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NEFROLOGIA Prof.

Ricardo Leal | Doenças glomerulares 2

APRESENTAÇÃO:

PROF. RICARDO
LEAL
Olá, Estrategista! Tudo bem? Eu me chamo Ricardo Leal
e vou ter a grata oportunidade de lhe mostrar o mundo das
glomerulopatias!
Antes de tudo, gostaria de deixar claro uma coisa: são
doenças muito raras na vida real, mas que, frequentemente, estão
nas suas provas de Residência. Fizemos uma estatística para você
ter noção da relevância do tema.

NEFROLOGIA NAS PROVAS DE RESIDÊNCIA


4%
5%
4%
5% Glomerulopatias Litíase renal
30%
7% Lesão renal aguda Túbulo-interstício

Doença renal crônica Distúrbios do Potássio


10%
Infecção urinária Disnatremias

20% Distúrbios ácido-básicos


15%

É simplesmente o tema mais cobrado de Nefrologia


nos concursos de Residência Médica, cerca de um terço das
questões!
Antes de começarmos a nossa viagem, eu quero lhe
explicar uma coisa: entenda bem a parte de introdução, apegue-
se aos padrões que eu vou mostrar durante esta leitura. As
doenças glomerulares são desafiadoras até na prática diária do
nefrologista. Meu objetivo aqui é que você saia, ao final da leitura,
reconhecendo as principais vinhetas clínicas e particularidades de
cada uma delas! Eu garanto que você vai conseguir e eu estou
aqui para ajudar!
Vamos lá?

@ricardolealsb

/estrategiamed Estratégia MED

Estratégia
MED
@estrategiamed t.me/estrategiamed
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ÀS DOENÇAS GLOMERULARES 5
1.0 ALTERAÇÃO URINÁRIA ASSINTOMÁTICA 13
1 .1 DOENÇA DA MEMBRANA FINA 14

1 .2 SÍNDROME DE ALPORT 14

2.0 A SÍNDROME NEFRÍTICA 17


2 .1 GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA (GNPE) 19
2.1.1 INTRODUÇÃO 19
2.1.2 PATOGÊNESE 19
2.1.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS E HISTÓRIA NATURAL 20
2.1.4 PATOLOGIA 22
2.1.5 DIAGNÓSTICO 22
2.1.6 TRATAMENTO 23

2 .2 GLOMERULONEFRITE ASSOCIADA ÀS INFECÇÕES BACTERIANAS 26


2.2.1 INTRODUÇÃO 26
2.2.2 PATOLOGIA 26
2.2.3 PRINCIPAIS INFECÇÕES ASSOCIADAS 26
2.2.4 TRATAMENTO 27

2 .3 NEFROPATIA POR IGA (NIGA) 28


2.3.1 INTRODUÇÃO 28
2.3.2 PATOGÊNESE 28
2.3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS 29
2.3.4 DIAGNÓSTICO 30
2.3.5 TRATAMENTO 32

2 .4 OUTRAS CAUSAS DE SÍNDROME NEFRÍTICA 33


2.4.1 NEFRITE LÚPICA 33
2.4.1.1 INTRODUÇÃO 33
2.4.1.2 CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA E CONSIDERAÇÕES SOBRE A BIÓPSIA RENAL 33
2.4.1.3 TRATAMENTO 37
2.4.2 GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA 38
2.4.3 VASCULITES ANCA ASSOCIADAS 39
2.4.4 CRIOGLOBULINEMIA 42

3.0 SINDROME NEFRÓTICA 45


3 .1 MORBIDADES RELACIONADAS À SÍNDROME NEFRÓTICA 47
3.1.1 EDEMA 47
3.1.2 DISLIPIDEMIA 49
3.1.3 INFECÇÕES 49
3.1.3.1 PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA (PBE) 50
3.1.4 HIPERCOAGULABILIDADE 51
3.1.4.1 TROMBOSE DE VEIA RENAL 51

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3.1.5 METABOLISMO DO CÁLCIO E DA VITAMINA D 52


3.1.6 PROTEINÚRIA 53

3 .2 DOENÇA POR LESÕES MÍNIMAS 54


3.2.1 INTRODUÇÃO 54
3.2.2 PATOGÊNESE 54
3.2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS 55
3.2.4 DIAGNÓSTICO 55
3.2.5 BIÓPSIA RENAL 56
3.2.6 TRATAMENTO 57

3 .3 GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL 58


3.3.1 INTRODUÇÃO 58
3.3.2 PATOLOGIA E VARIANTES HISTOLÓGICAS 58
3.3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 59
3.3.4 CAUSAS SECUNDÁRIAS 60
3.3.5 TRATAMENTO 61

3 .4 GLOMERULOPATIA MEMBRANOSA 62
3.4.1 INTRODUÇÃO 62
3.4.2 PATOGÊNESE 62
3.4.3 CAUSAS SECUNDÁRIAS 63
3.4.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS 63
3.4.5 DIAGNÓSTICO 63
3.4.6 TRATAMENTO 64

3 .5 AMILOIDOSE RENAL 66

3 .6 NEFROPATIA ASSOCIADA AO HIV 67

4.0 GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA 68


4 .1 ASPECTOS HISTOPATOLÓGICOS 69

4 .2 FISIOPATOLOGIA E CORRELAÇÃO DIAGNÓSTICA 70

4 .3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA 72

4 .4 TRATAMENTO 73

4 .5 DOENÇA DE GOODPASTURE 73
4.5.1 INTRODUÇÃO 73
4.5.2 PATOGÊNESE 73
4.5.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS 74
4.5.4 DIAGNÓSTICO 74
4.5.5 TRATAMENTO 75

5.0 LISTA DE QUESTÕES 77


6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 78
7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 78

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INTRODUÇÃO ÀS DOENÇAS GLOMERULARES


A estrutura glomerular
O glomérulo é um emaranhado de capilares especializados, formados por uma única camada de células endoteliais. Cada tufo
glomerular (figura 1) é responsável pelo processo fisiológico que define a mais importante das funções do rim: a filtração. O conteúdo filtrado
pelo glomérulo (ultrafiltrado) é processado nos túbulos renais, cujo produto final é a urina.

Figura 1. O tufo glomerular.

Esses capilares são sustentados por uma substância amorfa, membrana basal glomerular (MBG). Essa membrana é abraçada por
denominada de mesângio, produzida pelas células mesangiais. projeções citoplasmáticas de uma célula denominada podócito: os
Estão em direto contato com o espaço urinário e seu epitélio pés dos podócitos ou pedicelos (figura 2). A estrutura formada pela
parietal é formado pela cápsula de Bowman. A lesão em alguma combinação do endotélio capilar, da membrana basal glomerular e
parte do mesângio leva ao extravasamento de hemácias para o dos pedicelos é denominada barreira de filtração (figura 3) e serve
espaço urinário, culminando em hematúria. como uma grande peneira para discriminar o que passa do lúmen
Envolvendo o endotélio capilar, existe uma membrana capilar para o espaço urinário.
formada por glicoproteínas de carga negativa, denominada

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Figura 2. Corte transversal evidenciando as estruturas glomerulares.

Figura 3. Barreira de filtração glomerular.

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Essa peneira atua por dois principais mecanismos: a barreira de tamanho e a barreira de carga. Quanto ao tamanho o raciocínio
é simples: moléculas maiores que as fendas não devem passar para o espaço urinário e chegar nos túbulos renais. No tocante à carga,
substâncias com carga negativa (como a albumina, por exemplo) têm maior dificuldade de cruzar a membrana basal glomerular, que é
composta por glicoproteínas de carga negativa.
Nesse momento da leitura, eu preciso que você entenda duas coisas:
1. Independentemente do mecanismo, a lesão de qualquer estrutura do glomérulo que foi mencionada acima (mesângio,
endotélio, membrana basal glomerular, podócitos, pedicelos...) leva ao surgimento de uma doença glomerular.

2. Essa lesão resulta em alterações urinárias devido à presença de substâncias que em condições normais não apareceriam
na urina – sangue e proteínas – que, ocorrendo de maneira isolada ou em conjunto, devem ligar o sinal de alerta para alguma
alteração no compartimento glomerular: a hematúria e a proteinúria!

Os conceitos abordados a seguir são fundamentais para o entendimento das glomerulopatias e,


portanto, para acertar as questões de prova que envolvem o tema!

Hematúria e proteinúria
A hematúria é definida como a presença de sangue na urina e é um marcador de lesão em alguma topografia do sistema urinário,
desde o glomérulo até a porção final da uretra. Quando detectável apenas no exame de urina, é denominada de hematúria microscópica. Se
flagrada ao exame físico ou relatada pelo paciente (comumente como urina escura, ou cor de Coca-Cola), é classificada como macroscópica.

Figura 4. Dismorfismo eritrocitário e cilindros hemáticos.

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Existem dois grandes marcadores no exame de urina que sugerem que a hematúria está relacionada com alguma doença glomerular.
São eles:
- Dismorfismo eritrocitário (figura 4): quando a lesão que produz a hematúria é no glomérulo, para que a hemácia entre na cápsula de
Bowman e siga pelo compartimento tubular, é necessária uma alteração na sua forma, dado que os capilares glomerulares são compostos por
uma única camada de células endoteliais. É como se a hemácia precisasse se dobrar inteira para passar por um espaço estreito. A presença
de mais de 5% de dismorfismo em uma amostra tem elevada especificidade para hematúria glomerular.
- Cilindros hemáticos (figura 4): os cilindros são resultado da combinação de restos proteicos ou celulares com uma proteína
produzida nos túbulos renais, denominada proteína deTamm-Horsfall ou uromodulina. A presença de cilindros compostos por
restos de hemácias sugere que o sangramento pode ter sua origem antes do compartimento tubular, portanto, no glomérulo!

Sempre que uma questão de prova descrever um paciente que apresenta hematúria dismórfica e/ou
cilindros hemáticos, você estará diante de uma doença glomerular!

A proteinúria é definida pela presença de proteínas na urina. Uma proteinúria de até 150mg/dia pode ser considerada normal, uma
vez que nem toda a quantidade de proteínas que eventualmente passa para o espaço urinário consegue ser reabsorvida pelos túbulos
renais. Valores superiores podem ser causados por doenças glomerulares, mas também por condições que afetem o compartimento túbulo-
intersticial do néfron ou trato urinário e, ainda, por doenças que aumentem de maneira importante o conteúdo plasmático de proteínas, com
eventual perda urinária, como ocorre no mieloma múltiplo.
A presença de proteínas na urina pode ser analisada de 3 formas:
- Exame da fita ou dipstick: uma fita é mergulhada em uma amostra isolada de urina e muda de cor conforme o teor de proteínas.
Geralmente, o resultado é graduado em cruzes. O dipstick detecta apenas a presença de albumina na urina! De um modo geral, a presença
de 3 ou 4+ de proteínas no dipstick é um indicativo de proteinúria nefrótica, ou seja, acima de 3,5g/dia!
- Proteinúria de 24 horas: maneira mais confiável de avaliar a proteinúria. O paciente é instruído a descartar a primeira urina da manhã
e iniciar a coleta a cada micção em recipiente adequado, até a primeira urina da manhã seguinte. É realizada, então, a medição na amostra
final.
- Relação proteína / creatinina (P/C) em amostra isolada de urina: a P/C tem boa reprodutibilidade em relação à proteinúria de 24h em
pacientes com função renal preservada, com a vantagem de ter um método de coleta bem mais simples.

Ao encontrarmos a presença de proteinúria em um exame simples de urina, antes de tomarmos qualquer


conduta, uma proteinúria de 24h deve ser coletada para confirmação e quantificação correta.

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E quando suspeitar que a proteinúria é glomerular? Duas situações principais, são elas:
- Níveis acima de 1g/dia ou 0,5g/dia, quando associada à hematúria dismórfica, têm elevada especificidade para etiologia glomerular.
- Quando a proteinúria ultrapassa o valor de 3,5g/dia (em adultos) ou 50mg/kg/dia (em crianças), recebe a denominação de proteinúria
nefrótica e é sempre de etiologia glomerular.
As manifestações clínicas das doenças glomerulares podem ser bastante discretas. Por isso, ao menor nível de suspeição, existem
alguns sinais e sintomas que devem ser buscados ativamente. São eles:
- Edema (membros inferiores, região periorbitária ou anasarca);
- Hipertensão arterial;
- Alterações macroscópicas da urina, como urina espumosa (que pode refletir uma proteinúria) ou avermelhada;

Estrategista, atenção! Não continue a leitura até absorver bem esta informação!
Pense em doença glomerular quando encontrar uma ou mais das seguintes alterações laboratoriais:
1 - Hematúria com cilindros hemáticos e/ou dismorfismo eritrocitário;
2 - Proteinúria nefrótica (> 3,5g/dia em adultos ou 50mg/kg/dia em crianças);
3 - Proteinúria associada a hematúria.

De acordo com as manifestações clínico-laboratoriais, os principais autores dividem as doenças glomerulares em cinco grandes
síndromes. São elas:

Alteração urinária assintomática

Síndrome nefrítica

Síndrome nefrótica

Glomerulonefrite rapidamente progressiva

Glomerulonefrite crônica

A biópsia renal
O diagnóstico etiológico e definitivo das glomerulopatias é obtido pela realização da biópsia renal, realizada por nefrologistas ou
radiologistas, preferencialmente guiada por ultrassonografia ou tomografia.
É um procedimento considerado seguro, com baixa taxa de complicações. Uma metanálise recente com 118 mil pacientes biopsiados
revelou uma taxa de 3,5% de hematúria macroscópica e 11% de hematomas perirrenais pequenos, com resolução espontânea. Apenas 1,6%
dos pacientes precisou de suporte transfusional e o desfecho letal (óbito) ocorreu em 0,06% dos casos.

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Contudo, é uma ferramenta invasiva e que deve ser bem indicada. Confira na tabela a seguir as principais indicações de biópsia renal.

Principais indicações de biópsia renal

Síndrome nefrótica no adulto

Hematúria glomerular (dismórfica) associada a proteinúria > 0,5 a 1g/dia ou piora de função renal

Proteinúria acima de 1g/dia persistente sem etiologia definida

Lesão renal aguda sem etiologia definida


Tabela 1. Principais indicações de biópsia renal.

É igualmente fundamental o conhecimento das contraindicações do procedimento e a sua realização em algumas subpopulações
especiais. Vamos a outra tabela com essas informações a seguir.

Contraindicações à biópsia renal

Risco aumentado de Plaquetas abaixo de 100 a 120.000, uremia, INR alargado, uso de varfarina, outros
sangramento anticoagulantes, antiagregantes plaquetários e uso de AAS*

Hipertensão Pressão sistólica acima de 140mmHg (deve ser reduzida antes do procedimento)

Infecções Infecção no sítio de inserção da agulha ou pielonefrite aguda

Hidronefrose (a biópsia, se mantiver sua indicação, deve ser adiada até que se
Alterações estruturais resolva a obstrução)
Múltiplos cistos renais que impeçam a visualização adequada

Estado mental alterado Paciente não cooperativo para a realização do exame


Tabela 2. Principais contraindicações à realização da biópsia renal. *O AAS não deve ser suspenso antes de uma biópsia, se houver clara indicação para seu uso, em
especial quando prescrito como profilaxia secundária de doença cardiovascular.

Quanto às subpopulações especiais:


- A realização de biópsia renal em pacientes com rim único antes era contraindicada, mas estudos recentes mostram taxas de
complicações semelhantes em pacientes sem a anormalidade, desde que o risco de sangramento esteja controlado.
- Em pacientes gestantes, a biópsia renal encerra menor risco quando realizada antes das 20 semanas de gestação. Após esse período,
existe um risco duas vezes maior de sangramento, mas o procedimento não é contraindicado. O posicionamento deve ser ajustado devido ao
útero gravídico e a biópsia deve ser feita guiada por ultrassonografia, uma vez que a tomografia expõe o feto a níveis inaceitáveis de radiação.
É nessa hora que você me pergunta: professor, mas indicações e contraindicações de biópsia renal caem mesmo em prova de acesso
direto? Venha comigo...

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CAI NA PROVA

(SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE DE GOIÁS - SES - GO 2020) A biópsia renal percutânea pode trazer
informações diagnósticas e prognósticas sobre diferentes patologias renais. Considerando as indicações e
contraindicações desse método,

A) o rim único exige procedimento por cirurgia aberta.


B) a gravidez contraindica a realização de biópsia percutânea.
C) a biópsia renal está indicada se a principal hipótese diagnóstica for nefrite de shunt.
D) a hematúria glomerular isolada persistente não é indicação para biópsia renal.

COMENTÁRIO:

Estrategista, o conceito mais importante que eu preciso que você retire dessa questão é: não há indicação de biópsia renal em casos de
hematúria glomerular isolada, ou seja, sem edema, piora de função renal ou proteinúria! Provavelmente, trata-se de uma glomerulopatia,
sim, mas como não vamos imunossuprimir esses pacientes e nem propor outro tratamento, o risco do procedimento supera o benefício da
intervenção! Alternativa D correta.
As alternativas A e B comentamos no texto que antecede a questão e são incorretas. Quanto à nefrite de shunt, estudaremos mais
adiante, mas só para adiantar: é uma nefrite que se instala em pacientes com derivações liquóricas infectadas e, devido ao contexto clínico,
nem sempre a biópsia renal estará indicada. Alternativa C incorreta.

Correta a alternativa D.

Ok, professor! Suspeitei de uma doença glomerular em um paciente e solicitei a biópsia renal (só aqui você já
matou seu professor de orgulho!). E agora, como ela pode me ajudar?
Durante a realização da biópsia, são obtidos idealmente três fragmentos do tecido renal, um para cada tipo de
estudo: a microscopia óptica (MO), a imunofluorescência (IF) e a microscopia eletrônica (ME).
A MO é responsável pela análise morfológica do fragmento nas lentes convencionais e dá como informações:
alterações na celularidade, na membrana basal glomerular, no mesângio, ou seja, uma visão geral do que está
acontecendo em nível glomerular.
Na IF, por meio de anticorpos específicos, é possível saber se há depósitos de imunoglobulinas (IgA, IgM ou IgG) ou frações
do complemento (C3 e C1q) nas diversas regiões do glomérulo e, dependendo dos padrões encontrados, sugere-se o mecanismo de
lesão glomerular.
A ME é uma análise também morfológica, mas em um aumento bastante superior à MO, podendo revelar achados não
encontrados pelas lentes comuns e é principalmente utilizada em doenças que alteram a arquitetura dos podócitos.
Vamos conferir exemplos nas figuras a seguir!

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Figura 5. Imagem de microscopia óptica mostrando Figura 6. Imagem de imunofluorescência revelando Figura 7. Imagem de microscopia eletrônica
glomérulo normal. Fonte: acervo pessoal. deposição de imunoglobulinas no glomérulo. Fonte: revelando glomérulo normal. Aumento de 3000x.
acervo pessoal. Fonte: acervo pessoal.

Histologia e nomenclatura básica


O conhecimento de alguns conceitos da histologia glomerular ajuda na compreensão das glomerulopatias e também na resolução de
algumas questões de prova. Vamos entender alguns aspectos:
- Dentro da estrutura glomerular, uma determinada lesão (como esclerose ou proliferação celular, por exemplo) pode acometer apenas
uma parte do glomérulo ou a sua totalidade. Quando apenas uma parte é atingida, utilizamos o termo segmentar. O acometimento de todo
o glomérulo, por sua vez, é denominado de global.
- Em uma amostra de biópsia renal, idealmente, vários glomérulos são analisados. Quando a alteração se encontra em menos de
50% dos glomérulos da amostra, chamamos de focal. Caso o dano esteja presente em mais de 50% dos glomérulos analisados, temos o
acometimento difuso.
Vamos fixar esses importantes conceitos em duas tabelas:

Em relação à amostra

Focal Acomete menos de 50% dos glomérulos da amostra

Difuso Acomete mais de 50% dos glomérulos da amostra


Tabela 3. Nomenclatura das alterações em relação à quantidade de glomérulos acometidos no tecido analisado.

Em relação ao glomérulo

Segmentar Apenas uma parte da estrutura glomerular é atingida

Global Toda a estrutura glomerular apresenta a alteração


Tabela 4. Nomenclatura das alterações em relação ao acometimento em um glomérulo analisado.

Para exemplificar, vamos usar a figura a seguir. Nela, as setas apontam para glomérulos com esclerose em toda sua estrutura (global).
Perceba, também, que todos os glomérulos da amostra encontram-se alterados! Temos um caso de glomeruloesclerose global e difusa!

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Quanto às alterações propriamente ditas, existem duas


principais que são bastante cobradas nas provas: a proliferação
e a esclerose. O termo proliferação celular (seja mesangial ou
endocapilar) refere-se ao aumento do número de células dentro
do glomérulo e comumente relaciona-se com a presença de
hematúria. A esclerose, por sua vez, é o resultado da deposição
glomerular de matriz extracelular, levando a uma lesão cicatricial
que, laboratorialmente, traduz-se como proteinúria.

Proliferação celular (mesangial ou


endocapilar) relaciona-se com a presença
de hematúria.
Esclerose é uma alteração
histológica traduzida laboratorialmente
por proteinúria.

Vamos, então, iniciar o estudo das principais síndromes


glomerulares e, dentro de cada uma delas, debater sobre as
glomerulopatias mais comuns de serem encontradas na sua prova!

CAPÍTULO

1.0 ALTERAÇÃO URINÁRIA ASSINTOMÁTICA


A alteração urinária assintomática (AUA) é uma síndrome
glomerular caracterizada pela presença de anormalidades no
exame de urina que indicam a presença de uma doença glomerular
(hematúria dismórfica e/ou proteinúria) sem que haja repercussão
clínica significativa, ou seja, edema, hipertensão arterial ou piora
de função renal. A proteinúria, nesses casos, costuma ser em níveis
subnefróticos, isto é, abaixo de 3,5g/dia em adultos e 50mg/kg/ Proteinúria subnefrótica
dia em crianças.
Várias glomerulopatias podem iniciar sua manifestação
como AUA e progredir para doença renal crônica ou até mesmo Hematúria glomerular
permanecer durante toda sua evolução sem grandes repercussões
clínicas. As principais são: doença da membrana fina, síndrome
de Alport, nefropatia por IgA e a nefrite lúpica. Vamos explicar em Ausência de hipertensão, edema
pormenores as duas primeiras, já que as últimas serão discutidas
ou piora de função renal
em tópicos à parte!

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1 .1 DOENÇA DA MEMBRANA FINA

A doença da membrana fina (DMF), também conhecida como


hematúria benigna familiar, é uma condição considerada como a
principal causa hereditária de hematúria microscópica glomerular
no mundo, com prevalência estimada, segundo alguns autores, em
5 a 9% da população mundial.
É causada pela mutação em um dos alelos que codifica
subunidades alfa 3 e alfa 4 da molécula de colágeno tipo IV, um
dos principais constituintes da membrana basal glomerular. Traduz-
se na microscopia eletrônica como um afilamento difuso da
membrana basal, sem outras alterações relevantes (figura 8).
Clinicamente a DMF é suspeitada pela presença de
hematúria microscópica dismórfica ou com cilindros hemáticos,
tipicamente sem proteinúria, hipertensão ou piora de função renal,
o que confere um excelente prognóstico renal para a doença. A
presença de história familiar ocorre em até 50% dos casos, com
acometimento tanto de homens quanto de mulheres.
Figura 8 - microscopia eletrônica demonstrando afilamento da membrana basal
glomerular (setas).

1. 2 SÍNDROME DE ALPORT

A síndrome de Alport é uma doença genética caracterizada


por uma mutação em subunidades alfa do colágeno tipo IV, presente
na membrana basal glomerular. Caracteriza-se pela tríade surdez
neurossensorial, alterações oculares e glomerulopatia. Não tem
tratamento específico e leva frequentemente os acometidos à
doença renal crônica, em estágio terminal, por volta dos 40 anos
de idade.
Apesar de apresentar outros padrões de herança
genética, 80% a 85% dos casos ocorre por mutações ligadas
ao cromossomo X, o que leva a uma relevante implicância
epidemiológica: acomete tipicamente homens. No braço longo
do cromossomo X (mais especificamente Xq22.3) é codificada a
cadeia alfa 3 do colágeno tipo IV, um dos principais constituintes
da membrana basal glomerular. Sua mutação leva a alterações
estruturais da membrana, identificadas na microscopia eletrônica
como espessamento irregular e fragmentação da lâmina densa
(lamelação), consideradas bastante sugestivas à doença.
Figura 9: manifestações clínicas da Síndrome de Alport

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A apresentação renal inicia-se com hematúria glomerular caracteristicamente bilateral. As alterações oculares encontradas
isolada que, ao longo do tempo, associa-se à proteinúria e declínio são, principalmente, no fundo de olho, com drusas e manchas
na taxa de filtração glomerular, o que torna fundamental sua (flecks) na retina e também no cristalino, sendo o lenticone anterior
distinção em relação à doença da membrana fina. O paciente pode (protrusão cônica da superfície anterior do cristalino) bastante
desenvolver durante a vida, um quadro de surdez neurossensorial, específico da condição. O diagnóstico é suspeitado pelo quadro
principalmente para frequências entre 2000 e 8000Hz, clínico e pode ser confirmado por estudo genético ou biópsia renal.

Quando um enunciado de questão trouxer um menino ou homem jovem apresentando hematúria


glomerular, déficit auditivo e visual, principalmente quando houver história familiar positiva, a síndrome de
Alport deve ser a sua primeira hipótese diagnóstica!

Não há um tratamento específico para a síndrome de Alport. Na fase proteinúrica da doença, o bloqueio do sistema renina angiontensina
aldosterona tem importante papel em retardar a progressão para doença renal em estágio terminal.
Vamos fazer um comparativo na tabela a seguir das duas doenças hereditárias, que cursam com alteração urinária assintomática, mais
cobradas em provas de Residência Médica:

Membrana fina Síndrome de Alport

Herança genética Mutação de um alelo Ligada ao X

Surdez neurossensorial adquirida


Alterações clínicas associadas - Manchas (flecks) na retina
Lenticone anterior

Homens ou mulheres da família com


História familiar Homens da família com hematúria
hematúria

Evolução para doença renal crônica Não Sim

Espessamento da membrana basal


Afilamento difuso da membrana basal
Alterações na microscopia eletrônica e fragmentação da lâmina densa
glomerular
(lamelação)
Tabela 5. Comparativo entre as principais causas hereditárias de hematúria.

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CAI NA PROVA

(Hospital Municipal Dr. Mário Gatti – HMMG – SP – 2015) Com relação à hematúria, assinale a alternativa
incorreta:

A) Presença de 5 ou mais hemácias por campo, em 3 amostras consecutivas de urina, com intervalo entre as
coletas de pelo menos uma semana.
B) Na hematúria familiar benigna, a Biópsia, geralmente, não evidencia nenhuma alteração significativa,
havendo apenas proliferação mesangial discreta e pequena expansão da matriz. O diagnóstico é confirmado
com a medida da espessura da MBG, é menor que o estabelecido como normalidade (ME).
C) A Doença de Berger é caracterizada por 5 síndromes clínicas diferentes: hematúria macro; hematúria micro
assintomática e/ou proteinúria; síndrome nefrítica; síndrome nefrótica; síndrome nefrítico/nefrótica.
D) A Síndrome de Alport é uma glomerulonefrite hereditária, progressiva, com hematúria, caracterizada
por alterações da membrana basal glomerular, podendo associar-se à surdez neurossensorial (unilateral,
congênita, evoluindo paralelamente à perda da função renal) ou alterações oculares (distrofia polimórfica
de córnea ou catarata, não patognomônicas; o lenticone anterior constituído de deformação anterior do
cristalino é de alta especificidade).

COMENTÁRIO:

Temos uma questão que traz conceitos gerais sobre hematúria e suas causas! Vamos analisar as alternativas?
Correta a alternativa A. A hematúria é definida pela presença de 5 ou mais eritrócitos por campo de grande aumento no exame simples
de urina. A repetição das amostras aumenta a confiabilidade do diagnóstico.
Correta a alternativa B. Esse é o conceito da doença da membrana fina: microscopia óptica praticamente inalterada com microscopia
eletrônica revelando afilamento da membrana basal glomerular! Guarde esse importante conceito.
Correta a alternativa C. Vamos estudar a doença de Berger, também denominada nefropatia por IgA, mais à frente. De antemão, guarde
essa informação: apesar de a hematúria macroscópica recorrente ser a forma mais comum de apresentação, a doença de Berger é uma
glomerulopatia que pode se manifestar como qualquer síndrome glomerular!

Essa alternativa é errada devido a um pequeno detalhe: a característica da surdez! O paciente com Alport
Incorreta a alternativa D.
tem surdez neurossensorial adquirida e bilateral. Maldade, não?

Coruja, nós estamos prestes a entrar, de fato, nos principais temas em glomerulopatias que despencam
na sua prova de Residência. Que tal fazer uma pausa breve, pegar um café e seguir firme comigo nos próximos
tópicos? Vamos juntos!

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CAPÍTULO

2.0 A SÍNDROME NEFRÍTICA


A síndrome nefrítica é uma das apresentações clínico-laboratoriais das doenças glomerulares, e caracteriza-se, conceitualmente, pela
presença obrigatória dos seguintes achados (vide figura a seguir):

Figura 10. Manifestações da síndrome nefrítica.

Dependendo do seu espectro clínico, pode vir acompanhada


de piora transitória da função renal, redução do débito urinário,
leucocitúria e proteinúria em níveis subnefróticos.
Ocorre pela lesão nas principais estruturas do glomérulo,
notadamente endotélio e mesângio, envolvendo, normalmente,
mecanismos imunes de agressão. Um recrutamento de células
Edema inflamatórias causa a injúria local, que se manifesta clinicamente de
acordo com o grau de acometimento glomerular.
A síndrome nefrítica pode ser causada por glomerulopatias
Hipertensão arterial primárias (quando não é encontrada uma causa base e assume-se
que a doença é de origem renal) ou secundárias. A glomerulonefrite
pós-estreptocócica é o seu exemplo clássico.
Hematúria glomerular Antes de irmos às etiologias, vamos ver como o tema é
abordado em provas:

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CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE – 2019) Rapaz de 18 anos de idade iniciou quadro de edema de início súbito,
acompanhado de redução importante do volume urinário (250mL/24h neste dia) e urina de coloração escura,
semelhante à coca-cola. Evoluiu para anasarca em 24 horas (o peso passou de 50kg para 53kg), acompanhada
de tosse e dispneia, tendo sido levado à urgência. Lá, a PA estava 170x100mmHg, foram observadas crepitações
em bases pulmonares e o fígado foi palpado a 2cm do rebordo costal. Exames à admissão: creatinina 1,2mg/dL;
ureia 45mg/dL; K 5,7mEq/L e sumário de urina: densidade 1030; pH 5,0; proteína +++, hemácias incontáveis,
piócitos 23 por campo. Foi internado, medicado com furosemida, anlodipino e restrição de sal. Evoluiu sem
dispneia, com melhora paulatina do débito urinário e do edema. Recebeu alta no quarto dia, sem edemas, PA
145x90mmHg, com urina mais clara e em bom volume, com orientação de realizar restrição de sal e manter o
anlodipino. Exames desse dia: creatinina 0,8mg/dL; ureia 22mg/dL; K 4,6mEq/L e proteinúria 275mg/dia. Qual
síndrome glomerular ele apresentou?

A) Síndrome nefrótica
B) Síndrome nefrítica
C) Glomerulonefrite rapidamente progressiva
D) Não houve

COMENTÁRIO:

Excelente questão para fixarmos conceitos sobre as síndromes glomerulares. Vamos ao gabarito comentado:
Incorreta a alternativa A. A síndrome nefrótica é o resultado de um dano na barreira de filtração do glomérulo, que culmina com perda
maciça de proteínas para o espaço urinário. É definida clínico-laboratorialmente pela presença de edema, proteinúria nefrótica (> 3,5g/
dia) e hipoalbuminemia. Conceitualmente, a síndrome nefrótica não apresenta hematúria macroscópica na sua apresentação!

O paciente deu entrada no pronto-socorro com um quadro de edema (inclusive com sinais de congestão
Correta a alternativa B.
pulmonar), redução do volume urinário, hipertensão, hematúria macroscópica e elevação discreta da
creatinina. Aprendam com essa questão: esse quadro é clássico da síndrome nefrítica!

Incorreta a alternativa C. A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é caracterizada pela presença de hematúria glomerular,
associada à piora importante, em dias a semanas, da função renal. O que afasta esse diagnóstico é que o paciente em questão recuperou
a função renal sem imunossupressão, o que não acontece na GNRP. Fique tranquilo, veremos tudo isso detalhadamente adiante!
Incorreta a alternativa D. Como vimos anteriormente, nosso paciente apresentou um quadro de síndrome nefrítica, o que invalida a
alternativa.

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2. 1 GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA (GNPE)

Esse é um dos temas mais cobrados nas questões de nefrologia, e pode estar presente tanto na sua
prova de clínica médica quanto na de pediatria!

2.1.1 INTRODUÇÃO

A glomerulonefrite pós-estreptocócica (GNPE), também com deposição de imunocomplexos no glomérulo e indução


conhecida como glomerulonefrite difusa aguda (GNDA) é a causa de inflamação local, sendo classicamente descrita como uma
mais comum de síndrome nefrítica na infância, com maior complicação não supurativa da infecção estreptocócica.
prevalência em populações de baixo nível socioeconômico e nos O diagnóstico é essencialmente clínico e laboratorial, e os
países em desenvolvimento. pilares do tratamento são o uso de diuréticos e medidas de suporte.
Ocorre devido a uma resposta imune a cepas denominadas Detalharemos mais a seguir.
nefritogênicas de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A,

2.1.2 PATOGÊNESE

As infecções por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, representados, principalmente, pelo Streptococcus pyogenes, são comuns
na infância e responsáveis por dois quadros clínicos principais: faringoamigdalites e infecções de pele. Algumas cepas específicas apresentam
antígenos que, por três principais mecanismos propostos, causam a lesão glomerular. São eles:
1. Mimetismo molecular: é como se o nosso sistema imune confundisse os antígenos dos estreptococos com antígenos
presentes no próprio glomérulo! São formados anticorpos e os imunocomplexos resultantes depositam-se no tecido renal
causando toda a inflamação!
2. Aprisionamento dos antígenos: com a infecção, há liberação na circulação de fragmentos antigênicos da bactéria. Alguns
desses fragmentos podem ficar retidos no glomérulo, levando à formação local de anticorpos contra eles.
3. Imunocomplexos a distância: o reconhecimento da bactéria induz a imunidade adaptativa à formação de anticorpos contra
seus antígenos. Esses imunocomplexos circulantes podem depositar-se no rim.
A reação inflamatória da GNPE ativa a via alternativa do complemento! Essa informação é fundamental para você acertar as questões
sobre o tema!

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O sistema complemento é composto por mais de 30 proteínas plasmáticas e ligadas a superfícies celulares,
funcionando em regime de cascata de sinalização e amplificação. É um alicerce da imunidade inata, estimulando a
resposta inflamatória e tendo ação efetiva por meio de duas ações principais: lise celular direta pela formação, no
fim da cascata, do CAM (complexo de ataque de membrana – C5b-9); e opsonização de patógenos, realizando uma
integração direta entre a imunidade humoral e adaptativa.
Uma grande pista nas questões de prova que envolvem glomerulopatias é o consumo, ou não, de frações
do complemento.
O complemento pode ser ativado por três vias principais: a clássica, alternativa e a da lecitina. As
glomerulopatias que cursam com consumo de complemento, ativam, principalmente, as vias clássica e alternativa.
Ativação da via clássica = consumo das frações C3, C4 e CH50 do complemento.
Ativação da via alternativa = consumo das frações C3 e CH50 do complemento.
Retornaremos ao tema “glomerulopatias e complemento” adiante, mas já quero que uma informação
essencial para questões de prova fique em sua cabeça: a GNPE é uma das poucas glomerulopatias que ativam
apenas a via alternativa do complemento, cursando classicamente com consumo de C3, mas não de C4!

2.1.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS E HISTÓRIA NATURAL

A apresentação clínica é de uma síndrome nefrítica clássica


e consiste no aparecimento rápido (em poucos dias) de diferentes
combinações de edema, redução do débito urinário, hematúria
macroscópica, hipertensão e outros sinais de hipervolemia. Você
deve pensar em GNPE sempre que vir uma criança com síndrome
nefrítica (figura 11)!

Por ocasião do desenvolvimento


da nefrite, usualmente o paciente não
tem mais sinais de infecção bacteriana
ativa.

Nos exames laboratoriais séricos, habitualmente encontra-


se uma anemia normocítica e normocrômica por hemodiluição,
piora das escórias nitrogenadas e consumo das frações C3 e CH50
do complemento. O exame de urina revela hematúria de padrão
glomerular – com presença de dismorfismo eritrocitário e cilindros
hemáticos – associada, frequentemente, à proteinúria subnefrótica Figura 11. Apresentação clínica da GNPE.
(< 3,5g/dia) e leucocitúria.

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Professor, o que está acontecendo? Nunca vi três corujinhas seguidas em um material!


Preste bem atenção, isso garantirá a você questões de prova! Quando você ler um enunciado e suspeitar de GNPE, pense nas
3 corujinhas e lembre-se de que o consumo é de C3! C3! C3!
Vai por mim!

Durante o curso natural da doença, a normalização do débito urinário ocorre na primeira semana, a hipertensão resolve-se nas duas
primeiras semanas e a função renal normaliza-se ao longo de um mês. Os níveis de complemento voltam aos valores normais em até
oito semanas, e a hematúria microscópica pode persistir nos exames de urina por até seis meses a um ano. O prognóstico é considerado
excelente, sendo a terapia renal substitutiva raramente necessária em crianças, bem como a evolução para doença renal crônica em estágio
terminal (< 1% dos casos).

Quero que você entenda duas conclusões que vamos tirar do parágrafo que acabou de ler:
A GNPE tem um curso clínico previsível e a hipocomplementemia é transitória.
Por conta disso, em um primeiro momento, o diagnóstico da GNPE não requer uma biópsia renal!
Caso um paciente se afaste clínica ou laboratorialmente desse padrão, podemos estar diante de outra
glomerulopatia de prognóstico pior que a GNPE. Nesses cenários, a biópsia renal deve ser indicada.

As principais complicações da GNPE são relacionadas à hipervolemia e traduzem-se em duas emergências hipertensivas: encefalopatia
hipertensiva, caracterizada por rebaixamento de consciência, cefaleia, torpor e até crises convulsivas e o edema agudo de pulmão, que
se manifesta clinicamente como dispneia, dessaturação e sinais de insuficiência respiratória. Quando ocorrem tais complicações, o uso de
anti-hipertensivos parenterais torna-se mandatório para o melhor manejo clínico do doente.

Apesar de o diagnóstico da GNPE ser baseado em parâmetros clínico-laboratoriais, o conhecimento dos


aspectos histológicos é cobrado em algumas questões de prova!
Sei que isso pode ser um pouco maçante, mas peço-lhe calma e concentração. Saber as informações a
seguir vai colocá-lo à frente de muitos candidatos!

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2.1.4 PATOLOGIA

Na microscopia óptica (figura 12), os glomérulos apresentam


proliferação endocapilar, ou seja, aumento da celularidade dentro
das alças capilares. Esse achado ocorre de maneira global, ou seja,
mais de 50% da região do glomérulo e também de maneira difusa,
que representa o acometimento de mais de 50% de todos os
glomérulos analisados na amostra.
A análise da imunofluorescência revela depósitos de IgG e C3
em alças capilares e no mesângio, de aspecto granular, revelando a
natureza de doenças causadas por imunocomplexos.
Na microscopia eletrônica, depósitos subepiteliais
eletrodensos em formato de “corcova” ou “humps”,
são característicos da condição e também representam
imunocomplexos formados por IgG e C3. Figura 12. Glomérulo hipercelular – “proliferação”. Fonte: acervo pessoal.

2.1.5 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da GNPE envolve a presença de relação temporal com uma infecção estreptocócica, documentação da exposição ao
agente etiológico e alterações clínico-laboratoriais compatíveis com síndrome nefrítica.

Fixe as três condições básicas para o diagnóstico correto da GNPE: tempo condizente entre uma infecção
estreptocócica e a nefrite, ter certeza de que houve a exposição ao estreptococo e confirmar que se trata de
uma síndrome nefrítica.

As faringoamigdalites costumam anteceder os quadros de nefrítica, têm baixa taxa de positividade e não são usadas de rotina;
GNPE em 7 a 14 dias, enquanto as infecções de pele, representadas e anticorpos específicos contra os estreptococos, que são os testes
principalmente pelo impetigo, guardam uma maior relação de escolha.
temporal com o início da síndrome nefrítica: em média 14 a 28 Existem três anticorpos principais: o anticorpo ASLO
dias. É possível que ainda se encontrem, no momento do exame (antiestreptolisina O), que se eleva após os quadros de infecção de
físico, lesões de caráter cicatricial das infecções cutâneas. vias aéreas – mas não após quadros de impetigo – o antiDNAse B e o
A documentação da exposição ao estreptococo pode ser anti-hialuronidase, que são positivos tanto após faringoamigdalites
feita de duas maneiras: culturas de orofaringe e de pele que, devido quanto após infecções cutâneas.
ao tempo necessário entre a infecção e o surgimento da síndrome

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Professor, espera aí! Lá no começo do material, eu li que o diagnóstico definitivo de uma


glomerulopatia era feito através da biópsia renal. Por que isso não vale para a GNPE?

É importante batermos nessa tecla novamente. O fato de Guardamos a biópsia, então, para pacientes com síndrome
o diagnóstico não invasivo ser confiável e de sua evolução clínica nefrítica que apresentam um comportamento que não é esperado
ser previsível e benigna faz com que essa doença seja uma das na GNPE, pois, nesses casos, um diagnóstico alternativo de
raras exceções à regra! Convém lembrar que, apesar de ser um pior prognóstico deve ser suspeitado e, se confirmado, implica
procedimento com baixo índice de complicações, a biópsia renal necessariamente em mudança na conduta terapêutica! As
é uma propedêutica invasiva e pode, sim, trazer consequências principais indicações estão na tabela a seguir!
indesejáveis.

Indicações para considerar uma biópsia em um caso suspeito de GNPE


Anúria ou alteração grave da função renal nas primeiras 48 a 72h
Consumo de C3 por mais de 8 semanas
Ausência de melhora da função renal por 2 semanas
Persistência de hipertensão arterial por mais de 2 a 4 semanas
Presença de sinais de doença sistêmica que sugiram outra etiologia (por exemplo: anemia hemolítica, artralgia, leucopenia
e rash malar, sugestivos de lúpus).
Tabela 6. Indicações de biópsia em casos suspeitos de GNPE.

Os principais diagnósticos diferenciais de GNPE são: nefropatia por IgA, nefrite lúpica e
glomerulonefrite membranoproliferativa (em especial as causadas por desordens do complemento).

2.1.6 TRATAMENTO

Não existe terapia específica para a GNPE. O tratamento é de domiciliar!


suporte e engloba o uso de diuréticos para controle pressórico e de A penicilina benzatina deve ser prescrita apenas se houver
volemia, outras medicações anti-hipertensivas, restrição hídrica, evidência de infecção ativa (exceto para os alérgicos, que devem
dieta hipossódica, peso diário em jejum e quantificação do débito receber eritromicina). Alguns serviços prescrevem antibiótico de
urinário. Caso o paciente apresente estabilidade clínica e tiver um rotina com objetivo de erradicação do estreptococo e prevenção
bom suporte social, o tratamento pode ser realizado em ambiente da disseminação local da cepa.

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Algumas questões que abordam a GNPE vão trazer enunciados em que não há evidência
de infecção ativa, mas, mesmo assim, a penicilina pode estar nas alternativas junto a outras
medidas terapêuticas. Aqui fica um conselho: não deixe de marcar uma alternativa por conta
da prescrição da penicilina! Logo a seguir, vamos ver um exemplo e você vai entender melhor.

Existe um conceito bastante importante que você precisa saber. Diferente do que acontece na febre
reumática (outra complicação não supurativa da infecção estreptocócica), o tratamento da faringoamigdalite
ou da infecção cutânea relacionada ao estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield não influencia
no surgimento da nefrite e tampouco a sua gravidade. Em outras palavras, o paciente que desenvolve a GNPE
o faz independentemente de ter recebido antibióticos!

CAI NA PROVA

(FACULDADE DE MEDICINA DE CAMPOS – 2017) Escolar de seis anos é levado à emergência devido à queixa de
“pés e olhos inchados” há 48 horas. HPP: piodermite há três semanas. O exame físico revela bom estado geral;
edema palpebral bilateral e de membro inferiores ++/4+; ACV, AR e abdome sem alterações; PA sistólica entre
os percentis 95 e 99. Os resultados dos exames laboratoriais são: exame de urina: hematúria e proteinúria;
ureia e creatinina normais; anemia normocítica leve; proteínas totais e frações normais; colesterol normal; ASO
não reator; C3 diminuído. Em relação a esse quadro, é correto afirmar que:

A) No caso relatado está indicada a inclusão de penicilina ao esquema terapêutico inicial.


B) ASO negativa afasta a possibilidade de glomerulonefrite pós-infecção estreptocócica.
C) As culturas da pele e da orofaringe são fundamentais para a confirmação do diagnóstico.
D) Hematúria, anemia normocítica, ASO negativa e PA normal caracterizam a síndrome hemolítico-urêmica
atípica.
E) A proteinúria presente e ASO não reativa sugere o diagnóstico de síndrome nefrótica.

COMENTÁRIO:

O enunciado traz uma criança com antecedente de infecção cutânea, evoluindo com um quadro de edema, hipertensão e hematúria.
Memorize esse quadro clínico fornecido pela banca.
É a apresentação clássica da GNPE!
Vamos às alternativas:

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Viu o que aconteceu aqui? As outras alternativas estão conceitualmente erradas e o paciente não apresenta
Correta a alternativa A.
sinais ativos de infecção estreptocócica (indicação formal da prescrição da penicilina). Mas como é uma
conduta individualizada de cada serviço, não deixe de marcar essa alternativa se for a única possível!

Incorreta a alternativa B. A ASO é um anticorpo definidor da presença do estreptococo que tem seus níveis elevados nas infecções de
orofaringe! A sua ausência nos quadros associados à infecção cutânea é, inclusive, esperada. O melhor exame para documentar a infecção,
nesses casos, é o antiDNAse B.
Incorreta a alternativa C. Devido ao tempo que decorre entre a infecção estreptocócica e o desenvolvimento da nefrite, as culturas de
pele/secreção nasal, buscando a presença do estreptococo, têm baixas taxas de positividade e não são, portanto, necessárias para o
diagnóstico.
Incorreta a alternativa D. A síndrome hemolítico-urêmica (SHU) será estudada na aula de lesão renal aguda. É um tipo de anemia
hemolítica microangiopática, caracterizada laboratorialmente pela presença de plaquetopenia, anemia com reticulocitose, esquizócitos
no sangue periférico e lesão renal aguda. Não se correlaciona, portanto, ao caso clínico em questão.
Incorreta a alternativa E. Existem algumas pistas na questão que afastam a síndrome nefrótica (vamos ver logo em seguida, ainda neste
material), como, por exemplo, as proteínas totais e frações em níveis normais (lembrar que a síndrome nefrótica exige a presença de
hipoalbuminemia) e a ausência de dislipidemia que, apesar de não ser critério obrigatório, é bastante frequente na condição. É fundamental
ressaltar, também, que a síndrome nefrótica não tem a hematúria como parte dos seus critérios!

(SUS – RORAIMA – 2015) A fração C3 do complemento costuma estar baixa na fase aguda de:

A) Nefropatia por IgA.


B) Granulomatose de Wegener.
C) Glomerulonefrite aguda pós-estreptocócica.
D) Glomerulopatia membranosa.
E) Nenhuma das anteriores.

COMENTÁRIO:

Aproveitando a questão, dê uma olhada com carinho na tabela a seguir, que traz informações valiosas sobre as glomerulonefrites que
consomem, ou não, frações do complemento!

Há consumo (fração consumida) Não há consumo

Glomerulonefrite pós-estreptocócica (C3) Nefropatia por IgA

Vasculites ANCA associadas (Wegener, Churg-Strauss,


Nefrite lúpica (C3, C4)
poliangeíte microscópica)

Crioglobulinemia (C3, C4) -

Glomerulonefrite membranoproliferativa (C3 e/ou C4) -


Tabela 7. Glomerulopatias e consumo de frações do complemento.

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Questão direta e bastante frequente nas provas! Após memorizar essa tabela, o aluno Estrategista nunca mais vai errar! A única
glomerulopatia que consome complemento dentre as apresentadas é a presente na alternativa C!

Correta a alternativa C.

Onde você pensa que vai? Só passe para os próximos tópicos quando memorizar a tabela das glomerulonefrites
que consomem complemento! Lá na frente, eu vou cobrar esse conhecimento de novo!

2. 2 GLOMERULONEFRITE ASSOCIADA ÀS INFECÇÕES BACTERIANAS

2.2.1 INTRODUÇÃO

A glomerulonefrite pós-estreptocócica é o protótipo O mecanismo especulado é semelhante, com estímulo


das doenças glomerulares associadas a quadros infecciosos por antígenos bacterianos à produção de anticorpos, formação
bacterianos, mas vários outros agentes, e em diferentes sítios, de imunocomplexos circulantes e posterior deposição no tecido
podem ser responsáveis por quadros semelhantes. glomerular.

2.2.2 PATOLOGIA

As glomerulonefrites relacionadas às infecções bacterianas A imunofluorescência exibe um padrão granular que se


normalmente manifestam-se como glomerulonefrites concentra, principalmente, em mesângio e alças capilares. Os
membranoproliferativas na microscopia óptica, ou seja, com depósitos contêm proporções variáveis de imunoglobulinas IgG,
espessamento da membrana basal glomerular e proliferação IgM e IgA e a fração C3 do complemento, caracterizando a natureza
mesangial. Dependendo da gravidade da lesão, os crescentes imunológica da doença.
podem estar presentes.

2.2.3 PRINCIPAIS INFECÇÕES ASSOCIADAS


Os principais micro-organismos associados a doença glomerular secundária, independentemente se ocorre
glomerulonefrites são estreptococos e estafilococos. No entanto, em valvas protéticas ou em valvas nativas. As manifestações
germes Gram-negativos como E. coli, Pseudomonas e Proteus clínico-laboratoriais envolvem piora de função renal, hematúria e
também podem ser responsáveis. proteinúria e surgem tipicamente durante o quadro infeccioso. Na
A endocardite bacteriana é uma causa importante de maior parte dos casos, há consumo de complemento.

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Um enunciado típico de uma glomerulonefrite relacionada à endocardite bacteriana envolve a presença


de um quadro febril arrastado, associado a um sopro cardíaco, hematúria e proteinúria!

A nefrite de shunt é uma entidade caracterizada pelo desenvolvimento de uma glomerulonefrite em pacientes que apresentam
infecções de shunts utilizados no tratamento da hidrocefalia: derivações ventriculoperitoneais e, principalmente, ventriculoatriais. A alteração
glomerular é causada pela formação e deposição de imunocomplexos, estimuladas pela presença das bactérias causadoras da infecção,
principalmente S. aureus e S. epidermidis e traduz-se, principalmente, em hematúria e proteinúria.

2.2.4 TRATAMENTO

O tratamento das glomerulonefrites associadas às infecções tem como base o controle do foco infeccioso com o uso de antibioticoterapia
e remoção de dispositivos invasivos, quando presentes (na nefrite de shunt, por exemplo).
Nesses casos, a imunossupressão é avaliada com bastante cautela e guardada para pacientes com presença de crescentes celulares na
biópsia renal, desde que o processo infeccioso esteja adequadamente tratado.

CAI NA PROVA

(FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP - UNICAMP 2019) Mulher, 57a, relata febre vespertina há
30 dias, inchaço progressivo e piora do controle pressórico há 10 dias. Antecedentes pessoais: hipertensão
arterial sistêmica e diabetes mellitus controladas com uso regular de hidroclorotiazida, enalapril, metformina e
glipizida. Exame físico: PA = 188 x 104 mmHg, descorada +/4+; cabeça e pescoço: edema bipalpebral; fundo de
olho: normal; coração: sopro sistólico em foco aórtico 3+/4+, rude, com irradiação para as carótidas; abdome:
ascite; membros: edema de membros inferiores 2+/4+ e de membros superiores +/4+, petéquias subungueais
em mãos e pés. Hemograma: hemoglobina = 10,1 g/dl; leucócitos = 15.500 mm³; plaquetas = 184.000 mm³;
creatinina = 4,5mg/dl; ureia= 134 mg/dl; glicemia = 142 mg/dl; hemoglobina glicada= 6,9 g/dl; potássio = 6,2
mEq/l. Exame sumário de urina = hemácias: >100 por campo; dismorfismo eritrocitário: presente; proteína
1+/4+. O DIAGNÓSTICO É:

A) Síndrome nefrítica.
B) Síndrome nefrótica.
C) Nefropatia diabética.
D) Nefropatia maligna hipertensiva.

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COMENTÁRIO:

Aqui, temos uma mulher com um quadro de febre prolongada, sopro cardíaco novo, leucocitose e petéquias subungueais, achados
suficientes para pensarmos em uma endocardite infecciosa. Veja que, além do quadro infeccioso, a paciente apresenta uma doença glomerular:
hipertensão, edema, hematúria dismórfica, proteinúria e piora de função renal.
Estrategista, essa é a vinheta clínica clássica da glomerulonefrite relacionada à infecção bacteriana!
Vamos analisar as alternativas?

Paciente previamente hipertensa que evolui com hipertensão, edema, hematúria glomerular, além de
Correta a alternativa A.
proteinúria e disfunção renal. Quando compatível com a definição de síndrome nefrítica. A suspeita é que
estejamos diante de uma glomerulonefrite associada a infecção (endocardite infecciosa).

Incorreta a alternativa B. Síndrome nefrótica é definida pela presença de proteinúria maciça (proteinúria > 3,5 g em 24 horas) associada
à hipoalbuminemia (albumina sérica < 3,5 g/dL) e edema. Além de não termos a informação referente à albumina sérica, a proteinúria
avaliada pelo método semiquantitativo da fita reagente (resultado em cruzes) mostra apenas +/4+, o que equivale a aproximadamente
500mg em 24 horas.
Incorreta a alternativa C. A doença renal do diabetes ou a nefropatia diabética habitualmente desenvolve-se após 10 anos de doença
mal controlada (que não é o caso da paciente), inicialmente com hiperfiltração glomerular, seguida de albuminúria e, por fim, aumento
progressivo dos níveis de proteinúria, que pode atingir níveis nefróticos.
Incorreta a alternativa D. A nefropatia hipertensiva maligna é definida quando temos níveis elevados de pressão arterial (usualmente >
180x120mmHg) e dano vascular caracterizado por papiledema ou hemorragia retiniana. É uma emergência hipertensiva e não justificaria
a hematúria glomerular e os outros comemorativos clínicos presentes no caso.

2 .3 NEFROPATIA POR IGA (NIGA)

2.3.1 INTRODUÇÃO

A nefropatia por IgA (NIgA), ou doença de Berger, é a biópsia renal, que apresenta características singulares na
glomerulopatia primária mais comum do mundo. Acomete, imunofluorescência.
principalmente, pessoas de idade jovem (10 – 40 anos), com O tratamento varia substancialmente em decorrência das
predomínio no sexo masculino. manifestações clínico-laboratoriais e vai desde acompanhamento
Apresenta um amplo leque de possíveis manifestações clínico até pulsoterapia com corticoide, seguida de outra droga
clínicas, sendo diagnóstico diferencial de praticamente qualquer imunossupressora.
síndrome glomerular! O diagnóstico de certeza é dado pela

2.3.2 PATOGÊNESE
A NIgA é consequência do surgimento de uma IgA anômala, por exemplo), produziria uma IgA com defeitos de glicosilação. A
e estudos recentes apontam para um importante papel da mucosa imunoglobulina defeituosa deposita-se no mesângio, promovendo
intestinal que, em indivíduos geneticamente predispostos e sob uma reação inflamatória local que culmina no desenvolvimento das
a influência de exposições ambientais (como consumo de glúten, manifestações renais.

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2.3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS

A forma mais comum de manifestação clínica é marcada pelo aparecimento súbito de hematúria macroscópica, normalmente após
algum gatilho, sendo os principais: infecção de vias aéreas superiores ou realização de exercícios físicos. O prognóstico nesse tipo de
apresentação é usualmente favorável. Deve-se ressaltar que a hematúria surge durante o quadro ou poucos dias (2 a 3) após a faringite, um
dado que auxilia na sua diferenciação em relação à GNPE.
A hematúria microscópica dismórfica, frequentemente associada à proteinúria subnefrótica detectada em exames de rotina (por
exemplo, admissionais em empresas), é outra clássica manifestação da doença. Não costuma haver piora de função renal nesses casos.

Uma das questões mais cobradas! O enunciado típico traz um homem jovem, sem
comorbidades, que apresenta hematúria após um quadro gripal ou após a realização de
exercícios físicos extenuantes! Uma dica fundamental é que, na NIgA, não há consumo das
frações do complemento, o que a diferencia de outras nefrites!

Mas professor, é isso mesmo? O que tem além da


hematúria?
Coloquei essa imagem de propósito. Quando
você se deparar com um homem jovem com hematúria
glomerular e não conseguir achar outro dado clínico-
laboratorial relevante (piora de função renal, hipertensão
ou edema), principalmente se a hematúria for precedida
em poucos dias por infecção de vias aéreas superiores ou
realização de exercícios físicos, pense em nefropatia por
IgA!

De modo menos frequente, a NIgA pode apresentar-se como


uma síndrome nefrótica pura ou até mesmo uma glomerulonefrite
rapidamente progressiva.

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2.3.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é definido pela biópsia renal (embora nas


questões de prova o enunciado seja bastante claro e permita fazer
uma hipótese diagnóstica acurada sem ela). Na imunofluorescência,
a confirmação diagnóstica dá-se pela presença de depósitos
dominantes ou codominantes de IgA no mesângio (figura 13). Na
microscopia óptica, há expansão da matriz mesangial com aumento
da sua celularidade na forma mais comum de apresentação.

Figura 13. Depósito de IgA nas alças capilares e mesângio na imunofluorescência.


Fonte: acervo pessoal.

Apresentações mais raras e graves da doença envolvem a presença de crescentes celulares (figura a seguir) e marcada destruição
glomerular.

Você sabe o que são os crescentes? No contexto


de uma grave lesão glomerular, pode haver rotura dos
capilares para dentro do espaço urinário. Isso gera
uma intensa reação inflamatória, com recrutamento
de células para “tapar o buraco” que foi aberto. Essas
células depositam-se em um formato de lua crescente e
que comprimem o tufo glomerular, batizando a alteração
histológica (veja o destaque na figura a seguir). A presença
de crescentes confere gravidade a uma glomerulopatia.
As glomerulonefrites rapidamente progressivas cursam
com piora importante da função renal em poucos dias e,
normalmente, apresentam crescentes em mais de 50%
dos glomérulos da amostra biopsiada.

Voltaremos com esse assunto ainda neste livro!

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CAI NA PROVA

(PROCESSO SELETIVO UNIFICADO - ALAGOAS - PSU - AL 2018) Paciente com 22 anos, sexo masculino, apresenta
queixa de hematúria sem outra sintomatologia associada. Durante a consulta inicial, informou quadro de
infecção de vias aéreas superiores que ocorreu uma semana antes do início da hematúria. O exame de urina
apresentou eritrócitos e cilindros hemáticos; proteinúria 1,5 g/dia; e complemento sérico normal. A história
pregressa não evidenciou relato de calculose renal nem traumas. Assinale a alternativa CORRETA quanto ao
diagnóstico mais provável desse caso:

A) Nefrite intersticial.
B) Nefroesclerose hipertensiva.
C) Nefropatia por ácido úrico.
D) Nefropatia por lgA

COMENTÁRIO:

Questão clássica de prova!


O paciente em questão é um homem jovem, sem comorbidades, com uma hematúria de origem glomerular após quadro de infecção
de vias aéreas superiores, um fortíssimo candidato a ter nefropatia por IgA, como acabamos de aprender!
Vamos às alternativas:
Incorreta a alternativa A. A nefrite intersticial aguda (que estudaremos no bloco de doenças túbulo-intersticiais) costuma ser precedida
pelo uso de alguma medicação, notadamente anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou antibióticos betalactâmicos. É uma lesão no
segmento túbulo-intersticial do néfron e a presença de cilindros hemáticos, que denota uma hematúria de origem glomerular, descarta
essa possibilidade.
Incorreta a alternativa B. A nefroesclerose hipertensiva manifesta-se, normalmente, em pacientes hipertensos de longa data, na forma de
doença renal em estágio terminal, e pode vir acompanhada de proteinúria. Acomete, principalmente, o compartimento vascular do rim,
motivo pela qual não tem a hematúria glomerular como parte do quadro laboratorial.
Incorreta a alternativa C. A litíase por ácido úrico está associada, principalmente, a pacientes portadores de síndrome metabólica, e,
geralmente, vem acompanhada por hiperuricemia e pH urinário baixo (< 5,5). É, contudo, uma causa urológica e não glomerular de
hematúria.

Percebeu como a doença é cobrada nas provas? Hematúria glomerular sem hipertensão, edema ou piora
Correta a alternativa D.
de função renal após um quadro de infecção de vias aéreas superiores em adultos jovens é a vinheta
clínica clássica da NIgA!

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2.3.5 TRATAMENTO

O tratamento depende da forma de apresentação. Nos casos enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor
de hematúria microscópica persistente ou hematúria macroscópica da angiotensina.
recorrente, sem lesão renal, proteinúria ou hipertensão, apenas Nas apresentações mais graves, com glomerulonefrite
orientações gerais e o acompanhamento regular com o nefrologista rapidamente progressiva, é indicada pulsoterapia com
são necessários. metilprednisolona seguida de ciclofosfamida como terapia de
Caso o paciente desenvolva proteinúria e hipertensão, indução, e outros imunossupressores como azatioprina na fase de
normalmente um curso de imunossupressão com corticoides é manutenção.
tentado, além de drogas antiproteinúricas, como inibidores da

Várias questões que envolvem glomerulopatias nas mais diversas bancas do Brasil cobram um caso
clínico em que você deve saber diferenciar uma GNPE de uma NIgA. Preparamos uma tabela extremamente
importante para as suas provas, não deixe de memorizar os conceitos trazidos nela!

GNPE Nefropatia por IgA

Poucos dias (2 ou 3) antes da


Semanas (tipicamente 2 ou 3) antes da
Latência das infecções manifestação renal e, em alguns
manifestação renal
casos, concomitante

Natureza das infecções Bacteriana Viral

Consumo de complemento Sim (C3 e CH50) Não

Faixa etária típica Crianças Adultos jovens

Evolução para doença renal


Rara Até 25% dos pacientes
crônica

Apresentação clínica mais Hematúria macroscópica isolada


Edema, hipertensão e hematúria
comum Hematúria microscópica persistente

Tabela 8. Comparativo entre aspectos clínicos e laboratoriais da GNPE e nefropatia por IgA.

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2. 4 OUTRAS CAUSAS DE SÍNDROME NEFRÍTICA

2.4.1 NEFRITE LÚPICA

2.4.1.1 INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença


inflamatória crônica autoimune mais prevalente em pacientes
jovens do sexo feminino. Tem espectro clínico bastante variado
e acomete principalmente a pele, as articulações, o sistema
hematológico, os rins, o sistema nervoso central e os espaços
virtuais (pleura e pericárdio).
As principais pistas para o diagnóstico são a presença de
outros sinais, sintomas ou alterações laboratoriais sugestivas de
lúpus, tais como:
- Artralgia, rash malar, alopecia, fotossensibilidade, lúpus
discoide, derrames cavitários;
- Anemia hemolítica, leucopenia, plaquetopenia;
- Psicose, crises convulsivas, transtornos cognitivos;
- Positividade de alguns anticorpos como FAN (fator
antinuclear), antiDNA, antiSM, anticorpos fosfolípides e consumo
das frações C3 e C4 do complemento.
O acometimento renal no LES está presente em até 60% dos
pacientes durante a evolução da doença, e tem o compartimento
glomerular como o mais afetado. Pode englobar todas as
síndromes glomerulares e apresentar graus diferentes de gravidade
e prognóstico. Pense em nefrite lúpica quando deparar com uma
nefrite em uma mulher em idade fértil apresentando sinais e
sintomas de lúpus (figura 14). Figura 14. Nefrite em mulher em idade fértil com sinais e sintomas de lúpus.

2.4.1.2 CLASSIFICAÇÃO HISTOLÓGICA E CONSIDERAÇÕES SOBRE A BIÓPSIA RENAL

Caro aluno, eu peço agora a você um pouco de calma. Em breve, você vai deparar-se com uma tabela que, a princípio, pode
assustá-lo, mas não é essa a intenção.
A classificação histológica da nefrite lúpica é muito cobrada em provas de Residência. Analisar essa tabela e entendê-la
certamente pode ser um diferencial na sua preparação.

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A forma mais frequente de acometimento glomerular é a glomerulonefrite proliferativa difusa, também denominada de nefrite lúpica
classe IV e caracteriza-se clinicamente por uma síndrome nefrítica, sendo frequente a presença de disfunção renal. Outra apresentação
comum nas provas de Residência é uma síndrome nefrótica pura, cuja correlação é a nefrite lúpica classe V (membranosa).

Classe Alterações clínico/


Definição histológica Alterações urinárias
(ISN / RPS 2003) laboratoriais

I – Mesangial Glomérulos normais, mas com


Nada significativo Sem alterações relevantes
minima depósitos de imunoglobulinas

Hematúria dismórfica
II – Proliferativa
Proliferação mesangial Proteinúria subnefrótica Sem alterações relevantes
Mesangial
(quando presente)

Consumo de
Proliferação mesangial e endocapilar
complemento
III – Proliferativa em menos de 50% dos glomérulos Hematúria dismórfica
Piora de função renal
focal com depósitos subendoteliais de Proteinúria subnefrótica
(menos comum que a
imunoglobulinas
classe IV)

Proliferação mesangial e endocapilar


Consumo de
em mais de 50% dos glomérulos
IV – Proliferativa Hematúria dismórfica complemento
com depósitos subendoteliais de
difusa Proteinúria subnefrótica Piora de função renal
imunoglobulinas
Uremia
Pode haver formação de crescentes

Espessamento da membrana basal Edema


V – Membranosa com depósitos subepiteliais de Proteinúria nefrótica Hipoalbuminemia
imunoglobulinas Dislipidemia

Esclerose glomerular em > 90% da Hematúria residual; Doença renal em estágio


VI – Esclerosante
amostra proteinúria subnefrótica terminal
Tabela 9. Classificação da nefrite lúpica (ISN/RPS 2003) e correlações clínico-laboratoriais.

Vou tentar deixar a tabela mais palpável para você!


As classes I e II têm pouca alteração nos glomérulos e manifestam-se como alterações urinárias
assintomáticas (hematúria ou proteinúria subnefrótica, sem piora da função renal ou hipertensão).
As classes III e IV, conhecidas como proliferativas (focal e difusa) apresentam-se frequentemente
com hematúria glomerular, proteinúria, hipertensão e piora da função renal. Quadros de síndrome nefrítica
ou até mesmo glomerulonefrite rapidamente progressiva! Altos títulos de antiDNA e complemento
consumido fazem parte do perfil laboratorial nesses casos.
A classe V manifesta-se como síndrome nefrótica pura e a classe VI já como doença renal crônica,
sem sinais de atividade.

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A biópsia renal de um paciente lúpico em atividade apresenta um achado característico: imunofluorescência com depósito full house
no glomérulo, ou seja, de todas as imunoglobulinas e frações do complemento testadas (IgA, IgM, IgG, C3 e C1q)!

CAI NA PROVA

(HOSPITAL UNIVERSITÁRIO JÚLIO MÜLLER - UFMT 2017) Paciente, sexo feminino, 21 anos, com quadro clínico
e laboratorial de nefrite lúpica foi submetida à biópsia renal. Apresentou elevação da creatinina sérica 2,7mg/
dL (sem outra causa) associada à proteinúria > 0,5g/24h, hipertensão arterial sistêmica recente (PA= 150 x 100
mmHg), sedimento urinário ativo, hipocomplementemia e presença de anticorpo antidsDNA. A respeito da
classe histológica, com base nos critérios clínicos e laboratoriais, segundo a classificação da nefrite lúpica da
International Society of Nephrology/Renal Pathology Society 2003, marque a alternativa CORRETA:

A) Esclerose avançada - Classe I.


B) Nefrite Lúpica Mesangial Mínima - Classe V.
C) Nefrite Lúpica Mesangial Proliferativa - Classe I.
D) Glomerulonefrite Difusa - Classe IV.

COMENTÁRIO:

Questão que despenca nas provas de Residência e aborda a classificação da nefrite lúpica.
O enunciado traz uma paciente de 21 anos com nefrite lúpica, apresentando o seguinte comportamento: piora de função renal,
proteinúria, hipertensão, queda do complemento e presença de antiDNA. É a descrição clássica da nefrite lúpica proliferativa (classes III ou
IV). Vou pedir a você, aluno, que volte e releia com atenção a tabela que apresentamos recentemente.
Após ler atentamente a tabela e as alternativas, o aluno Estrategista conclui que a única alternativa possível é a letra D! As demais não
apresentam sequer a correlação adequada entre a descrição e a classe associada.

Correta a alternativa D.

Além de ser fundamental para o diagnóstico, a biópsia renal na nefrite lúpica tem um papel fundamental em
fatores prognósticos e pode mudar a decisão terapêutica. Toda biópsia realizada em um paciente lúpico deve ter na
sua descrição parâmetros que indiquem se a nefrite está em atividade ou se o aspecto já é de cronicidade.

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Quanto mais parâmetros de cronicidade estiverem presentes, menor é o efeito da imunossupressão em recuperar a função renal do
paciente, dado fundamental que deve ser considerado na hora de elaborar a proposta terapêutica, pois sabemos que a terapia imunossupressora
traz diversos efeitos colaterais indesejáveis. Preparamos uma tabela com os principais parâmetros de atividade e cronicidade na nefrite lúpica,
veja a seguir:

Parâmetros de atividade e cronicidade na nefrite lúpica


Atividade Cronicidade
Hipercelularidade endocapilar Esclerose glomerular
Necrose fibrinoide Crescentes fibrosos
Crescentes celulares Atrofia tubular
Inflamação intersticial Fibrose intersticial
Infiltração glomerular por leucócitos -
Tabela 10. Alterações histológicas sugestivas de atividade ou cronicidade na nefrite lúpica.

CAI NA PROVA

(SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE BELO HORIZONTE - SCMBH 2012) A análise histopatológica do tecido renal
é crucial para o planejamento terapêutico do paciente com Nefrite Lúpica. A classificação das lesões renais
em agudas e crônicas é um dos importantes aspectos considerados. Das opções seguintes, qual lesão NÃO é
classificada como aguda, na análise histopatológica da Nefrite Lúpica?

A) Hipercelularidade endocapilar.
B) Necrose fibrinoide.
C) Crescente fibroso.
D) Trombo hialiano.

COMENTÁRIO:

Questão bastante específica para provas de acesso direto. Dê uma nova olhada na tabela que acabamos de apresentar e vamos juntos
às alternativas.
Incorreta a alternativa A. A hipercelularidade endocapilar faz parte dos critérios de atividade da nefrite lúpica.
Incorreta a alternativa B. A necrose fibrinoide é um achado histológico presente em doenças glomerulares que causam intensa inflamação
e destruição do tufo glomerular, considerada parâmetro de atividade quando ocorre na nefrite lúpica.

Os crescentes fibrosos (e não os crescentes celulares) fazem parte do índice de cronicidade da nefrite
Correta a alternativa C.
lúpica.

Incorreta a alternativa D. O trombo hialino relaciona-se a quadros de coagulação intravascular disseminada e forma-se devido à agregação
microscópica de plaquetas e fibrina. Não tem a ver com os índices de atividade e cronicidade da nefrite lúpica.

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2.4.1.3 TRATAMENTO

O tratamento das formas nefríticas mais graves (proliferativas – classes III e IV) é feito em duas fases: indução com pulsoterapia de
metilprednisolona, seguida de ciclofosfamida ou micofenolato; e manutenção com azatioprina ou micofenolato. Ainda na fase de indução,
o corticoide é iniciado via oral e idealmente desmamado até o início da fase de manutenção. Segue um esquema do tratamento de indução.

Figura 15. Tratamento de indução da nefrite lúpica proliferativa (classes III ou IV).

CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ – UFPI – 2016) São drogas equivalentes no tratamento de indução de
nefrite lúpica classe IV:

A) Ciclofosfamida EV e azatioprina.
B) Micofenolato de mofetila e azatioprina.
C) Ciclofosfamida EV e micofenolato de mofetila.
D) Ciclofosfamida EV e metotrexato.
E) Ciclofosfamida oral e metilprednisolona.

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COMENTÁRIO:

O tratamento de indução da nefrite lúpica proliferativa é frequente nas questões de prova. Usamos pulsoterapia com metilprednisolona
seguida de ciclofosfamida IV ou micofenolato VO, o que faz a alternativa C responder adequadamente à questão.
Quanto às outras drogas: azatioprina é usada no tratamento de manutenção, não de indução; metotrexato e ciclofosfamida oral não
são usados como terapia na nefrite lúpica proliferativa.

Correta a alternativa C.

Sempre que um enunciado trouxer uma glomerulopatia (representada pela presença de hematúria e
proteinúria) em uma paciente jovem em idade fértil, você deverá incluir a nefrite lúpica como um diagnóstico
diferencial possível para o caso!

2.4.2 GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA

A glomerulonefrite membranoproliferativa (GNMP) é, na


verdade, um padrão histológico de lesão glomerular, que pode
ser causado por uma variedade de doenças. A nomenclatura
vem do achado de proliferação celular (mesangial ou endocapilar)
associada ao espessamento da membrana basal glomerular (figura
16).
A apresentação clínico-laboratorial pode ocorrer como
síndrome nefrítica, mas em alguns casos uma manifestação “mista”
é encontrada, com hematúria dismórfica, hipertensão arterial e
proteinúria em níveis nefróticos. A GNMP tem como característica
marcante o consumo de complemento.
A classificação atual da GNMP foi revisada pois houve um
melhor entendimento da patogênese da doença e constatou-se que
a classificação antiga poderia resultar em sobreposições de doenças Figura 16. Glomerulonefrite membranoproliferativa: aumento da celularidade e
espessamento da membrana basal glomerular. Fonte: acervo pessoal.
(confira as causas de GNMP na tabela a seguir). Atualmente, é
baseada em achados da imunofluorescência, de modo que:
- Quando há depósitos glomerulares de imunoglobulinas com ou sem frações do complemento, as principais causas são: hepatites
virais (B e C), doenças autoimunes como lúpus, síndrome de Sjögren ou artrite reumatoide e gamopatias monoclonais como o mieloma
múltiplo.

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- Quando os depósitos são apenas de frações do complemento nos glomérulos, temos as GNMPs mediadas por desordens do
complemento, cujos principais exemplos são a glomerulopatia do C3 e doença de depósito denso (DDD).

Glomerulonefrite membranoproliferativa: principais etiologias

Infecciosas Imunológicas Gamopatias monoclonais Desordens do complemento

- LES
- Hepatite B - Glomerulopatia do C3
- Artrite reumatoide
- Hepatite C Mieloma múltiplo - Doença de depósitos densos
- Sjögren
- Endocardite infecciosa (DDD)
- Crioglobulinemia
Tabela 11. Principais etiologias da glomerulonefrite membranoproliferativa.

O tratamento da nefrite é voltado para o controle da causa base. As doenças relacionadas ao complemento são tratadas com
imunossupressão, mas têm mau prognóstico renal e evolução não infrequente para doença renal crônica terminal.

2.4.3 VASCULITES ANCA ASSOCIADAS

Vasculites são doenças sistêmicas complexas que você vai estudar a fundo no módulo da
Reumatologia. Aqui, vamos focar nas que causam glomerulonefrite, tudo bem? Venha comigo!

As vasculites são provocadas pela inflamação dos vasos se de duas maneiras: perinuclear (p-ANCA; cujo antígeno
sanguíneos e podem reproduzir diferentes manifestações clínicas correspondente é a proteína mieloperoxidase) e citoplasmático
conforme o calibre do vaso acometido. O acometimento renal na (c-ANCA; cuja representação antigênica se faz pela proteinase – 3).
forma de glomerulonefrite ocorre nas vasculites de pequenos Três principais etiologias respondem pelos quadros de
vasos. vasculites ANCA associadas e podem apresentar, além da lesão
Existe um subgrupo de vasculites de pequenos vasos cujo glomerular, manifestações clínicas que apontem para o diagnóstico.
pico de incidência é entre os 50 e 70 anos de idade e acomete São elas:
principalmente indivíduos do sexo masculino, caracterizado por ter - Granulomatose com poliangeíte (GPA, antigamente
na sua patogênese o envolvimento do anticorpo anticitoplasma de denominada de granulomatose de Wegener). São características da
neutrófilos (ANCA), que se desenvolve contra proteínas expressas doença: o acometimento grave da via aérea superior, com sinusite
nos neutrófilos e estimula uma intensa reação inflamatória e destrutiva e desabamento do nariz, e pulmonar, com nódulos que,
destrutiva nos vasos afetados. Esse anticorpo pode apresentar- por vezes, podem apresentar cavitações (figuras 17 e 18).

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Figura 18. Tomografia de seios da face revelando espessamento mucoso com


Figura 17. Tomografia de tórax revelando nódulos cavitados periféricos bilaterais nível líquido e esclerose das paredes ósseas nos seios maxilares em paciente
em paciente portador de granulomatose com poliangeíte. Fonte: acervo pessoal. com granulomatose com poliangeíte. Fonte: acervo pessoal.

- Granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA, antigamente conhecida como doença de Churg-Strauss). Manifestações
eosinofílicas como rash; broncoespasmo muitas vezes diagnosticado como asma brônquica e eosinofilia fazem parte do quadro clínico.
- Poliangeíte microscópica (PAM). Ao contrário das outras duas, essa doença costuma apresentar-se de maneira limitada ao rim.
Convém ressaltar que as vasculites ANCA relacionadas podem se manifestar como síndrome pulmão-rim, caracterizada pela associação
entre glomerulonefrite e hemorragia alveolar! Sintomas constitucionais como febre, perda ponderal, fadiga, astenia e alguns achados
específicos como neuropatia periférica e púrpura palpável também são compartilhados nos quadros de vasculites de pequenos vasos.

A grande dica para pensar em quadro de vasculite é o surgimento de síndrome nefrítica em pacientes
de idade acima de 50 anos, com sintomas constitucionais, de vias aéreas superiores ou nódulos pulmonares!

No laboratório, a dosagem ANCA também pode favorecer e poliangeíte microscópica. Nas glomerulonefrites causadas
algum diagnóstico específico. O c-ANCA correlaciona-se mais pelas vasculites, os níveis séricos das frações do complemento
fortemente com a granulomatose com poliangeíte (Wegener), encontram-se normais.
enquanto o p-ANCA é mais frequentemente positivo nos quadros Vamos fazer um comparativo entre as principais vasculites
de granulomatose eosinofílica com poliangeíte (Churg-Strauss) ANCA associadas?

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Vasculites ANCA associadas

Granulomatose com Granulomatose eosinofílica com


- Poliangeíte microscópica
poliangeíte (Wegener) poliangeíte (Churg – Strauss)

ANCA c – ANCA p – ANCA p – ANCA

Antígeno Proteinase – 3 (PR3) Mieloperoxidase (MPO) Mieloperoxidase (MPO)

- Sinusite destrutiva
- Asma - Sintomas
- Nódulos pulmonares
Apresentação - Infiltrado pulmonar migratório constitucionais
cavitados
clínica - Dermatite atópica - Síndrome pulmão-rim
- Glomerulonefrite
- Glomerulonefrite - Glomerulonefrite
- Síndrome pulmão-rim
Tabela 12. Comparativo entre as vasculites ANCA-associadas.

A biópsia renal tem um aspecto marcante que sugere fortemente a presença de uma vasculite
ANCA-relacionada: imunofluorescência negativa – o que faz essas vasculites serem denominadas de
pauci-imunes!

O tratamento baseia-se em imunossupressão com corticoides seguido de ciclofosfamida ou rituximab e são doenças que têm um mau
prognóstico renal, com possibilidade de evolução para doença renal crônica em estágio terminal.

CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ – 2020) Homem, 40 anos, internado com insuficiência
renal aguda. EAS: hematúria, cilindros hemáticos e proteinúria nefrótica. Tomografia (TC) de seios da face:
sinusite em seios maxilares e a TC de tórax é mostrada abaixo. O anticorpo provavelmente presente no caso
desse paciente é:

A) anti-DNA dupla hélice.


B) anti-mieloperoxidase.
C) anti-proteinase 3.
D) anti-membrana basal glomerular.

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COMENTÁRIO:

O enunciado traz um paciente adulto jovem com lesão renal aguda e exames compatíveis com lesão glomerular (hematúria dismórfica
e proteinúria nefrótica), nos seios da face e no parênquima pulmonar, sugestivo de GPA! Qual anticorpo associa-se à GPA? Como vimos, é o
c-ANCA, cujo antígeno é a proteinase 3!
Vamos analisar as alternativas.
Incorreta a alternativa A. O antiDNA faz parte dos autoanticorpos produzidos no lúpus eritematoso sistêmico contra antígenos celulares
e dirige-se contra o DNA dupla hélice. É utilizado para o diagnóstico e seguimento de pacientes nefrite lúpica.
Incorreta a alternativa B. O anticorpo antimieloperoxidase (p-ANCA) associa-se mais fortemente com a granulomatose eosinofílica com
poliangeíte (GEPA).

Ao suspeitar de granulomatose de Wegener (ou granulomatose com poliangeíte), o c-ANCA é o tipo de


Correta a alternativa C.
ANCA mais encontrado e ele dirige-se contra a proteinase 3.

Incorreta a alternativa D. O anticorpo antimembrana basal glomerular (autoanticorpo contra a fração alfa 3 do colágeno tipo IV, presente na
membrana basal glomerular) está presente na doença de Goodpasture, cuja apresentação clínica é de uma glomerulonefrite rapidamente
progressiva com hemorragia alveolar (e não nódulos pulmonares, como no caso da questão).

2.4.4 CRIOGLOBULINEMIA

A crioglobulinemia é uma vasculite de pequenos vasos, comumente relacionada à infecção pelo HCV. Crioglobulinas são imunoglobulinas
que têm a capacidade de se precipitar em baixas temperaturas. Quando presentes no sangue, podem depositar-se no tecido renal, notadamente
nos capilares glomerulares.
A apresentação clínica vem normalmente acompanhada por sintomas constitucionais como febre, perda ponderal e artralgia,
associados em frequência variável à púrpura palpável e à neuropatia periférica. A apresentação renal típica é de síndrome nefrítica, mas,
em casos mais graves, pode evoluir para uma glomerulonefrite rapidamente progressiva.

Pense em crioglobulinemia
quando estiver diante de um
paciente com hepatite C ou fator
de risco (uso de drogas injetáveis
ou hemotransfusões prévias)
que se apresentar com uma
glomerulonefrite e sintomas de
vasculite, como púrpura palpável,
febre, artralgia e queda do estado
geral.

Figura 19. Paciente acometido por crioglobulinemia.

Há, caracteristicamente, consumo do complemento (frações C3, C4 e CH50) por ativação da via clássica. Não há tratamento específico,
sendo a erradicação da hepatite viral recomendada na tentativa de melhora do quadro clínico.

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Outras causas de vasculite crioglobulinêmica são o HIV, doenças autoimunes (lúpus eritematosos
sistêmico e artrite reumatoide) e doenças linfoproliferativas (linfoma não Hodgkin).

CAI NA PROVA

(HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PEDRO ERNESTO – UERJ – 2019) Homem de 48 anos apresenta febre, púrpura
palpável e artralgia de joelhos há algumas semanas. Em 1990, aos 20 anos, foi submetido à cirurgia devido
a atropelamento que causou múltiplas fraturas, ficando em CTI por 30 dias. Ao exame físico, apresenta
esplenomegalia e edema de membros inferiores. Os exames laboratoriais revelam: glicemia 95mg/dL, creatinina
1,4mg/dL, proteínas totais 7g/dL, albumina 2,5g/dL, hemoglobina 8,5g/mm3, leucócitos 12000/mm3, plaquetas
250000/mm3, proteinúria 2,5g em 24h, 30 hemácias dismórfica/campo e 16 piócitos/campo; dosagens de
CH50, C3 e C4 baixas, com fator reumatoide positivo. A tomografia de tórax não mostrou alterações. Nesse
caso, a melhor hipótese diagnóstica é de:

A) Crioglobulinemia mista.
B) Poliangeíte microscópica.
C) Púrpura de Henoch-Schonlein.
D) Granulomatose com poliangeíte.

COMENTÁRIO:

Questão bastante interessante, que serve para deixar um aprendizado importante a você: nada no enunciado de uma questão é em
vão.
Temos um caso de um homem de meia-idade, com sintomas constitucionais e púrpura palpável, apresentando hematúria dismórfica e
proteinúria subnefrótica como principal achado laboratorial. Até aqui concordamos que se trata, provavelmente, de um quadro de vasculite
de pequenos vasos com acometimento glomerular! Mas qual seria essa vasculite?
A principal pista dessa questão é que, dentre as alternativas propostas, a única que cursa com consumo de complemento é a vasculite
crioglobulinêmica! Mas, professor, e a relação com a hepatite C? Leia atentamente o enunciado. O paciente teve internação por trauma
nos anos 90 e, provavelmente, precisou de transfusão sanguínea em uma época em que o preparo de hemoderivados era, sabidamente,
de maior risco para a transmissão de doenças como as hepatites. Além disso, o exame físico demonstra edema de membros inferiores e
esplenomegalia, achados de um quadro cirrótico devido ao HCV não diagnosticado e tratado.
Vamos às alternativas:

Correta a alternativa A. A crioglobulinemia é a nossa principal hipótese!

Incorreta a alternativa B. A poliangeíte microscópica não cursa com consumo das frações do complemento. Além disso, o enunciado não
nos deu os títulos do ANCA, impossibilitando a realização da suspeita diagnóstica.

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Incorreta a alternativa C. A púrpura de Henoch-Schonlein (PHS) é conhecida como a forma sistêmica da nefropatia por IgA. Bem mais
prevalente na infância, envolve outros sintomas além do acometimento glomerular, como dores abdominais, artralgia e púrpura palpável.
Assim como a NIgA, a PHS não cursa com consumo das frações séricas do complemento!
Incorreta a alternativa D. A granulomatose com poliangeíte (Wegener) é uma vasculite ANCA relacionada que pode causar síndrome
nefrítica. De modo análogo à alternativa B, não está entre as principais hipóteses diagnósticas!

Viu que questão complexa? Ganhar tempo durante a prova de Residência é fundamental para ir bem no
processo seletivo. Perceba que se você soubesse apenas quais as glomerulonefrites que consomem ou não o
complemento conseguiria gabaritar essa questão com tranquilidade. Aproveito para convidá-lo de novo: volte
algumas páginas e memorize a tabela que preparamos com glomerulonefrites e complemento!

Vamos fazer um resumo com as principais glomerulopatias que podem se manifestar como síndrome nefrítica
e são cobradas na sua prova. Pare um segundo, respire, beba uma água e leia com atenção a tabela a seguir!

Glomerulopatia Características mais relevantes Consumo de complemento


Glomerulonefrite pós- Ocorre após infecção estreptocócica; ASO e/ou AntiDNAse B
C3
estreptocócica positivos; síndrome nefrítica com boa evolução
Hematúria macroscópica após infecções de vias aéreas
superiores ou hematúria microscópica persistente como um
Nefropatia por IgA Não há consumo.
achado laboratorial; imunofluorescência com predomínio de
IgA
Mulher jovem, artralgia, rash malar, anemia hemolítica, FAN e
Nefrite lúpica C3 e C4
antiDNA positivos; Imunofluorescência full house
Glomerulonefrite Presença de causa secundária como doenças infecciosas,
C3 e C4
membranoproliferativa neoplasias sólidas ou hematológicas e doenças autoimunes
Vasculites ANCA Idade mais avançada, acometimento de via aérea superior ou
Não há consumo.
associadas pulmonar, positividade do ANCA; imunofluorescência negativa
Crioglobulinemia Associação com HCV, sinais de vasculites de pequenos vasos C3 e C4
Tabela 13. Glomerulopatias que causam síndrome nefrítica: apanhado geral.

Acabamos de encerrar a síndrome nefrítica e suas principais etiologias. Recomendo a você uma pequena
pausa para um café antes de começarmos o próximo tópico, pois a síndrome nefrótica é bastante prevalente nas
suas provas de Residência!

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CAPÍTULO

3.0 SINDROME NEFRÓTICA


A síndrome nefrótica é uma das grandes síndromes glomerulares, definida pela tríade de achados clínicos e laboratoriais a seguir:

Proteinúria nefrótica

Hipoalbuminemia

Edema

Figura 20. Principais achados clínico-laboratoriais da síndrome nefrótica.

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A proteinúria nefrótica é sinônimo de lesão glomerular A coleta da urina de 24 horas deve ser feita em recipiente
e é definida, em adultos, como níveis acima de 3,5g/dia e, em adequado e da seguinte forma: o paciente despreza a primeira
crianças, acima de 50mg/kg/dia ou 40mg/h/m . A coleta e análise
2
urina do dia e, a partir de então, coleta todas as outras micções
da urina de 24 horas é a maneira mais fidedigna de quantificarmos o no recipiente, até a primeira urina do dia seguinte. É um processo
grau de proteinúria e é um processo necessário para confirmações trabalhoso e sujeito a falhas, de modo que o resultado da proteinúria
diagnósticas ou alterações de conduta. deve sempre ser analisado de maneira criteriosa.

Idealmente, quando um exame simples de urina revelar presença de proteínas ou uma relação proteína/
creatinina vier alterada, o resultado deve ser confirmado pela dosagem da proteinúria de 24 horas!

Em pacientes com função renal preservada, a relação proteína/creatinina em amostra de urina isolada fornece valores fidedignos aos
da proteinúria de 24 horas, de modo que relações acima de 3,5 em adultos e 2,0 em crianças também correspondem à proteinúria nefrótica.
A albumina é uma proteína aniônica responsável por boa parte da pressão coloidosmótica do plasma. Os principais autores definem
como hipoalbuminemia níveis abaixo de 3,5g/dL em adultos e 3,0 (alguns citam 2,5) g/dL em crianças.

Memorize esses valores!


Proteinúria nefrótica: > 3,5g/dia em adultos ou > 50mg/kg/dia em crianças.
Hipoalbuminemia: < 3,5g/dL em adultos e < 3,0 (ou 2,5g/dL) em crianças.
Esses conceitos são abordados às vezes em provas de maneira bastante direta. Vamos ver?

CAI NA PROVA

(SECRETARIA DO ESTADO DA SAUDE DE GOIAS SES – GO – 2016) São sinais, sintomas ou achados laboratoriais
da síndrome nefrótica:

A) Edema de início insidioso, proteinúria maior ou igual a 50 mg/kg/dia; albumina sérica menor que 2,5 g/dl.
B) Hipercolesterolemia, proteinúria maior ou igual a 50 mg/kg/dia, edema generalizado, oligúria e hematúria.
C) Proteinúria maior ou igual a 40 mg/kg/dia; albumina sérica menor que 2,5 g/dl; complemento sérico baixo
e ALSO aumentado.
D) Edema de início abrupto, oligúria, hematúria e hipertensão arterial; proteinúria maior ou igual a 50 mg/
kg/dia.

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COMENTÁRIO:

Coloquei essa questão para você perceber que o conhecimento da definição da síndrome pode garantir-lhe questões! Nunca esqueça
do tripé: edema, hipoalbuminemia e proteinúria nefrótica. Essa questão estava na seção de pediatria da prova, motivo pelo qual os valores
laboratoriais dizem respeito a essa população.
Vamos aprender com as alternativas:

Aqui eu quero que fique um conhecimento a mais: pacientes com síndrome nefrótica normalmente
Correta a alternativa A.
desenvolvem o edema de maneira insidiosa, em semanas, diferente do que ocorre na síndrome nefrítica
(surgimento abrupto).

Incorreta a alternativa B. A oligúria e a hematúria não fazem parte dos achados da síndrome nefrótica.
Incorreta a alternativa C. Além do valor da proteinúria ser > 50mg/kg/dia, o consumo de complemento e ASLO aumentado remetem-nos
a uma causa de síndrome nefrítica que estudamos há pouco, a GNPE!
Incorreta a alternativa D. Edema, hematúria e hipertensão definem a síndrome nefrítica, não nefrótica!

Do ponto de vista fisiopatológico, a síndrome nefrótica filtração de proteínas do glomérulo.


não traz consigo os achados de intensa inflamação glomerular Quanto a aspectos clínicos, a morbidade relacionada à
presentes na síndrome nefrítica, como proliferação celular dentro síndrome nefrótica vai além da presença de edema. Diversas
das alças capilares e presença de células visitantes inflamatórias. condições decorrentes principalmente de alterações na produção
As principais alterações que culminam em grandes proteinúrias ou excreção de proteínas trazem consequências clínicas que variam
são a nível de membrana basal glomerular e, principalmente, nos em espectro de gravidade. Vamos conhecê-las a seguir, pois são
podócitos, células fundamentais na manutenção da barreira de cobradas com frequência nas suas provas!

3 .1 MORBIDADES RELACIONADAS À SÍNDROME NEFRÓTICA

3.1.1 EDEMA
O edema no paciente nefrótico, além das repercussões estéticas, traz consigo redução de mobilidade (que potencializa o risco de
eventos tromboembólicos) e, em casos graves, soluções de continuidade na pele que são portas de entrada para microrganismos culminando
no surgimento de infecções, como celulites.
Costuma apresentar-se de maneira insidiosa (semanas, meses) e existem duas principais teorias sobre mecanismos que justificam o
surgimento e a perpetuação do edema nessa população, são elas:
• Teoria do “underfilling”
o Essa teoria baseia-se na hipoalbuminemia como cerne do edema. A redução dos níveis séricos de albumina leva à queda da
pressão oncótica do plasma e, por gradiente de concentração, o solvente (fluido) sai do intravascular para o compartimento
intersticial, levando à redução do volume plasmático efetivo (underfilling). A hipovolemia gerada estimula o sistema renina-
angiotensina-aldosterona (SRAA), resultando em aumento da reabsorção de sódio no túbulo distal e perpetuação do quadro
edematoso.
o O underfilling é o principal fenômeno que contribui para o edema nefrótico em crianças com doença por lesões mínimas.
o Quando há predomínio desse mecanismo, a pressão arterial encontra-se dentro dos níveis da normalidade, podendo até
ocorrer hipotensão arterial.

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• Teoria do overfilling
o Nesse cenário, a proteinúria é a grande responsável pelo início da cadeia que termina no edema. Proteinúrias levam a uma
ativação em um canal de sódio presente no néfron distal, denominado ENaC (epitelium sodium channel). Inicia-se uma
retenção de sódio, com consequente aumento da volemia e transudação para o compartimento intersticial. Nesse caso, há
uma inibição do SRAA.
o O overfilling é o principal mecanismo de formação de edema da síndrome nefrótica nos adultos.
o Os pacientes normalmente se apresentam com hipertensão arterial.
o A teoria do overfilling é a mais aceita atualmente sobre a gênese do edema na síndrome nefrótica.

Underfilling e pressão arterial normal ou baixa: típico de crianças com síndrome nefrótica.
Overfilling e pressão arterial elevada: típico de adultos com síndrome nefrótica.

Vamos conferir a seguir um esquema com os dois principais mecanismos de formação e perpetuação do edema na síndrome nefrótica:

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3.1.2 DISLIPIDEMIA
A dislipidemia é tão frequente na síndrome nefrótica que alguns autores já a consideram como parte dos critérios diagnósticos. Os
pacientes nefróticos (exceto os portadores de doença por lesões mínimas) têm um risco de doença coronariana cinco vezes maior em relação
à população geral, certamente, em parte, pelas alterações dos níveis séricos de colesterol.
Quanto aos mecanismos propostos, especula-se que os principais sejam:
• Aumento da síntese hepática de lipoproteínas: a hipoalbuminemia estimula o aumento da produção hepática de proteínas
de maneira geral, incluindo as lipoproteínas, em especial LDL, IDL e VLDL.
• Aumento da excreção urinária de HDL.
• Redução da atividade periférica da lipase lipoproteica.
O perfil lipídico exibido por pacientes nefróticos é denominado de dislipidemia mista e reconhecidamente tem elevado potencial
aterogênico: altos níveis de LDL e triglicérides associados a baixos níveis séricos de HDL.
Além da dislipidemia, existem alterações urinárias que refletem as mudanças no metabolismo dos lipídeos, sendo a principal a lapidária,
que consiste no achado em exame de urina de cilindros graxos ou gordurosos, que representam a ligação de lipídeos a proteínas do lúmen
tubular.

Quando uma questão de prova trouxer um exame de urina que tenha cilindros graxos ou gordurosos,
provavelmente será um quadro clínico de síndrome nefrótica!

3.1.3 INFECÇÕES
A síndrome nefrótica leva a um conjunto de alterações nos níveis séricos de substâncias importantes para o adequado funcionamento
da resposta imune, tanto inata quanto adaptativa. As principais são:
• perda urinária de imunoglobulinas, em especial imunoglobulina G (IgG);
• perda urinária de fatores do complemento, principalmente fator B, importante na opsonização de patógenos;
• eliminação de zinco e transferrina pela urina, importantes para a adequada função dos linfócitos.
Ademais, situações presentes em pacientes nefróticos são consideradas adjuvantes no surgimento das infecções, como: presença de
ascite e derrame pleural (meios de cultura), soluções de continuidade na pele e a diluição local de fatores humorais pelo edema.
O resultado dessas alterações é uma maior susceptibilidade às infecções bacterianas no geral, em especial por germes encapsulados.
Infecções cutâneas, sinusite, pneumonia e infecções do trato urinário são comuns.

Todos os pacientes portadores de síndrome nefrótica devem receber vacinação


antipneumocócica!

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3.1.3.1 PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA (PBE)

A PBE é definida pela infecção do líquido ascítico de forma crianças portadoras de síndrome nefrótica que evoluem com PBE
primária, ou seja, sem violação do peritônio. É uma das infecções têm como principal agente etiológico para a infecção o pneumococo
mais comuns em crianças com síndrome nefrótica e, antes do uso (Streptococcus pneumoniae) devido à predisposição a infecções
de corticoide para o tratamento da doença por lesões mínimas, por germes encapsulados. Em segundo lugar vêm as bactérias
encerrava uma alta taxa de mortalidade. Gram-negativas, assim como na PBE de outras populações.
Ao contrário do que ocorre nos pacientes cirróticos, as

Pacientes nefróticos = PBE por Streptococcus pneumoniae.


Pacientes cirróticos = PBE por Escherichia coli.

O quadro clínico envolve a presença de febre, queda do estado A suspeita clínica já autoriza o início do tratamento da
geral, dor abdominal e pode exibir sinais de irritação peritoneal. A complicação, sem a necessidade de esperar o resultado da análise.
análise do líquido ascítico tem como critério diagnóstico a presença A droga de escolha é uma cefalosporina de terceira geração
de ≥ 250 polimorfonucleares (neutrófilos) compondo mais de 50% (ceftriaxona) e não há necessidade de interromper o tratamento da
da celularidade da amostra. glomerulopatia enquanto a intercorrência é conduzida.

CAI NA PROVA

(HOSPITAL ESTADUAL DIRCEU ARCOVERDE – HEDA – 2020) Um menino com síndrome nefrótica por lesão
mínima pode apresentar várias complicações da doença, sendo a principal delas, infecções. Entre as infecções
está a peritonite bacteriana espontânea. Os principais agentes causais desta infecção são:

A) Pneumococos e Gram negativos.


B) Anaeróbios e E. coli.
C) Estafilococos e mycoplasma.
D) Mycoplasma e outros atípicos.
E) E. coli e microbactérias.

COMENTÁRIO:

Estrategista, você ficará assustado quando for responder questões sobre esse tema: o agente etiológico da PBE nos nefróticos é cobrado
com frequência!
Como vimos há pouco, devido à perda de fatores de opsonização e imunoglobulinas pela urina, os pacientes nefróticos têm sérios
problemas para combater bactérias encapsuladas. Isso faz com que a infecção pelo pneumococo se torne mais frequente nessa população.

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Em segundo lugar, vem o agente etiológico comum da PBE em quaisquer populações: a E. coli, seguida de outros Gram-negativos.

Correta a alternativa A.

3.1.4 HIPERCOAGULABILIDADE

O paciente nefrótico tem uma maior predisposição a eventos tromboembólicos que a população em geral, sejam eles eventos venosos
ou arteriais. A hipercoagulabilidade é multifatorial e tem dois componentes principais:
• Alterações qualitativas e quantitativas de fatores da hemostasia primária e secundária, tais como:
o aumento da síntese hepática de fibrinogênio e fator V (pró-coagulantes);
o perda urinária de antitrombina III (anticoagulante);
o aumento da agregação plaquetária;
o redução dos níveis séricos das proteínas C e S (anticoagulantes).
• Situações decorrentes do próprio quadro nefrótico:
o anasarca levando à redução da mobilidade;
o infecções;
o depleção do volume intravascular associada ou não ao uso de diuréticos, levando à hemoconcentração.
A perda urinária de antitrombina III, além de contribuir para hipercoagulabilidade, também provoca um estado de resistência à ação
da heparina. A albumina sérica é utilizada como marcador de risco, de modo que quanto menor o nível sérico da albumina, maior o risco
de eventos tromboembólicos.

3.1.4.1 TROMBOSE DE VEIA RENAL

A trombose de veia renal é um evento classicamente vir acompanhada de piora da função renal (principalmente quando
relacionado a pacientes portadores de síndrome nefrótica. Na é bilateral), sendo os principais diagnósticos diferenciais a cólica
maioria dos casos é unilateral e, estatisticamente, ocorre de maneira nefrética e a pielonefrite aguda.
mais frequente em portadores de glomerulopatia membranosa. O tratamento é feito com anticoagulação e, caso haja piora
O quadro clínico envolve a presença de dor lombar de função renal associada, trombólise ou trombectomia podem ser
importante, súbita, associada à hematúria macroscópica e pode indicadas.

A principal doença glomerular que se correlaciona a eventos tromboembólicos e especialmente com


episódios de trombose de veia renal é a glomerulopatia membranosa.

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CAI NA PROVA

(UNIEVANGÉLICA DE ANÁPOLIS - UEVA 2017) Um paciente matriculado no serviço de nefrologia com o


diagnóstico de síndrome nefrótica por glomerulonefrite membranosa dá entrada no pronto-socorro com
dor abdominal de início súbito, em flanco direito, hematúria e aumento de escórias nitrogenadas. A principal
hipótese diagnóstica é:

A) Cólica nefrética.
B) Síndrome hemolítico-urêmica.
C) Trombose de veia renal.
D) Púrpura trombocitopênica trombótica.

COMENTÁRIO:

Estrategista, memorize esse enunciado. É a descrição típica da trombose de veia renal. Nosso paciente tem uma condição que
predispõe a eventos tromboembólicos que é a síndrome nefrótica e, além disso, por glomerulopatia membranosa que, estatisticamente,
é a que mais se correlaciona com hipercoagulabilidade. As questões sobre o tema normalmente vêm assim: um caso clínico de síndrome
nefrótica com dor abdominal e hematúria.
Vamos às alternativas.
Incorreta a alternativa A. Aqui chega a ser um pouco complicado, pois dor em flanco, hematúria e piora da função renal pode muito bem
ser nefrolitíase. Mas é aí que você se apega ao contexto clínico como um todo. Ele não lhe deu a informação da síndrome nefrótica por
glomerulopatia membranosa por acaso!
Incorreta a alternativa B. A SHU é uma microangiopatia trombótica e cursa com outros achados, como anemia, plaquetopenia, presença
de esquizócitos em sangue periférico, incompatível com o caso.

Nossa principal hipótese aqui. Um dado importante: para piorar escórias nitrogenadas, normalmente a
Correta a alternativa C.
trombose de veia renal precisa ser bilateral.

Incorreta a alternativa D. A PTT, assim como a SHU, é uma microangiopatia trombótica que cursa com anemia, plaquetopenia, lesões
purpúricas na pele, alterações neurológicas, febre e disfunção renal.

3.1.5 METABOLISMO DO CÁLCIO E DA VITAMINA D

Na síndrome nefrótica há perda urinária da proteína ligante de cálcio iônico assim como da forma ativa da vitamina D estão
da vitamina D, o que causaria uma redução dos seus níveis séricos normais.
e consequente queda da absorção intestinal de cálcio, gerando um Dessa forma, as principais alterações no metabolismo ósseo
distúrbio do metabolismo ósseo. da síndrome nefrótica são, na verdade, atribuídas às medicações
Contudo, a principal causa de hipocalcemia nessa população utilizadas no seu tratamento (principalmente corticoides) e
é devido à hipoalbuminemia, uma vez que boa parte do cálcio total à evolução para doença renal crônica (com surgimento de
circula no sangue ligado à albumina. Normalmente, as dosagens hiperparatireoidismo secundário).

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3.1.6 PROTEINÚRIA

A proteinúria é um achado característico das doenças glomerulares. Além de compor um dos critérios diagnósticos na síndrome nefrótica,
é um marcador prognóstico em glomerulopatias no geral, uma vez que níveis maiores e sustentados de proteinúria estão correlacionados
com pior prognóstico renal a longo prazo. Valores elevados de proteinúria são tóxicos aos túbulos renais e, a longo prazo, causam atrofia,
fibrose e contribuem para a evolução da doença renal crônica.
A redução dos níveis de proteinúria é um dos principais objetivos nas medidas de nefroproteção e deve ocorrer paralelamente ao
tratamento da glomerulopatia de base, seja ela primária ou secundária.
O pilar do tratamento farmacológico baseia-se no bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Vamos entender o
racional fisiológico por trás dessa conduta:
• A angiotensina é um vasoconstritor que tem sua ação principalmente em arteríola eferente. Quando bloqueada
farmacologicamente por inibidores da enzima de conversão de angiotensina (iECA) ou bloqueadores dos receptores de
angiotensina (BRA), ocorre vasodilatação da arteríola eferente, causando uma queda transitória na pressão de filtração
glomerular e, consequentemente, na quantidade de proteínas que passa para o lúmen tubular.
O bloqueio do SRAA com iECA ou BRA reduz em até 40% os níveis de proteinúria e já é bem estabelecido para o manejo de algumas
situações relacionadas à doença renal crônica, como a nefropatia diabética. As medicações devem ser prescritas para pacientes com
glomerulopatias proteinúricas mesmo na ausência de hipertensão arterial, desde que sejam toleradas.

A prescrição de iECA ou BRA para pacientes portadores de síndrome nefrótica visando reduzir a proteinúria
é a principal medida farmacológica de nefroproteção!

Ainda sobre seu uso, devido à queda transitória na pressão de filtração glomerular, pode haver piora dos níveis de creatinina em até
30%, que é esperado e tolerado, uma vez que o efeito hemodinâmico glomerular benéfico das medicações prevalece no longo prazo. Antes
de prescrever o bloqueio do SRAA, o potássio sérico do paciente sempre deve ser checado, pelo risco de hipercalemia potencializado por
essas medicações.

O duplo bloqueio do SRAA, ou seja, uso concomitante de iECA e BRA, não tem sua prescrição respaldada na
literatura. De maneira oposta, seu uso é proscrito em pacientes de alto risco cardiovascular, em especial portadores
de diabetes mellitus.

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3. 2 DOENÇA POR LESÕES MÍNIMAS

Este tema é um dos mais cobrados em glomerulopatias nas provas de Residência Médica, principalmente
na área da pediatria!

3.2.1 INTRODUÇÃO

A doença por lesões mínimas (DLM) é a principal causa segmentar e focal.


de síndrome nefrótica em pacientes de 1 a 10 anos de idade, É uma doença do grupo das podocitopatias, isto é, sua
respondendo por até 85% dos casos. O pico de incidência ocorre grande característica é a marcada lesão podocitária, que reflete no
entre os 2 e 3 anos de idade. Nos adultos, é a terceira mais frequente surgimento de proteinúria em níveis nefróticos. Sua denominação
glomerulopatia primária que cursa com síndrome nefrótica e fica vem do fato de, na microscopia óptica, os glomérulos
atrás da glomerulopatia membranosa e da glomeruloesclerose apresentarem-se inalterados ou com mínimas alterações.

3.2.2 PATOGÊNESE

A DLM é uma doença que acomete os podócitos, células responsável pela lesão nos processos podocitários, promovendo
fundamentais na manutenção da arquitetura da barreira de seu apagamento ou fusão e culminando em dano glomerular. O
filtração do glomérulo. A teoria mais aceita atualmente é que uma fator circulante, além do dano podocitário, teria a capacidade de
desregulação das células T seja o ponto-chave no surgimento da neutralizar a carga aniônica natural da membrana basal glomerular,
doença. levando à perda maciça de albumina na urina.
Essa desregulação levaria à produção de um fator circulante

A perda da carga negativa da membrana basal glomerular causa uma perda preferencial de proteínas de
carga negativa, majoritariamente albumina, situação denominada de proteinúria seletiva.

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3.2.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS

A DLM é uma doença que cursa habitualmente com


síndrome nefrótica pura e seu quadro clínico envolve a presença de
edema generalizado de instalação insidiosa, presença de derrames
cavitários (ascite e derrame pleural principalmente) e deve chamar
atenção um dado frequentemente fornecido em questões de prova:
queixa de urina espumosa (que remete à presença de proteinúria
maciça).
Nas crianças, a pressão arterial é caracteristicamente
normal ou baixa e é um dado importantíssimo no exame físico
para a adequada diferenciação do outro polo de lesão glomerular:
a síndrome nefrítica, que cursa com hipertensão. Achados
laboratoriais como hipoalbuminemia, proteinúria nefrótica,
dislipidemia e lipidúria apontam para uma síndrome nefrótica e
corroboram a hipótese diagnóstica. A função renal dos pacientes
na apresentação clínica é, geralmente, normal.
Ainda na população pediátrica, a doença pode manifestar-
se com sinais de gravidade, principalmente hipotensão, ascite
importante com restrição da mecânica ventilatória levando
a dispneia e edema escrotal, alterações resultantes da queda
acentuada da pressão oncótica do plasma. Figura 21. Principais achados clínico-laboratoriais da doença por lesões mínimas.

3.2.4 DIAGNÓSTICO

Quando ocorre na infância, em especial entre 1 e 10 anos de idade e sem sinais de doenças sistêmicas
ou componentes nefríticos, a síndrome nefrótica pode receber um diagnóstico presuntivo de DLM, sem que
haja a necessidade de biópsia renal.

Em adultos com síndrome nefrótica (situação em que a biópsia é necessária) ou em crianças nas quais a biópsia é realizada, a microscopia
óptica é caracteristicamente normal ou exibe mínimas alterações inespecíficas. A microscopia eletrônica exibe uma fusão ou apagamento
dos processos podocitários, que justifica o quadro laboratorial de proteinúria.

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Sempre que no enunciado da questão uma biópsia renal exibir uma microscopia óptica normal associada a
uma microscopia eletrônica demonstrando apagamento dos processos podocitários, você estará diante de uma
DLM!

3.2.5 BIÓPSIA RENAL

Em adultos, a DLM só pode ser diagnosticada através da Nas crianças, o diagnóstico pode ser realizado de maneira
biópsia renal, tipicamente realizada em pacientes com síndrome presuntiva quando o quadro clínico é bastante sugestivo: síndrome
nefrótica (exceto em pacientes diabéticos com tempo prolongado nefrótica pura de início insidioso. Caso o comportamento clínico-
de doença descontrolada, marcada doença macrovascular, laboratorial seja distinto da apresentação habitual, a biópsia renal
retinopatia acentuada; situações que aumentam a chance de deve ser indicada para avaliar a presença de outra glomerulopatia.
nefropatia diabética e que reduzem os benefícios da biópsia renal). Vamos conferir uma tabela com as principais indicações a seguir:

Critérios para indicar biópsia renal em uma síndrome nefrótica na infância

Idade < 1 ano e > 10 anos

Presença de hematúria macroscópica ou persistente

Consumo das frações do complemento

Piora importante da função renal

Hipertensão não relacionada ao uso do corticoide

Ausência de resposta à corticoterapia

Sinais de doença sistêmica (como artralgia, rash malar, fotossensibilidade – manifestações do lúpus – por exemplo)
Tabela 14. Indicações de biópsia renal na síndrome nefrótica da infância.

As indicações de biópsia renal na síndrome nefrótica da infância é um dos tópicos mais cobrados nas
questões de prova que envolvem glomerulopatias.

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3.2.6 TRATAMENTO

Uma característica clínica marcante da DLM é a excelente caracteriza a corticorresistência e indica a realização de biópsia
resposta ao tratamento com corticoides (a remissão é atingida renal.
em cerca de 90% das crianças e 80% dos adultos), o que faz a Na população adulta, a dose preconizada de prednisona/
prednisona ou prednisolona em monoterapia serem consideradas prednisolona é de 1mg/kg/dia por 4 a 16 semanas, com desmame
a base do tratamento. gradual até as 24 semanas.
Nas crianças, a dose preconizada é de 2mg/kg/dia ou 60mg/ Outras opções terapêuticas para casos de corticodependência,
m2/dia diariamente por 4 a 6 semanas, quando um esquema de corticorresistência ou contraindicação inicial ao uso de corticoides
prescrição em dias alternados é adotado. A medicação deve ser são a ciclofosfamida via oral, inibidores de calcineurina (ciclosporina,
desmamada, com um tempo de tratamento com corticoides tacrolimus) micofenolato de sódio e rituximab.
estimado em torno de 24 semanas. A ausência de qualquer Vamos ver como o tema é cobrado nas provas?
remissão (ao menos parcial) com a corticoterapia em 4 a 6 semanas

CAI NA PROVA

(HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PRESIDENTE DUTRA – UFMA – MA – 2018) Paciente com 5 anos de idade foi levado
à emergência pediátrica pela mãe, que relatou que o filho estava acordando com os olhos inchados e que,
há dois dias, esse inchaço havia piorado. A mãe informou, ainda, que o menino parecia estar com o abdome
aumentado, além de se mostrar irritadiço, sem apetite e com a urina espumosa. No exame físico, o pediatra
constatou edema na face, nos MMII e no abdome, ascite e pressão arterial normal. Foram solicitados exames,
que apresentaram os seguintes resultados: EAS (proteinúria 4+); albumina sérica (2,4 g/dL); creatinina sérica
(0,6 mg/dL). Foram realizados, ainda, exames de colesterol total e frações e dosagem de complemento C3 e C4,
cujos resultados estavam sendo aguardados. Com relação ao caso clínico apresentado, assinale a alternativa
INCORRETA:

A) Em pacientes como o do caso clínico em questão, espera-se que o nível sérico de colesterol esteja
aumentado em relação inversa com a albumina.
B) Considerando-se a faixa etária do paciente em questão, é correto afirmar que a forma histológica mais
provável da possível doença que acometeu no paciente é a lesão mínima.
C) O médico deverá indicar tratamento com corticoterapia e mantê-la por 6 semanas.
D) Podem ocorrer fenômenos tromboembólicos com a complicação do provável diagnóstico em questão.
E) O encontro de complemento C3 e C4 baixos confirmará o diagnóstico da doença.

COMENTÁRIO:

O enunciado trouxe uma criança com síndrome nefrótica, correto? Inchando devagar, com ascite, proteinúria maciça e hipoalbuminemia.
Quero que você pegue esse conceito: síndrome nefrótica na infância, até que se prove o contrário, é doença por lesões mínimas! E o que
esperamos na DLM? Vamos ver com as alternativas:

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Correta a alternativa A. A hipoalbuminemia estimula a produção hepática de proteínas, dentre elas lipoproteínas. Apesar de não ser
critério definidor, a presença de dislipidemia corrobora o diagnóstico de síndrome nefrótica!
Correta a alternativa B. Entre 1 e 10 anos de idade, a DLM corresponde a até 85% dos casos de síndrome nefrótica.
Correta a alternativa C. O tratamento é feito com corticoide oral e a resposta é rápida. Caso em 6 a 8 semanas não haja resposta, não deve
ser lesão mínima.
Correta a alternativa D. A síndrome nefrótica, como vimos, cursa com hipercoagulabilidade tanto pela perda de anticoagulantes
(antitrombina 3) como pelo aumento da síntese de pró-coagulantes (como fibrinogênio e fator V).

O consumo de complemento não é esperado na síndrome nefrótica da infância e, se ocorrer, a biópsia


Incorreta a alternativa E.
renal deve ser indicada para esclarecer o diagnóstico etiológico.

3. 3 GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL

3.3.1 INTRODUÇÃO

A glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF) é um padrão Quanto à patogênese, a GESF é uma podocitopatia. Especula-
histológico de lesão glomerular que pode ser causado por diversas se que haja um fator circulante que cause a lesão no podócito, uma
condições. Quando não há causa identificada, é denominada de vez que há alta taxa de recidiva após o transplante renal.
GESF primária. É considerada uma glomerulopatia de prognóstico renal
A GESF primária é a principal causa de síndrome nefrótica em ruim, uma vez que os pacientes que não respondem ao tratamento
adultos jovens, com predominância em indivíduos de raça negra. evoluem para doença renal crônica com necessidade de diálise em
A principal causa mundial de doença renal em estágio terminal, o média após 10 anos do diagnóstico.
diabetes mellitus, também se manifesta no rim como GESF.

3.3.2 PATOLOGIA E VARIANTES HISTOLÓGICAS

A análise histológica da GESF é marcada por um achado: a esclerose glomerular. A esclerose nada mais é que a deposição de matriz
extracelular e reflete a injúria grave ou morte do podócito.
Na GESF, a esclerose ocorre em menos de 50% do glomérulo (segmentar) e, tipicamente, em menos de 50% de todos os glomérulos
amostrados (focal). A depender da localização da esclerose, algumas variantes histológicas são descritas, sendo as principais:

Professor, preciso realmente saber os subtipos histológicos da GESF para a minha prova?
Se puder, grave ao menos a variante colapsante, que é a mais cobrada. Mas, infelizmente,
variante histológica de GESF já foi tema de questão de prova para acesso direto.

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• Tip lesion: variante de melhor prognóstico. A esclerose


encontra-se próxima ao polo urinário (isto é, onde ficam
os túbulos renais) do glomérulo.
• Colapsante: há intensa proliferação de células epiteliais
com colapso da estrutura glomerular. É a variante de
pior prognóstico, com rápida perda de função renal.
• Peri-hilar: a esclerose localiza-se próxima ao polo
vascular do glomérulo, onde ficam as arteríolas.
• Celular: além da esclerose, há aumento da celularidade
no glomérulo.
• NOS (not otherwise specified): padrão mais comum de
GESF, que não se encaixa nos outros padrões descritos
(figura 22).
Na imunofluorescência, pode haver depósito de IgM nas
áreas de expansão da matriz extracelular.
Na microscopia eletrônica, um achado da GESF é comum a
outras doenças glomerulares que alteram a estrutura dos podócitos:
a fusão ou apagamento dos processos podocitários.
Figura 22. GESF na microscopia óptica, subtipo NOS.

Preste muita atenção: a doença de lesões mínimas (DLM) também é uma podocitopatia
e apresenta fusão ou apagamento dos processos podocitários na microscopia eletrônica.
A grande diferença histológica das duas condições está na microscopia óptica, pois a GESF
apresenta alterações importantes e a DLM não!

3.3.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A apresentação clínica clássica é de uma síndrome nefrótica,


habitualmente com semanas de evolução, que vem acompanhada
de hipertensão arterial em metade dos casos e pode ter piora de
função renal ao diagnóstico. A hematúria glomerular é um achado
comum na GESF e ocorre em 30% a 50% dos pacientes.
Em pacientes negros, a apresentação costuma ser mais
agressiva, com mais hipertensão, proteinúria mais elevada e pior
função renal.

Figura 23. Manifestações clínicas da GESF.

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Indivíduos afrodescendentes têm maior chance de desenvolver doença renal crônica que os caucasianos.
Uma das explicações para esse fato é a presença de variantes gênicas da apolipoproteina-1 (APOL-1), uma proteína
que historicamente deu a essa população uma maior proteção contra formas de tripanossomíase.
Em relação às manifestações renais, variações da APOL-1 estão relacionadas a quadros mais agressivos de
GESF, nefrite lúpica, nefroesclerose hipertensiva e nefropatia associada ao HIV na população negra.

Os pacientes portadores de HIV, que desenvolvem a variante colapsante, principalmente com altos níveis de carga viral e baixa contagem
de CD4 costumam ter um pior prognóstico e, caso o vírus não seja tratado, existe alta chance de evolução para doença renal crônica em
estágio terminal.

3.3.4 CAUSAS SECUNDÁRIAS

A GESF tem algumas causas secundárias, que são divididas em 4 grandes grupos:
• Genética
o Manifesta-se principalmente em crianças e deve ser pensada, especialmente, quando ocorre no primeiro ano de vida,
sendo a principal causa de síndrome nefrótica nessa faixa etária;
o Mutações nos genes que codificam proteínas fundamentais na estrutura da fenda de filtração glomerular, como a nefrina
e podocina, são as principais alterações encontradas.
• Infecções
o As principais são:
ƒ HIV (mais frequente nas questões de prova);
ƒ parvovírus – B19;
ƒ citomegalovírus.
• Drogas
o Tanto drogas ilícitas quanto fármacos, sendo os principais:
ƒ heroína;
ƒ anabolizantes;
ƒ pamidronato;
ƒ lítio.
• Situações mal adaptativas
o Nesse caso, os néfrons trabalham em uma capacidade superior ao habitual, o que a longo prazo gera a lesão podocitária
e a esclerose. São duas situações mais frequentes:
ƒ Redução da massa renal;
• Rim único;
• Displasia renal;
• Nefropatia do refluxo.
ƒ Aumento da sobrecarga renal;
• Obesidade;
• Hipertensão;
• Anemia falciforme.

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Preparamos uma tabela com as principais causas secundárias de GESF e marcamos em negrito as mais frequentes nas provas de
Residência, não deixe de conferir:

Causas secundárias de GESF


Genéticas Infecções virais Situações mal adaptativas Drogas
Redução da massa renal: rim único, prematuridade,
Heroína
Mutações nos genes - HIV displasia renal e nefropatia de refluxo
Pamidronato
da nefrina, podocina, - Parvovírus B19 Aumento da sobrecarga renal: obesidade,
Lítio
alfa-actinina 4 - Citomegalovírus hipertensão, ateroembolismo, aumento de massa
Anabolizantes
magra e anemia falciforme
Tabela 15. Principais causas secundárias de GESF.

3.3.5 TRATAMENTO

Medidas comuns a outras glomerulopatias devem ser 16 semanas. Os pacientes que não atingem remissão, considerado
realizadas, como diuréticos para manejo de hipervolemia e corticorresistentes, têm pior prognóstico renal.
bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona com iECA ou Quando há contraindicação ao uso dos corticoides ou na
BRA para tentar reduzir a proteinúria. Os níveis pressóricos devem corticorresistência, outras alternativas de tratamento são os
ser controlados e não há indicação de restringir proteínas na dieta. inibidores de calcineurina (ciclosporina, tacrolimo), ciclofosfamida
O tratamento específico das formas primárias é feito com via oral e o micofenolato de sódio.
corticoterapia em dose imunossupressora, ou seja, 1mg/kg/dia Convém ressaltar que não está indicado o tratamento
de prednisona até que haja remissão, por um período máximo de imunossupressor para as formas secundárias da doença.

CAI NA PROVA

(HOSPITAL DAS CLÍNICAS DE GOIÁS - HCG 2011) Paciente do sexo masculino, de 20 anos de idade, 70 kg de
peso, iniciou há 1 mês edema de face e membros inferiores que se estendeu ao corpo inteiro. EAS mostrou
proteinúria = 300 mg/dl, hematúria, cilindros hialinos "maior que" 1000/ml. C3, C4, FAN, HBsAg, anti-HCV, anti-
HIV negativos. Creatinina 0,7 mg/dl. Proteinúria de 24h = 4 g. Qual a principal hipótese diagnóstica nesse caso?

A) Glomerulopatia membranosa.
B) Nefrose lipoídica.
C) Glomerulonefrite membranoproliferativa.
D) Glomeruloesclerose segmentar e focal.

COMENTÁRIO:

Estrategista, você concorda que estamos diante de um caso de síndrome nefrótica em um adulto jovem? Temos edema de instalação
progressiva e insidiosa, além disso, proteinúria em níveis nefróticos, bem sugestivos da síndrome. O próprio autor já fez uma investigação de
causas secundárias com complemento, sorologias e FAN, mas veio toda negativa. E agora, qual nossa principal hipótese diagnóstica?

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Síndrome nefrótica em adulto jovem com rastreio negativo para causas secundárias deve acender o alerta para a possibilidade de
uma GESF primária!
Vamos às alternativas:
Incorreta a alternativa A. A glomerulopatia membranosa deve ser encarada como principal hipótese quando a faixa etária for maior, em
especial acima dos 50 anos.
Incorreta a alternativa B. Nefrose lipoídica é outro nome dado à doença por lesões mínimas que, como sabemos, é a principal causa de
síndrome nefrótica em crianças, não em adultos jovens.
Incorreta a alternativa C. A glomerulonefrite membranoproliferativa é rara e vem normalmente associada a causas secundárias.

Correta a alternativa D. GESF primária é a nossa principal hipótese.

3. 4 GLOMERULOPATIA MEMBRANOSA

3.4.1 INTRODUÇÃO

A glomerulopatia membranosa (GM) é uma das principais


causas de síndrome nefrótica em adultos, seja na forma primária
ou secundária, sendo mais frequente em pacientes caucasianos
acima dos 40 anos de idade, em especial do gênero masculino.
Pense em GM como possibilidade sempre que se deparar com um
idoso portador de síndrome nefrótica!

A forma primária da doença ficou por muito tempo sem uma


patogênese definida, até que recentemente foram descobertos
alguns autoanticorpos contra antígenos dos podócitos, o que fez a
condição ser reconhecida como uma doença autoimune.

Figura 24. Manifestações clínicas da glomerulopatia membranosa.

3.4.2 PATOGÊNESE

A glomerulopatia membranosa primária é considerada A presença do anticorpo ocorre em cerca de 70% dos
hoje pela maioria das referências em glomerulopatias como uma pacientes com GM primária é principalmente uma classe de
doença autoimune. A descoberta nas últimas décadas de um IgG (IgG-4) e tem uma elevada especificidade para a condição.
receptor alvo presente nas células podocitárias, o receptor de Além dos níveis séricos, uma amostra de biópsia renal pode, via
fosfolipase A2 (PLA2r) e, mais ainda, de um autoanticorpo contra imunofluorescência, ser submetida à coloração com anticorpos
esse receptor (antiPLA2r) foi o substrato patogênico da associação anti-PLA2r para aumentar a acurácia diagnóstica.
com autoimunidade.

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3.4.3 CAUSAS SECUNDÁRIAS

A GM é uma importante causa secundária de síndrome nefrótica e é relacionada principalmente a infecções, malignidades, algumas
drogas e doenças autoimunes. Vamos conferir na tabela a seguir as principais:

Glomerulopatia membranosa: causas secundárias

Neoplasias Infecções Drogas Autoimunes

Câncer de próstata
Sais de ouro Lúpus eritematoso
Carcinoma broncogênico Sífilis
Penicilamina sistêmico - nefrite lúpica
Câncer de mama Hepatite B
Anti-inflamatórios não hormonais classe V
Leucemia linfocítica crônica

3.4.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICO-LABORATORIAIS

A glomerulopatia membranosa manifesta-se com proteinúria Há um grande espectro de apresentações clínico-laboratoriais


em níveis nefróticos, com ou sem síndrome nefrótica (edema, e os pacientes são classificados de acordo com o risco de evoluir
hipoalbuminemia, dislipidemia) associada. Pode ser a apresentação para doença renal crônica. Os que se manifestam com proteinúria
inicial de suas causas secundárias, principalmente quando se trata acima de 8g e síndrome nefrótica têm piores desfechos.
de neoplasias sólidas.

3.4.5 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico definitivo da glomerulopatia membranosa é


realizado através da biópsia renal, que revela um espessamento
da membrana basal glomerular com presença de projeções da
membrana denominadas de espículas na microscopia óptica
(figura 25). A imunofluorescência revela um depósito granular
fino de IgG e C3 na porção externa das alças capilares (figura 26).
Na microscopia eletrônica, o principal achado é a presença de
depósitos eletrodensos na região subepitelial.

Apesar da biópsia renal ser o padrão-ouro, as principais


referências em glomerulopatias sinalizam a possibilidade de um
diagnóstico não invasivo, baseado em um quadro clínico sugestivo
e elevados títulos de antiPLA2r. Além de diagnóstico, o antiPLA2r
pode ser utilizado como monitorização de resposta ao tratamento
(quedas nos seus títulos podem preceder uma remissão) e
probabilidade de recidivas (aumento dos seus títulos pode preceder
uma recidiva).
Figura 25. Glomerulopatia membranosa – microscopia óptica.

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A presença de síndrome
nefrótica em um paciente adulto com
elevados níveis de anticorpo antiPLA2r
sugere a presença de glomerulopatia
membranosa primária!

Figura 26. Glomerulopatia membranosa – imunofluorescência. Fonte: acervo


pessoal.

CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUI – UESPI – PI – 2020) Paciente de 60 anos foi admitido com quadro de
anasarca. Seus exames evidenciaram Cr 1,5 mg/dL (normal até 1,2), EAS com proteinúria 4+/4, sem hematúria.
Dosagem de antiPLA2R positivo. Baseado neste caso, qual glomerulopatia apresenta esse paciente?

A) Nefropatia da IgA
B) Glomerulonefrite rapidamente progressiva
C) Glomerulopatia Membranosa
D) Doença de lesões mínimas
E) Glomeruloesclerose focal e segmentar

COMENTÁRIO:

Coloquei essa questão para deixarmos esse conceito medular! Absorva apenas isso: síndrome nefrótica (EAS com proteinúria 4+,
edema) associada ao anticorpo antiPLA2R é igual a glomerulopatia membranosa primária!

Quero te lembrar que esse conceito é recente e está começando a ser cobrado nas questões de prova! Nós do time de nefrologia
apostamos muito em questões sobre esse tema!

Correta a alternativa C.

3.4.6 TRATAMENTO

Todos os pacientes com diagnóstico de GM devem receber orientações gerais sobre nefroproteção, como dieta hipossódica, controle
de pressão arterial, cessação do tabagismo, incentivo à alimentação e estilo de vida saudáveis e bloqueio farmacológico do SRAA com iECA
ou BRA.

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Existe uma chance de remissão espontânea da GM primária e, baseado principalmente nos níveis de proteinúria e no quadro clínico do
paciente (presença de síndrome nefrótica), há uma divisão do risco de progressão para doença renal crônica, de modo que:
• pacientes de alto ou muito alto risco (presença de síndrome nefrótica, proteinúria > 8g/dia, piora de função renal) devem
receber preferencialmente tratamento com corticoide e ciclofosfamida oral;
• pacientes de risco moderado ou baixo podem receber rituximab, inibidores de calcineurina ou conduta expectante.
Quanto aos pacientes que apresentam as formas secundárias da GM, o tratamento passa pelo controle da doença de base ou cessação
da exposição à medicação eventualmente implicada como causa.

CAI NA PROVA

(INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA AO SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – IAMSPE – SP – 2017) Paciente


masculino, 70 anos, procura atendimento por edema de membros inferiores há 2 meses. Nega doenças prévias.
É tabagista há 40 anos, 2 maços por dias, e é etilista. Ao exame físico, chama atenção discreta cianose labial e de
extremidades, baqueteamento digital, edema de membros inferiores com cacifo e pressão arterial de 130 x 80
mmHg. Traz os seguintes exames: urina I com proteinúria, zero hemácias e leucócitos; proteinúria de 24 horas
com 5 g/dia, albumina sérica de 2 g/dL, creatinina sérica de 0,9 mg/dL e hemoglobina sérica de 16 g/dL. Face
ao exposto, o diagnóstico para o paciente é:

A) Síndrome nefrótica por lesões mínimas, devendo ser investigada neoplasia maligna em órgãos sólidos.
B) Síndrome nefrótica por nefropatia da IgA, devendo ser investigada doença hepática.
C) Síndrome nefrótica por amiloidose, devendo ser investigado linfoma.
D) Síndrome nefrótica por glomerulopatia membranosa, devendo ser investigadas neoplasias hematológicas.
E) Síndrome nefrótica por glomerulopatia membranosa, devendo ser investigada neoplasia maligna em
órgãos sólidos.

COMENTÁRIO:

Essa questão é bastante interessante. Veja que temos um paciente idoso, tabagista importante com estigmas de hipoxemia crônica
(cianose, baqueteamento digital, aumento da hemoglobina) que evolui com uma síndrome nefrótica. Qual seria nossa principal hipótese?
Em um idoso com síndrome nefrótica, a glomerulopatia membranosa deve estar entre as principais hipóteses diagnósticas! Ainda mais
se recordarmos uma das suas principais causas secundária: câncer de pulmão! Temos substrato para pensar isso, dado que nosso paciente é
um tabagista importante!
Vamos às alternativas:
Incorreta a alternativa A. A DLM deve ser nossa primeira hipótese quando estivermos diante de uma síndrome nefrótica na infância.
Incorreta a alternativa B. A NIgA raramente cursa com síndrome nefrótica.
Incorreta a alternativa C. A amiloidose, como veremos adiante, é uma doença sistêmica infiltrativa que se apresenta com outros sintomas,
como disautonomias, insuficiência cardíaca, equimose periorbitária, macroglossia etc. Quadro incompatível com o do nosso paciente.
Incorreta a alternativa D. Apesar de suspeitarmos de membranosa, a principal doença de base a ser investigada nesse caso é uma neoplasia
sólida de pulmão, por todo o contexto clínico do paciente que já expusemos.

Idoso, com suspeita de neoplasia sólida e síndrome nefrótica deve acender o alerta para a possibilidade
Correta a alternativa E.
de glomerulopatia membranosa!

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3 .5 AMILOIDOSE RENAL

Amiloidose é um termo utilizado para descrever uma série Apesar de ter outros mecanismos de lesão renal, o
de doenças sistêmicas nas quais há deposição tecidual de fibrilas acometimento glomerular é típico da amiloidose, sendo a principal
amorfas. Sua nomenclatura depende do subtipo de proteína que apresentação clínico-laboratorial a síndrome nefrótica. Nesses
gerou essas fibrilas, sendo as principais: amiloidose AL (“L” de Light pacientes a dislipidemia é menos comum que em outros nefróticos.
chain), derivada das cadeias leves de imunoglobulina e amiloidose Uma parcela dos pacientes evolui para doença renal crônica que, por
AA (“A” de proteína amiloide), comumente secundária a doenças tratar-se de doença infiltrativa, exibe rins de tamanho aumentado
inflamatórias crônicas. na ultrassonografia.
A amiloidose AL ou amiloidose primária é o principal Em um paciente com suspeita de amiloidose com
subtipo de amiloidose e frequentemente está relacionada com acometimento glomerular, a biópsia renal deve ser realizada.
outras gamopatias monoclonais, como o mieloma múltiplo ou a Na análise da microscopia óptica, são encontrados depósitos de
gamopatia monoclonal de significado indeterminado. Do ponto de material acelular que, ao serem submetidos ao reagente vermelho-
vista epidemiológico, sua incidência aumenta consideravelmente a congo, exibem uma birrefringência em cor de maçã-verde,
partir da sexta década de vida. patognomônica da doença.

Sempre que uma questão trouxer um paciente idoso com síndrome nefrótica e outros sinais de doença
sistêmica como disautonomia, insuficiência cardíaca ou equimose periorbitária, por exemplo, a amiloidose
deve fazer parte da suspeita clínica!
Amostra de tecido corada pelo vermelho-congo = amiloidose!

Uma vez diagnosticada, o tratamento específico é decidido pelo profissional hematologista e pode variar entre o uso de melfalan,
corticoides, lenalidomida, bortezomibe e transplante de medula óssea. O manejo do acometimento renal envolve medidas de suporte, como
o uso de medicações antiproteinúricas (iECA ou BRA), diuréticos em caso de hipervolemia e outras estratégias de nefroproteção.

CAI NA PROVA

(SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO – SP – 2017) Um homem de 70 anos apresenta
proteinúria intensa (6,0 g/24h), associada à miocardiopatia, hipotensão postural e equimose periorbitária.
A biópsia renal revela expansão da matriz mesangial e depósitos extracelulares. Esses achados sugerem o
diagnóstico de:

A) Nefropatia diabética.
B) Amiloidose.
C) Neoplasia.
D) Síndrome de Alport.
E) Nefropatia por IgA.

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COMENTÁRIO:

É assim que a amiloidose renal é cobrada nas provas de Residência: proteinúria (ou síndrome) nefrótica com insuficiência cardíaca,
disautonomia, equimose periorbitária, macroglossia e outros sintomas característicos dessa doença sistêmica infiltrativa.
Os depósitos de substância amorfa acontecem no glomérulo e, quando corados pelo vermelho-congo, exibem birrefringência verde,
típico da doença.

Correta a alternativa B.

Em relação às outras alternativas:


Incorreta a alternativa A. Não nos foi dado antecedente de DM para pensarmos em nefropatia diabética.
Incorreta a alternativa C. Não há sintoma guia que topografe nenhuma neoplasia no caso descrito (como dispneia, dispepsia, constipação,
adenomegalia).
Incorreta a alternativa D. Alport é uma doença hereditária ligada ao X que cursa com hematúria, proteinúria, alterações auditivas e visuais.
Usualmente é diagnosticada com uma faixa etária bem menor.
Incorreta a alternativa E. A nefropatia por IgA normalmente manifesta-se como hematúria macroscópica recorrente ou hematúria
microscópica persistente em adultos jovens.

3 .6 NEFROPATIA ASSOCIADA AO HIV

A infecção pelo HIV correlaciona-se com lesão renal por chegando em até 90% dos casos de algumas coortes.
diversas causas e mecanismos diferentes, desde efeito direto do O diagnóstico definitivo é feito através da realização da
vírus, passando pelas doenças oportunistas até efeitos colaterais biópsia renal, que apresenta na microscopia óptica um padrão
do tratamento. Contudo, quanto a expressão “nefropatia associada de glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), com colapso
ao HIV” surgir no seu enunciado, o autor abordará o acometimento das estruturas glomerulares devido a uma intensa proliferação de
glomerular causado pelo vírus. podócitos, uma variante histológica denominada GESF colapsante.
A nefropatia associada ao HIV (NAHIV) é o resultado da Quanto ao tratamento, a TARV é a medida preconizada,
ação direta do vírus nos podócitos, levando a uma glomerulopatia associada a outras intervenções nefroprotetoras, como o bloqueio
caracterizada pela presença de síndrome nefrótica. A condição do sistema renina-angiotensina-aldosterona por uso de iECA ou
era bem mais comum antes do desenvolvimento da terapia BRA visando a redução da proteinúria. Quando a doença se mostrar
antirretroviral combinada (TARV), época em que os pacientes resistente ao tratamento padrão, um curso de corticoterapia deve
tinham maior carga viral, menores níveis de CD4 e mais doenças ser tentado.
oportunistas. Indivíduos da raça negra são mais acometidos,

A infecção pelo HIV é a principal causa de GESF colapsante! Essa associação é bastante cobrada nas provas
de Residência Médica!

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NEFROLOGIA Doenças glomerulares Estratégia
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CAI NA PROVA

(HOSPITAL SÃO JULIÃO – HSJ 2017) Pacientes portadores de HIV podem evoluir com acometimento renal e
sua principal manifestação nefrológica é denominada nefropatia associada ao HIV. Essa nefropatia consiste
histopatologicamente em uma:

A) Glomerulopatia membranoproliferativa.
B) Glomerulopatia membranosa.
C) Glomeruloesclerose focal e segmentar.
D) Glomeruloesclerose mesangial.

COMENTÁRIO:

A nefropatia relacionada ao HIV, como acabamos de ler, é resultado da ação direta do vírus nos podócitos. Clinicamente, manifesta-
se como uma síndrome nefrótica e é mais prevalente e agressiva em pacientes negros. Com a difusão da TARV e do acesso ao tratamento, a
NAHIV vem reduzindo sua prevalência.
Histologicamente, manifesta-se como uma GESF, subtipo colapsante!
Quanto às outras alternativas:
Incorretas as alternativas A, B e D. Todas as glomerulopatias listadas podem ter relação com a infecção pelo HIV. Contudo, a denominação
de nefropatia associada ao HIV (NAHIV) é da GESF colapsante.

Correta a alternativa C.

CAPÍTULO

4.0 GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA


A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é instalação aguda e, se não reconhecida e tratada rapidamente,
uma das cinco síndromes glomerulares, definida pela presença evolui invariavelmente para algum grau de disfunção renal até a
de hematúria glomerular e piora rápida (em dias a semanas) da doença renal em estágio terminal, com necessidade de diálise.
função renal. Graus variáveis de proteinúria podem estar presentes, Portanto, no menor grau de suspeição de uma GNRP, a
normalmente em níveis subnefróticos. realização de uma biópsia renal é fundamental para o diagnóstico,
A condição é uma emergência médica, tipicamente de definir conduta farmacológica e analisar aspectos prognósticos.

Hematúria glomerular

Piora rápida da função renal

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4 .1 ASPECTOS HISTOPATOLÓGICOS

A inflamação aguda e intensa do glomérulo, independentemente do mecanismo proposto, pode levar à rotura das alças dos capilares
glomerulares e exposição do seu conteúdo no espaço urinário. Isso leva a um recrutamento de células na tentativa de conter o processo,
que se depositam em formato de lua crescente no espaço de Bowman. Como já vimos no começo do livro, essa estrutura é denominada de
crescente e é a representação histológica de uma GNRP. Vamos relembrar no esquema a seguir como acontece sua formação:

A maioria dos autores define a GNRP quando há crescentes em mais de 50% dos glomérulos analisados em uma amostra de biópsia
renal. É importante ressaltar que quanto maior o número de crescentes, mais grave é a lesão, o que determina um pior prognóstico renal.

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A característica histológica do crescente pode determinar a natureza temporal da lesão. Crescentes


predominantemente celulares indicam um insulto recente, de poucos dias de evolução. A presença de crescentes
fibrosos, entretanto, correlaciona-se com uma lesão crônica, provavelmente de semanas em evolução.
Esse dado tem valor terapêutico: a presença de fibrose reduz a chance de resposta ao tratamento!

4. 2 FISIOPATOLOGIA E CORRELAÇÃO DIAGNÓSTICA

A formação dos crescentes e, portanto, o desenvolvimento de uma GNRP tem três mecanismos principais, e são eles:
• Formação de imunocomplexos in situ – ocorre quando um determinado anticorpo se deposita em um antígeno glomerular.
• Deposição de imunocomplexos circulantes – doenças sistêmicas de natureza imune podem gerar imunocomplexos, que se
depositam em diferentes localizações no glomérulo, gerando a inflamação.
• Necrose dos capilares glomerulares, com poucos ou nenhum depósito imune presente – relacionada a doenças inflamatórias
dos vasos: as vasculites sistêmicas.

Mas professor, se todas as GNRP cursam com a formação de crescentes na análise da


microscopia óptica, como a biópsia renal vai me ajudar a definir o diagnóstico etiológico?
O grande divisor de águas na análise da biópsia renal em uma GNRP é a
imunofluorescência!

Esses mecanismos de lesão são traduzidos pela


imunofluorescência em três padrões principais, fundamentais para
o diagnóstico etiológico de uma glomerulonefrite rapidamente
progressiva:
• Padrão linear
o Caracterizado pelo depósito contínuo na membrana
basal glomerular;
o Padrão observado na doença de Goodpasture.

Figura 27. IF de padrão linear. Fonte: acervo pessoal.

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• Padrão granular
o Depósitos salteados que podem ocorrer em várias
estruturas glomerulares, principalmente nas alças
dos capilares e no mesângio.
o É a representação na imunofluorescência de doenças
mediadas por imunocomplexos, principalmente:
• Lúpus eritematoso sistêmico;
• Crioglobulinemia;
• Glomerulonefrites relacionadas a infecções;
• Nefropatia por IgA.
• Padrão pauci-imune
o Nesse caso, há muito pouco ou nenhum depósito
imune na imunofluorescência – “IF negativa”;
o Padrão clássico das vasculites ANCA-associadas.
Vamos ver como o tema é cobrado em provas? Figura 28. IF de padrão granular. Fonte: acervo pessoal.

CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – 2018) Um paciente de 35 anos de idade com insuficiência renal de instalação
rápida e edemas realizou uma biópsia renal, que revelou glomerulonefrite crescêntica com imunofluorescência
de padrão pauci-imune. Nesse caso, o exame imunológico mais bem correlacionado ao quadro nefrológico
descrito é:

A) Anticorpos anticardiolipina.
B) Anticorpos anticitoplasma de neutrófilo.
C) Anticorpos antimembrana basal glomerular.
D) Anticorpos antirreceptor de fosfolipase A2.
E) Anti-DNA.

COMENTÁRIO:

Veja como o conhecimento dos padrões de imunofluorescência na GNRP é fundamental! O enunciado apresenta um paciente
submetido à biópsia renal portador de uma glomerulonefrite crescêntica (esse termo deve ser interpretado como sinônimo de GNRP!) com
uma IF de padrão pauci-imune.
Só temos uma possibilidade aqui: vasculite ANCA-associada! O ANCA (presente na alternativa B), portanto, é o anticorpo que se
correlaciona ao quadro!

Correta a alternativa B.

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Quanto aos outros anticorpos:


- Anticardiolipina: correlaciona-se com a síndrome antifosfolípide, condição que predispõe a eventos tromboembólicos e você vai
estudar no módulo de reumatologia;
- Antimembrana basal glomerular: anticorpo relacionado à doença de Goodpasture, outra causa de GNRP que veremos com detalhe
a seguir;
- Antirreceptor de fosfolipase A2 (PLA2r): presente na glomerulopatia membranosa primária, causa de síndrome nefrótica;
- AntiDNA: anticorpo diretamente relacionado à nefrite lúpica.
Preparamos uma tabela para reforçar a importância da imunofluorescência nas glomerulonefrites rapidamente progressivas, veja a
seguir:

Glomerulonefrite rapidamente progressiva

Imunofluorescência Linear Granular Pauci-imune

Depósito de Mecanismo não


Depósito de anticorpos
imunocomplexos em mediado por deposição
Significado imunológico na membrana basal
diversos locais do de anticorpos ou
glomerular
glomérulo imunocomplexos

- Nefrite lúpica
Doença de Goodpasture -Glomerulonefrites
Etiologias ou antimembrana basal relacionadas a infecções Vasculites ANCA-associadas
glomerular - Crioglobulinemia
- Nefropatia por IgA

4. 3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA

As glomerulonefrites rapidamente progressivas apresentam- ser diagnosticados já em síndrome urêmica, com necessidade de
se de maneira aguda ou subaguda, com piora de função renal em terapia renal substitutiva.
dias a semanas. Pode haver hematúria macroscópica associada. Juntamente ao quadro renal, uma parcela dos pacientes
Como podem ser causadas por doenças sistêmicas, manifestações pode apresentar hemorragia alveolar, uma grave complicação que
das condições de base podem estar presentes. Nos casos em que aumenta a morbimortalidade. Quando há essa associação, temos a
há demora na procura ao serviço médico, os pacientes podem síndrome pulmão-rim!

Glomerulonefrite rapidamente progressiva + hemorragia alveolar = síndrome pulmão-rim!


Cerca de 90% dos casos ocorrem por duas principais etiologias: doença de Goodpasture e vasculites ANCA-
associadas!

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4 .4 TRATAMENTO

O tratamento das GNRPs envolve o uso de imunossupressão a plasmaférese (terapia que troca o plasma do paciente e remove
na tentativa de conter o processo inflamatório intenso que da circulação anticorpos que estão causando a inflamação) pode
está ocorrendo no glomérulo. Antes mesmo do resultado da ser indicada como terapia adjuvante.
biópsia renal, na ausência de contraindicações, deve ser iniciada A biópsia renal é peça fundamental também na
pulsoterapia com metilprednisolona em altas doses. continuidade do tratamento, pois nem todas as GNRPs precisam
Além dos corticoides, uma segunda droga é normalmente de terapia imunossupressora de manutenção.
prescrita, sendo a ciclofosfamida a principal. Em casos específicos,

Perceba que as glomerulopatias podem se apresentar de várias formas e várias causas de GNRP já foram
comentadas neste livro. Agora, quero que você preste muita atenção, pois vamos abordar uma doença que se
apresenta apenas como GNRP e é a mais frequente do assunto nas provas: a doença de Goodpasture!

4. 5 DOENÇA DE GOODPASTURE

4.5.1 INTRODUÇÃO

A doença de Goodpasture, ou doença do anticorpo A doença apresenta uma distribuição bimodal, em adultos
antimembrana basal glomerular, é uma causa de glomerulonefrite jovens (20 a 30 anos), quando predomina no sexo masculino e entre
rapidamente progressiva associada ou não à hemorragia alveolar a sexta e sétima décadas de vida, mais prevalente nas mulheres.
(síndrome pulmão-rim). É uma condição rara e responde por cerca No primeiro cenário, a ocorrência concomitante de hemorragia
de 10% a 20% de todas as biópsias renais realizadas em GNRPs. alveolar chega a 50% dos casos.

4.5.2 PATOGÊNESE

A doença de Goodpasture é causada pela ação de anticorpos a desenvolver a doença. Condições ambientais ainda estão em
contra componentes do colágeno tipo IV, notadamente da cadeia estudo, mas trauma renal e obstrução prévia do trato urinário
alfa-3 presente na membrana basal glomerular e em outros tecidos associam-se a maior chance de surgimento do quadro.
do corpo, como nos alvéolos pulmonares.
Em indivíduos predispostos, os anticorpos antimembrana
basal glomerular (antiMBG), que são do subtipo IgG-1, depositam- O tabagismo é

se na membrana basal e causam uma reação inflamatória que leva fortemente associado ao

ao surgimento da glomerulonefrite. desenvolvimento concomitante

Acerca dos fatores predisponentes, sabe-se que indivíduos de hemorragia alveolar!

que expressam HLA-DRB1*1501 e HLA-DR4 são mais propensos

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4.5.3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A piora da função renal pode ser precedida de sintomas


inespecíficos, como febre e astenia. A hematúria macroscópica
pode estar presente. No diagnóstico, o comprometimento da
função renal normalmente já é importante, e pacientes com poucos
sintomas podem apresentar-se com necessidade de terapia renal
substitutiva.
Cerca de 50% dos pacientes jovens que apresentam a doença
de Goodpasture desenvolvem hemorragia alveolar (figura 29), que
pode variar em espectro de gravidade: desde tosse seca e astenia
(refletindo apenas um quadro anêmico) a hemoptise franca, com
insuficiência respiratória e necessidade de intubação orotraqueal.

Figura 29. Tomografia de tórax evidenciando opacidades centrolobulares


entremeadas por áreas de consolidação, compatíveis com hemorragia alveolar.
Fonte: acervo pessoal.

4.5.4 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico definitivo da doença de Goodpasture vem


pela biópsia renal. Na microscopia óptica, estão presentes os
crescentes, geralmente em mais de 50% dos glomérulos analisados,
podendo ser fibrosos ou celulares a depender do tempo de início da
doença. Já na imunofluorescência, há um padrão típico da doença:
depósitos lineares na membrana basal glomerular de anticorpos
do tipo IgG (figura 30).

Os níveis séricos do anticorpo antiMBG encontram-


se elevados nos pacientes com a doença e têm importância
diagnóstica, mas não é um exame disponível na maioria dos serviços
de nefrologia do Brasil.

Figura 30. IF com depósito linear de imunoglobulinas. Fonte: acervo pessoal.

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4.5.5 TRATAMENTO

O tratamento baseia-se em dois princípios básicos: reduzir o o tratamento padrão. A doença de Goodpasture é uma condição
estímulo à produção de anticorpos através da imunossupressão e aguda e, portanto, não exige tratamento imunossupressor de
retirar da circulação anticorpos que estejam causando o dano renal manutenção!
e/ou alveolar. Na tentativa de retirar anticorpos circulantes, a plasmaférese
Para o primeiro princípio, a imunossupressão com pode ser indicada, principalmente quando há hemorragia alveolar
pulsoterapia de metilprednisolona seguida de ciclofosfamida é associada.

A presença de glomerulonefrite rapidamente progressiva associada à hemorragia alveolar indica, além da


imunossupressão, a realização de plasmaférese!

CAI NA PROVA

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI – 2014) A partir da imunofluorescência obtida da biópsia renal, de
um paciente com glomerulonefrite rapidamente progressiva, revelou um padrão de deposição linear e difusa
de imunoglobulinas na membrana basal glomerular. Esse dado é altamente sugestivo para o diagnóstico de:

A) Nefrite lúpica.
B) Síndrome de Goodpasture.
C) Nefropatia por IgA.
D) Púrpura de Henoch-Schonlein.
E) Granulomatose de Wegener.

COMENTÁRIO:

Temos mais uma questão sobre GNRP em que o enunciado entrega como principal pista o padrão da imunofluorescência após a
realização da biópsia renal.
Vamos rever a tabela que já apresentamos anteriormente (acredite, nunca é demais!):

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Glomerulonefrite rapidamente progressiva

Imunofluorescência Linear Granular Pauci-imune

Depósito de anticorpos Depósito de imunocomplexos Mecanismo não mediado por


Significado
na membrana basal em diversos locais do deposição de anticorpos ou
imunológico
glomerular glomérulo imunocomplexos

- Nefrite lúpica
Doença de Goodpasture - Glomerulonefrites
Etiologias ou antimembrana basal relacionadas a infecções Vasculites ANCA-associadas
glomerular - Crioglobulinemia
- Nefropatia por IgA

Após a análise atenta da tabela, vamos às alternativas.


Incorreta a alternativa A. A nefrite lúpica é caracterizada na imunofluorescência pelo depósito granular no glomérulo de todas as
imunoglobulinas e frações do complemento testadas (IgA, IgG, IgM, C3 e C1q). Tal alteração é denominada “full house”.

A doença de Goodpasture é caracterizada pela produção de um anticorpo contra componentes do colágeno


Correta a alternativa B.
tipo IV, que se depositam na membrana basal glomerular e causam uma glomerulonefrite rapidamente
progressiva. O depósito é caracteristicamente linear e de IgG.

Incorreta a alternativa C. A nefropatia por IgA (NIgA) tem como característica na imunofluorescência a obrigatoriedade de ser dominante
ou codominante e deposita-se de maneira granular no mesângio e alças capilares.
Incorreta a alternativa D. A púrpura de Henoch-Schonlein é considerada a forma sistêmica da nefropatia por IgA e além da manifestação
renal cursa com artralgia, dor abdominal e púrpura palpável. No glomérulo, a lesão é idêntica à da NIgA.
Incorreta a alternativa E. A granulomatose de Wegener, atualmente renomeada para granulomatose com poliangeíte (GPA), é uma
vasculite ANCA-associada com pequenos vasos que pode cursar com síndrome pulmão-rim, ou seja, glomerulonefrite e hemorragia
alveolar. Na imunofluorescência não se encontram depósitos imunes devido à natureza vascular da lesão, achado denominado de pauci-
imune.

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CAPÍTULO

6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1 . Parikh, Samir V., et al. "Update on lupus nephritis: core curriculum 2020." American Journal of Kidney Diseases 76.2 (2020): 265-281.
2 . Geetha, Duvuru, and J. Ashley Jefferson. "ANCA-associated vasculitis: core curriculum 2020." American Journal of Kidney Diseases 75.1
(2020): 124-137.
3 . Luciano, Randy L., and Gilbert W. Moeckel. "Update on the native kidney biopsy: core curriculum 2019." American Journal of Kidney
Diseases 73.3 (2019): 404-415.
4 . Cavanaugh, Corey, and Mark A. Perazella. "Urine sediment examination in the diagnosis and management of kidney disease: core
curriculum 2019." American Journal of Kidney Diseases 73.2 (2019): 258-272.
5 . Riella, Miguel Carlos. "Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos." Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos.
2018.
6 . Howard Trachtman, Leal C. Herlitz, Edgar V. Lerma, Jonathan J. Hogan - Glomerulonephritis - Springer International Publishing (2019)
7 . Alsharhan, Loulwa, and Laurence H. Beck Jr. "Membranous Nephropathy: Core Curriculum 2021." American Journal of Kidney Diseases
(2021).
8 . Feehally, J., Floege, J., Tonelli, M. and Johnson, R., 2019. Comprehensive Clinical Nephrology.
9 . Moura, L. R. R.; Alves, M. A. R.; Santos, D. R.; Pecoits Filho, R. Tratado de Nefrologia - 2018
1 0 . Radhakrishnan, J., 2021. UpToDate. [online] Uptodate.com. Available at: <https://www.uptodate.com/contents/glomerular-disease-
evaluation-and-differential-diagnosis-in-adults> [Accessed 2 February 2021].
1 1 . Niaudet, P., 2021. UpToDate. [online] Uptodate.com. Available at: <https://www.uptodate.com/contents/poststreptococcal-
glomerulonephritis> [Accessed 16 January 2021].
1 2 . Ahn, Wooin, and Andrew S. Bomback. "Approach to diagnosis and management of primary glomerular diseases due to podocytopathies
in adults: core curriculum 2020." American Journal of Kidney Diseases (2020).
1 3 . Floege J, Barbour SJ, Cattran DC, et al. Management and treatment of glomerular diseases (part 1): conclusions from a Kidney Disease:
Improving Global Outcomes (KDIGO) Controversies Conference. Kidney Int 2019; 95: 268-280.
1 4 . Rovin BH, Caster DJ, Cattran DC, et al. Management and treatment of glomerular diseases (part 2): conclusions from a Kidney Disease:
Improving Global Outcomes (KDIGO) Controversies Conference. Kidney Int 2019; 95: 281-295.
1 5 . Hahn D, Hodson EM, Willis NS, et al. Corticosteroid therapy for nephrotic syndrome in children. Cochrane Database Syst Rev 2015:
CD001533.

CAPÍTULO

7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Caro Estrategista, quero parabenizá-lo por chegar ao fim dessa leitura. Eu sei que o assunto não é fácil,
mas tentei deixar o mais palpável possível para você.
Reitero a importância do tema (mais frequente dentre os temas de nefrologia) e, novamente: apegue-se
aos padrões! Preparamos uma lista de questões que deixará você bem embasado sobre as glomerulopatias.
E, por fim, saiba: você não está, nunca esteve e nunca estará sozinho nessa caminhada! A qualquer
momento, se precisar, conte comigo!
Vejo você em uma próxima oportunidade!

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