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Resposta à consulta sobre o livro Como ser (Realmente) Feliz de autoria de Olvide
Zanella, 2006.
Por Demóstenes Neves da Silva
O livro Como ser (Realmente) Feliz de autoria de Olvide Zanella (2006) parece
um plágio das idéias perfeccionistas que se encontram no livro Touched with our
feelings: a historical survey of Adventist thought on the human nature of Christ de J.R.
Zurcher (1999) cuja resenha se encontra anexa.
Trata-se de uma tentativa de mostrar que a perfeição na conduta cristã é possível
individualmente e coletivamente na igreja, assim
como o foi na experiência de Jesus. Em decorrência disso, boa parte do
livro é dedicada a defender a idéia de que
Jesus teria nascido com natureza pecaminosa, desejando e tendo
tendência para o pecado, embora não tivesse cometido atos pecaminosos.
Para o autor do livro,
Jesus não pecou porque já nasceu unido com a divindade e quando
chegou à idade em que poderia escolher pecar evitou transgredir porque
nele havia a união do humano com o divino. Assim, segundo o livro,
na conversão, nós que também temos natureza pecaminosa recebemos a
natureza divina, e por isso, podemos viver sem pecar como foi a vida de
Jesus.
O conteúdo do livro: Embora fale de amor, perdão, amar os inimigos, ter
domínio para não perder o controle, etc., como prova de vida perfeita, o livro nega
exatamente a prática do que diz ser possível. As páginas amarelas iniciais aparecem
com frases grifadas e em destaque, apresentando denúncia e protesto contra a disciplina
ministrada na igreja de origem, evidenciando agressividade e rancor não resolvidos a
ponto de ser necessário divulgar para pessoas que não estiveram envolvidas e que não
terão oportunidade de ouvir o outro lado da história - o que revela um procedimento
antiético e anti-bíblico (Mt. 18 - “vai ter com ele só”). Esta atitude do autor parece igual
ou pior do que os pecados que denuncia naqueles que, pretensamente, o “magoaram”.
Ainda, nessas páginas iniciais e no conteúdo do livro, surgem acusações de que a
igreja encontra-se em apostasia, que rejeitou a mensagem de justificação pela fé e,
também, faz ataques desqualificando a administração da Associação da igreja da qual
fazia parte. Isto também se revela em desacordo com a orientação de Jesus
(especialmente para quem deseja dar exemplo do que é uma “vida perfeita”) e de como
resolver conflitos entre cristãos (Mt. 18).
Impressão sobre o autor: Posando como defensor do amor, poder do Espírito e
de como ser feliz, o livro, na realidade, revela um tom de mágoa e agressão contra a
igreja, indicando alguém que não é (realmente) feliz.
O método usado para “ser feliz”: Apresentando uma mistura de justificação
pela fé e pelas obras a ênfase do livro recai no esforço humano, através de práticas
devocionais e vigilância constante do comportamento, concepções próprias do
legalismo disfarçado, não importa quão elaborado tente ser o discurso do autor.
Legalismo, mágoa, acusação generalizada, interpretações forçadas e superficiais da
Bíblia parecem contrariar a tentativa sem sucesso de ensinar “como ser realmente feliz”
como o livro pretende.
O livro, entre outras coisas, exige igualdade entre Jesus e nós, no que refere à
tendência pecaminosa, para que ele possa ser nosso Salvador. Só que, negando que
Jesus era isento de tendência para o pecado o livro acaba negando a igualdade entre ele
2
e nós: Jesus não teria pecado, segundo o livro, por causa de sua divindade original, e
nós deveríamos não pecar por causa da divindade emprestada na conversão. Neste caso,
Jesus teria nascido com vantagem sobre nós, pois não experimentou o que é ser
pecador de fato – mas teria como que nascido numa condição de alguém já
convertido. No entanto, esta é uma experiência que nenhuma outra pessoa
experimentou, o que o faz diferente de nós e o desqualificaria se for aceita a
teoria do livro, para ser nosso salvador e exemplo.
O autor
confunde humanidade com pecaminosidade defendendo, de forma equivocada,
que, para ser humano é preciso ter tendência para o pecado. Porém, Adão,
quando criado por Deus, era plenamente humano e, no entanto, não tinha pecado
nem tendência pecaminosa. Nós somos humanos embora tenhamos pecado e
tendência. Pecado é condição e ato estranho à humanidade, no plano original de
Deus. Jesus deveria vir em nossa humanidade caída (não em vantagem por causa
de sua divindade como diz o livro), mas sem “qualquer” pecado (ato ou
condição), e foi o que aconteceu.
As tendências pecaminosas são desejos e inclinações para adulterar, mentir,
roubar – o pecado que habita e nós – de acordo com a Bíblia (Rom. 7:17). Dizer que
Jesus tinha tendência pecaminosa é desconhecer o sentido bíblico dessa expressão. Seria
dizer que o pecado estava em Jesus, mas ele não o deixava aflorar em consentimento e
ato, o que contradiz uma interpretação mais ampla e justa da Bíblia que insiste que em
Jesus não “existia” pecado (I Jo. 3:5). Ou seja nem a semente (tendência) e nem em
frutos (atos).
Ao contrário do que promete o livro, em vez de dedicar-se ao “como” se pode
viver uma vida sem pecado (e ser feliz), prende-se mais a argumentos sobre a natureza
de Cristo, o plano da salvação e definições diversas e auto-contraditórias para justificar
o ponto de vista do autor. O livro, por exemplo, diz que “os que não atingirem a
condição de perfeição, esperada pelo Senhor, serão arrastados pela onda do mal, e
perecerão juntamente com os ímpios” (p. 210). Perfeição esta que, segundo o autor, só
Deus sabe quem alcançou; mas nem a pessoa sabe de si e nem ninguém de outro
sobre quem alcançou a perfeição para “ser feliz” e ser salvo.
Afinal, como se pode ser feliz e se salvar pela perfeita obediência, da forma
como o próprio livro ensina, quando não se sabe se tal coisa foi alcançada (p. 184)?
Como dizer que “nem passa pela mente de quem é perfeito dizer que é perfeito” quando
é essa “perfeição” que o autor diz que devemos ter e buscar como cristãos (p. 184)?
Como procurar uma perfeição para ser feliz se não se sabe se foi alcançada e nem qual o
padrão (p. 205, 206) a ser atingido conforme declara o autor? Parece que não há receita
melhor para o auto-engano (I Jô 1:8) ou angústia legalista (infelicidade) do que
depender de alcançar o que não é definido e que não se sabe se foi alcançado e nem se
ter resposta se o alvo foi alcançado, embora disso dependa a felicidade e a salvação da
pessoa.
Outro aspecto rejeitável é a afirmação de que a pessoa pode ser feliz desde que
siga com sua consciência limpa (p. 207) que por sua vez não é um padrão
absoluto (p. 205, 206). Desse modo, você pode transgredir, mas como não sabe
que é pecado, tudo bem (estaria sendo “perfeito”). A paz de espírito com Deus (a
felicidade) estaria na consciência de cada um.
Infelizmente a idéia acima propõe o subjetivismo, idéia mundana e secular, não
esquecendo que a doutrina da felicidade da “consciência limpa” conduz ao autoengano,
pois a consciência não é guia seguro. Está correto buscar ser obediente e reconhecer que
3
a experiência cristã é variável e de acordo com a luz recebida, mas centralizar a paz com
Deus (a felicidade cristã) em procedimentos praticados por seres humanos e na
consciência humana é um dos maiores erros dos que se dizem cristãos. Isto, apesar de
tantas voltas argumentativas do autor só leva a um posicionamento do qual se esforça
para se distanciar, mas que defende o tempo todo: salvação pelas obras.
O livro tenta disfarçar a natureza legalista da salvação que defende, e se esforça
para camuflar o perfeccionismo que divulga. Para isso cria definições e interpretações
que não combinam com os textos bíblicos apresentados, forçando a interpretação de uns
e omitindo outros que se oporiam ao seu ponto de vista, conforme veremos:
Por exemplo, ao declarar que pecado involuntário e inconsciente não gera culpa
(p. 45, 59, 62, 70, 71) está induzindo o crente a ficar em paz mesmo sendo
culpado diante de Deus, inclusive não se sentindo responsável para corrigir
erros, com a desculpa de que foi tudo “inconsciente” ou “involuntário. Parece
um tipo de “jogo do contente”, que faz de conta que se está bem, mesmo estando
mal. Para justificar sua posição o livro interpreta errado misturando contextos
com significados diferentes como em João 9:41 e 15:22, 24. Nestas passagens
trata-se do pecado de não aceitar Jesus como Messias - o tema “pecado por
ignorância”, no sentido bíblico de Ezequiel 18, está fora do contexto das
passagens utilizadas, pois não é o tema da discussão nesta parte do evangelho.
Para o autor do livro, pecado seriam somente atos “conscientes” de
transgressão, mas isso contraria a Bíblia. A Escritura qualifica como pecado
mesmo aqueles cometidos por ignorância ou inconsciência (Lv. 4 e 5:2-5).
O livro também limita (p. 44) o sentido de pecado. A Bíblia ensina (conforme
artigo anexo) que pecado é, por definição e pelo sentido dos termos gregos
originais utilizados, transgressão da lei, não fazer o bem; não agir por fé e
também a condição humana pecaminosa identificada pela tendência para
pecar.
A IASD não ensina que Adão passou culpa no sentido católico para nós (p. 49,
50). O livro insiste num assunto que não tem nada a ver com a igreja adventista.
O pecado de Adão jogou a raça humana na condição de “mortos em ofensas e
pecados” (Ef. 2:1) debaixo do pecado e sob seu domínio, cujas tendências Paulo
chama de pecado (Rom. 7) e que estão em nossa carne. Tendência pecaminosa
inerente é condição pecaminosa, explicitamente classificada assim pela Bíblia.
A transferência do pecado de Adão (são as conseqüências da sua escolha = a
condição pecaminosa e morte eterna) o que é diferente daquela registrada em
Ezequiel 18 (culpa de atos individuais). O autor confunde as duas coisas (p. 61,
76).
1. Retiramos do artigo A Natureza Humana de Cristo e a da Humanidade
Caída - Diferenças e Semelhanças (Revista Teológica, SALT/IAENE) em
anexo, os pontos que se seguem:
a) No Salmo 51: 5 a Escritura declara que em “iniqüidade” (!Aw[;( = avon=
perversidade, depravação, iniquidade, culpa de condição, conseqüência de ou
punição por iniquidade) o ser humano (retratado na experiência de Davi) é gerado
(formado no ventre) e em “pecado” aj.xe= hatha = ofensa, culpa pelo pecado,
punição) é concebido pela mãe. 1
b) A palavra avon é usada em Êxodo 20:5; 34:7; Números 14:18 e
Deuteronômio5:9 quando Deus diz que vai visitar a iniquidade (avon) dos pais sobre
os filhos os quais, evidentemente, perpetuam a perversidade e depravação dos pais.
1
O significado das palavras hebraicas avon e hatha no Salmo 51:5 e Exôdo 20:5 foi retirado de
BUSHELL, Michael S. Bible Work for Windows, USA, 1996.
4
2
The analytical Greek Lexicon (doravante Léxico). Zondervan Publishing House. Michigan, USA, 1977,
417.
3
Ibidem, 364.
4
Ibidem, 285.
5
Ibidem, 17.
6
Ibidem.
7
Aoristo de sugklei,w. Ibidem, 388, 380.
8
Ibidem, 311.
5
2. O livro diz que Jesus tinha tendências hereditárias para pecar (p. 75, 85, 86, 88,
89), mas Ellen White declara que Jesus não tinha tendência para o pecado,
mesmo tendo nossa natureza caída (enfraquecida fisicamente), conforme
citações abaixo:
“Venceu Satanás com a mesma natureza sobre a qual Satanás havia obtido a vitória no
Éden.” The youth’s Instructor, 25 de abril de 1901; EGW, BC 5:1128, 1129 (grifo
nosso).
3. O livro sugere que Jesus não pecou por causa da natureza divina com a qual já
nasceu (p. 76, 91). Assim, o autor se esforça para mostrar que Jesus era igual a
nós por ter tendência para o pecado, mas desfaz tudo isso informando que ele
não cedeu a essa tendência porque já nasceu impedido de errar por causa de
sua divindade. Dessa forma confere a Jesus uma vantagem não humana
(divindade) que nenhum ser humano teve ou tem ao nascer ou enquanto numa
faixa etária na qual ainda é inconsciente e ignorante dos seus atos. Neste caso, a
vantagem de Jesus advém de uma condição não humana: a sua divindade, e,
assim, ele estaria desqualificado para ser nosso exemplo. Por outro lado, se ele
foi humano, mas sem tendência para o pecado, com a natureza de Adão, ele seria
totalmente humano (Adão era totalmente humano ante de pecar, no Éden, sem
natureza ou tendência pecaminosa) uma vez que humanidade não é ser
pecaminoso, é, simplesmente, ser humano. Adão foi mau exemplo quando
estava numa situação sem tendência para o pecado. Jesus é bom exemplo
estando numa condição enfraquecida, mas sem tendência para o pecado, pois
suas tentações foram como as nossas e mais intensas. A qualificação do
6
ZURCHER, J.R. Touched with our feelings: a historical survey of Adventist thought on
the human nature of Christ. Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1999. 306 p.
questão, que pode ser levantada, é se o pensamento pioneiro deve ser visto de forma
dogmática e estática, ou como um primeiro pensamento que poderia ser ampliado e
melhor compreendido posteriormente como ocorreu com outras doutrinas. Por se tratar
de revisão histórica o argumento se detém mais na análise do pensamento dos pioneiros
e ao pretender provar o ponto a partir também da Bíblia a exegese sofre perda.
Sobre a influência das doutrinas católicas na cristologia adventista a afirmação é
pouco fundamentada. Textos bíblicos poderiam ser igualmente alinhados, juntamente
com outros de Ellen White, para demonstrar que Jesus possuía, de fato, uma natureza,
pelo menos em alguns aspectos, diferente da nossa. Se esse “santo” ao nascer não teve
pai humano e foi gerado pelo Espírito Santo, como poderia ser 100% igual, quanto às
propensões, àqueles que nascem “em iniqüidade” e são nascidos “da vontade da carne”?
A cristologia de Zurcher, embora balanceada pela confissão do mistério da
encarnação, de que Jesus era igual, mas sem pecado, deixa, talvez, mais interrogações e
problemas do que pretende resolver na compreensão desse mistério da Palavra de Deus,
especialmente quando essa cristologia é transposta para a vida cristã prática. Por
exemplo, se o desejo prático divino é que todos nós levemos uma vida sem pecado,
como a que Cristo levou, por que ninguém até hoje conseguiu isso? Teria Deus sido
bem sucedido na justificação pela fé em salvar todo o que crer e não teve um único
êxito sequer em apresentar um só homem que tenha vivido sem pecado como Jesus
viveu? Se todos somos como Jesus foi, e vice-versa, seria a única diferença entre nós e o
Senhor apenas a “dedicação” de Cristo? De onde teria vindo essa dedicação “extra” e
porque ela não foi concedida ou desenvolvida por outros, uma vez que Deus queria que
assim fosse? Não se poderia acusar a Deus de “esperar” uma obediência que Ele sabia
que jamais seria alcançada na prática? Não seria, a conseqüência prática da cristologia
de Zurcher, uma utopia teológica da perfeição cristã?
Outros problemas práticos surgem na diferença entre nós e Cristo: o pecado,
segundo o autor, somente se configura na hora em que decidimos pecar. Surge a
pergunta se seres humanos, sem condição de decidir, não possuem pecado. O que dizer
dos que morrem com alguns meses ou nos primeiros anos de vida sem terem a
capacidade de poderem decidir transformar a “propensão” (desejo) em “má propensão”
(pecado de fato)? Seriam eles, juntamente com certos deficientes mentais, “sem más
propensões”, sem pecado, como Jesus, ou haveria alguma diferença nesses casos em
particular?
Zurcher admite o paradoxo na equação lógica: Jesus herdou a mesma natureza
que nós depois do pecado, nós somos pecadores, logo, Jesus foi pecador também. Na
realidade sua conclusão é a mesma que as das outras duas posições, só que as outras
(por admitirem algum nível de natureza pré-lapsariana na humanidade de Cristo) não
tropeçam na lógica: Jesus não tinha pecado. A equação no caso da posição
“tradicional”, sugere que algo diferente, desconhecido, havia no Senhor que o favoreceu
a não cometer pecado em relação a outros seres humanos (não seria algum aspecto pré-
lapsariano?) e, ainda, negativamente, que ele trazia, em si, a mesma condição maculada,
dos perdidos diferenciando-se apenas na “escolha para não pecar”.
Outros questionamentos poderiam ser levantados ao longo da obra: o pecado
como condição é tratado de forma limitada; a “responsabilidade” pessoal em
Deuteronômio e Ezequiel, que se refere à incidência de penalidade sobre um parente, é
generalizada a um princípio de transmissão hereditária (p. 291) o que são coisas
diferentes; na página 279 a palavra “vicariamente” relativa ao sacrifício substituinte é
interpretada como conduzindo ao docetismo, quando a palavra refere-se apenas à
verdade bíblica de Ele não pecou como todos, mas morreu levando a iniqüidade de
todos.
11
16
The analytical Greek Lexicon (doravante Léxico). Zondervan Publishing House. Michigan, USA, 1977
296, 288.
13
possui inerentemente tal dedicação e santidade. Então ele tinha algo que ninguém teve.
Salvou-se por seus próprios méritos, daí, por que a humanidade não pode, com
dedicação, salvar-se por seus próprios méritos, como ensinava Pelágio 18 e tantos têm
tentado, em vão? Coloque-se a seguinte hipótese como se fosse verdadeira: Jesus era
totalmente igual a nós em sua natureza interior e não precisou de Salvador algum para
agradar a Deus. Por que um ser humano, com natureza igual à de Jesus, não pode fazer
o mesmo sem um salvador (sem Jesus)? O Evangelho, porém, declara, repetidamente,
que a salvação é concedida gratuitamente sem as obras da lei. Ninguém pode salvar-se
por si próprio devido a estar morto em ofensas e pecados. Jesus foi diferente por não ter
pecado algum e não somente por não cometer pecado. Assim, a carne pecaminosa de
Jesus é “semelhante” à nossa, não é igual.
Além do mais, se houvesse a intenção da Escritura em demonstrar a igualdade
pecaminosa em natureza e propensão para o pecado, a palavra apropriada seria outra.
Em lugar de “semelhança” a Escritura registraria “igual” (i;soísoscomo ocorre em
João 5:18 ao destacar a igualdade de Jesus com o Pai ou em Filipenses 2:6, 7 onde a
palavra “igual” (i;soísosé utilizada na comparação entre Jesus e Deus (v. 6) e a
expressão “em semelhança” (o`moiw,matihomoiómatié usada para a comparação
entre Jesus e o resto da humanidade (v. 7). Era, portanto, obrigatória a semelhança com
a humanidade pecadora mas isso não significava igualdade.19
Não se discutirá aqui se foi o ato de pecar dos nossos primeiros pais que os
separou de Deus, ou se foi a separação no íntimo que os levou a cometer o ato de pecar,
produzindo o ciclo vicioso no qual vivemos: pecamos (ato) por sermos pecadores
(separados de Deus) e vice-versa. O fato é que uma nova dimensão do pecado, a
propensão para o mal, se estabeleceu como conseqüência do pecado inicial. O ser
humano não mais nasce nas mesmas condições oferecidas no Éden. Naquela realidade
não havia propensão interior para pecar como é demonstrado pela Escritura haver hoje.
O pecado procede de dentro do homem (Mat. 5:28; 12:34; 15:18-19). O pecado é mais
do que um ato, uma vez que, na presente realidade, ele tornou-se uma condição natural
humana que se faz presente na propensão para pecar.
No Antigo Testamento
18
Pelágio foi um monge inglês, possivelmente de origem irlandesa. Esteve em Roma no ano 400 AD. Sua
doutrina consistia em que Deus dá ao homem, como igualmente dera a Adão, poder natural para viver
sem cometer pecado algum, bastaria às pessoas exercerem esse poder. Esse ensino levaria ao
perfeccionismo e ao conflito com os ensinos diretos da Escritura sobre a salvação pela graça. Ver
BETTENSON, Henry. Documentos da igreja cristã. ASTE, São Paulo, 1963. 87-90. Para uma
abordagem histórica da controvérsia sobre as crenças de Pelágio ver: SCHAFF, Philip. History of the
Christian Church. Vol. III. Grand Rapids, Michigan, USA. WM. B. Eerdmans Publishing Company,
1960. 783-815
19
Para uma abordagem concisa sobre a palavra “semelhança” em grego e sua correspondência em inglês
leia-se VINE, W. E. A Comprhensive Dictionary of the Original Greek Words with their Precise
Meanings for the English Readers. MacDonald Publishing Company. Virginia, USA, s/d. 682-685.
15
Para demonstrar essa escravidão Romanos 3:9-18 declara que todos estão debaixo
(u`pohupó = nas mãos de, sob a autoridade de) 21 do pecado. Não é uma questão
opcional, é um cativeiro. Essa não é uma situação da qual se conhece exceção: “todos”
pecaram (Rom 5:12).
Ainda sobre o pecado como condição e propensão depravada para pecar, confessa
o próprio apóstolo, em Romanos 7:14-25, declarando: “eu sou carnal” (v. 14). O termo
grego para “carnal” é sarkino,j(sarkinós) que significa estar “sujeito à propensão da
carne”, 22 demonstrando que a propensão para pecar é, em si, evidência de pecado como
condição. Essa propensão carnal é contrária à lei de Deus que é “santa, justa e boa” (v.
12) e espiritual (v. 14). Os verso 13-25 explanam sarkinóscomo uma condição que está
presente, um drama ainda por ser resolvido na vida do apóstoloNão cabe aqui
especular que Paulo não era convertido ou coisa parecida. Além disso, o apóstolo fala
do “pecado na minha carne”, pecado “que habita (oi`kou/saoikoúsa = morada
familiar, que permanece) 23 em mim”. Como está explícito, o pecado ao qual se refere
não é o que ele está fazendo, aqui é algo que “está” nele e dele faz parte.
Aliás, a própria palavra “pecado” (a`´marti´,ahamartiaem Romanos 7 tem o
sentido de “princípio ou causa do pecado”. 24 Nos versos 17 e 20 o sentido explícito é de
“inclinação para pecar, propensão pecaminosa”. 25 Mesmo convertido, salvo em Cristo,
o apóstolo, reconhecia-se como pecador por causa dessa propensão carnal que nele
habitava. Não um praticante contumaz do pecado, mas alguém cuja natureza
pecaminosa, corrompida, ainda não havia sido retirada, o que ocorreria apenas por
ocasião da ressurreição dos justos na volta do Senhor (I Cor 15:49-54; I Tess. 4:13-17).
O pecado também não é tratado como atos individuais em Gálatas 3:22. Sem
escolha por parte das pessoas, o evangelho encerrou
(sune,kleisensunekleisenprender junto como peixes numa rede”, “fechar junto,
cercar”) 26 toda a humanidade (pa,nta panta = todas as pessoas”) 27 debaixo (u`po
´,hupó = “sob, nas mãos de”) do pecado.Assim, todos os que nascem neste mundo
são pecadores.
20
O significado das palavras hebraicas avon e hEtha no Salmo 51:5 e Exôdo 20:5 foi retirado de
BUSHELL, Michael S. Bible Work for Windows, USA, 1996.
21
Léxico, 417.
22
Ibidem, 364.
23
Ibidem, 285.
24
Ibidem, 17.
25
Ibidem.
26
Aoristo de sugklei,w. Ibidem, 388, 380.
27
Ibidem, 311.
16
Por que, então, Cristo Jesus não era pecador? Mesmo que, por um milagre divino,
Jesus não cometesse nenhum pecado enquanto ato, seria pecador pelo simples fato de
ter propensão para pecar (ainda que refreada pelo poder do Alto). Teria o pecado da
depravação natural por ser igual a nós. Depravação inerente não é o mesmo que
assumir o nosso pecado na cruz. Ali ele foi feito pecado como substituto. Se tivesse
propensão para o mal o pecado estaria em sua carne. Por outro lado, somente seria
totalmente igual a nós, enquanto pecadores, se possuísse tal propensão ou depravação
natural para pecar. Isso é negado no Evangelho quando o Salvador declara que “o
príncipe deste mundo nada tem em mim” (Jo. 14:30). Ele não tinha pecado algum, de
espécie alguma. Ele não era igual a nós, mas “semelhante” ou em outras palavras: era
igual a nós em tudo, mas diferente em uma coisa - o pecado, como ato e condição, que
se manifesta na propensão para o pecado. Portanto, Jesus não tinha pecado, assim
também não tinha propensão para pecar, pois a propensão, em si, já implica numa
condição pecaminosa.
28
O termo e;comen encontra-se na 1a. pessoa do plural do presente do indicativo do verbo e;cw. = ékw =
“ter, ser afetado por, sujeito a” Ibidem, 179,180. A conclusão, no contexto da passagem, é que ninguém
escapou de ter pecado. Em I João 1:8 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti a`marti,an ouvk e;comen (“Se
dissermos que não temos pecado nenhum”). A frase, em sua continuação afirma que ninguém pode
sugerir que não tem pecado sob pena de estar enganando a si mesmo e ser mentiroso.
29
Ibideml, 187. Em I João 1:10 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti ouvc h`marth,kamen (“Se dissermos
que não temos cometido pecado”). A palavra hemartékamen (não temos cometido pecado) está na
primeira pessoa do plural do perfeito do indicativo, indicando todos os crentes, entre os quais inclui-se o
próprio apóstolo.
30
Ibidem, 406.
17
Pode-se resumir a idéia bíblica sobre a impecabilidade de Jesus com os textos que
se seguem. São três afirmativas com dimensões diferentes com respeito à relação de
Cristo com o pecado:
1. O apóstolo Pedro declara que Jesus foi isento de ações pecaminosas. O texto de
I Pedro 2:22 declara que ele não cometeu pecado (ouvk evpoíi,hsenouk
epoíesen = não cometeu, não praticou)
2. O apóstolo Paulo informa-nos que o Senhor não teve experiências pecaminosas.
Em II Coríntios 5:21 é dito que o Salvador não conheceu o pecado (mh.
gno,nta= me gnonta = não conheceu, não experimentou)
3. Finalmente, através de João, é dito que nele não existe pecado, o que exclui a
presença do pecado da vida de Jesus (I João 3:5 – ouvk e;stin= ouk éstin =não
há, não existe)
Assim, mais uma vez, podemos notar que pecado não se constitui apenas de ações e
experiências. Pecado tem dimensões mais profundas. Pecado é a condição interior caída
que se constitui na propensão para pecar. Jesus não possuía nenhuma das três
dimensões. Ele era “igual” (semelhante) à humanidade em tudo, mas não havia nele
pecado algum.
Concluímos que era necessário que Jesus, como Salvador, fosse como nós, porém
nessa semelhança não está incluído o pecado em nenhuma de suas dimensões. Isso
descarta não apenas os atos, mas também a natureza pecaminosa. Embora redundante,
diríamos: Jesus não era pecador por não possuir, também, propensão pecaminosa
alguma e não tinha propensão alguma para o pecado porque não era pecador. Ele era
31
Ibidem, 17.
32
Ibidem, 332.
18
A carta aos Hebreus (7:26-28) vai mais além. Ali é dito que essa “diferença”
convinha para que fosse sacrifício e sacerdote. No verso 26 a palavra “convinha”
(e;prepenéprepen) tem o sentido de “apropriado, adequado” 37 e é a mesma de 2:10.
No caso de Hebreus 7:26-28 as passagens indicam que Jesus somente seria um
sacerdote adequado, que preencheria as condições para sua missão, se fosse “diferente”
de nós, ou seja, santo, assim como em 2:10 era “apropriado” que fosse “semelhante”. As
duas “adequações” ou “conveniências” se encontram: ser “semelhante” (2:10) e ser
“diferente” (7:26-28). A palavra usada em 7:26 não é “santo” (a[giojhágios) com o
sentido apenas de “algo separado de uma condição e uso comum, dedicado”. 38 A
santidade mencionada em Hebreus relativa a Jesus não decorre de uma simples
“separação” para fins santos. Não é uma santidade “funcional”, emprestada, outorgada.
A palavra (o[siojhosios) aparece uma só vez em Hebreus (7:26) referindo-se apenas
a Jesus e tem o mesmo significado empregado em Apocalipse 15:4 e 16:5 onde é
aplicada a Deus. O significado em Hebreus 7:26 é “supremamente santo”. Também em
Atos 2:27 e 13:35 do Messias é dito ser santo (hosios).39 A outra palavra usada
exclusivamente para Jesus em Hebreus que “denota sua qualificação moral” para ser
33
Ibidem, 440, 441.
34
LANE, Willian L. Word Biblical Commentary (WBC). Vol. 47b. Word Books Publishers, Dallas,
Texas, USA, 1991. 114, 115.
35
Infinitivo aoristo de sumpaqe,w (sumpatéw = compadecer). Léxico, 383.
36
WBC, Vol. 47a. 115.
37
e;prepen (éprepen = convinha) – 3ª. Pessoa do singular do imperfeito do verbo prée,pei (prépei
=convir) “ser próprio, adequado, ser correto”. Léxico, 164, 340.
38
Léxico, 3
39
Ibidem, 293. Essa palavra tem também o sentido de devotado, fiel e na LXX descreve os que são fiéis
ao concerto. Jesus é o modelo dessa fidelidade quando na Terra. WBC, Vol. 47b. 191.
19
40
WBC, Vol. 47b, 191.
41
Ibidem, 191, 192.
42
Ibidem.
43
Léxico, 441.
44
The Seventh-day Adventist Bible Commentary. Review and Herald Publishing Association, Washington,
D.C. USA,1957. Vol. 7. 442. WBC, 192.
45
. Léxico, 78, 79.
46
Ibidem, 420, 421.
20
O capítulo 7:28 deixa claro esse ponto relativo à diferença entre Cristo e a
humanidade. Nesse versículo todo homem (a;nqrwpojanthropos = humanidade,
gênero humanoé sujeito à fraqueza (avsqe,neiaasténeia). Tal fraqueza, segundo o
verso 28, refere-se à situação em pecado na qual encontra-se a humanidade,indicando
metaforicamente “enfermidade, fragilidade, imperfeição, intelectual e moral”. 47 O
contraste também aparece quando o autor de Hebreus diz que os sacerdotes humanos, da
própria tribo escolhida eram, apesar de tudo, meros ánthropoi (homens) mas somente
Jesus, o novo sacerdote, era “filho” (ui[oj= huios = o filho) que não tinha “fraquezas” e
era “perfeito”. Embora também homem, seu diferencial era ser “o Filho”. 48
Ainda no capítulo 7:28 vemos um sentido mais além do de 4:15 ao se declarar a
diferença entre a humanidade e Jesus. Neste verso (28) Jesus não possui as fraquezas da
humanidade, pois Ele é constituído pela palavra do juramento (dias de Davi) que vem
depois da lei levítica (dias de Moisés). Os homens constituídos sumo sacerdotes pela lei
possuem fraquezas, mas o Filho que foi constituído sumo sacerdote pelo juramento,
desde antes de sua ascensão ao céu, é dito ser perfeito
(teteleiwme,nonteteleioménon). A palavra “perfeito”, neste caso pode ter também
dois sentidos: (a) “ser tornado” ou apenas (b) “identificado” como perfeito. O sentido de
47
Ibidem, 55.
48
WBC, Vol. 47ba 194.
21
49
Léxico, 400.
50
Ibidem, 401.
51
WBC, Vol. 47a, 195.,
52
“Nesse contexto o termo avsqe,neia“fraqueza” é praticamente igual a ‘pecado’.” WBC, Vol. 47b.
195.
53
“A perfeição do seu sacrifício definitivo foi conseqüência da perfeição espiritual e moral de sua vida.”
WBC, Vol. 47a, 197.
54
Tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego feita por judeus por volta de 200 A.C.
55
WBC, Vol. 47ª. 57, 58. As passagens na Septuaginta (LXX) nas quais “aperfeiçoar” (teleiosai) é usado
em sentido de consagração do sacerdote ao seu ofício são: Êxodo 29:9,29, 33, 35; Lévítico 4:5; 8:33;
16:32; 21:10; Números 3:3).
22
mácula” (a;spilon = áspilon = puro, sem mancha, sem defeito). Aliás, o termo ámomon,
tanto na Septuaginta como em fontes judaicas helenistas, “denota a ausência de defeitos
num animal para sacrifício”. Jesus, por suas qualidades inerentes, foi o sacrifício
perfeito.
Portanto, a expressão “sem mácula” (ámomon), se considerarmos o contexto de
Cristo como sacrifício diante de Deus pelos pecados da humanidade, requer perfeição
que nenhum ser humano, em qualquer das anteriormente mencionadas dimensões
pecaminosas, poderia possuir. Isso implica em que, se o Salvador possuísse qualquer
dessas dimensões de pecado (ato, experiência ou propensão para pecar) seria
inadequado para se sacrifício e sacerdote. Contudo é diferente quando o termo é usado
para os crentes. Por exemplo, o apóstolo declara que Cristo purifica a igreja para
apresentá-la sem mácula e sem defeito, mas essa pureza da igreja decorre da justificação
pela fé e do conseqüente processo de santificação (Ef. 5:25-27). Também o resultado da
salvação encontra-se em Apocalipse 14:5 onde a igreja é representada como sendo sem
mácula. O próprio texto esclarece que essa ausência de mácula é o resultado de terem
sido “redimidos” e de não terem se “contaminado” (evmolu,nqhsan = emoluntesan =
contaminar moralmente) 56 com as “mulheres” (v. 4). Assim, a perfeição dos crentes é
obra do plano da redenção que considera perfeito pela fé ao que crê em Jesus e o
santifica e aperfeiçoa. Essa idéia do ideal da perfeição para a igreja encontra-se em
várias passagens (Deut. 18:13; Mat 5:48) mas é preciso lembrar que a perfeição do
crente é atribuída a uma imputação como na frase “perfeitos em Cristo” (Col. 1:28 e
2:10). Jesus, no entanto, é diferente no sentido de que sua natureza sem mácula e
perfeita não decorre de ser redimido, nem é uma perfeição imputada. Ele é perfeito em
si mesmo.
CONCLUSÃO
Conforme o testemunho das Escrituras, pecado não é somente uma ação má,
contrária à vontade de Deus. A queda do homem trouxe a compreensão de mais uma
dimensão do pecado como separação provocada pela condição pecaminosa herdada.
Essa condição caída e que exige um Salvador, se manifesta através das propensões
pecaminosas.
Assim, Jesus possuía uma natureza humana semelhante à do homem caído, mas
sem pecado em todas as suas dimensões. Isso implica em dizer que Sua natureza não
pode ser exatamente classificada nem como pré-lapsariana 57 e nem pós-lapsariana.58
Sua natureza era única, apropriada para ser Salvador.
Jesus herdou tudo que nós herdamos menos o pecado. Ele não recebeu a herança do
pecado através da presença daquele em sua vida (I Jo 3:5), nem pela experiência (II
Cor. 5:21) e nem sequer pelo ato pecaminoso (I Ped. 2:22).
Ele deveria ser igual a nós para ser nosso exemplo, e isso era obrigado,
indispensável (Heb. 2:17). Por outro lado, era conveniente, para ser um salvador
adequado, apropriado, que fosse diferente: santo, sem mácula e sem culpa (Heb. 7:26-
28). O significado dos termos usados para a impecabilidade de Jesus e o contexto da
56
A palavra evmolu,nqhsan é a 3ª. Pessoa do plural do indicativo passivo do aoristo 1 do verbo Molu,nw
(molino = sujar, corromper, profanar) Léxico, 135, 272. Essa contaminação não é uma referência a
intercurso sexual com mulheres literais, mas ao comprometimento dos crentes em geral, e não apenas aos
do sexo masculino, com a “prostituta e suas filhas” referidas no Apocalipse - uma alusão aos enganos dos
últimos dias.
57
A natureza de Adão antes da entrada do pecado no mundo.
58
A natureza do homem propensa ao pecado após a entrada do pecado no mundo.
23
epístola aos Hebreus não deixam dúvida sobre a ausência de propensão pecaminosa
nele.
Assim, quanto à natureza humana de Jesus, temos duas exigências bíblicas
preenchidas: (1) deveria ser semelhante a nós em tudo enquanto ser humano, mas (2)
diferente em não possuir dimensão alguma do pecado. Essa diferença não se refere
apenas ao pecado como ato. Diz respeito, especialmente, à condição pecaminosa, a qual
se manifesta na propensão para o pecado, que ele nunca possuiu. Somente preenchendo
essas duas condições Ele poderia ser nosso Salvador.
24
HUMANIDADE DE JESUS
HUMANIDADE APÓS PECADO
ORIGEM SOBRENATURAL ORIGEM NATURAL
1. Não teve pai humano. Mt 1:18. 1. Tem pai humano
2. Gerado pelo Espírito Santo. Mt. 1:18,20 2. Gerado pelo ser humano.
3. Chamado de “ente Santo” ao nascer. Lc 3. Nascido pecador. Sl 51:5
1:35
4. Veio do céu. I Cor. 15:47; Jo. 1:14 4. Vem da Terra. I Cor. 15:47
NÃO TEM PECADO INERENTE TEM PECADO INERENTE
5. Carne pecaminosa era apenas semelhança. 5. Pecado está na própria carne. Rom. 7:14-
Rom 8:3 25; Sal. 51:5
6. Não tinha manchas. Heb. 7:26 6. É como o imundo. Heb. 7.26
7. Não tinha fraquezas Heb. 7:28 7 Tem fraquezas. Heb. 7:28
8. Natureza humana Santa. Heb. 7:26 8. Pecadora. Heb. 7:26
9. Natureza humana Pura. Heb. 7:26 9. Impura.
10. Natureza humana Imaculada. Heb. 7:26 10. Maculada
11. Nela não existiu pecado. I Jo. 3:5 11. O pecado habita nela. Rom. 7:17, 20, 21
12. Tinha a glória de Deus. Jo. 1:14 12. Destituída da glória de Deus. Rom. 3:23
NÃO COMETE ATOS PECAMINOSOS COMETE ATOS PECAMINOSOS
13. Não cometeu pecado. I Ped. 2:22 13. Pecou. Rom. 5:12
14. Não experimentou pecado. II Cor 5:21 14. Comete pecado. I Jo. 1:10
NÃO ADMITIU PECADO NÃO PODE NEGAR O PECADO
15. Não reconheceu pecado em si. Jo. 8:46 15. Não pode negar a ação e condição em
pecado I Jo. 1:8, 10
16. Não há registro de ter confessado pecado 16. Precisa confessar os pecados. I Jo. 2:1, 2
algum. Sempre agradava a Deus. Jo. 8:29
17. O príncipe deste mundo nada tinha nele. 17. Governada pelo príncipe do mal. Ef. 2:1-
Jo. 14:30 3
SUA SEMELHANÇA COM O A SEMELHANÇA DO PECADOR COM
PECADOR EXCLUI O PECADO EM JESUS NÃO INCLUI A CONDIÇÃO
TODOS OS NÍVEIS SEM PECADO DE CRISTO
18. Era semelhante em tudo, mas sem a 18. Igual a Jesus em tudo exceto na condição
condição e sem atos pecaminosos. Heb 2:17; e atos pecaminosos Ecl 7:20; Prov. 20:9; I
I Jo. 3:5; I Ped. 2:22 Jo. 1:8, 10
19. Foi tentado em tudo, mas nunca pecou. 19. Não há um justo que faça o bem e
Heb. 4:15 nunca peque. Ecles. 7:20; Prov. 20:9
25
Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado então
para que um nascimento diferente, sobrenatural e sem pai humano?
Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado e não
pecou mesmo assim, então Deus não o fez realmente igual a nós, mas lhe deu alguma
vantagem que desconhecemos. Providência que não se estendeu aos demais membros da
raça humana. Talvez, segundo essa teoria, ele não pecou devido a sua natureza divina.
Assim não serve também como nosso exemplo. Se lhe foi dado algum trunfo secreto ou
se sua divindade lhe serviu de escape já não seria igual a nós, mesmo tendo herdado
natureza com tendência para o pecado.
Além disso, se Jesus tinha tendência pecaminosa e não pecou, nós
também (aliás, contrário ao testemunho da Bíblia) podemos viver sem cometer pecado
(o que também contraria as afirmações bíblicas). Essa idéia é o pretexto do
perfeccionismo o qual acredita que se pode viver vida perfeita na terra, como condição
para ser aceito por Deus. Isso não apenas ofende o ensino da Bíblia como também
produz frustração espiritual, legalismo e fanatismo com seu fardo de intolerância,
hipocrisia, acusações e perseguições contra os que “ainda não se consagraram para
serem perfeitos” o que segundo alguns “estão impedindo de Jesus voltar”.
Além disso, Jesus é chamado de Segundo Adão (Rom. 5:12-21). Adão por um
Ato comprometeu toda a raça. Jesus por um ato salvou todo o que nele crer. Adão, sem
tendência para o pecado, podia pecar devido ao livre arbítrio e pecou. Jesus com a
natureza sem tendência para o pecado, mas com o corpo enfraquecido como o nosso,
podia pecar, mas não pecou.
27
2.
A tendência para pecar se tornou após a queda de Adão tão poderosa na vida
humana como se fosse essencial à própria vida, sua natureza, então integrou-se às mais
fortes necessidades do ser humano como o alimento material, necessidades fisiológicas,
segurança, reprodução e realização pessoal. O apóstolo Paulo (Rm 7) demonstra a força
do pecado no ser humano operando “nos seus membros” provocando desejos contrários
à vontade espiritual da lei. Os desejos são do pecado e para o pecado. Procedem de
dentro.
Nas tentações de Cristo não há desejos para pecar ou intensões impuras. Em Jesus
há o conflito de renunciar a desejos naturais 64 e inocentes porque estes, se satisfeitos
homens...” Sendo assim Jesus herdou as características humanas necessárias para ser identificado como
tal, uma natureza que não foi alterada moralmente em momento algum, segundo o Credo de Nicéia. Ibid.,
69. 6) O Tomo de Leão ou Definição de Calcedônia, declara que Cristo não tinha em sua natureza
humana as propriedades produzidas pela queda (herdadas) e adquiridas. Sua natureza era “perfeita” de
homem verdadeiro. Tinha fraquezas mas não culpa, nem mácula, nada tinha “das propriedades que trouxe
para dentro de nós o sedutor” (Ibid., 97). Atanásio (296 a 373) em sua obra De Incarnatione, 328 AD, diz
que Ele tomou corpo mortal, entretando ïncorruptível” para que a corrupção cessasse revestindo-se de sua
incorrupção (apesar de, no texto, aparentemente alegar a divindade para tal incorrupção). Ibid., 75. 8) Nos
debates contra o semipelagianismo aparece a idéia de que a liberdade humana teria se tornado tão
depravada pelo pecado que sem a graça ninguém amaria, creria ou faria o que é reto para o que se dá
várias passagens bíblicas. Se Jesus herdasse a natureza caída do homem, certamente estaria sob o domínio
do pecado e não poderia se livrar por si mesmo, carecendo ele mesmo de um Salvador. Ibid., 116.
62
Sua superioridade ética e espiritual é descrita, como uma condição mais do que desempenho, de forma
contundente no escritos de Ellen White e nas Escrituras que declaram que ao nascer, em vez de em
pecado (Sl 51:5), nasceria um “santo” (Lc 1:35 ); que “nele não há pecado” (I Jo 3:5) e que “o príncipe
deste mundo ‘nada’ tem em Mim” (Jo 14:30). Nele havia “perfeita ausência de pecado”, “caráter sem
pecado” conf. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. I (1ME) (Santo André, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1966) 256, 264. Não participou do pecado nem por “um pensamento” e não recebeu “nenhuma
contaminação” ao se tornar homem. Seu corpo foi “preparado” por Deus: DTN, 109, 244, 264, (Mt 1:20-
23)). Foi tentado em tudo “mas sem pecado” (Hb 4:15), feito sacerdote “segundo a virtude da vida
incorruptível” (Hb 7:16), “inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os
céus”, que não necessitou oferecer sacrifícios por seus próprios pecados, que, em oposição a “homens
fracos” era “Filho perfeito para sempre” (Hb 7:26,27). Que se ofereceu “imaculado” a Deus (Hb 9:14).
Seu sangue e corpo tem poder santificador (Hb 10:10; 12:12). Seu sangue, diferente de pessoas
justificadas, fala melhor do que a do “justo” Abel (Hb 12:24; 11:4).
63
I Co 15:45-49 declara que o primeiro Adão legou-nos (após o pecado) a imagem terrena e carnal, ao
contrário do segundo Adão (Jesus) que legou-nos sua imagem espiritual. O primeiro era da Terra mas o
segundo era do Céu. Agora temos a imagem do terreno mas depois (na ressurreição, que é o contexto
deste capítulo) receberemos a imagem do celestial (sem pecado, redimida) isto é, a de Jesus. Veja
também Rm 5:12-19.
“Venceu Satanás com a mesma natureza sobe a qual Satanás havia obtido a vitória no Éden.” The youth’s
Instructor, 25 de abril de 1901.
64
“ambicionava” alimento, DTN, 104.
29
naquele contexto, estariam em confronto com a vontade do Pai. Assim o desejar beber e
comer, descansar ou sobreviver não deveria ser satisfeito sem a completa dependência
de Deus. Jesus não deveria salvar-se a si mesmo ainda que podendo faze-lo Deveria
abrir mão da vida e auto-preservação. Deveria renunciar aos desejos naturais e lícitos de
sua natureza sem pecado e ao faze-lo estaria numa luta tão intensa contra si mesmo ao
renunciar: uma renúncia tão ou mais intensa como a de qualquer outro ser humano que
renuncia a si mesmo e à força de sua própria natureza pecaminosa. Precisou exercer
“autodomínio mais forte do que a fome e a morte”; precisou avançar quando sua
“natureza” desejava recuar65. Jesus renunciou a si mesmo sob pressão das necessidades
físicas e emocionais de um ser humano sem pecado. Suportou numa natureza não caída
e corpo de capacidade reduzida a pressão que Adão não esteve disposto a resistir num
corpo e mente superior.
O homem após a queda, quando auxiliado pela graça de Deus, em dependência do
poder do Espírito Santo, pode renunciar a uma natureza caída com seus desejos. A base
do conflito é renúncia e dependência de Deus. Jesus deveria “sozinho” e “sem haver
ninguém que o ajudasse”66 renunciar e depender na condição de segundo Adão, levando
a natureza sem pecado, mas ao mesmo tempo e no mesmo corpo a fraqueza física e
psicológica conseqüente do enfraquecimento da raça.
A “revanche do deserto” onde Cristo como o segundo Adão entrou e recuperou a
batalha perdida pelos primeiros pais “no lugar” na “mesma prova” de Adão 67 foi uma
vitória tão grande como o fracasso do primeiro par 68. Nas tentações do deserto Jesus
recupera o reino espiritual (e material) vencendo pela superação de necessidades
materiais e em situação extrema, e sem ajuda 69 (Is 63:1-5) os mais fortes apelos que a
natureza humana pode suportar e, até superando os apelos naturais da própria existência
ao ponto de ao fim do conflito ser necessária a assistência dos anjos, diante do eventual
risco de vida, tal a severidade da prova (Mt 4:11).70
A equivalência da prova de renúncia das necessidades materiais, especialmente
considerando o escopo especial do combate no deserto, demonstra, sem dúvida, que a
vitória espiritual de Jesus está biblicamente sustentada na superação da condescendência
com apetites do corpo e da mente. Assim, os apelos do corpo e da mente, veículos para
provocar a queda de Adão, mantém relação direta e necessária com o episódio da queda
e da redenção.71
É a ausência do domínio dos desejos e necessidades do corpo a base da fraqueza
humana hoje, e que somente pode ser recuperado pelo poder do Espírito (Gl 5:22) que
opera nos que receberam a justiça de Cristo. É a atribuição ao pecador do caráter
perfeito dAquele que colocou o Pai em primeiro lugar e acima mesmo de Suas mais
vitais e naturais necessidades.
65
DTN, 103.
66
1ME, 272.
67
Ibid., 267, 272.
68
Ibid., 288; DTN, 114.
69
1ME, 279. “...Cristo sabia que Adão, no Éden, com sua superiores vantagens, poderia ter resistido às
tentações de Satanás, vencendo-o. Sabia também que não era possível ao homem, fora do Éden, separado,
desde a queda, da luz e do amor de Deus resistir em suas próprias forças às tentações de Satanás.” Da
mesma forma que Adão no Éden Cristo batalhou sozinho. Sua natureza permaneceu diferente da nossa
após a queda: sem pecado. Se sua natureza fosse a mesma após a queda Ele não poderia vencer
“sozinho”. Podemos vencer como ele venceu mas pela “Sua graça”. Uma vez que Ele venceu, aqueles que
nEle crêem recebem sua vitória e o poder que santifica. 1ME, 226. Veio para redimir “a falha de Adão” e
assim toda a sua descendência. DTN, 102.
70
DTN, 115.
71
1ME, 271, 272.
30
No caso do homem caído, além das necessidades naturais e lícitas para a existência
e realização, uma outra lei natural entra em vigor: a lei do pecado que opera nos seus
membros (Rm 7), como o faz todos os imperativos lícitos e naturais para a vida. O
agravante é que a “lei do pecado”, esse domínio tirânico e naturalmente irresistível que
nos leva a pecar submete todos os imperativos inocentes da vida como a alimentação,
segurança, realização e outros. Todas as necessidades naturais estão submetidas pela
tendência para pecar, o desejo de pecar, a concupiscência, onde todo pecado e corrupção
tem início, seja tal pecado praticado dentro ou fora da igreja (Tg 1:13, 14; 4:1-3; II Pd
1:4). Assim, a resistência à necessidade de pecar é tão severa como a renúncia da
própria vida pois renuncia a tudo que a tendência caída domina. Não é à toa que é
chamada de “morte”. Estar sem o poder libertador de Cristo é estar morto (Ef 2:1).
Libertar-se pelo poder de Cristo é morrer para o pecado e nascer de novo (Rm 6). É,
pois, bem apropriada a linguagem da Bíblia que descreve uma situação dramática e real:
a conversão é morrer renunciando todo o eu pecador e mesmo às necessidades naturais
por ele dominadas. Dessa forma, para Jesus recuperar a falha de Adão e as nossas
significou, não a luta contra uma natureza caída que Ele não tinha e nem podia ter,
entendendo o pecado essencial que essa tendência implica conforme demonstramos
(seria difícil imaginar Jesus admitir que nele “não havia bem algum” ou que “o mal”
estava com Ele, ou que ao nascer era “destituído da glória de Deus” como todos os
demais homens). Mas Jesus, não tendo a natureza tendente ao pecado para ser dominado
por ela, poderia ser, como foi Adão (também sem tendência para o pecado) no Éden,
dominado pelas próprias necessidades naturais na tentativa de leva-lo a, como fez com
Adão72, desconfiar de Deus, cobiçar o fruto e o conhecimento vedados e finalmente
pecar. Deveria, portanto, “mostrar, no conflito com Satanás, que o homem, tal como
Deus o criou, unido ao Pai e ao Filho, poderia obedecer a todo reclamo divino.”73
Assim que, Jesus tendo sido tentado “como nós” e “mais do que nós”, não pôde
defender a e nem requerer para si mesmo o que naturalmente lhe era de direito como
homem e Deus mas renunciou a todas as coisas e “esvaziou-se” (Ef 2:1-8) para que
pudesse ser o Redentor da humanidade. Uma vez que a tendência para o pecado é
“natural” no ser humano caído, é nesse plano da inclinação pecaminosa que Satanás
opera seu cativeiro na humanidade.
O Adversário, não tendo em Cristo um cativo vítima da propensão ou
concupiscência do eu para o pecado, deveria buscar outro módulo de ação no qual ou
através do qual, se possível75, pudesse ter acesso àquele que declarou acerca de Satanás:
72
DTN, 104.
73
1ME, 253
74
Deus lhe vedou o caminho suave: “é necessário que o Filho do homem padeça...” Era o “Homem de
dores” (Is 53:3). Apesar de ser parte de Sua pessoa, Jesus não deveria usar a divindade para benefício
próprio pois o homem não poderia faze-lo, além disso o Seu caminho deveria ser de renúncia daquilo que
todos os homens neste mundo têm como natural para a própria vida: não possuía projetos pessoais para
este mundo. Deveria renunciar ao conforto e privilégios, até mesmo à comida e à vida e até mesmo ao
exercício de Sua Eterna Divindade para cumprir sua Missão. A Redenção impedia-o de pensar no “bem-
estar” do Filho do homem. Sua vida deveria ser de “tristeza, dificuldades e conflitos” e Satanás faria sua
vida o “mais amarga possível”. 1ME, 286. Sua prova foi “mais cerrada e mais severa do que as que
jamais seriam impostas ao homem.” Ibid., 289.
75
A possibilidade de pecado em Cristo era tão real como o foi em Adão. DTN, 41, 103, 115, 660.
31
“nada tem em mim” (Jo 14:30). Satanás deveria buscar que Jesus decidisse desobedecer
a Deus não através de compulsão interior para o mal como ocorre conosco mas através
do exercício de Seus direitos naturais que lhe estavam vetados, a exemplo de usar a
divindade transformando pedra em pães para saciar a fome, coisa muito natural para
Jesus embora sobrenatural para nós! Natural tornar pedra em pães e natural saciar a
fome! Mais do que um direito, uma necessidade! Natural para alguém extremamente
fragilizado buscar segurança e escapar da dor, humilhação e morte. Natural e necessário
para o corpo e a mente em agonia receber e aceitar a proposta de ter o reino de volta
sem a morte. Natural recuar diante de um conflito maior do que a Sua humanidade –
conflito em favor de toda a raça humana – a morte eterna em lugar de todos, e retornar
para as delícias junto ao Pai. Muito natural soprar e varrer do planeta a impiedade dos
homens e anjos maus que o desonravam e contra Ele blasfemavam, mas o tempo para
esse tipo de juízo ainda não havia chegado.
Certamente a renúncia de Jesus abrangia também todas as satisfações da vida
humana e direito de fazer uso de poder divino para si. 76 Para viver restou-lhe apenas
uma “comida e bebida”: “fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4:34). A situação, portanto,
poderia ser colocada assim: a angústia física e mental de um corpo humano fragilizado
(pela renúncia de Suas naturais necessidades e até do exercício do poder divino) era o
caminho para que Satanás tentasse induzir Jesus a desobedecer a Deus (situações como
em Mt 4, descer da cruz entre outras)77.
Conosco o plano de investida do inimigo, mesmo em pessoas convertidas é explorar
os apelos naturais do homem caído (Tg 1:14; 4:1, 2) aos quais nos cabe renunciar em
favor da vontade de Deus. Em nós renuncia-se a natureza de pecado e seus apelos
contrários à santidade de Deus, mas, em Cristo, renuncia-se às necessidades de um
corpo fragilizado embora possuindo natureza sem pecado e também o uso de Seu
natural poder divino, uma vez que qualquer dessas alternativas seriam pecado ainda que
“por um pensamento”, mesmo em face da morte. 78 Em resumo:
a) Os pontos de investida eram diferentes (tendência para pecar em nós x desejo para
satisfazer necessidades naturais e inocentes em Jesus).
b) A base de resistência era a mesma (renúncia total do eu79 em favor da vontade de
Deus e entrega total aos seus cuidados).
c) A força da tentação era a mesma (os apelos da natureza: em nós interiormente para
pecar x em Cristo os apelos exteriores parar satisfazer necessidades naturais e
inocentes – comida, alívio da dor – e isto, muitas vezes, em condições extremas!).
Assim, Jesus sofreu, por outro caminho e conheceu por outro modo, as mesmas
pressões que nós que temos compulsão pecaminosa. Ele, porém, sem tal propensão para
o pecado!
A magnitude da Sua Missão e responsabilidade era um peso adicional que nós não
carregamos. Jesus deveria levar os pecados “do mundo” e tomar nossas “dores e
enfermidades” (Is 53). Sua preocupação não se restringia a uma vitória calcada em
razões pessoais para um escopo pessoal. Sua luta era representativa de Adão e neste de
toda humanidade. E mais do que a humanidade Ele deveria representar o caráter perfeito
de Deus perante todo o universo inteligente. Nosso fracasso é individual e pode afetar
outros mas sempre será um fracasso pessoal pois ele não é determinante, em termos
absolutos, dos destinos dos outros. A raça humana ou o caráter de Deus não dependem
exclusivamente do meu testemunho. A vida de Jesus era o único fator determinante para
a redenção da humanidade e para a vindicação do caráter do Pai. Com um conflito de
implicações e significados tão vastos não é difícil perceber que Sua prova possuía uma
magnitude maior do que a nossa.
O Salvador sofria qualitativamente mais que nós. Jesus era constituído de uma
natureza pura e consequentemente refratária ao pecado. Sua natureza aspirava santidade
e verdade. Estava, no entanto, num mundo de pecado e mentira. Ninguém jamais
“odiou” o pecado como Ele. Ninguém jamais vivenciou um contraste tão contundente
contra o pecado como Jesus82. “Ó geração incrédula e perversa. Até quando estarei eu
convosco e até quando vos sofrerei?” (Mt 17:17). Permanecer num mundo de pecado
era um fardo adicional para Sua natureza sem pecado não apenas pela contínua agressão
que isso significava mas também pelo motivo a mais que tal circunstância oferecia para
sugerir o desvio de Sua Missão redentora até o fim. Além do mais Ele estava exposto a
todas a “forças da confederação do mal”. 83 Talvez a nossa adaptação ao pecado não nos
permita sentir o desconforto de viver neste mundo mas para Jesus este lugar lhe era uma
contínua agressão pela generalização da iniquidade.
80
Roy Adams. The Nature of Christ. (USA: Reviw and Herald Publishing Association, 1994), 73-85.
Discute acerca da suposta vantagem de Cristo sobre nós. Sua posição é que Jesus sofreu a força total da
tentação enquanto nós recebemos apenas uma parte. Usando o que ele chama de “Escala Richter de
Tentação”, adaptando a que é usada para terremotos, Adams, representa graficamente a declaração de I
Co 10:13. Concordamos com a ilustração considerando que não foi a cruz que matou a Cristo afinal, mas
a tensão da prova que lhe rompeu o coração (DTN, 741). Assim, não foi a tensão total (conteúdo) que um
homem suportaria, foi maior, a ponto de romper o continente. Quebrou-se a escala. O abalo foi mais forte
do que o suportável. A dor estava além da capacidade humana. Nesse caso a intensidade não veio sob
medida, não pode ser avaliada. Foi “infinita” (Ibid., 743).
81
DTN, 102.
82
1ME, 254.
83
DTN, 101.
33
Conclusão
Concluímos esta abordagem entendendo que todo o homem nasce pecador e sob o
domínio do pecado, não porém Jesus, que tendo nascido de forma sobrenatural nasceu
santo, sem pecado e “separado dos pecadores”. Isso era necessário para que Ele mesmo
não estivesse na condição de perdido e precisasse de Redentor. No entanto, Sua
natureza sem pecado não lhe ofereceu vantagem sobre nós devido às limitações
decorrentes de Sua Missão. Ele precisou renunciar às necessidades e desejos lícitos,
inocentes e fundamentais de Sua humanidade perfeita num corpo fragilizado, sentindo
a dor da renúncia, dor esta que todos nós pecadores precisamos experimentar ao
renunciarmos nossa natureza caída e seus condenáveis desejos.
Tendo passado por tudo que passamos o Salvador possuía tentações que não temos,
sensibilidade que desconhecemos tornando Seu sofrimento mais agudo, pressões mais
intensas e sem limite além de pesar-lhe a vida do mundo e a resposta esperada pelo
universo.
Premido pela impossibilidade de uma segunda chance o Senhor não teria um
advogado caso pecasse. Daí concluímos que a natureza sem propensão para o pecado,
embora um qualificativo indispensável para que fosse o novo representante da raça
humana, para ser o segundo Adão, o faz passar por uma renúncia muito maior do que a
nossa que somos convidados a renunciar o pecado, dor e morte, mesmo considerando
seus efêmeros prazeres mas tendo o recurso do arrependimento, enquanto Jesus, como o
segundo Adão, não podia cometer qualquer erro.
Se nós sabemos o que é desejar o proibido por causa de nossas vis propensões e não
tê-lo pois seria pecado, Ele também sabe o que é ser vedado ter o que desejava (ainda
que não desejasse o errado) pois isso seria comprometer a nossa salvação e a vontade do
Pai. Ele sabe o que é renunciar a si mesmo, e o muito que tinha, para nos salvar, assim
como nós sabemos o que é renunciar o pouco que temos e o que somos em nossas
tendências más, para nossa própria salvação (e isso pela Graça).
Finalmente, sendo tentado em tudo como nós e mais do que nós, mas sem pecado, se
tornou o nosso Modelo Divino, em lugar do primeiro Adão, do que Deus esperava que o
homem fosse “física e espiritualmente” quando em harmonia com a lei de Deus.84
84
Se nosso alvo é a estatura de Cristo (Ef 4:13), nosso Modelo (1ME, 338), como poderíamos vê-lo como
alguém com as mesmas tendências mórbidas para o pecado que nós? Ã parte dos momentos de conflito
em que sua aparência foi desfigurada (Is 53; DTN, 103) e dos efeitos redutores de sua capacidade física
devido aos fatores hereditários, Jesus era sem defeito “físico ou espiritual” (DTN, 42).