PORTH, 10ª ed.). Outras causas comuns incluem estenose ou regurgitação das valvas
tricúspide ou pulmonar, infarto ventricular direito e miocardiopatia. A
↠ Além disso, se o ventrículo direito não ocasiona o disfunção ventricular direita com insuficiência cardíaca também é
movimento anterógrado do sangue, ocorre acúmulo ou causada por defeitos cardíacos congênitos, como tetralogia de Fallot
congestão de sangue no sistema venoso sistêmico. Isso e defeito do septo interventricular (PORTH, 10ª ed.).
eleva as pressões diastólica final ventricular direita, atrial
DISFUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA
direita e venosa sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
↠ A insuficiência cardíaca do lado esquerdo compromete
↠ Um importante efeito da insuficiência cardíaca do lado o movimento do sangue a partir da circulação pulmonar
direito é o desenvolvimento de edema periférico. Os (de baixa pressão) até o lado arterial (de alta pressão) da
efeitos da ação da gravidade fazem com que o edema circulação sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
seja mais pronunciado nas partes inferiores do corpo
(PORTH, 10ª ed.). ↠ Com o comprometimento da função cardíaca
esquerda, ocorre uma diminuição no débito cardíaco para
OBS.: Quando a pessoa está em posição ortostática, observa-se edema
nos membros inferiores; em decúbito dorsal, o edema é observado
a circulação sistêmica. O sangue se acumula no VE, no
na área acima do sacro. O acúmulo do líquido do edema é evidenciado átrio esquerdo e na circulação pulmonar, o que causa
por um ganho de peso (i. e., 560 mℓ de líquido acumulado resultam uma elevação na pressão venosa pulmonar. Quando a
em um ganho de peso de 0,45 kg). A verificação diária do peso pode pressão nos capilares pulmonares (normalmente de cerca
ser utilizada como um meio de avaliar o acúmulo de líquido em uma de 10 mmHg) excede a pressão osmótica capilar (em geral
pessoa com insuficiência cardíaca crônica. Como regra, um ganho de
peso superior a 0,9 kg em 24 h ou 2,2 kg em 1 semana é considerado ao redor de 25 mmHg), ocorre uma transferência do
um sinal de agravamento da insuficiência (PORTH, 10ª ed.). líquido intravascular para o interstício dos pulmões,
resultando em edema pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
↠ A insuficiência cardíaca do lado direito também produz
congestão das vísceras. À medida que a distensão venosa O episódio de edema pulmonar costuma ocorrer à noite, após a
permanência da pessoa em posição reclinada durante algum tempo e
progride, o sangue se acumula nas veias hepáticas que
a remoção das forças gravitacionais do sistema circulatório. Nesse
drenam na veia cava inferior, e o fígado fica ingurgitado. momento, o líquido do edema sequestrado nos membros inferiores
Isso pode causar hepatomegalia e dor no quadrante ao longo do dia retorna para o compartimento vascular e é
superior direito. Na insuficiência cardíaca do lado direito redistribuído para a circulação pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
grave e prolongada, a função hepática está

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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versus diastólica, do lado direito versus esquerdo) (PORTH,


10ª ed.).

↠ Os sinais e sintomas incluem falta de ar e outras


manifestações respiratórias, fadiga e tolerância limitada aos
exercícios, retenção de líquido e edema, caquexia e
desnutrição, e cianose. As pessoas com insuficiência
cardíaca grave podem apresentar diaforese e taquicardia
(PORTH, 10ª ed.).

MANIFESTAÇÕES RESPIRATÓRIAS
↠ A falta de ar decorrente da congestão da circulação
pulmonar é uma das principais manifestações da
insuficiência cardíaca do lado esquerdo. A falta de ar (i. e.,
dificuldade respiratória) que pode ser percebida é
denominada dispneia (PORTH, 10ª ed.).

FADIGA, FRAQUEZA E CONFUSÃO MENTAL


↠ A fadiga e a fraqueza com frequência acompanham a
diminuição do débito do VE. A fadiga cardíaca é diferente
da fadiga geral, no sentido de normalmente estar ausente
pela manhã, porém surgir e progredir com o aumento da
atividade no decorrer do dia (PORTH, 10ª ed.).

↠ Na insuficiência cardíaca do lado esquerdo aguda ou


grave, o débito cardíaco pode diminuir a níveis
CAUSAS DA DISFUNÇÃO VENTRICULAR ESQUERDA insuficientes para o suprimento adequado de oxigênio
As causas mais comuns de disfunção ventricular esquerda são a para o cérebro, causando assim confusão mental e
hipertensão e o infarto agudo do miocárdio (PORTH, 10ª ed.). alterações comportamentais (PORTH, 10ª ed.).
Mesmo quando a área infartada é pequena, pode haver uma área
adjacente de tecido isquêmico. Isso pode resultar em grandes áreas
de hipocinesia ou acinesia da parede ventricular, e no rápido
aparecimento de congestão e edema pulmonar (PORTH, 10ª ed.).

A estenose ou regurgitação da valva aórtica ou mitral também gera o


nível de retorno do lado esquerdo que resulta em congestão
pulmonar. Conforme a pressão pulmonar aumenta como resultado da
congestão, pode haver progressão para insuficiência cardíaca do lado
direito (PORTH, 10ª ed.).

Manifestações Clínicas da IC
Diagnóstico da IC
↠ Dependem da extensão e do tipo de disfunção
↠ A IC é uma síndrome complexa, com alteração da
cardíaca presente, bem como da rapidez com que se
função cardíaca, o que resulta em sintomas e sinais de
desenvolve. Uma pessoa com insuficiência cardíaca
baixo débito cardíaco e/ou congestão pulmonar ou
anteriormente compensada estável pode desenvolver
sistêmica, em repouso ou aos esforços (DIRETRIZ, 2018).
sinais de insuficiência cardíaca pela primeira vez quando a
condição avançar a um ponto crítico, como no aumento ↠ Uma história clínica e um exame físico detalhados
progressivo da hipertensão pulmonar em pessoas com devem ser feitos em todos os pacientes em busca dos
regurgitação da valva mitral (PORTH, 10ª ed.). principais sinais e sintomas de IC (DIRETRIZ, 2018).
↠ A gravidade e a progressão dos sintomas dependem OBS.: Em pacientes crônicos, a detecção de sinais clínicos de
da extensão e do tipo de disfunção presente (sistólica congestão pode estar esmaecida ou ausente, por processos

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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adaptativos e pela grande adaptação do sistema linfático em lidar com ↠ O método tem maior valor no contexto da IC aguda,
congestão. Assim, os sinais clínicos de congestão podem ser pouco em que as alterações de congestão pulmonar são mais
sensíveis e também pouco específicos. Sobressaem-se, no entanto,
sinais como terceira bulha e sintoma como ortopneia como mais
intensas (DIRETRIZ, 2018).
específicos para o diagnóstico de IC (DIRETRIZ, 2018).
ECOCARDIOGRAMA
EXAMES COMPLEMENTARES
↠ O ecocardiograma transtorácico é exame de imagem
AVALIAÇÃO LABORATORIAL de escolha para o diagnóstico e o seguimento de
pacientes com suspeita de IC. Permite a avaliação da
↠ Na abordagem inicial dos pacientes com sinais e função ventricular sistólica esquerda e direita, da função
sintomas sugestivos de IC crônica ambulatorial, diastólica, das espessuras parietais, do tamanho das
recomenda-se a realização de diversos exames cavidades, da função valvar, da estimativa hemodinâmica
laboratoriais complementares, não só para avaliar a não invasiva e das doenças do pericárdio (DIRETRIZ, 2018).
presença e a gravidade de lesão de outros órgãos-alvo e
detectar comorbidades, como também para verificar BIOMARCADORES
fatores agravantes do quadro clínico (DIRETRIZ, 2018).
PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
OBS.: A realização de exames seriados pode ser necessária para
monitoração de variáveis de segurança, durante o tratamento da IC, ↠ Dentre os diversos biomarcadores estudados em IC,
incluindo função renal e eletrólitos (DIRETRIZ, 2018). destacam-se os peptídeos natriuréticos BNP e NT-
proBNP, cujo papel no diagnóstico de IC está bem
MÉTODOS DE IMAGEM NÃO INVASIVOS estabelecido, tanto no cenário da sala de emergência
↠ Exames complementares gráficos e de imagem quanto em pacientes com IC crônica ambulatoriais
desempenham papel relevante para confirmação das (DIRETRIZ, 2018).
alterações estruturais e funcionais cardíacas. Eles auxiliam Valores de BNP < 35 pg/mL ou NT-proBNP < 125 pg/mL
no diagnóstico desta condição, além de avaliar a gravidade praticamente excluem o diagnóstico de IC. Valores acima destes cortes
e a forma da cardiopatia, o que permite definir etiologia necessitam de avaliação clínica e complementar com ecocardiografia
para confirmar o diagnóstico, caso haja dúvidas pela avaliação clínica
da IC e estratificar o prognóstico (DIRETRIZ, 2018).
isolada (DIRETRIZ, 2018).
ELETROCARDIOGRAMA EM REPOUSO LIMITAÇÕES AO SEU USO: estes peptídeos podem elevar-se na
presença de anemia, insuficiência renal crônica (IRC), e idade avançada,
↠ A realização de eletrocardiograma (ECG) de 12 e apresentar níveis mais baixos na presença de obesidade (DIRETRIZ,
derivações é recomendada na avaliação inicial de todos 2018).
os pacientes com IC, para avaliar sinais de cardiopatia
estrutural como hipertrofia ventricular esquerda, isquemia
miocárdica, áreas de fibrose, distúrbios da condução
atrioventricular, bradicardia ou taquiarritmias, que podem
demandar cuidados e tratamentos específicos (DIRETRIZ,
2018).

RADIOGRAFIA DO TÓRAX
↠ A radiografia simples do tórax, por sua simplicidade,
rapidez de obtenção e ampla disponibilidade, é
recomendada na avaliação inicial dos pacientes com sinais
e sintomas de IC, para avaliação de cardiomegalia e
congestão pulmonar. Porém, vale ressaltar que a
sensibilidade do método é bastante limitada e, ainda, que
a disfunção sistólica cardíaca significativa pode ocorrer
sem cardiomegalia na radiografia de tórax (DIRETRIZ,
2018).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Tratamento Farmacológico da IC com fração de ejeção ➢ Não se deve administrar a combinação de antagonista da
aldosterona, IECA e BRA, pelo risco de efeitos colaterais,
reduzida em especial de hipercalemia.
➢ O uso de espironolactona em pacientes com insuficiência
INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DA ANGIOTENSINA E renal e níveis séricos limítrofes de potássio deve ser feito
BLOQUEADORES DOS RECEPTRES DE ANGIOTENSINA II com cautela, necessitando-se de monitorização frequente
e periódica da função renal e de eletrólitos.
↠ Os IECA constituem um grupo de fármacos com ➢ Deve-se evitar o uso de espironolactona em pacientes com
comprovados benefícios na evolução de pacientes com insuficiência renal avançada (creatinina > 2,5 mg/dL) e em
pacientes com hipercalemia persistente (em geral potássio
ICFEr, tanto em relação à morbidade, como à
> 5,9 mmol/L).
mortalidade, além de conferirem melhora na qualidade de
vida (DIRETRIZ, 2018). INIBIDORES DA NEPRISILINA E DOS RECEPTORES DA
ANGIOTENSINA (SACUBITRIL/VALSARTANA)
↠ Os bloqueadores dos receptores da angiotensina II
(BRAs) são alternativa com eficácia comparável aos IECA, ↠ O sacubitril/valsartana representa uma nova classe
e estão indicados em pacientes intolerantes ou com terapêutica, que atua simultaneamente no sistema renina-
alergia documentada a esta classe de fármacos (DIRETRIZ, angiotensina-aldosterona (SRAA) e na endopeptidase
2018). neutra (inibidor da neprilisina e do receptor da
Alguns aspectos práticos na utilização de IECAs e BRAs em pacientes
angiotensina − INRA) (DIRETRIZ, 2018).
com IC devem ser considerados: (DIRETRIZ, 2018).
↠ Ao inibir a neprilisina, a degradação de peptídeos
➢ Devido ao risco de piora da função renal, hipercalemia e natriuréticos, da bradicinina e de outros peptídeos é
hipotensão arterial, os IECAs/BRAs devem ser introduzidos diminuída (DIRETRIZ, 2018).
em doses baixas (especialmente nos pacientes com
pressão arterial limítrofe) e titulação progressiva, até atingir IVABRADINA
as doses-alvo, que garantem os benefícios documentados
nos grandes estudos clínicos multicêntricos. ↠ A frequência cardíaca (FC) elevada é um marcador de
➢ Intolerância aos IECAs é definida como a presença de tosse eventos em IC, podendo ser considerada um alvo
persistente e debilitante (que ocorre em aproximadamente
10 a 20% dos casos) ou a ocorrência de angioedema
terapêutico. A ivabradina inibe seletivamente a corrente If
(achado incomum; < 1%). O uso de BRAs é uma alternativa no tecido do nó sinoatrial, reduzindo a FC (DIRETRIZ, 2018).
nestes casos. A taxa de outros efeitos adversos, como
hipotensão, hipercalemia ou disfunção renal, é semelhante DIGITÁLICOS
entre IECAs e BRAs.
↠ O efeito de digoxina diante do tratamento
BETABLOQUEADORES contemporâneo da IC, incluindo terapia tripla (IECAs, BB
e antagonistas da aldosterona), inibidores da neprilisina e
↠ Os BB também são considerados fármacos de
dos receptores da angiotensina, cardiodesfibriladores e
primeira linha no tratamento da ICFEr, pois determinam
ressincronizadores, é virtualmente desconhecido
benefícios clínicos na mortalidade global, na morte por IC
(DIRETRIZ, 2018).
e por morte súbita, além de melhorarem sintomas e
reduzirem taxas de re-hospitalizações por IC em ↠ Existe controvérsia considerável sobre a segurança do
inúmeros estudos clínicos (DIRETRIZ, 2018). uso da digoxina em pacientes com FA, embora este
fármaco seja eficaz para redução de frequência
ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES MINERALOCORTICOIDES
ventricular (DIRETRIZ, 2018).
↠ Os antagonistas dos receptores mineralocorticoides
(espironolactona/eplerenona) estão indicados em DIURÉTICOS DE ALÇA E TIAZÍDICOS
pacientes sintomáticos com disfunção sistólica do VE, em ↠ Os diuréticos são a classe terapêutica mais largamente
classes funcionais II a IV da NYHA, associados ao utilizada em pacientes com IC para alívio de congestão.
tratamento padrão, apresentando efeitos contundentes Isto se justifica pelo óbvio efeito terapêutico ao provocar
sobre mortalidade e taxas de re-hospitalização (DIRETRIZ, diurese e alívio da sobrecarga volêmica (DIRETRIZ, 2018).
2018).
Alguns aspectos práticos na utilização da espironolactona em pacientes
com IC devem ser considerados: (DIRETRIZ, 2018).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Doenças Negligenciadas ➢ Falhas de ciência: referem-se a conhecimentos


insuficientes, apontando para uma construção
↠ As doenças negligenciadas constituem um grupo de de sentidos em que a solução das doenças
enfermidades prevalente nos países em negligenciadas está situada no tempo futuro.
desenvolvimento, que afetam indistintamente toda a ➢ Falhas de mercado: dizem respeito à situação
população, mas que tem tido mais impacto em grupos de medicamentos ou vacinas que existem,
populacionais em situação de vulnerabilidade social porem disponíveis a custos proibitivos.
representando um sério obstáculo ao desenvolvimento ➢ Falhas de saúde pública: ocorrem quando
socioeconômico e a melhoria da qualidade de vida estratégias terapêuticas acessíveis ou gratuitas
(SANTOS, 2019). não chegam às populações afetadas devido a
↠ Possui pouco investimentos em pesquisa e tecnologia problemas de planejamento.
para avançar no controle, na prevenção e tratamento ↠ As doenças negligenciadas são endêmicas em 149
medicamentoso (SANTOS, 2019). países e afetam mais de um bilhão de pessoas no mundo
↠ São consideradas doenças negligenciadas, as (SANTOS, 2019).
enfermidades caracterizadas por incidirem em regiões ↠ O Brasil buscou, durante os últimos anos, definir um
tropicais, por serem mortais ou muito graves e afetarem plano de ação no controle às doenças negligenciadas por
um país ou região de maneira endêmica e pelo fato das meio de investimento em pesquisa e financiamento em
opções para o tratamento não existirem, serem novas tecnologias, iniciando em 2006, o Programa de
inadequadas ou ultrapassadas e com pouca eficácia Pesquisa e Desenvolvimento em Doenças Negligenciadas
(SANTOS, 2019). (SANTOS, 2019).
↠ A OMS propôs a denominação doenças DOENÇAS MEGLIGENCIADAS 2021 - 2030
negligenciadas referindo-se aquelas enfermidades,
geralmente transmissíveis, que apresentam maior ↠ A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou
ocorrência nos países em desenvolvimento, e mais formalmente nesta quinta-feira, 28 de janeiro de 2021 em
negligenciadas exclusivas dos países em desenvolvimento um evento virtual, o seu novo roteiro para as Doenças
(SANTOS, 2019). Tropicais Negligenciadas (DTN) para o período 2021-2030
(SBMT, 2020).
↠ Em uma época marcada pelas transformações
tecnológicas, é contraditório abordar um assunto que trata ↠ Entre as 20 DTN incluídas neste documento da OMS
da ausência de tecnologias, pesquisa e inovação na área inserem-se, segundo meta de controle em saúde pública:
da saúde, visto que as doenças negligenciadas são um (SBMT, 2020).
grupo de afecções transmissíveis em sua maioria causada
➢ Erradicação: dracunculose, bouba;
por protozoários e transmitidas por vetores cujo
➢ Eliminação (interrupção da transmissão):
tratamento é inexistente, precário ou desatualizado
tripanossomíase africana (Trypanosoma brucei
(SANTOS, 2019).
gambiense), hanseníase, oncocercose;
↠ Essas doenças podem prejudicar o crescimento infantil ➢ Eliminação como problema de saúde pública:
e o desenvolvimento intelectual, bem como a doença de Chagas, tripanossomíase africana
produtividade do trabalho. Dessa forma, as doenças (Trypanosoma brucei rhodesiense), leishmaniose
negligenciadas são as que não apresentam atrativos visceral, filariose linfática, raiva, esquistossomose,
econômicos para o desenvolvimento de fármacos, quer geohelmintoses, tracoma;
seja por sua baixa prevalência, ou por atingir população ➢ Controle: úlcera de Buruli, dengue,
em região de baixo nível de desenvolvimento (SANTOS, equinococose, trematodioses de transmissão
2019). alimentar, leishmaniose cutânea,
micetoma/cromoblastomicose/outras micoses
↠ Para Morel (2016), são três as causas principais da profundas, escabiose/outras ectoparasitoses,
permanência das doenças negligenciadas relacionadas ao envenenamento por picada de cobra e
que identificado como falhas, quais sejam: (SANTOS, 2019). teníase/cisticercose.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


11

OBS.: O Dia Mundial das Doenças Tropicais Negligenciadas foi instituído


em 2020 pela Assembleia Mundial da Saúde e é celebrado em 30 de
janeiro.

Referências

ROHDE et. al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca


Crônica e Aguda. Arquivo Brasileiro de Cardiologia, 2018.
MARCONDES-BRAGA et. al. Atualização de Tópicos
Emergentes da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca.
Arquivo Brasileiro de Cardiologia, 2021.
CONSOLIM-COLOMBO et. al. Tratado de Cardiologia
SOCESP, 4ª edição – Barueri – São Paulo: Manole, 2019.
NORRIS. PORTH Fisiopatologia, 10ª edição – Rio de Janeiro:
guanabara Koogan, 2021.
FILHO, G. B. Bogliogo, Patologia, 10ª edição – Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
CAMANDAROBA et. al. Miocardiopatia dilatada: um relato
de caso. Brzilian Journal of health Review, 2020.
SANTOS, C. S. As doenças negligenciadas e suas
representações sociais: um estudo com profissionais de
saúde, Tese de Doutorado, RJ, 2019.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL


(SBMT), 2020. Disponível em: <OMS lança novo roteiro
2021-2030 para as Doenças Tropicais Negligenciadas -
SBMT>

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 06 – TEMPO É VIDA! 1

Objetivos oito vezes. Na presença da tríade hipertensão + diabetes


+ hiperlipidemia, o risco de aterosclerose aumenta em
1- Compreender a fisiopatologia da aterosclerose; quase 20 vezes (PORTH, 10ª ed.).
2- Discutir a etiologia, fisiopatologia e manifestações
clínicas da doença arterial coronariana;
3- Diferenciar dor precordial típica x atípica e angina
estável x instável;
4- Descrever o diagnóstico da doença arterial
coronariana; (ECG e marcadores de necrose)
5- Explicar o tratamento medicamentoso da
doença arterial coronariana.
*ECG e Marcadores de necrose.

Aterosclerose

↠ Trata-se de uma doença inflamatória crônica sistêmica


de grande complexidade que ocorre sobretudo na
camada íntima das artérias, mas também envolvendo as
camadas média e adventícia (SOCESP, 4ª ed.).
O processo de crescimento e de desenvolvimento da doença
aterosclerótica se dá de maneira silenciosa e ao longo de décadas,
iniciando-se com a formação da estria gordurosa em crianças e
adolescentes, progredindo para formação de placas complexas na
idade adulta. Nesse momento, essas placas, a depender do seu
tamanho e do seu grau de instabilidade, podem levar a um quadro
sintomático como angina pectoris, infarto agudo do miocárdio, acidente
vascular cerebral ou claudicação intermitente (SOCESP, 4ª ed.).

Etiologia e fatores de risco da aterosclerose


Locais de aterosclerose grave, em ordem de frequência.

↠ O principal fator de risco da aterosclerose é a


hipercolesterolemia e, especialmente, as elevações nos Outros fatores associados ao aumento do risco de desenvolver
níveis de colesterol LDL. Entre os fatores de risco não aterosclerose incluem inatividade física, padrões de vida estressantes,
níveis séricos de proteína C reativa (PCR) e níveis séricos de
modificáveis adicionais, estão o avanço da idade, histórico
homocisteína (PORTH, 10ª ed.).
familiar de doença cardíaca e sexo masculino. Também
foram identificadas diversas alterações determinadas A PCR é uma proteína reagente de fase aguda do processo
geneticamente no metabolismo das lipoproteínas e do inflamatório, cujos níveis séricos são comprovadamente úteis como
marcador biológico, ainda que inespecífico, da presença de inflamação
colesterol (PORTH, 10ª ed.).
sistêmica. Também foi observada a presença de moléculas de PCR
↠ Os fatores de risco cardíaco tradicionais – tabagismo, em algumas placas ateroscleróticas, implicando ainda mais o papel da
inflamação na formação dessas estruturas. Portanto, os níveis séricos
obesidade e gordura visceral, hipertensão e diabetes de PCR atuam como um marcador clínico efetivo do risco de doença
melito – também são fatores de risco para o vascular aterosclerótica. O exame de PCR de alta sensibilidade é
desenvolvimento de aterosclerose. As toxinas que entram recomendado como um exame de triagem para risco cardiovascular
na corrente sanguínea como resultado do tabagismo (PORTH, 10ª ed.).
podem lesionar o tecido endotelial (PORTH, 10ª ed.). A homocisteína é derivada do metabolismo da metionina dietética, um
aminoácido abundante em proteínas de origem animal. O metabolismo
↠ Tanto a hipertensão (pressão arterial alta) quanto o normal da homocisteína requer níveis adequados de folato, vitamina
diabetes melito são fatores de risco independentes para B6, vitamina B12 e riboflavina. A homocisteína inibe elementos da
o desenvolvimento de aterosclerose, mas também cascata anticoagulante e está associada à lesão endotelial, que se
apresentam efeitos sinérgicos e aditivos. A presença acredita ser uma etapa inicial importante no desenvolvimento da
aterosclerose. Um distúrbio autossômico recessivo raro, denominado
isolada de hipertensão ou de diabetes melito aumenta o homocistinúria, é causado por um defeito hereditário na produção de
risco de aterosclerose em no mínimo duas vezes. Quando uma enzima metabolizadora de homocisteína, resultando na elevação
ambos coexistem, o risco de aterosclerose aumenta em dos níveis séricos desse aminoácido (PORTH, 10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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CONCEITOS DA BIOLOGIA VASCULAR encontrados na fase inicial da placa aterosclerótica


Os dois tipos celulares predominantes em uma artéria normal e que (SOCESP, 4ª ed.).
têm importância fundamental na gênese da placa aterosclerótica são
A expressão de VCAM-1 é induzida por diversas substâncias. Podemos
as células endoteliais (CE) e as células musculares lisas (CML) (SOCESP,
citar entre elas os lipídios oxidados e as citocinas pró-inflamatórias,
4ª ed.).
como interleucina 1 (IL-1) e fator de necrose tumoral-α (TNF-α) que
As CE estão localizadas primordialmente na camada íntima do vaso, induzem a expressão de VCAM-1 através do mecanismo mediado pelo
estando, assim, em contato direto com o sangue e permitindo que o fator--nuclear kappa ß (NFkß) (SOCESP, 4ª ed.).
mesmo, em situações de homeostase normal, possa fluir
adequadamente pelos vasos (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Sabemos também que a formação de placas
ateroscleróticas é influenciada pelo tipo de fluxo
Já as CML estão localizadas majoritariamente, em condições normais, sanguíneo. Em áreas onde o fluxo é turbulento, há uma maior
na camada média do vaso e possuem propriedade de contração e
propensão para formação de placas ateroscleróticas. Já em áreas com
relaxamento, sendo, assim, capazes de regular o fluxo de sangue em fluxo laminar, mecanismos antiaterogênicos são deflagrados, como a
diversos territórios arteriais. Essas células também sintetizam matriz
expressão de uma enzima antioxidante, a superóxido dismutase, e a
extracelular (sobretudo colágeno) e podem migrar para a camada
produção de oxido nítrico, um potente vasodilatador (SOCESP, 4ª
íntima durante o desenvolvimento da placa aterosclerótica (SOCESP,
4ª ed.). ed.).
Acredita-se que as CE possam sentir as diferenças de fluxo através
de cílios presentes em sua superfície luminal e receptores de adesão
em sua parede lateral, embora estes mecanismos ainda necessitem
de maiores estudos. Essas estruturas seriam responsáveis por fazer a
transdução de um sinal mecânico (alteração do fluxo sanguíneo
vascular) em químico (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Também nessa fase inicial da aterogênese,


observamos a ocorrência de acúmulo extracelular de
lípideos na íntima. O maior exemplo disso é a ligação das
partículas de LDL aos proteoglicanos da matriz
extracelular arterial, através de um sítio específico da
Fisiopatologia da aterosclerose
apoproteína B que compõe as LDLs. Postula-se também
↠ Apesar de se tratar de um processo contínuo, para que as LDL pequenas e densas tenham ainda maior
fins didáticos, iremos dividir o processo ateromatoso em afinidade para formação dessas ligações (SOCESP, 4ª ed.).
quatro grandes fases: (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Uma vez no espaço intimal, as lipoproteínas
➢ Fase inicial da aterogênese. apresentam suscetibilidade aumentada à oxidação, dada a
➢ Fase de desenvolvimento da estria gordurosa. escassez de antioxidantes nessa região. O processo
➢ Fase de progressão para placa complexa. inflamatório inicial pode contribuir para a oxidação das
➢ Fase de rotura da placa. lipoproteínas por diversos mecanismos (SOCESP, 4ª ed.).
De maneira complementar, a LDL-oxidada também pode ser capaz
FASE INICIAL DA ATEROGÊNESE de amplificar o processo inflamatório inicial local (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Em seu estado normal, as CE, que recobrem a ↠ As células inflamatórias passam a se aderir ao endotélio,
superfície da parede arterial, não permitem a adesão de inicialmente por uma fase de rolamento, mediada por
células sanguíneas como os leucócitos. Entretanto, fatores moléculas endoteliais de adesão denominadas selectinas.
de risco ou desencadeadores da aterosclerose como Em seguida, os monócitos passam para a fase de adesão
fumo, hipertensão, hiperglicemia, dieta rica em gorduras firme, caracterizada pela interação entre a já descrita
saturadas, obesidade ou resistência à insulina podem VCAM-1 do endotélio e moléculas específicas de integrina
instigar a expressão de moléculas de adesão pelas CE, na superfície dos monócitos e linfócitos T (SOCESP, 4ª
permitindo a adesão dos leucócitos à parede arterial ed.).
(SOCESP, 4ª ed.).
↠ Uma vez aderidos ao endotélio arterial, os monócitos
↠ Um dos responsáveis por permitir a adesão das células penetram por meio do endotélio e entram na íntima do
sanguíneas ao endotélio é a molécula de adesão celular vaso por diapedese, processo dependente de gradiente
vascular 1 (VCAM-1). A VCAM-1 liga-se a monócitos e quimiotático, gerado, por exemplo, pela proteína
linfócitos T, os dois tipos principais de leucócitos

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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quimiotática de monócito (MCP-1). Placas de ateroma e diferenciam-se em dois subtipos principais de linfócitos
hiperexpressam MCP-1 e essa citocina é responsável por recrutar T CD4+, que realizam ações imunológicas distintas: as
monócitos de caráter inflamatório, presentes nos estágios iniciais da células efetoras Th1 e Th2 (SOCESP, 4ª ed.).
placa de ateroma (SOCESP, 4ª ed.).
A resposta Th1 produz citocinas pró-inflamatórias, como o interferon-
γ, linfotoxina e TNF-α, contribuindo para desestabilização da placa. A
resposta Th2, por sua vez, é responsável por secretar outro perfil de
citocinas, como IL-4 e IL-10, que podem diminuir a inflamação, inclusive
controlando a resposta Th1 e reduzindo a apresentação de antígenos
às células T; sua função na aterogênese, entretanto, é menos
estabelecida do que para a resposta Th1 (SOCESP, 4ª ed.).

Outro subtipo, os linfócitos Th17 secretam interleucina 17, que possui


efeitos mistos na placa de ateroma, tanto pró-aterogênico quanto pró-
fibrótico. Ainda outra população de células TCD4+, os linfócitos T
reguladores (CD4+; CD25+), também estão presentes nesse cenário
e possivelmente desempenham funções antiateroscleróticas (SOCESP,
4ª ed.).

FASE DE DESENVOLVIMENTO DA ESTRIA GORDUROSA ↠ Os linfócitos TCD8+ (linfócitos T citotóxicos), por sua
vez, estão relacionados ao processo de apoptose de
↠ Na íntima das artérias, monócitos maturam–se em células como macrófagos, CE e CML, por meio da
macrófagos que, por apresentarem expressão de expressão do fator citotóxico de membrana Fas ligante e
receptores scavenger, que permitem a internalização de DAMPs. Todas as ações descritas até o momento são
excessiva de lipídios modificados, principalmente a LDL- chamadas de resposta imune adaptativa celular (SOCESP,
oxidada (SOCESP, 4ª ed.). 4ª ed.).
↠ Ésteres de colesterol acumulam-se no citoplasma e, OBS.: A resposta imune adaptativa humoral, que envolve a ativação das
assim, os macrófagos tornam-se células espumosas, células B e sua decorrente produção de anticorpos, possivelmente
características desse estágio da aterogênese. Os também participa do processo aterogênico, por meio da produção de
imunoglobulinas M (possivelmente ateroprotetora) pelas células B1 e de
macrófagos multiplicam-se e liberam vários fatores de citocinas e imunoglobulinas G (pró-aterogência) pelas células B2
crescimento e citocinas, amplificando e sustentando os (SOCESP, 4ª ed.).
sinais pró-inflamatórios. Um mediador importante para
esse processo é o fator estimulador de colônia de
macrófago (M-CSF) que é hiperexpresso em placas
ateroscleróticas humanas (SOCESP, 4ª ed.).
OBS.: A presença de numerosos macrófagos transformados em células
espumosas na íntima vascular caracteriza uma lesão aterosclerótica
precursora conhecida como estria gordurosa que, nesse estágio, ainda
pode ser reversível e não causar repercussões clínicas (SOCESP, 4ª
ed.).

As ações de fagocitose e de liberação de citocinas exercidas por estes


macrófagos são componentes da chamada resposta imunológica inata,
aquela que não necessita da ativação e interação entre linfócitos T e
B para ocorrer. Hoje, sabemos também, entretanto, que essas outras
funções do sistema imunológico, chamadas de resposta imune
adaptativa, também contribuem para a aterogênese (SOCESP, 4ª ed.).

Apesar de em menor número, linfócitos T também estão presentes


na placa aterosclerótica. Células dendríticas teciduais ou os próprios
macrófagos provenientes da circulação funcionam como células
apresentadoras de antígenos para os linfócitos T. Os antígenos
apresentados são bastante variáveis, como, por exemplo, porções de FASE DE PROGRESSÃO PARA PLACA COMPLEXA
lipoproteínas (SOCESP, 4ª ed.).
↠ Enquanto o conjunto de células espumosas é
↠ Após a apresentação do antígeno (“sinapse imunológi- característico da estria gordurosa, a deposição do tecido
ca”), as células T CD4+ (linfócitos T helper) são ativadas

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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fibroso define a lesão aterosclerótica mais avançada fator de crescimento plaquetário, o que favorece o
(SOCESP, 4ª ed.). sinergismo entre inflamação e trombose na fisiopatologia
da aterotrombose (SOCESP, 4ª ed.).
Como vimos, macrófagos e linfócitos T infiltram as lesões
ateroscleróticas e localizam preferencialmente na borda do ateroma, A hemorragia causada pelos neovasos consiste num bom exemplo
onde a atividade inflamatória é mais ativa e por onde se dá o para ilustrar o conceito mais atual em relação à progressão temporal
crescimento da placa (SOCESP, 4ª ed.). da doença aterosclerótica. Hoje, acredita-se, na verdade, que essa
evolução se dê em surtos: as placas podem permanecer quiescentes
↠ Na fase de progressão da placa, as CML sintetizam a por algum tempo, talvez anos, até que algum evento específico
matriz extracelular. Essas células migram da túnica média (como, por exemplo, uma hemorragia intraplaca) deflagre uma piora
para a íntima em resposta à produção de fator de dessa lesão, levando a um aumento de atividade inflamatória na região,
crescimento derivado de plaqueta (PDGF) secretado com acúmulo de CML, aumento de deposição de matriz e
crescimento da espessura global da placa (SOCESP, 4ª ed.).
pelos macrófagos ativados e pelas CE, processo em parte
estimulado pela degradação da matriz extracelular pela
metaloproteinase de matriz 9 (MMP-9) e por outras
proteinases (SOCESP, 4ª ed.).
OBS.: Acredita-se também que parte dessas CML seja proveniente de
precursores vindos da corrente sanguínea ou mesmo de células
tronco presentes na própria parede arterial (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Uma vez na íntima, as CML proliferam sob influência


de vários fatores de crescimento e secretam proteínas
da matriz extracelular, entre eles o colágeno intersticial.
Além de formação de matriz, também ocorre nesse
momento a mineralização (calcificação) da placa, também
por ação das CML. Esse processo parece ser mediado
pelo sistema RANK/RANK ligante (como estimulantes da FASE DE ROTURA DA PLACA
mineralização) e osteoprotegerina (como inibidor), de
↠ Ao longo de todo o caminho de progressão da
maneira análoga à mineralização no tecido ósseo
aterogênese, no qual há a transformação de uma placa
(SOCESP, 4ª ed.).
rica em gordura para uma placa fibrosa e muitas vezes
↠ Outro processo importante para a progressão da calcificada, pode haver estenose do lúmen do vaso
aterogênese é a formação de novos vasos sanguíneos a (SOCESP, 4ª ed.).
partir da vasa vasorum, processo conhecido como
↠ Considera-se que, em geral, no início do
neovascularização. A neovascularização é mediada por
desenvolvimento das lesões ateroscleróticas, o
fatores como o já citado VEGF, fatores de crescimento
crescimento da placa se dá num sentido contrário à luz
de fibroblasto, oncostatina M e fatores de crescimento
vascular, aumentando, assim, a espessura total da parede
placentário. Os neovasos permitem a progressão da placa
do vaso. Esse processo é conhecido como
aterosclerótica por facilitarem a entrada de mais leucócitos
remodelamento positivo, sendo mediado, sobretudo,
nas placas já estabelecidas (através da hiperexpressão de
pelos diversos ciclos de secreção e degradação da matriz
VCAM-1) e por possibilitarem o aporte de nutrientes para
extracelular secretada pelas CML. Acredita-se que quando
regiões mais centrais da placa e, por isso, mais afastadas
a placa atinge um determinado tamanho (cerca de 40%
do lúmen vascular original (SOCESP, 4ª ed.).
da espessura vascular em corte seccional), a lesão passe
Nesse fenômeno, há a produção de trombina, que promove a ativação a crescer em direção à luz do vaso, podendo assim,
de CE, de monócitos e macrófagos, de CML e de plaquetas. Em causar lesões estenóticas (SOCESP, 4ª ed.).
resposta à trombina, essas células secretam mediadores inflamatórios,
entre eles CD40L e RANTES (regulated upon activation, normal T cell Essa progressão lenta da lesão em geral é responsável por quadros
express sequence), que promovem o crescimento da placa, tornando- clínicos crônicos, como a angina estável, com desenvolvimento
as suscetíveis às complicações trombóticas da aterosclerose (SOCESP, sintomático progressivo ao longo de anos (SOCESP, 4ª ed.).
4ª ed.).
↠ A rotura da placa com sua trombose é a complicação
↠ As plaquetas têm um papel importante nessa fase, mais temida da aterosclerose, estando por trás da
secretando mediadores inflamatórios, entre eles CD40L e

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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fisiopatologia de grande parte das síndromes coronárias ➢ A ativação do endotélio e recrutamento monolinfocitário.
agudas (SCA) (SOCESP, 4ª ed.). ➢ A captação e oxidação das partículas de lipoproteínas de
baixa densidade (LDL).
↠ A SCA, em particular, pode mais frequentemente ➢ A produção local e sistêmica de citocinas pró-inflamatórias.
➢ A produção de proteases e a degradação da capa fibrótica,
resultar de dois mecanismos distintos em relação à fase responsáveis pela desestabilização da placa.
final de instabilização da placa: (SOCESP, 4ª ed.). ➢ A indução da apoptose das células da placa.
➢ O controle da coagulação após rotura da placa,
➢ rotura da capa fibrosa; aumentando fatores pró-coagulantes tanto no núcleo
➢ erosão superficial da íntima. lipídico quanto no sangue.

↠ Acredita-se que, para que a rotura aconteça, deva


haver um desequilíbrio entre produção e degradação de
matriz extracelular que compõe a capa fibrosa, sendo
que, no cômputo final, haja predomínio da degradação da
matriz, enfraquecimento da capa e rotura. A inflamação,
mais uma vez, seria o processo básico que faria essa
regulação, sendo que a degradação da capa fibrosa se dá
essencialmente por enzimas (metaloproteinases e
catepsinas) liberadas pelos macrófagos (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Com a rotura, as moléculas de fator tecidual do núcleo


lipídico exposto, proveniente das células espumosas e de
partículas apoptóticas de CML, irão interagir com
moléculas de fibrinogênio e inibidor do ativador
plasminogênio (PAI-1) presentes no sangue, levando à
formação de um trombo sobre a placa rota. Este trombo
pode tanto levar a uma obstrução total e dramática do
fluxo sanguíneo como pode ser não oclusivo e transitório,
a depender de como essas interações complexas irão
ocorrer (SOCESP, 4ª ed.). Obs.: A aterosclerose tem duas consequências principais: obstrução
arterial, com isquemia, aguda ou crônica; dilatação arterial, resultando
em aneurisma (BOGLIOGO, 10ª ed.).

↠ O segundo mecanismo para SCA, a erosão superficial


da íntima, é menos compreendido. Nesses casos,
encontravam-se erosões no endotélio da placa, expondo
ao sangue uma camada íntima rica em CML e
proteoglicanos, sem haver, entretanto, exposição do Doença Arterial Coronariana (DAC)
núcleo lipídico (SOCESP, 4ª ed.).
↠ O termo doença arterial coronariana (DAC) descreve
Podemos dizer que a inflamação acaba por modular as seguintes ações
a cardiopatia causada pelo comprometimento do fluxo
na aterogênese: (SOCESP, 4ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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sanguíneo coronariano. Na maior parte dos casos, a DAC ↠ Naturalmente que tanto no homem quanto na mulher
é causada pela aterosclerose, que não somente afeta as a prevalência aumenta com a idade. Nas fases mais
artérias coronárias como também as artérias em outras precoces da vida, a maior prevalência entre as mulheres
áreas do corpo (PORTH, 10ª ed.). pode ser explicada pela disfunção microvascular, mais
comum nesse grupo (SOCESP, 4ª ed.).
As doenças das artérias coronárias podem causar isquemia do
miocárdio e angina, infarto do miocárdio ou ataque cardíaco, arritmias ↠ Em 2017, foi estimada uma prevalência de DAC de
cardíacas, defeitos na condução, insuficiência cardíaca e morte súbita
(PORTH, 10ª ed.). 1,75% (2.500.000 de indivíduos), na população brasileira
maior que 20 anos. As maiores prevalências estavam nas
FATORES DE RISCO DA DAC regiões Sul e Sudeste, com taxa de mortalidade
↠ Os principais fatores de risco para a DAC incluem: (PORTH, 10ª ed.). padronizada decrescente, mas com aumento da
prevalência desde 1990 (MARINHO, 2021).
➢ tabagismo;
➢ pressão arterial alta; ↠ Com estimativa de incidência de cerca de 121 mil casos
➢ elevação dos níveis séricos de colesterol total e de
por ano1 em 2017, a DAC tem sido um importante
colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL);
➢ baixos níveis séricos de colesterol de lipoproteína de alta problema de saúde pública no país (MARINHO, 2021).
densidade (HDL);
➢ diabetes; ↠ A maior mortalidade por DAC está relacionada com
➢ idade avançada; um menor nível socioeconômico, países de maior renda
➢ obesidade abdominal; têm, taxa de mortalidade menor que países de média
➢ inatividade física. renda. Os novos tratamentos da DAC com uso de novas
OBS.: Os indivíduos com diabetes e síndrome metabólica apresentam tecnologias têm reduzido a mortalidade, mas não podem
um risco particularmente alto de desenvolvimento de DCV, reduzir a carga da doença e a perda da saúde, associada
apresentando significativa morbidade decorrente da doença (PORTH, com a DAC (MARINHO, 2021).
10ª ed.).
Fisiopatologia da DAC
Etiologia da DAC
↠ O fluxo sanguíneo coronariano leva oxigênio aos
miócitos e remove produtos do catabolismo, como
dióxido de carbono, ácido láctico e íons hidrogênio. O
coração tem uma demanda metabólica tremendamente
alta; embora represente apenas 0,3% do peso corporal,
ele é responsável por 7% do consumo de oxigênio em
repouso. Isquemia celular ocorre quando há uma demanda
aumentada por oxigênio em relação ao suprimento
arterial máximo, ou uma redução absoluta do supri-
mento de oxigênio (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).

↠ A redução do suprimento de oxigênio pode


raramente se originar de diminuição do conteúdo de
oxigênio do sangue – como acontece na intoxicação por
monóxido de carbono ou na anemia –, mas, mais
comumente, é causada por anormalidades de artérias
Epidemiologia da DAC
coronárias, particularmente doença aterosclerótica
↠ A prevalência da DAC varia de acordo com o estudo (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
considerado, na medida em que os estudos referentes ao ↠ Isquemia miocárdica pode surgir por uma combinação
tema utilizam muitas vezes definições distintas. Estima-se de demanda aumentada e suprimento diminuído; o abuso
que no ano de 2018, 16,5 milhões de americanos de cocaína aumenta a demanda de oxigênio (por inibição da
apresentavam doença coronária, sendo predominante no recaptação de noradrenalina nos terminais nervosos adrenérgicos no
sexo masculino (55%) (SOCESP, 4ª ed.). coração) e pode reduzir o suprimento de oxigênio por causar
vasoespasmo (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ O coração recebe sua energia principalmente de ATP limiares de dor diferentes entre pacientes (HAMMER;
gerado por fosforilação oxidante de ácidos graxos livres, MCPHEE, 7ª ed.).
embora glicose e outros carboidratos possam ser
utilizados. Dentro de 60 segundos após oclusão de artéria QUARTA BULHA CARDÍACA E DISPNEIA
coronária, a tensão de oxigênio nas células miocárdicas ↠ Esses achados podem ocorrer devido à disfunção
afetadas cai essencialmente para zero. Os estoques diastólica e sistólica do miocárdio isquêmico (HAMMER;
cardíacos de fosfatos de alta energia são exauridos MCPHEE, 7ª ed.).
rapidamente, e as células mudam prontamente para
metabolismo anaeróbio, com a consequente produção de CHOQUE
ácido láctico (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
↠ O local de oclusão da artéria coronária determina a
↠ Disfunção do relaxamento e contração do miocárdio apresentação clínica da isquemia ou do infarto do
ocorre dentro de segundos, mesmo antes que aconteça miocárdio. Como uma regra geral, quanto mais miocárdio
a depleção de fosfatos de alta energia. A base bioquímica é suprido pelo vaso ocluído, mais significativos e graves
para esta anormalidade não é conhecida. Se a perfusão são os sintomas. Por exemplo, obstrução da artéria coronária
não for restabelecida dentro de 40 a 60 minutos, inicia- principal esquerda, ou da artéria coronária descendente anterior
esquerda, geralmente se apresentará como insuficiência cardíaca
se um estágio irreversível de dano, caracterizado por
grave, frequentemente com hipotensão associada (choque)
tumefação difusa de mitocôndrias, lesão da membrana
(HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
celular e depleção acentuada de glicogênio. O mecanismo
exato pelo qual dano irreversível ocorre não está claro, BRADICARDIA
mas depleção intensa de ATP, concentrações
extracelulares de cálcio aumentadas, acidose láctica e ↠ Infartos da parede miocárdica inferior geralmente se
radicais livres têm sido postulados como possíveis causas originam de oclusão da artéria coronária direita. Como a
(HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.). área de tecido ventricular esquerdo suprida por esta
artéria é pequena, os pacientes geralmente não se
Manifestações Clínicas da DAC apresentam com insuficiência cardíaca (HAMMER;
MCPHEE, 7ª ed.).
DOR TORÁCICA
↠ Entretanto, a artéria que fornece suprimento
↠ A dor torácica tem sido atribuída tradicionalmente à sanguíneo para o nó AV se ramifica a partir da artéria
isque- mia. Contudo, evidências mais recentes sugerem descendente posterior, de modo que os infartos do
que, em pacientes com doença arterial coronariana, 70 a miocárdio da parede inferior às vezes são associados com
80% dos episódios de isquemia na verdade são condução lenta ou ausente do nó AV. Além da isquemia,
assintomáticos (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.). podem ocorrer anormalidades de condução do nó AV
Acredita-se que a dor torácica, quando presente, seja mediada por em consequência de ativação reflexa do nervo vago, que
fibras aferentes simpáticas que inervam ricamente o átrio e o inerva ricamente o nó AV (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
ventrículo. A partir do coração, as fibras atravessam os gânglios
simpáticos torácicos superiores e as cinco raízes dorsais torácicas OBS.: Disfunção do nó sinusal é raramente observada em doença
superiores da medula espinal. Na medula espinal, os impulsos arterial coronariana, porque esta área recebe sangue tanto da artéria
supostamente convergem com impulsos de outras estruturas. Esta coronária direita quanto da esquerda (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
convergência pode ser o mecanismo da dor na parede torácica, nas
costas e no braço que algumas vezes acompanha a angina de peito NÁUSEA E VÔMITO
(HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
↠ Náusea e vômito podem surgir por ativação do nervo
A importância dessas fibras pode ser demonstrada em pacientes que vago na situação de infarto da parede inferior do
passaram por um transplante de coração. Quando esses pacientes
desenvolvem aterosclerose, eles permanecem completamente
miocárdio (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).
assintomáticos, sem desenvolvimento de angina (HAMMER; MCPHEE,
7ª ed.). Taquicardia

↠ Três fatores provavelmente são responsáveis pela ↠ Os níveis de catecolaminas geralmente estão elevados
grande proporção de episódios assintomáticos: disfunção em pacientes com infarto do miocárdio. Isso ajuda a
de nervos aferentes, perfusão reduzida transitória e manter o volume sistólico, mas leva a uma frequência
cardíaca aumentada (HAMMER; MCPHEE, 7ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Dor precordial e angina

OBS.: O termo dor precordial se refere ao incômodo na região torácica.

DOR TORÁCICA
DIRETRIZ, 2014

↠ A dor torácica aguda é uma das causas mais ↠ Ainda, no momento inicial do atendimento, é muito
frequentes de atendimento nas unidades de emergência importante identificar e classificar os pacientes quanto à
(UE), correspondendo a mais de 5% das visitas em UE e probabilidade da dor torácica ser origem isquêmica
até 10% das visitas não relacionadas a traumatismos (SANTOS; TIMERMAN, 2018).
(DIRETRIZ, 2021).
➢ Dor Tipo A (definitivamente anginosa): dor em
aperto ou queimação, em repouso, ou
desencadeada pelo esforço ou estresse, com
irradiação para o ombro, mandíbula ou face
interna do braço, aliviada pelo repouso ou nitrato.
Não são necessários exames complementares
para a definição diagnóstica.
➢ Dor Tipo B (provavelmente anginosa): as
características da dor torácica fazem da
insuficiência coronária a principal hipótese,
porém, são necessários exames
complementares para a definição diagnóstica.
➢ Dor Tipo C (possivelmente anginosa): dor
torácica cujas características não fazem da
insuficiência coronária a principal hipótese (dor
torácica atípica), porém, são necessários
exames complementares para excluí-la.
➢ Dor Tipo D (definitivamente não anginosa): dor
↠ O diagnóstico de dor precordial se divide em dor típica
torácica atípica, cujas características não incluem
e atípica.
a insuficiência coronária aguda no diagnóstico
➢ A dor típica caracteriza angina ou infarto do diferencial.
miocárdio, sendo parecida com um aperto ou
OBS.: As diretrizes do National Heart Attack Alert Program afirmam
opressão no peito. que os pacientes com os sintomas típicos que chamam bastante
➢ Já a dor atípica aponta para uma causa atenção, devem ser avaliados de forma imediata pelos enfermeiros de
diferente de angina ou infarto. Febre, tosse e triagem e encaminhados para avaliação mais precisa, os sintomas são:
queimação ou azia são alguns dos sinais que dor torácica, em aperto ou opressão, com duração de dez a vinte
minutos, dor que se irradia para o pescoço, mandíbula, ombros, dorso
podem acompanhar esse tipo de incômodo.
ou ambos os braços; indigestão, ou azia, náuseas, e/ou vômito
associados a desconforto torácico; dispnéia persistente, fraqueza,
tontura e perda de consciência (LEITE et. al., 2019).

IMPORTANTE: Não esquecer: uma dor torácica com característica mais


intensa, súbita e com duração aproximada de dez a vinte minutos,
junto com outros sinais e sintomas como: dispneia, sudorese, palidez
cutânea e náuseas, frequentemente representa um infarto agudo do
miocárdio (LEITE et. al., 2019).

ANGINA
↠ Angina pectoris representa o quadro de crises de dor
precordial com características de opressão, cortante,
causada por isquemia miocárdica de curta duração
(poucos minutos). Trata-se de uma síndrome

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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essencialmente clínica, sendo o correspondente de angina responde rapidamente a agentes


anatomopatológico variável (nem sempre há necrose de vasodilatadores (BOGLIOGO, 10ª ed.).
miocardiócitos). (BOGLIOGO, 10ª ed.).
IMPORTANTE: A AI é definida como isquemia miocárdica na ausência de
necrose miocárdica, ou seja, com biomarcadores negativos. Durante o
manejo inicial da SCA, frequentemente, é difícil diferenciar AI do
IAMSSST com base apenas em critérios clínicos (i. e., antes que a
dosagem de marcadores de necrose miocárdica esteja disponível),
DIRETRIZ, 2014 devendo ambas as entidades serem conduzidas de forma semelhante
nessa fase (DIRETRIZ, 2021).
ANGINA ESTÁVEL
IMPORTANTE: O termo síndrome coronariana aguda (SCA) é usado
↠ A angina estável é a forma mais comum. O quadro para pacientes em que há suspeita de isquemia miocárdica aguda ou
aparece por aumento súbito do trabalho cardíaco, como IM. São classificadas em três apresentações: angina instável (AI), IM
acontece em exercícios físicos, estados de estresse, sem supradesnivelamento do segmento ST (IMsSST) e IM com
supradesnivelamento do segmento ST (IMcSST). O discernimento
emoções ou outras condições que causam sobrecarga
entre IM e AI em geral é feito ao comparar as curvas de marcadores
cardíaca (BOGLIOGO, 10ª ed.). de necrose miocárdica (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Ao ECG, encontra-se infradesnivelamento do Diagnóstico da DAC


segmento ST por a isquemia ser mais intensa na região
subendocárdica. Em geral, associa-se a aterosclerose ↠ O diagnóstico da doença arterial coronariana estável
acentuada em uma ou mais coronárias. Sua patogênese, (DAC) deve seguir os princípios da semiologia médica, ou
portanto, relaciona-se com fluxo sanguíneo em nível seja, deve incluir a anamnese detalhada, exame físico e
crítico por obstrução coronariana que se torna exames subsidiários. A regra também é válida para os
insuficiente quando há aumento da demanda (desbalanço pacientes assintomáticos, uma vez que a busca ativa pela
entre demanda e oferta de sangue). O quadro doloroso doença, utilizando exames subsidiários, só se justifica em
desaparece com repouso ou pelo uso de vasodilatadores pacientes de maior risco, identificados durante o
(BOGLIOGO, 10ª ed.). atendimento médico (SOCESP, 4ª ed.).

ANGINA INSTÁVEL ↠ Na história clínica, além da avaliação da dor torácica,


quando existente, é fundamental que os antecedentes
↠ Na angina instável, os episódios são desencadeados pessoais e familiares sejam explorados adequadamente.
por pequenos esforços, ou até em repouso, e duram Pacientes com fatores de risco conhecidos estão mais
mais tempo (acima de 10 minutos). É o tipo de angina que sujeitos a ter ou a desenvolver a doença, o que torna sua
geralmente precede o infarto do miocárdio. Na maioria abordagem diferente daqueles sem qualquer um dos
dos pacientes, existe aterosclerose coronariana e fatores. Doenças associadas também são igualmente
formação de trombos não oclusivos, às vezes associados importantes, pois muitos delas podem, mesmo
a vasoespasmos. Tanto a angina instável quanto o infarto isoladamente, levar ao diagnóstico de DAC, como no caso
do miocárdio são manifestações da síndrome coronariana de um infarto do miocárdio prévio por exemplo
aguda (BOGLIOGO, 10ª ed.). (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Em 2010, Boesner et al. propuseram cinco


características para que em um contexto de atendimento
DIRETRIZ, 2014 primário fosse possível confirmar ou descartar a hipótese
ANGINA DE REPOUSO de doença coronariana: (SOCESP, 4ª ed.).
↠ A angina de repouso (angina de Prinzmetal) deve-se ➢ Homens com idade superior a 55 anos e
também a espasmos coronarianos, muitas vezes mulheres com idade superior a 65 anos.
associados a placas ateromatosas. O quadro não tem ➢ Doença cardiovascular conhecida.
relação com aumento da demanda (esforço físico, ➢ Crença, pelo paciente, que a dor seja de origem
emoções etc.) (BOGLIOGO, 10ª ed.). cardíaca.
➢ Piora da dor durantes os esforços.
↠ Ao ECG, encontra-se supradesnivelamento do
➢ Ausência de dor à palpação torácica.
segmento ST, indicando isquemia transmural. Esta forma

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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OBS.: Ainda, segundo os autores, quando apenas duas características ↠ Embora um eletrocardiograma (ECG) em repouso
(ou menos) estiverem presentes, é possível descartar a hipótese de normal, não seja capaz de excluir a presença da doença
DAC com especificidade de 81%. No entanto, quando 3 a 5
coronariana, algumas alterações podem nos direcionar
características estão presentes, a sensibilidade do teste chega a 87%
(SOCESP, 4ª ed.). para o diagnóstico, como aquelas relacionadas a um
quadro isquêmico prévio. Assim, todo paciente com
TESTES NÃO INVASIVOS suspeita de DAC deve ter o ECG realizado (SOCESP, 4ª
ed.).
↠ Embora os testes não invasivos seja de enorme valia
para o diagnóstico de DAC, seu uso só se aplica nas O pai do ECG moderno foi o fisiologista holandês Walter Einthoven. Ele
situações em que a probabilidade de doença é pelo nomeou as partes do ECG como as conhecemos hoje e criou o
“triângulo de Einthoven”, um triângulo hipotético criado ao redor do
menos intermediária. Exames realizados em pacientes
coração quando os eletrodos são colocados nos braços e na perna
assintomáticos ou com probabilidade baixa de doença não esquerda. Os lados do triângulo são numerados para corresponder às
são custo/efetivos, além de aumentarem a possibilidade três derivações, ou pares de eletrodos, usados para obter o registro.
de um resultado falso-positivo, o que pode, em diversas (SILVERTHON, 7ª ed.)
situações, levar a condutas inadequadas (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Os mesmos testes usados para o diagnóstico são


também de grande importância para a determinação da
gravidade da doença e, por consequência, do seu
prognóstico. Assim, mesmo nas situações em que o
diagnóstico já está confirmado, os testes não invasivos
podem ser realizados para estratificação de risco ou
avaliação da eficácia terapêutica (SOCESP, 4ª ed.).

EXAMES BIOQUÍMICOS
↠ Os testes bioquímicos têm fundamental importância
na medida em que ajudam a avaliar adequadamente o
risco e/ ou o prognóstico do paciente, auxiliam no Na prática clínica, posicionam-se eletrodos nos braços e pernas
diagnóstico de doenças associadas e colaboram para a (derivações dos membros) e em seis posições do tórax (derivações
decisão terapêutica (SOCESP, 4ª ed.). torácicas) para registrar o ECG. (TORTORA, 14ª ed.)

➢ Medida da glicemia de jejum, da hemoglobina O eletrocardiógrafo amplifica os sinais elétricos do coração e produz
12 traçados diferentes a partir das distintas combinações de derivações
glicada (HbA1c) e, eventualmente, o teste de
de membros e tórax. Cada eletrodo no membro e tórax registra uma
tolerância oral à glicose são fundamentais – atividade elétrica discretamente diferente, por causa da diferença em
correlação entre DM e DAC (SOCESP, 4ª ed.). sua posição em relação ao coração. (TORTORA, 14ª ed.)
➢ Avaliação da função renal associada ao cálculo
da filtração glomerular – doenças renais são
fatores de risco para a DAC (SOCESP, 4ª ed.).
➢ O colesterol total, suas frações HDL e LDL, e
também os triglicérides devem ser avaliados
anualmente (SOCESP, 4ª ed.).

ELETROCARDIOGRAMA EM REPOUSO
↠ O ECG de 12 derivações é o procedimento diagnóstico
cardiovascular utilizado com mais frequência (PORTH, 10ª
ed.).

↠ Alterações eletrocardiográficas em repouso podem


estar ausentes em 50% dos pacientes portadores de
angina estável, principalmente aqueles com função de
ventrículo esquerdo normal (SOCESP, 4ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ONDAS DO ECG O intervalo QT se estende do início do complexo QRS até ao final da


onda T. É o tempo a partir do início da despolarização ventricular até
o fim da repolarização ventricular. (TORTORA, 14ª ed.)

↠ O ECG tem papel ainda maior na avaliação do paciente


no momento em que a dor se faz presente. Alteração
do segmento ST e da onda T, principalmente as
dinâmicas, são fortemente sugestivas de doença
coronária (SOCESP, 4ª ed.).

↠ Mais de 1/3 dos pacientes apresentam alterações


características de SCA como depressão do segmento
ST, elevação transitória de segmento ST e inversão de
onda T. Alterações dinâmicas no segmento ST
(depressão ou elevação do ST) ou inversões da onda T
durante episódio doloroso, que se resolvem pelo menos
parcialmente quando os sintomas são aliviados, são
importantes marcadores de prognóstico adverso, ou seja,
subsequente IAM ou morte (DIRETRIZ, 2021).
Existem dois componentes principais em um ECG: as ondas e os
segmentos. As ondas fazem parte do traçado que sobe e desce a
partir da linha de base. Os segmentos são partes da linha de base entre
duas ondas. Os intervalos são combinações de ondas e segmentos.

Em um registro típico, três ondas claramente reconhecíveis aparecem


a cada batimento cardíaco. (TORTORA, 14ª ed.)

A primeira, chamada onda P, é um pequeno desvio para cima no ECG.


A onda P representa a despolarização atrial, que se propaga do nó SA
ao longo das fibras contráteis em ambos os átrios. (TORTORA, 14ª ed.)
↠ Em pessoas sem elevação do segmento ST ao ECG,
A segunda onda, denominada complexo QRS, começa com uma
deflexão para baixo, continua como uma grande onda vertical
a oclusão coronariana trombótica não é total ou é
triangular, e termina como uma onda descendente. O complexo QRS intermitente, enquanto aquelas com elevação do
representa a despolarização ventricular rápida, conforme o potencial segmento ST normalmente apresentam oclusão
de ação se propaga ao longo das fibras contráteis ventriculares. coronariana completa à angiografia; por fim, muitas
(TORTORA, 14ª ed.)
apresentam infarto do miocárdio com onda Q. (PORTH,
A terceira onda é um desvio para cima em forma de cúpula chamada 10ª ed.).
de onda T. Indica a repolarização ventricular e ocorre apenas quando
os ventrículos começam a relaxar. A onda T é menor e mais larga do ↠ As alterações que ocorrem podem não estar
que o complexo QRS, porque a repolarização ocorre mais lentamente presentes imediatamente após o início dos sintomas e
do que a despolarização. (TORTORA, 14ª ed.) variam consideravelmente, dependendo da duração do
Durante o período de platô da despolarização constante, o traçado do evento isquêmico (agudo versus progressivo), da sua
ECG é reto. (TORTORA, 14ª ed.) extensão (subendocárdico versus transmural) e da sua
A análise de um ECG também envolve medir os intervalos de tempo localização (anterior versus septal versus inferoposterior).
entre ondas, que são chamados intervalos ou segmentos. Por exemplo, Como essas alterações em geral ocorrem ao longo do
o intervalo PQ é o tempo desde o início da onda P até o início do tempo e são observadas nas derivações do ECG que
complexo QRS. Representa o tempo de condução do início da mostram a área do miocárdio envolvida, é indicado o
excitação atrial até o início da excitação ventricular. (TORTORA, 14ª
ed.)
monitoramento contínuo e sequencial do ECG de 12
derivações (PORTH, 10ª ed.).
O segmento ST, que começa no fim da onda S e termina no início
da onda T, representa o momento em que as fibras contráteis ↠ A fase de repolarização do potencial de ação (onda T
ventriculares são despolarizadas durante a fase de platô do potencial e segmento ST ao ECG) normalmente é a primeira a
de ação. (TORTORA, 14ª ed.)
apresentar envolvimento durante a isquemia e a lesão do
endocárdio. Na medida em que a área envolvida se torna
isquêmica, a repolarização do miocárdio sofre alteração,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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causando mudanças na onda T. Isso comumente é ↠ No infarto com onda Q, ocorre o desenvolvimento de
representado pela inversão da onda T, embora possa ondas Q anormais e perda da onda R, uma vez que não
ocorrer uma elevação hiperaguda da onda T como o sinal ocorre a condução da corrente de despolarização a partir
mais precoce do infarto (PORTH, 10ª ed.). do tecido necrótico. Quando a lesão está confinada
primariamente ao subendocárdio, todo o segmento ST
↠ As alterações no segmento ST ocorrem com a lesão
está desviado na direção da camada ventricular interna,
isquêmica do miocárdio e, dependendo das derivações
resultando em uma depressão geral do segmento ST e
envolvidas, podem indicar a lesão de interesse. Na situação
não na sua elevação (PORTH, 10ª ed.).
normal, o segmento ST do ECG é quase isoelétrico (i. e.,
achatado ao longo da linha basal), uma vez que todas as
células miocárdicas hígidas alcançam o mesmo potencial
durante a repolarização inicial (PORTH, 10ª ed.).

↠ A isquemia aguda grave reduz o potencial de repouso


da membrana e abrevia a duração do potencial de ação
na área isquêmica. Tais alterações criam uma diferença
de voltagem entre as áreas normais e isquêmicas do BIOMARCADORES
miocárdio, a qual leva à denominada corrente de lesão
↠ Marcadores bioquímicos são úteis para auxiliar tanto
entre essas regiões. As correntes de lesão são as
no diagnóstico quanto no prognóstico de pacientes com
correntes representadas ao ECG de superfície como um
SCA. Quando as células miocárdicas sofrem lesão, suas
desvio do segmento ST. Quando a lesão aguda é
membranas celulares perdem a integridade, as proteínas
transmural, todo o vetor ST está desviado na direção do
intracelulares se difundem no interstício e vão para os
epicárdio exterior, resultando em elevação do segmento
linfáticos e capilares (DIRETRIZ, 2021).
ST (PORTH, 10ª ed.).
Após a lesão miocárdica, a cinética dos marcadores depende de
diversos fatores: o compartimento intracelular das proteínas; o
tamanho das moléculas; o fluxo regional linfático e sanguíneo; e a taxa
de depuração do marcador. Tais fatores, em conjunto com as
características de cada marcador, diferenciam o desempenho
diagnóstico de cada um para IAM (DIRETRIZ, 2021).

↠ A necrose do músculo cardíaco promove a liberação


de enzimas e proteínas estruturais dos miócitos que
podem ser quantificadas por técnicas específicas no
sangue dos pacientes com IAM.1 Os principais marcadores
séricos de necrose miocárdica são a mioglobina, a
creatinoquinase isoenzima MB (CK-MB), a CK-MB massa
e as troponinas I e T (SANTOS; TIMERMAN, 2018).
SITE CARDIOPAPERS
IMPORTANTE: As troponinas T e I são os marcadores laboratoriais mais
➢ Supra “feliz” = concavidade para cima = pensar em causas sensíveis e específicos de lesão miocárdica. Em média, a troponina T
benignas (ou em IAM em fase inicial). tem sensibilidade de 96,9% e especificidade de 94,5% para o
➢ Supra “triste” = concavidade para baixo = pensar em IAM. diagnóstico de IAM. Já a CK-MB massa pode ser uma alternativa às
troponinas cardíacas, quando da não disponibilidade destas (SANTOS;
TIMERMAN, 2018).

↠ Os marcadores de necrose miocárdica devem ser


solicitados em todos os pacientes com suspeita de SCA
e repetidos entre seis e 12 horas. A elevação de tais
marcadores não é exclusiva dos casos de IAM, mas
também pode estar presente nas situações que cursam
com injúria miocárdica de outra natureza, tais como
taquiarritmias, miocardite, insuficiência cardíaca, pós-
ressuscitação cardiopulmonar, trauma torácico, embolia

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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pulmonar, hipertensão pulmonar (SANTOS; TIMERMAN, MIOGLOBINA


2018). A mioglobina é um marcador muito precoce de necrose miocárdica,
precedendo a liberação de CK-MB em 2 a 5 horas. Como é uma
molécula pequena, ela é liberada na circulação dentro de 1 hora após
a morte da célula miocárdica, com valores de pico sendo atingidos em
5 a 12 horas. Pela elevada sensibilidade precoce, a mioglobina normal
pode auxiliar o afastamento do diagnóstico de infarto (elevado valor
preditivo negativo) (SOCESP, 4ª ed.).

TESTE ERGOMÉTRICO
TROPONINAS ↠ O teste ergométrico (TE) continua sendo uma ótima
As troponinas são proteínas do complexo de regulação miofibrilar opção para a avaliação de paciente com provável DAC.
presentes no músculo estriado cardíaco. Existem três subunidades: A sensibilidade e especificidade do TE é em torno de 45-
troponina T, troponina I e troponina C (DIRETRIZ, 2021). 50% e de 85-90%, respectivamente, tornando-o
A troponina C é coexpressa nas fibras musculares esqueléticas de especialmente interessante nos pacientes com
contração lenta e não é considerada como um marcador específico probabilidade pré-teste entre 15-65% (SOCESP, 4ª ed.).
cardíaco (DIRETRIZ, 2021).
Tratamento da DAC
As troponinas cardíacas permanecem elevadas por tempo mais
prolongado, podendo permanecer elevadas por até 7 dias depois do ↠ Por se tratar de doença metabólica progressiva,
IAM. As troponinas são os biomarcadores de primeira escolha para
independentemente do tratamento de escolha, o controle
avaliação diagnóstica de pacientes com suspeita de IAM, pois
apresentam acurácia diagnóstica superior à da CK-MB massa e dos a longo prazo da DAC é imprescindível (MOLINA et. al.,
demais biomarcadores de lesão miocárdicas (DIRETRIZ, 2021). 2020).
Pacientes com troponinas elevadas apresentam risco aumentado de ↠ O tratamento busca prevenir o IAM e diminuir a
eventos cardíacos nos primeiros dias de internação e identificam um mortalidade, reduzindo sintomas e a ocorrência de
subgrupo de SCASSST com potencial maior de benefício para
manuseio invasivo. Apesar da identificação acurada de lesão miocárdica
isquemia miocárdica, para permitir melhor qualidade de
pelas troponinas, elas não identificam o(s) mecanismo(s) de lesão; estes vida (MOLINA et. al., 2020).
podem ser múltiplos, incluindo etiologias não coronarianas como
taquiarritmias e miocardite, ou ainda condições não cardíacas, como ↠ O início do tratamento prevê orientação dietética e a
sepse, embolia pulmonar e insuficiência renal. Assim, principalmente inclusão de atividade física na rotina do paciente, pois
naqueles casos em que a apresentação clínica não é típica de SCA, tratar a doença de base (aterosclerose) faz parte do
devem ser consideradas outras causas de lesão cardíaca relacionadas
manejo da DAC; assim, mudanças no estilo de vida,
com aumento de troponinas (DIRETRIZ, 2021).
controle da HAS, do sedentarismo, do estresse emocional,
A maior limitação das troponinas convencionais é sua baixa do tabagismo ativo e passivo, das dislipidemias e da
sensibilidade quando o paciente tem um tempo de início do quadro obesidade devem ser contemplados durante o
inferior a 6h. Com a introdução das troponinas de alta sensibilidade
(Trop-US), passou a ser possível a detecção de níveis mais baixos de planejamento terapêutico (MOLINA et. al., 2020).
troponina, em menor tempo após início do quadro de lesão miocárdica
de causa isquêmica (DIRETRIZ, 2021).
↠ Atualmente são diversas as técnicas para a reperfusão
do miocárdio atingido por essa obstrução, como a
CREATINOQUINASE, SUAS ISOENZIMAS E ISOFORMAS colocação de stents farmacológicos, angioplastia
Idealmente, a CK-MB deve ser mensurada por imunoensaio para coronária, com ou sem a colocação de stents coronários,
dosagem da sua concentração no plasma (CK-MB massa) em vez da cirurgias com a colocação de ponte de safena e também
sua atividade (DIRETRIZ, 2021). o tratamento farmacológico com o uso de estatinas e
As subformas da CK-MB têm surgido como marcadores precoces anticoagulantes. Para a escolha do melhor método muitos
(menos de 6h) de lesão miocárdica e inferência precoce da magnitude cardiologistas utilizam o Syntax Score, uma ferramenta
do IAM (DIRETRIZ, 2021). desenvolvida a partir do estudo Syntax (CAERES; NUNES,
No entanto, a CK-MB massa apresenta como principal limitação elevar- 2019).
se após dano em outros tecidos não cardíacos (falso-positivos),
especialmente após lesão em músculo liso e esquelético. Podem TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
acontecer resultados falso-positivos, em que a CK-MB é positiva e a
troponina é negativa em cerca de 4% dos pacientes (DIRETRIZ, 2021).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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TROMBOLÍTICOS ESTATINAS

↠ A doença tromboembólica aguda em determinados ↠ Usados contra hiperlipidemias (WHALEN, 6ª ed.).


pacientes pode ser tratada com a administração de
↠ O tratamento farmacológico deve sempre ser
fármacos que ativam a conversão de plasminogênio em
acompanhado de modificações no estilo de vida, com
plasmina, uma serinoprotease que hidrolisa fibrina e, assim,
exercícios e dieta pobre em gorduras saturadas
dissolve coágulos (WHALEN, 6ª ed.).
(WHALEN, 6ª ed.).
MECANISMO DE AÇÃO: Os trombolíticos apresentam ↠ Os inibidores da HMG-CoA redutase (mais conhecidos
algumas características comuns. Todos atuam direta ou como estatinas) reduzem os níveis elevados de LDL-C,
indiretamente convertendo plasminogênio em plasmina, resultando em redução substancial de eventos
que, então, hidrolisa a fibrina, hidrolisando, assim, os coronarianos e de morte por DCC. Eles são considera dos
trombos (WHALEN, 6ª ed.). o tratamento de primeira escolha para pacientes com
risco elevado de DCVAS (WHALEN, 6ª ed.).

↠ As vantagens terapêuticas incluem estabilização das


placas, melhora da função endotelial coronariana, inibição
da formação do trombo plaquetário e atividade anti-
inflamatória. A importância de diminuir o LDL-C com
estatinas foi demonstrado em pacientes com e sem DCC
estabelecida (WHALEN, 6ª ed.).
↠ A dissolução do coágulo e a reperfusão ocorrem com MECANISMO DE AÇÃO: Lovastatina, sinvastatina,
maior frequência quando o tratamento é iniciado logo pravastatina, atorvastatina, fluvastatina, pitavastatina e
após a formação do trombo, pois ele se torna mais rosuvastatina são inibidores competitivos de HMG-CoA
resistente à lise à medida que envelhece (WHALEN, 6ª redutase, a etapa limitante da síntese de colesterol.
ed.). Inibindo a síntese do colesterol, elas esgotam o seu
OBS.: Infelizmente, um número maior de trombos pode ocorrer estoque intracelular. O esgotamento do colesterol
enquanto o trombo se dissolve, levando a uma maior agregação das intracelular leva a célula a aumentar, na superfície, o
plaquetas e trombose. Estratégias para evitar essa situação incluem a número de receptores específicos de LDL-C que podem
administração de antiplaquetários, como AAS, ou antitrombóticos,
ligar o LDL-C circulante e internalizá-lo. Assim, o colesterol
como heparina (WHALEN, 6ª ed.).
no plasma diminui por redução da síntese e aumento do
EFEITOS ADVERSOS: Os trombolíticos não diferenciam entre a fibrina de seu catabolismo (WHALEN, 6ª ed.).
um trombo indesejado e a fibrina de um tampão hemostático benéfico.
Assim, a hemorragia é o principal efeito adverso. Por exemplo, uma
lesão prévia insuspeita, como a úlcera péptica, pode sangrar após a
injeção de um trombolítico (WHALEN, 6ª ed.).

FÁRMACOS: Ateplase,
reteplase e tenecteplase;
estreptoquinase;
uroquinase.

EFEITOS ADVERSOS: Pode ocorrer aumento das enzimas hepáticas no


tratamento com estatinas. Por isso, a função hepática deve ser avaliada
antes de iniciar o tratamento e quando o paciente tem sintomas
consistentes com disfunção hepática.. Esses fármacos são
contraindicados durante a gravidez e a lactação (WHALEN, 6ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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BETABLOQUEADORES guanilatociclase e aumenta o monofosfato cíclico de


guanosina (GMPc). O GMPc aumentado leva à
↠ Os ß-bloqueadores são opção de tratamento para desfosforilação das cadeias leves de miosina, resultando
pacientes hipertensos com doença ou insuficiência em relaxamento do músculo liso vascular (WHALEN, 6ª
cardíaca concomitante (WHALEN, 6ª ed.). ed.).
↠ Os ß-bloqueadores reduzem a pressão arterial
primariamente diminuindo o débito cardíaco. Eles também
podem diminuir o efluxo simpático do sistema nervoso
central (SNC) e inibir a liberação de renina dos rins, ↠ Nitratos como a nitroglicerina causam dilatação das
reduzindo, assim, a formação de angiotensina II e a veias grandes, o que reduz a pré-carga (retorno venoso
secreção de aldosterona (WHALEN, 6ª ed.). ao coração) e, assim, reduz o trabalho do coração.
Acredita-se ser esse o principal mecanismo de ação no
tratamento da angina. Os nitratos também dilatam os
vasos coronarianos, proporcionando aumento na oferta
de sangue para o músculo cardíaco (WHALEN, 6ª ed.).
EFEITO ADVERSO: O efeito adverso mais comum dos nitratos orgânicos
é a cefaleia. Doses altas de nitratos também podem causar hipotensão
postural, rubor facial e taquicardia (WHALEN, 6ª ed.).

↠ Na coronariopatia aguda, seus benefícios estão


relacionados com sua ação nos receptores beta-1,
diminuindo a frequência cardíaca (FC), a pressão arterial
e a contratilidade miocárdica, e levando deste modo à
redução no consumo de oxigênio pelo miocárdio
(SOCESP, 4ª ed.).
São classificados em cardiosseletivos (maior afinidade pelos receptores
β1-succinato de metoprolol) e não seletivos (ligam--se tanto aos β1
quanto aos β2-propranolol), o que implica em menor ou maior
incidência de efeitos adversos (broncoes-pasmo, por exemplo)
associados ao bloqueio de receptores não β1 (SOCESP, 4ª ed.).

EFEITOS ADVERSOS: Os ß-bloqueadores podem causar bradicardia,


hipotensão e efeitos adversos no SNC, como fadiga, letargia e insônia.
Além disso, podem diminuir a libido e causar disfunção erétil, o que
pode reduzir acentuadamente a adesão do paciente (WHALEN, 6ª ed.).

NITRATOS
↠ Os benefícios terapêuticos do nitrato estão
relacionados aos seus efeitos na circulação periférica e
coronária. Seu efeito venodilatador, diminuindo o retorno
venoso ao coração e o volume diastólico final do VE,
reduz o consumo de oxigênio pelo miocárdio (SOCESP,
4ª ed.).

↠ Esses compostos causam redução na demanda


miocárdica de oxigênio, seguida por alívio dos sintomas.
Eles são eficazes nas anginas estável, instável e variante
(WHALEN, 6ª ed.).

MECANISMO DE AÇÃO: Os nitratos orgânicos relaxam o


músculo liso vascular por sua conversão intracelular em
íons nitrito, e, então, a óxido nítrico, que ativa a

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ANTICOAGULANTES PLAQUETÁRIOS EFEITOS ADVERSOS: Dosagens mais altas de AAS aumentam sua
toxicidade, bem como a probabilidade de inibir também a produção de
↠ Os inibidores da aglutinação plaquetária diminuem a prostaciclina. O tempo de sangramento é alongado com o tratamento
formação de um coágulo rico em plaquetas ou diminuem com AAS, causando complicações que incluem aumento da incidência
de acidente cerebral hemorrágico e sangramento gastrintestinal (GI),
a ação dos sinais químicos promotores da aglutinação especialmente com dosagens mais elevadas (WHALEN, 6ª ed.).
(WHALEN, 6ª ed.).
Ticlopidina, clopidogrel, prasugrel e ticagrelor
↠ Os inibidores da aglutinação de plaquetas podem inibir
a cicloxigenase-1 (COX-1) ou bloquear os receptores de ↠ Ticlopidina, clopidogrel, prasugrel e ticagrelor são
GP IIb/IIIa ou ADP, interferindo, assim, no sinal que inibidores do receptor P2Y12 ADP, o que também bloqueia
promove a aglutinação plaquetária (WHALEN, 6ª ed.). a aglutinação das plaquetas, mas por mecanismo distinto
do AAS (WHALEN, 6ª ed.).
ÁCIDO ACETILSALICÍLICO (AAS)
MECANISMO DE AÇÃO: Esses fármacos inibem a ligação do
A estimulação das plaquetas por trombina, colágeno e ADP resulta na
ativação das fosfolipases de membrana das plaquetas que liberam
ADP aos seus receptores nas plaquetas e, assim, inibem
ácido araquidônico dos fosfolipídeos da membrana. O ácido a ativação dos receptores de GP IIb/IIIa necessários para
araquidônico é convertido inicialmente em prostaglandina H2 pela que as plaquetas se liguem ao fibrinogênio e umas às
COX-1. A prostaglandina H2 é metabolizada a tromboxano A2, que é outras. O ticagrelor se liga reversivelmente ao receptor
liberado no plasma. O tromboxano A2 promove o processo de
P2Y ADP. Os demais ligam-se Y12 irreversivelmente.
aglutinação, que é essencial para a rápida formação do tampão
hemostático (WHALEN, 6ª ed.). Quando o tratamento é suspenso, o sistema plaquetário
necessita de tempo para recuperação (WHALEN, 6ª ed.).
MECANISMO DE AÇÃO: O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe a
síntese do tromboxano A2 por acetilação do resíduo
serina no centro ativo da COX-1, inativando
irreversivelmente a enzima. Isso desloca o equilíbrio dos
mediadores químicos em favor dos efeitos
antiaglutinantes da prostaciclina, prevenindo a aglutinação
plaquetária (WHALEN, 6ª ed.).

↠ O efeito inibitório é rápido, e a supressão da


tromboxano A2 e a consequente supressão da
aglutinação das plaquetas induzida pelo AAS persistem
por toda a vida da plaqueta, que é 7 a 10 dias
aproximadamente. O AAS é o único fármaco
antiplaquetário que inibe irreversivelmente a função das
plaquetas (WHALEN, 6ª ed.).

EXTRA

OXIGENOTERAPIA

Apesar de evidências prévias sugerirem que a administração de


oxigênio é capaz de diminuir a extensão da lesão miocárdica, dados
revisados da literatura sugerem aumento de resistência vascular
sistêmica, redução de fluxo coronário e aumento no risco de
mortalidade (SOCESP, 4ª ed.).

Por esse motivo, dados recentes de diretrizes internacionais sugerem


que O2 inalatório seja utilizado somente em situações em que haja
cianose ou desconforto respiratório ou na presença de saturação
arterial de oxigênio < 90% (SOCESP, 4ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ANALGESIA

O uso de analgésico em pacientes com dor isquêmica intensa,


refratários à terapêutica antianginosa, deve ser indicado. Nessa
situação, o sulfato de morfina tem sido utilizado historicamente. No
entanto, dados recentes sugerem que o uso da morfina pode causar
atrasos na reabsorção do clopidogrel, diminuindo os níveis plasmáticos
do metabólito ativo e, portanto, acarretando em possíveis danos ao
paciente em uso do medicamento, principalmente no cenário da
coronariopatia aguda (SOCESP, 4ª ed.).

Referências

CONSOLIM-COLOMBO et. al. Tratado de Cardiologia


SOCESP, 4ª edição – Barueri – São Paulo: Manole, 2019.
NORRIS. PORTH Fisiopatologia, 10ª edição – Rio de Janeiro:
guanabara Koogan, 2021.

FILHO, G. B. Bogliogo, Patologia, 10ª edição – Rio de


Janeiro: Guanabara Koogan, 2021.
SILVERTHORN, Dee U. Fisiologia Humana. Disponível em:
Minha Biblioteca, (7th edição). Grupo A, 2017.
TORTORA. Princípios de Anatomia e Fisiologia. Disponível
em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo GEN, 2016.

WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto


Alegre: Artmed, 2016.

MARINHO, F. Prognóstico da Doença Arterial Coronariana


em Hospitais Públicos no Brasil: O estudo ERICO e uso do
conhecimento na Saúde Pública. Arquivos Brasileiros de
Cardiologia, 2021.
SANTOS, E. S.; TIMERMAN, A. Dor torácica na sala de
emergência: quem fica e quem pode ser liberado? Revista
da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, 2018.
NICOLAU et. al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do
Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST, Arquivo
Brasileiro de Cardiologia, 2021
FERREIRA et. al. Diretriz de Doença Coronária Estável.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2014.

MOLINA et. al. Doença Arterial Coronariana (DAC) NO


Brasil: epidemiologia, causas e consequências, tratamento
e adaptações fisiológicas cardiovasculares e sistêmicas
esperadas, 2020.
CAERES, E.; NUNES, C. P. Doença Arterial Coronariana:
tratamento e suas indicações. Revista de Medicina de
Família e Saúde Mental, 2019.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 07 – lambe OS OSSOS E ENCAROÇA O CORAÇÃO 1

Objetivos ↠ A membrana citoplasmática tem uma estrutura de


bicamada lipídica semelhante à estrutura das membranas
1- Conhecer os principais grupos bacterianos; eucarióticas, mas não contém esteroides (p. ex.,
2- Entender a definição, etiologia e epidemiologia colesterol); os micoplasmas são exceção a esta regra.
da febre reumática; (PFALLER et. al., 7ª ed.).
3- Debater a fisiopatologia e as manifestações
clínicas da febre reumática; OBS.: As bactérias podem sobreviver e, em alguns casos, crescer em
ambientes hostis em que a pressão osmótica no exterior da célula é
4- Discutir o diagnóstico da febre reumática.
tão baixa que levaria à lise da maioria das células eucariotas, em
temperatura extremas (tanto quentes quanto frias), em ambiente
Bactérias
áridos, e com fontes de energia muito escassas e diversas (PFALLER
et. al., 7ª ed.).
↠ As bactérias apresentam uma estrutura relativamente
simples. São organismos procariotos – organismos
simples unicelulares, que não apresentam membrana
nuclear, mitocôndria, complexo de Golgi, ou retículo
endoplasmático - que se reproduzem por divisão
assexuada (PFALLER et. al., 7ª ed.).

↠ O corpo humano é habitado por milhares de diferentes


espécies bacterianas - algumas vivendo de forma
transitória, outras numa relação parasítica permanente. Do
mesmo modo, as bactérias estão presentes no ambiente
que nos cerca, incluindo o ar que respiramos, a água que
bebemos, e a comida que comemos, sendo que muitas
dessas bactérias são relativamente não virulentas, mas
outras são capazes de causar doenças que ameaçam a
vida (PFALLER et. al., 7ª ed.).
OBS.: A doença pode resultar do efeito tóxico de produtos bacterianos
(p. ex., toxinas) ou quando a bactéria invade sítios anatômicos que são
normalmente estéreis (PFALLER et. al., 7ª ed.).

ESTRUTURAS DAS BACTÉRIAS


↠ Além da falta de um núcleo e outras organelas, o
cromossomo bacteriano difere do cromossomo humano
em vários aspectos. O cromossomo bacteriano é uma fita
única circular de cadeia dupla, que não está contido em
um núcleo, mas em uma área definida conhecida como
nucleoide (PFALLER et. al., 7ª ed.). CLASSIFICAÇÃO BACTERIANA

↠ Os plasmídeos, que são fragmentos ↠ A aparência microscópica, incluindo o tamanho, a


extracromossômicos menores de DNA circular, também forma e a morfologia dos organismos (cocos, bacilos,
podem estar presentes. Os plasmídeos, embora curvos ou em espiral), e a sua capacidade de reter a
geralmente não sejam essenciais para a sobrevivência coloração de Gram (Gram-positivas ou Gram-negativas)
celular, frequentemente conferem uma vantagem são as características primárias para diferenciar as
seletiva: muitos conferem resistência a um ou mais bactérias (PFALLER et. al., 7ª ed.).
antibióticos (PFALLER et. al., 7ª ed.).
CLASSIFICAÇÃO QUANTO À APARÊNCIA MICROSCÓPICA
↠ As bactérias utilizam um ribossomo menor, o ↠ Uma bactéria esférica, como Staphylococcus, é um
ribossomo 70S, e na maioria das bactérias, uma estrutura coco; uma bactéria em forma de bastonete, como E. coli,
tipo emaranhado, a parede celular de peptidoglicano, que é um bacilo; e o treponema, semelhante a uma cobra, é
envolve as membranas para protegê-las do meio um espirilo (PFALLER et. al., 7ª ed.).
ambiente (PFALLER et. al., 7ª ed.).

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↠ Algumas bactérias formam agregados, tais como os ↠ Para as bactérias Gram-positivas, que se tornam roxas,
aglomerados em forma de cacho de uva de o corante fica preso em uma estrutura grossa e
Staphylococcus aureus ou os diplococos (duas células emaranhada, a camada de peptidoglicano, que circunda a
juntas), que são observados nas espécies de célula. As bactérias Gram-negativas possuem uma fina
Streptococcus ou Neisseria. (PFALLER et. al., 7ª ed.). camada de peptidoglicano que não retém o corante cristal
violeta, e então as células são coradas com safranina e
tornam-se vermelhas. Uma estratégia mnemônica que
pode ajudar é o “P-PÚRPURA POSITIVO” (PFALLER et. al.,
7ª ed.).

IMPORTANTE: Quando os cocos se dividem em cadeias, são chamados


estreptococos; em pares, diplococos; e em cachos, estafilococos
(PORTH, 10ª ed.).

CLASSIFICAÇÃO QUANTO À COLORAÇÃO DE GRAM


↠ A parede bacteriana é complexa, consistindo em uma
entre duas formas básicas: uma parede celular com uma
camada espessa de peptidoglicano, em bactérias gram-
positivas, e uma parede celular com uma camada fina de
peptidoglicano e uma membrana externa sobreposta, em
bactérias gram-negativas (PFALLER et. al., 7ª ed.).
OBS.: Algumas bactérias não apresentam essa estrutura de parede
celular e compensam sua falta sobrevivendo somente no interior da
célula hospedeira ou em um ambiente hipertônico (PFALLER et. al., 7ª OBS.: Devido à degradação do peptidoglicano, a coloração de Gram
ed.). não é um teste confiável para as bactérias que estejam em privação
(p. ex., culturas em fase estacionária ou mais antigas) ou tratadas com
COLORAÇÃO DE GRAM
antibióticos. As bactérias que não podem ser classificados pela
A coloração de Gram é um teste rápido, eficaz e fácil, que permite coloração de Gram incluem as micobactérias, que possuem um
aos clínicos diferenciar as duas principais classes de bactérias, revestimento externo lipídico e são diferenciadas pelas colorações
desenvolver um diagnóstico inicial, e iniciar a terapêutica com base nas álcool-acidorresistentes, e os micoplasmas, que não possuem
diferenças inerentes às bactérias (PFALLER et. al., 7ª ed.). peptidoglicano (PFALLER et. al., 7ª ed.).

As bactérias são fixadas a quente ou deixadas secar sobre uma lâmina, ESPOROS
coradas com cristal violeta, um corante que é precipitado com iodo
Algumas bactérias Gram-positivas, mas nunca as Gram-negativas, tais
(lugol), e em seguida o corante não ligado ou em excesso é removido
como os membros dos gêneros Bacillus (p. ex., Bacillus anthracis) e
por lavagem com descorante, à base de acetona, e água. Um
Clostridium (p. ex., Clostridium tetani ou botulinum) (bactérias do solo),
contracorante vermelho, a safranina, é adicionado para corar as células
são formadoras de esporos. Sob condições ambientais adversas, como
descoradas. Este processo leva menos de 10 minutos. (PFALLER et. al.,
a privação de requerimento nutricional, essas bactérias podem ser
7ª ed.).
convertidas de um estado vegetativo a um estado dormente, ou
esporos (PFALLER et. al., 7ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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A localização do esporo dentro da uma célula é uma característica das geneticamente, o que explicará por que somente uma
bactérias e pode ajudar na sua identificação (PFALLER et. al., 7ª ed.). mínima porção (1% a 2%) dos portadores da faringite
Febre Reumática estreptocócica desenvolverá FR (RACHID, 2003).

↠ A febre reumática é uma doença de natureza Epidemiologia da FR


autoimune de reação cruzada, desencadeada pela ↠ A faringoamigdalite e o impetigo representam as
resposta do hospedeiro suscetível após faringotonsilite, infecções mais frequentemente causadas pelo
causada por Streptococcus ß-hemolítico do Grupo A estreptococo beta-hemolítico do grupo A (EBGA),
(FIGUEIREDO et. al., 2019). responsável por 15 a 20% das faringoamigdalites e pela
↠ A febre reumática é a principal causa de doença quase totalidade daquelas de origem bacteriana. Infecções
cardíaca adquirida nas crianças e jovens adultos em todo causadas por EBGA ocorrem em centenas de milhões de
o mundo. Iniciada por uma infecção faríngea aos pessoas, resultando em mais de 500.000 mortes/ano e
estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (EGA) e contribuindo para problemas de saúde pública em todo o
seguida de um período latente de aproximadamente 2 a mundo (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
3 semanas, essa doença caracteriza-se por uma ↠ É uma doença que predomina na idade pediátrica,
inflamação aguda do coração, articulações, pele, tecido entre 5 a 15 anos, sendo a média de idade de 10 anos.
subcutâneo e sistema nervoso central (BRAUNWALD, 10ª Apenas em 20% dos casos ocorre em adultos. É muito
ed.). rara antes dos três anos e depois dos 23 anos. Existe
↠ O processo inflamatório causa lesão nas fibrilas de certa predisposição genética. Além disso, é mais
colágeno e na substância principal do tecido conjuntivo (i. frequente em ambientes desfavoráveis caracterizados
e., degeneração fibrinoide), e, assim, a febre reumática é por pobreza, acesso restringido aos serviços de saúde e
classificada como uma doença do tecido conjuntivo ou má nutrição (PEIXOTO et. al., 2011).
uma doença do colágeno vascular (BRAUNWALD, 10ª ed.). ↠ De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
OBS.: É o seu efeito destrutivo nas valvas cardíacas que leva a sequelas Estatística (IBGE), o Brasil tem 10 milhões de casos de
crônicas da doença (i. e., doença cardíaca reumática), com distúrbios faringotonsilite a cada ano, levando a aproximadamente
hemodinâmicos graves que causam insuficiência cardíaca, assim como 30.000 casos de febre reumática aguda (FRA)
outras complicações, como o acidente vascular (AVC) e a endocardite
(FIGUEIREDO et. al., 2019).
infecciosa (BRAUNWALD, 10ª ed.).
↠ Cerca de 70% dos pacientes com FRA evoluem para
Etiologia da FR
cardite, e um terço das cirurgias cardiovasculares
↠ O desenvolvimento da FR está associado à infecção realizadas no Brasil são decorrentes de sequelas da
de orofaringe pelo EBGA, principalmente em crianças e doença reumática cardíaca (DRC) (FIGUEIREDO et. al.,
adolescentes. Fatores ambientais e socioeconômicos 2019).
contribuem para o aparecimento da doença, uma vez
↠ A FRA e a DRC estão incluídas na lista brasileira de
que alimentação inadequada, habitação em aglomerados
causas de mortes evitáveis para crianças menores de 5
e ausência ou carência de atendimento médico
anos e para a faixa etária de 5 a 75 anos. As causas de
constituem fatores importantes para o desenvolvimento
morte evitáveis ou redutíveis são definidas como aquelas
da faringoamigdalite estreptocócica (DIRETRIZ, 2008).
total ou parcialmente evitáveis por ações efetivas dos
Uma incidência maior de FR foi observada em populações junto a serviços de saúde, acessíveis em um determinado local e
áreas com aglomeração, como barracas militares, devido à alta tempo (FIGUEIREDO et. al., 2019).
virulência e à transmissão rápida (PORTH, 10ª ed.).
Embora a FR e a CR sejam raras nos países desenvolvidos, ainda são
↠ Paralelamente, fatores genéticos de suscetibilidade à problemas de saúde importantes nos países subdesenvolvidos, onde
doença estão diretamente relacionados ao há prevalência de atendimento de saúde inadequado, desnutrição e
desenvolvimento da FR e de suas sequelas (DIRETRIZ, condições de vida em aglomerações (PORTH, 10ª ed.).

2008). ↠ A implementação do tratamento da faringotonsilite


causada pelo Streptococcus ß-hemolítico do Grupo A,
IMPORTANTE: Aceita-se plenamente que o indivíduo
com Penicilina G Benzatina (PGB) em nove dias após o
atingido deverá ter uma suscetibilidade determinada
início dos sintomas, pode erradicar a infecção e evitar um

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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primeiro surto de FR aguda ou um novo surto tropomiosina, queratina, laminina, vimentina).


(FIGUEIREDO et. al., 2019). Funcionalmente antifagocítica, trata-se do principal
antígeno implicado na patogênese da FR. Tem
Fisiopatologia da FR propriedades de superantígeno, sendo capaz de provocar
↠ Para que a FR surja, é preciso haver uma uma reação imunológica exagerada (REUMATOLOGIA, 5ª
faringoamigdalite pelo EBGA (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). ed.).

↠ As toxinas produzidas pela proteína M ativam uma


ESTREPTOCOCO
grande quantidade de células T, resultando em uma
↠ O Streptococcus pyogenes, um patógeno Gram- produção maciça de citocinas pró-inflamatórias. A
positivo que infecta estritamente humanos, é o agente proteína M está ancorada na parede celular e estende-
causador de faringoamigdalite, impetigo e doenças se para a superfície celular. Inibe a deposição de
graves, como fasciíte necrosante. Pode se adaptar a complementos, contribui para adesão às mucosas e é
diversos nichos do corpo humano para obter os codificada pelo gene emm (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
nutrientes necessários, aderir aos tecidos, evadir do
A diferença antigênica da proteína M é a responsável pela classificação
sistema imune e se replicar (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). do estreptococo do grupo A em mais de 200 subtipos. Cerca de um
quarto deles é reumatogênico. Há cinco padrões de diferentes
↠ Essa adaptação ao hospedeiro se dá em virtude das arquiteturas cromossômicas do gene emm que classificam a proteína
alterações no transcriptoma desses microrganismos em M em A, B, C, D e E, com base na existência e no arranjo dos genes
resposta aos diversos ambientes encontrados in vivo emm e emm-like presentes no genoma de S. pyogenes. Múltiplos tipos
durante uma infecção. O estreptococo pode ser de proteína M indicam que reinfecções são inevitáveis
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
encontrado como colonizador do trato respiratório
superior sem manifestar doença. Em crianças na faixa Os estreptococos com proteína M de padrões A, B e C estão
etária de 5 a 15 anos, as taxas de colonização por esse normalmente associados a infecções de orofaringe; aqueles com o
padrão D são principalmente recuperados de lesões superficiais de
microrganismo podem exceder 30% (REUMATOLOGIA,
pele (impetigo) e o padrão E representa um grupo “generalista”
5ª ed.). relacionado com ambos os sítios de isolamento (REUMATOLOGIA, 5ª
ed.).
↠ A bactéria apresenta uma estrutura bem definida
associada à sua virulência e à sua capacidade de
desenvolver o mimetismo molecular. Sua parte mais
externa consiste em uma cápsula de ácido hialurônico,
que pode não estar presente. Impede a fagocitose e é
mais frequente em cepas “epidêmicas”. Confere uma
aparência mucoide às colônias na placa de cultura. Junto
à cápsula, podem ser encontradas fímbrias, flagelos
imóveis responsáveis pela aderência do estreptococo às
células epiteliais da faringe e um pré-requisito para que
haja infecção. A virulência relacionada com as fímbrias é
determinada pela presença de ácido lipoteocoico e
proteína M em sua estrutura. Abaixo da cápsula de ácido
Seguem-se a membrana citoplasmática e o citoplasma, que contêm antígenos
hialurônico há uma parede celular rígida formada por três implicados na patogênese da coreia e da cardite.
camadas: (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
CAMADA MÉDIA
• Camada externa;
• Camada média; ↠ Formada por um carboidrato que possibilitou a
• Camada interna. classificação sorológica dos estreptococos de A até O.
Mais de 90% dos estreptococos beta-hemolíticos
Camada externa patogênicos para o homem pertencem ao grupo A.
↠ O componente mais importante é a proteína M, uma Somente os estreptococos do grupo A e G conseguem
proteína fibrilar com desenho helicoidal e estrutura sintetizar a proteína M (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
homóloga à das proteínas humanas (miosina cardíaca,

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Camada interna enquanto, no miocárdio, onde há grande número de


células produtoras de IL4, a miocardite é curada após
↠ Composta por um peptideoglicano formado por algumas semanas (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
unidades básicas repetitivas de N-acetilglicosamina e ácido
N-acetilmurâmico. Confere rigidez e dá forma ao ↠ O sistema imune adaptativo desempenha um papel
microrganismo como se fosse sua estrutura esquelética. importante na manutenção e na expansão da inflamação
A penicilina exerce sua ação letal contra o estreptococo, que leva ao dano tecidual. A resposta imune nos pacientes
bloqueando metabolicamente a síntese desse com FR é mais grave e duradoura. Essa reação
peptideoglicano (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). exacerbada, reconhecendo antígenos humanos como
antígenos estreptocócicos (mecanismos de mimetismo
SUSCETIBILIDADE GENÉTICA
antigênico e reação cruzada), representa a essência da
Provavelmente, a suscetibilidade genética é poligênica. Genes resposta imune na FR e é responsável pelas
polimórficos podem codificar proteínas imunológicas associadas à manifestações clínicas (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
suscetibilidade para FRA. Contudo, há diversos genes que codificam
citocinas pró-inflamatórias e regulam a fibrose e calcificação, estando ↠ Assim, o ácido hialurônico da cápsula da bactéria tem
relacionados com o desenvolvimento da cardite (REUMATOLOGIA, 5ª
reação cruzada com a sinóvia e a cartilagem articular. A
ed.).
artrite surge por depósito de imunocomplexos na
O primeiro marcador identificado como fator de suscetibilidade foi membrana sinovial (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
chamado de antígeno 883 (descrito em 1979 por Patarroyo) e estaria
presente em até 75% dos indivíduos com FR. O risco relativo de Hipersensibilidade mediada por imunocomplexos (tipo III)
pessoas com esse marcador apresentarem a FR seria doze vezes
maior que aquelas que não o apresentam (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). Reações por complexos imunológicos ocorrem quando complexos
antígeno-IgM ou antígeno-IgG se acumulam na circulação ou nos
RESPOSTA AUTOIMUNE A AUTOINFLAMATÓRIA tecidos e ativam a cascata do complemento. Os granulócitos são
atraídos ao local da ativação resultando dano em consequência da
↠ A doença é mediada por resposta imune celular e liberação de enzimas líticas de seus grânulos. As reações ocorrem
horas após o desafio com o antígeno. (COICO, 6ª ed.)
humoral e o comportamento clínico e evolutivo se baseia
em mecanismos de hipersensibilidade. A evolução se Em condições normais, os imunocomplexos circulantes constituídos
processa em três fases distintas: infecção estreptocócica; por anticorpos ligados a antígenos estranhos são removidos pelas
células fagocitárias. (COICO, 6ª ed.)
fase intermediária assintomática; e a fase que surge como
uma complicação tardia ligada à formação de anticorpos A fagocitose é facilitada pela ligação das regiões Fc dos anticorpos,
e à ativação da cascata inflamatória (REUMATOLOGIA, 5ª presentes nesses complexos, a receptores de Fc de IgG expressos
sobre as células fagocíticas. (COICO, 6ª ed.)
ed.).
O que acontece quando os mecanismos fisiológicos destinados a
↠ A infecção estreptocócica ativa inicialmente o sistema eliminar os imunocomplexos estão "sufocados" pela grande quantidade
imune inato, responsável pela defesa imediata contra a destes complexos?
infecção, recrutando células imunes para o local da
O resultado é que os imunocomplexos de determinados tamanhos
agressão e promovendo a apresentação dos antígenos podem, inapropriadamente, depositar-se nos tecidos e desencadear
estreptocócicos para as células T. As células B respondem inúmeros acontecimentos patogênicos sistêmicos conhecidos como
produzindo anticorpos do tipo IgG e IgM e ativam as reações de hipersensibilidade do tipo I I. Se esta reação for sistêmica,
células T que incrementarão a produção de citocinas e ela é também conhecida como doença por imunocomplexo sistêmica.
As reações localizadas são também conhecidas como doença por
influenciarão decisivamente o tipo de resposta clínica nos
imunocomplexo localizada. Ambas podem estar associadas com a
pacientes com FR (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). deposição dos imunocomplexos nas articulações, rins, pele, plexo
coroide e artéria ciliar ocular. (COICO, 6ª ed.)
↠ O número aumentado de linfócitos T CD4+ no sangue
periférico de pacientes com cardite está ligado ao O dano tissular causado por esses imunocomplexos varia dependendo
do sítio de localização. Se, por exemplo, o sítio de deposição do
aumento de interleucina 1 (IL1), TNF-alfa e IL2 no soro. No
imunocomplexo for o menisco da articulação, pode ocorrer a
tecido cardíaco de pacientes com cardiopatia reumática destruição das membranas sinoviais e da cartilagem. (COICO, 6ª ed.)
grave, predominam células mononucleares secretoras de
TNF-alfa e interferon gama (IFN-gama, padrão Th1),
enquanto raras células mononucleares infiltrantes das
valvas produzem IL4. Portanto, a baixa produção de IL4
está associada à progressão das lesões valvares na CRC,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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valvas cardíacas são revestidas por tecido endocárdico,


uma camada formada por tecido conjuntivo (colágeno,
proteoglicanos e fibras elásticas) com aspecto
mixomatoso na face atrial (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).

↠ Na cardite reumática, anticorpos reativos ao tecido


cardíaco, por reação cruzada com antígenos do
estreptococo, se fixam à parede do endotélio valvar e
aumentam a expressão da molécula de adesão VCAM I,
que atrai determinadas quimiocinas e favorecem a
infiltração celular por neutrófilos, macrófagos e,
principalmente, linfócitos T, gerando inflamação local,
destruição tecidual e necrose (DIRETRIZ, 2009).
Os nódulos de Aschoff, considerados patognomônicos da doença e
compostos por agregados de células semelhantes a macrófagos e
monócitos, exercem a função de células apresentadoras de antígeno
para as células T. Várias citocinas pró-inflamatórias são produzidas nas
diversas fases evolutivas dos nódulos de Aschoff. Dessa forma, além
da reação cruzada inicial, há apresentação continuada de antígenos no
sítio da lesão, o que amplifica a resposta imune e a ativação de grande
número de clones autorreativos de linfócitos T (DIRETRIZ, 2009).

↠ O carboidrato da camada média reage com o


miocárdio e as valvas, a membrana celular do
estreptococo com o sarcolema miocárdico e com
antígenos do citoplasma de neurônios dos núcleos
caudado e subtalâmico. A cardite se dá por infiltração de
células T nos tecidos cardíacos e a coreia em
consequência de anticorpos que se ligam aos núcleos da
base. Dessa maneira, além da reação cruzada inicial, há
apresentação continuada de antígenos no sítio da lesão,
o que amplifica a resposta imune e a ativação de grande
número de clones autorreativos de linfócitos T
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.).

↠ Ainda, a patogênese da CRC tem características


↠ A produção de citocinas influencia de forma decisiva a
próprias bem marcantes. O anticorpo antiestreptocócico
resposta imune nos pacientes com FR. O número
é citotóxico para as células endoteliais (principalmente o
aumentado de linfócitos T CD4+ no sangue periférico de
endotélio que reveste as válvulas) e para a camada da
pacientes com cardite está ligado ao aumento de IL-1,
membrana basal. A lesão endotelial consiste no primeiro
TNF-a e IL-2 no soro. No tecido cardíaco de pacientes
evento relacionado com o desenvolvimento da CRC. As

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com cardiopatia reumática grave há predomínio de Manifestações Clínicas da FR


células mononucleares secretoras de TNF-a e IFN-.
(padrão Th1), enquanto raras células mononucleares ↠ A FR pode se manifestar como um distúrbio agudo,
infiltrantes das válvulas produzem IL- 4 e citocina recidivante ou crônico. O estágio agudo da FR inclui
reguladora da resposta inflamatória. Portanto, a baixa histórico de uma infecção estreptocócica inicial e
produção de IL-4 está correlacionada com a progressão subsequente envolvimento de elementos do tecido
das lesões valvares na CRC, enquanto no miocárdio, onde conjuntivo do coração, dos vasos sanguíneos, das
há grande número de células produtoras de IL-4, ocorre articulações e dos tecidos subcutâneos (PORTH, 10ª ed.).
cura da miocardite após algumas semanas (DIRETRIZ, ↠ Uma lesão comum a todos, denominada corpo de
2009). Aschoff, consiste em uma área localizada de necrose
OBS.: Com base nesses dados, postula-se que a produção de citocinas tecidual circundada por células imunes. A fase recidivante
direciona para uma resposta celular (Th1), causando quadros de cardite normalmente envolve a extensão dos efeitos cardíacos
grave e sequela valvar e, provavelmente, para uma resposta da doença (PORTH, 10ª ed.).
predominantemente humoral (Th2), que causaria quadro clínico com
coreia e artrite. Essa diferença de resposta é vista também na ↠ A fase crônica da FR é caracterizada pela deformidade
apresentação clínica, pois se observou que apenas 5% dos pacientes permanente das valvas cardíacas e é causa frequente de
com cardite grave cursaram com coreia, enquanto a incidência entre
os pacientes com cardite leve foi de 65% (DIRETRIZ, 2009).
estenose da valva mitral. O surgimento de CR crônica
geralmente demora no mínimo 10 anos, após a crise inicial,
↠ A valvulite aguda evolui de uma endocardite verrucosa mas pode demorar décadas (PORTH, 10ª ed.).
na região mais áspera do folheto, havendo,
histologicamente, edema e inflamação da membrana basal ARTRITE (POLIARTRITE)
do endocárdio. Nessa fase, os folhetos exibem infiltração ↠ Manifestação clínica mais frequente da FRA, ocorre
de células imunológicas, fibrose, neoangiogênese e em 75% dos pacientes. Quando típica, acomete as
posterior calcificação. As áreas de angiogênese estão grandes articulações (joelhos, tornozelos, punhos,
associadas à expressão do fator de crescimento endotelial cotovelos) de forma migratória, surgindo em novas
vascular e à calcificação com presença de células regiões à medida que outras vão se normalizando, sem
osteoblasto like. O endotélio valvular e as áreas qualquer orientação definida de progressão centrífuga ou
perivasculares expressam linfócitos T CD4+ e CD8+ e centrípeta
macrófagos, promovendo um círculo vicioso de
neovascularização, cura e cicatrização com consequente ↠ Atualmente, observa-se com menor frequência esse
proliferação exsudativa. Em seu estágio final, a valva padrão de comportamento, principalmente pela
mostra folhetos firmes e fibróticos com sinais de introdução precoce dos anti-inflamatórios. As pequenas
espessamento pós-inflamatório evoluindo para articulações de mãos e pés, as coxofemorais e a coluna
cicatrização, fibrose, fusão e encurtamento de cervical podem ser afetadas, sendo o último segmento
comissuras, além de encurtamento das cordoalhas. Esses relatado com frequência maior (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
pacientes apresentam estenose potencialmente grave. A
↠ A dor é de grande intensidade e desproporcional aos
valva assume uma forma de funil, cujo orifício lembra uma
demais achados da inflamação, levando à incapacidade
boca de peixe. Essa é a descrição clássica da anatomia da
funcional, uma das características que a diferencia da
estenose mitral
artrite idiopática juvenil (AIJ) (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
Importante: O mimetismo molecular entre a miosina e a proteína M
parece ser um importante fator na reação cruzada humoral e na ↠ A artrite costuma ser mais comum e mais intensa em
imunidade de células T contra o estreptococo do grupo A e o coração. adultos jovens (100% no primeiro surto), quando
Portanto, anticorpos ligados à células T (interação entre linfócitos T e comparada a adolescentes (82%) e crianças (66%). É
B) estão intimamente envolvidos na reação cruzada imunológica com mais sintomática na 1ª semana, podendo persistir de forma
o coração na FR. (RACHID, 2003).
leve por mais 1 ou 2 semanas. A duração em cada
MECANISMOS PATOGÊNICOS (RACHID, 2003) articulação em geral é de 1 a 5 dias (REUMATOLOGIA, 5ª
ed.).
➢ Por ação direta das bactérias;
➢ Por ação tóxica dos produtos deletéricos depositados nos OBS.: O uso de anti-inflamatórios em quadros articulares iniciais
tecidos afetados, a estreptolisina O. prejudica a observação evolutiva da artrite como poliarticular e
➢ Fenômenos de hipersensibilidade e auto-imunidade migratória. Seria interessante, dentro do possível, aguardar 72 h do

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início do quadro articular para definir essas características com clareza. valvares e encurtamento das cordas tendíneas. Em alguns
Manifestações articulares atípicas podem ser observadas em até 47% casos, as bordas ou comissuras dos folhetos valvares se
dos casos, com duração do surto e padrão de resposta aos anti-
inflamatórios não hormonais similares aos das artrites crônicas, o que
fundem, à medida que ocorre a cicatrização (PORTH, 10ª
dificulta o diagnóstico diferencial (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). ed.).

↠ É possível observar monoartrite crônica, com duração OBS.: As características clínicas da endocardite/valvite, sem histórico de
de mais de 3 meses e comportamento aditivo em lugar CR, incluem um sopro holossistólico apical decorrente de regurgitação
mitral, ou um sopro diastólico precoce basal resultante de regurgitação
de migratório. A monoartrite representa uma aórtica. Em pessoas com histórico de CR, uma alteração na
manifestação importante de FRA em população de risco característica desses sopros ou um novo sopro são indicativos de
moderado/elevado, sendo considerada um critério maior cardite reumática aguda (PORTH, 10ª ed.).
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
COREIA
↠ A artrite, na apresentação clássica da FR ou na forma
↠ A coreia de Sydenham é a principal manifestação da
das artrites reativas, evolui para cura em períodos
FR no sistema nervoso central. É observada com mais
variáveis, sem deixar sequelas. Entretanto, em 5% dessas
frequência em meninas e raramente ocorre após os 20
crianças, a artropatia pode evoluir com deformidade e,
anos de idade (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
eventualmente, até mesmo restrição de movimentos.
Recebe o nome de artropatia de Jaccoud e é considerada uma sequela ↠ Tipicamente, seu início é insidioso de irritabilidade, e
rara de surtos repetidos de FR. Caracteriza-se por desvio ulnar,
existem outros problemas comportamentais. A criança
subluxação e deformidade em flexão das articulações
metacarpofalângicas e hiperextensão das interfalângicas proximais aparenta inquietação, chora facilmente, começa a
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.). caminhar desajeitadamente e deixa os objetos caírem. Os
movimentos coreiformes são espasmos espontâneos,
rápidos e despropositados, que interferem nas atividades
voluntárias (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).

↠ A coreia é caracterizada pela presença de


movimentos involuntários, sem propósito e irregulares das
mãos, membros superiores, ombros, pés, membros
CARDITE inferiores, face e tronco, acompanhados de hipotonia e
fraqueza muscular. Os movimentos sem propósito
↠ A mais importante manifestação da FRA é a única que interferem com a atividade voluntária e desaparecem
pode provocar a morte na fase aguda e deixar sequelas. durante o sono. Inicialmente, a coreia pode estar confinada
Ocorre em cerca de 50% dos pacientes. Trata-se de uma à face ou a um membro superior, e algumas vezes pode
pancardite na fase aguda, mas a lesão primária da CRC é ser completamente unilateral (hemicoreia) (BRAUNWALD,
a valvulite que acomete principalmente as valvas mitral e 10ª ed.).
aórtica (REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
↠ Os pacientes também apresentam impersistência
↠ Os principais sinais clínicos consistem em taquicardia, motora por retirarem a língua de forma intermitente e
sopros, cardiomegalia, insuficiência cardíaca congestiva e involuntária quando tentam fazer a protrusão dessa
atrito pericárdico (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). durante 30 segundos (língua caixa-surpresa). A
↠ A cardite manifesta-se principalmente como uma impersistência motora também pode ser demonstrada ao
regurgitação mitral, e menos comumente como pedir-se ao paciente para apertar a mão do examinador.
regurgitação aórtica, ainda que todas as quatro valvas Isso resulta em apertos repetitivos irregulares rotulados
possam estar envolvidas (PORTH, 10ª ed.). como “o sinal da ordenha”. A labilidade emocional é
manifestada por alterações da personalidade com
↠ Durante o estágio inflamatório agudo da doença, as comportamento inapropriado, inquietações, surtos de
estruturas valvares se tornam vermelhas e edemaciadas, raiva ou choro e dificuldades de aprendizagem
e ocorre o desenvolvimento de pequenas lesões (BRAUNWALD, 10ª ed.).
vegetativas nos folhetos valvares. As alterações
inflamatórias agudas progridem gradualmente, até o ↠ É comum haver caretas faciais, e até mesmo a fala
desenvolvimento de um tecido cicatricial fibroso que pode estar afetada. A coreia é autolimitante e
tende a contrair e causar deformidade dos folhetos normalmente evolui em questão de semanas ou meses,

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porém as recidivas não são incomuns. Uma infecção Níveis maiores de 38°C podem ser considerados para população de
estreptocócica anterior pode ser detectada em apenas risco elevado e maiores de 38,5°C para população de baixo risco
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.).
cerca de dois terços dos casos, dificultando o diagnóstico
diferencial (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). Diagnóstico da Febre Reumática

ERITEMA MARGINADO ↠ O diagnóstico da febre reumática é clínico, não


↠ De incidência variável de 5 a 13%, é bastante específico existindo sinal patognomônico ou exame específico. Os
da FRA, com maior frequência nos pacientes com cardite exames laboratoriais, apesar de inespecíficos, sustentam
e nódulos subcutâneos e nos estágios iniciais da doença. o diagnóstico do processo inflamatório e da infecção
Trata-se de lesões maculares, eritematosas, que tomam estreptocócica (DIRETRIZ, 2009).
um aspecto rendilhado com o centro mais claro, não ↠ Os critérios de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram
pruriginosas, não enduradas, indolores, de duração a sua última modificação em 1992 e continuam sendo
transitória e caráter recidivante (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). considerados o “padrão ouro” para o diagnóstico do
↠ Os locais mais comumente acometidos são o tronco primeiro surto da FR (DIRETRIZ, 2009).
e a região proximal dos membros. Não surge na face
(REUMATOLOGIA, 5ª ed.).

NÓDULOS SUBCUTÂNEOS
↠ Raros, com frequência de cerca de 8%, ocorrem
tardiamente e quase exclusivamente nos pacientes com ↠ A divisão dos critérios em maiores e menores é
cardite grave (REUMATOLOGIA, 5ª ed.). baseada na especificidade e não na frequência da
↠ Firmes, indolores e móveis, seu tamanho varia de manifestação. Outros sinais e sintomas, como epistaxe,
alguns milímetros até 1 ou 2 cm. São encontrados nas dor abdominal, anorexia, fadiga, perda de peso e palidez
superfícies extensoras próximas às proeminências ósseas podem estar presentes, mas não estão incluídos entre as
em cotovelos, joelhos, tornozelos, processos espinhosos manifestações menores dos critérios de Jones (DIRETRIZ,
vertebrais, couro cabeludo e fronte. Duram 1 ou 2 2009).
semanas, e raramente mais de 1 mês (REUMATOLOGIA, ↠ A probabilidade de FR é alta quando há evidência de
5ª ed.). infecção estreptocócica anterior, determinada pela
elevação dos títulos da antiestreptolisina O (ASLO), além
da presença de pelo menos dois critérios maiores ou um
critério maior e dois menores (DIRETRIZ, 2009).

↠ Com as sucessivas modificações, os critérios


melhoraram em especificidade e perderam em
sensibilidade devido à obrigatoriedade de comprovação
da infecção estreptocócica. (DIRETRIZ, 2009).

↠ Os critérios de Jones modificados pela American Heart


Association (AHA) em 1992 devem ser utilizados para o
diagnóstico do primeiro surto da doença, enquanto os
FEBRE
critérios de Jones revistos pela OMS e publicados em
Geralmente presente no início da doença, diminui com o passar dos 2004 destinam-se também ao diagnóstico das
dias. Pode durar até 3 semanas e desaparece mesmo sem tratamento.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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recorrências da FR em pacientes com CRC estabelecida comprovada, o diagnóstico de recorrência pode


(DIRETRIZ, 2009). ser baseado em apenas um sinal maior ou em
vários sinais menores ou, simplesmente, em dois
sinais menores pelo critério da OMS.

DIAGNÓSTICO DA FARINGOAMIGDALITE
↠ O isolamento do estreptococo do grupo A em vias
aéreas superiores pode representar uma infecção ou a
condição de portador são. Ressalte-se que apenas nos
casos de infecção ocorre elevação de anticorpos e,
consequentemente, risco de desenvolver FR. Por outro
lado, aproximadamente 30% dessas infecções pelo EBGA
são de manifestações subclínicas (DIRETRIZ, 2009).

↠ O diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica


permite o adequado tratamento antimicrobiano e,
consequentemente, a prevenção primária da FR
(DIRETRIZ, 2009).

↠ Recomenda-se a comprovação laboratorial da infecção


pelo EBGA. A cultura de orofaringe é o “padrão ouro”
para o diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica e
tem sensibilidade entre 90%-95%. Quando comparado à
cultura, o teste rápido para a detecção de antígeno tem
a vantagem da rapidez do resultado e, também, apresenta
sensibilidade de 80% e especificidade de 95%. Diante de
quadro clínico sugestivo de faringoamigdalite
estreptocócica e teste rápido negativo, recomenda-se a
realização de cultura de orofaringe (DIRETRIZ, 2009).

↠ Os testes mais comumente utilizados são a


antiestreptolisina O (ASLO) e a anti- desoxyribonuclease
↠ Uma vez que outros diagnósticos sejam excluídos, a B (anti-DNase). A dosagem dos títulos de ASLO confirma
coreia, a cardite indolente e as recorrências são três apenas a presença de infecção estreptocócica anterior. A
exceções em que os critérios de Jones não têm que ser elevação dos títulos se inicia por volta do 7º dia após a
rigorosamente respeitados: (DIRETRIZ, 2009). infecção e atinge o pico entre a 4a e a 6a semana,
mantendo-se elevada por meses, às vezes até por um
➢ Considerando-se a raridade de outras etiologias ano após a infecção. Recomenda-se a realização de duas
para a coreia, sua presença implica no dosagens de ASLO com intervalo de 15 dias. Tem sido
diagnóstico de FR, mesmo na ausência dos observado que aproximadamente 20% dos pacientes
outros critérios ou da comprovação da infecção com FR não cursam com elevação da ASLO.
estreptocócica anterior; Recomenda-se a utilização dos limites-padrão de cada
➢ Na cardite indolente, as manifestações clínicas laboratório para a análise dos resultados (DIRETRIZ, 2009).
iniciais são pouco expressivas e, quando o
paciente procura o médico, as alterações REAGENTES DE FASE AGUDA
cardíacas podem ser a única manifestação, e os ↠ As provas de atividade inflamatória ou reagentes de
exames de fase aguda, assim como os títulos de fase aguda não são específicas da FR, porém auxiliam no
anticorpos para o estreptococo, podem estar monitoramento da presença de processo inflamatório
normais; (fase aguda) e da sua remissão (DIRETRIZ, 2009).
➢ Nos casos em que o paciente tem história de
surto agudo prévio ou de cardiopatia crônica

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ A velocidade de hemossedimentação (VHS) se eleva recomenda, nas áreas em que a doença é endêmica, a
nas primeiras semanas de doença. Ressalte-se que, na utilização da ecocardiografia para diagnosticar cardite
presença de anemia, a VHS pode estar superestimada, subclínica (DIRETRIZ, 2009).
bem como subestimada, nos pacientes com insuficiência
cardíaca (DIRETRIZ, 2009).

↠ A proteína C reativa (PCR) se eleva no início da fase


aguda e seus valores diminuem no final da segunda ou da
terceira semana. Sempre que possível deve ser titulada,
sendo mais fidedigna que a VHS (DIRETRIZ, 2009).

↠ A alfa-1-glicoproteína ácida apresenta títulos elevados


na fase aguda da doença, mantendo-se elevada por
tempo mais prolongado. Deve ser utilizada para monitorar
a atividade da FR (DIRETRIZ, 2009).

↠ Na eletroforese de proteína, a alfa-2-globulina se eleva ↠ Na fase aguda da doença, a regurgitação mitral é a


precocemente na fase aguda e pode ser utilizada alteração mais frequente. Para se aumentar a
também para o seguimento da atividade da doença especificidade do diagnóstico ecocardiográfico da
(DIRETRIZ, 2009). regurgitação mitral é necessário que alterações valvares
↠ É importante ressaltar que qualquer combinação das morfológicas também estejam presentes. A regurgitação
provas laboratoriais de fase aguda deve ser considerada mitral é causada por dilatação ventricular, dilatação do anel
como apenas uma manifestação menor da FR (DIRETRIZ, mitral e pelo prolapso mitral (DIRETRIZ, 2009).
2009). ↠ A regurgitação aórtica é a segunda lesão mais
frequente, e lesões valvares obstrutivas não ocorrem nos
EXAMES COMPLEMENTARES PARA AVALIAÇÃO DO
episódios iniciais da FR. Espessamento valvar é frequente,
COMPROMETIMENTO CARDÍACO NA FR e têm sido observados nódulos valvares focais que
RADIOGRAFIA DE TÓRAX E ELETROCARDIOGRAMA desaparecem durante a evolução. O diagnóstico da valvite
não deve ser baseado em lesões isoladas do lado direito
↠ Recomenda-se a realização do exame radiológico do do coração (DIRETRIZ, 2009).
tórax para investigação de cardiomegalia e de sinais de
congestão pulmonar. A análise sequencial caracterizando DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
o aumento da área cardíaca fala a favor de atividade ↠ O diagnóstico diferencial da FR deve ser feito com um
reumática, e a presença de congestão pulmonar grande número de doenças (DIRETRIZ, 2009).
caracteriza a cardite grave (DIRETRIZ, 2009).

↠ A respeito do eletrocardiograma, os achados são


inespecíficos, geralmente transitórios e representados
principalmente por taquicardia sinusal, distúrbios de
condução, alterações de ST-T e baixa voltagem do
complexo QRS e da onda T no plano frontal (DIRETRIZ,
2009).
OBS.: Observa-se que em crianças e adolescentes portadores de
cardite, há uma tendência ao alongamento do intervalo QT. Também
foi registrado um aumento na dispersão do QT, assim como sua
redução com a melhora dos sintomas (DIRETRIZ, 2009).

ECOCARDIOGRAMA
↠ Persistência ou agravamento das lesões valvares ao
ecocardiograma poderão ocorrer, mesmo com
regressão dos achados clínicos. Assim, a OMS

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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INVESTIGAÇÕES NO CASO DE SUSPEITA DE FR


RECOMENDAÇÕES PARA TODOS OS CASOS
Contagem de leucócitos
VHS ou PCR
Esfregaço faríngeo antes da administração de antibiótico
para cultura de EGA
Sorologia antiestreptocócica: títulos de antiestreptolisina O
e anti-DNase B
Hemocultura se febril
ECG
RX de tórax
ECO
Braunwald, 10ª ed.

Referências

PFALLER et. al. Microbiologia Médica, 7ª edição. Elsevier.


FIGUEIREDO et. al. Febre reumática: uma doença sem cor.
Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2019.
PEIXOTO et. al. Febre reumática: revisão sistemática.
Revista Brasileira de Clínica Médica, 2011.
COICO, Richard; SUNSHINE, Geoffrey. Imunologia, 6ª
edição. Guanabara Koogan, 2010.
RACHID, A. etiopatogenia da febre reumática. Revista
Brasileira de Reumatologia, 2003.
BONOW et. al. Braunwald Tratado de Doenças
Cardiovasculares, 10ª edição. Elsevier, 2018.
BRAGA et. al. Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico,
Tratamento e a Prevenção da Febre Reumática. Arquivos
Brasileiros de Cardiologia, 2009.
CARVALHO et. al. Reumatologia: Diagnóstico e
Tratamento, 5ª edição. Guanabara Koogan, 2019.
NORRIS. PORTH Fisiopatologia, 10ª edição – Rio de Janeiro:
guanabara Koogan, 2021.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


APG 08 – “COUVE-FLOR?”
1

Objetivos IMPORTANTE: Os agentes causais diferem razoavelmente quanto aos


principais grupos de alto risco. Por exemplo, o Staphylococcus aureus
1- Discutir a etiologia, epidemiologia e os fatores de é o principal agente agressor em usuários de drogas intravenosas,
enquanto a EI em próteses valvares tende a ser causada por
risco da endocardite infecciosa;
estafilococos coagulase-negativos (p. ex., Staphylococcus epidermidis).
2- Debater a fisiopatologia da endocardite infecciosa Além disso, o S. epidermidis foi associado à contaminação em
e suas manifestações clínicas; dispositivos implantáveis e a infecções relacionadas ao atendimento de
3- Explicar o diagnóstico e tratamento da saúde (PORTH, 10ª ed.).
endocardite infecciosa;
↠ O principal fator causador de EI é a contaminação do
4- Explanar as medidas preventivas da endocardite
sangue por microrganismos. A porta de entrada para a
infecciosa;
corrente sanguínea pode ser:
5- Realizar uma breve discussão sobre o
atendimento à saúde da população rural. ➢ uma infecção manifesta;
➢ um procedimento odontológico ou cirúrgico que
Endocardite Infecciosa
causa bacteremia transitória;
DEFINIÇÃO: Endocardite infecciosa é uma doença resultante da ➢ a injeção de uma substância contaminada
colonização de fungos, vírus e principalmente de bactérias causando diretamente no sangue de usuários de drogas
inflamação e danos é uma infecção localizada nos tecidos internos do intravenosas;
coração (endocárdio), bem como estruturas associadas (válvulas) ➢ presença de uma fonte oculta na cavidade oral
(GALVÃO, 2016).
ou no intestino.
↠ A endocardite infecciosa (EI) é uma doença causada
FATORES DE RISCO (PORTO & PORTO)
por microrganismos que se aderem à superfície endotelial
do coração ou sobre algum dispositivo, como eletrodos ➢ Doença valvar (reumática e não reumática);
➢ Cardiopatias congênitas cianóticas (persistência do canal
de marca-passos, desfibriladores implantáveis ou próteses
arterial [PCA], comunicação interventricular [CIV], tetralogia
cardíacas (SOCESP, 5ª ed.). de Fallot, valva aórtica bicúspide);
➢ Prótese valvar;
OBS.: As estruturas mais suscetíveis são as valvas atrioventriculares, ➢ Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva;
podendo também ocorrer no endocárdio dos átrios, ventrículos e ➢ Prolapso da valva mitral com regurgitação;
grandes vasos (SOCESP, 5ª ed.). ➢ Endocardite prévia;
➢ Presença de dispositivos intravasculares e/ou intracardíacos
↠ A lesão endotelial é o primeiro evento para o
(cateteres, fios de marca-passo);
aparecimento da endocardite e ocorre por ➢ Infecção pelo HIV;
turbilhonamento do sangue que ocorre nas valvopatias, ➢ Doença periodontal;
pelas lesões endoteliais causadas por cateteres ou por ➢ Hemodiálise;
lesão bacteriana direta (SOCESP, 5ª ed.). ➢ Usuários de drogas ilícitas intravenosas;
➢ Lesões residuais após cirurgia cardíaca.
↠ A EI é doença complexa e grave, de altas morbidade
Classificação da EI
e mortalidade, com grande espectro de manifestações
clínicas, de diagnóstico e tratamento difíceis, podendo QUANTO À CLÍNICA
cursar com várias complicações cardíacas, sistêmicas,
imunes e vasculares (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Quanto à clínica, a EI é tradicionalmente classificada nos
tipos agudo ou subagudo-crônico, dependendo do início,
Etiologia e Fatores de risco da EI da etiologia e da gravidade da doença. De modo geral, o
início dos casos agudos é rápido e envolve pessoas com
↠ As infecções estafilocócicas recentemente se
valvas cardíacas normais, sadias ou que, eventualmente,
tornaram a causa líder de EI, com os estreptococos e os
apresentam histórico de uso de medicamentos ou drogas
enterococos sendo as duas outras causas mais comuns
intravenosos, ou que se encontram debilitadas (PORTH,
(PORTH, 10ª ed.).
10ª ed.).
↠ Outros agentes causais incluem o grupo denominado
↠ Os casos subagudos-crônicos evoluem ao longo de
HACEK (espécies de Haemophilus, Actinobacillus
meses, em pacientes comumente portadores de
actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis,
anormalidades valvares. O desenvolvimento de cepas de
Eikenella corrodens e Kingella kingae), os bacilos Gram-
microrganismos resistentes a medicamentos, em
negativos e os fungos (PORTH, 10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


2

consequência do uso indiscriminado de antibióticos e do Epidemiologia da EI


aumento da população de imunocomprometidos,
dificultou a classificação dos casos agudos e subagudos- ↠ Pacientes jovens com EI em geral são portadores de
crônicos (PORTH, 10ª ed.). sequela valvar de febre reumática, cardiopatia congênita
ou são usuários de drogas endovenosas. Um maior
CLASSIFICAÇÃO (PORTO & PORTO) número de casos tem sido observado em idosos,
pacientes institucionalizados/hospitalizados e submetidos a
↠ Endocardite em valva natural: Infecção microbiana em
procedimentos invasivos, representando cerca de 35%
valvas naturais normais ou anormais. Pode evoluir de duas
dos casos. A endocardite infecciosa consequente ao
formas:
implante de próteses valvares corresponde cerca de 10 a
➢ Endocardite infecciosa aguda: evolução rápida, com 30% dos casos, acomete 1 a 6 % dos pacientes
toxemia. O óbito pode ocorrer em poucos dias ou semanas. portadores de prótese valvar e afeta igualmente próteses
Em geral é causada por microrganismos mais virulentos
biológicas e mecânicas (SOCESP, 5ª ed.).
(estafilococos, pneumococos, e estreptococos do grupo A).
A infecção pode situar-se em valvas normais. O
↠ Há diferenças geográficas na epidemiologia da EI. Nos
prognóstico é reservado
➢ Endocardite infecciosa subaguda: início insidioso e evolução países em desenvolvimento, como o Brasil, em razão da
mais prolongada. Costuma mimetizar outras doenças alta incidência de portadores de sequela da febre
sistêmicas, pois evolui durante algum tempo com sintomas reumática, cuidado inadequado com a higiene dental e
inespecíficos (febre baixa, sudorese noturna, anorexia, deficiência ao acesso aos sistemas de saúde. Por outro
astenia, calafrios, perda de peso). Mais frequente em
pacientes com lesões valvares preexistentes. Agentes
lado, nos Estados Unidos e na Europa, endocardite em
etiológicos mais comuns: Streptococcus do grupo viridans, pacientes com lesões reumáticas ocorre em menos de
S. mutans, S. mitis, S. mitior, S. sanguis, S. salivarius. Outros 5% dos casos (SOCESP, 5ª ed.).
agentes etiológicos: Streptococcus do grupo D não
enterocócico, S. bovis, enterococos (E. faecalis, E. faecium), ↠ Outros grupos de risco são pacientes idosos,
grupo HACEK (Haemophylus, Actinobacillus, geralmente hospitalizados e com infecções associadas a
Cardiobacterium, Eikenella, Kingella). procedimentos invasivos. Portanto, a endocardite
↠ Endocardite infecciosa em usuários de drogas ilícitas: nosocomial é mais comum nos países desenvolvidos,
Afeta mais frequentemente a valva tricúspide. As enquanto as nações menos desenvolvidas mantêm o
manifestações pulmonares podem dominar o quadro perfil clássico de EI (SOCESP, 5ª ed.).
clínico (dor pleurítica, abscesso pulmonar, hemoptise). Os OBS.: O Brasil está em uma fase de transição e observa-se um padrão
microrganismos mais encontrados são Staphylococcus de infecção endocárdica de países desenvolvidos em grandes hospitais
aureus, Pseudomonas, bacilos gram-negativos e fungos. privados e, ao mesmo tempo, pacientes com a clássica endocardite
estreptocócica nos estratos menos favorecidos da sociedade.
↠ Endocardite infecciosa pós-implante de prótese valvar: Globalmente, a EI é atribuída a procedimentos invasivos (desde acessos
Forma grave que ocorre em paciente com prótese venosos, sobretudo em pacientes em diálise, até biópsias) em quase
25% dos pacientes (SOCESP, 5ª ed.).
biológica ou mecânica. Pode ser precoce (até 60 dias) ou
tardia (após 1 ano). Os germes comumente isolados na ↠ No Brasil, a real prevalência das endocardites não é
forma precoce são o S. aureus e S. coagulose-negativos, conhecida, mas especula-se que possa até ser maior em
mas pode ser causada por outros microrganismos (S. razão do contingente ainda elevado de indivíduos
aureus, bacilos gram-negativos, fungos). Na forma tardia portadores de valvopatia reumática crônica, doença que
predominam germes semelhantes aos encontrados na predispõe à endocardite e cuja prevalência diminuiu de
endocardite infecciosa de valvas naturais. maneira acentuada nos países desenvolvidos (SOCESP, 5ª
ed.).
↠ Endocardite nosocomial: Infecção associada a
internação hospitalar prolongada, procedimentos invasivos ↠ A mortalidade intra-hospitalar atual de pacientes com
e presença de dispositivos intravasculares. Os germes EI é de 15 a 20%, aumentando para até 40%, após 1 ano
mais encontrados são Staphylococcus aureus, do diagnóstico (SOCESP, 5ª ed.).
enterococos e bacilos gram-negativos. Menos de 50%
têm fatores cardíacos predisponentes e cursam com alta
mortalidade.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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degenerativas, como em idosos. Essas degenerações são detectadas


por ecocardiográfias em 50% dos pacientes considerados
assintomáticos, acima de 60 anos, em uma proporção parecida com
pacientes portadores de EI (GALVÃO, 2016).

↠ Geralmente, essa vegetação se desenvolve em


regiões em que o endotélio foi lesado devido a jatos
anormais de sangue, que se formam quando este passa
das câmaras de alta pressão para as câmaras de menor
pressão, produzindo um “efeito jato” que exerce ação
Perfil epidemiológico da endocardite infecciosa em diferentes
continentes.
abrasiva sobre a superfície endotelial provocando
desgaste, como por exemplo, em lesões valvares do tipo
estenose e insuficiência expondo tecido colágeno, o que
REGISTRO MULTICÊNTRICO
desencadeia uma sucessão de eventos fisiopatológicos
Entretanto, um interessante registro multicêntrico prospectivo da EI é como: (GALVÃO, 2016).
a Colaboração Internacional sobre Endocardite (ICE-PCS). Em estudo
produzido com a cooperação de 25 países, incluindo o Brasil, com ➢ a formação de um trombo de fibrina,
impacto significativo sobre o conhecimento da doença, foram avaliados inicialmente asséptico, que tem função de
2.781 pacientes admitidos em 58 hospitais de 25 países, entre 2000 e
reparar o endotélio;
2005. A idade média dos pacientes foi de 57,9 anos, sendo 72% dos
casos em válvula nativa. A maioria (77% dos pacientes) teve ➢ a eventual colonização desse trombo durante
apresentação precoce, dentro de 30 dias, com poucas manifestações um episódio de bacteremia por microrganismos
clínicas. Exposição a cuidados de saúde foi encontrada em 25% dos patológicos; o início de um processo infeccioso
pacientes. O Staphylococcus aureus foi o patógeno mais comum nesse local, criando condições para maior adesão
(31,2%). As valvas mitral e aórtica foram as mais infectadas, com 41,1%
plaquetária, mais deposição de fibrina, e
e 37,6%, respectivamente. As complicações mais comuns foram
insuficiência cardíaca (32,3%), embolização sistêmica (22,6%), AVC eritrócitos e células inflamatórias com o
(16,9%) e abscesso intracardíaco (14,4%). O tratamento cirúrgico foi crescimento da lesão.
realizado em 48,2% dos casos, com mortalidade intra-hospitalar de
17,7% (SOCESP, 5ª ed.).

Fisiopatologia da EI

↠ A endocardite resulta de vários eventos


independentes: (PORTO & PORTO).
➢ bacteriemia transitória;
➢ superfície endocárdica alterada, funcionando
como ponto inicial da infecção;
➢ fluxo sanguíneo turbulento;
➢ depósito de plaquetas e fibrina (trombo estéril);
➢ adesão e proliferação de germes.
IMPORTANTE: Com o depósito progressivo de mais plaquetas, fibrina e
OBS.: As vegetações (lesões características da endocardite) são
microrganismos há crescimento da vegetação. A bacteremia é um
constituídas de plaquetas, fibrina, células inflamatórias e colônias de
fator importante, sendo que o risco de endocardite infecciosa depende
microrganismos (PORTO & PORTO).
da magnitude da bacteremia e da habilidade do patógeno de atuar nas
↠ O endotélio valvular normal é resistente à colonização válvulas lesadas (GALVÃO, 2016).
e infecção por bactérias circulantes, porém quando Uma vez infectadas, essas vegetações continuam a crescer por meio
ocorre à ruptura mecânica do endotélio leva à exposição do depósito adicional de plaquetas e fibrina, fornecendo às bactérias
da matriz extracelular ao depósito de fibrina e plaquetas, um santuário contra os mecanismos de defesa do hospedeiro, como
leucócitos polimorfonucleares e complemento. Consequentemente,
facilitando a aderência bacteriana e causando a infecção uma vez que a infecção se firma, a vegetação infectada continua a
(GALVÃO, 2016). crescer de maneira largamente desimpedida (HAMMER; MCPHEE,
2015).
O dano endotelial pode resultar de lesões mecânicas provocadas pelo
fluxo sanguíneo turbulento, como pelos cateteres intravasculares, Para haver colonização endocárdica e, portanto, para se desencadear
inflamação como na cardite reumática ou por alterações uma endocardite, há necessidade de bacteriemia ou fungemia,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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transitória ou duradoura; estas se originam de infecções em diversos OBS.: Histologicamente, as vegetações são constituídas por inflamação
locais do organismo (cutâneas, urinárias, pulmonares etc.) ou são aguda, com predomínio de neutrófilos e número menor de
secundárias a manipulações dentárias, queimaduras, procedimentos macrófagos e outras células, de permeio a rede de fibrina e produtos
invasivos (hemodiálise, uso prolongado de sondas uretrais e, sobretudo, da destruição tecidual (BOGLIOGO, 10ª ed.).
cateteres intravasculares) ou uso de substâncias injetáveis por usuários
de drogas. Indivíduos nas duas últimas situações constituem grupo de IMPORTANTE: As lesões vegetativas intracardíacas também apresentam
risco para endocardite, sobretudo as do lado direito do coração efeitos locais e sistêmicos a distância. A organização frouxa dessas
(BOGLIOGO, 10ª ed.). lesões possibilita que os organismos e fragmentos da lesão formem
êmbolos, os quais são levados pela corrente sanguínea e causam
embolia cerebral, sistêmica ou pulmonar. Os fragmentos podem se
alojar em vasos de pequeno calibre, causando hemorragias de
pequeno porte, abscessos e infarto tecidual. A bacteremia também
pode iniciar respostas imunes supostamente responsáveis por
manifestações cutâneas, poliartrite, glomerulonefrite e outros
distúrbios imunes (PORTH, 10ª ed.).

↠ Lesões endoteliais inflamadas sem danos valvulares


também podem promover o surgimento dessa doença.
Inflamação local induz células endoteliais a expressar
integrinas do grupo B1 (antígeno tardio). Integrinas são
proteínas transmembrana que podem ligar componentes
extracelulares ao citoesqueleto celular. Essas integrinas ligam
fibronectinas circulantes à superfície do endotélio,
enquanto S. aureus entre outros microrganismos
causadores da EI que possuem o agente ligante da
fribronectina na sua superfície. Consequentemente,
quando ativadas as fibronectinas das células endoteliais,
elas promovem uma superfície adesiva aos patógenos
circulantes, como por exemplo, S. aureus. Uma vez
aderido, ele inicia sua colonização nas células das válvulas
endoteliais, onde o agente pode executar mecanismos de
burlar os mecanismos de defesa do hospedeiro e
antibiótico, bem como se multiplicar e se espalhar para
órgãos distintos (GALVÃO, 2016).
Patógenos clássicos dessa enfermidade compartilham a habilidade de
aderir a válvulas danificadas, ativam fator local de coagulação, e nutrem
vegetações infectadas as quais eles podem sobreviver. Seguindo sua
colonização, necessita escapar dos mecanismos de defesa do
hospedeiro. Bactérias gram positivas são geralmente resistentes.
Contudo, são alvo de proteínas microbicidas plaquetárias (PMPs), as
quais são produzidas por plaquetas ativadas e destroem
microrganismos por desregular sua membrana plasmática. Bactérias
encontradas em pacientes com EI são, na maioria das vezes,
resistentes as PMPs (GALVÃO, 2016).

Endocardite infecciosa. Vista da face atrial da valva mitral com grande


vegetação. Espécime de ressecção cirúrgica.

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Endocardite bacteriana. A valva mitral apresenta formações vegetativas


destrutivas que erodiram a margem livre do folheto valvar.

Manifestações Clínicas da EI

Em mais de 80% dos casos, o período de incubação até o início dos


sintomas é de aproximadamente 2 semanas ou menos. Contudo, na
presença de infecção por Candida relacionada, o período de incubação
pode chegar a 5 meses (PORTH, 10ª ed.).

↠ Os pacientes apresentam quadro infeccioso e


septicêmico e, portanto, têm manifestações sistêmicas
em geral exuberantes, como febre, mal-estar, cefaleia,
anorexia, aumento de linfonodos e hepatoesplenomegalia Fundoscopia em paciente com endocardite infecciosa, sendo
(BOGLIOGO, 10ª ed.). observada hemorragia retiniana, com palidez central (mancha de Roth).

Importante: A febre é o principal sintoma da EI e está presente em


cerca de 90% dos casos (SOCESP, 5ª ed.).
↠ Tosse, dispneia, artralgia ou artrite, diarreia e dor
abdominal ou no flanco podem ocorrer como resultado
↠ Em consequência de embolia séptica, podem surgir da embolia sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
necrose e infecções em outros órgãos, com os sinais e
sintomas clínicos correspondentes. Sinais periféricos de ↠ Pode haver o desenvolvimento de insuficiência
endocardite incluem petéquias, nódulos ou pápulas cardíaca congestiva em consequência da destruição da
eritematosas muito dolorosas na polpa dos dedos e nos valva, embolia em artéria coronária ou miocardite, bem
artelhos (nódulos de Osler), hemorragias nas palmas das como de insuficiência renal decorrente da destruição ou
mãos e na planta dos pés (lesão de Janeway) e das toxicidades dos antimicrobianos (PORTH, 10ª ed.).
hemorragias conjuntivais e na retina (manchas de Roth) RESUMO DAS MANIFESTAÇÕES (PORTO & PORTO)
(BOGLIOGO, 10ª ed.).
➢ Manifestações sistêmicas: febre (ausente em cerca de 5 a
Em muitos casos, surgem pequenas petéquias hemorrágicas quando 15% dos casos), anorexia, náuseas e vômitos, perda de
os êmbolos se alojam nos vasos de pequeno calibre da pele, nos leitos peso, sudorese noturna, calafrios, fadiga, astenia, dores
ungueais e nas membranas mucosas. É comum haver hemorragias musculares, artralgias.
lineares (i. e., linhas vermelhas escuras) sob as unhas das mãos e dos ➢ Manifestações neurológicas: cefaleia, rigidez da nuca,
pés (PORTH, 10ª ed.). torpor, delirium, hemiparesia, parestesias, afasia, coma.
➢ Manifestações renais: hematúria
↠ Alguns pacientes têm manifestações de nefropatia ➢ Manifestações cutaneomucosas: petéquias, nódulos de
pela deposição de imunocomplexos nos glomérulos. Osler (pequenas formações nodulares dolorosas na polpa e
Certo número de pacientes desenvolve estado de face lateral dos dedos), hemorragia conjuntival, lesões de
Janeway (máculas eritematosas ou purpúricas, planas e
choque, séptico e/ou cardiogênico, podendo, em alguns
indolores nas regiões palmares, plantares, eminências
casos, ter componente hipovolêmico por causa das tenares e hipotenares das mãos, pontas dos dedos das
hemorragias (BOGLIOGO, 10ª ed.). mãos e superfícies plantares dos artelhos)
➢ Manifestações respiratórias: tosse, dor pleurítica, hemoptise
➢ Manifestações cardíacas: dispneia, ortopneia, dispneia
paroxística noturna, mudanças das características dos
sopros cardíacos, atrito pericárdico

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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➢ Manifestações abdominais: dor abdominal, esplenomegalia,


hepatomegalia
➢ Manifestações oculares: manchas de Roth no fundo de olho.

Diagnóstico da EI

↠ A EI continua a impor desafios importantes ao


diagnóstico e ao tratamento, apesar dos avanços a
respeito da sua epidemiologia e microbiologia. O
diagnóstico de EI não pode ser obtido com um único
exame, e inclui a consideração das características clínicas,
laboratoriais e ecocardiográficas (PORTH, 10ª ed.).

EXAMES LABORATORIAIS
↠ Os exames laboratoriais mostram com maior Imagem de ecocardiograma transtorácico mostrando vegetação em
face atrial da valva mitral.
frequência um hemograma com leucocitose e desvio de
células jovens para esquerda e aumento de provas
inflamatórias (proteína C-reativa e velocidade de ↠ Para auxiliar no frequentemente difícil diagnóstico de
hemossedimentação) (SOCESP, 5ª ed.). endocardite infecciosa, foram criados critérios, chamados
de critérios de Duke, subsequentemente modificados
↠ A hemocultura permanece como procedimento (BOGLIOGO, 10ª ed.).
diagnóstico mais definitivo e é essencial para direcionar o
tratamento (PORTH, 10ª ed.). Devem ser coletadas com técnica Critérios maiores são:
asséptica três amostras de hemoculturas puncionadas em veia
➢ cultura positiva para microrganismos típicos de
periférica de locais diferentes e antes do início dos antibióticos. A
bacteriemia da EI é contínua, portanto não há necessidade de se colher endocardite ou culturas persistentemente
as hemoculturas em vigência de febre (SOCESP, 5ª ed.). positivas a despeito de terapêutica
antimicrobiana;
↠ A análise da urina pode mostrar hematúria, proteinúria ➢ vegetações valvares, nova insuficiência valvar,
e até mesmo piúria causada pelas alterações imunológicas abscessos intracardíacos ou deiscência de
da endocardite sobre os rins (SOCESP, 5ª ed.). prótese valvar detectada por ecocardiografia;
➢ cultura positiva para Coxiella burnetti ou título de
ECOCARDIOGRAMA
anticorpos IgG anti-fase 1 ≥ 1:800.
↠ O ecocardiograma é a técnica primária para detecção
Critérios menores são:
de formações vegetativas e complicações cardíacas
resultantes da EI, constituindo uma ferramenta importante ➢ condições predisponentes;
no diagnóstico e no tratamento da doença (SOCESP, 5ª ➢ febre (T: >38ºC);
ed.). ➢ sequelas vasculares de endocardite (eventos
embólicos);
↠ O ACC e a AHA recomendam a realização de um
➢ deficiência imunitária;
ecocardiograma em todas as pessoas com suspeita de EI.
➢ culturas positivas para microrganismos menos
Recomenda-se o uso do ecocardiograma transtorácico
típicos de endocardite.
quando há risco inicial baixo ou uma leve suspeita clínica;
e o ecocardiograma transesofágico deve ser utilizado em ↠ O diagnóstico de endocardite envolve a combinação
casos com apresentações clínicas moderada ou de:
altamente suspeitas. Os indivíduos altamente suspeitos
incluem aqueles com próteses valvares, EI anterior, ➢ dois critérios maiores;
doença congênita complexa, insuficiência cardíaca ou ➢ um critério maior e ao menos três menores;
sopro cardíaco de início recente (SOCESP, 5ª ed.). ➢ cinco critérios menores.
OBS.: Quando há um critério maior e um menor, ou três menores, a
endocardite é considerada “possível”.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Tratamento da IE ↠ A escolha do antimicrobiano mais apropriado requer o


conhecimento: (WHALEN, 6ª ed.).
↠ Tem por objetivo identificar e eliminar o
microrganismo causal, minimizar os efeitos cardíacos ➢ da identificação do microrganismo;
residuais e tratar o efeito patológico da embolia. A escolha ➢ da suscetibilidade do organismo com relação a
da terapia antimicrobiana depende do organismo cultivado um fármaco em particular;
e da sua ocorrência em uma valva nativa ou prótese ➢ do local da infecção;
valvar (PORTH, 10ª ed.). ➢ de fatores do paciente;
➢ da segurança do fármaco;
↠ A terapia é normalmente longa e por via parenteral ➢ do custo do tratamento.
(SOUSA; PINTO, 2022).
OBS.: Entretanto, alguns pacientes precisam do tratamento empírico
↠ Além de antibioticoterapia, a cirurgia pode ser (administração imediata do(s) fármaco(s) antes da identificação
necessária em casos de infecção sem resolução, bacteriana e dos testes de suscetibilidade) (WHALEN, 6ª ed.).
insuficiência cardíaca grave e embolia significativa (PORTH,
LOCAIS DE AÇÃO DOS ANTIMICROBIANOS
10ª ed.).
↠ Os antimicrobianos podem ser classificados de várias
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO formas: (WHALEN, 6ª ed.).
↠ Deve ser iniciado de imediato, logo após obtenção de
➢ Por sua estrutura química (p. ex., beta-lactâmicos
hemoculturas, nos casos graves, instáveis, sem condições
ou aminoglicosídeos);
clínicas para aguardar resultado das hemoculturas ou
➢ Por seu mecanismo de ação (p. ex., inibidores da
naqueles cujas hemoculturas foram negativas. Optar por
síntese da parede celular);
um esquema terapêutico levando em conta o agente
➢ Por sua atividade contra tipos particulares de
etiológico mais provável (PORTO & PORTO).
microrganismos (p. ex., bactérias, fungos ou
Estreptococos do grupo viridans e S. bovis sensíveis à penicilina vírus).
➢ 1ª opção: benzilpenicilina cristalina.
➢ 2ª opção: ceftriaxona.
➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina.

Enterococos e estreptococos resistentes à penicilina

➢ Benzilpenicilina cristalina ou ampicilina + gentamicina.


➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina.

Estafilococos

➢ Oxacilina.
➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina no lugar da
oxacilina.

Estafilococos resistentes à meticilina


ANTIMICROBIANOS INIBIDORES DA PAREDE CELULAR

➢ Vancomicina. ↠ Alguns antimicrobianos interferem seletivamente na


síntese da parede celular bacteriana – uma estrutura que
Bactérias do grupo HACEK as células dos mamíferos não possuem (WHALEN, 6ª ed.).
➢ 1ª opção: ceftriaxona.
➢ 2ª opção: ampicilina + gentamicina. ↠ Os inibidores da síntese de parede celular apresentam
eficácia máxima quando os microrganismos estão se
Pacientes portadores de prótese valvar proliferando. Eles têm pouco ou nenhum efeito em
➢ Estafilococos sensíveis à meticilina: oxacilina + rifampicina, + bactérias que não estejam crescendo e se dividindo
gentamicina. (WHALEN, 6ª ed.).
➢ Estafilococos resistentes à meticilina: vancomicina +
rifampicina + gentamicina. ↠ Os antimicrobianos que interferem na síntese da
parede celular são: (WHALEN, 6ª ed.).
ANTIMICROBIANO
➢ Penicilinas;

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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➢ Cefalosporinas; USO PROFILÁTICO DE ANTIMICROBIANOS


➢ Carbapenemos;
➢ Outros antimicrobianos. ↠ Certas situações clínicas, como procedimentos
PENICILINAS dentários e cirurgias, exigem o uso de antimicrobianos
para prevenir as infecções, em vez de combatê-las. Como
MECANISMO DE AÇÃO: interferem na última etapa da síntese da parede o uso indiscriminado dos antimicrobianos pode resultar em
bacteriana (transpeptidação ou ligações cruzadas), resultando em
exposição da membrana osmoticamente menos estável. Então pode
resistência e superinfecção, o uso profilático é limitado a
ocorrer lise celular, seja pela pressão osmótica, seja pela ativação de situações clínicas, nas quais o benefício supera os riscos.
autolisinas (WHALEN, 6ª ed.). A duração da profilaxia deve ser intimamente monitorada,
para prevenir o indesejável desenvolvimento de
ANTIMICROBIANOS INIBIDORES DA SÍNTESE PROTEICA resistência ao antimicrobianos (WHALEN, 6ª ed.).
↠ Muitos antimicrobianos exercem seu efeito
antimicrobiano agindo nos ribossomas bacterianos e
inibindo a síntese proteica das bactérias. Os ribossomas
bacterianos diferem estruturalmente dos ribossomas
citoplasmáticos dos mamíferos e são compostos de
subunidades 30S e 50S (os ribossomas de mamíferos
têm subunidades 40S e 60S) (WHALEN, 6ª ed.).

↠ Em geral, a seletividade pelos ribossomas bacterianos


minimiza potenciais consequências adversas resultantes
da interrupção da síntese proteica nas células do
hospedeiro mamífero (WHALEN, 6ª ed.).

TRATAMENTO CIRÚRGICO
↠ O tratamento cirúrgico é indicado: (PORTO & PORTO).
➢ Quando falha o tratamento farmacológico,
particularmente nos portadores de prótese
valvar com infecção precoce e nos pacientes
que desenvolvem insuficiência cardíaca ↠ A antibioticoprofilaxia está recomendada para
refratária. pacientes de alto e médio risco, antes de procedimentos
➢ Nos casos de endocardite complicada por odontológicos invasivos que estimulam sangramento
perfuração de cúspide valvar, ruptura de (CINTRA, 2015).
cordoalha, abscesso de anel e múltiplos episódios
embólicos.
➢ Em infecções em que há dificuldade de
erradicação do germe com antibióticos (fungos
e Pseudomonas aeruginosa).

Medidas Preventivas da EI

↠ A cavidade bucal abriga em seu interior uma variedade


de espécies bacterianas, e algumas delas estão
relacionadas à bacteriemia, que é a presença de
microrganismos na corrente sanguínea. Qualquer quebra
na barreira da mucosa oral coloca o ambiente interno do
corpo em contato com um elevado grau de
contaminação, resultando na penetração de
microrganismos no sangue (CINTRA, 2015).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Política Nacional de Saúde Integral das Populações do


Campo e da Floresta (PNSIPCF), considerada um avanço
para a garantia do direito e do acesso à saúde no SUS
(SOARES et. al., 2020).

↠ No contexto de saúde da população rural, a Unidade


de Saúde da Família (USF) torna-se o principal serviço
utilizado pela maioria dos moradores. Contudo, a oferta
dos serviços nessas unidades é reduzida, isto é, muitas
vezes, não é capaz de suprir as demandas da população
adstrita (MAGALHÃES et. al., 2022).

↠ Contudo, as carências encontradas na atenção básica


rural, comprometem os atendimentos na unidade, uma
vez que sua estrutura física se torna um empecilho para
o acesso de pacientes com deficiência física, muitas vezes
diante da ausência de rampas de acesso, pisos
inapropriados e portas sem largura ideal, o que deixam os
usuários desconfortáveis por precisarem do auxílio de
familiares ou profissionais para conduzi-los. Devido ao
comprometimento da mobilidade e agilidade física dos
idosos, esta estrutura também os deixa mais susceptíveis
ao risco de queda e lesões, trazendo assim danos para
sua saúde (MAGALHÃES et. al., 2022).

MEDIDAS GERAIS DE PREVENÇÃO DE EI ↠ Percebe-se que para a maioria dos usuários, o primeiro
CARDIOPAPERS obstáculo para acessar os serviços de saúde, na zona
Higiene oral e cutânea rigorosa; rural, (seja indo até a unidade, ou recebendo visitas dos
Desinfecção de feridas; profissionais) consiste em falta de algo essencial, o
Evitar automedicação de antibióticos;
transporte oportuno. Por conta disso, seguem-se diversas
Medidas de prevenção de infecções para qualquer
procedimento de risco; dificuldades, desde estruturais a organizacionais, que
Limitar cateteres de infusão ou procedimentos invasivos, impactam diretamente no processo saúde-doença dessa
quando possível. população (MAGALHÃES et. al., 2022).

↠ Em relação ao acesso aos serviços de saúde, mesmo


Atendimento à saúde da população rural após o seu processo de descentralização, pode-se notar
barreiras enraizadas, as quais vão desde a falta de
↠ Apesar dos avanços da APS, sobretudo na ampliação transporte, longas distâncias até as unidades de saúde, até
da cobertura da Estratégia Saúde da Família e no acesso a baixa renda e, consequente impossibilidade de recorrer
da população aos serviços de saúde, permanece o mais aos serviços de forma preventiva, o que denota que
desafio de garantir o direito e o acesso à saúde da os fatores socioeconômicos continuam como fortes
população rural (SOARES et. al., 2020). condicionantes e determinantes da saúde (MAGALHÃES
↠ Estudos apontam que, quando comparada à população et. al., 2022).
urbana, a situação de saúde da população rural é mais ↠ Os problemas de cunho estrutural e organizacional,
precária, com baixa cobertura de saneamento básico como a falta de recursos materiais e humanos para
(32,8%) e maior parte da população (67,2%) captando atenderem de forma oportuna e em tempo hábil as
água sem tratamento ou com condições insalubres, o que demandas da população, marcam um problema contínuo
impacta no número de doenças de veiculação hídrica, de carência de investimentos para o setor saúde,
parasitoses intestinais e diarreias (SOARES et. al., 2020). principalmente para o SUS. Esses fatores, portanto,
↠ Visando à diminuição das iniquidades em saúde corroboram para a baixa adesão aos serviços e,
relacionadas à população rural, foi publicada, em 2014, a consequentemente, continuidade do modelo curativista,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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onde o indivíduo procura o serviço em um momento de


emergência para tratar um problema já instaurado
(MAGALHÃES et. al., 2022).

IMPORTANTE: Entende-se que valorizar a integralidade do


cuidado, olhando para o território, ouvindo as expressões
populares, compreendendo os valores das pessoas e de
suas necessidades de saúde, torna-se relevante nas ações
dos profissionais de saúde que atuam nesse contexto.
Essa construção contribui para alargar espaços dialógicos
com as comunidades, inserindo e fortalecendo as ações
de saúde, de promoção e prevenção (LIMA et. al., 2019).

Referências

PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na


Prática Diária. Grupo GEN, 2015.

FILHO, Geraldo B. Bogliolo – Patologia, 10ª edição. Grupo


GEN, 2021.
NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia, 10ª edição.
Grupo GEN, 202.
JATENE, Ieda B.; FERREIRA, João Fernando M.; DRAGER,
Luciano F.; et al. Tratado de cardiologia SOCESP, 5ª
edição. Editora Manole, 2022

HAMMER, Gary D.; MCPHEE, Stephen J. Fisiopatologia da


doença. Grupo A, 2015.
GALVÃO, J. L. F. M. Endocardite infecciosa: uma revisão
do microrganismo ao tratamento. Trabalho de Conclusão
de Curso, João Pessoa, 2016.
SOUSA; PINTO. Endocardite infecciosa: ainda mais
desafios que certezas. Arquivos Brasileiro de Cardiologia,
2022.

CINTRA, J. N. Risco de endocardite bacteriana no


tratamento endodôntico. Revista Investigação Saúde, 2015.
SOARES et. al. Cuidado em saúde às populações rurais:
perspectivas e práticas de agentes comunitários de
saúde. Revista de Saúde Coletiva, 2020.
MAGALHÃES et. al. Acesso à saúde e qualidade de vida
na zona rural. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento,
2022.
LIMA et. al. Necessidades de saúde da população rural:
como os profissionais de saúde podem contribuir? Saúde
debate, 2019.
WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto
Alegre: Artmed, 2016.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


Doenças Pericárdicas APG 09 – “PRECE MAMOMETANA” 1

Objetivos pode se tornar prolongada e se autoperpetuar (ABBAS,


9ª ed.).
1- Abordar o papel do sistema imunológico nas
doenças autoimunes; FATORES QUE CONTRIBUEM PARA AS DOENÇAS AUTOIMUNES
2- Discutir a etiologia e a epidemiologia das doenças
↠ Os fatores que contribuem para o desenvolvimento
pericárdicas;
da autoimunidade são a suscetibilidade genética e os
3- Debater sobre a fisiopatologia e as
desencadeadores ambientais, como infecções e lesão
manifestações clínicas das doenças pericárdicas;
tecidual local (ABBAS, 9ª ed.).
4- Explicar como é feito o diagnóstico das doenças
pericárdicas. ↠ Genes de suscetibilidade podem quebrar os
mecanismos de autotolerância, enquanto a infecção ou
Doenças autoimunes
necrose nos tecidos promovem o influxo de linfócitos
OBS.: Em todos os indivíduos, existe um certo grau de reconhecimento autorreativos e a ativação dessas células, resultando em
do próprio. Na verdade, é necessário que as células T sejam lesão tecidual (ABBAS, 9ª ed.).
selecionadas positivamente no timo para o reconhecimento do MHC
próprio. Além disso (exceto em indivíduos com imunodeficiência
profunda), as células B autorreativas e as células T reativas aos
peptídios + MHC próprios são detectáveis na circulação de todos os
seres humanos, assim como os autoanticorpos (ROITT, 13ª ed.).

↠ As doenças autoimunes podem ser sistêmicas ou


órgão-específicas dependendo da distribuição dos
autoantígenos que são reconhecidos. Por exemplo, a
formação de imunocomplexos circulantes compostos de
autoantígenos e anticorpos específicos tipicamente produz doenças
sistêmicas, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES). Ao contrário,
respostas de autoanticorpos ou de células T contra autoantígenos
com distribuição tecidual restrita levam a doenças órgão-específicas,
como a miastenia grave, diabetes tipo 1 (T1D, do inglês, type 1 diabetes)
e esclerose múltipla (ABBAS, 9ª ed.).

↠ Vários mecanismos efetores são responsáveis pela


lesão tecidual em diferentes doenças autoimunes. Esses
mecanismos incluem imunocomplexos, autoanticorpos
circulantes e linfócitos T autorreativos. As características
clínicas e patológicas da doença geralmente são
determinadas pela natureza da resposta autoimune
dominante (ABBAS, 9ª ed.).

↠ Doenças autoimunes tendem a ser crônicas, A maioria das doenças autoimunes é decorrente de traços poligênicos
progressivas e de autoperpetuação. As razões para essas complexos nos quais os indivíduos afetados herdam polimorfismos
genéticos múltiplos que contribuem para a suscetibilidade à doença.
características são que os autoantígenos que Esses genes agem em conjunto com os fatores ambientais para
desencadeiam essas reações são persistentes e, uma vez causarem as doenças (ABBAS, 9ª ed.).
que a resposta imunológica se inicia, muitos mecanismos
de amplificação são ativados e perpetuam essa resposta ↠ Infecções e lesão tecidual também podem alterar a
(ABBAS, 9ª ed.). forma como os autoantígenos são exibidos para o
sistema imune, levando à falha da autotolerância e à
↠ Adicionalmente, uma resposta iniciada contra um ativação dos linfócitos autorreativos. Outros fatores como
autoantígeno que lesiona tecidos pode resultar na mudanças no microbioma do hospedeiro e alterações epigenéticas nas
liberação e alteração de outros antígenos teciduais, na células imunes podem desempenhar papéis importantes na
patogênese, mas os estudos sobre esses tópicos estão apenas no
ativação de linfócitos específicos para esses outros
início (ABBAS, 9ª ed.).
antígenos e na exacerbação da doença. Esse fenômeno,
conhecido como propagação do epítopo, pode explicar
por que, uma vez desenvolvida a doença autoimune, esta

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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OUTROS FATORES NA AUTOIMUNIDADE • Defeitos na deleção (seleção negativa) de células T ou B


ou na edição de receptor em células B durante a
➢ Alterações anatômicas em tecidos, causadas por inflamação maturação dessas células nos órgãos linfoides geradores.
(possivelmente secundárias a infecções), lesão isquêmica • Defeitos nos números ou funções de linfócitos T
ou trauma, podem levar à exposição de autoantígenos que reguladores.
normalmente são ocultos ao sistema imunológico. Tais
• Apoptose defeituosa de linfócitos autorreativos maduros.
antígenos “sequestrados” podem não ter induzido
• Função inadequada de receptores de inibição.
autotolerância. Portanto, se forem liberados, esses
autoantígenos previamente ocultos podem interagir com
linfócitos imunocompetentes e induzir respostas imunes
específicas. Exemplos de antígenos anatomicamente
sequestrados, nos chamados tecidos “imunoprivilegiados”,
incluem proteínas intraoculares e do esperma. Acredita-se
que a uveíte e a orquite pós-traumáticas, as quais podem
ser bilaterais mesmo quando o trauma é unilateral, devem-
se a respostas autoimunes contra antígenos próprios que
são liberados de suas localizações normais pelo trauma.
➢ Influências hormonais desempenham um papel em algumas
doenças autoimunes. Muitas doenças autoimunes têm uma
incidência maior em mulheres do que em homens. Por
exemplo, o LES afeta mulheres com uma frequência 10
vezes maior do que os homens. A doença semelhante ao
lúpus em camundongos F1 (NZB × NZW) desenvolve-se
apenas em fêmeas e é retardada pelo tratamento com
hormônios andrógenos. Não se sabe se essa predominância
em fêmeas resulta da influência dos hormônios sexuais ou
de outros fatores relacionados com o gênero.
➢ Exibição anormal de autoantígenos: Esse tipo de
ANORMALIDADES IMUNOLÓGICAS QUE LEVAM À anormalidade pode incluir a expressão
AUTOIMUNIDADE aumentada e a persistência de autoantígenos
que são normalmente removidos, ou alterações
↠ As principais anormalidades desse tipo são: (ABBAS,
estruturais nesses antígenos resultantes de
9ª ed.).
modificações enzimáticas, de estresse ou lesão
➢ Autotolerância defeituosa: Eliminação ou celular. Se essas alterações levarem à exibição
regulação inadequadas das células T ou B, de epítopos antigênicos que normalmente não
levando ao desequilíbrio entre ativação e estão presentes, o sistema imune pode não ser
controle de linfócitos, é a causa subjacente a tolerante a esses “neoantígenos”, permitindo
todas as doenças autoimunes. O potencial para dessa forma o desenvolvimento de respostas
autoimunidade existe em todos os indivíduos, contra o próprio.
porque algumas das especificidades geradas ➢ Inflamação ou uma resposta imune inata inicial:
aleatoriamente nos clones de linfócitos podem A resposta imune inata é um forte estímulo para
ser para autoantígenos, e muitos autoantígenos a ativação subsequente de linfócitos e para a
estão prontamente acessíveis aos linfócitos. geração de respostas imunes adaptativas.
Infecções ou danos celulares podem elicitar
A tolerância a autoantígenos é normalmente mantida por meio de
reações imunes inatas locais com inflamação.
processos de seleção que previnem a maturação de alguns linfócitos
específicos para autoantígenos e de mecanismos que inativam ou Essas reações podem contribuir para o
deletam linfócitos autorreativos que amadurecem. A perda da desenvolvimento de doença autoimune, talvez
autotolerância pode ocorrer se os linfócitos autorreativos não forem pela ativação das APCs, a qual se sobrepõe aos
deletados ou inativados e se as APCs forem ativadas de tal maneira mecanismos reguladores e resulta em ativação
que autoantígenos sejam apresentados ao sistema imune de forma
imunogênica (ABBAS, 9ª ed.). excessiva da célula T.

Modelos experimentais e estudos limitados em humanos mostram que


qualquer um dos mecanismos a seguir pode contribuir para a falha da
autotolerância: (ABBAS, 9ª ed.).

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IMPORTANTE autoantígenos, de modo que respostas


Muito da atenção recente tem convergido para o papel das células T imunológicas a esses microrganismos podem
na autoimunidade, por duas razões principais: (ABBAS, 9ª ed.). resultar em reações contra autoantígenos. Esse
fenômeno chama-se mimetismo molecular,
• Primeiro, as células T auxiliares são os reguladores-chave
de todas as respostas imunes às proteínas, e muitos
porque os antígenos do microrganismo reagem
autoantígenos envolvidos nas doenças autoimunes são cruzadamente, ou mimetizam, os autoantígenos.
proteínas.
Um exemplo de reatividade imunológica cruzada entre antígenos
• Segundo, diversas doenças autoimunes estão
microbianos e autoantígenos é a febre reumática, que se desenvolve
geneticamente ligadas ao MHC (o complexo HLA em
após infecções estreptocócicas e é causada por anticorpos
humanos), e a função das moléculas do MHC é a
antiestreptocócicos que têm reatividade cruzada com proteínas do
apresentação de antígenos peptídicos para as células T.
miocárdio. Esses anticorpos são depositados no coração, causando
A falha da autotolerância em linfócitos T pode resultar em doenças miocardite. O sequenciamento do DNA revelou numerosos trechos
autoimunes, nas quais o dano tecidual é causado por reações imunes curtos de homologias entre as proteínas miocárdicas e proteínas
mediadas por células. Anormalidades nas células T auxiliares também estreptocócicas. Contudo, o significado de homologias limitadas entre
podem levar à produção de autoanticorpos, porque essas células são antígenos microbianos e autoantígenos em doenças autoimunes
necessárias para a produção de anticorpos de alta afinidade contra comuns ainda precisa ser estabelecida (ABBAS, 9ª ed.).
antígenos proteicos (ABBAS, 9ª ed.).

PAPEL DAS INFECÇÕES NA AUTOIMUNIDADE


↠ Infecções virais e bacterianas podem contribuir para o
desenvolvimento e exacerbação da autoimunidade. Em
pacientes e em alguns modelos animais, o surgimento das doenças
autoimunes está frequentemente associado a infecções ou é
precedido pelas mesmas. Na maioria desses casos, o
microrganismo infeccioso não está presente em lesões
nem mesmo é detectável no indivíduo quando a
autoimunidade se desenvolve. Portanto, as lesões da
autoimunidade não se devem ao agente infeccioso por si
só, mas resultam das respostas imunes do indivíduo, que
podem ser desencadeadas ou desreguladas pelo
microrganismo (ABBAS, 9ª ed.).

↠ As infecções podem promover o desenvolvimento da


autoimunidade por meio de dois mecanismos principais:
A, Normalmente, o encontro de uma célula T autorreativa madura com um autoantígeno apresentado
(ABBAS, 9ª ed.). por uma APC em repouso com deficiência de coestimuladores resulta em tolerância periférica por
anergia. (Outros mecanismos possíveis de autotolerância não são mostrados.) B, Microrganismos podem
ativar as APCs para que expressem coestimuladores e quando essas APCs apresentam autoantígenos, as
➢ Infecções de tecidos particulares podem induzir células T autorreativas são ativadas em vez de se tornarem tolerantes. C, Alguns antígenos microbianos
respostas imunológicas inatas locais que podem apresentar reação cruzada com autoantígenos (mimetismo molecular). Portanto, as respostas
imunológicas iniciadas por microrganismos podem ativar células T específicas para autoantígenos.
recrutam leucócitos para os tecidos e resultam
na ativação de APCs teciduais. Essas APCs Doenças Pericárdicas
passam a expressar coestimuladores e secretar
citocinas ativadoras de células T, resultando na ↠ O pericárdio, também denominado saco pericárdico,
quebra da tolerância da célula T. é uma membrana serosa de camada dupla que isola o
coração das outras estruturas torácicas e mantém sua
Assim, a infecção resulta na ativação de células T que não são
específicas para o patógeno infeccioso; esse tipo de resposta é posição no tórax, bem como previne o seu enchimento
denominada ativação bystander. A importância da expressão aberrante excessivo, além de servir de barreira contra infecções
de coestimuladores é sugerida pela evidência experimental de que a (PORTH, 10ª ed.)
imunização de camundongos com autoantígenos na presença de
adjuvantes fortes (que mimetizam microrganismos) resulta na quebra ↠ O pericárdio é composto por duas camadas: uma
da autotolerância e no desenvolvimento de doença autoimune. camada interna fina, denominada pericárdio visceral, que
(ABBAS, 9ª ed.).
está aderida ao epicárdio; e uma camada fibrosa externa,
➢ Microrganismos infecciosos podem conter denominada pericárdio parietal, que está unida aos
antígenos que reagem de maneira cruzada com

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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grandes vasos que entram e saem do coração, do ANOMALIAS CONGÊNITAS


esterno e do diafragma (PORTH, 10ª ed.) Ausência parcial ou total do pericárdio parietal é anomalia muito rara e
O pericárdio visceral está intimamente ligado ao coração, à aorta, à geralmente assintomática. Quando o defeito é pequeno, pode levar à
artéria pulmonar e às veias cavas e permite a fixação do tecido herniação de uma aurícula ou de parte de um ventrículo. Divertículos
adiposo (cujo interior é onde se localizam vasos epicárdicos e fibras do pericárdio são herniações do folheto visceral ou seroso através de
nervosas autonômicas) ao miocárdio. O pericárdio parietal é constituído um defeito no folheto parietal (BOGLIOGO, 10ª ed.).
de colágenos tipos I e I I e elastina, de espessura que varia de 1 a 2
OBS.: A doença pericárdica pode incluir inflamação do pericárdio
mm, portanto mais resistente, e tem importante função de fixar o
(pericardite) ou quantidades anormais de liquido no espaço entre o
coração à cavidade torácica (SOCESP, 5ª ed.).
pericárdio visceral e parietal (derrame pericárdico) (HAMMER;
↠ Essas duas camadas do pericárdio são separadas por MCPHEE).
um espaço virtual, a cavidade pericárdica, que contém Pericardite
aproximadamente 50 mℓ de líquido seroso. Esse líquido
atua como um lubrificante, que evita o desenvolvimento ↠ A pericardite consiste em um processo inflamatório no
de forças de atrito conforme o coração contrai e relaxa. pericárdio. A pericardite aguda, definida por sinais e
Embora conte com um suprimento sanguíneo reduzido, sintomas que resultam de uma inflamação pericárdica
o pericárdio é bem inervado e sua inflamação pode com duração inferior a 2 semanas, pode ocorrer como
causar dor intensa (PORTH, 10ª ed.) uma doença isolada ou como resultado de uma doença
sistêmica (SOCESP, 5ª ed.).
Além disso, o líquido pericárdico teria a função de reservatório de
moduladores parácrinos como prostanoides, peptídeos natriuréticos e OBS.: O termo pericardite aguda é geralmente utilizado para o primeiro
endotelinas, que podem regular os tônus simpático e coronário, a episódio da doença, ao passo que pericardite recorrente refere-se
frequência cardíaca e a pressão arterial (PA), além do possível papel literalmente à recorrência após a remissão inicial, independentemente
imunológico (SOCESP, 5ª ed.). do intervalo de tempo de reaparecimento. Já o termo pericardite
crônica é muito usado para aqueles casos de pericardite de curso
OBS.: O pericárdio não é essencial para a função cardíaca, no entanto
prolongado, arbitrariamente definido como superior a 3 meses
grande acúmulo de líquido pericárdico ou espessamento dessa
(SOCESP, 5ª ed.).
membrana pode causar consequências clínicas significativas (SOCESP,
5ª ed.).
Etiologia da pericardite
↠ Os distúrbios pericárdicos com frequência estão
↠ Em geral, as causas de pericardite aguda podem ser
associados a ou resultam de outra doença no coração ou
subdivididas em infecciosas e não infecciosas. As de
em estruturas adjacentes (PORTH, 10ª ed.)
origem não infecciosa incluem etiologias autoimunes
CLASSIFICAÇÃO DOS DISTÚRBIOS DO PERICÁRDIO (relacionadas à lesão do pericárdio, doença do tecido
INFLAMAÇÃO conectivo e formas autorreativas), neoplásicas, desordens
Pericardite inflamatória aguda; metabólicas e pericardites traumáticas. Os agentes
Infecciosa; infecciosos capazes de causar pericardite incluem vírus,
Distúrbios imunes e do colágeno; bactérias, fungos e parasitas (SOCESP, 5ª ed.).
Febre reumática;
Infarto do miocárdio; ETIOLOGIA DAS PERICARDITES
Cirurgia cardíaca; PERICARDITE INFECCIOSA
Agentes físicos e químicos; Viral: echovírus e coxsackievírus (mais comuns), influenza,
Traumatismo torácico; Epsteins-Barr;
Reações colaterais a medicamentos, como hidralazina, Bacteriana: tuberculose (mais comum);
Fúngica (muito rara): cândida, histoplasma, aspergillus;
procainamida e anticoagulantes.
Parasitária (muito rara): toxoplasma, entamoeba histolytica.
DOENÇA NEOPLÁSICA PERICARDITE NÃO INFECCIOSA
Primária; Autoimune
Secundária (p. ex., carcinoma pulmonar ou mamário, Doenças autoimunes: lúpus eritematoso (mais comum), artrite
linfoma). reumatóide;
DISTÚRBIOS CONGÊNITOS Outras doenças inflamatórias sistêmicas: sarcoidose, doença
Ausência completa ou parcial do pericárdio; inflamatória intestinal;
Doença autoinflamatória: febre familiar do mediterrâneo.
Cistos pericárdicos congênitos. Neoplásica
PORTH, 10ª edição Tumores primários (raros): quase todo mesoteliomas do
pericárdio;
Tumores metastásicos (comuns): quase todos os do pulmão,
mama e linfomas.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Metabólica: mais comuns são uremia e misedema. miocardite/pericardite por milhão no prazo de 21 dias após a vacinação
Traumática em indivíduos com idades compreendidas entre os 12 e 39 anos.
Início tardio
Síndrome de lesão do pericárdio (comum): síndrome pós-infarto O mecanismo fisiopatológico da reação adversa miocardite/pericardite
do miocárdio, síndrome pós-pericardiectomia. também não é totalmente conhecido. Entre os mecanismos propostos
Outras: relacionadas a drogas (raras) estão:
Síndrome lúpus-like: hidralazina, isoniazidaa, fenitoína;
Drogas antineoplásicas: doxorrubicina; ➢ o mRNA da vacina pode ser detectado como um antígeno
Hipersensibilidade com eosinofilia: penicilina, amiodarona, minoxidil. pelo sistema imunológico, o que pode promover a ativação
de células pró-inflamatórias. cascatas e vias imunológicas no
coração;
↠ As infecções virais (especialmente infecções por vírus ➢ reações cruzadas entre anticorpos direcionados a
Coxsackie e ecovírus) são a causa mais comum de glicoproteínas spike do SARS-CoV-2 e sequências de
proteínas humanas estruturalmente semelhantes (por
pericardite e, provavelmente, são responsáveis por
exemplo, cadeia pesada de α-miosina do miocárdio);
muitos casos classificados como idiopáticos (PORTH, 10ª ➢ a testosterona pode estar associada à inibição de células
ed.). imunes anti-inflamatórias e à promoção de respostas
imunes do tipo célula T helper 1 mais agressivas.
OBS.: A pericardite idiopática é a forma mais comum de apresentação
da pericardite aguda, podendo chegar a 85% dos casos. Sabe-se que A miocardite e a pericardite ocorreram até 10 dias após a vacinação,
na grande maioria desses casos a etiologia é viral e, habitualmente, não particularmente após a segunda dose de Comirnaty (Pfizer-BioNTech),
se faz pesquisa viral de rotina na prática clínica devido à relação custo- e mais frequentemente em homens mais jovens. De um modo
benefício (SOCESP, 5ª ed.). positivo, essas reações adversas cardíacas foram em geral transitórios
e desaparecem após o repouso, com apenas alguns doentes a
ARTIGO: Incidência de pericardite pós COVID-19 em pacientes de uma necessitar de tratamento hospitalar.
clínica cardiológica, no período de março a junho de 2020.

O acometimento cardíaco é uma característica proeminente na ↠ No Brasil, certamente a etiologia tuberculosa é muito
infecção por SARS-CoV-2 sendo associada a pior prognóstico. Até superior em relação aos países desenvolvidos,
30% dos pacientes internados infectados pelo vírus podem apresentar
manifestações miocárdicas, representadas principalmente por níveis
principalmente em portadores de imunodeficiência
elevados de troponina I. (SOCESP, 5ª ed.).
A fisiopatogenia da lesão provocada pelo SARS-CoV-2 no miocárdio ↠ As pericardites bacterianas são raras em adultos e
ainda não é completamente conhecida, contudo sabe-se que as células exibem taxa elevada de mortalidade, em torno de 40%.
cardíacas expressam altos níveis de receptor de ECA I , podendo
O acometimento do pericárdio, mais comumente, ocorre
explicar o dano tecidual ao miocárdio.
por extensão direta de uma pneumonia ou empiema.
Nesse contexto, a ocorrência de pericardite em 4 pacientes com Além disso, a via hematogênica durante uma bacteremia
diagnóstico prévio de COVID-19, em um período de 3 meses,
e contaminação após cirurgia torácica ou trauma também
determinando a incidência de 11,8%, representa importante achado no
contexto da pandemia são importantes. Os agentes etiológicos mais comuns são
os estafilococos, pneumococos e estreptococos
No presente estudo foi observado, maior frequência de pericardite no
(SOCESP, 5ª ed.).
sexo feminino A média de tempo decorrido entre a COVID-19 e o
diagnóstico de pericardite, em nosso estudo, foi de aproximadamente ↠ Pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM)
30 dias.
transmural frequentemente são acometidos por
CONCLUSÃO: Resultado de incidência de pericardite, como complicação diferentes formas de pericardite. Em geral, entre o
tardia relacionada à COVID-19. terceiro e o sétimo dia de evolução, quase metade dos
pacientes apresentam inflamação do pericárdio
subjacente à área infartada, podendo se traduzir por dor
ARTIGO: Reações adversas graves das vacinas COVID-19 em Portugal pleurítica ou surgimento de atrito pericárdico, mesmo em
até julho de 2021: síndrome de trombose com trombocitopenia,
miocardite/pericardite e síndrome de Guillain-Barré indivíduos assintomáticos (SOCESP, 5ª ed.).

No geral, a vacinação contra a COVID-19 reduz o risco relativo de ↠ Em pacientes com insuficiência renal, são descritas
miocardite e arritmia múltipla. No entanto, existe uma associação entre duas formas de pericardite: a urêmica e a dialítica. O
miocardite/pericardite e as vacinas de mRNA COVID-19 em crianças e termo pericardite urêmica é utilizado para pericardite que
adultos jovens (com os homens a serem aproximadamente 5-10 vezes
ocorre antes do início da diálise e até 8 semanas após. A
mais afetados do que as mulheres), que deve ser cuidadosamente
monitorizadas pelos profissionais de saúde. Com a segunda dose de incidência é de 6 a 10% em pacientes com insuficiência
vacina contra mRNA, foram notificados 12,6 casos de renal avançada, aguda ou crônica; sua ocorrência está

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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correlacionada com os níveis de ureia e creatinina. Infecções bacterianas podem se iniciar como pericardite fibrinosa,
Metabólitos tóxicos, hipercalcemia, hiperuricemia e transformando-se posteriormente em purulentas. O líquido presente
no saco pericárdico é turvo e contém fibrina, células inflamatórias e
mecanismos hemorrágicos, virais e autoimunes têm sido células mesoteliais. Em geral, não se identifica o agente etiológico
propostos como fatores etiológicos (SOCESP, 5ª ed.). (BOGLIOGO, 10ª ed.)

Epidemiologia da pericardite

↠ Não existem dados epidemiológicos oficiais no Brasil


referentes ao comprometimento pericárdico. Mesmo os
disponíveis na literatura internacional são escassos e
certamente sofrem a influência das características de
cada centro. Os dados referentes a serviços de
emergência mostram que 5% dos pacientes com queixa
de dor torácica nos quais foi afastada insuficiência
coronariana aguda e 1% daqueles com supradesnível de
segmento ST tinham pericardite aguda (DIRETRIZ, 2014).

↠ Quanto ao derrame pericárdico, é mais frequente


quando o comprometimento é por tuberculose ou
neoplasia, e o mesmo acontece em relação ao
tamponamento cardíaco. Já nos casos em que outras
etiologias são responsáveis pelo quadro clínico, a
frequência é menor (DIRETRIZ, 2014).

Fisiopatologia da pericardite

↠ Assim como outras condições inflamatórias, a


pericardite aguda frequentemente está associada ao Pericardite fibrinopurulenta. Pericárdio recoberto difusamente por
exsudato branco-amarelado.
aumento da permeabilidade capilar. Os capilares que
suprem o pericárdio seroso tornam-se permeáveis, Macroscopicamente, o coração fica recoberto por material fibrinoso,
branco-amarelado e friável, que confere à superfície o aspecto de
possibilitando que proteínas plasmáticas, incluindo o
“pão com manteiga” (BOGLIOGO, 10ª ed.)
fibrinogênio, saiam dos capilares e entrem no espaço
pericárdico. Isso resulta em um exsudato que varia em Histologicamente, o pericárdio apresenta graus variados de
espessamento por edema, discreto infiltrado inflamatório e acúmulo de
tipo e quantidade, de acordo com o agente causal
fibrina na superfície. Dependendo da duração do processo, pode haver
(PORTH, 10ª ed.). reparação com deposição de colágeno a partir de tecido de
granulação. Muitas vezes, há proliferação exuberante de células
↠ A pericardite aguda com frequência está associada a mesoteliais reativas. A organização da pericardite pode levar a
um exsudato fibrinoso, o qual cicatriza por resolução ou aderências entre os dois folhetos; quando a fibrose é muito
progride para deposição de tecido cicatricial e formação desenvolvida, origina a pericardite constritiva (BOGLIOGO, 10ª ed.)
de aderências entre as camadas do pericárdio seroso. A Clinicamente, pericardite fibrinosa manifesta-se por dor torácica, febre,
inflamação também pode envolver o miocárdio superficial atrito pericárdico característico à ausculta e, às vezes, sinais de
e a pleura adjacente (PORTH, 10ª ed.). insuficiência cardíaca (BOGLIOGO, 10ª ed.)

↠ O quadro morfológico das pericardites varia de acordo Pericardite fibrinopurulenta ou purulentA


com a causa, mas pode ser agrupado segundo categorias É causada por microrganismos piogênicos, como estafilococos,
etiológicas (BOGLIOGO, 10ª ed.) estreptococos, pneumococos, meningococos e, mais raramente,
fungos (BOGLIOGO, 10ª ed.)
Pericardite fibrinosa ou serofibrinosa
Os agentes atingem o pericárdio por meio de: (BOGLIOGO, 10ª ed.)
É a forma mais frequente de pericardite. Pericardite fibrinosa é causada
sobretudo por infarto do miocárdio, uremia, radiação no tórax, doença ➢ propagação de infecções adjacentes (pneumonias,
reumática, colagenoses e traumatismos; além dessas, uma forma endocardite infecciosa etc.);
muito comum de pericardite fibrinosa é a idiopática, provavelmente de ➢ septicemia;
origem viral (BOGLIOGO, 10ª ed.) ➢ inoculação direta por meio de manipulação cardíaca.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Macroscopicamente, o pericárdio fica recoberto por camada de normalmente é precedida de pródromos infecciosos,
material purulento, de aspecto granular. Microscopicamente, há como febre e mal-estar (SOCESP, 5ª ed.).
infiltrado de neutrófilos, por vezes formando abscessos, em meio a
fibrina e restos celulares na superfície serosa. O encontro do agente ↠ A dor é ventilatório-dependente podendo ser
etiológico é frequente (BOGLIOGO, 10ª ed.)
retroesternal, precordial ou epigástrica; piora em decúbito
PERICARDITE HEMORRÁGICA dorsal, e melhora quando está em pé ou em posição
reclinada para a frente (SOCESP, 5ª ed.).
Encontrada em associação com as pericardites agudas descritas
anteriormente, é aquela caracterizada por componente hemorrágico OBS.: A dor tipicamente piora com a respiração profunda, tosse,
expressivo. As principais causas são tuberculose e infiltração neoplásica. deglutição e alterações posturais, devido às alterações no retorno
Pode, também, ser complicação de cirurgia cardíaca (BOGLIOGO, 10ª venoso e ao enchimento cardíaco (PORTH, 10ª ed.).
ed.)
↠ Em razão da relação com o nervo frênico, a dor irradia
Pericardite granulomatosa
caracteristicamente para a região inferior do músculo
Sua causa principal é a tuberculose, mas pode ser provocada também trapézio. Outros locais de irradiação são ombros, braços
por micobactérias atípicas e fungos, como Histoplasma e Candida. Na
e mandíbula, podendo ser confundida com dor de
tuberculose, são comuns granulomas com necrose caseosa; material
caseoso pode recobrir todo o pericárdio. Também é comum o isquemia miocárdica (SOCESP, 5ª ed.).
encontro do agente infeccioso. Com frequência, evolui para pericardite
constritiva (BOGLIOGO, 10ª ed.) ATRITO PERICÁRDICO

Pericardite constritiva ↠ Ao exame físico, o ruído de atrito pericárdico é


patognomônico de pericardite (HAMMER; MCPHEE).
Pericardite constritiva resulta da cicatrização de uma pericardite prévia.
Caracteriza-se por espessamento fibroso acentuado e aderências
↠ O atrito pericárdico é o achado clássico da pericardite
entre os folhetos visceral e parietal, que restringem os movimentos
cardíacos, principalmente o relaxamento diastólico ventricular e o aguda, no entanto está presente somente em cerca de
esvaziamento das veias cavas nos átrios. Às vezes, coexiste um terço dos casos; é decorrente da fricção dos
calcificação extensa ou em placas. Em alguns casos, essa forma de pericárdios visceral e parietal. Trata-se de um rangido de
pericardite simula clinicamente a endomiocardiofibrose por alta frequência, mais audível ao final da expiração
comprometer o enchimento diastólico dos ventrículos e provocar
dilatação atrial. Praticamente todas as pericardites podem evoluir para
(SOCESP, 5ª ed.).
pericardite constritiva, mas sua causa mais comum é a tuberculose O atrito é descrito tradicionalmente como tendo três componentes,
(BOGLIOGO, 10ª ed.) cada um associado com movimento rápido de uma câmara cardíaca.
O componente sistólico, que provavelmente está relacionado com a
PERICARDITE PÓS-INFARTO DO MIOCÁRDIO E SÍNDROME DE DRESSLER
contração ventricular, é o mais comum e mais facilmente audível.
A proximidade com o miocárdio necrótico pode causar inflamação Durante a diástole, há dois componentes: um durante o início da
fibrinosa no pericárdio logo nos primeiros dias após o infarto do diástole, resultante do enchimento rápido do ventrículo, e outro
miocárdio. O desenvolvimento de pericardite com derrame e febre componente mais silencioso que corre no fim da diástole, podendo
tardiamente, cerca de 2 a 3 semanas após infarto do miocárdio, ser consequência da contração atrial (HAMMER; MCPHEE).
constitui a síndrome de Dressler. Sua patogênese não está
Os componentes diastólicos frequentemente se mesclam, de modo
completamente esclarecida, mas um dos mecanismos inclui reação
que um atrito com dois componentes, ou de “vai e vem”, é ouvido
autoimune contra antígenos miocárdicos (BOGLIOGO, 10ª ed.)
mais comumente (HAMMER; MCPHEE).
Manifestações clínicas da pericardite PERICARDITE CONSTRITIVA

↠ As manifestações da pericardite aguda incluem a tríade Ocasionalmente, a inflamação continua do pericárdio leva à fibrose e
de dor torácica, atrito pericárdico e alterações ao ao desenvolvimento de pericardite constritiva (HAMMER; MCPHEE).
eletrocardiograma (ECG) (PORTH, 10ª ed.). No paciente com pericardite constritiva, o enchimento diastólico inicial
do ventrículo ocorre normalmente, mas é interrompido subitamente
DOR TORÁCICA pelo pericárdio espesso inelástico. A pressão venosa sistêmica está
elevada, porque o fluxo de entrada no coração é limitado. Geralmente,
↠ A dor torácica provavelmente deve-se à inflamação com a inspiração, a diminuição da pressão intratorácica é transmitida
do pericárdio. A inflamação da pleura adjacente pode ser ao coração, e o enchimento do lado direito do coração aumenta com
responsável pela piora característica da dor com uma queda acompanhante na pressão venosa sistêmica. Em pacientes
com pericardite constritiva, essa resposta normal é impedida e o
inspiração profunda e tosse (HAMMER; MCPHEE). paciente desenvolve o sinal de Kussmaul (HAMMER; MCPHEE).
↠ A dor está quase sempre presente (em mais de 85% O exame da pulsação venosa jugular é essencial no paciente que pode
dos casos) com intensidade e duração variáveis e ter pericardite constritiva. A pressão venosa jugular está elevada

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(turgência jugular), e as formas de onda individuais com frequência são ↠ O derrame pericárdico pode ocorrer em resposta a
bastante proeminentes (HAMMER; MCPHEE). qualquer causa de pericardite (HAMMER; MCPHEE). O seu
A pressão venosa sistêmica elevada pode causar acúmulo de líquido desenvolvimento também pode resultar de neoplasias, cirurgia
no fígado e espaço intraperitoneal, levando à hepatomegalia e ascite cardíaca, traumatismo, ruptura cardíaca por infarto do miocárdio e
(HAMMER; MCPHEE). aneurisma aórtico dissecante (PORTH, 10ª ed.).

À ausculta do coração, um som de timbre alto chamado batida ↠ A cavidade pericárdica tem pouco volume de reserva.
pericárdica pode ser ouvido logo depois da segunda bulha cardíaca, A relação pressão-volume entre os volumes pericárdico
frequentemente imitando uma terceira bulha cardíaca (HAMMER; e cardíaco normais pode ser drasticamente afetada até
MCPHEE).
por pequenas quantidades de líquido, na presença de
níveis críticos de derrame. Como as pressões de
enchimento do coração direito são inferiores àquelas do
coração esquerdo, os aumentos na pressão normalmente
se refletem em sinais e sintomas de insuficiência cardíaca
direita que antecedem a equalização das pressões
(PORTH, 10ª ed.).

Fisiopatologia do Derrame Pericárdico e do


Pressões na artéria braquial e no átrio direito mostrando pulso Tamponamento Cardíaco
paradoxal em um paciente com pericardite constritiva e um aumento
na pressão atrial direita à inspiração (sinal de Kussmaul). Tanto a
pressão atrial sistólica quanto a diastólica se eleva com a inspiração. ↠ A quantidade de líquido, a rapidez com que ele se
acumula e a elasticidade do pericárdio determinam o
Derrame Pericárdico e Tamponamento Cardíaco efeito do derrame sobre a função cardíaca (PORTH, 10ª
ed.).
Normalmente, o saco pericárdico contém 20 a 50 mL de líquido
límpido e claro (BOGLIOGO, 10ª ed.). Pequenos derrames pericárdicos podem não produzir sintomas, ou
produzir achados clínicos anormais. Até mesmo um grande derrame
CONCEITOS que se desenvolve lentamente pode causar poucos ou nenhum
sintoma, desde que o pericárdio consiga se distender e evitar a
Hidropericárdio ou derrame seroso é o acúmulo de líquido claro, compressão do coração (PORTH, 10ª ed.).
seroso e rico em albumina provocado por condições que causam
edema; a mais comum é a insuficiência cardíaca. Quando o acúmulo é ↠ Contudo, um acúmulo súbito de até mesmo 200 mℓ
rápido, pode haver tamponamento cardíaco. Contudo, quase sempre
de líquido pode elevar a pressão intracardíaca a níveis
o derrame seroso se forma lentamente, levando à distensão gradual
do saco pericárdico (BOGLIOGO, 10ª ed.). que limitam seriamente o retorno venoso para o coração.
Os sintomas de compressão cardíaca também podem
Efusão quilosa ocorre por obstrução dos vasos linfáticos, geralmente
ocorrer com acúmulos relativamente pequenos de líquido
secundária à invasão neoplásica, resultando em acúmulo de líquido rico
em gotículas de lipídeos. A efusão de colesterol é rara e associa-se em um pericárdio que tenha sofrido espessamento
geralmente a mixedema (BOGLIOGO, 10ª ed.). resultante de formação de tecido cicatricial ou infiltração
neoplásica (PORTH, 10ª ed.).
Hemopericárdio é a coleção de sangue no saco pericárdico. As
principais causas são ruptura da parede ventricular após infarto agudo ↠ O derrame pericárdico pode levar a uma condição
do miocárdio, ruptura da aorta com dissecção para o espaço
pericárdico ou ruptura do coração ou da aorta por traumatismos
denominada tamponamento cardíaco, no qual ocorre
torácicos abertos ou fechados; todas essas condições podem levar ao compressão do coração em consequência do acúmulo
tamponamento cardíaco e, na grande maioria das vezes, ao óbito. de líquido, pus ou sangue no saco pericárdico (PORTH,
Nesses casos, drenagem rápida e cirurgia se fazem necessárias. 10ª ed.).
Quantidades menores de líquido hemorrágico podem acumular-se no
saco pericárdico em diátese hemorrágica ou pericardites (BOGLIOGO, ↠ Quando uma quantidade significativa de líquido se
10ª ed.). acumula e ultrapassa a capacidade de distensão do tecido
Pneumopericárdio é o acúmulo de ar no saco pericárdico. Trata-se de fibroelástico pericárdico, ocorre progressiva compressão
complicação de pneumotórax, caverna tuberculosa ou fístula esofágica de todas as câmaras cardíacas decorrente do aumento
que se abrem no saco pericárdico (BOGLIOGO, 10ª ed.). da pressão intrapericárdica, redução do volume de
↠ O derrame pericárdico se refere ao acúmulo de líquido enchimento cardíaco e maior interdependência
na cavidade pericárdica, normalmente como resultado de ventricular (DIRETRIZ, 2014).
um processo inflamatório ou infeccioso (PORTH, 10ª ed.).

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↠ O desenvolvimento do tamponamento depende da


velocidade de instalação e do fator causal: (DIRETRIZ,
2014).
➢ o tamponamento cardíaco agudo ocorre em
minutos, devido ao trauma, ruptura do coração
e aorta, ou como complicação de
procedimentos diagnósticos e terapêuticos
(biópsias cardíacas, estudo eletrofisiológico,
oclusão de apêndice atrial, oclusores de septo
interatrial etc.), resultando num quadro de
choque;
➢ o tamponamento cardíaco subagudo ocorre
entre dias e semanas e poder estar associado
com dispneia e fadiga.
➢ tamponamento de baixa pressão (oculto) ocorre
em pacientes que estão hipovolêmicos, com
consequente redução da pressão intracardíaca,
favorecendo a compressão extrínseca do
derrame pericárdico.
➢ tamponamento cardíaco regional ocorre quando
um derrame localizado ou um hematoma
produz compressão regional em uma única
câmara.
No tamponamento cardíaco, o ventrículo esquerdo (VE) é comprimido
a partir do seu interior, pelo movimento do septo interventricular, e
↠ A gravidade da condição depende da quantidade de
do seu exterior, pelo líquido no pericárdio. Isso produz uma diminuição
líquido presente e da velocidade com que ele se acumula acentuada no enchimento ventricular esquerdo e no volume sistólico
(PORTH, 10ª ed.). ventricular esquerdo (PORTH, 10ª ed.).

Manifestações Clínicas ↠ Um achado diagnóstico importante é o pulso paradoxal,


ou uma intensificação na variação normal do volume do
↠ Um acúmulo significativo de líquido no pericárdio pulso arterial sistêmico com a respiração. Com o pulso
resulta em aumento do estímulo adrenérgico, que leva à paradoxal, o pulso arterial palpado na artéria carótida ou
taquicardia e ao aumento da contratilidade cardíaca femoral é fraco ou ausente durante a inspiração e se
(PORTH, 10ª ed.). torna mais forte durante a expiração. (PORTH, 10ª ed.).
↠ Ocorre elevação da pressão venosa central (PVC), ↠ Essa estimativa é mais sensível com o uso de um
distensão das veias jugulares, queda da pressão arterial manguito de pressão arterial para comparar os sons de
sistólica, estreitamento da pressão de pulso, abafamento Korotkoff durante a inspiração e a expiração – um
das bulhas cardíacas e sinais de choque circulatório declínio superior a 10 mmHg na pressão sistólica durante
(PORTH, 10ª ed.). a inspiração é sugestivo de tamponamento. O
Normalmente, a diminuição na pressão intratorácica durante a monitoramento da pressão arterial possibilita a
inspiração acelera o fluxo venoso, aumentando o enchimento atrial e visualização da forma da onda da pressão arterial e a
ventricular direito. Isso ocasiona um abaulamento do septo aferição da queda da pressão arterial durante a inspiração
interventricular à esquerda, produzindo uma discreta diminuição no (PORTH, 10ª ed.).
enchimento ventricular esquerdo, na saída do volume sistólico e na
pressão arterial sistólica (PORTH, 10ª ed.). ↠ O tamponamento pericárdico é acompanhado por
sinais físicos característicos que surgem do enchimento
limitado do ventrículo. Os três sinais clássicos de
tamponamento pericárdico são chamados de tríade de
Beck, em homenagem ao cirurgião que os descreveu
em 1935: (HAMMER; MCPHEE).

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➢ hipotensão,
➢ pressão venosa jugular elevada;
➢ bulhas cardíacas hipofonéticas.

Diagnóstico das Doenças Pericárdicas

↠ Baseia-se nas manifestações clínicas, no ECG, na


radiografia torácica e no ecocardiograma (PORTH, 10ª ed.).

ELETROCARDIOGRAMA
↠ Os pacientes com pericardite aguda frequentemente
exibem alterações eletrocardiográficas compatíveis com
inflamação do tecido epicárdico (SOCESP, 5ª ed.).

↠ A intensidade dessas alterações depende de


características próprias do paciente, do agente etiológico,
do miocárdico associado e da resposta ao tratamento
efetuado (SOCESP, 5ª ed.). ➢ Estágio II (primeira semana): retorno dos
segmentos ST e PR aos padrões normais.
↠ As arritmias cardíacas, principalmente atriais, podem ➢ Estágio III (após normalização do segmento ST):
ocorrer em qualquer momento do curso da doença ocorre inversão difusa da onda T.
↠ A presença de complexos QRS de baixa amplitude
sugere DP, ao passo que a alternância elétrica de
morfologia e amplitude do QRS sinaliza DP volumoso e
está associada a tamponamento cardíaco (SOCESP, 5ª
ed.).

↠ As alterações eletrocardiográficas (difusas) podem ser


caracterizadas em estágios de evolução de acordo com
o tempo de apresentação: (SOCESP, 5ª ed.).
➢ Estágio I (primeiras horas a dias): caracteriza-se
por supradesnivelamento côncavo difuso do
segmento ST e por infradesnivelamento do
segmento PR. Diferencia-se do padrão isquêmico que
apresenta supradesnivelamento convexo, de maior
magnitude, limitado às derivações correspondentes a área
do infarto, sem surgimento de ondas Q .
➢ Estágio IV: retorno da onda T ao padrão normal.

ECOCARDIOGRAMA
↠ Trata-se de um exame indicado como parte da
avaliação diagnóstica de rotina. Quando ocorre
acometimento concomitante do miocárdio, pode revelar
alterações de função e contratilidade cardíacas. Possibilita
a avaliação de comorbidades, como doença isquêmica
cardíaca, derrame pleural, dissecção de aorta e pericardite
constritiva (SOCESP, 5ª ed.).

↠ O ecocardiograma permite avaliar características do


pericárdio como a presença de espessamento (maior que
3 mm) ou aumento de ecogenicidade, que pode ser

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relacionada a fibrose ou depósito de cálcio (SOCESP, 5ª EXAMES LABORATORIAIS


ed.).
↠ O hemograma pode revelar leucocitose com
↠ A detecção do DP por ecocardiografia é relativamente predomínio de linfócitos. Elevações acentuadas podem
simples e permite a confirmação diagnóstica na suspeita indicar infecção bacteriana ou malignidade, ao passo que
de pericardite. Sua ausência, entretanto, não permite leucopenia indica a necessidade de pesquisar doenças
excluir o diagnóstico. O derrame, geralmente leve, está autoimunes (SOCESP, 5ª ed.).
presente em cerca de 60% dos casos (SOCESP, 5ª ed.).
↠ A elevação da velocidade de hemossedimentação e
da proteína C-reativa é achado comum na pericardite,
embora não seja sensível ou específico. Essas alterações
podem ser identificadas no acompanhamento do paciente
para predizer o risco de recorrência e avaliar a remissão
da doença e orientar o tratamento (SOCESP, 5ª ed.).
A elevação discreta de biomarcadores cardíacos, como a fração MB
da creatinoquinase e da troponina, é comum e não parece apresentar
correlação prognóstica. Nesta situação, deve-se suspeitar da presença
de miopericardite (SOCESP, 5ª ed.).

Referências

↠ O derrame pode ser classificado como leve (espaço MONTERA et. al. I Diretriz Brasileira de Miocardites e
livre de eco na diástole menor que 10 mm), moderado (10 Pericardites. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2014.
a 20 mm) e grande (maior que 20 mm). As características
do derrame podem denunciar possível etiologia como a HAMMER, Gary D.; MCPHEE, Stephen J. Fisiopatologia da
presença de fibrina na tuberculose ou coágulos no doença. Grupo A, 2015.
hemopericárdio (SOCESP, 5ª ed.). FILHO, Geraldo B. Bogliolo – Patologia, 10ª edição. Grupo
↠ A avaliação de comprometimento hemodinâmico ou GEN, 2021.
tamponamento cardíaco associado ao DP constitui outra NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia, 10ª edição.
importante ferramenta da ecocardiografia. Desta forma, o Grupo GEN, 202.
colapso do átrio direito é sinal sensível de tamponamento
cardíaco, ao passo que o colapso do ventrículo direito por JATENE, Ieda B.; FERREIRA, João Fernando M.; DRAGER,
tempo maior que um terço da diástole constitui um sinal Luciano F.; et al. Tratado de cardiologia SOCESP, 5ª
mais específico (SOCESP, 5ª ed.). edição. Editora Manole, 2022

RADIOGRAFIA DE TÓRAX ABBAS, Abul K. Imunologia Celular e Molecular. Grupo


GEN, 2019.
↠ O aumento da silhueta cardíaca na radiografia de tórax
pode indicar a presença de DP e colaborar com a suspeita DELVES, Peter J. ROITT - Fundamentos de Imunologia,
de pericardite (SOCESP, 5ª ed.). 13ª edição. Grupo GEN, 2018.

↠ Entretanto, apenas derrames com volume acima de PIRES, C. Reações adversas graves das vacinas COVID-19
200 mL são geralmente identificados pela radiografia. A em Portugal até julho de 2021: síndrome de trombose
presença de derrame pleural, alterações concomitantes com trombocitopenia, miocardite/pericardite e síndrome
nos campos pulmonares ou no mediastino podem ser de Guillain-Barré. Biopharmaceutical Sciences, 2022.
auxiliar no diagnóstico etiológico, como, por exemplo, a BENTES et. al. Incidência de pericardite pós COVID-19 em
observação de cavitações tuberculosas (SOCESP, 5ª ed.). pacientes de uma clínica cardiológica, no período de
↠ De outro modo, a radiografia de tórax na maioria dos março a junho de 2020. Revista Eletrônica Acervo Saúde,
casos de pericardite viral não exibe alterações (SOCESP, 2021.
5ª ed.).

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APG 10 – “BATATA FRIA” 1

Objetivos sua parede e prende esse vaso nas estruturas


circundantes. Contém os vasos dos vasos, que
1- Relembrar a morfologia dos vasos sanguíneos; surgem como ramificações minúsculas do
2- Discutir a etiologia, fatores de risco e mesmo vaso ou como ramificações pequenas
epidemiologia da Doença Arterial Obstrutiva de outros vasos vizinhos e nutrem a metade
Periférica (DAOP); externa da parede do vaso maior. (MARIEB, 7ª
3- Debater a fisiopatologia e manifestações clínicas ed.)
da DAOP;
4- Explicar como é realizado o diagnóstico da
DAOP;
5- Diferenciar a DAOP da Oclusão Arterial
Obstrutiva Periférica Aguda;
6- Compreender a dificuldade da adesão ao
tratamento da DAOP.

Morfologia dos vasos sanguíneos

↠ Os vasos sanguíneos contribuem para a homeostasia,


possibilitando o fluxo sanguíneo através do coração e a
troca de nutrientes e escórias metabólicas nos tecidos.
Também têm participação importante no ajuste da
velocidade e do volume de fluxo sanguíneo. (TORTORA,
14ª ed.) Vasos sanguíneos

Histologia dos Vasos Sanguíneos

↠ As paredes de todos os vasos sanguíneos, exceto os


muito pequenos, são compostas por três camadas
distintas, ou túnicas:
➢ Íntima: a túnica mais interna da parede de um
vaso, que está em contato “íntimo” com o
sangue em sua luz. Essa túnica contém o
endotélio, o epitélio simples pavimentoso que
reveste a luz de todos os vasos. As células
endoteliais planas formam uma superfície lisa
que minimiza o atrito do sangue que passa por
↠ ARTÉRIAS: a passagem do sangue pelas artérias ocorre das
elas. Uma fina camada de tecido conjuntivo
artérias elásticas para as musculares e depois para as arteríolas.
frouxo, a camada subendotelial, situa -se na
(MARIEB, 7ª ed.)
superfície externa do endotélio. (MARIEB, 7ª ed.)
➢ Média: consiste principalmente em lâminas de ➢ Artérias elásticas: são as maiores artérias perto do
fibras musculares lisas dispostas circularmente, coração - a aorta e seus ramos principais. São
entre as quais se situam lâminas de fibrilas de chamadas artérias de condução. Nas paredes dessas
artérias há mais elastina do que em qualquer outro
colágeno e elastina. A elastina e o colágeno
tipo de vaso
contribuem com elasticidade e resistência para
➢ Artérias musculares: situam -se distalmente às
suportar a pressão do sangue que cada artérias elásticas e suprem grupos de órgãos, órgãos
batimento cardíaco exerce sobre a parede do individuais e partes de órgãos. Essas artérias de
vaso. (MARIEB, 7ª ed.) “tamanho médio” constituem a maior parte das
➢ Adventícia: camada de tecido conjuntivo que artérias observadas.
contém muitas fibras de colágeno e fibras ➢ Arteríolas: são as menores artérias.
elásticas. Suas células e fibras seguem na direção
longitudinal. Protege o vaso, reforça ainda mais a

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↠ CAPILARES: são os menores vasos sanguíneos. Eles são ARTÉRIAS VEIAS


compostos de apenas uma única camada de células endoteliais TÚNICA MÉDIA Mais espessa Menos espessa
circundadas por uma membrana basal. Renovam e revigoram o TÚNICA ADVENTÍCIA Menos espessa. Mais espessa.
líquido intersticial circundante. Existem três tipos de capilares: TRANSPORTE DE Levam o sangue Conduzem o
SANGUE para fora do sangue dos
(MARIEB, 7ª ed.)
coração. capilares para o
coração.
➢ Contínuos;
LUZ DO VASO Menor Maior
➢ Fenestrados;
ELASTINA Mais elastina Menos elastina
➢ Sinusoides;.
PRESSÃO ARTERIAL Maior Menos
VÁLVULAS Ausente Presente
↠ VASOS VENOSOS: vênulas e veias. (MARIEB, 7ª ed.)
➢ Veias: muitas veias, especialmente as dos membros,
também contêm válvulas, pregas finas de túnica Anatomia dos Vasos Sanguíneos (MMII)
íntima que formam válvulas semelhantes a abas. Essas
válvulas possibilitam que o sangue flua em uma Artérias
direção única: ao coração. (TORTORA, 14ª ed.)
➢ Vênulas: drenam o sangue capilar e iniciam o fluxo de
retorno do sangue de volta ao coração. (TORTORA,
14ª ed.)

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Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP)


Veias
↠ A Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) ocorre
↠ O membro inferior tem veias superficiais e profundas: predominantemente decorrente de fenômenos
as veias superficiais estão situadas no tecido subcutâneo ateroscleróticos sistêmicos, que provocam obstruções
e seguem independentemente das artérias arteriais e está associada a alto risco de morbimortalidade
correspondentes e as veias profundas situam-se cardiovascular (DIRETRIZ, 2015).
profundamente à fáscia muscular e acompanham todas
as grandes artérias. As veias superficiais e profundas têm ↠ A doença arterial periférica (DAP) é mais comumente
válvulas, que são mais numerosas nas veias profundas. observada nos vasos dos membros inferiores. A condição
(MOORE, 7ª ed.) por vezes é denominada arteriosclerose obliterante
(PORTH, 10ª ed.).
Veias Superficiais
↠ As artérias femorais superficiais e poplíteas são os
↠ As duas principais veias superficiais no membro inferior vasos mais comumente afetados. Quando ocorre o
são as veias safenas magna e parva.. A maioria das desenvolvimento de lesões nas pernas e nos pés, as
tributárias não tem nome. (MOORE, 7ª ed.) artérias tibiais, artérias fibulares comuns ou artérias dos
Veias Profundas pés são os alvos mais frequentes. A doença normalmente
é observada com o avanço da idade (PORTH, 10ª ed.).
↠ As veias profundas acompanham todas as grandes
artérias e seus ramos. Em vez de ocorrerem como uma ↠ A DAOP é responsável pela redução da capacidade
veia única nos membros (embora muitas vezes sejam funcional do doente, e, portanto, contribui negativamente
ilustradas e denominadas como uma veia única), as veias na vida destas pessoas, podendo aumentar o risco de
acompanhantes geralmente são pares, muitas vezes perda de membros, infarto do miocárdio, acidente
interconectadas, situadas ao lado da artéria que vascular cerebral e o óbito (SILVA; DUQUE, 2020).
acompanham. Estão contidas na bainha vascular com a ↠ Na maior parte dos pacientes que desenvolvem DAOP,
artéria, cujas pulsações também ajudam a comprimir e apresentam outras patologias de base importantes que
deslocar o sangue nas veias. (MOORE, 7ª ed.) não só comprometem o sistema vascular, mas também
na qualidade de vida. Esta patologia é correlacionada ao
sofrimento físico, social e psicológico, e também afeta os
aspectos psicossociais e emocionais dos pacientes idosos,

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os quais a doença possui um alto índice de carotídeo e maior risco para eventos cardiovasculares
desenvolvimento (SILVA; DUQUE, 2020). (morte, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular
cerebral), na ordem de 4 a 6% ao ano, em portadores
Etiologia da DAOP da doença (MOTA et. al., 2017).
↠ A aterosclerose é a principal causa de doença arterial ↠ A DAP apresenta uma prevalência de 10 a 25% na
obstrutiva periférica (DAOP) dos membros inferiores população acima de 55 anos de acordo com a Sociedade
(MOTA et. al., 2017). Além dos casos de artrites, aneurisma Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (2014),
e tromboembolismo (SILVA; DUQUE, 2020). tendo aumento crescente à medida em que a faixa etária
Embolia é a oclusão aguda de uma artéria por um êmbolo proveniente aumenta (MACÊDO et. al., 2017).
de um vaso ou do coração, provocando interrupção ou diminuição do
fluxo distalmente à oclusão (PORTO & PORTO). Fisiopatologia da DAOP

Trombose é a formação de um trombo dentro da artéria, podendo ↠ As considerações fisiopatológicas em pacientes com
causar estreitamento ou oclusão total da luz do vaso com consequente DAP precisam levar em conta o equilíbrio entre o
diminuição ou interrupção do fluxo de sangue. Instala-se em uma
parede arterial previamente comprometida por uma placa de ateroma
suprimento circulatório de nutrientes para o músculo
ulcerada (PORTO & PORTO). esquelético e a sua demanda de oxigênio e de nutrientes
(BRAUNWALD, 10ª ed.).
Fatores de risco da DAOP
↠ O fluxo através de uma artéria relaciona-se
↠ Os fatores de risco para esse distúrbio são diretamente com a pressão de perfusão e inversamente
semelhantes aos da aterosclerose (PORTH, 10ª ed.). com a resistência vascular. As estenoses reduzem o fluxo
através da artéria (BRAUNWALD, 10ª ed.).
↠ O tabagismo contribui para o progresso da
aterosclerose dos membros inferiores e para o ↠ Durante o processo patológico desta doença, ocorre
desenvolvimento de sintomas de isquemia. Pessoas com a interrupção do fluxo sanguíneo e por consequência a
diabetes melito desenvolvem doença vascular mais extensa e com diminuição no transporte de nutrientes e oxigênio para
progressão mais rápida do que as pessoas não diabéticas (PORTH, os tecidos adjacente (SILVA; DUQUE, 2020).
10ª ed.).
Por esta razão vários mecanismos compensatórios são ativados para
↠ Além disso, idade, hipertensão, diabetes mellitus e que não ocorra isquemia no local afetado. Tais mecanismos são: a
histórico de doença cardiovascular são fatores de risco vasodilatação, metabolismo anaeróbico, e o processo de circulação
colateral (SILVA; DUQUE, 2020).
para a DAOP (DIRETRIZ, 2015).
Diabetes mellitus é um importante fator de risco para os mecanismos
da inflamação e disfunção da célula endotelial, aumentando a
agregação plaquetária e do fibrinogênio, formando assim um processo
arteriosclerótico, e consequentemente favorecendo com uma
porcentagem de 28% o risco de surgimento da DAOP (SILVA;
DUQUE, 2020).

Epidemiologia da DAOP

↠ No Brasil, praticamente todos os estudos foram


realizados na Região Sudeste do país, tornando os dados
relacionados à prevalência de DAOP e seus fatores de
risco escassos. Estima-se um grande número de
portadores de doença arterial obstrutiva periférica ↠ Através da figura acima é possível notar o
(DAOP) que pode estar subestimado devido a maioria dos estreitamento causado pelas placas de gorduras,
pacientes ser assintomáticos ou não apresentar estreitando o vaso sanguíneo e impedido a passagem do
claudicação intermitente (MOTA et. al., 2017). fluxo sanguíneo normal, por tanto, o desenvolvimento
progressivo das placas ateroscleróticas nas regiões
↠ O crescente interesse no diagnóstico precoce vem periféricas do corpo humano (SILVA; DUQUE, 2020).
ocorrendo por estar relacionada à doença aterosclerótica
em outros territórios, como coronariano, cerebral,

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↠ Devido à formação de placas de ateroma, na qual são nos músculos da panturrilha dos pacientes com DAP, conforme
depósitos de gorduras nas artérias é levado ao avaliado após o exercício submáximo pela espectroscopia 31P por
ressonância magnética (BRAUNWALD, 10ª ed.).
desenvolvimento de um coágulo devido à interrupção da
passagem sanguínea que irá se concentrar em um
determinado local da artéria, este coágulo que é
designado como um trombo reduz mais ainda o espaço
do interior da artéria (SILVA; DUQUE, 2020).

↠ À medida que a gravidade da lesão aterosclerótica


aumenta, o fluxo torna-se progressivamente menor. O
gradiente de pressão através da estenose aumenta de
maneira não linear, enfatizando a importância da estenose
em altas taxas de fluxo sanguíneo. Normalmente, existe
um gradiente de pressão arterial em repouso caso a
estenose diminua o diâmetro da luz do vaso em mais de Fisiopatologia da claudicação intermitente. Nas artérias saudáveis (parte superior), o fluxo é laminar e a
função endotelial são normais; portanto, o fluxo sanguíneo e o suprimento de oxigênio são
50%, pois à medida que se desenvolve uma perturbação compatíveis com a demanda muscular metabólica em repouso e durante o exercício. O metabolismo
do fluxo, a energia cinética é perdida (BRAUNWALD, 10ª muscular é eficiente, acarretando baixo estresse oxidativo. Em contraste, na doença arterial periférica
(parte inferior), a estenose arterial ocasiona fluxo deficiente, e a perda de energia cinética acarreta
ed.). queda de pressão por toda a estenose. Os vasos colaterais apresentam alta resistência e compensam
apenas parcialmente a estenose arterial. Além disso, a função endotelial é prejudicada, ocasionando
perda adicional da função vascular. Essas alterações limitam a resposta do fluxo sanguíneo ao exercício,
↠ Uma estenose que não causa gradiente de pressão causando um desequilíbrio do suprimento de oxigênio à demanda do metabolismo muscular. As
alterações no metabolismo musculoesquelético comprometem ainda mais a geração eficiente de
em repouso pode provocar um durante o exercício, fosfatos de alta energia. O estresse oxidativo, resultado de oxidação ineficaz, prejudica ainda mais a
função endotelial e o metabolismo muscular.
quando o fluxo sanguíneo aumenta a partir da elevação
do débito cardíaco e da redução da resistência vascular CONSIDERAÇÕES FISIOPATOLÓGICAS NA DAP
periférica. Dessa forma, à medida que o fluxo através da FATORES QUE REGULAM O SUPRIMENTO SANGUÍNEO PARA O
estenose aumenta, a pressão de perfusão distal cai MEMBRO
Lesão limitante do fluxo (gravidade da estenose, vasos
(BRAUNWALD, 10ª ed.).
colaterais insuficientes);
↠ À medida que a demanda metabólica muscular durante Vasodilatação prejudicada (óxido nítrico reduzido e
responsividade reduzida aos vasodilatadores);
o exercício supera o aporte sanguíneo, metabólitos locais
Vasoconstricção acentuada (tromboxano, serotonina,
(como adenosina, óxido nítrico, potássio e íons hidrogênio) angiotensina II);
acumulam-se e os vasos periféricos de resistência dilatam- Reologia anormal (deformabilidade reduzida das hemácias,
se. A pressão de perfusão cai mais por causa da limitação aumento da adesividade leucocitária, agregação plaquetária,
imposta pela estenose. Além disso, a pressão microtromboses);
intramuscular eleva-se durante o exercício e pode ESTRUTURA E FUNÇÃO MUSCULAR ESQUELÉTIC ALTERADAS
exceder a pressão arterial distal a uma oclusão e parar o Desnervação axonal do músculo esquelético;
Perda das fibras contráteis rápidas glicolíticas tipo I ;
fluxo. O fluxo através de vasos sanguíneos colaterais pode
Atividade enzimática mitocondrial prejudicada.
usualmente atender as necessidades metabólicas do
tecido muscular esquelético em repouso, mas pode não
ser suficiente durante o exercício (BRAUNWALD, 10ª ed.). Manifestações Clínicas da DAOP
ESTRUTURA E FUNÇÃO METABÓLICA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO ↠ Assim como na aterosclerose em outros locais, os
Os exames eletrofisiológico e histopatológico encontraram evidências sinais e sintomas da oclusão do vaso são graduais.
de desnervação axonal parcial do músculo esquelético em pernas Normalmente, antes do surgimento dos sintomas de
afetadas pela DAP. Há preservação das fibras contráteis lentas tipo I isquemia, há um estreitamento vascular de no mínimo
oxidativas, mas ocorre perda das fibras contráteis rápidas tipo II ou
50% (PORTH, 10ª ed.).
glicolíticas no músculo esquelético dos pacientes com DAP. A perda
das fibras tipo I correlaciona-se com uma força muscular reduzida e
uma capacidade reduzida de exercício. No músculo esquelético distal
à DAP, ocorre um desvio para o metabolismo anaeróbico mais
precocemente durante o exercício e isto persiste durante mais tempo
após a interrupção do exercício(BRAUNWALD, 10ª ed.).

Além do mais, a atividade respiratória mitocondrial e o tempo de


recuperação da fosfocreatina e do trifosfato de adenosina diminuem

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Algumas pessoas podem se queixar de uma discreta


sensibilidade ou dormência, em vez de dor. Outras
atividades, como nadar, andar de bicicleta e subir escadas
utilizam outros grupos musculares e podem não incitar o
mesmo grau de desconforto que a caminhada (PORTH,
10ª ed.).
Os pacientes com obstrução arterial podem apresentar queixas de
parestesia, hipoestesia, anestesia, paresias e mesmo paralisia. Tais
sintomas se devem à lesão isquêmica de fibra nervosa que, se intensa
e prolongada, pode tornar-se irreversível (MAFFEI, 2º vol.)

↠ Outros sinais de isquemia incluem alterações atróficas,


adelgaçamento da pele e dos tecidos subcutâneos da
perna, e diminuição no tamanho dos músculos da perna
(PORTH, 10ª ed.).

↠ Em geral, os pés estão frios, enquanto os pulsos


↠ O sintoma primário da doença arterial obstrutiva
poplíteos e podais são fracos ou ausentes. A cor do
crônica é a claudicação intermitente (CI) ou dor ao
membro empalidece com a elevação da perna, devido
caminhar. As pessoas com o distúrbio tipicamente se
aos efeitos da gravidade sobre a pressão de perfusão, e
queixam de dor na panturrilha, porque o músculo
se torna intensamente avermelhada quando a perna está
gastrocnêmio consome mais oxigênio do que qualquer na posição pendente, devido à intensificação
grupo muscular da perna durante a caminhada (PORTH, autorreguladora do fluxo sanguíneo e ao aumento da
10ª ed.). ação gravitacional sobre a pressão de perfusão (PORTH,
A CI é um sintoma patognomônico da obstrução arterial crônica, 10ª ed.).
embora possa surgir também na obstrução arterial aguda (MAFFEI,
2º vol.) Na oclusão arterial, a diminuição ou parada do fluxo sanguíneo para a
extremidade e, portanto, diminuição ou parada da chegada de sangue,
Claudicar, que vem do verbo latino claudicare, significa “não ter firmeza provoca esfriamento das extremidades. O vasospasmo pode ser a
nos pés, coxear ou mancar”. A origem da expressão está relacionada causa principal ou coadjuvante desse esfriamento (MAFFEI, 2º vol.)
com o fato de que o paciente, após andar determinada distância,
comece a mancar pelo surgimento de dor em determinados grupos ↠ Quando a extensão da redução do fluxo sanguíneo
musculares, desaparecendo com repouso e recomeçando após a impede que as necessidades mínimas dos músculos e
mesma quantidade de exercícios, sendo, por isso, intermitente nervos sejam atendidas, ocorre o aparecimento de dor
(MAFFEI, 2º vol.)
isquêmica em repouso, ulceração e gangrena. Com o
Como já foi referido, a dor da CI ocorre pela diminuição relativa do desenvolvimento da necrose tecidual, tipicamente surge
fluxo sanguíneo para os músculos em exercício, sendo esse fluxo uma dor forte na região de ruptura da pele, a qual piora
incapaz de suprir nutrientes, levando a uma alteração metabólica do
à noite e com a elevação do membro, melhorando em
músculo e dificultando a remoção de produtos do catabolismo de
maneira suficientemente rápida para manter a função muscular. posição ortostática (PORTH, 10ª ed.).
Embora o oxigênio seja o principal metabólito que chega aos tecidos,
sua falta não é, provavelmente, a causa direta da dor. Ela ocorreria ↠ As úlceras causadas por DAP tipicamente têm uma
pela acumulação de catabólitos ainda não bem conhecidos, cuja base pálida com bordas irregulares e costumam envolver
eliminação dependeria também da oxigenação (MAFFEI, 2º vol.) as pontas dos dedos dos pés ou o calcanhar, ou
Quanto maior a isquemia, mais curta a distância que o indivíduo desenvolvem-se nos locais de pressão. Essas úlceras
consegue andar antes do aparecimento da dor (distância de variam em tamanho e podem ter de 3 a 5 mm
claudicação) e maior o período de recuperação da dor, isto é, há maior (BRAUNWALD, 10ª ed.).
tempo para que a dor desapareça (MAFFEI, 2º vol.)

OBS.: A CI costuma ser acompanhada de outros sinais e sintomas de


insuficiência arterial, estando frequentemente associada a diminuição
ou ausência de pulsos à palpação e a sopros arteriais. Um quadro
clínico clássico nas DAOP é a chamada síndrome de Leriche, que inclui
CI de nádegas, ausência de pulsos femorais e impotência sexual,
correspondendo à obstrução da bifurcação da aorta e artérias ilíacas
(MAFFEI, 2º vol.)

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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as mais utilizadas. A classificação de Fontaine que separa


os pacientes em quatro estágios e a classificação de
Rutherford, que aloca os pacientes em sete categorias,
incluindo os assintomáticos (DIRETRIZ, 2015).

CLASSIFICAÇÃO DE FONTAINE CLASSIFICAÇÃO DE


RUTHERFORD
Estágio I: Assintomático Categoria 0: Assintomático
Estágio I a: Claudicação Categoria 1: Claudicação
intermitente limitante leve
(claudicação se caminhar > 200m) Categoria 2: Claudicação
moderada
Estágio I b: Claudicação Categoria 3: Claudicação
intermitente incapacitante severa
(claudicação se caminhar < 200m)
Embora as alterações tróficas sejam mais bem caracterizadas no Estágio I I: Dor isquêmica Categoria 4: Dor em
exame físico, os pacientes podem descrever alterações como queda em repouso repouso
de pelos, alterações ungueais e aparecimento de lesões isquêmicas, Estágio IV: Lesões tróficas Categoria 5: Lesão trófica
como úlceras e gangrenas (MAFFEI, 2º vol.) (necrose, gangrena) pequena (perda tissular menor:
úlcera que não cicatriza, gangrena
Diagnóstico da DAOP focal com úlcera pediosa difusa)
Categoria 6: Necrose
EXAME FÍSICO extensa (perda tissular
significativa que se estende acima
↠ Nenhum sintoma ou sinal é independentemente do nível transmetatarsal, pé
funcional sem salvação)
suficiente para diagnosticar ou descartar DAOP. A
literatura existente recomenda os seguintes exames
físicos como mais acurados na identificação ou exclusão ÍNDICE TORNOZELO-BRAQUIAL (ITB)
de DAOP: (DIRETRIZ, 2015).
↠ O índice tornozelo-braquial (ITB) é unanimemente
➢ Presença de claudicação intermitente; considerado como uma ferramenta de triagem primária,
➢ Em pacientes sintomáticos e assintomáticos: devendo ser realizado após o diagnóstico clínico e antes
Auscultação das artérias femorais; de qualquer modalidade diagnóstica invasiva (DIRETRIZ,
➢ Em pacientes sintomáticos e assintomáticos: 2015).
Palpação dos pulsos das áreas da extremidade
A maioria dos idosos não apresenta a claudicação intermitente na qual
inferior (femoral comum, poplítea, tibial anterior é um dos fatores da DAOP, para que seja detectada a patologia é
e tibial posterior); realizado o método do índice tornozelo-braquial (ITB), o qual é
➢ Em pacientes sintomáticos: Coloração, considerado o método padrão para o rastreamento da doença (SILVA;
temperatura, integridade da pele do pé, e DUQUE, 2020).
também a presença de ulcerações; ↠ Esse teste consiste em uma técnica não invasiva que
➢ Palpação abdominal e ausculta em diferentes é realizada no objetivo de medir a pressão sistólica dos
níveis, incluindo os flancos, a região periumbilical membros periféricos afetados. Por meio da utilização de
e as regiões ilíacas; um Doppler vascular portátil e um manguito de pressão,
➢ Em pacientes sintomáticos, a presença de pele o profissional capacitado para realizar o exame, deverá
fria ou de pelo menos 1 sopro e qualquer posicionar o aparelho na artéria tibial posterior e dorsal,
anormalidade palpável no pulso pode ser assim como nas artérias braquiais (SILVA; DUQUE, 2020).
indicativo de DAOP;
➢ O teste do tempo de preenchimento capilar ↠ O resultado será detectado quando for constatado o
apresentou muito baixa acurácia diagnóstica maior nível da pressão arterial tibial dividido pelo resultado
maior da pressão sistólica braquial. O resultado do ITB será
CLASSIFICAÇÃO DA DAOP considerado normal se estiver entre 0,90 e 0,14. Pacientes
↠ De acordo com os sinais e sintomas, os portadores de que apresentam resultados inferiores a 0,90 é sugestivo
DAOP podem ser classificados em diversos estágios ou de obstrução do fluxo sanguíneo, caracterizando a DAOP.
categorias. Dentre as classificações existentes, duas são Porém, em casos de elevação desse resultado o paciente

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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estará apresentando rigidez arterial aumentada, tornando- ↠ A angiografia por ressonância magnética (ARM) pode
se indicativo no diagnóstico de insuficiência renal crônica ser usada para visualizar de forma não invasiva a aorta e
(SILVA; DUQUE, 2020). as artérias periféricas. A resolução da anatomia vascular
com a ARM com contraste de gadolínio aproxima-se
Teste ERGOMÉTRICO daquela da angiografia contrastada convencional por
↠ Testes de exercício em esteira são recomendados subtração digital (BRAUNWALD, 10ª ed.).
para fornecer evidência objetiva da magnitude da
limitação funcional de claudicação e medir a resposta à
terapia (DIRETRIZ, 2015).

↠ Recomenda-se utilizar um protocolo de exercício


padronizado (carga fixa ou progressiva). Um estudo de
metanálise apontou como protocolo mais confiável, o de
aumento graduado e a distância absoluta de claudicação
(DIRETRIZ, 2015). ↠ Os novos aparelhos de tomografia computadorizada
usam tecnologia com múltiplos detectores para obter
ÍNDICE HÁLUX-BRAQUIAL
imagens em cortes transversais. Esse avanço permite
↠ Pacientes diabéticos, portadores de insuficiência renal obter imagens das artérias periféricas com uma resolução
ou de outros distúrbios que resultam em calcificação espacial excelente em um período relativamente curto e
vascular podem apresentar aferições falsamente elevadas com uma quantidade reduzida de material de
das pressões sistólicas. Nesta situação, mensuração da radiocontraste. As reconstruções de imagem em três
pressão do hálux fornece valores mais acurados das dimensões permitem a rotação para otimizar a
pressões sistólicas distais (DIRETRIZ, 2015). visualização das estenoses arteriais (BRAUNWALD, 10ª ed.).
OBS.: Em contraste com os limites bem definidos e baseados em
evidências do ITB, os critérios diagnósticos do índice hálux-braquial
permanecem ambíguos (DIRETRIZ, 2015).

EXAMES DE IMAGEM
↠ Exames de imagem por ultrassom, arteriografia com
ressonância magnética (RM), arteriografia com tomografia
computadorizada (TC) espiral e angiografia contrastada
invasiva também podem ser utilizados como métodos
diagnósticos (PORTH, 10ª ed.).

↠ A angiorressonância e a angiotomografia são métodos


diagnósticos de boa acurácia no diagnóstico da DAOP de
membros inferiores, com valores de sensibilidade e
especificidade superiores a 90%, quando comparados
com a angiografia por subtração digital como padrão-
ouro. Porém, a angiorressonância não deve ser
considerada de primeira linha em pacientes diabéticos
com DAOP infragenicular (DIRETRIZ, 2015).

↠ A angiografia por subtração digital ainda é considerada DAOP Crônica x DAOP Aguda
padrão-ouro no diagnóstico de DAOP. No entanto por ser
um método mais invasivo que os demais (invasividade ↠ A oclusão arterial aguda é um evento súbito, que
mecânica, radiológica e farmacológica), não deveria ser interrompe o fluxo arterial para os tecidos ou órgãos
comumente aplicado como exame de rotina, afetados. A maior parte das oclusões arteriais agudas
particularmente em pacientes sem indicação inicial de resulta de um êmbolo ou trombo (PORTH, 10ª ed.).
intervenção cirúrgica ou endovascular (DIRETRIZ, 2015).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Os sinais e sintomas de oclusão arterial aguda ↠ Os fatores relacionados com a não adesão ao
dependem da artéria envolvida e da adequação da tratamento descritos na literatura estão relacionados com
circulação colateral. Os êmbolos tendem a se alojar nas características individuais do paciente, à doença em si, aos
bifurcações das artérias de grande calibre, incluindo a medicamentos utilizados e à interação entre o paciente
aorta e as artérias ilíacas, femorais e poplíteas. A e os serviços de saúde, entre outros (TAVARES et. al.,
apresentação da embolia arterial aguda costuma ser 2016).
descrita como os sete “P”: (PORTH, 10ª ed.).
↠ De acordo com a Organização Mundial da Saúde
➢ Tiro de pistola (início agudo) (OMS), a não adesão aos tratamentos a longo prazo na
➢ Palidez população em geral está em torno de 50,0% (TAVARES
➢ Caráter polar (frio) et. al., 2016).
➢ Ausência de pulso
➢ Dor (do termo pain, em inglês)
➢ Parestesia
➢ Paralisia.

↠ A oclusão de um membro causa dor aguda de início


súbito acompanhada de dormência, formigamento,
fraqueza, palidez e frio. Com frequência, existe uma fina
linha de demarcação entre o tecido oxigenado acima do
ponto de obstrução e o tecido isquêmico abaixo dele. Não
há pulso abaixo do nível da oclusão. Essas alterações são
rapidamente seguidas por cianose, manchas e perda da
função sensorial, reflexa e motora. Ocorre morte tecidual,
exceto se o fluxo sanguíneo for restaurado (PORTH, 10ª
Modelo hierarquizado para análise dos fatores associados à adesão ao
ed.).
tratamento medicamentoso para doenças crônicas no Brasil. PNAUM, Brasil,
2014.

↠ A adesão é um fenômeno multidimensional


determinado pela interação de um conjunto de fatores
que afetam o comportamento e a capacidade das
pessoas de seguir o tratamento (TAVARES et. al., 2016).

↠ Entre as estratégias para melhorar a adesão, estão a


DIFERENÇAS DAOP CRÔNICA X DAOP AGUDA educação do paciente, melhores esquemas de
DAOP CRÔNICA DAOP AGUDA tratamento e melhor comunicação entre médicos e
Evento gradual; Evento súbito; outros profissionais da saúde e pacientes (TAVARES et.
Aterosclerose; Embolia ou trombose; al., 2016).
Pode ser assintomática; Dor aguda;

Dificuldade da adesão ao tratamento Referências

↠ Grande parte das doenças crônicas não transmissíveis TORTORA. Princípios de Anatomia e Fisiologia. Disponível
pode ser controlada pelo uso de medicamentos, tendo em: Minha Biblioteca, (14th edição). Grupo GEN, 2016.
no acesso e na utilização adequada requisitos
MARIEB, Elaine. Anatomia humana. Tradução Lívia Cais,
fundamentais para o sucesso terapêutico. Entre os fatores
Maria Silene de Oliveira e Luiz Cláudio Queiroz. São Paulo:
que influenciam diretamente os resultados terapêuticos,
Pearson Education do Brasil, 2014.
destaca-se a adesão ao tratamento medicamentoso,
definida como o grau de concordância entre o MOORE, Anatomia Orientada para a Clínica, 7ª ed., Rio de
comportamento de uma pessoa e as orientações do Janiero: Guanabara Koogan, 2014.
profissional da saúde (TAVARES et. al., 2016).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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MAFFEI, Francisco Humberto de A.; YOSHIDA, Winston


B.; ROLLO, Hamilton A.; et al. Doenças Vasculares
Periféricas - 2 Vols.. Grupo GEN, 2015.
PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na
Prática Diária. Grupo GEN, 2015.

NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia, 10ª edição.


Grupo GEN, 2020.

BONOW, Bonow. Braunwald - Tratado de Doenças


Cardiovasculares. Grupo GEN, 2017.

MACÊDO et. al. Doença Arterial Periférica no paciente


diabético e o risco de lesões patológicas: uma revisão
bibliográfica, 2017.

MOTA et. al. Doença Arterial Obstrutiva Periférica: revisão


integrativa. Revista UNINGÁ, 2017.

PRESTI et. al. Doença Arterial Periférica Obstrutiva de


Membros Inferiores Diagnóstico e Tratamento, Diretriz
SBACV, 2015.

SILVA; DUQUE. Parâmetros associados à doença arterial


obstrutiva periférica: revisão de literatura. Revista NBC,
2020.

TAVARES et. al. Fatores associados à baixa adesão ao


tratamento farmacológico de doenças crônicas no Brasil.
Revista de Saúde Pública, 2016.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Objetivos que faz com que o diagnóstico e o tratamento da TVP


distal sejam similares ao da TVP proximal. Portanto, a
1- Compreender a etiologia, fatores de risco e classificação do tipo de TVP suspeita é importante para
epidemiologia da TVP; guiar as estratégias de tratamento (DIRETRIZ, 2015).
2- Discutir sobre a fisiopatologia e manifestações
clínicas da TVP;
3- Debater sobre as complicações da TVP (ênfase
na TEP);
4- Explicar a úlcera de estase e dermatite;
5- Explanar sobre o diagnóstico e o tratamento da
TVP e TEP;

Trombose Venosa Profunda (TVP)

↠ A TVP consiste na formação de coágulos (trombos)


nas veias do sistema venoso profundo, acometendo, com
maior frequência, as veias dos membros inferiores e dos
membros superiores (SOCESP, 5ª ed.).
OBS.: Os trombos podem se desenvolver em veias superficiais ou
profundas. A trombose venosa superficial (TVS) pode ocorrer em
qualquer veia superficial e, antigamente, era considerada uma doença
benigna. Em alguns casos, foi possível observar que a TVS leva a
complicações como recidiva da TVS, TVP e embolia pulmonar. A TVP
Etiologia da TVP
ocorre mais comumente nos membros inferiores. A TVP dos
membros inferiores é um distúrbio sério, complicado por embolia ↠ A tríade (tríade de Virchow) é responsável pela
pulmonar, episódios recidivantes de TVP, e desenvolvimento de formação da trombose venosa (SOCESP, 5ª ed.).
insuficiência venosa crônica (PORTH, 10ª ed.)
↠ A TVP ocorre com maior frequência no membro
A TVS geralmente associado a um processo inflamatório e, por isso, inferior esquerdo. Tal fato encontra justificativa na própria
é chamada de tromboflebite superficial (TFS) (CASTRO et. al., 2018).
disposição anatômica, uma vez que a artéria ilíaca direita,
↠ A TVP dos membros inferiores ocorre cerca de dez ao cruzar a veia ilíaca esquerda, pode, ocasionalmente,
vezes mais frequentemente do que a TVP nas comprimi-la. Esta doença é conhecida como síndrome de
extremidades superiores (BRAUNWALD, 10ª ed.). Cockett ou síndrome de May-Thurner que, por meio da
compressão da veia ilíaca esquerda, predispõe estase
OBS.: O sistema venoso profundo apresenta veias com paredes mais
sanguínea, favorecendo a formação de trombos neste
espessas e menos distensíveis, localizadas subfascialmente, cercadas
por estruturas musculares. O sistema venoso profundo dos membros membro (SOCESP, 5ª ed.).
inferiores pode ser dividido em sua porção distal (abaixo do joelho) e
proximal (acima do joelho, incluindo a veia poplítea) (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Esta síndrome deve ser investigada nos casos de TVP
de membro inferior esquerdo, uma vez que é possível
CLASSIFICAÇÃO DA TVP realizar tratamento com implante de stents venosos
visando evitar episódios recorrentes, além de aliviar
↠ A TVP nos membros inferiores é dividida,
sintomas de hipertensão venosa causados pela
simplificadamente, segundo sua localização: (DIRETRIZ,
compressão extrínseca na veia proximal (SOCESP, 5ª ed.).
2015).
Nos membros superiores existem basicamente duas causas principais
➢ Proximal: quando acomete veia ilíaca e/ou de TVP: as tromboses induzidas por esforços (síndrome de Paget-
femoral e/ou poplítea. von Schrötter) e a trombose secundária (SOCESP, 5ª ed.).
➢ Distal: quando acomete as veias localizadas O esforço repetido é responsável por microlesões no endotélio
abaixo da poplítea. vascular, causando, consequentemente, trombose neste membro. Esta
síndrome é responsável por aproximadamente 25% dos casos de
↠ O risco de EP e a magnitude da síndrome pós- TVP no membro superior (SOCESP, 5ª ed.).
trombótica (SPT) decorrente da TVP proximal são
A trombose secundária, responsável por, aproximadamente, 75% dos
maiores. Entretanto, existe um risco de progressão da
quadros de TVP em membros superiores, ocorre como consequência
trombose distal para segmentos proximais de até 20%, o de um estado de hipercoagulabilidade ou por uso de acessos venosos

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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centrais, fraturas, traumas e outras injúrias à parede vascular (SOCESP, proteína C e de proteína S, ambas integrantes do
5ª ed.). processo de anticoagulação. Essas situações, portanto,
Fatores de risco da TVP acabam comprometendo o processo e ocasionando
modificações na cascata de coagulação e,
↠ Apresenta fatores de risco adquiridos, destacando consequentemente, formação de trombo (CHARLO et.
as cirurgias e imobilizações, relacionadas principalmente al., 2020).
com a internação hospitalar, fator este que coloca a TVP
ATENÇÃO: Na infecção pelo SARS-CoV-2 (causador da COVID-19),
como principal causa de óbito estável em ambiente trombose e tromboembolia são eventos frequentes em vários locais
hospitalar (CHARLO et. al., 2020). do organismo e responsáveis em grande parte pela gravidade da
doença. Os mecanismos envolvidos são muitos, destacando-se:
↠ O anticoncepcional e a gestação são outros dois resposta infamatória ao vírus, que induz ativação endotelial e tem ação
tópicos importantes relacionados a TVP, pois o uso de pró-trombótica; ativação plaquetária; estase sanguínea por disfunção
hormônios sintéticos como estrógeno e progesterona, cardíaca. Na doença grave, encontram-se plaquetopenia e aumento de
seja na forma de contraceptivos orais ou como produtos de degradação da fibrina na circulação. O vírus tem tropismo
para pneumócitos, células endoteliais, miocardiócitos e plaquetas, que
tratamentos hormonais, apresentam indícios de são ricos na enzima conversa da angiotensina 2 (ACE 2), que é a
desenvolvimento na população feminina (CHARLO et. molécula à qual o vírus se liga para penetrar nas células. Por se ligar à
al., 2020). ACE 2, ocorrem modificações em outras enzimas pertencentes ao
sistema renina-angiotensina-aldosterona, o que potencializa os efeitos
Os anticoncepcionais atuam no organismo feminino aumentando os pró-inflamatórios da infecção (BOGLIOGO, 10ª ed.).
fatores de coagulação e reduzindo seus inibidores. Além disso,
mulheres usuárias de contraceptivos apresentam de 2 a 6 vezes mais Epidemiologia da TVP
chance de desenvolver a doença em comparação às não usuárias
(CHARLO et. al., 2020). ↠ A TVP é um dos problemas médicos mais prevalentes
Durante a gestação, a chance de desenvolver TVP varia de 0,7 a 1,7 da atualidade, com uma incidência anual de 80 casos a
casos em 1000 gestantes, aumentando principalmente no terceiro cada 100.000 habitantes. Nos Estados Unidos, mais de
trimestre de gravidez e no período puerperal. Neste período, 500.000 pessoas apresentam quadro de TVP anualmente,
encontramos situações de hipercoagulabilidade, em que há síntese
sendo 20% em pacientes hospitalizados e, destas
hepática de fatores de coagulação; estase sanguínea, cujo quadro
se desenvolve pela compressão venosa do útero gravídico e pessoas, 50.000 casos apresentam EP como complicação
pela diminuição do tônus vascular pela ação da progesterona; e a (SOCESP, 5ª ed.).
lesão endotelial que ocorre no processo de nidação e dequitação
placentária, fatos esses que se relacionam com o aumento de ↠ A incidência desta patologia, segundo alguns
cinco a dez vezes de ocorrência de tromboembolismo nessa estudos, é demonstrada na população geral como 5
população, podendo chegar a vinte vezes no puerpério (CHARLO et. casos a cada 10.000 indivíduos anualmente, e no Brasil em
al., 2020).
torno de 0,6 a cada 1000 habitantes anualmente (CHARLO
↠ Além deste fator, a idade avançada, principalmente et. al., 2020).
acima dos 60 anos aumenta a chance do aparecimento
↠ No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde
da patologia, bem como pacientes obesos, com índice de
coletados entre os anos de 2010 e 2021, o número de
massa corpórea (IMC) acima de 30 kg/m² (CHARLO et.
internações relacionadas ao TEV ultrapassou 520 mil,
al., 2020).
com um total de mais de 67.000 óbitos entre 2010 e 2019
Os idosos são mais suscetíveis do que os mais jovens, provavelmente (DIRETRIZ, 2022).
devido à frequência aumentada de distúrbios promotores de estase
venosa com a idade avançada (PORTH, 10ª ed.) OBS.: O trombembolismo venoso (TEV) manifesta-se como
trombembolismo pulmonar (TEP) e/ou trombose venosa profunda
As viagens aéreas longas impõem uma ameaça em particular para as (TVP) (DIRETRIZ, 2022).
pessoas predispostas à TVP, por causa da permanência prolongada
na posição sentada e do aumento da viscosidade sanguínea ↠ Apresenta um alto índice de mortalidade, sendo que
decorrente da desidratação (PORTH, 10ª ed.) aproximadamente 34% dos pacientes acometidos
↠ Os fatores de risco hereditários apresentam morrem subitamente ou em poucas horas após a
importância significativa no desenvolvimento da patologia, primeira manifestação, ou seja, antes mesmo de
como mutações do gene da protrombina, aumento do receberem qualquer tipo de tratamento (DIRETRIZ, 2022).
fibrinogênio e aumento do fator VIII, os quais são
responsáveis pela coagulação, bem como deficiência de

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Quase 2/3 dos casos de TEV manifestam-se por TVP venosas e, através da agregação plaquetária local com
isolada, sendo a maioria trombose das veias proximais do liberação de ADP e tromboxano A2, causaria progressão
membro inferior e um terço por TEP (DIRETRIZ, 2022). da coagulação local e do trombo na luz do vaso (SOCESP,
5ª ed.).
Fisiopatologia da TVP

Rudolf Virchow, no ano de 1856, descreveu a tríade (tríade de Virchow)


responsável pela formação da trombose venosa. Tal tríade consiste
em: estase sanguínea, lesão endotelial e hipercoagulabilidade (SOCESP,
5ª ed.).

OBS.: Há também uma teoria que preconiza que o turbilhonamento


sanguíneo na região mais profunda do seio valvular, além de permitir
maior agregação de hemácias e plaquetas pelo baixo fluxo, também
causaria uma hipóxia do tecido com consequente lesão endotelial
(SOCESP, 5ª ed.).

ESTASE SANGUÍNEA LESÃO ENDOTELIAL


↠ A estase sanguínea é um dos mais importantes itens A lesão endotelial é trombogênica pela própria ativação da cascata da
da tríade, uma vez que a associação entre pacientes acamados, seja coagulação (SOCESP, 5ª ed.).
por cirurgia ou impossibilidade de movimentar-se, é conhecida e
descrita desde o século XIX (SOCESP, 5ª ed.). ↠ O endotélio vascular não é somente uma camada
celular em contato com a luz, mas também um tecido
↠ O paciente em repouso fica com a musculatura biológico ativo que, em condições normais, impede a
relaxada, permitindo um maior volume sanguíneo formação de trombos, mantendo o sangue em sua forma
acumulado nos membros inferiores, além da própria líquida através da produção de óxido nítrico (NO),
dilatação da parede venosa. Estes itens, associados à prostaglandina I2 (prostaciclina), ADP-defosfatase. Essas
redução do débito cardíaco no repouso e a não utilização substâncias impedem a adesão plaquetária local ao inativar
dos mecanismos de retorno venoso da contração da os receptores da plaqueta (NO e prostaciclina) e causar
panturrilha, causam uma queda da velocidade de fluxo quebra do ADP (ADP-defosfatase). Além disso, o endotélio
local e consequente instalação da estase sanguínea local impede a adesão plaquetária, uma vez que constitui uma
(SOCESP, 5ª ed.). barreira entre o sangue e a matriz extracelular (SOCESP,
Servitt, ao estudar o local de formação dos trombos em estudos 5ª ed.).
realizados em necrópsias, propôs a hipótese de que a diminuição de
fluxo causaria uma alteração do fluxo laminar local nas veias, em
especial nas válvulas venosas, criando um turbilhonamento de sangue
neste local (SOCESP, 5ª ed.).

↠ Este turbilhonamento local nos seios valvulares


causando um acúmulo de hemácias e plaquetas que, em
condições normais, seria “lavado” pelo fluxo venoso. A
estase promovida pelo repouso prolongado é
responsável pela ativação da agregação plaquetária e,
consequentemente, pela ativação da cascata de
coagulação neste local. Este mecanismo causaria uma
rede de fibrina que, por sua vez, seria responsável pelo
aprisionamento de hemáceas nos seios das válvulas
Ilustração do endotélio vascular saudável evitando a adesão e agregação plaquetária pela ação
do óxido nítrico, prostaciclina e ADP-fosfatase.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ O endotélio vascular em condições normais não processo inflamatório, incluindo dor, edema e sensibilidade
apenas mantém as plaquetas inativas, impedindo a adesão em músculos profundos (PORTH, 10ª ed.).
e agregação, mas também evita a coagulação local ao
↠ Febre, mal-estar geral e elevação tanto da contagem
impedir a presença de fatores pró-coagulantes ativados
de leucócitos como da velocidade de
(SOCESP, 5ª ed.).
hemossedimentação também são indicativos de
Diversos fatores, como traumas (iatrogênicos ou não), radiação, inflamação. Pode haver sensibilidade e dor ao longo da
infecção, drogas, lesões térmicas, citocinas e anticorpos, além de veia. O edema pode variar do mínimo ao muito acentuado
outros, podem ser responsáveis pela lesão do endotélio vascular
saudável, causando exposição da matriz extracelular, produção de (PORTH, 10ª ed.).
tromboxano A2 e ADP, adesão e agregação plaquetária, com O sítio de formação do trombo determina a localização dos achados
formação de trombina (que estimula a agregação) e, por sua vez, a físicos. A localização mais comum são os seios venosos no músculo
ativação da cascata de coagulação, com formação de fibrina através sóleo e as veias tibial posterior e fibular. Nesses casos, pode haver um
da ativação dos fatores VII, IX e X (SOCESP, 5ª ed.). edema (ainda que discreto) envolvendo o pé e o tornozelo. É comum
O próprio trauma cirúrgico e a reação inflamatória com leucocitose haver dor e sensibilidade na panturrilha. A trombose da veia femoral
podem ser suficientes para lesão do endotélio e pela consequente produz dor e sensibilidade na área distal da coxa e na região poplítea.
Trombos nas veias iliofemorais produzem as manifestações mais
formação de trombos em pacientes pós-operatórios (SOCESP, 5ª ed.).
acentuadas, com edema, dor e sensibilidade em todo o membro
(PORTH, 10ª ed.).
TROMBOFILIAS
↠ A hipercoagulabilidade sanguínea, ou trombofilia pode Complicações da TVP
ser de origem genética ou adquirida (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Suas complicações são variáveis, dependendo da
↠ Na origem genética podemos encontrar uma extensão da trombose e do local acometido (SOCESP, 5ª
deficiência de fatores que impedem a coagulação, como ed.).
a antitrombina, a proteína C e a proteína S. Podemos Tromboembolismo Pulmonar (TEP)
também encontrar resistência à proteína C ativada
causada por mutação no fator V, encontrada em 20 a ↠ A embolia pulmonar se desenvolve quando uma
50% dos pacientes com TVP, sendo a trombofilia mais substância transmitida pelo sangue se aloja em um ramo
comum nos pacientes com TEV (SOCESP, 5ª ed.). da artéria pulmonar e obstrui o fluxo sanguíneo (PORTH,
Constituem também causas genéticas, alterações no gene da 10ª ed.).
protrombina, que é encontrada em 6 a 18% dos pacientes com TVP,
e a hiper-homocisteinemia, que encontra sua origem na mutação do
↠ A trombose nas veias profundas das pernas ou da
gene da metilenotetra-hidrofolato redutase (MTHFR) (SOCESP, 5ª ed.). pelve muitas vezes permanece insuspeita até o evento
de uma embolia (PORTH, 10ª ed.).
↠ Além de causas adquiridas, como deficiências de
vitamina B12, B6 e folato. Na origem adquirida temos Fisiopatologia da TEP
fatores teoricamente temporários como a gravidez, uso
de anticoncepcionais orais (em especial os combinados ↠ Quanto mais proximal o trombo estiver nas veias
com estrogênio e progestágenos), cirurgias, tabagismo, profundas da perna, mais provável é a sua embolização
obesidade e infecções. Temos, também, doenças e a ocorrência de embolia pulmonar aguda
adquiridas como a síndrome do anticorpo antifosfolípide (BRAUNWALD, 10ª ed.).
(SAAF), neoplasias, vasculites, poliglobulias e outras ↠ Quando os trombos venosos se separam dos seus
(SOCESP, 5ª ed.). locais de formação, eles viajam através do sistema venoso
Manifestações Clínicas da TVP em direção à veia cava. Eles atravessam o átrio direito e
o ventrículo direito e, em seguida, entram na circulação
↠ Muitas pessoas com trombose venosa são arterial pulmonar (BRAUNWALD, 10ª ed.).
assintomáticas, e até 50% das pessoas com TVP não
↠ Um êmbolo extremamente grande pode alojar-se na
manifestam sintomas. Provavelmente, a ausência de sinais
bifurcação da artéria pulmonar, formando uma embolia
e sintomas é devida à obstrução apenas parcial da veia
em sela. Em muitos pacientes com EPs de grande
ou à presença de circulação colateral (PORTH, 10ª ed.).
dimensão, a evidência ecográfica de TVP está ausente,
↠ Quando presentes, os sinais e sintomas mais comuns provavelmente porque o coágulo já embolizou para os
da trombose venosa são aqueles relacionados ao pulmões (BRAUNWALD, 10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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embolia (embolização recorrente) obstrui progressivamente o leito


pulmonar e aumenta a pressão arterial pulmonar (hipertensão
pulmonar). A conjuntivização ou a organização de êmbolos
trombóticos é idêntica à organização de trombos (BOGLIOGO, 10ª ed.).

Manifestações Clínicas da TEP

↠ As manifestações de embolia pulmonar dependem do


tamanho e da localização da obstrução (PORTH, 10ª ed.).
↠ Os sinais clínicos de TEP são inespecíficos, como
dispneia, dor torácica, hemoptise, síncope ou pré-síncope.
Em alguns casos, pode ser assintomática e descoberta
incidentalmente (DIRETRIZ, 2022).
↠ Um infarto pulmonar muitas vezes causa uma dor
. ↠ Os efeitos da embolia na circulação pulmonar estão pleurítica que muda com a respiração, sendo mais grave
relacionados com a obstrução mecânica da circulação na inspiração e mais branda na expiração (PORTH, 10ª ed.).
pulmonar e os reflexos neuro-humorais que causam
vasoconstrição (PORTH, 10ª ed.). ↠ Ocorre hipoxemia moderada, sem retenção de dióxido
de carbono, como resultado do comprometimento das
↠ A obstrução do fluxo sanguíneo pulmonar provoca trocas gasosas (PORTH, 10ª ed.).
broncoconstrição reflexa na área afetada do pulmão,
perda de ventilação, comprometimento das trocas ↠ A existência repetida de pequenos êmbolos reduz
gasosas e perda de surfactante alveolar. Podem se gradualmente o tamanho do leito capilar pulmonar, o que
desenvolver hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca resulta em hipertensão pulmonar. Pessoas com embolia
direita quando sucede vasoconstrição maciça por causa moderada frequentemente apresentam dificuldade
de um grande êmbolo. Embora possam ser observadas respiratória acompanhada de dor pleurítica, apreensão,
pequenas áreas de infarto, é incomum um infarto febre baixa e tosse produtiva com expectoração de
pulmonar total (PORTH, 10ª ed.). sangue (PORTH, 10ª ed.).
↠ Muitas vezes se manifesta uma taquicardia para
compensar a diminuição da oxigenação e o padrão de
respiração é rápido e superficial (PORTH, 10ª ed.).
↠ Pessoas com embolia maciça geralmente apresentam
colapso repentino, dor subesternal no tórax, choque e, às
vezes, perda de consciência. O pulso é rápido e fraco, a
pressão arterial é baixa, as veias do pescoço se mostram
distendidas e a pele se apresenta cianótica e diaforética.
Uma embolia pulmonar maciça frequentemente é fatal
(PORTH, 10ª ed.).

OBS.: A circulação pulmonar é feita pela artéria pulmonar e pelas ↠ A síncope parece estar presente em cerca de 17%
artérias brônquicas. Em indivíduos sem alteração circulatória prévia, as dos casos e está associada a alta prevalência de
artérias brônquicas são capazes de suprir o território eventualmente instabilidade hemodinâmica e falência do ventrículo direito.
privado de sangue por obstrução da artéria pulmonar por embolia. Por O TEP que apresenta instabilidade hemodinâmica não é
isso mesmo, quando os êmbolos são pequenos e pouco numerosos
e chegam a pulmões sem alterações circulatórias, a embolia pulmonar
frequente, mas indica um comprometimento maciço da
é geralmente discreta e não tem repercussão clínica. Na maioria circulação pulmonar (DIRETRIZ, 2022).
desses casos, ocorre dissolução espontânea por pulverização do
êmbolo ao se chocar com as dicotomizações vasculares, pela força de Úlcera de estase e dermatite
cisalhamento da circulação e por ação do sistema fibrinolítico. Se
retidos na circulação e se não são dissolvidos, os êmbolos podem se Outras complicações da TVP são as complicações crônicas que
organizar (conjuntivizar), sendo vistos no interior de artérias ocorrem pela lesão das válvulas venosas após a trombose e sua
pulmonares como bandas fibrosas na luz vascular. A repetição da consequente recanalização, deixando o sistema profundo com refluxo
venoso patológico que, ao longo dos anos, pode evoluir para uma

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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entidade denominada síndrome pós-trombótica (SPT) (SOCESP, 5ª A comunicação entre os sistemas superficial e o profundo é feita pelas
ed.). veias do sistema perfurante. As veias desses três sistemas possuem
inúmeras válvulas, as quais orientam o fluxo de sangue, em uma única
A SPT é consequência de um quadro de refluxo crônico não tratado direção, das veias do sistema superficial para o sistema profundo, e
que evolui com complicações como: edema crônico, inflamação distal impedem o refluxo do mesmo durante o relaxamento da musculatura
com dermatite ocre e lipodermatoesclerose. Geralmente acomete das pernas (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
toda a circunferência do membro inferior, apresentando-se “em bota”.
Quando não tratada, esta inflamação crônica pode levar a ulcerações O fluxo venoso também é auxiliado pela musculatura da panturrilha,
de difícil cicatrização e anquilose do tornozelo que, por sua vez, dificulta que funciona como uma verdadeira bomba periférica, ajudando as
a dorsoflexão do pé e contração e relaxamento de panturrilhas, válvulas a superar a força da gravidade, impulsionar o sangue para o
agravando ainda mais o quadro de edema e estase venosa (SOCESP, coração e diminuir pressão no interior das veias (GUIMARÃES;
5ª ed.). NOGUEIRA, 2010).

↠ Dentre as úlceras encontradas nos membros A pressão venosa é um produto da pressão hidrostática exercida pela
coluna de sangue entre as pernas e o átrio direito. Em posição supina,
inferiores, a úlcera de etiologia venosa é a que possui
a pressão nas veias profundas chega a quase 0mmHg, quando em pé,
maior prevalência. Corresponde aproximadamente de aumenta drasticamente, geralmente cerca de 80mmHg a 90mmHg e
80% a 90% das úlceras encontradas nessa localização, ao deambular essa pressão cai para 30mmHg (GUIMARÃES;
sendo que a insuficiência venosa crônica (IVC) é a principal NOGUEIRA, 2010).
responsável pelo seu surgimento (GUIMARÃES; Na deambulação, esse grupo muscular se contrai e exerce pressão
NOGUEIRA, 2010). sobre as veias profundas, fazendo com que a pressão venosa caia
para um estado fisiológico. Em suma, a função fisiológica, é dependente
↠ As úlceras venosas são lesões crônicas associadas com da integridade anatômica das veias, da competência do sistema valvular
hipertensão venosa dos membros inferiores e e do bom funcionamento da bomba periférica (GUIMARÃES;
correspondem a percentual que varia aproximadamente NOGUEIRA, 2010).
de 80 a 90% das úlceras encontradas nesta localização e É a falha nesse mecanismo que desencadeia a hipertensão venosa
configuram problema mundialmente grave, sendo em deambulação, levando a um acúmulo excessivo de líquido e de
responsável por considerável impacto socioeconômico, fibrinogênio no tecido subcutâneo, resultando em edema,
como a perda de dias de trabalho, aposentadoria precoce lipodermatosclerose e, finalmente ulceração (GUIMARÃES; NOGUEIRA,
2010).
e os gastos com a terapêutica, em geral, prolongada, além
de restringir as atividades da vida diária e de lazer ↠ A pressão elevada leva à formação de úlceras nos
(GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010). membros inferiores (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
Etiologia das úlceras de estase e dermatite

↠ A insuficiência venosa crônica (IVC) é a causa mais


comum das úlceras de perna. É definida como uma
anormalidade do funcionamento do sistema venoso
causada por uma incompetência valvular, associada ou
não à obstrução do fluxo venoso. Pode afetar o sistema
venoso superficial, o sistema venoso profundo ou ambos
(GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).

Fisiopatologia das úlceras de estase e dermatite

O sistema venoso é um sistema de capacitância, funcionando como


reservatório sanguíneo, e que, normalmente, tem a função de carrear
o sangue desoxigenado de volta ao coração (GUIMARÃES; NOGUEIRA,
2010).

As veias da panturrilha, em associação com os tecidos circundantes, ↠ Na IVC a ocorrência de varizes primárias com
formam uma unidade funcional conhecida como bomba muscular ou
coração periférico, ativamente atuante na drenagem do sangue
disfunção da parede venosa, focal ou generalizada, parece
venoso durante o exercício. Em condições normais, o fluxo de sangue causar a insuficiência das válvulas por afastamento de suas
é feito em uma única direção, através de três sistemas de veias, cúspides secundariamente a essa dilatação. A coluna de
distintos anatômica e funcionalmente, sendo esses: o superficial, o sangue formada gera uma pressão hidrostática
profundo e o perfurante (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
progressivamente maior, que, com ou sem a participação

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de veias perfurantes insuficientes termina por transmitir- hemossiderina. Por fim ocorre um processo de
se aos capilares sanguíneos (DIRETRIZ, 2015). dermatolipoesclerose secundário a grande concentração
de líquido e principalmente proteínas que ficaram retidas
↠ Num primeiro momento, ocorre apenas o aumento da
no interstício celular, levando primeiro ao endurecimento
saída de líquido e pequenas proteínas para o espaço
e aumento do poder oncótico intersticial e posterior a
extra-vasal. Nesta fase, isto é compensado pela
fibrose da pele e principalmente do tecido celular
reabsorção dos mesmos pelo próprio capilar durante o
subcutâneo (DIRETRIZ, 2015).
repouso, bem como pela capacidade de absorção do
sistema linfático o que evita alterações maiores como o ↠ Quando o agravamento da condição tecidual é tal que
edema. Com a continuidade ou piora do quadro de proporciona a destruição da pele e solução de
hipertensão venosa, a entrada de líquido e proteínas no continuidade com os tecidos mais profundos, a
interstício ultrapassa a capacidade de captação capilar e denominada “úlcera de estase” ou “úlcera varicosa”. Tal
linfática ocorrendo o edema (DIRETRIZ, 2015). situação deve ser evitada ao máximo visto que de 50 a
75% destas úlceras demoram de 4 a 6 meses para
↠ Neste ponto, apesar de ainda não totalmente elucidado
cicatrização enquanto pelo menos 1/5 delas permanecem
se como causa ou consequência, mas de maneira muito
abertas por mais de 2 anos (DIRETRIZ, 2015).
importante na fisiopatologia da doença, soma-se ao
processo a participação do sistema imunológico. Mediada
pelas moléculas de adesão intercelular (ICAM-1), e
citoquinas como interleucina (IL-6 e 8) e fator de necrose
tumoral (TNFß), ocorre um estímulo local a resposta
inflamatória através de macrófagos e neutrófilos
(DIRETRIZ, 2015).
↠ Paradoxalmente, a presença destes fatores determina
Paciente com síndrome pós-trombótica (SPT) com
localmente um aumento da permeabilidade capilar com lipodermatoesclerose (A) e dermatite ocre “em bota” (B).
aumento do extravasamento que agora passa a ser
acompanhado de macromoléculas e mesmo de OBS.: São considerados os principais sinais e sintomas de IVC:
elementos figurados do sangue como as hemácias. Os formigamento, dor, queimação, câimbras musculares, inchaço,
sensação de peso ou de latejamento, prurido cutâneo, cansaço das
fagócitos na tentativa de absorver estes elementos
pernas e fadiga (DIRETRIZ, 2015).
aumentam a produção de grânulos citoplasmáticos
contendo radicais livres de oxigênio potencializando ainda CARACTERÍSTICAS DA ÚLCERA VENOSA: A úlcera venosa tende a se
mais a resposta inflamatória local (DIRETRIZ, 2015). localizar no terço inferior da perna, comum no maléolo medial; o
desenvolvimento da úlcera venosa é lento, apresenta bordas
↠ O ambiente tecidual nas regiões mais acometidas superficiais e irregulares e o tecido profundo não é afetado, apresenta
manchas varicosas castanhas, eczema e é quente ao toque; a dor é
começa a se tornar deletério as próprias células e
variável na úlcera venosa, melhorando com a elevação do membro,
paralelamente a isso o progressivo aumento da pressão na úlcera venosa o pulso está presente (DIRETRIZ, 2015).
no interstício passa a causar a diminuição de fluxo na
microcirculação com consequente diminuição de
oxigenação e trocas metabólicas. A lise das hemácias
libera hemoglobina que no espaço extracelular é
degradada a um subproduto, a hemossiderina,
extremamente irritante aos tecidos (DIRETRIZ, 2015).
↠ A somatória de hipoperfusão tecidual relativa e
agressão celular com depósito de hemossiderina
culminam nas seguintes características: o eczema de
estase com ressecamento, descamação, adelgaçamento
e prurido na pele, sinais inequívocos da alteração
inflamatória (DIRETRIZ, 2015).
↠ Uma dermatite “ocre” também é observada sendo o
resultado dos depósitos dérmicos e subcutâneos de

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Tratamento da úlcera de estase e dermatite veias é em grande parte hidrostática quando a pessoa está em pé,
para reverter esse efeito ela requer que o nível necessário de pressão
↠ No caso da úlcera venosa, o tratamento deve estar externa reduza progressivamente na perna, da parte inferior para a
superior, sendo que a maior pressão deve ser aplicada na região do
amparado em quatro condutas: (GUIMARÃES; NOGUEIRA, tornozelo (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
2010).
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
➢ tratamento da estase venosa, utilizando o
repouso e a terapia compressiva; ↠ As feridas de etiologia venosa são, geralmente,
➢ terapia tópica, com escolha de coberturas locais recobertas por tecido necrótico membranoso, superficial,
que mantenham úmido e limpo o leito da ferida amarelado imbricado no tecido de granulação e muito
e sejam capazes de absorver o exsudato; exsudativas. Para o tratamento tópico, além da terapia
➢ controle da infecção com antibioticoterapia compressiva, é importante a implementação de
sistêmica; coberturas não aderentes, capazes de propiciar o
➢ prevenção de recidivas. desbridamento autolítico, de absorver o exsudato e criar
um ambiente propício para o desenvolvimento do
TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO processo de cicatrização (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
↠ Podemos considerar atualmente a compressão como MEDICAÇÕES VENOATIVAS OU FLEBOTÔNICAS: Apesar da grande
a peça chave do tratamento conservador, agindo quantidade de compostos químicos a origem de muitas é comum,
diretamente sobre os mecanismos da fisiopatologia que podendo ser divididas em naturais (alfa ou gama benzopironas, escinas)
e sintéticas (dobesilato de cálcio e aminaftona). A ação destas drogas
levam ao aparecimento das úlceras e agravamento da
inclui a diminuição da permeabilidade capilar, efeito linfocinético, menor
doença. Nesse tópico dispõe-se de uma série de apoptose das células endoteliais e uma ação anti-inflamatória por
modalidades de compressão que incluem as meias de diminuição da adesividade de células de defesa (DIRETRIZ, 2015).
compressão gradual, bandagens elásticas e inelásticas e
compressão intermitente (DIRETRIZ, 2015). Diagnóstico da TVP

Desde que Unna, um dermatologista do século XIX, desenvolveu uma ANEMNESE


bandagem compressiva de óxido de zinco para o tratamento de
úlceras venosas, a principal terapia para essas feridas tem sido a ↠ É importante que seja feita a investigação de
compressão do membro afetado (GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010). comorbidades que podem estar relacionadas com o
quadro (SOCESP, 5ª ed.).
↠ A forma mais adequada de controle clínico da
hipertensão venosa dos membros inferiores é através da ↠ Nos pacientes jovens é importante que seja
compressão do membro. A terapia compressiva pode ser pesquisado antecedentes trombóticos na família
obtida com o uso de meias ou bandagens e essas podem (componentes genéticos) e, nas pacientes, deve ser
ser classificadas em elásticas (meias elásticas) ou questionado histórico de gravidez mal sucedida ou abortos
inelásticas (bota de unna) e ter uma ou mais camadas repetidos (SAAF) (SOCESP, 5ª ed.).
(GUIMARÃES; NOGUEIRA, 2010).
↠ É importante também investigar o uso de
anticoncepcionais orais combinados ou de terapia de
reposição hormonal. A obesidade, o tabagismo e o
histórico de desidratação podem favorecer a formação
de trombos (SOCESP, 5ª ed.).

EXAME FÍSICO
↠ O exame físico não deve se restringir somente ao
membro acometido, ele deve ser completo, uma vez que
pode conter informações importantes para o quadro
clínico em geral (SOCESP, 5ª ed.).
↠ A tireoide e os linfonodos palpáveis podem sugerir
O seu mecanismo de ação se dá através da pressão exercida sobre
a perna, o que obriga o fluido dos espaços intersticiais a retornar para processo neoplásico ou infecção. O sistema
o compartimento vascular ou linfático. Como a pressão dentro das cardiorrespiratório pode apresentar alterações

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consequentes de uma complicação por TEP. A palpação


abdominal pode revelar alterações sugestivas de doença
inflamatória ou maligna (SOCESP, 5ª ed.).
↠ O membro acometido é, em geral, o membro inferior.
Ao examiná-lo devemos, em primeiro lugar, avaliar a
perfusão distal com tempo de enchimento capilar, pulsos
e, se possível, avaliação de fluxo com Doppler contínuo.
A suspeita de TVP pode se confundir ou até mesmo vir
acompanhada de insuficiência arterial periférica (SOCESP,
5ª ed.).
↠ A trombose venosa causa inflamação local com
consequente dor, calor e eritema local. O edema é ↠ Embora todos estes sinais clínicos possam ocorrer na
geralmente importante, unilateral, variando de acordo TVP, eles não apresentam boa sensibilidade e
com a extensão da trombose e pode ser avaliado especificidade. Por esse motivo, foi estabelecido, em 1995,
comparando-o ao membro contralateral com a medida da por Wells, um modelo clínico de predição diagnóstica para
circunferência da perna (SOCESP, 5ª ed.). TVP que separa os pacientes em “TVP provável” e “TVP
não provável” (critérios de Wells) (SOCESP, 5ª ed.).
SINAIS QUE PODEM APARECER EM PACIENTES COM TVP
↠ O edema ocorre tanto no tecido celular subcutâneo, CRITÉRIOS DE WELLS
como na musculatura, o que causa um edema depressível
(sinal de Godet) (SOCESP, 5ª ed.).
↠ Empastamento da musculatura da panturrilha ao palpá-
la com o paciente em decúbito dorsal e membro em
semiflexão (sinal da bandeira) (SOCESP, 5ª ed.).

Exames Laboratoriais

DOSAGEM DO D-DÍMERO
↠ Na presença de trombose, a plasmina circulante
quebra a fibrina insolúvel e um dos produtos de
degradação dela é o dímero D (SOCESP, 5ª ed.).
↠ Ensaio quantitativo do D-dímero, com base no método
rápido de Elisa, apresenta alta sensibilidade (próximo de
95%) para o diagnóstico. No entanto, o teste revela baixa
especificidade (40%), visto que o D-dímero pode estar
aumentado em várias condições além do
tromboembolismo venoso, como nos casos de infarto
agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico,
inflamações, câncer ativo e gravidez. A especificidade
↠ O paciente também pode apresentar dor à palpação também cai com a idade, e em idosos pode alcançar
da panturrilha (sinal de Bancroft) e ao realizar a apenas 10% (DIRETRIZ, 2022).
dorsoflexão forçada do tornozelo com o joelho estendido
(sinal de Homans) (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Este método se presta para excluir o diagnóstico de
TVP quando estiver negativo, mas não serve para

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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confirmar o diagnóstico, caso seja positivo (SOCESP, 5ª Diagnóstico da TEP


ed.).
↠ O diagnóstico de embolia pulmonar deve se basear
Exames de imagem em sinais e sintomas clínicos, determinações de
gasometria sanguínea, estudos de trombose venosa,
Flebografia
teste da troponina, dímero D, radiografias do pulmão e
↠ A flebografia ainda é considerada o padrão ouro para TC helicoidais do tórax (PORTH, 10ª ed.).
o diagnóstico de TVP mas, por se tratar de um método
invasivo e pela evolução da qualidade dos métodos CRITÉRIO DE WELLS
alternativos (em especial o ultrassom), ela tem sido
realizada cada vez menos nos hospitais para auxílio
diagnóstico. Além disso, a flebografia tem suas limitações,
pois deve ser realizada em hemodinâmica ou centro
cirúrgico, necessita do uso de contraste, podendo
ocasionar reações alérgicas, além de ser contraindicado
seu uso em mulheres grávidas (SOCESP, 5ª ed.).
Hoje, a flebografia ainda é realizada como auxílio no tratamento das Exames laboratoriais e de imagem
tromboses com trombólise venosa e como controle dos resultados
após o procedimento (SOCESP, 5ª ed.). Como a maioria dos êmbolos pulmonares se origina de uma TVP,
estudos venosos como ultrassonografia com compressão do membro
ULTRASSOM inferior muitas vezes são utilizados como procedimentos diagnósticos
iniciais (PORTH, 10ª ed.).
↠ O ultrassom venoso (US) hoje é, sem dúvida, o
Os testes com dímero D envolvem a medição da concentração
método de escolha na maioria dos casos de suspeita
plasmática do dímero D, um produto de degradação de fatores de
clínica de TVP. Este método é não invasivo, praticamente coagulação que foram ativados como resultado de um evento
sem contraindicações, disponível na maioria dos hospitais tromboembólico (PORTH, 10ª ed.).
de referência e, apesar de ser examinador dependente,
não apresenta dificuldade técnica para um médico ↠ Os níveis de troponina podem se mostrar mais altos,
treinado em ecografia vascular (SOCESP, 5ª ed.). devido ao estiramento do ventrículo direito por um
grande infarto pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
↠ A cintigrafia de ventilação-perfusão usa albumina
radiomarcada, injetada por via intravenosa, e um gás
radiomarcado, que é inalado. A câmara (gama) de
cintilação é usada para digitalizar os vários segmentos do
pulmão para verificar o fluxo sanguíneo e a distribuição
do gás radiomarcado. O exame de ventilação-perfusão é
útil somente quando os seus resultados são normais ou
indicam uma alta probabilidade de embolia pulmonar
(PORTH, 10ª ed.).
↠ A angiotomografia computadorizada helicoidal (espiral)
requer a administração de um agente de contraste
radiológico por via intravenosa. É sensível para a detecção
de êmbolos nas artérias pulmonares proximais e
representa outra modalidade de diagnóstico (PORTH, 10ª
ed.).
↠ A angiografia pulmonar envolve a passagem de um
cateter venoso através do coração direito e na artéria
pulmonar sob fluoroscopia. Embora continue sendo o
método de diagnóstico de maior precisão, raramente é
realizado por ser um procedimento tão invasivo. Por

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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vezes, uma embolectomia é realizada durante esse MECANISMO DE AÇÃO: A heparina atua em inúmeros alvos
procedimento (PORTH, 10ª ed.). moleculares, mas seu efeito anticoagulante é
consequência da ligação à antitrombina I I, com a rápida
↠ A tomografia computadorizada torácica ultrapassou a
inativação subsequente dos fatores de coagulação. A
cintilografia de perfusão pulmonar com radionuclídeos
antitrombina I I é uma alfa-globulina que inibe
como o exame de imagem inicial na maioria dos pacientes
serinoproteases da trombina (fator I a) e fator Xa. Na
com suspeita de EP, permitindo a visualização imediata de ausência de heparina, a antitrombina I I interage lentamente com a
EP maciça e a confirmação da acessibilidade cirúrgica ou trombina e o fator Xa. Quando a heparina se liga à antitrombina I I,
por cateter para o trombo localizado no nível central ocorre uma alteração conformacional que catalisa a inibição da
(BRAUNWALD, 10ª ed.). trombina cerca de mil vezes (WHALEN, 6ª ed.).

↠ Pode realizar a gasometria arterial, pois pode haver


hipoxemia no TEP em até 80% dos casos, mas as
alterações mais frequentes são a alcalose respiratória e a
hipocapnia, pelo aumento da frequência respiratória.

Tratamento da TVP e TEP

Os objetivos do tratamento da trombose venosa são evitar a


formação de trombos adicionais, prevenir a extensão e a embolização
dos trombos existentes, assim como minimizar a lesão das válvulas
venosas (PORTH, 10ª ed.).

Os objetivos do tratamento de embolia pulmonar devem se


concentrar na prevenção de TVP e do desenvolvimento de
tromboembolismo; na proteção dos pulmões contra a exposição a um
eventual trombo-êmbolo; e, no caso de uma embolia pulmonar grande
e potencialmente fatal, na manutenção da vida e no restabelecimento
do fluxo sanguíneo pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
EFEITO ADVERSO: A principal complicação da heparina e das HBPMs é o
sangramento (WHALEN, 6ª ed.).
ANTICOAGULANTES
↠ A terapia medicamentosa anticoagulante (i. e., heparina VARFARINA
e varfarina) é utilizada para prevenir a formação de ↠ Os anticoagulantes cumarínicos devem sua ação à
trombos adicionais. Tipicamente, o tratamento é iniciado habilidade de antagonizar a função de cofator da vitamina
com um tipo de anticoagulante à base de heparina K (WHALEN, 6ª ed.).
injetável (por infusão intravenosa contínua ou injeções
subcutâneas). Em seguida, o paciente é transferido para MECANISMO DE AÇÃO: Os fatores I , VII, IX e X precisam da
um anticoagulante oral ou injeções subcutâneas para vitamina K como um cofator para sua síntese pelo fígado.
tratamento ambulatorial (PORTH, 10ª ed.). Esses fatores sofrem uma modificação pós-translacional
dependente de vitamina K, na qual alguns de seus
OBS.: É comum utilizar a heparina de baixo peso molecular, que pode
ser administrada por via subcutânea em regime ambulatorial. A
resíduos de ácido glutâmico são carboxilados para formar
varfarina, um anticoagulante oral, pode ser utilizada para pessoas com resíduos de ácido gama.-carboxiglutâmico (WHALEN, 6ª
risco a longo prazo de desenvolvimento de tromboembolia (PORTH, ed.).
10ª ed.).
↠ O tratamento com varfarina resulta na produção de
↠ Os anticoagulantes inibem a ação dos fatores de fatores de coagulação menos ativos (de 10 a 40% do
coagulação (p. ex., heparina) ou interferem com a síntese normal), pois lhes faltam suficientes cadeias laterais gama-
dos fatores de coagulação (p. ex., antagonistas da vitamina carboxiglutamil. Diferentemente da heparina, os efeitos
K, como a varfarina) (WHALEN, 6ª ed.). anticoagulantes da varfarina não são observados
imediatamente após a administração. Em vez disso, o pico
Heparina e heparinas de baixo peso molecular
do efeito pode atrasar por 72 a 96 horas, tempo
↠ A heparina é um anticoagulante injetável de ação necessário para esgotar a reserva de fatores de
rápida, usado com frequência para interferir agudamente coagulação circulantes (WHALEN, 6ª ed.).
na formação de trombos (WHALEN, 6ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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após a formação do trombo, pois ele se torna mais


resistente à lise à medida que envelhece (WHALEN, 6ª
ed.).
OBS.: Infelizmente, um número maior de trombos pode ocorrer
enquanto o trombo se dissolve, levando a uma maior agregação das
plaquetas e trombose. Estratégias para evitar essa situação incluem a
administração de antiplaquetários, como AAS, ou antitrombóticos,
como heparina (WHALEN, 6ª ed.).

EFEITOS ADVERSOS: Os trombolíticos não diferenciam entre a fibrina de


um trombo indesejado e a fibrina de um tampão hemostático benéfico.
Assim, a hemorragia é o principal efeito adverso. Por exemplo, uma
lesão prévia insuspeita, como a úlcera péptica, pode sangrar após a
injeção de um trombolítico (WHALEN, 6ª ed.).

FÁRMACOS: Ateplase,
reteplase e tenecteplase;
estreptoquinase;
uroquinase.

TROMBOLÍTICOS
↠ A terapia trombolítica (i. e., estreptoquinase, uroquinase
ou ativador de plasminogênio tecidual) pode ser utilizada
como uma tentativa de dissolver o coágulo. (PORTH, 10ª
ed.).
↠ A doença tromboembólica aguda em determinados
pacientes pode ser tratada com a administração de
fármacos que ativam a conversão de plasminogênio em
plasmina, uma serinoprotease que hidrolisa fibrina e, assim,
dissolve coágulos (WHALEN, 6ª ed.).

MECANISMO DE AÇÃO: Os trombolíticos apresentam


algumas características comuns. Todos atuam direta ou
indiretamente convertendo plasminogênio em plasmina,
que, então, hidrolisa a fibrina, hidrolisando, assim, os
trombos (WHALEN, 6ª ed.).

↠ A dissolução do coágulo e a reperfusão ocorrem com


maior frequência quando o tratamento é iniciado logo

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Referências

PÂNICO et. al. Trombose venosa profunda: diagnóstico e


tratamento. Diretriz da Sociedade Brasileira de Angiologia
e Cirurgia Vascular, 2015.
CASTRO et. al. Trombose venosa de membros inferiores:
diagnóstico e manejo na emergência, 2018.
CHARLO et. al. Relação entre trombose venosa profunda
e seus fatores de risco na população feminina. Global
Academic Nursing Journal, 2020.
ALBRICKER et. al. Diretriz Conjunta sobre
Tromboembolismo Venoso. Arquivo Brasileiro de
Cardiologia, 2022.
MERLO et. al. Insuficiência Venosa Crônica: Diagnóstico e
Tratamento. Diretriz da Sociedade Brasileira de Angiologia
e Cirurgia Vascular, 2015.
GUIMARÃES, B. J. A.; NOGUEIRA, C. L. M. Diretrizes para
o tratamento da úlcera venosa, Enfermería Global, 2010.
MERLO et. al. Insuficiência Venosa Crônica: diagnóstico e
tratamento. Diretriz da Sociedade Brasileira de Angiologia
e Cirurgia Vascular, 2015.
BONOW, Bonow. Braunwald - Tratado de Doenças
Cardiovasculares. Grupo GEN, 2017.
JATENE, Ieda B.; FERREIRA, João Fernando M.; DRAGER,
Luciano F.; et al. Tratado de cardiologia SOCESP. Editora
Manole, 2022.
NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia. Grupo GEN,
2021.
FILHO, Geraldo B. Bogliolo - Patologia. Grupo GEN, 2021.
WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto
Alegre: Artmed, 2016.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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APG 12 – “FALTOU O AR!’

Objetivos ↠ A função da zona condutora é filtrar, aquecer e


umedecer o ar e conduzi-lo para os pulmões. (TORTORA,
1- Rever a morfologia das vias aéreas superiores; 14ª ed.)
2- Debater sobre os fatores de risco da
broncoaspiração; Funções do Sistema Respiratório: (TORTORA, 14ª ed.)

3- Explicar a fisiopatologia da broncoaspiração, suas ➢ Possibilitar as trocas gasosas: ingestão de O2 para entregá-
manifestações clínicas e complicações; lo às células corporais e remoção do CO 2 produzido pelas
4- Discutir sobre o manejo da broncoaspiração em células do corpo.
➢ Ajudar a regular o pH do sangue.
crianças ➢ Conter receptores para o sentido do olfato, filtrar o ar
inspirado, produzir sons vocais (fonação) e eliminar água e
Morfologia das vias aéreas calor.

↠ O sistema respiratório consiste em nariz externo, Anatomia do sistema respiratório


cavidade nasal, faringe, laringe, traqueia, brônquios e
pulmões. (SEELY, 10ª ed.) NARIZ
↠ O nariz consiste em nariz externo e cavidade nasal. O
nariz externo é a estrutura visível que forma a parte
proeminente da face. A maior parte do nariz externo é
composta por placas de cartilagem hialina. A ponte do
nariz consiste no osso nasal mais as extensões dos ossos
frontal e maxilar. (SEELY, 10ª ed.)

↠ Há duas formas de classificar as partes do sistema


respiratório: estruturalmente e funcionalmente. (SEELY,
10ª ed.)
↠ Estruturalmente, o sistema respiratório é dividido em
trato respiratório superior e trato respiratório inferior.
(SEELY, 10ª ed.)
↠ A cavidade nasal estende-se desde as narinas até as
↠ O trato respiratório superior inclui o nariz externo, a coanas. As narinas são as aberturas externas da cavidade
cavidade nasal, a faringe com suas estruturas associadas, nasal, e as coanas são as aberturas para a faringe. (SEELY,
e a laringe; o trato respiratório inferior inclui a traqueia, os 10ª ed.)
brônquios e suas ramificações (bronquíolos), e os pulmões. OBS.: A cavidade nasal é dividida nas metades direita e esquerda pelo
(SEELY, 10ª ed.) septo nasal na linha mediana; essa parede é formada pela lâmina
perpendicular do osso etmoide, pelo vômer e pela cartilagem do septo
Obs.: Algumas literaturas, como por exemplo Tortora, traz a laringe nasal, todos cobertos por uma membrana mucosa. (MARIEB, 7ª ed.)
como parte do trato respiratório inferior.
↠ O teto da cavidade nasal é formado pelos ossos
↠ Funcionalmente, o sistema respiratório é dividido em
etmoide e esfenoide; seu assoalho é composto pelo
duas regiões. A zona condutora é exclusivamente para a
palato, que separa as cavidades nasal e bucal e mantém
passagem de ar e estende-se do nariz aos bronquíolos. A
o alimento fora das vias aéreas. (MARIEB, 7ª ed.)
zona respiratória localiza-se dentro dos pulmões e é o
local onde ocorrem as trocas gasosas entre o ar e o
sangue. (SEELY, 10ª ed.)

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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PARTE NASAL DA FARINGE: Duas tubas auditivas da orelha média abrem-


se dentro da nasofaringe. O ar passa por elas para equalizar a pressão
entre o ar atmosférico e a orelha média. A superfície posterior da
nasofaringe contém a tonsila faríngea, ou adenoide, que ajuda a
defender o corpo contra infecções. Um aumento da tonsila faríngea
pode interferir na respiração e na passagem do ar pelas tubas auditivas.
(SEELY, 10ª ed.)

PARTE ORAL DA FARINGE: À medida que a parte nasal se continua com


a parte oral da faringe, o epitélio que a reveste muda para estratificado
pavimentoso (não queratinizado) protetor espesso. Essa adaptação
estrutural reflete um maior atrito e trauma químico que acompanham
a passagem do alimento deglutido pela parte oral da faringe. Dois tipos
de tonsilas estão relacionados com a sua mucosa: o par de tonsilas
palatinas situa do nas paredes laterais das fauces, e a tonsila lingual
As conchas e a mucosa nasal funcionam durante a inspiração filtrando, ímpar, que cobre a superfície posterior da língua. (MARIEB, 7º ed.)
aquecendo e umidificando o ar. Durante a expiração, elas recuperam
esse calor e umidade. O ar inspirado resfria as conchas e depois, PARTE LARÍNGEA DA FARINGE: Revestida por um epitélio estratificado
durante a expiração, essas conchas resfriadas precipitam a umidade e pavimentoso. (MARIEB, 7º ed.)
extraem calor do ar úmido que flui ao longo delas. Esse mecanismo
de recuperação minimiza a quantidade de umidade e calor perdidos LARINGE
pelo corpo por meio da respiração, ajudando as pessoas a sobreviver
nos climas secos e frios. (MARIEB, 7º ed.) ↠ A estrutura da laringe é uma organização intrincada
de nove cartilagens conectadas por membranas e
OBS.: A boca funciona como via respiratória alternativa quando as vias ligamentos (MARIEB, 7ª ed.).
nasais estão obstruídas ou há necessidade de trocar grandes volumes
de ar (p. ex., durante um esforço físico) (PORTH, 10ª ed.).

FARINGE
↠ A faringe, ou garganta, é um tubo em forma de funil
com aproximadamente 13 cm de comprimento que
começa nos cóanos e se estende para o nível da
cartilagem cricóidea, a cartilagem mais inferior da laringe.
(TORTORA, 14ª ed.)
OBS.: A faringe é a abertura comum dos sistemas digestório e
respiratório (SEELY, 10ª ed.).

↠ A parede muscular da faringe consiste em músculo


esquelético em toda a sua extensão, mas a natureza do
revestimento mucoso varia entre as suas três partes. ↠ As paredes da laringe são sustentadas por estruturas
(MARIEB, 7º ed.) cartilaginosas firmes, que impedem seu colapso durante a
inspiração. As funções da laringe podem ser divididas em
↠ A faringe é dividida em três regiões: nasofaringe,
dois grupos: as que estão associadas à fala e as
orofaringe e laringofaringe. (SEELY, 10ª ed.)
relacionadas com a proteção dos pulmões contra outras
substâncias que não sejam o ar (PORTH, 10ª ed.).
OBS.: A nona cartilagem da laringe, a epiglote, em forma de folha, é
composta de cartilagem elástica (cartilagem epiglótica), sendo quase
inteiramente coberta por mucosa. (MARIEB, 7ª ed.)

↠ A entrada na laringe de qualquer coisa que não seja


ar inicia o reflexo da tosse, que expele a substância e
impede que ela avance para os pulmões. (MARIEB, 7ª ed.)

↠ Quando o mecanismo da deglutição está parcial ou


totalmente paralisado, alimentos e líquidos podem entrar
nas vias respiratórias, em vez de no esôfago, quando o

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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paciente tenta engolir. Essas substâncias não são OBS.: A parede posterior é desprovida de cartilagem, contendo uma
removidas facilmente. Quando são levadas aos pulmões, membrana ligamentosa elástica e feixes de fibra muscular lisa chamada
de músculo traqueal. O esôfago encontra-se logo atrás da parede
podem causar um distúrbio inflamatório grave conhecido
posterior da traqueia, onde não há cartilagem (SEELY, 10ª ed.).
como pneumonia por aspiração (PORTH, 10ª ed.).
↠ A estrutura microscópica da parede da traqueia
Como a laringe está abaixo do pescoço e precisa subir bastante
durante a deglutição, às vezes ela não consegue alcançar a cobertura consiste em várias camadas comuns a muitos órgãos
protetora da epiglote antes de o alimento passar pela entrada da tubulares do corpo: mucosa, submucosa e adventícia
faringe. Embora a posição baixa da laringe nos torne mais suscetíveis (MARIEB, 7ª ed.).
aos engasgos, ela é essencial para a fala humana. Sua localização
inferior nos permite um maior movimento da língua na formação dos
sons e uma faringe excepcionalmente longa, que age como uma
câmara de ressonância dos sons das vogais que produzimos. (MARIEB,
7ª ed.)

Árvore Bronquial

Algumas literaturas denominam árvore traqueobronquial toda via


respiratória, começando com a traqueia (SEELY, 10ª ed.).

↠ A traqueia divide-se para formar os brônquios


principais, os quais, por sua vez, dividem-se para formar
Traqueia
brônquios cada vez menores, levando a muitos túbulos e
↠ A traqueia é um tubo flexível (membranoso) ligado à sacos microscópicos (SEELY, 10ª ed.).
laringe e entra no mediastino; ela termina na parte média
BRÔNQUIOS NA PARTE DE CONDUÇÃO
do tórax, dividindo-se em dois brônquios principais
(brônquios primários ou de 1ª ordem) (MARIEB, 7ªed.). ↠ Os brônquios principais direito e esquerdo, também
chamados brônquios de primeira ordem, são os maiores
tubos da árvore bronquial, um sistema tubular que se
ramifica amplamente no interior dos pulmões. Os dois
brônquios principais são ramos da traqueia no mediastino
(MARIEB, 7ª ed.).

Traqueia

Brônquios principais

Brônquios lobares

Brônquios segmentares
↠ A parede da traqueia contém de 16 a 20 anéis de
cartilagem hialina (as cartilagens traqueiais), em forma de
Bronquíolos
C, unidos uns aos outros por membranas intervenientes
de tecido conjuntivo fibroelástico (MARIEB, 7ªed.).
Bronquíolos terminais
↠ Uma crista no interior da última cartilagem traqueal,
chamada carina, marca o ponto onde a traqueia se ↠ O brônquio principal direito é maior em diâmetro e
ramifica nos dois brônquios principais. A mucosa que reveste mais alinhado com a traqueia do que o brônquio principal
a carina é altamente sensível a substâncias irritantes, sendo o local esquerdo. Como resultado, substâncias ingeridas que
onde costuma desencadear-se o reflexo da tosse (MARIEB, 7ª ed.). acidentalmente entram no trato respiratório inferior são

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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mais suscetíveis a se alojarem no brônquio principal direito ➢ O músculo liso passa a ser importante: uma camada de
(SEELY, 10ª ed.). músculo liso aparece pela primeira vez na parede posterior
da traqueia, o músculo traqueal, e continua nos grandes
↠ À medida que se aproximam e entram nos pulmões, brônquios. Essa camada forma faixas helicoidais que
envolvem os brônquios menores e os bronquíolos, e
os brônquios principais se dividem nos brônquios regulam a quantidade de ar que entra nos alvéolos. A
secundários, ou brônquios lobares (de segunda ordem) – musculatura relaxa para alargar os tubos de ar durante a
três à direita e dois à esquerda -, com cada um deles estimulação simpática, aumentando o fluxo de ar quando
ventilando um lobo pulmonar (MARIEB, 7ª ed.). as necessidades respiratórias são grandes, e constringe
esses tubos sob controle parassimpático quando as
necessidades respiratórias são baixas. Fortes contrações
dos músculos lisos nos brônquios estreitam os tubos de ar
durante as crises de asma. A musculatura lisa é delgada
quando chega à extremidade da árvore de bronquíolos e
está ausente em volta dos alvéolos.

VIAS RESPIRATÓRIAS DE CONDUÇÃO

Além de funcionarem como conduto do fluxo de ar, as vias


respiratórias de condução também ajudam a “condicionar” o ar
inspirado. O ar que respiramos é aquecido, filtrado e umidificado, à
medida que passa por essas estruturas. O calor é transferido ao ar
pelo sangue que flui ao longo das paredes das vias respiratórias. A
cobertura mucociliar remove materiais estranhos e a água liberada
pelas mucosas é usada para umidificar o ar (PORTH, 10ª ed.).
↠ Os brônquios lobares se ramificam nos brônquios
segmentares (de terceira ordem), que por sua vez se O muco produzido pelas células epiteliais das vias respiratórias de
dividem repetidamente em brônquios menores: quarta condução forma uma camada conhecida como cobertura mucociliar.
Essa camada protege o sistema respiratório retendo poeira, bactérias
ordem, quinta ordem etc. Em geral, existem cerca de 23 e outras partículas estranhas que entram nas vias respiratórias. Os cílios,
ordens de tubos de ar nos pulmões, sendo a menor delas que estão em movimento constante, mobilizam a cobertura mucociliar
quase pequena demais para ser vista sem um com suas partículas retidas na direção da orofaringe, em um padrão
microscópio (MARIEB, 7ª ed.). semelhante ao de elevador. Na orofaringe, a cobertura mucociliar é
expectorada ou deglutida (PORTH, 10ª ed.).
↠ Os tubos menores de 1 mm de diâmetro também são A água contida nas mucosas das vias respiratórias superiores e na
chamados bronquíolos (“pequenos brônquios”), e os árvore traqueobrônquica mantém úmidas as vias respiratórias de
menores que estes, os bronquíolos terminais, têm menos condução. A capacidade de o ar conter umidade sem condensação
de 0,5 mm de diâmetro (MARIEB, 7ª ed.). aumenta, à medida que a temperatura sobe (PORTH, 10ª ed.).

Os tecidos que compõem a parede de cada brônquio principal são os Histologia do sistema respiratório
mesmos observados na traqueia, mas à medida que os tubos de
condução ficam menores ocorrem as seguintes mudanças: (MARIEB, ↠ A maior parte da porção condutora é revestida
7ª ed.) internamente por um epitélio pseudoestratificado colunar
➢ Os tecidos conjuntivos de sustentação mudam: as ciliado com muitas células caliciformes, denominado
cartilagens traqueais são substituídas por peças epitélio respiratório. (JUNQUEIRA, 13ª ed.)
cartilagíneas irregulares à medida que os brônquios
principais entram nos pulmões. No nível dos bronquíolos, a ↠ O epitélio respiratório típico consiste em cinco tipos
cartilagem de sustentação não está mais presente nas suas celulares, identificáveis ao microscópio eletrônico. Como
paredes. Por outro lado, a elastina, que ocorre nas paredes
se trata de um epitélio pseudoestratificado, as células têm
de toda a árvore bronquial, não diminui.
➢ O epitélio: torna-se delgado à medida que muda de alturas diferentes, mas todas se apoiam na lâmina basal
pseudoestratificado para simples prismático (colunar) e do epitélio. (JUNQUEIRA, 13ª ed.)
depois para simples cúbico nos bronquíolos terminais e
respiratórios. Nem os cílios nem as células produtoras de
muco estão presentes nesses bronquíolos, onde terminam
as camadas de muco para a filtragem do ar. As partículas
de poeira que ultrapassem os bronquíolos não ficam
aprisionadas no muco, mas são removidas por macrófagos
nos alvéolos.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Qualquer material pode se tornar um CE no sistema respiratório, os


mais comuns que tem sido relatado são os vegetais, caroço ou
semente de frutas, grãos e brinquedos (ROCHA et. a., 2019).

Epidemiologia

↠ A broncoaspiração consiste no quinto evento adverso


mais comum durante a anestesia geral (RUBENICH et. al.,
2018).

↠ Cerca de 20% dos pacientes apresentam


microaspirações enquanto estão intubados. Após ensaio
utilizando corante na cavidade oral associado à intubação, conforme
técnica padronizada, 1/5 dos pacientes apresentou coloração na
O tipo mais abundante é a célula colunar ciliada. Cada uma tem cerca traquéia em porção inferior ao balonete, demonstrando aspiração. Os
de 300 cílios na sua superfície apical, e junto aos corpúsculos basais motivos principais são o vazamento aéreo do balonete
dos cílios há numerosas mitocôndrias, que fornecem trifosfato de ou mesmo o seu enchimento incompleto, ambos
adenosina (ATP) para os batimentos ciliares. (JUNQUEIRA, 13ª ed.) ocasionando espaço entre a via aérea e o tubo, gerando
Em termos quantitativos, seguem-se, em segundo lugar, as células passagem de secreções ou gotículas (RUBENICH et. al.,
caliciformes, secretoras de muco. A região apical dessas células 2018).
contém numerosas gotículas de muco composto de glicoproteínas.
(JUNQUEIRA, 13ª ed.) ↠ Estando a aspiração de corpo estranho entre os 1/3
As demais células colunares deste epitélio são conhecidas como células
dos acidentes que acometem as crianças (ROCHA et. a.,
em escova (brush cells), em virtude dos numerosos microvilos 2019).
existentes em suas superfícies apicais. Na base dessas células,
consideradas receptores sensoriais, há terminações nervosas ↠ As complicações da broncoaspiração contribuem para
aferentes. (JUNQUEIRA, 13ª ed.) o aumento significante das taxas de morbidade e
mortalidade, prolongam em média 5 a 9 dias o tempo de
Existem ainda as células basais, que são pequenas e arredondadas,
também apoiadas na lâmina basal, mas que não se estendem até a internação dos pacientes e elevam expressivamente os
superfície livre do epitélio. Elas são células-tronco que se multiplicam custos hospitalares (CARMO et. al., 2018).
continuamente por mitose e originam os demais tipos celulares do
epitélio respiratório. (JUNQUEIRA, 13ª ed.) ↠ Cerca de 70% das taxas de aspiração corresponde a
pacientes com rebaixamento do nível de consciência,
Broncoaspiração 50% em pacientes disfágicos após Acidente Vascular
Encefálico (AVE) e de 50% a 75% em pacientes com
↠ A broncoaspiração consiste na entrada de substâncias
intubação laringotraqueal (CARMO et. al., 2018).
estranhas nas vias aéreas inferiores. No perioperatório,
pode haver a aspiração imprópria de conteúdo gástrico Fatores de risco
ou da orofaringe. Já em emergências, atendem-se casos
de aspirações que, além das já citadas, podem incluir ↠ Algumas situações ou condições clínicas
partículas sólidas, ou também chamada de aspiração de comprometem a proteção fisiológica das vias aéreas
corpo estranho (RUBENICH et. al., 2018). inferiores, alterando principalmente o correto fechamento
glótico e o reflexo da tosse, dentre elas: (RUBENICH et. al.,
↠ A aspiração de corpo estranho (CE) é um tipo de 2018).
emergência médica de ameaça a com altas taxas de
morbilidade. É difícil reconhecer em crianças pequenas e ➢ Consciência reduzida;
sem testemunhas a aspiração de um CE, o que eleva o ➢ Distúrbios de deglutição / déficit neurológico;
índice de suspeição de aspiração (ROCHA et. a., 2019). ➢ Doença do refluxo gastroesofágico;
➢ Lesão mecânica na glote ou no esfíncter
Corpo estranho (CE) é qualquer objeto sólido ou líquido que de forma
acidental pode penetrar o corpo ou suas cavidades. Habitualmente é
esofágico inferior devido à traqueostomia,
ingerido ou colocado pela criança nas narinas e ouvido, mas apresenta intubação endotraqueal, broncoscopia,
um risco maior quando é aspirado para via aérea inferior (ROCHA et. endoscopia digestiva alta ou alimentação por
a., 2019). sonda nasogástrica;

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➢ Cirurgia que envolva a via aérea ou esôfago OBS.: A presença de ácido no esôfago terminal determina aumento da
superior; resistência pulmonar total, observada em pacientes com doenças
pulmonares crônicas como asma grave (NEVES et. al., 2009).
➢ Ausência de jejum adequado no processo de
anestesia geral; CLASSIFICAÇÃO
➢ Anestesia utilizando máscara laríngea;
➢ Outros: Gestantes; obesos; íleo adinâmico. ↠ A aspiração pulmonar pode ser aguda (acidental) ou
crônica (habitual) (NEVES et. al., 2009).
OBS.: Um importante fator protetor que possuímos contra a
regurgitação é a competência do esfíncter esofágico inferior, o qual ↠ A aspiração aguda pode ocorrer desde o período
pode suportar uma pressão intragástrica de até 20 cm de H2O no seu neonatal até a adolescência. A granulação e a composição
estado normal. Na falha deste mecanismo, o vômito pode ocorrer
favorecendo a broncoaspiração (RUBENICH et. al., 2018).
do material aspirado são elementos importantes em
função das reações orgânicas que ocasionam (NEVES et.
Fisiopatologia al., 2009).

↠ As vias aéreas superiores apresentam como ↠ Os casos de aspiração crônica podem ocorrer devido
mecanismo de defesa, o movimento coordenado entre a RGE com aspiração do conteúdo gástrico e alimentos,
respiração e deglutição. A coordenação entre o em função de distúrbios da deglutição com predomínio
fechamento laríngeo, a deglutição e o espasmo da laringe de alimentos, saliva e secreções brônquicas (NEVES et. al.,
ou tosse responde à estimulação da faringe ou laringe 2009).
(NEVES et. al., 2009). Doenças neurológicas – coma e epilepsia – onde são aspirados saliva
e conteúdo gástrico podem ocasionar casos de aspiração crônica
↠ Nas vias inferiores a tosse e o clearence mucociliar (NEVES et. al., 2009).
desempenham este papel de defesa (NEVES et. al., 2009).
↠ A síndrome de aspiração também pode ser
↠ Os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento classificada de acordo com o tipo de material aspirado em:
da doença pulmonar nos processos aspirativos são: a irritativa, infecciosa e obstrutiva (NEVES et. al., 2009).
aspiração direta e o refluxo gastroesofágico (RGE) com
aspiração pulmonar (NEVES et. al., 2009). ➢ Como síndrome irritativa encontramos as
pneumonites químicas por ácido,
ASPIRAÇÃO DIRETA hidrocarbonetos, mecônio e álcool (NEVES et. al.,
↠ Na aspiração direta, durante o ato de deglutição, o 2009).
conteúdo da orofaringe atinge as vias aéreas inferiores, ➢ Na síndrome de aspiração infecciosa ocorre
promovendo obstrução laríngea ou brônquica e aspiração de saliva e secreções contaminadas
sufocação ou atelectasia maciça (NEVES et. al., 2009). (NEVES et. al., 2009).
➢ As síndromes aspirativas obstrutivas são
↠ A resposta inflamatória local é alterada pela aspiração causadas por afogamento e aspiração de corpo
de partículas alimentares, havendo influxo de leucócitos estranho (NEVES et. al., 2009).
polimorfonucleares e formação de granuloma (NEVES et.
al., 2009). ASPIRAÇÃO DE CORPO ESTRANHO
Na primeira infância ela ocupa um dos primeiros lugares na patologia
REFLUXO GASTROESOFÁGICO acidental (NEVES et. al., 2009).
↠ Nas situações de RGE com aspiração pulmonar, ocorre ↠ A criança pequena tem a tendência a colocar os
aspiração do conteúdo gástrico refluído, quanto mais objetos na boca e por vezes acidentalmente, aspira estes
baixo for o pH do material maior serão as alterações objetos, podendo ocorrer desde um episódio do engasgo
estruturais (NEVES et. al., 2009). até uma obstrução aguda e fatal das vias aéreas (NEVES
↠ O aumento da resistência pulmonar total devido à et. al., 2009).
acidificação esofágica por meio de reflexos vagais é outro ↠ Após a aspiração do corpo estranho, ocorre tosse
mecanismo responsável pelo desenvolvimento da doença paroxística e apneia em grau variável, com asfixia, levando
no RGE, nesta situação as manifestações respiratórias á morte, dependendo das características do material
ocorrem sem que haja aspiração pulmonar do conteúdo aspirado tais como: volume, capacidade de lesar os
gástrico (NEVES et. al., 2009). tecidos e tamanhos das partículas (NEVES et. al., 2009).

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↠ Se ele fica alojado em laringe ou faringe os sintomas colinérgicos, como o óxido nítrico, um peptidio intestinal
aparecem em tempo variável após o acidente, muitas vasoativo que estariam envolvidos neste relaxamento
vezes demorando a se manifestar causando dissociação (NEVES et. al., 2009).
entre causa e efeito, o chamado “período de silêncio”
OBS.: O refluxo é comum na alergia à proteína do leite de vaca e em
(NEVES et. al., 2009). crianças com paralisita cerebral e retardo mental (NEVES et. al., 2009).
↠ Quando o objetivo ingerido tem calibre superior ao ↠ A presença de sintomas respiratórios se deve a ação
dos brônquios, pode ficar livre na traqueia, havendo o risco irritativa do material do refluxo no ouvido médio, faringe,
do mesmo encravar-se na sub-glote. Nessa situação os seios da face e laringe. A criança pode apresentar, tosse,
sinais de localização não aparecem, ocorrendo tosse, rouquidão e quadros de otite, faringite, sinusite e laringite
estridor, sibilos e retração simulando um quadro de de repetição. O refluxo para a parte alta do trato
laringite (NEVES et. al., 2009). respiratório pode ocasionar, principalmente
↠ Nos casos em que o objeto tem menor calibre a broncopneumonias além da Síndrome de Sandifer, na
tendência é que ele se fixe no brônquio. De acordo com qual criança promove uma inclinação lateral do pescoço
o calibre do corpo estranho, este pode progredir até o para proteger a árvore respiratória do material refluído
brônquio de menor calibre e ai se encravar ou mobilizar- (NEVES et. al., 2009).
se posteriormente (NEVES et. al., 2009). ATENÇÃO: O tratamento nas crianças em aleitamento materno
exclusivo deve se ater ao aleitamento com maior oferta do seio, para
IMPORTANTE: A presença de corpos estranhos no esôfago pode causar
que a criança receba menor quantidade de leite. Nas crianças que não
sintomas respiratórios, pelo fato de que a laringe, traquéia e esôfago
estão em aleitamento materno, deve-se fracionar as mamadas e as
constituem uma unidade embriológica e funcional. Quando o corpo
formulas lácteas devem ser espessadas. As medidas posturais devem
estranho ultrapassa o esfíncter esofágico superior, pode ficar retido
ser utilizadas, como elevação do tronco o maior tempo possível e
por estenose esofágica ou por características do próprio corpo
elevação da cabeceira da cama (NEVES et. al., 2009).
estranho, tais como tamanho e forma (NEVES et. al., 2009).

Quanto ao estado físico dos corpos estranhos, os mais comumente Manifestações Clínicas
aspirados são sólidos, como brinquedos de materiais plásticos e
metálicos, assim como substâncias alimentícias, especialmente vegetais ↠ Alguns episódios de aspiração não acarretam
oleosos como amendoim e não oleosos como feijão e milho. Como alterações perceptíveis durante avaliação clínica, sendo
material liquido são citados leite, material gástrico, mecônio e água esta denominada aspiração silenciosa (CARMO et. al., 2018).
doce ou salgada em casos de afogamento; como material gasoso,
observa-se principalmente a inalação de fumaça (NEVES et. al., 2009). ↠ A percepção dos primeiros sintomas pode passar
desapercebidos, já que cerca de 40% podem estar
REFLUXO GASTRO-ESOFÁGICO (RGE)
assintomáticos (ROCHA et. a., 2019).
↠ O RGE é o retorno involuntário do conteúdo do
↠ A sintomatologia depende do tipo, do tamanho, da
estômago para o esôfago. Pode ser fisiológico e
localização e do grau de obstrução causado pelo corpo
patológico (NEVES et. al., 2009).
estranho (MELO et. al., 2015).
↠ Diversos fatores estão relacionados na fisiologia do
↠ As manifestações clínicas da aspiração de objetos
refluxo, entretanto, o esfíncter esofágico inferior, principal
pelas vias aéreas seguem, geralmente, três estágios de
componente da barreira anti-refluxo, é fundamental para
sintomas: o evento inicial agudo, o intervalo assintomático
o aparecimento do quando, tendo como função impedir
e as complicações (MELO et. al., 2015).
o retorno do conteúdo do estômago para o esôfago,
sendo constituído de musculatura lisa que envolve a ↠ O evento inicial caracteriza-se pela aspiração acidental
porção distal do esôfago (NEVES et. al., 2009). de um corpo estranho e a manifestação clínica clássica é
a presença de tosse intensa, sibilância, vômito, palidez,
↠ O refluxo ocorre quando a pressão no esfíncter está
cianose. Dependendo da idade do paciente, do tipo de
próxima de zero, nesta situação a pressão intra gástrica
corpo estranho e da sua localização nas vias aéreas, pode
supera a do esfíncter. O mecanismo transitório de
ocorrer obstrução total ou parcial das vias aéreas (MELO
relaxamento do esfíncter sem relação com a deglutição
et. al., 2015).
é considerado o principal mecanismo fisiopatológico do
RGE no lactente, o qual parece ocorrer em função da ↠ Após os sintomas iniciais, há um intervalo assintomático
liberação a partir de neurônios entéricos de ou oligossintomático, que varia de poucas horas a dias ou
neurotransmissores, inibidores adrenérgicos e não

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mesmo semanas, até o reaparecimento dos sintomas. O PNEUMONITE


paciente pode ser assintomático, com radiografia de tórax
normal em 40% dos casos, portanto, uma história positiva ↠ Refere-se à aspiração das substâncias que são tóxicas
nunca deve ser ignorada (MELO et. al., 2015). para as vias respiratórias inferiores, independentemente
da infecção bacteriana (RUBENICH et. al., 2018).
↠ Os corpos estranhos aspirados podem alojar-se na
laringe, traqueia e brônquios. Um corpo estranho laríngeo ↠ Uma pneumonite química pode instalar-se nos casos
pode levar a sintomas de hemoptise e dispneia com em que o pH for menor do que 2,5, evoluindo com
sibilância e cianose (MELO et. al., 2015). processo inflamatório 4h após a aspiração. A presença de
atelectasias e broncoespasmo não é infrequente (RUBENICH et. al.,
↠ Os sinais típicos da presença de corpo estranho 2018).
traqueal são os sibilos e o golpe audível e palpável
produzido pela impactação expiratória a nível subglótico ↠ A broncoaspiração também cursa com aumento da
(MELO et. al., 2015). permeabilidade capilar pulmonar e diminuição da
complacência exigindo suporte ventilatório com pressão
↠ As manifestações clínicas iniciais de um corpo estranho positiva (RUBENICH et. al., 2018).
na árvore brônquica são semelhantes às apresentadas
por corpos estranhos na laringe e traqueia. O paciente ↠ Estudos subsequentes mostraram que esta forma de
apresenta tosse e sibilos, que geralmente são unilaterais, aspiração geralmente segue um curso mais fulminante,
diminuição dos ruídos respiratórios localizados e dispneia pois a lesão pulmonar por aspiração de conteúdo gástrico
de intensidade variável a cianose também pode estar ocorre em segundos, e que pode resultar na síndrome
associada. Um corpo estranho não obstrutivo e não de angústia respiratória aguda (SARA). Nesses casos, a
gasometria arterial geralmente mostra que a pressão parcial de
irritante pode produzir poucos sintomas, mesmo após um oxigênio é reduzida, acompanhada por uma pressão parcial normal ou
período de tempo prolongado; enquanto um corpo baixa de CO2, com alcalose respiratória (RUBENICH et. al., 2018).
estranho obstrutivo produz sinais e sintomas rapidamente
(MELO et. al., 2015). ↠ Dentro de três minutos, ocorre atelectasia, hemorragia
peribrônquica, edema pulmonar, e a degeneração das
↠ O médico pode suspeitar de obstrução de vias aéreas células epiteliais brônquicas. Em quatro horas, os espaços
por corpo estranho quando houver aparecimento alveolares são preenchidos por leucócitos
abrupto de sibilância (podendo ser o primeiro sinal), polimorfonucleares e fibrina. Membranas hialinas são vistas
estridor (sendo este sintoma um dos principais), tosse, dentro de 48 horas. O pulmão neste momento torna-se
cansaço e broncoespasmo na ausência de febre ou edemaciado, com focos hemorrágicos e com
sintomas que cause suspeição anteriormente (ROCHA et. consolidações alveolares (RUBENICH et. al., 2018).
a., 2019).
↠ O mecanismo presumido é a liberação de citocinas
↠ A ocorrência de aspiração pode desencadear uma pró-inflamatórias, fator de necrose tumoral-alfa (TNF-a) e
série de sinais clínicos, incluindo a taquipneia em repouso, interleucina (IL) – 8 (RUBENICH et. al., 2018).
sibilos bilaterais na ausculta pulmonar e redução da
oxigenação arterial (CARMO et. al., 2018). ↠ As seguintes características clínicas devem levantar a
possibilidade de pneumonite química: (RUBENICH et. al.,
↠ Em crianças consideram-se como sinais sugestivos de 2018).
aspiração, dificuldade no ato da alimentação, presença de
leite na boca ou narinas nos intervalos das mamadas, ➢ Início abrupto dos sintomas com dispnéia em
engasgo, vômitos, regurgitações habituais, tosse noturna, destaque;
cianose e apneia (NEVES et. al., 2009). ➢ febre, que é geralmente baixa;
➢ cianose;
Complicações ➢ crepitantes difusos na ausculta pulmonar;
➢ hipoxemia grave e infiltrados na radiografia do
↠ As possíveis consequências incluem pneumonite,
tórax nos segmentos pulmonares envolvidos.
pneumonia e atelectasia (RUBENICH et. al., 2018).
OBS.: Os lobos envolvidos em posição ortostática são os inferiores. No
entanto, a aspiração que ocorre quando os pacientes estão em
posição de decúbito dorsal acomete os segmentos superiores dos

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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lobos inferiores e os segmentos posteriores dos lobos superiores cerca de 75% dos casos, porém uma radiografia normal
(RUBENICH et. al., 2018). não afasta a hipótese de aspiração de CE. (ROCHA et. al.,
PNEUMONIA 2019).

↠ Cerca de 20-30% dos pacientes que apresentarem ↠ A Fibrobroncoscopia (FB) independente de exames
episódio de broncoaspiração irão desenvolver pneumonia radiológicos normais deve ser realizada na suspeita de
(RUBENICH et. al., 2018). aspiração de CE realizada via endoscópica com o
broncoscópio de tubo aberto rígido ou flexível sob
↠A pneumonia de aspiração refere-se às consequências visualização direta para diagnóstico e sendo também
pulmonares resultantes da entrada anormal de líquidos, utilizado como terapêutica na retirada de CE e auxiliando
substâncias exógenas, partículas, ou secreções na redução da mortalidade e do tempo de internação
endógenas para as vias aéreas inferiores e aspiração de hospitalar (ROCHA et. al., 2019).
microorganismos da cavidade oral ou da nasofaringe
(RUBENICH et. al., 2018).

↠ A maioria dos pacientes apresenta manifestações


comuns de pneumonia, incluindo: tosse, febre,
expectoração purulenta e dispnéia, mas o processo se
desenvolve ao longo de um período de vários dias ou
semanas. Muitos pacientes apresentam emagrecimento e
anemia como características comuns de um processo
mais crônico (RUBENICH et. al., 2018).
OBS.: Diferentemente da pneumonia comum, a pneumonia por
aspiração é causada por bactérias presentes na flora do TGI, sendo,
portanto, menos virulentas. A maioria dos casos envolvem bactérias
anaeróbias e estreptococos aeróbio ou microaerófilos que
normalmente residem nas fendas gengivais (RUBENICH et. al., 2018).

A pneumonia por aspiração é uma doença grave com diagnóstico de


difícil distinção entre as outras pneumonias, e por isso subdiagnosticada. OBS.: A traqueotomia está indicada naqueles pacientes que aspiraram
A investigação engloba desde a história clínica, sinais e sintomas, CE demasiadamente largo, que não podem passar na região sub-glote
exames laboratoriais até radiografia de tórax. O tratamento inclui (NEVES et. al., 2009).
antibióticos, o que eleva os custos financeiros hospitalares e prolonga
o tempo de internação (CARMO et. al., 2018). Manejo

ATELECTASIA OVASCE NA CRIANÇA


↠ É a perda de volume ou ausência de ar no pulmão. A ↠ Quando suspeitar ou critérios de inclusão: Episódio
etiologia com desfecho mais grave é a aspiração de testemunhado (ou referido) de engasgo com tosse e/ou
corpo estranho, que é mais comum em crianças sinais de sufocação (PROTOCOLO SAMU, 2016).
(RUBENICH et. al., 2018).
Conduta
↠ Os sintomas são dor torácica, tosse e dispneia. O
diagnóstico é confirmado no raio-x de tórax. Nesse caso, ↠ Avaliar a gravidade:
deverá ser realizada broncoscopia flexível com a finalidade
➢ Obstrução leve: paciente capaz de responder se
de retirar o corpo estranho, com brevidade (RUBENICH
está engasgado. Consegue tossir, emitir alguns
et. al., 2018).
sons e respirar;
IMPORTANTE: A broncoaspiração pode levar o paciente a óbito. ➢ Obstrução grave: paciente apresenta início
súbito de grave dificuldade respiratória; não
Diagnóstico consegue tossir ou emitir qualquer som (tosse
↠ A radiografia de tórax é na maioria das vezes o silenciosa); pode apresentar o sinal de angústia
primeiro exame de imagem a ser realizado. Em casos de (sinal universal de asfixia).
objetos radiopacos, estes podem ser visualizados em

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OBSTRUÇÃO GRAVE EM CRIANÇA IRRESPONSIVA


➢ Se a criança tornar-se irresponsiva, o profissional deve
interromper a manobra de Heimlich e iniciar manobras de
ressuscitação cardiopulmonar;
➢ Posicionar o paciente em decúbito dorsal em uma
superfície rígida;
➢ Iniciar manobras aplicando inicialmente 30 compressões
torácicas com o objetivo de expelir o corpo estranho;
➢ Abrir vias aéreas e, antes de ventilar, inspecionar a cavidade
oral e remover o corpo estranho, se visível e facilmente
alcançável (com os dedos ou pinça);
↠ Considerar abordagem específica: ➢ Caso nada seja encontrado, realizar uma insuflação com
dispositivo bolsa-valva-máscara; se o ar não passar ou o
OBSTRUÇÃO LEVE EM CRIANÇA RESPONSIVA tórax não expandir, reposicionar a cabeça e insuflar
novamente;
➢ Não realizar manobras de desobstrução; ➢ Se ainda assim o ar não passar ou o tórax não expandir,
realizar 30 compressões torácicas (um profissional) ou 15
➢ Acalmar o paciente; compressões (dois profissionais) e inspecionar cavidade
➢ Incentivar tosse vigorosa; oral;
➢ Observar atenta e constantemente; ➢ Caso não haja sucesso, pode-se tentar a visualização direta
➢ Se evoluir para obstrução grave: ver item por laringoscopia e a remoção do objeto com a utilização
da pinça de Magill, se disponível;
Obstrução grave.
➢ Na ausência de sucesso, repetir ciclos de compressões e
ventilações;
OBSTRUÇÃO GRAVE EM CRIANÇA RESPONSIVA
➢ Se necessário, realizar cricotireoidostomia por punção e
ventilação transtraqueal;
➢ Executar a manobra de Heimlich, conforme
➢ Considerar o transporte imediato, mantendo as manobras
descrito a seguir: básicas de reanimação;
➢ Se o objeto for expelido e ocorrer a passagem do ar (tórax
expandir), realizar a avaliação primária e oferecer oxigênio;
➢ Na ausência de responsividade e de movimentos
respiratórios, palpar pulso.

OVASCE NO BEBÊ
↠ Quando suspeitar ou critérios de inclusão: Episódio
testemunhado (ou referido) de engasgo com tosse e/ou
sinais de sufocação em paciente < 1 ano de idade
(PROTOCOLO SAMU, 2016).

Conduta
↠ Avaliar a gravidade:
➢ Obstrução leve: paciente consegue tossir, emitir
alguns sons e respirar;
➢ Obstrução grave: paciente apresenta início
súbito de grave dificuldade respiratória; não
consegue tossir ou emitir qualquer som (choro
ou tosse silenciosos).

↠ Considerar abordagem específica:

OBSTRUÇÃO LEVE EM BEBÊ RESPONSIVO


➢ Não realizar manobras de desobstrução;
➢ Acalmar o paciente;
➢ Permitir tosse vigorosa;

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➢ Observar atenta e constantemente; Prevenção


➢ Se evoluir para obstrução grave: ver abaixo:
↠ A prevenção dos acidentes com aspiração de corpo
OBSTRUÇÃO GRAVE EM BEBÊ RESPONSIVO estranho continua sendo a medida mais eficaz para evitar
os altos índices de atendimentos hospitalares por esta
↠ Executar as manobras de desobstrução, conforme
causa (ROCHA et. al., 2019).
descrito a seguir:
↠ Com vista à minimização dos fatores agravantes
inerentes aos pacientes com risco de aspiração, algumas
intervenções foram recomendadas pela Nursing
Intervention Classification (NIC)11, tais como: (CARMO et. al.,
2018).
➢ posicionar o paciente verticalmente com ângulo
igual ou superior a 30º, podendo atingir até 90º
se houver possibilidade;
➢ monitorar o nível de consciência e estado
pulmonar;
➢ avaliar o reflexo de tosse;
OBSTRUÇÃO GRAVE EM BEBÊ IRRESPONSIVO ➢ a habilidade de deglutição;
➢ Se o bebê tornar-se irresponsivo, o profissional deve parar
➢ o controle do vômito;
de aplicar golpes no dorso e, imediatamente, iniciar ➢ manter cabeça elevada 30 a 40 minutos após a
manobras de ressuscitação cardiopulmonar; alimentação,
➢ Posicionar o paciente em decúbito dorsal em uma ➢ inspecionar alimentos ou medicamentos retidos
superfície rígida;
em cavidade oral;
➢ Iniciar as manobras aplicando inicialmente 30 compressões
torácicas sobre o esterno, logo abaixo da linha intermamilar, ➢ prestar cuidados bucais;
com o objetivo de expelir o corpo estranho; ➢ verificar sondas gástricas/ enterais/ gastrostomia.
➢ Abrir vias aéreas e, antes de ventilar, inspecionar a cavidade
oral e remover o corpo estranho, se visível e facilmente
alcançável (com os dedos ou pinça);
➢ Caso nada seja encontrado, realizar uma insuflação com
dispositivo bomba-válvula-máscara; se o ar não passar ou
o tórax não expandir, reposicionar a cabeça e insuflar
novamente;
➢ Se ainda assim o ar não passar ou o tórax não expandir,
realizar 30 compressões torácicas (um profissional) ou 15
compressões (dois profissionais) e inspecionar cavidade
oral;
➢ Caso não haja sucesso, pode-se tentar a visualização direta
por laringocospia e a remoção do objeto com a utilização
da pinça de Magill, se disponível;
➢ Na ausência de sucesso, repetir ciclos de compressões e
ventilações;
➢ Se necessário, realizar cricotireoidostomia por punção e
ventilação transtraqueal;
➢ Considerar o transporte imediato, mantendo as manobras
básicas de reanimação;
➢ Se o objeto for expelido e ocorrer a passagem do ar (tórax
expandir), realizar a avaliação primária e oferecer oxigênio;
➢ Na ausência de responsividade e de movimentos
respiratórios, palpar pulso.

OBS.: Atentar para ocorrência de parada cardiorrespiratória

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Referências

JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: texto e


atlas. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018
MARIEB, E.; WILHELM, P.; MALLATT, J. Anatomia
humana, 7ª ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil,
2014.
TORTORA, G. J; DERRICKSON, D. Princípios de anatomia
e fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
REGAN, J.; RUSSO, A.; VVANPUTTE, C. Anatomia e
Fisiologia de Seely, 10ª ed. Porto Alegre: AMGH, 2016.
RUBENICH et. al. Broncoaspiração no perioperatório e na
emergência: diagnóstico e manejo, 2018.
ROCHA et. al. Aspiração de corpo estranho em pediatria:
uma emergência – relato de caso. Revista Eletrônica
Acervo Saúde, 2019.
CARMO et. al. Gerenciamento do risco de
broncoaspiração em pacientes com disfagia orofríngea.
Revista CEFAC, 2018.
NEVES et. al. Processos aspirativos pulmonares em
crianças, 2009.
MARQUES et. al. Broncoscopia rígida: a terapia do corpo
estranho de vias aéreas. Brazilian Jouranl of
Otorhinolaryngology,
MELO et. al. Aspiração de corpo estranho em crianças:
aspectos clínicos e radiológicos. Residência Pediátrica, 2015.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Protocolo SAMU 192 – Suporte
Avançado de Vida, 2016.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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APG 13 – “MEDO DE SER O PRÓXIMO”

Objetivos Transmissão da TB

1- Debater sobre a etiologia, epidemiologia e ↠ As fontes de transmissão são os seres humanos com
fatores de risco da tuberculose; tuberculose ativa, que liberam micobactérias presentes no
*foco na população carcerária escarro. A tuberculose orofaríngea e intestinal, contraída através da
2- Discutir sobre a fisiopatologia e manifestações ingestão do leite contaminado com M. bovis, é rara em países onde o
clínicas da tuberculose; leite é rotineiramente pasteurizado, porém ela ainda é vista em países
que possuem vacas leiteiras tuberculosas e leite não pasteurizado
3- Explicar o diagnóstico e o tratamento da
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
tuberculose.
↠ Tossir, espirrar e falar produzem gotículas respiratórias.
Tuberculose
Essas gotículas evaporam e abrigam os microrganismos
↠ A tuberculose (TB) é uma doença pulmonar crônica (núcleos goticulares), que permanecem suspensos no ar
e sistêmica grave (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). e são transportados pelas correntes de ar. Desse modo,
viver em condições de aglomeração e ambientes
Afeta principalmente o pulmão (formas pulmonares), mas pode confinados aumenta o risco de disseminação da doença
acometer outros órgãos (formas extrapulmonares) (BOLETIM
(PORTH, 10ª ed.).
EPIDEMIOLÓGICO, 2021).
Período de transmissibilidade: durante toda a evolução da doença
↠ É a infecção causada pelo Mycobacterium tuberculosis pulmonar, em indivíduos bacilíferos não tratados, e até 2 semanas após
(bacilo de Koch) e, mais raramente, pelo Mycobacterium o início do tratamento (PORTO & PORTO).
bovis (PORTO & PORTO).
Período de incubação: 4 a 12 semanas após infecção surgem lesão
As micobactérias são bactérias aeróbias, com forma de bastonetes pulmonar primária e adenomegalia hilar/mediastinal (primoinfecção
finos, que não formam esporos. Esses microrganismos são tuberculosa). Na maioria das vezes, a primoinfecção é contida, isto é,
semelhantes às outras bactérias, com exceção de sua cápsula cerosa não se dissemina. Nesse período, torna-se positiva a reação
externa que as torna mais resistentes à destruição; o bacilo da tuberculínica. O bacilo da tuberculose pode disseminar-se por via
tuberculose pode persistir em lesões necróticas e calcificadas antigas hematogênica para qualquer órgão, principalmente cérebro, rins,
e manter sua capacidade de reiniciar a proliferação (PORTH, 10ª ed.). linfonodos e pulmões (PORTO & PORTO).

O revestimento ceroso também possibilita que o microrganismo ↠ A transmissão de M. tuberculosis é influenciada por
retenha um corante vermelho, quando a amostra é tratada com ácido características do caso-fonte, particularmente a carga
por coloração álcool-acidorresistente. Desse modo, as micobactérias
bacilar, pela proximidade do potencial receptor do
são comumente conhecidas como bacilos álcool-acidorresistentes.
Embora M. tuberculosis possa infectar quase todos os órgãos do organismo à fonte e pela condição do ar ambiental que
corpo, os pulmões são afetados mais comumente (PORTH, 10ª ed.). eles compartilham (BROADDUS, 6ª ed.).
Os bacilos da tuberculose são aeróbios estritos, que proliferam em ➢ Caso-fonte: Para uma pessoa com tuberculose ser
ambientes ricos em oxigênio. Isso explica sua tendência de causar infecciosa, os organismos devem ter acesso ao ar ambiental
doença dos lobos superiores ou das partes mais altas do lobo inferior e ser aerossolizados. De modo geral, isso significa que
do pulmão, onde a ventilação e a concentração de oxigênio são mais apenas pacientes com tuberculose pulmonar podem ser
altas (PORTH, 10ª ed.). considerados como infecciosos. Um segundo fator de caso-
fonte a ser considerado na determinação da infecciosidade
As micobactérias são patógenos primariamente intracelulares, são é o número de organismos contidos nos pulmões. Um
aeróbios obrigatórios e, na presença de uma resposta imune normal, terceiro fator importante na determinação da
induzem uma resposta granulomatosa nos tecidos (BROADDUS, 6ª ed.). infecciosidade de um caso-fonte é o uso de quimioterapia
(fármacos antituberculose). Diferentes cepas apresentam
distintas infecciosidades.
➢ Fatores ambientais: estudos de Loudon et al.
demonstraram que, sob condições-padrão de temperatura
e umidade em ambientes internos, 60% a 71% dos
organismos de M. tuberculosis aerossolizados sobreviveram
por 3 horas, 48% a 56%, por 6 horas, e 28% a 32%, por
9 horas. Além da taxa natural de morte, os únicos fatores
que influenciam a infectividade dos organismos em um
núcleo goticular sob circunstâncias comuns são a sua
remoção pela ventilação ou filtração e a morte de
organismos com a exposição à luz ultravioleta.
➢ Circunstâncias de exposição: Se a exposição é de longa
duração e ocorre sob condições que estariam associadas
Tuberculose. Coloração de Ziehl-Neelsen mostra numerosos bacilos
álcool-resistentes.
Júlia Morbeck – @med.morbeck
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a uma alta concentração de núcleos goticulares no ar ↠ No município de Feira de Santana, o segundo maior
inalado pelo contato, obviamente existe uma grande município do Estado, em 2020 foram notificados 148
probabilidade de transmissão.
➢ Fatores do hospedeiro: Evidências substanciais sugerem
casos novos de tuberculose com incidência de 23,88 por
que a suscetibilidade à aquisição de infecção por M. 100mil/hab e destes, 97 foram tuberculose pulmonar com
tuberculosis é altamente variável. A maioria das descrições confirmação laboratorial e incidência de 15,95 por
obtidas em investigações sobre contato revela que 40% a 100mil/habitantes (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022).
60% dos contatos íntimos de um caso-índice tornam-se
infectados, como observado pela conversão do teste No Brasil em 2019 foram diagnosticados 73.864 casos novos,
cutâneo da tuberculina (TCT) ou do ensaio de liberação representando um Coeficiente de Incidência de 35 casos novos/por
de interferon (IFN)- γ de negativo para positivo. Embora as 100.000 hab. Na regional Ilhéus, em 2019 foram diagnosticados 184 casos
variações na intensidade da exposição contribuam para a novos, representando um Coeficiente de Incidência de 61,60/ por
probabilidade de infecção, as variações na suscetibilidade do 100.000 hab., ou seja, muito mais alto que o valor nacional (BOLETIM
hospedeiro também podem contribuir. EPIDEMIOLÓGICO, 2021).

Epidemiologia da TB ARTIGO: Incidência da tuberculose na Bahia: o retrato de uma década.


(OLIVEIRA et. al., 2020).
↠ Entre os 22 países que concentram 80% dos casos
Durante o período de 2008 a 2018 a taxa de incidência de TB na Bahia
de tuberculose, encontram-se oito dos dez mais foi 43%, sendo o ano de 2009 o mais prevalente durante esta década,
populosos do mundo. (As exceções são os Estados com incidência de 50,7%.
Unidos e o Japão.) O Brasil ocupa a 18ª posição e
Os maiores índices foram no sexo masculino com a taxa de incidência
apresenta o menor coeficiente de incidência e total de 61,8 % da população masculina.
mortalidade estimados (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
Quanto à faixa etária foi observada uma tendência em aumentar com
↠ Os maiores coeficientes de incidência estão no Rio de o avançar da idade até o início da 3ª idade. A população adulta tem
Janeiro e no Amazonas, o que não significa que, em maior probabilidade de ser infectada por tuberculose, sendo a maior
prevalência entre 20 a 39 anos com um total de 17,3 %.
outros estados, não existam municípios com incidências
maiores, principalmente nas regiões urbanas da capital e DADOS DATASUS – 2021
no entorno (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). Bahia: 4.842 casos
Itabuna: 166 casos
↠ A tuberculose (TB) continua sendo um importante
Ilhéus 146 casos
problema de saúde pública mundial. Estima-se que em
2019, no mundo, cerca de 10 milhões de pessoas DADOS DATASUS – 2022
desenvolveram a TB. E 1,2 milhão morreram devido a
Bahia: 103 casos.
doença (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022). Itabuna: 5 casos.
↠ O Brasil continua entre os 30 países de alta carga para
TB e para coinfecção TBHIV, sendo portanto, Fatores de risco da TB
considerado prioritário para o controle da doença no
mundo pela Organização de Saúde (OMS) (BOLETIM ↠ A infecção pelo M. tuberculosis pode ou não evoluir
EPIDEMIOLÓGICO, 2022). para doença propriamente dita. A predisposição do
indivíduo em desenvolver a doença depende da interação
↠ De acordo com o Ministério da Saúde, em 2020 foram
de diversos fatores genéticos e ambientais. Os fatores
diagnosticados 66.819 mil casos novos de TB,
associados ao adoecimento por TB estão relacionados ao
correspondendo a um coeficiente de incidência de 31,6
bacilo e ao hospedeiro, além de fatores sociais e
casos/100 mil habitantes. Em 2019, ocorreram 4,5 mil óbitos
ambientais também implicados (LONGHI, 2014).
em decorrência da doença, equivalente a um coeficiente
de mortalidade de 2,2 por 100 mil habitantes (BOLETIM ↠ Diversos fatores de risco associados ao
EPIDEMIOLÓGICO, 2022). desenvolvimento de TB já foram identificados.
Destacamos dentre eles os mais importantes: condição
↠ Em 2020, na Bahia, foram registrados 3.892 casos
socioeconômica, o uso de drogas, moradores de rua,
novos de tuberculose, correspondendo a um coeficiente
alcoolismo, tabagismo, história de encarceramento, idade,
de incidência de 23,5 casos/100 mil habitantes. Com média
sexo, comorbidades (infecção HIV/Aids, diabetes mellitus,
anual de 320 óbitos. Já em 2021 foram diagnosticados
desnutrição) (LONGHI, 2014).
1.395 casos de TB (BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2022).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


3

IDADE uma diminuição da contagem de CD4, aumentando a suscetibilidade à


infecção por Mycobacterium tuberculosis (SILVA et. al., 2018).
A idade é um fator de risco. Entre as pessoas com infecção
tuberculosa, as taxas de casos variam consideravelmente com a idade. DROGAS ILÍCITAS
As taxas são significativamente aumentadas em bebês e relativamente
elevadas em adolescentes e adultos jovens. Os motivos para as Entre os usuários de drogas ilícitas, a infecção por M. tuberculosis e a
variações não são totalmente compreendidos, mas é provável que progressão para a doença ativa são promovidas por vários fatores: o
estejam relacionados às influências dependentes da idade em relação estilo arriscado de vida desses usuários; as condições de habitação
à eficiência da resposta imune (BROADDUS, 6ª ed.). superlotadas; a acumulação e o isolamento de pessoas em ambientes
fechados para o consumo de drogas ilícitas; a partilha de materiais
SEXO como cachimbos (SILVA et. al., 2018).

De acordo com dados da OMS, a prevalência de TB é maior nos INDIVÍDUOS PRIVADOS DE LIBERDADE
pacientes adultos do sexo masculino. Dentro deste contexto, não se
pode ignorar outros prováveis fatores mais relacionados ao sexo Os surtos de TB nas prisões são, há muito tempo, conhecidos, mas a
masculino, e que também interagem na infecção pelo M. tuberculosis aplicação de diretrizes específicas tem sido incompleta e heterogênea
como o abuso de álcool e tabaco, uso de drogas e exposição em virtude de diversos obstáculos específicos que têm sido levantados.
ocupacional a agressores inalantes. Uma provável explicação para esta O maior risco de infecção dos presos, a falta de condições estruturais,
maior prevalência pode estar relacionada às variações hormonais entre o estilo de vida da prisão, o impacto da estratificação hierárquica não
os sexos. Primeiramente pela preferência da TB ao sexo masculino oficial dos presos, a descontinuação e desarticulação terapêutica entre
ser evidenciada predominantemente nos adultos em idade reprodutiva. as instituições de cuidados médicos foram alguns dos problemas
E após, pela demonstração da interferência do sistema imune em encontrados (SILVA et. al., 2019).
resposta aos hormônios sexuais, sendo o estrogênio conhecidamente
um indutor de produção de interferon gama, ativação macrofágica e Dentre os fatores predisponentes de TB nos prisioneiros, o uso de
drogas ilícitas injetáveis apareceu com maior frequência, apontado por
maior produção de células “natural killer” (LONGHI, 2014).
50% dos autores como um fator de forte significância estatística.
Há ainda a variabilidade nutricional e constitucional entre os sexos. A Destaca-se que, tal fato pode estar associado à progressão da infecção
deficiência de ferro pode ser um fator protetor na TB, uma vez que latente por tuberculose (ILTB) para a forma ativa da doença, a partir
ele é um nutriente primordial para o desenvolvimento da micobactéria. do uso de substâncias injetáveis. Além disto, em pessoas que injetam
A extrusão do ferro do vacúolo microbiano é relacionada como um drogas ocorre o aumento do risco de transmissão do vírus HIV,
mecanismo da resposta imune inata. Uma vez que mulheres em idade decorrente do compartilhamento temporário de seringas na prisão, e
fértil de países subdesenvolvidos e em desenvolvimento têm maior a infecção, por este vírus é um fator que aumenta o risco de
prevalência de deficiência de ferro em relação ao sexo masculino, este desenvolver TB (SILVA et. al., 2019).
seria um provável fator protetor (LONGHI, 2014).
O tempo de encarceramento também parece repercutir no aumento
CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS da vulnerabilidade à TB entre detentos, visto que alguns estudos
apontaram o encarceramento superior a 6 meses como um fator de
As condições de baixo nível socioeconômico tendem a originar risco. Outros autores, entretanto, relacionaram que a predisposição à
situações habitacionais sobrelotadas, o que, por sua vez, com a doença aumenta quando há um encarceramento superior a 3 anos,
ocorrência de um caso, propicia um aumento na transmissão do bacilo, ainda que não haja uma associação estatística significativa. O tempo de
resultando numa maior prevalência da infecção tuberculosa, com o encarceramento se encontra associado, desta forma, a um incremento
respectivo aumento da incidência da doença. A pobreza pode também considerável do risco de infeção por TB ativa (SILVA et. al., 2019).
reduzir o acesso aos serviços de saúde, prolongando o período de
transmissibilidade e aumentando o risco de infecção entre os seus A ausência de janelas nas celas e a má-ventilação destas também
contatos (LONGHI, 2014). estão relacionados à causalidade da TB em alguns dos estudos
analisados (SILVA et. al., 2019).
Diabetes mellitus
A infecção pelo vírus HIV é um fator que aumenta a vulnerabilidade
A DM mal controlada pode levar a múltiplas complicações, incluindo o do acometimento por TB na população em geral. Em indivíduos
aumento da suscetibilidade à infecção. O diabetes causa um aumento privados de liberdade, esta infecção apareceu como um fator de risco
da suscetibilidade à tuberculose através de vários mecanismos, ainda mais acentuado. No indivíduo infectado pelo HIV e pelo M.
incluindo hiperglicemia e insulinopenia celular, que têm efeitos indiretos tuberculosis ocorre a aceleração do declínio das funções imunológicas,
sobre a função de macrófagos e linfócitos. No entanto, a tuberculose devido aos patógenos potencializarem-se mutuamente. Ademais, a
pode prejudicar temporariamente a tolerância à glicose, que é um coinfecção pelo HIV é o fator de risco mais conhecido para a
fator de risco para o desenvolvimento de DM. A hiperglicemia progressão da infecção pelo M. tuberculosis para a forma ativa da TB
transitória pode ocorrer devido à inflamação induzida durante a (SILVA et. al., 2019).
tuberculose (SILVA et. al., 2018).
Superlotação, pobreza, desnutrição e condição precária dos serviços
Tabagismo de saúde nos presídios também constituem fatores relacionados ao
aparecimento de TB em presidiários (SILVA et. al., 2019).
O papel que a fumaça do cigarro desempenha na patogênese da
tuberculose está relacionado à disfunção ciliar, a uma resposta imune
reduzida e a defeitos na resposta imune de macrófagos, com ou sem

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Fisiopatologia da TB OBS.: Embora os macrófagos que fagocitam inicialmente o M.


tuberculosis não consigam destruí-lo, estas células iniciam uma reação
É importante que a infecção pelo M. tuberculosis seja diferenciada da imune celular que, por fim, contém a infecção (PORTH, 10ª ed.).
doença ativa. A maioria das infecções é adquirida pela transmissão de
pessoa a pessoa de organismos veiculados pelo ar, de um caso ativo ↠ O M. tuberculosis entra nos macrófagos pela
para um hospedeiro suscetível. Na maioria das pessoas saudáveis, a fagocitose mediada por vários receptores expressos no
tuberculose primária é assintomática, apesar de poder causar febre e fagócito, incluindo a lectina ligada à manose e o CR3
derrame pleural. Geralmente, a única evidência da infecção, se alguma
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
permanecer, é um nódulo pulmonar pequenino e fibrocalcificado no
local da infecção. Organismos viáveis podem permanecer dormentes
por décadas em tais lesões. Se as defesas imunes forem diminuídas, a
REPLICAÇÃO NOS MACRÓFAGOS
infecção pode ser reativada, causando uma doença transmissível e
potencialmente com risco de morte (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
↠ O M. tuberculosis inibe a maturação do fagossomo e
bloqueia a formação do fagolisossoma, permitindo que a
↠ A infecção pelo M. tuberculosis cursa em etapas, da bactéria se multiplique de forma descontrolada dentro da
infecção inicial dos macrófagos até uma resposta vesícula, protegida dos mecanismos microbicidas dos
subsequente de TH1, com ambas contendo bactérias e lisossomos. A bactéria bloqueia a formação do
causando danos teciduais. Cedo na infecção, o M. fagolisossoma pela inibição dos sinais de Ca2+ e do
tuberculosis se multiplica essencialmente de forma recrutamento e montagem das proteínas que medeiam
incontrolada dentro dos macrófagos, enquanto mais tarde, a fusão fagossomo-lisossomo (ROBBINS & COTRAN, 9ª
na infecção, a resposta celular estimula os macrófagos a ed.).
controlarem a proliferação da bactéria. Os passos na
OBS.: Portanto, durante o estágio mais precoce da tuberculose primária
infecção são os seguintes: (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
(<3 semanas) em um indivíduo não sensibilizado, as bactérias
proliferam nos macrófagos alveolares pulmonares e nos espaços
aéreos, resultando em bacteremia e semeadura de múltiplos locais.
Apesar da bacteremia, a maioria das pessoas nesse estágio é
assintomática ou possui uma doença branda semelhante à gripe
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

Aumento das respostas imunes inata e adaptativa


ao M. tuberculosis
➢ A resposta TH1: Cerca de 3 semanas após a
infecção, uma resposta T auxiliar 1 (TH1) é
montada, a qual ativa os macrófagos, permitindo
que eles se tornem bactericidas. A resposta é
iniciada pelos antígenos micobacterianos, que
A sequência de eventos na tuberculose pulmonar primária, começando com a inalação de organismos de
Mycobacterium tuberculosis virulenta e culminando com o desenvolvimento da imunidade mediada por
entram nos linfonodos de drenagem e são
células ao organismo. A, Eventos ocorrendo durante a fase inicial da infecção inicial, antes da ativação da
imunidade mediada por células T. B, A iniciação e as consequências da imunidade mediada por células T. O
apresentados às células T. A diferenciação das
desenvolvimento da resistência ao organismo é acompanhado pelo aparecimento de um teste células TH1 depende da IL-12, que é produzida
tuberculínico positivo. γ-IFN, interferon-γ; MHC, complexo principal de histocompatibilidade; MTB, M.
tuberculosis; TNF, fator de necrose tumoral pelas células apresentadoras de antígenos que
tiverem encontrado a micobactéria. A
estimulação do TLR2 pelos ligantes
ENTRADA NOS MACRÓFAGOS
micobacterianos promove a produção de IL-12
↠ Os macrófagos são as células principais infectadas pelo pelas células dendríticas (ROBBINS & COTRAN,
M. tuberculosis. Os núcleos goticulares inalados descem 9ª ed.).
pela árvore brônquica sem aderir ao epitélio e são ➢ Ativação dos macrófagos mediada por TH1 e
depositados nos alvéolos. Pouco depois de entrar nos morte das bactérias. As células TH1, em ambos
pulmões, os bacilos são fagocitados pelos macrófagos os linfonodos e os pulmões, produzem IFN-γ. O
alveolares, mas resistem à destruição, aparentemente IFN-γ é o mediador crítico que permite que os
porque os lipídios da parede celular do M. tuberculosis macrófagos controlem a infecção pelo M.
impedem a fusão dos fagossomos e lisossomos (PORTH, tuberculosis. Primeiro, o IFN-γ estimula a
10ª ed.). maturação do fagolisossoma nos macrófagos
infectados, expondo as bactérias a um ambiente

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ácido, oxidante e letal. Segundo, o IFN-γ estimula e progressão da doença (ROBBINS & COTRAN,
a expressão da óxido nítrico sintetase induzível, 9ª ed.).
que produz óxido nítrico (NO). O NO se combina
Suscetibilidade do hospedeiro à doença. Pessoas com deficiências
com outros oxidantes para criar intermediários genéticas na via do IL-12 e na via do IFN-γ, incluindo o STAT1, um
reativos do nitrogênio, que parecem ser transdutor de sinal para o IFN-γ, são vulneráveis às infecções
particularmente importantes para matar as micobacterianas graves. Os polimorfismos em um grande número de
micobactérias. Terceiro, o IFN-γ mobiliza os genes, incluindo o HLA, o IFN-γ, o receptor IFN-γ e o TLR2, foram
identificados como associados com a suscetibilidade à tuberculose,
peptídios antimicrobianos (defensinas) contra as porém a contribuição dessas associações para o desenvolvimento da
bactérias. Finalmente, o IFN-γ estimula a doença ainda está sob investigação (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
autofagia, um processo que sequestra e então
destrói as organelas danificadas e as bactérias OBS.: Nos indivíduos com imunidade celular normal, a resposta imune
celular resulta na formação de uma lesão granulomatosa branco-
intracelulares, como o M. tuberculosis (ROBBINS acinzentada bem demarcada conhecida como foco de Ghon, que
& COTRAN, 9ª ed.). contém os bacilos da tuberculose, macrófagos modificados e outras
células imunes. Em geral, essa lesão está localizada na área subpleural
Por sua vez, os linfócitos T sensibilizados estimulam os macrófagos a dos segmentos superiores dos lobos inferiores ou nos segmentos
aumentar sua concentração de enzimas líticas e sua capacidade de inferiores do lobo superior (PORTH, 10ª ed.).
destruir as micobactérias. Quando são liberadas, essas enzimas líticas
também destroem os tecidos do pulmão (PORTH, 10ª ed.). RESUMO: A imunidade ao M. tuberculosis é primariamente mediada
pelas células TH1, as quais estimulam os macrófagos a matar as
➢ Inflamação granulomatosa e dano tecidual. Além bactérias. Essa resposta imune, embora largamente eficaz, ocorre à
de estimular os macrófagos a matar a custa da destruição tecidual. A reativação da infecção ou reexposição
micobactéria, a resposta TH1 orquestra a aos bacilos em um hospedeiro previamente sensibilizado resulta em
formação do granulomas e a necrose caseosa. uma rápida mobilização de uma reação defensiva, mas também no
aumento da necrose tecidual. Já que a imunidade e a resistência das
Os macrófagos ativados pelo IFN-γ se células T estão correlacionadas, assim, então, a perda de imunidade
diferenciam em “histiócitos epitelioides” que se das células T (indicada pela negatividade à tuberculina em um indivíduo
agregam para formar granulomas; algumas previamente positivo para a tuberculina) pode ser um sinal ameaçador
células epitelioides se fundem para formar de que a resistência ao organismo enfraqueceu (ROBBINS & COTRAN,
9ª ed.).
células gigantes. Em muitas pessoas essa
resposta para a infecção acontece antes que
uma destruição tecidual significativa ou doença
ocorram. Em outras pessoas, a infecção
progride devido à idade avançada ou à
imunossupressão, e a contínua resposta imune
resulta na necrose caseosa. Os macrófagos
ativados também secretam TNF e quimiocinas,
que promovem o recrutamento de mais Consequências da exposição a um caso-fonte infeccioso de tuberculose dependendo do estado
imunológico. A exposição a um paciente com tuberculose infecciosa causa infecção em
monócitos. A importância do TNF é ressaltada pelo fato aproximadamente 30% dos indivíduos expostos. Dos infectados, 3% a 10% desenvolvem tuberculose
dentro de 1 ano após a infecção. Depois de 1 ano, um adicional de 3% a 5% desenvolve tuberculose
de que pacientes com artrite reumatoide, que são tratados durante o resto de suas vidas.
com antagonistas do TNF, têm um risco aumentado de
reativação da tuberculose (ROBBINS & COTRAN, 9ª Manifestações Clínicas da TB
ed.).
➢ Papel das outras células imunes. Além da ↠ A tuberculose clínica é separada em dois tipos
resposta TH1, as células NKT que reconhecem fisiopatológicos importantes: a tuberculose “primária”, que
os antígenos lipídicos micobacterianos ligados ao ocorre em hospedeiro não imune, e a tuberculose
CD1 nas células apresentadoras de antígenos, ou “secundária”, que ocorre no hospedeiro que é imune ao
células T que expressam um receptor γδ de M. tuberculosis (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
células T, também produzem IFN-γ. Entretanto, TUBERCULOSE PRIMÁRIA
está claro que as células TH1 possuem um papel
central nesse processo, já que defeitos em ↠ A tuberculose primária é a forma da doença que se
qualquer um dos passos na geração de uma desenvolve em uma pessoa previamente não exposta e,
resposta TH1 resultam na ausência de resistência portanto, não sensibilizada. Doença clinicamente

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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significativa desenvolve-se em cerca de 5% das pessoas


primoinfectadas (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

↠ Em uma pequena porcentagem de pacientes recém-


infectados, a resposta imune não é eficaz. Esses pacientes
desenvolvem tuberculose primária progressiva com
destruição continuada dos tecidos pulmonares e
disseminação da doença para diversas áreas do pulmão
(PORTH, 10ª ed.).

Tuberculose miliar. Parênquima pulmonar exibindo múltiplos nódulos


granulomatosos, distribuídos difusamente.

TUBERCULOSE SECUNDÁRIA
↠ A tuberculose secundária é o padrão da doença que
surge em um hospedeiro previamente sensibilizado. Ela
pode seguir logo após a tuberculose primária, porém mais
comumente aparece muitos anos após a infecção inicial,
usualmente quando a resistência do hospedeiro está
enfraquecida. Ela mais comumente deriva da reativação
de uma infecção latente, mas também pode resultar de
uma reinfecção exógena, no caso de uma redução da
imunidade do hospedeiro, ou quando um grande inóculo
Tuberculose pulmonar primária, complexo de Ghon. O foco
de bacilos virulentos sobrecarrega o sistema imune do
branco-acinzentado do parênquima está sob a pleura na parte
inferior do lobo superior. hospedeiro. A reativação é mais comum em áreas de
baixa prevalência, enquanto a reinfecção desempenha um
importante papel em regiões de alto contágio (ROBBINS
↠ Os indivíduos infectados pelo HIV e outros pacientes & COTRAN, 9ª ed.).
com distúrbios da imunidade celular estão mais sujeitos a
desenvolver tuberculose progressiva quando são ↠ A tuberculose pulmonar secundária classicamente
infectados. Nos pacientes com doença progressiva, os envolve o ápice dos lobos superiores de um ou ambos
sintomas em alguns casos geralmente são insidiosos e os pulmões. Devido à preexistência de hipersensibilidade,
inespecíficos, inclusive febre, emagrecimento, fadiga e os bacilos elicitam uma imediata e marcante resposta
sudorese noturna. Em alguns casos, os sintomas têm início tecidual, que tende a isolar o foco de infecção. Como
súbito com febre alta, pleurite e linfadenite. À medida que resultado, os linfonodos regionais são menos
a doença avança, os microrganismos têm acesso ao proeminentemente envolvidos na fase inicial da doença
escarro e isto contribui para que o paciente infecte outras secundária, do que o são na tuberculose primária
pessoas (PORTH, 10ª ed.). (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

OBS.: Em casos raros, a tuberculose pode causar erosão de um vaso ↠ Por outro lado, cavitação ocorre prontamente na
sanguíneo, resultando em disseminação hematogênica. O termo forma secundária. De fato, a cavitação é quase inevitável
tuberculose miliar descreve lesões diminutas semelhantes a sementes
nas tuberculoses secundárias negligenciadas, e a erosão
de painço (milho-miúdo), que resultam desse tipo de disseminação e
podem afetar quase todos os órgãos, principalmente encéfalo, das cavidades para dentro de uma via aérea é uma
meninges, fígado, rins e medula óssea (PORTH, 10ª ed.). importante fonte de infecção porque a pessoa agora
tosse escarro que contém bactérias (ROBBINS &
COTRAN, 9ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Tuberculose cavitária. O ápice do lobo superior esquerdo mostra


cavidades tuberculosas cercadas por parênquima pulmonar consolidado
e fibrótico que contém pequenos tubérculos.

↠ Em casos graves, as cavidades podem coalescer


rapidamente e aumentar de diâmetro. Derrame pleural e
empiema tuberculoso são comuns à medida que a
doença avança (PORTH, 10ª ed.).

Tuberculose extrapulmonar

Dentro do panorama atual, as formas extrapulmonares da tuberculose,


embora não representem fatores de risco no que diz respeito à
transmissão da doença, ganham cada vez mais importância, em virtude
do aumento da sua incidência, seja nos países desenvolvidos ou não,
fato este estritamente relacionado à epidemia da AIDS (CAPONE et.
al., 2006).
↠ Pacientes com tuberculose progressiva primária em
estágio inicial geralmente têm febre baixa, fadiga e ↠ Formas extrapulmonares são mais frequentes em
emagrecimento. Inicialmente, a tosse é seca, mas depois crianças e imunodeprimidos (PORTO & PORTO).
se torna produtiva com escarro purulento e com raias de
TUBERCULOSE PLEURAL
sangue em alguns casos (PORTH, 10ª ed.).
↠ A tuberculose pleural é seguramente a forma mais
↠ Dispneia e ortopneia ocorrem à medida que a doença
comum de tuberculose extrapulmonar e corresponde à
avança progride para tuberculose progressiva primária
principal causa de derrame pleural em nosso meio. A
tardia. Com a progressão da doença, o paciente também
pleura pode ser atingida pelo bacilo de Koch por via
pode ter sudorese noturna, anemia e estertores à
hematogênica, ocorrendo a chamada tuberculização dos
ausculta pulmonar (PORTH, 10ª ed.).
folhetos pleurais (CAPONE et. al., 2006).

LINFADENITE
↠ A linfadenite é a apresentação mais frequente de
tuberculose extrapulmonar, usualmente ocorrendo na
região cervical (“escrófula”). Em indivíduos negativos para
o HIV, a linfadenite tende a ser unifocal e localizada. Por
outro lado, pessoas positivas para o HIV quase sempre
têm doença multifocal, sintomas sistêmicos, e tanto

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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envolvimento pulmonar, como de outro órgão pela nesses pacientes podem trilhar ao longo dos planos
tuberculose ativa (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). teciduais e se apresentar como uma massa abdominal ou
pélvica (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
TUBERCULOSE INTESTINAL
Diagnóstico da TB
↠ Como mencionado, a tuberculose intestinal contraída
através da ingestão de leite contaminado é comum em ↠ O diagnóstico da doença pulmonar é baseado em
países onde a tuberculose bovina está presente e o leite parte na história e nos achados físicos e radiográficos de
não é pasteurizado. Em países onde o leite é consolidação ou cavitação nos ápices dos pulmões.
pasteurizado, a tuberculose intestinal é mais Basicamente, entretanto, os bacilos da tuberculose devem
frequentemente causada pela ingestão de material ser identificados (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
tossido infectado em pacientes com doença pulmonar
avançada. Tipicamente, os organismos colonizam os ANAMNESE
agregados linfoides da mucosa dos intestinos delgado e ↠ A suspeita clínica é indicada principalmente pela
grosso, os quais, então, desenvolvem inflamação presença de sintomas e pelo conhecimento de
granulomatosa, que pode levar à ulceração da mucosa comorbidades e condições epidemiológicas que
suprajacente, particularmente no íleo. A cura cria aumentam o risco de tuberculose em um determinado
estenoses (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). paciente (BROADDUS, 6ª ed.).
TUBERCULOSE MILIAR SISTÊMICA ↠ O sintoma mais relatado na tuberculose pulmonar é a
↠ A tuberculose miliar sistêmica ocorre quando as tosse persistente que, em geral, embora nem sempre, é
bactérias se disseminam através do sistema arterial produtora de muco e pode conter sangue (BROADDUS,
sistêmico. A tuberculose miliar é mais proeminente no 6ª ed.).
fígado, medula óssea, baço, suprarrenais, meninges, rins, ↠ Os aspectos sistêmicos da tuberculose incluem febre
tubas uterinas e epidídimos, mas pode envolver qualquer em aproximadamente 35% a 80%, mal-estar e perda de
órgão (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). peso; pode ser uma variedade de anormalidades
hematológicas, principalmente leucocitose e anemia
(BROADDUS, 6ª ed.).

EXAME FÍSICO
↠ Na maioria dos casos, os achados físicos não são
particularmente úteis. As crepitações podem ser ouvidas
na área do envolvimento, juntamente com os sons da
respiração brônquica, quando a consolidação pulmonar é
próxima da parede torácica (BROADDUS, 6ª ed.).

↠ Os sons de respiração anfórica (como o som baixo do


Tuberculose miliar do baço. A superfície de corte mostra sopro na porção superior de uma garrafa aberta) podem
numerosos tubérculos branco-acinzentados. ser indicativos de uma cavidade. Os achados que incluem
linfadenopatia, sugestivos de tuberculose extrapulmonar,
TUBERCULOSE ISOLADA
podem indicar também envolvimento pulmonar
↠ A tuberculose isolada pode aparecer em qualquer um concomitante (BROADDUS, 6ª ed.).
dos órgãos ou tecidos colonizados hematogenicamente e
pode ser a manifestação presente. Órgãos que são ASPECTOS RADIOGRÁFICOS
comumente envolvidos incluem as meninges (meningite ↠ O exame radiológico do tórax é comumente o
tuberculosa), rins (tuberculose renal), suprarrenais primeiro estudo diagnóstico realizado, após a história
(antigamente uma causa importante da doença de clínica do paciente e o exame físico. Todavia, em
Addison), ossos (osteomielite) e tubas uterinas (salpingite). condições de recursos limitados, uma radiografia torácica
Quando as vértebras são afetadas, a doença é referida não é necessariamente incluída como parte da avaliação
como doença de Pott. Abscessos “frios” paraespinais

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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de rotina, por causa do custo, complexidade e


inespecificidade dos achados (BROADDUS, 6ª ed.).

↠ A tuberculose pulmonar quase sempre causa


anormalidades detectadas na radiografia torácica, embora
em pacientes com infecção pelo HIV, uma radiografia do
tórax possa ser normal em até 11% dos pacientes com
culturas positivas no escarro (BROADDUS, 6ª ed.).

↠ Na tuberculose primária, resultante de infecção


recente, o processo é geralmente visto como uma
opacidade da zona pulmonar média ou inferior,
frequentemente associada à adenopatia hilar ipsolateral A
atelectasia pode resultar da compressão das vias aéreas
pelo aumento dos linfonodos. Se o processo primário Tuberculose disseminada. A radiografia frontal do tórax em um paciente com tuberculose
disseminada mostra inúmeros nódulos pequenos distribuídos randômica e bilateralmente,
persistir além do tempo, quando a imunidade celular representando o padrão miliar.

específica se desenvolver, as cavidades podem ser


AVALIAÇÃO BACTERIOLÓGICA
formadas (a assim denominada tuberculose primária
progressiva) (BROADDUS, 6ª ed.). ↠ Um diagnóstico definitivo de tuberculose pode ser
estabelecido somente pelo isolamento de bacilos
tuberculosos na cultura ou pela identificação de
sequências de ácidos nucleicos específicos. Quando o
pulmão é envolvido, o escarro é o espécime inicial de
escolha (BROADDUS, 6ª ed.).

↠ Três coletas matinais de escarro, espontâneo ou


induzido por aerossol com soro fisiológico (NaCl a 0,9%).
Aspirado gástrico em crianças pequenas (PORTO &
PORTO).
OBS.: Dependendo das condições clínicas, se o escarro é negativo ou
não pode ser obtido, a próxima etapa diagnóstica geralmente é a
A radiografia frontal torácica em um jovem adulto mostra consolidação no segmento superior do
broncoscopia de fibra óptica com lavagem broncoalveolar e, em alguns
lobo inferior direito associada à linfadenopatia hilar à direita (seta) por causa da infecção primária com casos, a biópsia pulmonar transbrônquica (BROADDUS, 6ª ed.).
Mycobacterium tuberculosis. A linfadenopatia branda paratraqueal à direita (cabeças de seta) também
é visível.
BACILOSCOPIA: A baciloscopia do escarro é importante
para o diagnóstico de tuberculose porque detecta os
pacientes bacilíferos, que alimentam a cadeia de
transmissão da doença. A pesquisa de BAAR é um
método rápido e de baixo custo. Porém, apesar de a
sensibilidade da baciloscopia direta em escarro
Tuberculose cavitária. A espontâneo chegar a 80% na presença de lesões
radiografia frontal do
tórax em um paciente
cavitadas e extensas, em média, essa apresenta
com tuberculose mostra
cavitação extensa do
sensibilidade de 40-60% e é positiva em apenas 20% dos
lobo superior direito. pacientes com lesão mínima (SILVA et. al., 2021).
O volume de escarro deve ser maior que 3 mL, sendo o volume ideal
de 5-10 mL (SILVA et. al., 2021).

CULTURA: A cultura para micobactérias de material


respiratório apresenta sensibilidade em torno de 80% e
especificidade de 98%. Nos casos de tuberculose
pulmonar com baciloscopia negativa, a cultura aumenta a
detecção da doença em 20-40%. A realização de cultura

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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em meios sólidos e/ou líquidos é considerada o padrão OBS.: O teste da tuberculina positivo significa imunidade mediada por
ouro para o diagnóstico de tuberculose pela OMS. É células T aos antígenos micobacterianos, porém não faz distinção
entre a infecção e a doença ativa. Reações falso-negativas podem
indicada também na suspeita de tuberculose
ocorrer em certas situações como infecções virais, sarcoidose,
extrapulmonar (SILVA et. al., 2021). desnutrição, linfoma de Hodgkin, imunossupressão e (notavelmente)
doença tuberculosa ativa incontrolável. Reações falso-positivas podem
INFECÇÃO LATENTE POR TB resultar da infecção por micobactérias atípicas ou vacinação prévia
com BCG (Bacilo Calmette-Guerin), uma cepa atenuada de M. bovis
O estado do indivíduo infectado pelo M. tuberculosis no período entre
que é utilizada como vacina em alguns países (ROBBINS & COTRAN,
o primeiro contato com o bacilo e o desenvolvimento da tuberculose
9ª ed.).
ativa denomina-se infecção latente por tuberculose (ILTB), ou seja, o
indivíduo se encontra infectado pelo bacilo da tuberculose, mas sem Tratamento da TB
manifestação da doença ativa (SILVA et. al., 2021).

↠ Até o momento, não existe um exame considerado ↠ O controle dos fatores associados, a detecção
padrão ouro para o diagnóstico da ILTB, o qual se baseia precoce dos pacientes bacilíferos e a rápida instituição da
não somente no resultado de um teste diagnóstico, mas terapêutica são fundamentais para o controle da TB
também na exclusão da forma ativa da doença. Os dois (LONGHI, 2014).
métodos atualmente validados e recomendados na ↠ Os objetivos do tratamento são erradicar todos os
prática clínica são a prova tuberculínica e interferon bacilos da tuberculose do paciente infectado, ao mesmo
gamma release assay (IGRA, ensaio de liberação de IFN-.). tempo que se evita o desenvolvimento de resistência
Ambos são métodos imperfeitos e indiretos, ou seja, significativa aos fármacos. O tratamento da tuberculose
avaliam a resposta do indivíduo à exposição a antígenos em atividade requer o uso de vários fármacos.
micobacterianos e não a identificação desse antígeno de Tuberculose é uma doença singular, para a qual é
forma latente no organismo ((SILVA et. al., 2021). necessário quimioterapia por um período relativamente
longo (PORTH, 10ª ed.).

↠ Por sua facilidade posológica, o tratamento quase


sempre pode ser administrado em regime ambulatorial.
Recomenda-se o tratamento observado diretamente
(TOD), a fim de assegurar a regularidade no uso dos
medicamentos (SALOMÃO, 2017).

↠ As normas brasileiras sugerem que o paciente tenha


no mínimo 24 tomadas observadas na fase de ataque e
48 na fase de manutenção. O paciente pode ir ao serviço
para receber a medicação ou o profissional do serviço
pode ir ao domicílio, sendo a observação realizada por
um agente sanitário ou comunitário de saúde
(SALOMÃO, 2017).

↠ Dois grupos preenchem os critérios estabelecidos para


o tratamento da tuberculose com fármacos específicos:
indivíduos com tuberculose em atividade e pacientes que
↠ A prova tuberculínica é o teste mais antigo e tiveram contato com casos de TB ativa e que estão
classicamente utilizado. Seu resultado reflete uma reação sujeitos a desenvolver doença ativa (PORTH, 10ª ed.).
de hipersensibilidade do tipo tardia ao antígeno
micobacteriano, tendo como ponto de corte padronizado ↠ A partir de 2009, o Programa Nacional de Controle da
o valor de 5 mm no Brasil (SILVA et. al., 2021). Tuberculose (PNCT) estabeleceu o sistema de
tratamento para TB composto por quatro fármacos:
rifampicina (R), isoniazida (H), pirazinamida (Z), e etambutol
(E) – este, introduzido na fase intensiva de tratamento
(dois primeiros meses), após evidência de aumento da
resistência primária à isoniazida (de 4,4% para 6,0%) em

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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Inquérito Nacional de Resistência aos Medicamentos germes persistentes e a prevenção de recidivas (ROCHA
Antituberculose (SALOMÃO, 2017). et. al., 2014).

↠ A apresentação farmacológica desse esquema é em


comprimidos de doses fixas combinadas dos quatro
fármacos (RHZE), nas seguintes dosagens: R 150 mg + H
75 mg + Z 400 mg + E 275 mg, a ser utilizada na fase
intensiva de tratamento. Na fase de manutenção (quatro
meses subsequentes), utiliza-se a associação RH em
cápsulas ou comprimidos de doses fixas, nas seguintes
dosagens: R 300 mg + H 200 mg ou R 150 mg + H 75
mg. Recomenda-se ainda o uso concomitante de
piridoxina (50 mg/dia) durante o tratamento, para
profilaxia da toxicidade neurológica da isoniazida MECANISMO DE AÇÃO DOS MEDICAMENTOS
(SALOMÃO, 2017).
ANTITUBERCULOSE
↠ Os medicamentos apresentam diferentes atuações ↠ Os medicamentos antituberculose agem sobre o BK
conforme a localização das populações bacterianas. No interferindo em seu sistema enzimático ou bloqueando a
interior dos macrófagos agem os que melhor se difundem síntese proteica. A interferência no metabolismo
no meio intracelular e atuam em pH ácido, no caso a bacteriano pode se dar em diferentes níveis (ROCHA et.
rifampicina (R), a pirazinamida (Z) e o etambutol (E). Nas al., 2014).
lesões fechadas, em que o crescimento bacilar é
intermitente, a droga mais efetiva e de maior rapidez de ➢ A rifampicina (R): bloqueia a RNA-transferase, no
ação é a R, sendo a atuação da isoniazida (H) mais lenta momento da replicação do DNA, quando este
e demorada. Na parede cavitária, as ações da rifampicina, informa, através do RNA-mensageiro, o modelo
da isoniazida e da estreptomicina (S), que só age em pH de construção proteica para o ribossoma.
neutro, são boas (ROCHA et. al., 2014). ➢ A isoniazida (H): interfere na formação do ácido
gama-aminobutírico (Gaba), no ciclo de Kroebs,
durante a construção das proteínas, seja na
formação do DNA ou na do RNA.
➢ A estreptomicina (S) e outros aminoglicosídeos:
agem no setor 30S dos ribossomas, alterando a
formação de proteínas da parede celular.
➢ Os quinolônicos: atuam no DNA, bloqueando a
DNA-girase, responsável pelo enrolamento das
cadeias nas fases iniciais da divisão.
OBS.: Idealmente, o esquema medicamentoso deve ser composto por
fármacos que atuem em diferentes momentos do metabolismo
bacteriano, aumentando a chance de destruir os bacilos (ROCHA et. al.,
2014).
FASES DO TRATAMENTO
RITMO CIRCADIANO, MULTIPLICAÇÃO BACILAR E AÇÃO DOS
↠ Para prevenir a falência do tratamento associam-se MEDICAMENTOS
drogas de alto poder bactericida na fase inicial do O metabolismo bacilar é influenciado pela cortisona. O nível do cortisol
tratamento – fase intensiva ou de ataque (ROCHA et. al., plasmático do corpo humano varia durante o ritmo circadiano do
2014). metabolismo. Nos indivíduos de hábitos diurnos, ele começa a subir em
torno das 6 ou 7 horas da manhã, alcançando sua plenitude em torno
↠ Consegue-se, assim, reduzir rápida e drasticamente a de 11 e 12 horas e caindo aos mais baixos níveis pela madrugada. Assim,
população bacilar e a proporção de mutantes resistentes, é bastante provável que, em sua evolução natural, o bacilo sofra
influências deste ritmo de produção hormonal, tal como ocorre em
além de se assegurar eliminação de germes com outras doenças, alcançando o seu melhor metabolismo após o meio-
resistência primária. O prolongamento da terapia – fase dia. Na tuberculose, os medicamentos atuam tanto por nível, ou seja,
de manutenção – tem como objetivo a eliminação dos mantendo um nível sérico constante, como principalmente por pico,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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no momento do ponto máximo de sua concentração (ROCHA et. al., RESISTÊNCIA


2014).

O desejável é que se alcance o pico de concentração dos


↠ O M. tuberculosis apresenta uma frequência variável
medicamentos no momento de maior intensidade metabólica dos de mutantes naturalmente resistentes às drogas, de
bacilos, quando são mais suscetíveis à ação dos medicamentos. Isso se acordo com cada uma delas. São extremamente raros para a
obtém administrando-os nas primeiras horas da manhã, considerando rifampicina (1 em cada 10 milhões), menos raros para o etambutol, a
que seus níveis sanguíneos máximos se estabelecem entre 2 e 4 isoniazida e a estreptomicina (1 em cada 100 ou 10 mil) e mais frequentes
horas. A biodisponibilidade está relacionada à concentração sérica do para a etionamida (Et) e a pirazinamida (Z) (1 em cada mil) . Esta
metabólito ativo dos medicamentos capaz de atuar sobre os bacilos,
resistência natural aos medicamentos se deve a mutações
podendo ser definida pela Concentração Mínima Inibitória (MIC) ou pela
Concentração Mínima Bactericida (MBC). A segurança do genéticas e que existem previamente à exposição aos
medicamento se estabelece pela relação entre a dose usual e a dose mesmos (ROCHA et. al., 2014).
tóxica. As de melhor biodisponibilidade e as mais seguras são a R e a
H. Com exceção da S, praticamente todos os medicamentos ↠ Tratamentos inadequados, tomadas irregulares,
empregados na tuberculose são metabolizados no fígado, porém interrupção antes do prazo recomendado (abandono) ou
variam quanto à excreção. A R, a H e a Z têm maior excreção com doses abaixo das indicadas favorecem a seleção de
hepática e menor excreção renal. Já a S é de exclusiva excreção
cepas resistentes aos medicamentos, constituindo a
renal e o E é quase totalmente excretado pelos rins (ROCHA et. al.,
2014). chamada resistência adquirida (ROCHA et. al., 2014).

Esse conhecimento tem importância frente ao aparecimento de ↠ Bacilos resistentes, além de exigirem medicamentos
efeitos colaterais ou em determinadas situações, como no caso de diferentes dos anteriormente utilizados, podem ser
hepatopatas ou nefropatas. Acresce ainda que estudos de transmitidos para outros indivíduos que, mesmo sem
farmacocinética da rifampicina revelaram que sua absorção diminui
substantivamente com a ingestão concomitante de alimentos e se qualquer tratamento prévio, já apresentarão cepas
altera com o uso de antiácidos, levando à menor concentração sérica. resistentes, ou seja, com resistência primária (ROCHA et.
Por essa razão a recomendação universal é que ela seja tomada al., 2014).
sempre em jejum, em qualquer regime ou esquema de tratamento
(ROCHA et. al., 2014).

↠ De acordo com o padrão de resistência do bacilo da


tuberculose identificado pelo teste de sensibilidade,
classificam-se as resistências em: (ROCHA et. al., 2014).
➢ Monorresistência: resistência a um fármaco anti-
TB.
➢ Polirresistência: resistência a dois ou mais
fármacos antituberculose, exceto à associação
rifampicina e isoniazida.
➢ Multirresistência: resistência a, pelo menos,
rifampicina e isoniazida – MDR.
➢ Resistência extensiva (XDR – do inglês,
extensively drug resistant): resistência a
rifampicina e isoniazida acrescida à resistência a
uma fluoroquinolona e a um injetável de segunda
linha (amicacina, canamicina ou capreomicina).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ESQUEMA PROFILÁTICO Referências


O esquema profilático é usado para indivíduos infectados por M.
PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na
tuberculosis, mas que não desenvolveram doença ativa. Essa
população inclui os seguintes pacientes: (PORTH, 10ª ed.). Prática Diária. Grupo GEN, 2015.

➢ Indivíduos com resultado positiva na intradermorreação KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul; ASTER, Jon. Robbins &
com tuberculina que tiveram contato direto com casos de Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças, 9ª
tuberculose em atividade.
edição. Grupo GEN, 2016.
➢ Indivíduos que tiveram conversão (negativo para positivo)
do resultado da intradermorreação com tuberculina nos NORRIS, Tommie L. Porth – Fisiopatologia, 10ª edição.
últimos 2 anos.
➢ Indivíduos com história pregressa de TB não tratada ou
Grupo GEN, 2021.
tratada inadequadamente.
➢ Indivíduos com radiografias de tórax mostrando sinais de
BROADDUS, V. Courtney. Murray & Nadel Tratado de
TB, mas que não têm indícios bacteriológicos de doença Medicina Respiratória, 6ª edição. Grupo GEN, 2017.
em atividade.
➢ Indivíduos com fatores de risco especiais, inclusive silicose, SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA. Núcleo
diabetes melito, tratamento prolongado com corticoide, de Saúde Sul – Ilhéus. Boletim Epidemiológico de
tratamento imunossupressor, doença renal terminal, Tuberculose, v. 1, ed. 1, 2021.
desnutrição crônica de qualquer causa ou neoplasias
malignas hematológicas ou reticuloendoteliais. SECRETARIA DE SAÚDE DO ESTADO DA BAHIA.
➢ Indivíduos com teste positivo para HIV ou AIDS. Boletim Epidemiológico de Tuberculose, ed. 1, 2022.
➢ Indivíduos de 35 anos ou mais com reação positiva de
tempo indeterminado (estas pessoas são consideradas OLIVEIRA et. al. Incidência da tuberculose na Bahia: o
portadoras de quantidades reduzidas de microrganismos e,
retrato de uma década. Revista integrativa em inovação
em geral, são tratadas com isoniazida [INH]).
tecnológica nas ciências da saúde, 2020.
Prevenção da TB
SILVA et. al. Fatores de risco para tuberculose: diabetes,
↠ A vacina BCG reduz o risco das manifestações graves tabagismo, álcool e uso de outras drogas. Sociedade
da primoinfecção, como as disseminações hematogênicas Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, 2018.
e a meningoencefalite, mas não evita a infecção por M. SILVA et. al. Fatores predisponentes de tuberculose em
tuberculosis. Ela confere imunidade por 10 a 15 anos, mas indivíduos privados de liberdade: revisão integrativa.
não protege os indivíduos já infectados. Por isso, nos Archives of Health Sciences, 2019.
países com elevada prevalência de infecção como o
nosso, a vacina deve ser aplicada o mais cedo possível; LONGHI, R. M. P. Fatores de risco associados ao
idealmente, após o nascimento. Sua aplicação está desenvolvimento de tuberculose na população urbana do
indicada o mais precocemente possível, nas crianças HIV município de Dourados – MS. Dissertação de Mestrado,
positivas assintomáticas e em filhos de mães HIV positivas, 2014.
sendo contraindicada nos indivíduos HIV positivos (ROCHA
CAPONE et. al. Tuberculose Extrapulmonar. Revista do
et. al., 2014).
Hospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ, 2006.
↠ No Brasil, a vacina BCG é prioritariamente indicada para
SILVA et. al. Consenso sobre o diagnóstico da tuberculose
as crianças de 0 a 4 anos de idade, sendo obrigatória para
da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Jornal
menores de 1 ano (ROCHA et. al., 2014).
Brasileiro de Pneumologia, 2021.
↠ A aplicação da vacina é intradérmica, no braço direito,
SALOMÃO, Reinaldo. Infectologia - Bases Clínicas e
na altura da inserção inferior do músculo deltoide, em
Tratamento. Grupo GEN, 2017.
caso de primovacinação. Essa localização permite a fácil
verificação da existência de cicatriz, para efeito de ROCHA et. al. Organização e acompanhamento do
avaliação do programa, e limita as reações ganglionares à tratamento. In: PROCÓPIO, M.J., org. Controle da
região axilar (ROCHA et. al., 2014). tuberculose: uma proposta de integração ensino-serviço,
7ª edição. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2014, pp. 132-
294.

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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APG 14 – “FAMÍLIA QUE CHIA”

Objetivos sua vida quando comparado a indivíduos sem asma


(ASSIS et. al., 2019).
1- Discutir sobre a etiologia, epidemiologia e fatores
de risco da DPOC e asma; Fatores de risco
2- Explicar a fisiopatologia e manifestações clínicas
↠ O principal fator de risco para o desenvolvimento de
da DPOC e asma;
asma é uma predisposição genética para a produção de
3- Debater sobre o diagnóstico e tratamento da
uma resposta mediada pela imunoglobulina E (IgE) a
DPOC e da asma;
alergênios comuns (PORTH, 10ª ed.).
Asma
OBS.: IgE é o anticorpo envolvido na manifestação de reações alérgicas
e inflamações (PORTH, 10ª ed.).
↠ A asma é uma doença crônica das vias aéreas de
condução, geralmente causada por uma reação ↠ Outros fatores de risco para o desenvolvimento de
imunológica, marcada por broncoconstrição episódica asma na infância incluem histórico familiar de asma,
devido ao aumento da sensibilidade das vias aéreas a uma alergias, exposição pré-natal a fumaça de cigarro e
variedade de estímulos; inflamação das paredes poluição, bem como múltiplas predisposições genéticas
brônquicas e aumento da secreção mucosa (ROBBINS & que potencialmente podem se sobrepor (PORTH, 10ª ed.).
COTRAN, 9ª ed.).
↠ Outros fatores como exposição precoce à fumaça do
↠ É uma condição imunomediada e multifatorial que se tabaco (mães que fumaram na gestação possuem uma
apresenta com uma clínica bastante variada e complexa tendência a ter recém-nascidos, baixo peso e,
(RODRIGUES et. al., 2021). consequentemente, com trato respiratório também
comprometido), infecções de via aérea superior (entre
↠ Caracterizada por uma obstrução reversível e
elas as mais frequentes são as por vírus sincicial
intermitente da via aérea baixa devido a contração do
respiratório, adenovírus e por influenzae) e aleitamento
músculo liso bronquial em resposta a um gatilho ambiental
materno não exclusivo nos primeiros 6 meses de vida
ou a uma infecção de via aérea superior (RODRIGUES et.
também estão diretamente relacionados (RODRIGUES et.
al., 2021).
al., 2021).
Epidemiologia ALERGIA

↠ Mundialmente a asma afeta 300 milhões de pessoas O fator de risco mais importante para asma são os antecedentes
com estimativas de aumento em 2025 para mais de 100 familiares de atopia. Eles aumentam cinco vezes o risco de desenvolver
rinite alérgica e três a quatro vezes o risco de asma. Em pacientes
milhões. Em média 5% a 10% da população mundial tem com 3 a 14 anos de idade, testes cutâneos positivos e aumentos da
asma, entretanto, 1/3 tem idade menor do que 18 anos IgE total no sangue se associam fortemente à asma. A IgE no sangue
(ASSIS et. al., 2019). também se correlaciona fortemente com a hiper-responsividade
brônquica. Nos adultos, as chances de ter asma aumentam com o
↠ No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de número de testes cutâneos positivos para os alérgenos comuns.
Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a asma está presente
Como grande parte da asma alérgica se associa à sensibilidade aos
em torno de 20 milhões de brasileiros, é responsável por alérgenos de hipersensibilidade do ambiente interno e como os estilos
aproximadamente 350.000 internações anualmente e é a ocidentais de habitação favorecem maior exposição a alérgenos dos
terceira causa de hospitalização no Sistema Único de interiores, a atenção inicial se concentrou no aumento da exposição a
Saúde (SUS). Felizmente, devido a um maior esses alérgenos nos primeiros anos de vida como causa primária da
elevação da asma. Os alérgenos específicos de interesse incluem
entendimento dessa condição respiratória, o número de ácaros da poeira doméstica, pelos de cães e gatos e alérgeno de
internações por asma no Brasil caiu 49% na última década baratas, especialmente nos bairros pobres das cidades. Essas e outras
(RODRIGUES et. al., 2021). observações sustentam fortemente a conclusão de que os controles
de alérgenos devam ser valiosos no tratamento ou na prevenção da
↠ Metade de todos os casos de asma começa a surgir asma (BROADDUS, 6ª ed.).
com sintomas antes dos cinco anos de idade e, após os
SEXO
40 anos, esse percentual cai para 25%. Qualquer que seja
a gravidade da asma ela causa comprometimento nos O sexo masculino é outro fator de risco, visto que é mais prevalente
aspectos físico, psicológico e social, além de restrições na em meninos por diferenças existentes entre tamanho de vias aéreas
e tônus muscular (RODRIGUES et. al., 2021).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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FATORES AMBIENTAIS poeira, pólen, escamas de baratas ou de outros animais, e alimentos,


que mais frequentemente agem em sinergia com outros cofatores
A asma é uma doença de sociedades industrializadas onde a maioria ambientais pró-inflamatórios, notavelmente as infecções respiratórias
das pessoas vive nas cidades. Isso provavelmente tem duas explicações virais. Uma história familiar positiva para asma é comum, e um teste
principais. Primeiramente, ambientes industrializados contêm muitos cutâneo com o antígeno agressor nesses pacientes resulta em uma
poluentes aerotransportados que podem servir como alérgenos para reação papuloeritematosa imediata. A asma atópica também pode ser
iniciar a resposta TH2. Depois, a vida na cidade tende a limitar a diagnosticada com base nos níveis totais elevados de lgE sérica ou na
exposição de crianças muito novas a certos antígenos, em particular evidência de sensibilização ao alérgeno por testes de
antígenos microbianos. A exposição a tais antígenos parece proteger radioalergossorventes séricos (denominados RAST), que detectam a
as crianças da asma e da atopia. Esse efeito protetor é ainda mais presença de anticorpos IgE específicos para um alérgeno individual
aparente se a exposição microbiana ocorreu durante a gravidez (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
ASMA NÃO ATÓPICA
A ideia de que a exposição microbiana durante o desenvolvimento
inicial reduz a incidência posterior das doenças alérgicas (e algumas Indivíduos com asma não atópica não apresentam evidências de
doenças autoimunes) foi popularizada como a hipótese da higiene. sensibilização a alérgenos, e os resultados dos testes cutâneos
Embora os mecanismos de base desse efeito protetor sejam incertos, geralmente são negativos. A história familiar positiva para asma é
eles estimularam ensaios com probióticos e alérgenos putativos menos comum nesses pacientes. As infecções por vírus (p. ex.,
administrados em crianças para diminuir seu risco de desenvolver rinovírus, vírus parainfluenza e vírus sincicial respiratório) são
alergias posteriormente (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). desencadeadores comuns na asma não atópica. Poluentes inalados do
ar, como fumaça, dióxido de enxofre, ozônio e dióxido de nitrogênio,
IMPORTANTE: A gravidade dos casos de asma é afetada por vários também podem contribuir para a inflamação crônica e a hiper-
fatores, incluindo genética, idade de manifestação, exposição à reatividade das vias em alguns casos. Como mencionado, em algumas
poluição, atopia, grau de exposição aos gatilhos, deflagradores instâncias, os ataques podem ser desencadeados por eventos
ambientais, (p. ex., fumo e ácaros da poeira) e refluxo gastresofágico aparentemente inócuos, como exposição ao frio e até mesmo
ou infecções respiratórias (PORTH, 10ª ed.). exercícios (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

Classificação ASMA INDUZIDA POR FÁRMACOS

↠ A asma pode ser classificada em atópica (evidência de Vários agentes farmacológicos provocam asma. A asma sensível à
aspirina é um tipo incomum, ocorrendo em indivíduos com rinite
sensibilização a alérgenos e ativação imune, geralmente
recorrente e pólipos nasais. Esses indivíduos são intensamente
em pacientes com rinite alérgica ou eczema) ou não sensíveis a pequenas doses de aspirina, assim como a outros anti-
atópica (sem evidência de sensibilização a alérgenos). Em inflamatórios não esteroides, e apresentam não apenas crises
qualquer uma delas, os episódios de broncospasmo asmáticas, mas também urticária. A aspirina (e outros agentes anti-
podem ter diversos desencadeadores, como infecções inflamatórios não esteroides) desencadeia a asma nesses pacientes,
inibindo a via da ciclo-oxigenase do metabolismo do ácido araquidônico,
respiratórias (especialmente infecções virais), exposição a levando a uma rápida queda na prostaglandina E2. Normalmente, a
irritantes (p. ex., fumaça, vapores), ar frio, estresse e prostaglandina E2 inibe as enzimas que geram os mediadores pró-
exercício (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). inflamatórios como leucotrienos B4, C4, D4 e E4, que acredita-se
terem um papel central na asma induzida por aspirina (ROBBINS &
OBS.: Há algumas evidências de que subclassificar a asma conforme COTRAN, 9ª ed.).
seu quadro clínico e a causa biológica de base seja clinicamente útil.
Um exemplo é o início precoce da asma alérgica associada com a Asma Ocupacional
inflamação do linfócito T auxiliar TH2, uma característica observada
Essa forma de asma pode ser desencadeada por vapores (resinas
em aproximadamente metade dos pacientes. Essa forma de asma
epóxi, plásticos), poeiras orgânicas e químicas (madeira, algodão,
responde bem a corticosteroides. Contudo, não há consenso atual
platina), gases (tolueno) e outros compostos químicos (formaldeído,
quanto aos critérios diagnósticos e definições (ROBBINS & COTRAN,
produtos de penicilina). São necessárias apenas quantidades mínimas
9ª ed.).
desses compostos químicos para induzir a crise, que geralmente
↠ A asma também pode ser classificada de acordo com ocorre após exposição repetida. Os mecanismos subjacentes variam
conforme o estímulo e incluem reações de tipo I, liberação direta de
os agentes ou eventos que desencadeiam a substâncias broncoconstritoras e respostas de hipersensibilidade de
broncoconstrição. Essas incluem asma sazonal, a induzida origem desconhecida (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
por exercício, a induzida por fármacos (p. ex., aspirina) e
a ocupacional, e a bronquite asmática em fumantes Fisiopatologia
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). A asma atópica é causada pela resposta de células TH2 e IgE aos
alérgenos ambientais em indivíduos geneticamente pré-dispostos. A
ASMA ATÓPICA
inflamação das vias aéreas é central na fisiopatologia da doença e causa
Esse é o tipo de asma mais comum, e é um exemplo clássico de disfunção das vias aéreas, parte pela liberação de mediadores
reação hipersensibilidade mediada por lgE (tipo I). A doença geralmente inflamatórios potentes, parte pela remodelagem das paredes das vias
começa da infância e é desencadeada por alérgenos ambientais, como aéreas (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


3

À medida que a doença se agrava, há secreção local aumentada de ↠ As células TH2 secretam citocinas que promovem
fatores de crescimento, induzindo hipertrofia de glândulas mucosas, uma inflamação e estimulam a produção de IgE e outros
proliferação de músculo liso, angiogênese, fibrose e proliferação de
feixes nervosos. Combinações variáveis desses processos ajudam a
anticorpos pelas células B. Essas citocinas incluem a IL-4,
explicar os diferentes subtipos de asma, sua resposta ao tratamento e que estimula a produção de IgE; IL-5, que ativa eosinófilos
a sua história natural na vida da pessoa (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). recrutados localmente; e IL-13, que estimula a secreção
OBS.: Existem dois subconjuntos de linfócitos T auxiliares (T1H e T2H) que se
de muco pelas glândulas submucosas brônquicas e
desenvolvem a partir do mesmo precursor, linfócito T CD4+. Os linfócitos T1H também promove a produção de IgE por células B
sofrem diferenciação em resposta a micróbios e estimulam a diferenciação dos (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
linfócitos B em plasmócitos produtores das imunoglobulinas M (IgM) e IgG. Os
linfócitos T2H, por outro lado, respondem ao estímulo provocado por
↠ Essas células T e células epiteliais secretam quimiocinas
alergênios e helmintos (parasitas intestinais), estimulando a diferenciação dos
linfócitos B em plasmócitos produtores de IgE, produzem fatores de que recrutam mais células T e eosinófilos, exacerbando a
crescimento para mastócitos, além de recrutar e ativar eosinófilos. Em pessoas reação. Como em outras reações alérgicas, a IgE se liga
com asma alérgica, a diferenciação dos linfócitos T parece estar voltada para
uma resposta pró-inflamatória T2H (PORTH, 10ª ed.).
aos receptores Fc nos mastócitos submucosos, e a
exposição repetida ao alérgeno faz com que os
RESPOSTAS DO TH2, IGE E INFLAMAÇÃO mastócitos liberem o conteúdo dos grânulos e produzam
citocinas e outros mediadores, que coletivamente
induzem a reação de fase inicial (hipersensibilidade
imediata) e a reação de fase tardia (ROBBINS & COTRAN,
9ª ed.).

↠ A reação inicial é dominada por broncoconstrição,


aumento da produção de muco, graus variáveis de
vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular. A
broncoconstrição é desencadeada pelo estímulo direto
de receptores vagais subepiteliais (parassimpáticos)
através de reflexos centrais e locais desencadeados por
mediadores produzidos por mastócitos e outras células na
reação. A reação de fase tardia é dominada pelo
recrutamento de leucócitos, notavelmente eosinófilos,
neutrófilos e mais células T. Embora as células TH2 sejam
o tipo de célula T dominante envolvido na doença, outras
células T que contribuem com a inflamação incluem as
células TH17 (produtoras do IL-17), que recrutam
neutrófilos (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
A e B, Comparação de uma via aérea normal e uma via aérea envolvida por asma. A via aérea asmática
é marcada pelo acúmulo de muco na luz brônquica seguida por um aumento no número de células
calciformes secretoras de muco na mucosa e na hipertrofia das glândulas submucosas, inflamação
Os mediadores cujos papéis no broncospasmo são claramente
crônica intensa devido ao recrutamento de eosinófilos, macrófagos e outras células inflamatórias, suportados pela eficácia da intervenção farmacológica são: (ROBBINS
espessamento da membrana basal e hipertrofia e hiperplasia das células musculares lisas. C, Alérgenos
inalados (antígenos) provocam a resposta dominada por TH2, favorecendo a produção de IgE e o
& COTRAN, 9ª ed.).
recrutamento de eosinófilos. D, Na reexposição ao antígeno (Ag), a reação imediata é desencadeada
pelo cruzamento induzido pelo Ag da IgE ligado aos receptores Fc nos mastócitos. Essas células liberam ➢ os leucotrienos C4, D4 e E4, que causam
mediadores pré-formados que induzem os broncospasmos diretamente ou através de neurônios,
aumentam a permeabilidade vascular, a produção de muco e o recrutamento de leucócitos. E, Os
broncoconstrição prolongada assim como aumento da
leucócitos recrutados neste local de reação (neutrófilos, eosinófilos e basófilos; linfócitos e monócitos) permeabilidade vascular e aumento da secreção de muco,
liberam mediadores adicionais que iniciam a fase tardia da asma. Vários fatores liberados dos eosinófilos (p.
ex., principal proteína básica, proteína catiônica eosinofílica) também causam danos ao epitélio.
➢ a acetilcolina, liberada dos nervos parassimpáticos
intrapulmonares, que pode causar a constrição da
musculatura lisa das vias aéreas pelo estímulo direto aos
↠ Uma anormalidade fundamental na asma é a resposta receptores muscarínicos.
exagerada do TH2 aos antígenos ambientais Um segundo grupo inclui agentes presentes na “cena do crime”, mas
normalmente inofensivos (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). cujo papel real na asma alérgica aguda parece ser relativamente
menor com base na ausência de eficácia de antagonistas potentes ou
Essas interleucinas, uma vez liberadas, se ligam aos seus receptores, inibidores da síntese: (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
liberando histamina, prostaglandinas e leucotrienos que, por sua vez,
irão estimular a produção de IgE, mastócitos, basófilos e eosinófilos. ➢ a histamina, um potente broncoconstritor;
Essa resposta inflamatória de forma crônica irá causar uma lesão ➢ a prostaglandina D2, que estimula broncoconstrição e
irreversível com estreitamento da via aérea e acometimento do vasodilatação;
sistema mucociliar (RODRIGUES et. al., 2021).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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➢ o fator ativador de plaquetas, que causa a agregação ➢ Embora a obstrução aguda do fluxo aéreo seja atribuída
plaquetária e a liberação de serotonina de seus grânulos. principalmente a broncoconstrição muscular, edema agudo
e obstrução por muco, a remodelagem das vias aéreas,
Finalmente, um grande terceiro grupo compreende os “suspeitos” por sua vez, também pode contribuir para a obstrução
para os quais antagonistas ou inibidores específicos não estão crônica e irreversível das vias aéreas.
disponíveis ou ainda não foram suficientemente estudados. Muitas
terapias-alvo promissoras na asma que têm como foco as vias de Manifestações Clínicas
transdução do sinal IL-13/IL-4 estão em desenvolvimento, incluindo
anticorpos monoclonais anti-IL-13 e antagonistas de receptores IL-4. Uma crise aguda de asma clássica pode durar até várias horas.
Outros alvos incluem IL-1, TNF, IL-6, quimiocinas (p. ex., eotaxina, Contudo, em alguns pacientes, os sintomas cardinais de opressão
também conhecida como CCL11), neuropeptídios, óxido nítrico, torácica, dispneia, sibilos e tosse (com ou sem produção de escarro)
bradicinina e endotelinas (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). estão presentes constantemente em menor intensidade. Na sua forma
mais severa, o estado de mal asmático, o paroxismo persiste por dias
Portanto, está claro que múltiplos mediadores contribuem para a
ou mesmo semanas, causando por vezes uma obstrução do fluxo
resposta asmática aguda. Além disso, a composição dessa “sopa de
aéreo que é tão extrema que pode levar à cianose intensa ou até
mediadores” pode variar entre indivíduos ou entre diferentes tipos de
mesmo à morte (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
asma. O reconhecimento da importância das células inflamatórias e
seus mediadores na asma levou a uma maior ênfase sobre os ↠ As crises de asma podem ocorrer de forma
medicamentos anti-inflamatórios, tais como os corticosteroides, no seu
tratamento (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
espontânea ou em resposta a vários gatilhos, infecções
respiratórias, estresse emocional ou mudanças climáticas
MORFOLOGIA (PORTH, 10ª ed.).
Acredita-se que tanto fatores emocionais quanto alterações nos níveis
hormonais possam contribuir para a exacerbação dos sintomas de
asma. Os fatores emocionais produzem broncospasmo por meio de
vias vagais. Podem agir como um gatilho broncospástico ou podem
aumentar a capacidade de resposta das vias respiratórias para outros
gatilhos por meio de mecanismos não inflamatórios. O papel dos
hormônios sexuais na asma é desconhecido, apesar das numerosas
evidências circunstanciais sugestivas de sua importância. De fato, as
pesquisas mostram que meninas com menarca precoce (< 11,5 anos)
têm duas vezes mais chance de desenvolver asma na faixa etária dos
20 anos do que meninas que têm a menarca na idade média de
apresentação. Até 40% das mulheres com asma relatam um aumento
nos sintomas durante o período pré-menstrual. Os hormônios sexuais
femininos têm um papel regulador na função β2-adrenérgica, e foi
apontado que a regulação anormal pode ser um mecanismo possível
Brônquio de um paciente asmático exibindo hiperplasia das células calciformes (cabeça da seta para a manifestação de asma no período pré-menstrual
verde), fibrose da membrana sub-basal (cabeça da seta preta), inflamação eosinofílica (cabeça da
seta amarela) e hipertrofia muscular (cabeça da seta azul). (PORTH, 10ª ed.).
Em pacientes que morrem por asma severa aguda (estado de mal ↠ Frequentemente, os sintomas de asma pioram
asmático), os pulmões estão distendidos por hiperinsuflação, com
pequenas áreas de atelectasia. O achado macroscópico mais notável é
durante a noite, o que confere à condição a denominação
a oclusão de brônquios e bronquíolos por tampões mucosos espessos de asma noturna. Estudos sobre a asma noturna indicam
e pegajosos, que geralmente contêm epitélio descamado. Um achado que há variações relacionadas com o ciclo circadiano e o
característico no escarro ou no lavado broncoalveolar são as espirais sono na função hormonal e respiratória. A maior
de Curschmann, que podem resultar da extrusão de tampões
diminuição da função respiratória ocorre
mucosos dos ductos de glândulas mucosas subepiteliais ou bronquíolos.
Também estão presentes muitos eosinófilos e cristais de Charcot- aproximadamente às 4 h, período em que os níveis de
Leyden, compostos por uma proteína eosinofílica chamada galectina- cortisol estão baixos, os níveis de melatonina estão altos
10. Outros achados histológicos característicos da asma, chamados e a atividade dos eosinófilos é maior (PORTH, 10ª ed.).
coletivamente de “remodelagem das vias aéreas” incluem: (ROBBINS
& COTRAN, 9ª ed.). ↠ A doença se manifesta por episódios recorrentes de
➢ Espessamento das paredes das vias aéreas;
sibilância, falta de ar, opressão torácica e tosse,
➢ Fibrose abaixo da membrana basal (devido à deposição de particularmente à noite ou no início da manhã (ROBBINS
colágeno tipos I e III); & COTRAN, 9ª ed.).
➢ Aumento da vascularização;
➢ Aumento do tamanho das glândulas submucosas e no ↠ O paciente portador de asma leve, geralmente se
número de células calciformes das vias aéreas; apresenta com dispneia restrita a atividade física,
➢ Hipertrofia e/ou hiperplasia do músculo da parede
taquipneia leve, estado mental na maior parte das vezes
brônquica.;

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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normal, saturação maior que 95% e presença de sibilos ↠ Anamnese detalhada (história pessoal e/ou familiar de
expiratórios moderados. Já o paciente asmático asma ou atopia) incluindo triagem de sintomas
moderado, comumente apresenta-se com dispneia ao respiratórios como tosse, sibilância, dispneia e aperto no
falar, ortopneia, taquipneia e taquicardia moderada, pode peito bem como seus gatilhos. O histórico familiar é
usar musculatura acessória, sibilos difusos, estado mental imprescindível visto que a atopia é a principal forma de
agitado e saturação 91% -95% (RODRIGUES et. al., 2021). asma e está presente em 80% dos pacientes. Após
realização da história clínica detalhada, é fundamental um
↠ O paciente grave geralmente se apresenta com
exame físico completo e direcionado para a queixa, o qual
dispneia em repouso, incapacidade de deitar, frequência
inclui obter uma espirometria pré e pós-resposta de
respiratória maior que 30 ipm, usa musculatura acessória,
broncodilatador (RODRIGUES et. al., 2021).
presença de sibilos difusos tanto expiratórios como
inspiratórios, frequência cardíaca maior que 120 bpm, ↠ A espirometria fornece um meio para medir CVF,
estado mental agitado e saturação menor que 91%. São VEF1, PFE, volume corrente, capacidade de reserva
crises que na maioria das vezes levam o paciente à expiratória e capacidade de reserva inspiratória. Pode
emergência e há necessidade de internação para então ser calculada a razão VEF1/CVF. O grau de
controle (RODRIGUES et. al., 2021). capacidade de resposta das vias respiratórias pode ser
medido por testes de desafio de inalação com o uso de
Durante uma crise de asma, as vias respiratórias ficam estreitas como
resultado de broncospasmo, edema da mucosa brônquica e tampão metacolina (um agonista colinérgico), histamina ou pela
de muco. A expiração se torna prolongada devido à obstrução exposição a um agente não farmacológico, como o ar
progressiva das vias respiratórias. A quantidade de ar que pode ser frio (PORTH, 10ª ed.).
forçado durante a expiração em 1 s (volume expiratório forçado em
um segundo [VEF1]) e o pico de fluxo expiratório (PFE), medido em
litros por segundo, diminuem. A queda do PFE para níveis abaixo de
50% do valor previsto durante uma crise aguda de asma indica uma
exacerbação grave e a necessidade de tratamento hospitalar de
emergência (PORTH, 10ª ed.).

Durante uma crise prolongada, o ar fica aprisionado por trás das vias
respiratórias ocluídas e estreitadas, provocando a hiperinflação dos
pulmões. Isso produz um aumento do volume residual (VR), além de
uma diminuição da capacidade de reserva inspiratória (volume corrente
+ volume de reserva inspiratório [VRI]) e da capacidade vital forçada
(CVF), de tal modo que a pessoa respira próximo de sua capacidade
funcional residual (volume residual + volume de reserva expiratório).
Como resultado, é necessária mais energia para superar a tensão já
existente nos pulmões e é exigida a ação dos músculos acessórios (p.
ex., músculos esternocleidomastóideos) para manter a ventilação e as
trocas gasosas. Este aumento do TR eleva ainda mais a demanda de
oxigênio e provoca dispneia e fadiga. Como o ar é aprisionado nos
alvéolos e a inspiração ocorre em volumes pulmonares residuais mais
altos, a tosse se torna menos eficaz. Conforme a condição evolui, a ↠ Em associação com a história clínica, temos a
eficácia da ventilação alveolar diminui, e desenvolve-se uma falta de espirometria como principal exame para estratificar e
correspondência entre ventilação e perfusão, causando hipoxemia e classificar o paciente asmático de acordo com seu
hipercapnia. A resistência vascular pulmonar pode aumentar como
resultado da hipoxemia e da hiperinflação, levando a um aumento da
Volume Expiratório Forçado (VEF1) (RODRIGUES et. al.,
pressão arterial pulmonar e aumento da demanda de trabalho no 2021).
coração direito (PORTH, 10ª ed.).
ASMA DITA LEVE: Este nível não acomete de forma notória
Diagnóstico as atividades diárias, sem perda de mais do que um dia
de trabalho/escola, sem necessidade de ir ao pronto
↠ O diagnóstico de asma deve se basear no histórico socorro em crises e são facilmente controladas com
cuidadoso, exame físico, testes laboratoriais e estudos da broncodilatadores. Os valores de VEF1 antes do uso dos
função pulmonar (PORTH, 10ª ed.). broncodilatadores normalmente são superiores a 90% do
OBS.: Hemograma: eosinofilia na ausência de parasitose intestinal Melhor Valor Pessoal (MVP) (RODRIGUES et. al., 2021).
(PORTO & PORTO).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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ASMA MODERADA: É aquela na qual o paciente apresenta OBS.: A hiperventilação, que costuma acompanhar a ansiedade e o
sintomas com frequência maior que 2 vezes por semana. pânico, é conhecida por atuar como um gatilho para a asma (PORTH,
10ª ed.).
Esses pacientes fazem uso de broncodilatadores para
alívio sintomático mais que duas vezes por semana, ↠ Em crianças, é essencial introduzir medidas destinadas
porém menos que duas vezes ao dia. O VEF1 geralmente a promover independência em relação ao controle dos
está entre 50%-80% do MVP ou abaixo do limite inferior sintomas, aliadas a medidas voltadas para o
previsto, mas na faixa de normalidade após o uso dos desenvolvimento de um autoconceito positivo (PORTH,
broncodilatadores (RODRIGUES et. al., 2021). 10ª ed.).

ASMA CONSIDERADA GRAVE: O uso de broncodilatadores DESSENSIBILIZAÇÃO


acontece mais de duas vezes ao dia para resolução
sintomática, bem como é frequente o uso de corticoide ↠ Nos casos de asma persistente pode ser realizado um
oral. O valor do VEF1 está comumente abaixo de 50% do programa de dessensibilização para pessoas que reagem
MVP ou abaixo do limite inferior do previsto após o uso a alergênios que não podem ser evitados, como ácaros
do broncodilatador (RODRIGUES et. al., 2021). domésticos. Isto envolve a injeção de antígenos
selecionados (com base em testes cutâneos) para
Obs.: O NHLBI EPR 3 classifica a asma de crianças maiores de 12 anos estimular a produção de anticorpos IgG que bloqueiam a
e adultos em quatro estágios: intermitente, leve e persistente, resposta de IgE. A imunoterapia tipicamente tem duração
moderada e persistente, e grave e persistente (PORT, 10ª ed.).
de 3 a 5 anos (PORTH, 10ª ed.).
Tratamento
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
↠ O manejo da asma consiste em medidas de ↠ O painel de especialistas recomenda uma abordagem
prevenção, medidas não farmacológicas, dessensibilização por etapas para a terapia farmacológica, com base nos
e tratamento farmacológico (PORTH, 10ª ed.). sistemas de classificação discutidos anteriormente
MEDIDAS DE PREVENÇÃO (PORTH, 10ª ed.).

↠ As medidas de prevenção para controlar os fatores ↠ A primeira linha de tratamento de qualquer das formas
que contribuem para a gravidade da asma são destinadas persistentes de asma inclui um agente de controle da
a limitar a exposição a substâncias irritantes e aos fatores inflamação, o que inclui corticosteroides inalados,
que aumentam os sintomas da asma e precipitam as estabilizadores de mastócitos e modificadores de
exacerbações (PORTH, 10ª ed.). leucotrienos (PORTH, 10ª ed.).

↠ Incluem orientar o paciente e seus familiares com ↠ Os corticosteroides por via inalatória são considerados
relação a medidas que devem ser empregadas para os agentes mais efetivos na prevenção de inflamação das
evitar a exposição a substâncias irritantes e alergênios vias respiratórias e, geralmente, são o tipo de fármaco
conhecidos por induzir ou provocar uma crise. Muitas utilizado (PORTH, 10ª ed.).
vezes, é necessário obter um histórico detalhado para
MECANISMO DE AÇÃO: Eles inibem a fosfolipase A2, que
identificar todos os fatores contributivos. A presença de
bloqueia a liberação de ácido araquidônico (o precursor
pólipos nasais, histórico de sensibilidade ao ácido
de prostaglandinas e leucotrienos) dos fosfolipídeos
acetilsalicílico e refluxo gastresofágico deve ser ligados à membrana. Acredita-se que a diminuição da
considerada. A vacinação anual contra a gripe é produção de prostaglandinas e leucotrienos é
recomendada para pessoas com asma persistente
fundamental à ação anti-inflamatória (WHALEN et. al.,
(PORTH, 10ª ed.).
2016).
MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS Ações no pulmão: Os CSIs não afetam diretamente o músculo liso das
vias aéreas. Ao contrário, os CSIs inalados visam diretamente à
↠ O controle não farmacológico inclui o uso de técnicas inflamação subjacente das vias aéreas, diminuindo a cascata inflamatória
de relaxamento e respiração controlada, que muitas (eosinófilos, macrófagos e li nfócitos T), revertendo o edema de
vezes ajudam a acalmar o pânico e a ansiedade que mucosa, diminuindo a permeabilidade dos capilares e inibindo a
liberação de leucotrienos. Após vários meses de uso regular, os CSIs
agravam ainda mais os problemas respiratórios (PORTH,
reduzem a hiper-reatividade do músculo liso das vias aéreas a vários
10ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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estímulos broncoconstritores, como alérgenos, irritantes, ar frio e


exercício (WHALEN et. al., 2016).

↠ Os medicamentos de alívio imediato, como os


agonistas β2-adrenérgicos de ação rápida (SABA, short-
ating b2-adrenergic agonist) (p. ex., salbutamol,
levalbuterol, pirbuterol) relaxam a musculatura lisa dos
brônquios e proporcionam alívio imediato dos sintomas,
geralmente em um intervalo de 30 min. São administrados
por inalação (i. e., inalador dosimetrado ou nebulizador), e
a sua utilização é recomendada para aliviar crises agudas
de asma, porque o uso regular não produz efeitos
benéficos (PORTH, 10ª ed.).
Representação esquemática da sobreposição entre as doenças
pulmonares obstrutivas crônicas.

Epidemiologia

↠ A DPOC constitui um problema de saúde pública


importante. É a quarta causa principal da morbidade e
mortalidade nos Estados Unidos e estima-se que atingirá
o quinto lugar em 2020 no ônus mundial de doenças
↠ As medicações anticolinérgicas (p. ex., ipratrópio)
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
bloqueiam as vias vagais eferentes pós-ganglionares
causadoras de broncoconstrição. Esses medicamentos, ↠ Há uma clara associação entre o tabagismo pesado e
administrados por inalação, provocam broncodilatação por o enfisema, e as mulheres e afro-americanos são mais
ação direta sobre as grandes vias respiratórias e não suscetíveis que outros grupos. Aproximadamente 35%-
alteram a composição ou a viscosidade do muco 50% de fumantes pesados desenvolvem DPOC; de
brônquico. Acredita-se que podem fornecer algum maneira inversa, 80% da DPOC se desenvolve por causa
benefício aditivo para o tratamento de exacerbações da do tabagismo (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
asma quando administrados juntamente com agonistas
β2-adrenérgicos (PORTH, 10ª ed.). Fatores de risco

OBS.: O ipratrópio também oferece vantagem adicional quando é usado


com um BACA para o tratamento de crises agudas de asma em
pronto-socorros. Os efeitos adversos, como xerostomia e gosto
amargo, são relacionados com os efeitos anticolinérgicos locais
(WHALEN et. al., 2016).

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

↠ A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) se


caracteriza por obstrução crônica e recorrente do fluxo
↠ Nos países desenvolvidos, o tabagismo é o principal
de ar nas vias respiratórias pulmonares. A obstrução do
fator etiológico, ultrapassando qualquer um dos outros
fluxo aéreo geralmente é progressiva e acompanhada
fatores de risco. No entanto, nos países em
por uma reação inflamatória a partículas ou gases nocivos
desenvolvimento, a principal causa é a exposição a
(PORTH, 10ª ed.).
combustíveis de biomassa (BROADDUS, 6ª ed.).
ATENÇÃO: Doenças pulmonares obstrutivas comuns incluem o
enfisema, a bronquite crônica, a asma e a bronquiectasia, cada qual ↠ A causa mais comum de DPOC é o tabagismo e
com suas características patológicas e clínicas distintas. O enfisema e aproximadamente 80% das mortes relacionadas com
a bronquite crônica geralmente são considerados em conjunto DPOC estão associadas à história de tabagismo. Uma
clinicamente e referidos como doença pulmonar obstrutiva crônica segunda causa, menos comum, é a deficiência hereditária
(DPOC), já que a maioria dos pacientes tem características de ambas,
de alfa1-antitripsina (AAT) (PORTH, 10ª ed.).
quase com certeza porque eles compartilham um desencadeador
principal: o tabagismo (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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↠ Fatores predisponentes são asma e e as variantes genéticas no NRF2, nos reguladores do NRF2
hiperresponsividade das vias respiratórias (PORTH, 10ª ed.). e nos genes-alvo do NRF2, estão associadas com doenças
pulmonares relacionadas com tabagismo em humanos.
↠ Outros fatores de risco incluem poluentes ➢ Infecção. Embora a infecção pareça desempenhar um
papel no início da destruição tecidual, as infecções virais
ocupacionais e ambientais e polimorfismos genéticos e/ou bacterianas podem exacerbar a inflamação associada
(ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.). e a bronquite crônica.

OBS.: A deficiência de AAT (DAAT) é um fator de risco genético para ↠ A ampliação dos alvéolos conduz à hiperinflação dos
DPOC (PORTH 10ª ed.).
pulmões e produz um aumento da capacidade pulmonar
Fisiopatologia total (CPT). Duas das causas reconhecidas de enfisema
são o tabagismo, que incita a lesão pulmonar, e uma
ENFISEMA deficiência herdada de AAT, uma enzima antiprotease
que protege o pulmão de lesões. A deficiência de AAT (DAAT)
↠ O enfisema se caracteriza pela perda da elasticidade é um fator de risco genético para DPOC. Mutações no gene SERPINA1
pulmonar e aumento anormal dos alvéolos distais aos podem causar DAAT (PORTH, 10ª ed.).
bronquíolos terminais, com destruição das paredes
alveolares e dos leitos capilares (PORTH, 10ª ed.).

Desenvolvimento do enfisema incluem: (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).

➢ Mediadores inflamatórios e leucócitos. Foi demonstrado que


uma ampla variedade de mediadores tem seus níveis
aumentados nas partes afetadas (incluindo os leucotrienos
B4, IL-8, TNF e outros). Esses mediadores são liberados
pelas células epiteliais residentes e macrófagos, e atraem
as células inflamatórias da circulação (fatores quimiotáticos),
↠ Acredita-se que o enfisema seja o resultado da
amplificam o processo inflamatório (citocinas pró- degradação de elastina e outros componentes da parede
inflamatórias) e induzem mudanças estruturais (fatores de dos alvéolos por enzimas, chamadas proteases, que
crescimento). digerem as proteínas. Normalmente, enzimas
➢ Desequilíbrio de protease-antiprotease. Várias proteases
antiprotease, incluindo a AAT, protegem o pulmão. A
são secretadas pelas células inflamatórias e epiteliais,
destruindo os componentes do tecido conjuntivo. Em fumaça do cigarro e outros irritantes estimulam o
pacientes que desenvolvem o enfisema, há uma deficiência movimento de células inflamatórias nos pulmões,
relativa de antiproteases protetoras, o que em algumas resultando no aumento da liberação de elastase e outras
instâncias tem uma base genética. proteases. Quando o fumante desenvolve DPOC, a
➢ Estresse oxidativo. Substâncias na fumaça do tabaco, danos
alveolares e células inflamatórias produzem oxidantes, que
produção e liberação antiprotease pode ser inadequada
podem gerar mais danos e inflamações aos tecidos. O papel para neutralizar o excesso de produção de protease, de
dos oxidantes é reforçado por modelos em ratos nos quais tal maneira que o processo de destruição do tecido
o gene NRF2 é inativado. O NRF2 decodifica um fator de elástico permanece sem controle (PORTH, 10ª ed.).
transcrição que serve como um sensor para oxidantes em
células epiteliais alveolares e muitos outros tipos de células. O tipo e a quantidade de AAT que uma pessoa tem são determinados
Os oxidantes intracelulares ativam o NRF2, que estimula a por um par de genes codominantes denominados genes PI (inibidores
expressão de vários genes que protegem as células de de proteína). A DAAT é herdada como uma característica autossômica
danos oxidativos. Ratos sem o NRF2 são significativamente recessiva. A maioria das pessoas com enfisema clinicamente
mais sensíveis à fumaça do tabaco que os ratos normais,

Júlia Morbeck – @med.morbeck


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diagnosticado antes dos 40 anos de idade tem uma DAAT (PORTH, BRONQUITE CRÔNICA
10ª ed.).
↠A bronquite crônica é definida clinicamente como tosse
TIPOS DE ENFISEMA
persistente produtiva por, no mínimo, 3 meses em pelo
Existem dois tipos comumente reconhecidos de enfisema: menos 2 anos consecutivos, na ausência de qualquer
centroacinar ou centrolobular e pan-acinar (PORTH, 10ª ed.).
outra causa identificável. Comum em fumantes e
➢ O enfisema centroacinar está associado mais habitantes de grandes cidades muito poluídas, a bronquite
frequentemente ao tabagismo (cigarros) e existe crônica está em um dos extremos no espectro da DPOC,
comprometimento dos bronquíolos respiratórios,
com o enfisema no outro extremo. Quando a bronquite
predominantemente nos lobos superiores e nos
persiste por anos, ela pode acelerar o declínio da função pulmonar,
segmentos superiores dos lobos inferiores. É o tipo mais
provocar cor pulmonale e insuficiência cardíaca ou causar metaplasia
comum de enfisema e pode ser observado principalmente
atípica e displasia do epitélio respiratório, proporcionando um terreno
em fumantes do sexo masculino.
fértil para transformação cancerosa (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
➢ O tipo pan-acinar produz o envolvimento inicial dos alvéolos
periféricos e depois se estende para envolver os OBS.: O fator primário ou inicial na gênese da bronquite crônica é a
bronquíolos mais centrais. Esse tipo de enfisema é mais exposição a substâncias nocivas ou irritativas inaladas, como fumaça
comum em pessoas com DAAT. Também é encontrado de tabaco (90% dos pacientes são fumantes) e poeira de grãos,
em fumantes, associado ao enfisema centroacinar. Em algodão e sílica (ROBBINS & COTRAN, 9ª ed.).
casos assim, o padrão pan-acinar tende a ocorrer nas
partes inferiores do pulmão e o enfisema centroacinar é ➢ Hipersecreção de muco. A mais precoce das
observado nas porções superiores.
características da bronquite crônica é a
hipersecreção de muco nas grandes vias aéreas,
associada à hipertrofia das glândulas submucosas
na traqueia e nos brônquios. A base da
hipersecreção de muco não é completamente
compreendida, mas parece envolver
mediadores inflamatórios, tais como histamina e
IL-13. Com o tempo, ocorre também aumento
importante das células caliciformes nas pequenas
vias aéreas - brônquios pequenos e bronquíolos
- levando à produção excessiva de muco que
contribui para a obstrução das vias aéreas.
Acredita-se que tanto a hipertrofia das glândulas
submucosas quanto o aumento de células
caliciformes constituam reações protetoras
contra a fumaça do tabaco ou outros poluentes
(p. ex., dióxido de enxofre e dióxido de
nitrogênio).
➢ Inflamação. As substâncias inaladas que levam à
bronquite crônica causam danos celulares,
provocando respostas inflamatórias agudas e
crônicas envolvendo neutrófilos, linfócitos e
macrófagos. A inflamação de longa duração é
acompanhada de fibrose envolvendo as vias
aéreas pequenas (pequenos brônquios e
bronquíolos, menores que 2 a 3 mm de
diâmetro) e também pode acarretar a
obstrução crônica das vias aéreas. Essa
característica é similar à descrita anteriormente
no enfisema e é um denominador comum na
DPOC.
A, Enfisema centroacinar em um tabagista. B, Enfisema panacinar na deficiência de alfa1-antitripsina. O ➢ Infecção. A infecção não é responsável pelo
tipo e a intensidade do enfisema podem ser difíceis ou impossíveis de determinar em bases
histopatológicas. C, Aqui, vê-se enfisema centroacinar com dilatação dos espaços aéreos em torno início da bronquite crônica, mas provavelmente
do bronquíolo. D, Diferentemente, o enfisema panacinar apresenta uma dilatação mais difusa dos
espaços aéreos.
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é importante para sua manutenção e pode ser Pessoas com predominância de manifestações de enfisema são
crítica na produção de exacerbações agudas. classicamente referidas como sopradores rosados (pink puffers),
devido à ausência de cianose, ao uso de músculos acessórios e à
IMPORTANTE: Deve-se reconhecer que o tabagismo predispõe à respiração com os lábios semicerrados (“soprador”). Com a perda da
bronquite de várias formas. Ele não só danifica as células de elasticidade e a hiperinsuflação dos pulmões, as vias respiratórias muitas
revestimento das vias aéreas superiores, levando à inflamação crônica, vezes colapsam durante a expiração, porque a pressão nos tecidos
como também interfere na ação ciliar do epitélio respiratório, evitando pulmonares circundantes excede a pressão das vias respiratórias. O ar
a eliminação do muco e aumentando o risco de infecção (ROBBINS & permanece retido nos alvéolos e pulmões, provocando aumento das
COTRAN, 9ª ed.). dimensões anteroposteriores do tórax, o chamado tórax em tonel ou
barril, típico de pessoas com enfisema. Estas apresentam diminuição
MORFOLOGIA drástica nos sons respiratórios por todo o tórax. Com o diafragma
funcionando perto da capacidade máxima, o indivíduo poderá sinalizar
Macroscopicamente, há hiperemia, tumefação e edema das vulnerabilidade ao desenvolvimento de fadiga diafragmática e
membranas mucosas, frequentemente acompanhadas pelo excesso insuficiência respiratória aguda (PORTH, 10ª ed.).
de secreções mucinosas ou mucopurulentas. Às vezes, cilindros
grosseiros de secreções e pus preenchem os brônquios e os
bronquíolos.

Embora o número de células caliciformes aumente discretamente, a


principal alteração está no tamanho das glândulas mucosas (hiperplasia).
Esse aumento pode ser avaliado pela relação entre a espessura da
camada de glândulas mucosas e a espessura da parede entre o epitélio
e a cartilagem (índice de Reid). O índice de Reid (normalmente 0,4)
está aumentado na bronquite crônica, geralmente de modo
proporcional à severidade e à duração da doença. O epitélio brônquico
pode exibir metaplasia escamosa e displasia. Há um estreitamento
acentuado dos bronquíolos causado por tampões de muco, inflamação
e fibrose. Nos casos mais severos, pode ocorrer obliteração da luz em
virtude da fibrose (bronquiolite obliterante) (ROBBINS & COTRAN, 9ª
ed.).

Manifestações Clínicas

↠ As manifestações clínicas da DPOC geralmente têm


um início insidioso (PORTH, 10ª ed.).

↠ Caracteristicamente, o indivíduo busca atendimento


médico na quinta ou sexta década de vida, apresentando
manifestações como fadiga, intolerância ao exercício,
A pessoa com a síndrome clínica de bronquite crônica classicamente
tosse, produção de escarro ou dificuldade respiratória. A
é chamada de pletórico azulado, uma referência à cianose e à
tosse produtiva ocorre geralmente na parte da manhã e retenção de líquido associadas à insuficiência cardíaca direita. Na
a dispneia se torna mais grave à medida que a doença prática, a diferenciação entre os dois tipos de DPOC muitas vezes é
progride (PORTH, 10ª ed.). difícil, uma vez que pessoas com DPOC costumam apresentar certo
grau de enfisema e também de bronquite crônica (PORTH, 10ª ed.).
↠ É comum observar a exacerbação frequente de
infecções e insuficiência respiratória, fazendo com que a
pessoa falte ao trabalho e, eventualmente, incapacitando-
a. Os estágios tardios da DPOC se caracterizam por
infecções respiratórias de repetição e insuficiência
respiratória crônica. A morte ocorre geralmente durante
uma exacerbação da doença, associada a infecção e
insuficiência respiratória (PORTH, 10ª ed.).
IMPORTANTE

Os termos “soprador rosado” (pink puffer) e “pletórico azulado” (blue


bloater) são usados para diferenciar as manifestações clínicas de
enfisema e de bronquite obstrutiva crônica (PORTH, 10ª ed.).

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ESTUDOS DE FUNÇÃO PULMONAR


A obstrução das vias respiratórias prolonga a fase expiratória da
respiração e oferece a possibilidade de comprometimento das trocas
gasosas por causa do desequilíbrio entre ventilação e perfusão. A CVF
é o volume de ar que pode ser expirado forçosamente após a
inspiração máxima. Em um adulto com função respiratória normal, isso
deve ser alcançado em um intervalo de 4 a 6 s. Em pessoas com
doença pulmonar crônica, o tempo necessário para alcançar a CVF é
maior, o VEF1 é menor e a razão VEF1/CVF é reduzida. Em casos
graves, a CVF cai bastante (PORTH, 10ª ed.).
↠ A fase expiratória da respiração é prolongada e a As medições de volume pulmonar revelam aumento acentuado no
ausculta pode revelar sibilos expiratórios e crepitações. VR, aumento da capacidade pulmonar total (CPT) e elevação da
Pessoas com obstrução grave do fluxo de ar também relação VR/CPT. Estas e outras medições do fluxo expiratório são
determinadas por espirometria e usadas no diagnóstico de DPOC
podem apresentar as seguintes características: uso dos
(PORTH, 10ª ed.).
músculos acessórios e posição sentada em “tripé”, que
facilita a utilização dos músculos esternocleidomastóideos, ↠ As medições de espirometria podem ser utilizadas
escalenos e intercostais. A respiração com os lábios para verificar a gravidade da doença. Por exemplo, uma
semicerrados aumenta o fluxo de ar, porque aumenta a razão VEF1/CVF abaixo de 70% com VEF1 de 80% ou
resistência ao fluxo de saída e ajuda a impedir o colapso mais, com ou sem sintomas, indica doença leve; enquanto
das vias respiratórias por aumentar a pressão das vias. Por uma VEF1/CVF abaixo de 70% com VEF1 inferior ou igual
fim, pessoas com DPOC são incapazes de manter a gasometria a 50%, com ou sem sintomas, indica doença moderada
sanguínea em níveis normais pelo aumento do trabalho respiratório. (PORTH, 10ª ed.).
Há desenvolvimento de hipoxemia, hipercapnia e cianose,
que refletem o desequilíbrio entre ventilação e perfusão ↠ A doença grave é indicada por um intervalo de 30 a
(PORTH, 10ª ed.). 50% no VEF1, e a DPOC muito grave é indicada por um
VEF1 inferior a 30%; ambos com taxas de VEF1 para CVF
↠ A hipoxemia grave, em que os níveis de PO2 arterial inferiores a 70% (PORTH, 10ª ed.).
caem para menos de 55 mmHg, provoca vasoconstrição
reflexa dos vasos pulmonares e maior comprometimento RADIOGRAFIA DE TÓRAX
das trocas gasosas no pulmão. É mais comum em
pessoas com a forma de DPOC que apresenta bronquite
crônica. A hipoxemia também estimula a produção de
hemácias, causando policitemia (PORTH, 10ª ed.).
↠ O aumento da vasoconstrição pulmonar e
subsequente elevação da pressão arterial pulmonar
aumentam ainda mais o trabalho do ventrículo direito.
Como resultado, as pessoas com DPOC podem
desenvolver insuficiência cardíaca do lado direito com
edema periférico (i. e., cor pulmonale). No entanto, sinais Enfisema pulmonar. A. Radiografia simples do tórax evidenciando alargamento
dos espaços intercostais, rebaixamento e retificação das cúpulas
de insuficiência cardíaca direita ostensiva são observados diafragmáticas, aumento da transparência pulmonar. B. Aumento do espaço
com menos frequência desde o advento da retroesternal e retificação significativa do diafragma.
oxigenoterapia suplementar (PORTH, 10ª ed.).

Diagnóstico IMPORTANTE: Outras medidas de diagnóstico passam a ser


importantes à medida que a doença progride. Medições
↠ O diagnóstico de DPOC deve se basear em um de tolerância ao exercício, estado nutricional, saturação
histórico cuidadoso e exame físico, estudos de função de hemoglobina e gasometria arterial podem ser utilizadas
pulmonar, radiografia de tórax e exames laboratoriais para avaliar o impacto global da DPOC sobre o estado de
(PORTH, 10ª ed.). saúde e orientar o tratamento (PORTH, 10ª ed.).
➢ Radiografia do tórax: hiperinsuflação pulmonar, bolhas;
➢ TC do tórax: evidencia o tipo de enfisema (centroacinar e
pan-acinar); bronquiectasias; bolhas; perfusão em mosaico;

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➢ Espirometria com teste broncodilatador: ver estagiamento; tratamento da DPOC. Afirma-se que os agonistas β2-
➢ Gasometria arterial; adrenérgicos inalados de ação prolongada podem ser
➢ Oximetria de pulso: SaO2 ≤ 90%;
➢ Pressões inspiratórias e expiratórias máximas: avaliam
ainda mais efetivos do que as formas de ação rápida
forças dos músculos respiratórios; desproporção entre (PORTH, 10ª ed.).
grau da dispneia e VEF1;
➢ ECG: sobrecarga ventricular direita (cor pulmonale); ↠ Os fármacos anticolinérgicos (p. ex., brometo de
➢ Ecocardiograma: hipertensão pulmonar; cor pulmonale; ipratrópio, brometo de tiotrópio), que são administrados
➢ Hemograma: Policitemia; por inalação, produzem broncodilatação via bloqueio dos
➢ Exame do escarro: aumento de eosinófilos pode indicar
receptores colinérgicos parassimpáticos geradores de
hiper-responsividade;
➢ Dosagem de α1-antitripsina: em pacientes com DPOC e contração do músculo liso dos brônquios. Esse tipo de
menos de 45 anos de idade. medicamento, que deve ser administrado por inalação,
promove broncodilatação pela ação direta sobre as
Tratamento grandes vias respiratórias, sem alterar a composição ou a
viscosidade do muco brônquico. Também reduz o volume
↠ O tratamento de DPOC depende do estágio da
de expectoração, sem alterar sua viscosidade. Como
doença e, muitas vezes, requer uma abordagem
esses medicamentos têm um início de ação mais lento e
interdisciplinar (PORTH, 10ª ed.).
mais prolongado, geralmente são usados em bases
IMPORTANTE: A cessação do tabagismo é a única medida que retarda regulares em vez de empregados de acordo com a
a progressão da doença. A orientação às pessoas com DPOC e a seus necessidade. Também há disponibilidade comercial de
familiares é fundamental para o manejo bem-sucedido da doença. A
inaladores que combinam um medicamento
reabilitação psicossocial deve ser individualizada para atender às
necessidades específicas de pessoas com DPOC e seus familiares. anticolinérgico com um agonista β2-adrenérgico (PORTH,
Essas necessidades variam de acordo com idade, profissão, recursos 10ª ed.).
financeiros, interesses sociais e recreativos e relações interpessoais e
familiares (PORTH, 10ª ed.). ↠ Os corticosteroides inalatórios muitas vezes são usados
no tratamento de DPOC, apesar das controvérsias quanto
↠ O uso de uma máscara, em grande parte, impede o a sua utilidade. Uma explicação para a falta de efeito pode
desenvolvimento de dispneia e broncospasmo devido ao estar relacionada com o fato de que os corticosteroides
ar frio e à exposição ao vento (PORTH, 10ª ed.). prolongam a ação de neutrófilos e, portanto, não
↠ Infecções respiratórias podem impor risco de morte suprimem a resposta inflamatória neutrofílica observada
para pessoas com DPOC grave. O indivíduo com DPOC nos casos de DPOC. Como os corticosteroides são úteis
deve evitar o contato com pessoas com infecção no alívio de sinais/sintomas de asma, podem beneficiar
comprovada do sistema respiratório, bem como lugares pessoas com asma concomitante à DPOC.
com grande quantidade de pessoas durante os períodos Corticosteroides inalados também podem ser benéficos
do ano em que a gripe ou infecções do sistema no tratamento da exacerbação aguda da DPOC,
respiratório predominam. A vacinação contra gripe e minimizando os efeitos indesejáveis que muitas vezes
infecções pneumocócicas diminui a probabilidade de acompanham a utilização sistêmica (PORTH, 10ª ed.).
ocorrência (PORTH, 10ª ed.). ↠ A oxigenoterapia deve ser prescrita para indivíduos
↠ Manter e melhorar o funcionamento físico e selecionados com hipoxemia significativa (PO2 arterial <
psicossocial é uma parte importante do programa de 55 mmHg). A administração de oxigênio a um baixo fluxo
tratamento para pessoas com DPOC. Um programa de contínuo (1 a 2 ℓ/min) para manter os níveis de PO2
reabilitação pulmonar a longo prazo pode reduzir arterial entre 55 e 65 mmHg minimiza a dispneia e a
significativamente a necessidade de hospitalização e hipertensão pulmonar e melhora o funcionamento
melhorar a capacidade da pessoa de gerenciar e lidar com neuropsicológico e a tolerância à atividade física. O
sua deficiência de uma maneira positiva (PORTH, 10ª ed.). objetivo geral da oxigenoterapia é manter a saturação de
oxigênio da hemoglobina em 88 a 92% (PORTH, 10ª ed.).
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
↠ Como o impulso ventilatório associado à estimulação
↠ O tratamento farmacológico da DPOC envolve o uso hipóxica dos quimiorreceptores periféricos não ocorre até
de broncodilatadores, como a inalação de agentes que a PO2 arterial seja reduzida para aproximadamente
adrenérgicos e anticolinérgicos. Agonistas β2- 60 mmHg ou menos, a elevação da PO2 arterial acima
adrenérgicos inalados têm sido a principal forma de de 60 mmHg tende a deprimir o estímulo hipóxico para

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ventilação. Isso frequentemente resulta em hipoventilação


e retenção de dióxido de carbono. Portanto, os médicos
devem ter o cuidado de não oxigenar excessivamente os
pacientes com DPOC com o intuito de alcançar uma meta
mais alta de espirometria, porque isso pode diminuir o
impulso respiratório (PORTH, 10ª ed.).

Referências

KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul; ASTER, Jon. Robbins &


Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças, 9ª
edição. Grupo GEN, 2016.

NORRIS, Tommie L. Porth – Fisiopatologia, 10ª edição.


Grupo GEN, 2021.

BROADDUS, V. Courtney. Murray & Nadel Tratado de


Medicina Respiratória, 6ª edição. Grupo GEN, 2017.
WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto
Alegre: Artmed, 2016.

PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na


Prática Diária. Grupo GEN, 2015.
ASSIS et. al. Prevalência de sintomas de asma e fatores
de risco em adolescentes. J. Hum Growth, 2019.
RODRIGUES et. al. Abordagem geral da asma: uma revisão
narrativa. Revista Eletrônica Acervo Médico, 2021.

Júlia Morbeck – @med.morbeck

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