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ISSN 2525-4715
Vol 8, Nº 1, 2023, 264-284
DOI: 10.22481/odeere.v8i1.11658
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Racismo estrutural no Brasil: a luta por uma sensibilidade do mundo
decolonial
Janayna Alves de Sousa1 , Josenildo Campos Brussio1*
Universidade Federal do Maranhão - Brasil.
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Nah Dove (2017) com o texto Uma crítica Africano-Centrada à lógica de Marx.
Assim, o presente artigo ficou dividido em duas seções que apontam os
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O racismo é uma constante prática que afasta as pessoas umas das outras
nas relações sociais e está bem presente na contemporaneidade. Para alguns
pesquisadores, o racismo seria “uma forma sistemática de discriminação que tem
a raça como fator fundamental, e que se manifesta por meio de práticas
conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a
depender do grupo racial a qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, 25).
Almeida (2018) analisa o racismo no Brasil a partir de três pontos de vista: i) o
primeiro seria o individualista, no qual o racismo nasce da deficiência
preconceituosa; ii) o segundo seria o institucional, isto é, aqueles a que se atribuem
privilégios e impõe desvantagens a outros grupos por causa de suas raças,
destacando-se o poder e a dominação nas relações; e iii) o terceiro seria o
estrutural, em que colocam o racismo como presente nas relações sociais,
econômicas, políticas e etc., mesmo estando presente as normas de igualdade na
sociedade brasileira a partir da Constituição Federal de 1988.
O conceito de racismo institucional tem origem nos Estados Unidos em 1960.
A criação desse conceito, como diria Pace e Lima (2011, p. 4) vinha “especificar
como se manifesta o racismo nas estruturas da organização da sociedade e nas
instituições, para descrever os interesses, ações e mecanismos de exclusão
estabelecidos pelos grupos racialmente dominantes”.
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sendo o Brasil, o último país a abolir essa prática. Vale lembrar que mesmo após a
assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, as jornadas e esforços no trabalho,
faziam com que os negros trabalhassem de forma desigual em relação aos
brancos e outras etnias, cenário que perdura até os dias atuais na sociedade
brasileira.
López (2012) coloca que existe uma ausência de reflexões sobre esse racismo
institucional, que ainda pode estar em consonância com dificuldades de as
instituições manterem o reconhecimento por essa causa. Ou seja, para que ações
sejam formuladas quanto a esse assunto, é necessário que todas as instituições
assumam essa responsabilidade. O racismo institucional, portanto, é colocado
como o fracasso de uma organização em tentar promover serviço adequado às
pessoas, principalmente, as enquadradas em grupos pela cor da pele, etnia ou
inferioridade, além de promover discussões e reflexões sobre essas condições.
A negritude, assim, é colocada no lugar em que as pessoas negras são as
menos vistas pela sociedade e que precisam morar em lugares pobres e periféricos,
como morros, em favelas e que vivam sem condições básicas para a sua
sobrevivência. Mas tudo isso é consequência de um projeto maior, segundo Walter
Mignolo (2017), trata-se do lado oculto da modernidade.
Para compreender as consequências da modernidade, vamos rever o termo
colonialidade, apresentado pela primeira vez pelo sociólogo Anibal Quijano (2009)
como um dos elementos que passam a constituir também uma das faces do
capitalismo. Para Quijano (2009), a modernidade impõe-se dentro da classificação
racial da sociedade. É ainda compreendida como uma extensão simbólica do
próprio colonialismo, nas quais vem mantendo relações de poder. E mesmo com o
fim do colonialismo, essa ideia de colonialidade se propaga em variadas formas
ao longo do tempo.
Mignolo (2017), seguindo os passos de Quijano (2009), entende a
colonialidade como uma matriz colonial, ligada à modernidade. Ela se coloca
como o outro lado da modernidade, isto é, sem colonialidade não existe
modernidade. Coloca ainda que a colonialidade do saber precisa ser alvo
constante das desobediências epistêmicas. E essa desobediência é a primeira
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universidades públicas, conhecida como Lei de Cotas, a Lei 12.711/2012 estabeleceu que “50%
(cinquenta por cento) [das vagas] deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com
renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um salário-mínimo e meio) per capita” e “Em cada
instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão
suporte às pessoas que foram excluídas da sociedade e marginalizadas.
No Brasil, além do racismo institucional, existem outras formas de racismo: o
cultural, o comunitarista, o ecológico ou ambiental, o individual e o primário.
• O racismo cultural seria aquele em que um grupo que se acha superior
aos demais defende a sua cultura como superior às demais, imposta por intermédio
das crenças, religiões, idiomas, músicas e etc.
• O racismo comunitarista é aquele em que há o preconceito
contemporâneo, no qual acredita-se que uma raça não é algo biológico, mas que
vem da etnia ou cultura.
• O racismo ecológico ou ambiental é aquele praticado contra a
natureza, e que afeta grupos e comunidades.
• O racismo individual é aquele que provém de atitudes e pensamentos
oriundos do próprio ser humano, e podem ser confundidos com os estereótipos.
• O racismo epistêmico é aquele que possui um caráter bem
discriminatório negativo em relação ao étnico-racial no âmbito das teorias
acadêmicas, científicas e filosóficas. Significa, portanto, recusar o reconhecimento
de produção de conhecimento de pessoas que não são brancas.
• Por último, o racismo primário, não se enquadra em justificativas sociais,
culturais, ambientais, biológicas, mas que ocorre no campo do emocional.
Assim, os principais tipos de racismo que se estruturam no Brasil podem ser
analisados de formas diferentes na sociedade brasileira, isto é, para cada tipo de
grupo e indivíduos existem características específicas que determinam as causas e
efeitos da discriminação. Daí a importância de autoras como Nah Dove (2017) que
discutem o tema sob a ótica da decolonialidade, destacando o fato de que a luta
de classes, proposta por Karl Marx, como uma saída para superação dessas
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preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com
deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à
proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da
unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE”. A
adoção de tais políticas possui resultados substanciais no cenário nacional. Na UNB (Universidade
de Brasília), em 2019, 16 anos após a aprovação das cotas raciais na instituição de ensino, 48% dos
universitários se autodeclaravam negros, pardos ou indígenas. Em 2003, esse percentual era de 4,3%
(CORREIO BRASILIENSE, 2002). Todavia, ainda há muito a ser feito.
realidade, uma dialética cultural, em vez de uma dialética de classe como Marx
propõe” (DOVE, 2017, p. 6).
Há pouco tempo, o Brasil não reconhecia a grande desigualdade e
discriminação racial que existe no país e o Estado também se mantinha omisso a
essa causa. Foi somente a partir da Constituição da República Federativa do Brasil,
em 1988, que o racismo foi legalmente considerado crime: “Art. 5º, inciso XLII - a
prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei” (BRASIL/CF, 1988). A Constituição de 1988 defende o
bem de todos, criminalizando o preconceito de raça, sexo, cor, origem, idade e
outras formas de discriminação.
Racismo e injúria racial são tipos de discriminação que estão literalmente
presentes na sociedade brasileira e que causam uma série de consequências à
sociedade. O racismo, portanto, independentemente das formas como é
praticado, possui um mesmo objetivo: exterminar um determinado grupo da
sociedade pautado na cor da pele.
A partir disso Silva (2009, p. 56) coloca que a principal meta do racismo é
são atos que o ser humano pratica e que causa também um impacto na vida
social de cada pessoa. Eles são espécies de rótulos, criados sobre características
de diferentes grupos para se enquadrarem aos padrões sociais (SANT`ANNA, 2004,
p. 65). É algo que generaliza as características de raça, sexo, idade, profissão, etc.
Atualmente, os meios de comunicação são os maiores promotores dessa prática.
O sociólogo Erving Goffman (1980) coloca que o estereótipo está
relacionado ao estigma social na construção de significados através de uma
interação. Os estereótipos, portanto, querem dizer como a sociedade deve ser e
torna isso cada vez mais natural e normal. Eles são colocados através de ironias,
antipatias, piadas, humilhação, palavras ofensivas ou gestos, chegando até a
agressões.
O estereótipo vem a ser um conceito muito próximo ao de preconceito e
pode ser definido como “uma tendência à padronização, com a eliminação das
qualidades individuais e das diferenças, com a ausência total do espírito crítico nas
opiniões sustentadas” (COSTA PINTO, 1953, p. 186). Por essa razão, “os estereótipos
refletem principalmente diferenças de classe, relações de raças, conflitos religiosos
e internacionais” (idem).
O quarto conceito seria o de discriminação racial, ou seja, todo ato de
exclusão, restrição e também nas preferências que se baseiam em raça, cor e até
a origem. Isso fere os direitos humanos e as liberdades no campo social, político e
outros (SANT`ANNA, 2004, p. 63). A discriminação vem a ser um valor de si próprio
em relação às demais pessoas. É algo que põe o indivíduo inseguro e inferiorizado
diante das outras pessoas. O discriminador trata os outros com inferioridade e se
julga superior a demais.
No parágrafo 1º, artigo 1 da Lei n° 12. 288, de 20 de julho de 2010, que institui
o Estatuto da Igualdade Racial, destaca-se a garantia à população negra da
efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e as demais formas de
intolerância étnica.
A discriminação racial inferioriza pessoas baseada em ideias
preconceituosas. Mas o artigo 7 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
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prevê: “Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
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A teoria do branqueamento
duraram seus 350 anos passam a refletir na população negra brasileira em forma
de baixos índices de bem-estar.
Após a liberdade concedida pela abolição, pouco aconteceu (episódios
esparsos na história do Brasil) no sentido de ajudar os negros a superarem a
condição de pobreza e a crescente discriminação. A população negra está
inserida em um lócus de desigualdades, dos olhares racistas e sem meios de
alicerçar suas vidas em outras condições melhores.
Mesmo sob o ponto de vista legal e jurídico, poucas foram as conquistas. Se
a Lei Áurea simbolizou um marco legal de liberdade, em 13 de maio de 1888, pouco
representou em conquistas de direitos humanos, civis e universais ao homem negro
e a mulher negra. Ao contrário, muitos livros de história enalteciam a figura da
princesa Isabel como homenageada nessa data.
Foram 100 anos de abandono político, social e jurídico até a promulgação
do inciso XLII, do Art. 5º da Constituição Federal de 1988 (criminalização do
racismo), depois mais 15 anos para a promulgação da Lei 10.639/2003
(obrigatoriedade do ensino da cultura africana e afro-brasileira, alterada pela Lei
11.645/2008, para inclusão dos indígenas), mais 2 anos para o Estatuto da
Igualdade Racial, Lei 12.288/2010, mais 2 anos para a Lei de Cotas (Lei 12.711/2012),
mais 2 anos para lei de reservas de vagas em concursos públicos, Lei 12.990/2014.
Como se vê, todas as conquistas da pasta da diversidade étnico-racial em
prol de negros e indígenas ocorreram na gestão do governo Lula de 2003 a 2011,
com algumas pautas consolidadas na gestão de sua sucessora a presidenta Dilma
Rousseff. Após o golpe contra a presidenta, muito pouco ou quase nada foi feito
dentro das políticas públicas de igualdade racial, em relação à pauta da
diversidade no país.
Ao contrário, no atual governo, de Jair Bolsonaro, vislumbra-se um
desmantelo das secretarias voltadas à diversidade e às relações étnico-raciais e as
consequências da negligência governamental afetam o panorama das práticas
racistas na sociedade brasileira, que vem aumentando paulatinamente.
Nas escolas, é possível observar formas de discriminação racial, tanto na
atuação docente, quanto na discente, principalmente, entre os colegas de classe.
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O termo estrutural não significa que o racismo não poderá ser abolido, ou
que as lutas contra essa prática tenham sido inúteis, muito pelo contrário, isso leva
as pessoas a entender e refletir que fazem parte desse sistema racista e que
precisam parar de negar que o racismo existe no país. É preciso aceitar e conversar
sobre essa prática, pois para combater é preciso que a sociedade aceite que é
racista.
O segundo passo é transgredir a essas imposições ideológicas, desobedecer,
criar seus próprios caminhos, aquilo que Walter Mignolo (2017) vem a denominar
de “desobediência epistêmica”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, observamos que apesar da existência das mais variadas leis, das
manifestações e dos debates acerca dos crimes de racismo, o tema continua
persistente e enraizado nas práticas sociais dos brasileiros. Coloca-se de forma tão
velada e negacionista (mito da democracia racial), que mesmo quando se
evidencia o crime, nem parecem existir punições para o mesmo.
A sociedade brasileira precisar, de fato, enxergar que o racismo existe e de
que é um país racista. É importante debater sobre o racismo, pois as pessoas
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precisam reconhecer que são racistas, para que assim as providências sejam
tomadas, pois negar a existência do racismo no Brasil, é fechar os olhos para as
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violências que os negros sofrem todos os dias, e contribuir para consolidar práticas
discriminatórias.
As pessoas precisam aceitar que apesar das diferenças, o respeito e a
igualdade precisam ser mantidos. Que os traços físicos de alguém não o torna
menos importante que os outros. Que todas as pessoas têm seu comportamento,
sua cultura e sua vida social distintas.
Observou-se ainda, que a desigualdade dentro do ambiente de trabalho
entre negros e brancos é enorme, não só nos cargos, mas também na diferença
salarial, moral e ética. O peso é diferente. As pessoas negras sempre são colocadas
como inferiores e isso precisa acabar de imediato, pois as pessoas são iguais tanto
perante a lei, como fora dela.
Vimos ainda a forte discriminação contra a mulher negra me nossa
sociedade, com estereótipos subalternizados, como o trabalho doméstico, em que
a negra é vista apenas como serviçal e não como alguém capaz de ocupar um
nível profissional mais elevado, como bem destacado nos estudos de Lélia
Gonzales (1984).
Portanto, é necessário que a sociedade ressignifique o mito da democracia
racial e o traga para a realidade, isto é, fazer com que ele realmente exista. Outro
fator que precisa ser acabado é o negacionismo, onde sem ele as pessoas
poderão de fato aceitar que o racismo existe, para que assim as medidas de
combate ao mesmo possam realmente entrar em vigor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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