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Resposta à consulta sobre o livro Como ser (Realmente) Feliz de autoria de Olvide
Zanella, 2006.
Por Demóstenes Neves da Silva

O livro Como ser (Realmente) Feliz de autoria de Olvide Zanella (2006) parece
um plágio das idéias perfeccionistas que se encontram no livro Touched with our
feelings: a historical survey of Adventist thought on the human nature of Christ de J.R.
Zurcher (1999) cuja resenha se encontra anexa.
Trata-se de uma tentativa de mostrar que a perfeição na conduta cristã é possível
individualmente e coletivamente na igreja, assim
 como o foi na experiência de Jesus. Em decorrência disso, boa parte do
livro é dedicada a defender a idéia de que
 Jesus teria nascido com natureza pecaminosa, desejando e tendo
tendência para o pecado, embora não tivesse cometido atos pecaminosos.
Para o autor do livro,
 Jesus não pecou porque já nasceu unido com a divindade e quando
chegou à idade em que poderia escolher pecar evitou transgredir porque
nele havia a união do humano com o divino. Assim, segundo o livro,
 na conversão, nós que também temos natureza pecaminosa recebemos a
natureza divina, e por isso, podemos viver sem pecar como foi a vida de
Jesus.
O conteúdo do livro: Embora fale de amor, perdão, amar os inimigos, ter
domínio para não perder o controle, etc., como prova de vida perfeita, o livro nega
exatamente a prática do que diz ser possível. As páginas amarelas iniciais aparecem
com frases grifadas e em destaque, apresentando denúncia e protesto contra a disciplina
ministrada na igreja de origem, evidenciando agressividade e rancor não resolvidos a
ponto de ser necessário divulgar para pessoas que não estiveram envolvidas e que não
terão oportunidade de ouvir o outro lado da história - o que revela um procedimento
antiético e anti-bíblico (Mt. 18 - “vai ter com ele só”). Esta atitude do autor parece igual
ou pior do que os pecados que denuncia naqueles que, pretensamente, o “magoaram”.
Ainda, nessas páginas iniciais e no conteúdo do livro, surgem acusações de que a
igreja encontra-se em apostasia, que rejeitou a mensagem de justificação pela fé e,
também, faz ataques desqualificando a administração da Associação da igreja da qual
fazia parte. Isto também se revela em desacordo com a orientação de Jesus
(especialmente para quem deseja dar exemplo do que é uma “vida perfeita”) e de como
resolver conflitos entre cristãos (Mt. 18).
Impressão sobre o autor: Posando como defensor do amor, poder do Espírito e
de como ser feliz, o livro, na realidade, revela um tom de mágoa e agressão contra a
igreja, indicando alguém que não é (realmente) feliz.
O método usado para “ser feliz”: Apresentando uma mistura de justificação
pela fé e pelas obras a ênfase do livro recai no esforço humano, através de práticas
devocionais e vigilância constante do comportamento, concepções próprias do
legalismo disfarçado, não importa quão elaborado tente ser o discurso do autor.
Legalismo, mágoa, acusação generalizada, interpretações forçadas e superficiais da
Bíblia parecem contrariar a tentativa sem sucesso de ensinar “como ser realmente feliz”
como o livro pretende.
O livro, entre outras coisas, exige igualdade entre Jesus e nós, no que refere à
tendência pecaminosa, para que ele possa ser nosso Salvador. Só que, negando que
Jesus era isento de tendência para o pecado o livro acaba negando a igualdade entre ele
2

e nós: Jesus não teria pecado, segundo o livro, por causa de sua divindade original, e
nós deveríamos não pecar por causa da divindade emprestada na conversão. Neste caso,

 Jesus teria nascido com vantagem sobre nós, pois não experimentou o que é ser
pecador de fato – mas teria como que nascido numa condição de alguém já
convertido. No entanto, esta é uma experiência que nenhuma outra pessoa
experimentou, o que o faz diferente de nós e o desqualificaria se for aceita a
teoria do livro, para ser nosso salvador e exemplo.
O autor
 confunde humanidade com pecaminosidade defendendo, de forma equivocada,
que, para ser humano é preciso ter tendência para o pecado. Porém, Adão,
quando criado por Deus, era plenamente humano e, no entanto, não tinha pecado
nem tendência pecaminosa. Nós somos humanos embora tenhamos pecado e
tendência. Pecado é condição e ato estranho à humanidade, no plano original de
Deus. Jesus deveria vir em nossa humanidade caída (não em vantagem por causa
de sua divindade como diz o livro), mas sem “qualquer” pecado (ato ou
condição), e foi o que aconteceu.
As tendências pecaminosas são desejos e inclinações para adulterar, mentir,
roubar – o pecado que habita e nós – de acordo com a Bíblia (Rom. 7:17). Dizer que
Jesus tinha tendência pecaminosa é desconhecer o sentido bíblico dessa expressão. Seria
dizer que o pecado estava em Jesus, mas ele não o deixava aflorar em consentimento e
ato, o que contradiz uma interpretação mais ampla e justa da Bíblia que insiste que em
Jesus não “existia” pecado (I Jo. 3:5). Ou seja nem a semente (tendência) e nem em
frutos (atos).
Ao contrário do que promete o livro, em vez de dedicar-se ao “como” se pode
viver uma vida sem pecado (e ser feliz), prende-se mais a argumentos sobre a natureza
de Cristo, o plano da salvação e definições diversas e auto-contraditórias para justificar
o ponto de vista do autor. O livro, por exemplo, diz que “os que não atingirem a
condição de perfeição, esperada pelo Senhor, serão arrastados pela onda do mal, e
perecerão juntamente com os ímpios” (p. 210). Perfeição esta que, segundo o autor, só
Deus sabe quem alcançou; mas nem a pessoa sabe de si e nem ninguém de outro
sobre quem alcançou a perfeição para “ser feliz” e ser salvo.
Afinal, como se pode ser feliz e se salvar pela perfeita obediência, da forma
como o próprio livro ensina, quando não se sabe se tal coisa foi alcançada (p. 184)?
Como dizer que “nem passa pela mente de quem é perfeito dizer que é perfeito” quando
é essa “perfeição” que o autor diz que devemos ter e buscar como cristãos (p. 184)?
Como procurar uma perfeição para ser feliz se não se sabe se foi alcançada e nem qual o
padrão (p. 205, 206) a ser atingido conforme declara o autor? Parece que não há receita
melhor para o auto-engano (I Jô 1:8) ou angústia legalista (infelicidade) do que
depender de alcançar o que não é definido e que não se sabe se foi alcançado e nem se
ter resposta se o alvo foi alcançado, embora disso dependa a felicidade e a salvação da
pessoa.
 Outro aspecto rejeitável é a afirmação de que a pessoa pode ser feliz desde que
siga com sua consciência limpa (p. 207) que por sua vez não é um padrão
absoluto (p. 205, 206). Desse modo, você pode transgredir, mas como não sabe
que é pecado, tudo bem (estaria sendo “perfeito”). A paz de espírito com Deus (a
felicidade) estaria na consciência de cada um.
Infelizmente a idéia acima propõe o subjetivismo, idéia mundana e secular, não
esquecendo que a doutrina da felicidade da “consciência limpa” conduz ao autoengano,
pois a consciência não é guia seguro. Está correto buscar ser obediente e reconhecer que
3

a experiência cristã é variável e de acordo com a luz recebida, mas centralizar a paz com
Deus (a felicidade cristã) em procedimentos praticados por seres humanos e na
consciência humana é um dos maiores erros dos que se dizem cristãos. Isto, apesar de
tantas voltas argumentativas do autor só leva a um posicionamento do qual se esforça
para se distanciar, mas que defende o tempo todo: salvação pelas obras.
O livro tenta disfarçar a natureza legalista da salvação que defende, e se esforça
para camuflar o perfeccionismo que divulga. Para isso cria definições e interpretações
que não combinam com os textos bíblicos apresentados, forçando a interpretação de uns
e omitindo outros que se oporiam ao seu ponto de vista, conforme veremos:
 Por exemplo, ao declarar que pecado involuntário e inconsciente não gera culpa
(p. 45, 59, 62, 70, 71) está induzindo o crente a ficar em paz mesmo sendo
culpado diante de Deus, inclusive não se sentindo responsável para corrigir
erros, com a desculpa de que foi tudo “inconsciente” ou “involuntário. Parece
um tipo de “jogo do contente”, que faz de conta que se está bem, mesmo estando
mal. Para justificar sua posição o livro interpreta errado misturando contextos
com significados diferentes como em João 9:41 e 15:22, 24. Nestas passagens
trata-se do pecado de não aceitar Jesus como Messias - o tema “pecado por
ignorância”, no sentido bíblico de Ezequiel 18, está fora do contexto das
passagens utilizadas, pois não é o tema da discussão nesta parte do evangelho.
 Para o autor do livro, pecado seriam somente atos “conscientes” de
transgressão, mas isso contraria a Bíblia. A Escritura qualifica como pecado
mesmo aqueles cometidos por ignorância ou inconsciência (Lv. 4 e 5:2-5).
 O livro também limita (p. 44) o sentido de pecado. A Bíblia ensina (conforme
artigo anexo) que pecado é, por definição e pelo sentido dos termos gregos
originais utilizados, transgressão da lei, não fazer o bem; não agir por fé e
também a condição humana pecaminosa identificada pela tendência para
pecar.
 A IASD não ensina que Adão passou culpa no sentido católico para nós (p. 49,
50). O livro insiste num assunto que não tem nada a ver com a igreja adventista.
O pecado de Adão jogou a raça humana na condição de “mortos em ofensas e
pecados” (Ef. 2:1) debaixo do pecado e sob seu domínio, cujas tendências Paulo
chama de pecado (Rom. 7) e que estão em nossa carne. Tendência pecaminosa
inerente é condição pecaminosa, explicitamente classificada assim pela Bíblia.
A transferência do pecado de Adão (são as conseqüências da sua escolha = a
condição pecaminosa e morte eterna) o que é diferente daquela registrada em
Ezequiel 18 (culpa de atos individuais). O autor confunde as duas coisas (p. 61,
76).
1. Retiramos do artigo A Natureza Humana de Cristo e a da Humanidade
Caída - Diferenças e Semelhanças (Revista Teológica, SALT/IAENE) em
anexo, os pontos que se seguem:
a) No Salmo 51: 5 a Escritura declara que em “iniqüidade” (!Aw[;( = avon=
perversidade, depravação, iniquidade, culpa de condição, conseqüência de ou
punição por iniquidade) o ser humano (retratado na experiência de Davi) é gerado
(formado no ventre) e em “pecado” aj.xe= hatha = ofensa, culpa pelo pecado,
punição) é concebido pela mãe. 1
b) A palavra avon é usada em Êxodo 20:5; 34:7; Números 14:18 e
Deuteronômio5:9 quando Deus diz que vai visitar a iniquidade (avon) dos pais sobre
os filhos os quais, evidentemente, perpetuam a perversidade e depravação dos pais.
1
O significado das palavras hebraicas avon e hatha no Salmo 51:5 e Exôdo 20:5 foi retirado de
BUSHELL, Michael S. Bible Work for Windows, USA, 1996.
4

A morte (que é resultante do pecado), de acordo também com o pensamento do


apóstolo, corroborando a idéia acima, “passou” a todos os homens, assim, todos
pecaram (Rom 5:12). Portanto, o pecado aqui não é identificado apenas como um
ato que alguém comete, mas como uma inescapável situação de corrupção e
perversidade na qual o ser humano vive e que é transmissível aos descendentes.
c) Para demonstrar essa escravidão Romanos 3:9-18 declara que todos estão
debaixo (u`pohupó = nas mãos de, sob a autoridade de) 2 do pecado. Não é uma
questão opcional, é um cativeiro. Essa não é uma situação da qual se conhece
exceção: “todos” pecaram (hamartia) (Rom 5:12).
d) Ainda sobre o pecado como condição e propensão depravada para pecar,
confessa o próprio apóstolo, em Romanos 7:14-25, declarando: “eu sou carnal” (v.
14). O termo grego para “carnal” é sarkino,j(sarkinós) que significa estar “sujeito à
propensão da carne”, 3 demonstrando que a propensão para pecar é, em si, evidência
de pecado como condição. Essa propensão carnal é contrária à lei de Deus que é
“santa, justa e boa” (v. 12) e espiritual (v. 14). Os verso 13-25 explanam
sarkinóscomo uma condição que está presente, um drama ainda por ser resolvido
na vida do apóstoloNão cabe aqui especular que Paulo não era convertido ou coisa
parecida. Além disso, o apóstolo fala do “pecado na minha carne”, pecado “que
habita (oi`kou/saoikoúsa = morada familiar, que permanece) 4 em mim”. Como
está explícito, o pecado ao qual se refere não é o que ele está fazendo, aqui é algo
que “está” nele e dele faz parte.
e) Aliás, a própria palavra “pecado” (a`´marti´,ahamartiaem Romanos 7 tem
o sentido de “princípio ou causa do pecado”. 5 Nos versos 17 e 20 o sentido explícito
é de “inclinação para pecar, propensão pecaminosa”. 6 Mesmo convertido, salvo em
Cristo, o apóstolo, reconhecia-se como pecador por causa dessa propensão carnal
que nele habitava. Não um praticante contumaz do pecado, mas alguém cuja
natureza pecaminosa, corrompida, ainda não havia sido retirada, o que ocorreria
apenas por ocasião da ressurreição dos justos na volta do Senhor (I Cor 15:49-54; I
Tess. 4:13-17).
f) O pecado também não é tratado como atos individuais em Gálatas 3:22. Sem
escolha por parte das pessoas, o evangelho encerrou
(sune,kleisensunekleisenprender junto como peixes numa rede”, “fechar junto,
cercar”) 7 toda a humanidade (pa,nta panta = todas as pessoas”) 8 debaixo (u`po
´,hupó = “sob, nas mãos de”) do pecado.Assim, todos os que nascem neste
mundo são pecadores.
g) Por que, então, Cristo Jesus não era pecador? Mesmo que, por um milagre
divino, Jesus não cometesse nenhum pecado enquanto ato, seria pecador pelo
simples fato de ter propensão para pecar (ainda que refreada pelo poder do Alto).
Teria o pecado da depravação natural por ser igual a nós. Depravação inerente não é
o mesmo que assumir o nosso pecado na cruz. Ali ele foi feito pecado como
substituto. Se tivesse propensão para o mal o pecado estaria em sua carne. Por outro
lado, somente seria totalmente igual a nós, enquanto pecadores, se possuísse tal

2
The analytical Greek Lexicon (doravante Léxico). Zondervan Publishing House. Michigan, USA, 1977,
417.
3
Ibidem, 364.
4
Ibidem, 285.
5
Ibidem, 17.
6
Ibidem.
7
Aoristo de sugklei,w. Ibidem, 388, 380.
8
Ibidem, 311.
5

propensão ou depravação natural para pecar. Isso é negado no Evangelho quando o


Salvador declara que “o príncipe deste mundo nada tem em mim” (Jo. 14:30). Ele
não tinha pecado algum, de espécie alguma. Ele não era igual a nós, mas
“semelhante” ou em outras palavras: era igual a nós em tudo, mas diferente em uma
coisa - o pecado, como ato e condição, que se manifesta na propensão para o
pecado. Portanto, Jesus não tinha pecado, assim também não tinha propensão para
pecar, pois a propensão, em si, já implica numa condição pecaminosa.

2. O livro diz que Jesus tinha tendências hereditárias para pecar (p. 75, 85, 86, 88,
89), mas Ellen White declara que Jesus não tinha tendência para o pecado,
mesmo tendo nossa natureza caída (enfraquecida fisicamente), conforme
citações abaixo:

“Sede cuidadosos ao vos demorardes em pensar na natureza humana de Cristo. Não O


apresenteis perante o povo como um homem com as mesmas propensões de
pecado. Ele é o segundo Adão. O primeiro Adão foi criado como um ser puro e isento
de pecado, sem qualquer mácula de transgressão sobre si; ele estava na imagem de
Deus. Poderia cair, e caiu mediante a desobediência. Devido ao pecado, sua posteridade
passou a ser gerada com propensões inerentes à transgressão. Mas Jesus Cristo foi o
Filho Unigênito de Deus. Ele tomou sobre Si a natureza humana, e foi tentado em todos
os pontos em que é tentada a natureza humana. Ele poderia ter pecado, poderia ter
caído, mas nem por um momento houve nEle uma má propensão.” EGW, BC
5:1121 (grigo nosso).

“Nunca, de maneira nenhuma, deixai a mais leve impressão sobre as mentes


humanas de que pairasse sobre Ele corrupção, mancha ou inclinação para o pecado, ou
de que Ele, em qualquer hipótese, sucumbiria à corrupção. Ele foi tentado em todos os
pontos como o homem é tentado, porém, é chamado de ‘aquela coisa santa” (grigo
nosso).

“Venceu Satanás com a mesma natureza sobre a qual Satanás havia obtido a vitória no
Éden.” The youth’s Instructor, 25 de abril de 1901; EGW, BC 5:1128, 1129 (grifo
nosso).

3. O livro sugere que Jesus não pecou por causa da natureza divina com a qual já
nasceu (p. 76, 91). Assim, o autor se esforça para mostrar que Jesus era igual a
nós por ter tendência para o pecado, mas desfaz tudo isso informando que ele
não cedeu a essa tendência porque já nasceu impedido de errar por causa de
sua divindade. Dessa forma confere a Jesus uma vantagem não humana
(divindade) que nenhum ser humano teve ou tem ao nascer ou enquanto numa
faixa etária na qual ainda é inconsciente e ignorante dos seus atos. Neste caso, a
vantagem de Jesus advém de uma condição não humana: a sua divindade, e,
assim, ele estaria desqualificado para ser nosso exemplo. Por outro lado, se ele
foi humano, mas sem tendência para o pecado, com a natureza de Adão, ele seria
totalmente humano (Adão era totalmente humano ante de pecar, no Éden, sem
natureza ou tendência pecaminosa) uma vez que humanidade não é ser
pecaminoso, é, simplesmente, ser humano. Adão foi mau exemplo quando
estava numa situação sem tendência para o pecado. Jesus é bom exemplo
estando numa condição enfraquecida, mas sem tendência para o pecado, pois
suas tentações foram como as nossas e mais intensas. A qualificação do
6

Salvador não depende de ter tendência pecaminosa, mas de ser humano


(vencendo independente de ser Divino) e de não ter pecado (sem ato ou
tendência de pecador). (veja artigo anexo sobre as tentações de Cristo).
4. O autor tenta mudar o sentido original do grego para favorecer sua idéia, uma
prática comum dos que torcem a Bíblia – também evidência de seu despreparo
no assunto. A Bíblia insiste em que Jesus não era igual a nós, mas “semelhante”
(Hb. 2:17; 4:15); Contrariando a Bíblia, o autor do livro argumenta sobre o
significado do grego homoious dando a impressão que está defendendo o sentido
original de semelhança (p. 77), no entanto, contraditoriamente, conclui pelo
sentido de igualdade (p. 78). Para isso cita palavras portuguesas derivadas do
radical grego, demonstrando desconhecer que o sentido original é que deve ser
usado. O autor ignora que, o sentido do radical em português, por razões
semânticas, possui conotações às vezes diferentes do original. Entretanto, ser
semelhante, parecido, não é ser igual. Por exemplo, consultando a palavra no
léxico de grego9 publicado em língua inglesa vemos que homoious é traduzido
por “similar”, em inglês (com o sentido de assemelhar). Em Hebreus 4:15 é dito
que, apesar de ter sido tentado em todas as coisas à nossa semelhança ele foi
diferente em não pecar (o`moio,thta cwri.j a`marti,ajhomoióteta korís
hamartias = à nossa semelhança mas sem pecadoA palavra grega sem (korís)
significa “separado, à parte de” e, especialmente na passagem em questão,
significa “com a exceção de” pecado. 10
5. Alguns têm tentado argumentar que Jesus teria pecado em algum sentido
(tendência pecaminosa)11, pois somente assim ele poderia “compadecer-se” de
nossas fraquezas. Mas a própria epístola de Hebreus refuta essa hipótese várias
vezes. Uma das razões é que no caso do capítulo 4 verso 15 o assunto central
não é a igualdade conosco nas fraquezas, mas na sua capacidade de socorrer. 12
O “compadecer-se” (sumpaqh/saisumpatêsai = simpatizar com, sofrer com,
ter compaixão) 13 não indica que ele têm as mesmas fraquezas, mas que delas se
compadece pois sabe o que é ser tentado. Neste verso, propositadamente, o autor
apresenta uma “similaridade” (tentado em todas as coisas à nossa semelhança) e
uma “distinção” (sem pecado) desviando-se, assim, da idéia de igualdade. 14
Assim, no Léxico grego, a tradução de o`moiwth/nai (homoiotênai) é indicativa
de uma igualdade limitada. O dicionário inglês indica o sentido da palavra
(similar) tradução de homoiotênai: “ Aparentando ou sendo quase o mesmo,
embora não exatamente”. Continua o dicionário: “Similarity [palavra inglesa
traduzida para o português como “similaridade”]. A condição de ser ou um
modo particular de algo ser quase o mesmo” (grifo nosso). Os homens, pelo
exemplo dado no referido dicionário, são similares às mulheres, mas não são
fisicamente iguais. 15 Além do mais, se houvesse a intenção da Escritura em
demonstrar a igualdade em natureza pecaminosa e propensão para o pecado em
Jesus, a palavra apropriada seria outra. Em lugar de “semelhança” a Escritura
registraria “igual” (i;soísoscomo ocorre em João 5:18 ao destacar a
9
Lexicon, 296, 288.
10
Ibidem, 440, 441.
11
Para uma compreensão do pecado como tendência pecaminosa ler artigos anexos.
12
LANE, Willian L. Word Biblical Commentary (WBC). Vol. 47b. Word Books Publishers, Dallas,
Texas, USA, 1991. 114, 115.
13
Infinitivo aoristo de sumpaqe,w (sumpatéw = compadecer). Léxico, 383.
14
WBC, Vol. 47a. 115.
15
Cambridge Dictionary of American English. Cambridge University Press. UK, 2000. 800. (grifos
nossos)
7

igualdade de Jesus com o Pai ou em Filipenses 2:6, 7 onde a palavra “igual”


(i;soísosé utilizada na comparação entre Jesus e Deus (v. 6) e a expressão
“em semelhança” (o`moiw,matihomoiómatié usada para a comparação entre
Jesus e o resto da humanidade (v. 7)”. Finalmente, mesmo que Jesus fosse
“igual” a nós ele, mesmo assim, teria sua experiência própria como indivíduo e
que seria diferente de todos os demais. As experiências humanas são diferentes e
mesmos as experiências iguais são percebidas e sentidas diferentemente. O
raciocínio de alguns, de que para compreender nosso problema e ser nosso
exemplo exige-se igualdade entre Jesus e nós, esbarra na singularidade humana.
Jesus poderia ser exemplo para uma mãe? Uma grávida? Um drogado? Um rico?
Como? Se ele não vivenciou essas experiências? Assim, a salvação não depende
de igualar as experiências, mas de ser humano e santo para cumprir no propósito
de Deus a Redenção. Bastava ser humano, sentir e sofrer como um ser humano
e, no entanto, ser sem defeito espiritual algum.
6. O livro, várias vezes se contradiz como na pág. 88 quando diz que o ser humano
nasce com mente neutra e depois diz que nascemos com tendência para o mal.
Se há tendência já não é neutra! (Ef. 2:1-3).
7. A aplicação de I João 4:1-6 e II João verso 7 é um exemplo entre outros de uso
equivocado do texto da Bíblia. O texto fala que aquele que negar que Jesus veio
em carne é o anticristo. O autor aplica o texto aos que negam a tendência
pecaminosa em Cristo e, para acusar a igreja de anticristo, torce a Bíblia. Na
verdade, de acordo com os estudiosos, João está afirmando a encarnação que era
negada por grupos gnósticos da época (seita que negava a encarnação de Cristo)
sem entrar no mérito da tendência pecaminosa.
8. O perfeccionismo alega que pode haver perfeição moral e é o que o livro
também diz (p. 53, 95, 133, 210). Perfeição moral, impecabilidade, são
diferentes da imperfeição humana. Pois não há homem que não peque. Por não
admitir o que a Bíblia diz o autor falsifica seu sentido, fazendo uma
interpolação, e torcendo o significado de Eclesiastes 7 sugerindo que o versículo
20, bem como os versos 11, 15 e 16 (onde a Palavra de Deus diz que não há
homem justo que faça o bem e nunca peque) “não são afirmações de Deus, mas
apenas ditos mundanos” (p. 178). Assim, o autor dá a impressão de que não há
outras passagens que fazem a mesma declaração. Segundo a Escritura,
excetuando Jesus (I Pd 2:22), nunca ninguém viveu sem pecado (Pv. 20:9; I Rs
8:46; Rm 3:23). O apóstolo João, por outro lado, dirigindo-se aos crentes, diz
que, quem disser que não tem pecado é mentiroso, faz Deus mentiroso e engana
a si mesmo. Ainda apela para não pecarmos, mas se isso ocorrer, temos
advogado – Jesus (I João 1:8-2:2).
9. O autor confunde a passagem de Ap 14:5, que fala sobre os salvos que estarão
vivos após o fechamento da porta da graça, na condição especial de selamento,
com a experiência antes daquela experiência descrita em I João 1:8. Na primeira
passagem (Ap. 14:5) o foco está numa providência especial que o Cordeiro
operou nos 144 mil, e, na segunda passagem, fala da experiência que pode se
aplicar ao autor do livro e a todos os que pensam como ele: “se dissermos que
não temos pecado nenhum, enganamos a nós mesmo. E a verdade não está em
nós” (I Jô 1:8). As passagens descrevem, assim, contextos diferentes.
10. O autor praticamente desqualifica os programas de rádio e cursos bíblicos e
indica que “dar exemplo [...] É a ÚNICA maneira” de influenciar. No entanto,
contraditoriamente, usa do livro para influenciar outros com suas idéias e
8

diverge da prática e orientação de Ellen White e da igreja que incluía o exemplo


entre outras formas de dar a mensagem.
11. Ao final do livro, o autor, em mais uma declaração de salvação centralizada no
homem interpreta a “veste nupcial” como “sinônimo de guardar a lei” (p.231) o
que é falso, pois a veste (a justiça dos santos) é símbolo da justiça imputada de
Cristo.
Finalmente, para uma tentativa de explicar a justificação pela fé o livro parece
totalmente dispensável e prolixo. Melhor, resultado além da própria Bíblia, se poderia
obter lendo o livro “Caminho para Cristo” de Ellen White, que, com menos páginas e de
forma suave, clara e objetiva contradiz os princípios perfeccionistas no livro em questão
e conduz ao verdadeiro “como” ser feliz através da justificação pela fé, corretamente
entendida, onde as obras são o resultado de ser justificado, salvo (feliz) e não o “como”
ou meio de alcançar a felicidade - que é salvação pelas obras.
Seguem anexos dois artigos sobre a natureza humana de Jesus e suas tentações dentro
de uma abordagem bíblica e no Espírito de Profecia. Os artigos abordam mais
detalhadamente aspectos mencionados nesta análise.

Pr. Demóstenes Neves da Silva


9

ZURCHER, J.R. Touched with our feelings: a historical survey of Adventist thought on
the human nature of Christ. Washington, D.C.: Review and Herald Publishing
Association, 1999. 306 p.

Resenhado por: Demóstenes Neves da Silva

Palavras-chaves: Jesus Cristo, natureza humana, encarnação, história da doutrina


adventista.

O livro de Zurcher é uma retomada histórica do pensamento adventista sobre a


natureza humana de Cristo. Após uma breve introdução ao tema o autor divide sua
apresentação em cinco partes: na primeira parte, dividida em dois capítulos, ele
descreve as posições de vários pioneiros da Igreja Adventista do Sétimo Dia e da
própria denominação sobre a divindade e a humanidade de Jesus. Na segunda seção,
com cinco capítulos, ele apresenta as posições de Ellen White e de pioneiros que se
destacaram em discussões cristológicas, sendo o último capítulo desta seção dedicado
ao movimento da “carne santa” no qual ele identifica como um ponto do
“perfeccionismo” a idéia da natureza prélapsariana em Cristo. A terceira seção é uma
analise de documentos oficiais incluindo aqui como “oficiais” artigos de periódicos e
materiais que não foram alvo de aprovação por voto na igreja (como artigos de
periódicos, por exemplo). A quarta seção é uma apresentação de personagens e obras
que se posicionaram de forma diferente no que se refere a qual natureza Jesus tomou ao
encarnar. Na última seção, como conclusão do livro, Zurcher pretende demonstrar a sua
posição como a ortodoxa, baseada no retorno às fontes adventistas e fundamentos
bíblicos.
O livro chama a atenção para o desvio da doutrina adventista no que se refere à
natureza humana de Jesus como decorrente de duas principais doutrinas católicas: a
imaculada conceição e o pecado original. A primeira seria responsável pela idéia de que
Jesus teria nascido com uma natureza igual à de Adão antes da Queda e a segunda pela
noção de que os seres humanos nascem culpados pelo pecado de Adão. Essa duas
doutrinas teriam, segundo Zucher, influenciado duas posições difundidas (mas erradas)
no seio adventista: uma que ele chama de “nova cristologia” ou “posição pré-
lapsariana” – que declara que Jesus tinha uma natureza não caída igual à de Adão no
Éden (e, portanto, o Senhor não seria igual a nós não podendo, assim, ser nosso
exemplo e nem ser nosso salvador); a outra posição é a que ele chama de “cristologia
alternativa” a qual, embora tenha o mérito de atribuir a Jesus a natureza caída, peca por
tornar essa natureza parcialmente caída, uma vez que Jesus herdou enfermidades
inocentes e não as tendências pecaminosas como nós.
Para Zurcher a posição correta, de acordo com os pioneiros e Ellen White,
especialmente pelos testemunhos da Bíblia, é a posição que ele chama de “tradicional”
ou “cristologia histórica”. De acordo com essa posição Jesus e nós herdamos as mesmas
fraquezas e propensões produzidas depois do pecado sem nenhuma exceção, exceto que
Jesus nunca pecou como ato, o que infelizmente ocorreu e ocorre com todos os seres
humanos.
O livro é resultado de uma pesquisa bibliográfica detalhada e análises
direcionadas de passagens da Bíblia pertinentes ao tema.
O autor esforça-se por apresentar o erro de autores adventistas que tentaram
demonstrar que a posição “tradicional” não foi a predominante na história da igreja. Ao
fazer isso ele dedica a maior parte do seu livro para resgatar o pensamento pioneiro. A
10

questão, que pode ser levantada, é se o pensamento pioneiro deve ser visto de forma
dogmática e estática, ou como um primeiro pensamento que poderia ser ampliado e
melhor compreendido posteriormente como ocorreu com outras doutrinas. Por se tratar
de revisão histórica o argumento se detém mais na análise do pensamento dos pioneiros
e ao pretender provar o ponto a partir também da Bíblia a exegese sofre perda.
Sobre a influência das doutrinas católicas na cristologia adventista a afirmação é
pouco fundamentada. Textos bíblicos poderiam ser igualmente alinhados, juntamente
com outros de Ellen White, para demonstrar que Jesus possuía, de fato, uma natureza,
pelo menos em alguns aspectos, diferente da nossa. Se esse “santo” ao nascer não teve
pai humano e foi gerado pelo Espírito Santo, como poderia ser 100% igual, quanto às
propensões, àqueles que nascem “em iniqüidade” e são nascidos “da vontade da carne”?
A cristologia de Zurcher, embora balanceada pela confissão do mistério da
encarnação, de que Jesus era igual, mas sem pecado, deixa, talvez, mais interrogações e
problemas do que pretende resolver na compreensão desse mistério da Palavra de Deus,
especialmente quando essa cristologia é transposta para a vida cristã prática. Por
exemplo, se o desejo prático divino é que todos nós levemos uma vida sem pecado,
como a que Cristo levou, por que ninguém até hoje conseguiu isso? Teria Deus sido
bem sucedido na justificação pela fé em salvar todo o que crer e não teve um único
êxito sequer em apresentar um só homem que tenha vivido sem pecado como Jesus
viveu? Se todos somos como Jesus foi, e vice-versa, seria a única diferença entre nós e o
Senhor apenas a “dedicação” de Cristo? De onde teria vindo essa dedicação “extra” e
porque ela não foi concedida ou desenvolvida por outros, uma vez que Deus queria que
assim fosse? Não se poderia acusar a Deus de “esperar” uma obediência que Ele sabia
que jamais seria alcançada na prática? Não seria, a conseqüência prática da cristologia
de Zurcher, uma utopia teológica da perfeição cristã?
Outros problemas práticos surgem na diferença entre nós e Cristo: o pecado,
segundo o autor, somente se configura na hora em que decidimos pecar. Surge a
pergunta se seres humanos, sem condição de decidir, não possuem pecado. O que dizer
dos que morrem com alguns meses ou nos primeiros anos de vida sem terem a
capacidade de poderem decidir transformar a “propensão” (desejo) em “má propensão”
(pecado de fato)? Seriam eles, juntamente com certos deficientes mentais, “sem más
propensões”, sem pecado, como Jesus, ou haveria alguma diferença nesses casos em
particular?
Zurcher admite o paradoxo na equação lógica: Jesus herdou a mesma natureza
que nós depois do pecado, nós somos pecadores, logo, Jesus foi pecador também. Na
realidade sua conclusão é a mesma que as das outras duas posições, só que as outras
(por admitirem algum nível de natureza pré-lapsariana na humanidade de Cristo) não
tropeçam na lógica: Jesus não tinha pecado. A equação no caso da posição
“tradicional”, sugere que algo diferente, desconhecido, havia no Senhor que o favoreceu
a não cometer pecado em relação a outros seres humanos (não seria algum aspecto pré-
lapsariano?) e, ainda, negativamente, que ele trazia, em si, a mesma condição maculada,
dos perdidos diferenciando-se apenas na “escolha para não pecar”.
Outros questionamentos poderiam ser levantados ao longo da obra: o pecado
como condição é tratado de forma limitada; a “responsabilidade” pessoal em
Deuteronômio e Ezequiel, que se refere à incidência de penalidade sobre um parente, é
generalizada a um princípio de transmissão hereditária (p. 291) o que são coisas
diferentes; na página 279 a palavra “vicariamente” relativa ao sacrifício substituinte é
interpretada como conduzindo ao docetismo, quando a palavra refere-se apenas à
verdade bíblica de Ele não pecou como todos, mas morreu levando a iniqüidade de
todos.
11

Finalmente, a obra contribui significamente com o tema cristológico, mas sua


abrangência histórica, analítica e bíblica a caracteriza como uma obra panorâmica cujo
resultado natural é a ausência de profundidade em alguns pontos.
Também, o interesse do autor por seu ponto de vista o faz deixar de lado alguns
aspectos bíblicos, omitidos nas passagens analisadas, além de outros textos que
mereceriam ser tratados, uma vez que aparecem nos proponentes das outras “posições”.
Depreende-se da obra a mensagem de que podemos viver sem pecar e se isso
não ocorre é porque nós escolhemos pecar, no demais não há nenhuma diferença entre
Jesus e nós no que se refere à natureza herdada de Adão após a queda (p. 290-294).
Embora não tenha sido, possivelmente, a intenção do autor, e apesar das expressões
“pela graça” (e outras semelhantes) a leitura deixa a mensagem nas entrelinhas de que
se não sou como Jesus, “sem pecado”, é simplesmente porque não me esforcei
espiritualmente o bastante para decidir não pecar, daí para a angústia da santificação
pelas obras pode ser apenas um passo.
12

A Natureza Humana de Cristo e a da Humanidade Caída –


Diferenças e Semelhanças
Demóstenes Neves da Silva

A compreensão de qual natureza Jesus possuía tem-se revestido de importância


crescente, especialmente nos últimos anos. A Bíblia declara que “o Verbo se fez carne”
(Jo. 1:14), mas que tipo de carne? Até que ponto foi o comprometimento da natureza
humana de Jesus com o pecado? Até que ponto foi semelhante ou dessemelhante dos
seres humanos?
Vários artigos e livros têm sido publicados abordando a questão de qual natureza
humana Jesus possuía quando esteve na terra, evidenciando o interesse atual pelo tema.
Além disso, é importante rever o ensino bíblico sobre essa questão e quais
implicações para a fé cristã de se aceitar uma determinada compreensão sobre o tema.
A abordagem neste trabalho será feita investigando-se os significados de
expressões bíblicas referentes à natureza humana de Cristo, sua missão e a relação com
o pecado enquanto ato, experiência e presença na vida de Jesus. Este trabalho será
dividido em três partes principais: na primeira será discutida a extensão da semelhança
da natureza humana de Jesus com a da humanidade após o pecado e sua importância
para a missão redentora do Salvador. Também serão retomadas algumas definições
bíblicas de pecado, dentro dos limites que interessam a este trabalho de modo a ajudar
na compreensão da natureza humana de Jesus e sua relação com o fenômeno da Queda.
Na segunda parte se procurará entender as características da humanidade de Jesus,
que, segundo a Escritura, seriam necessárias para que ele pudesse ser sacrifício e
sacerdote aceitáveis. O enfoque será identificar o testemunho bíblico que declara em
que, a natureza de Cristo, era diferente da do ser humano após a Queda. Finalmente, na
terceira e última parte serão discutidos os resultados de se adotar como referencial para
a vida religiosa cada uma das interpretações apresentadas.

A CONVENIÊNCIA DE SER SEMELHANTE

O texto de Hebreus 2:5-18 apresenta o porquê Jesus deveria ser plenamente


humano. Deus destinou o domínio do mundo futuro (os novos céus e a nova Terra) aos
seres humanos redimidos e não a anjos (2:5). Jesus não veio salvar anjos, mas seres
humanos (2:16). Jesus, conforme o verso nove desse mesmo capítulo, se tornou menor
do que os anjos (não apenas menor do que o Pai). Essa “diminuição” ocorreu para que
ele pudesse provar o sofrimento. Sua obra somente seria perfeita (ou completa) através
desse sofrimento e morte (v.10). Hebreus 2:10, 17 declara que Jesus participou da carne
e do sangue porque assim convinha que fosse. A palavra “convinha” é traduzida de
termos gregos diferentes nos versos 10 e 17. No verso 10 aparece convinha ( e;prepen
éprepen = ser próprio, apropriado, ser adequado). Já no verso 17 aparece a palavra
convinha (w;feilen ófeilen =ser obrigado pelo que é devido ou que é necessário)
seguida da condição de que fosse em tudo semelhante aos irmãos (o`moiwth/nai
homoiotênai =ser parecido, assemelhar, ser similar.16
A semelhança de Jesus com nossa humanidade não foi, como o termo grego
esclarece, um capricho ou uma condição facultativa. Era uma obrigação, devida e
necessária.

16
The analytical Greek Lexicon (doravante Léxico). Zondervan Publishing House. Michigan, USA, 1977
296, 288.
13

Entretanto, ser semelhante, parecido, não é ser igual. A palavra “similar”, em


inglês (com o sentido de assemelhar), usada pelo Léxico para traduzir o`moiwth/nai
(homoiotênai) é indicativa de uma igualdade limitada. O dicionário indica o sentido da
palavra inglesa (similar) que traduz homoiotênai: “ Aparentando ou sendo quase o
mesmo, embora não exatamente”. Continua o dicionário: “Similarity [palavra inglesa
traduzida para o português como “similaridade”]. A condição de ser ou um modo
particular de algo ser quase o mesmo.” Os homens, pelo exemplo do referido
dicionário, são similares às mulheres, mas não são fisicamente iguais. 17
Nossa morte e ressurreição são descritas como semelhantes
(o`w,,homoiômati = em semelhança mas não iguais à morte e ressurreição de
Cristo (Rom 6:5). O significado e a dimensão da morte de Jesus foram únicos. É dito,
também de Melquisedeque, ser ele feito semelhante
avfwmoiwmée,noafomoioménos = feito semelhante ao Filho de Deus (Heb 7:3) e
que ele tem um ministério semelhante (´´o`’moio,tetaao de Jesus (Heb 7:15). De fato,
vemos que Jesus tem um ministério sacerdotal diferente. A menos que digamos que
Jesus é o próprio Melquisedeque. A Bíblia, no entanto, diz que ele vem “da ordem de
Melquisedeque” assim, não é o próprio Melquisedeque. Aliás, o autor de Hebreus teria
perdido uma boa chance de dizer que Jesus era Melquisedeque, aquele predito para
estabelecer outra ordem sacerdotal. A palavra “semelhante” indica que em certos
sentidos, Jesus e Melquisedeque se parecem, porém são diferentes em outros. Não são,
pois, iguais e nem a mesma pessoa.
Ainda sobre a questão da semelhança, em Romanos 5:14 é dito que o pecado
reinou sobre os que não pecaram à semelhança (o`moiw,matihomoiómati = em
semelhançado pecado de Adão. Na discussão do apóstolo, o pecado de Adão fez de
todos os homens pecadores. Cometido em situação e condições totalmente diferentes da
dos pecadores de hoje que já nascem com a natureza propensa ao pecado. É indicado
nas Escrituras que Adão, antes da desobediência, não tinha pecado algum o que
obviamente envolvia a propensão para o mal. Adão pecou pelo seu livre-arbítrio. Assim,
a justiça única de Jesus também tornou a todos os pecadores (cujo pecado não foi como
o de Adão) em justos (Rom 5:12-21).
Também em Romanos 8:3 o apóstolo declara que a lei estava enferma pela carne.
Era impossível que ela produzisse a salvação do pecador cujo íntimo encontra-se
contaminado e incapaz de, por si só, desejar e efetivar uma vida de obediência. Devido a
essa incapacidade humana, Jesus veio condenar o pecado na carne. Mas a carne em que
Jesus veio, embora nossa, não estava infectada em nada pelo pecado. Ele veio “em
semelhança de carne pecaminosa”. A expressão “em semelhança”
(o`moiw,matihomoiómatiindica a diferença em determinado aspecto, o pecado,
sobre o qual se discutirá adiante um pouco mais.
Caso Jesus viesse em carne pecaminosa igual a nós (retirando-se a palavra
‘semelhança’), então, ou ele precisaria de um salvador, estando irremediavelmente
perdido (por trazer inerentemente na carne a pecaminosidade comum à humanidade), ou
então sua morte teria sido um sacrifício desnecessário, pois a providência que o fez
obediente, sendo igual à humanidade, poderia tê-la feito também fiel, sem a graça que
vem do Calvário..
Se for argumentado que Jesus foi mais “dedicado” do que os seres humanos ao
orar e comungar com o Pai, embora tão frágil para pecar quanto qualquer outro, de onde
teria vindo tal dedicação e santidade? Dele mesmo? Se a resposta for sim, sua natureza
não teria sido igual a da humanidade em tudo, como alguns defendem, pois esta não
17
Cambridge Dictionary of American English. Cambridge University Press. UK, 2000. 800. (grifos
nossos)
14

possui inerentemente tal dedicação e santidade. Então ele tinha algo que ninguém teve.
Salvou-se por seus próprios méritos, daí, por que a humanidade não pode, com
dedicação, salvar-se por seus próprios méritos, como ensinava Pelágio 18 e tantos têm
tentado, em vão? Coloque-se a seguinte hipótese como se fosse verdadeira: Jesus era
totalmente igual a nós em sua natureza interior e não precisou de Salvador algum para
agradar a Deus. Por que um ser humano, com natureza igual à de Jesus, não pode fazer
o mesmo sem um salvador (sem Jesus)? O Evangelho, porém, declara, repetidamente,
que a salvação é concedida gratuitamente sem as obras da lei. Ninguém pode salvar-se
por si próprio devido a estar morto em ofensas e pecados. Jesus foi diferente por não ter
pecado algum e não somente por não cometer pecado. Assim, a carne pecaminosa de
Jesus é “semelhante” à nossa, não é igual.
Além do mais, se houvesse a intenção da Escritura em demonstrar a igualdade
pecaminosa em natureza e propensão para o pecado, a palavra apropriada seria outra.
Em lugar de “semelhança” a Escritura registraria “igual” (i;soísoscomo ocorre em
João 5:18 ao destacar a igualdade de Jesus com o Pai ou em Filipenses 2:6, 7 onde a
palavra “igual” (i;soísosé utilizada na comparação entre Jesus e Deus (v. 6) e a
expressão “em semelhança” (o`moiw,matihomoiómatié usada para a comparação
entre Jesus e o resto da humanidade (v. 7). Era, portanto, obrigatória a semelhança com
a humanidade pecadora mas isso não significava igualdade.19

A Diferença entre Jesus e a Humanidade a Partir do Conceito de


Pecado

Não se discutirá aqui se foi o ato de pecar dos nossos primeiros pais que os
separou de Deus, ou se foi a separação no íntimo que os levou a cometer o ato de pecar,
produzindo o ciclo vicioso no qual vivemos: pecamos (ato) por sermos pecadores
(separados de Deus) e vice-versa. O fato é que uma nova dimensão do pecado, a
propensão para o mal, se estabeleceu como conseqüência do pecado inicial. O ser
humano não mais nasce nas mesmas condições oferecidas no Éden. Naquela realidade
não havia propensão interior para pecar como é demonstrado pela Escritura haver hoje.
O pecado procede de dentro do homem (Mat. 5:28; 12:34; 15:18-19). O pecado é mais
do que um ato, uma vez que, na presente realidade, ele tornou-se uma condição natural
humana que se faz presente na propensão para pecar.

No Antigo Testamento

No Salmo 51: 5 a Escritura declara que em “iniqüidade” (!Aw[;( = avon= perversidade,


depravação, iniquidade, culpa de condição, conseqüência de ou punição por iniquidade)

18
Pelágio foi um monge inglês, possivelmente de origem irlandesa. Esteve em Roma no ano 400 AD. Sua
doutrina consistia em que Deus dá ao homem, como igualmente dera a Adão, poder natural para viver
sem cometer pecado algum, bastaria às pessoas exercerem esse poder. Esse ensino levaria ao
perfeccionismo e ao conflito com os ensinos diretos da Escritura sobre a salvação pela graça. Ver
BETTENSON, Henry. Documentos da igreja cristã. ASTE, São Paulo, 1963. 87-90. Para uma
abordagem histórica da controvérsia sobre as crenças de Pelágio ver: SCHAFF, Philip. History of the
Christian Church. Vol. III. Grand Rapids, Michigan, USA. WM. B. Eerdmans Publishing Company,
1960. 783-815
19
Para uma abordagem concisa sobre a palavra “semelhança” em grego e sua correspondência em inglês
leia-se VINE, W. E. A Comprhensive Dictionary of the Original Greek Words with their Precise
Meanings for the English Readers. MacDonald Publishing Company. Virginia, USA, s/d. 682-685.
15

o ser humano (retratado na experiência de Davi) é gerado (formado no ventre) e em


“pecado” aj.xe= hatha = ofensa, culpa pelo pecado, punição) é concebido pela mãe. 20
A palavra avon é usada em Êxodo 20:5; 34:7; Números 14:18 e Deuteronômio 5:9
quando Deus diz que vai visitar a iniquidade (avon) dos pais sobre os filhos os quais,
evidentemente, perpetuam a perversidade e depravação dos pais. A morte (que é
resultante do pecado), de acordo também com o pensamento do apóstolo, corroborando
a idéia acima, “passou” a todos os homens, assim, todos pecaram (Rom 5:12). Portanto,
o pecado aqui não é identificado apenas como um ato que alguém comete, mas como
uma inescapável situação de corrupção e perversidade na qual o ser humano vive e que
é transmissível aos descendentes.

Segundo o Apóstolo Paulo

Para demonstrar essa escravidão Romanos 3:9-18 declara que todos estão debaixo
(u`pohupó = nas mãos de, sob a autoridade de) 21 do pecado. Não é uma questão
opcional, é um cativeiro. Essa não é uma situação da qual se conhece exceção: “todos”
pecaram (Rom 5:12).
Ainda sobre o pecado como condição e propensão depravada para pecar, confessa
o próprio apóstolo, em Romanos 7:14-25, declarando: “eu sou carnal” (v. 14). O termo
grego para “carnal” é sarkino,j(sarkinós) que significa estar “sujeito à propensão da
carne”, 22 demonstrando que a propensão para pecar é, em si, evidência de pecado como
condição. Essa propensão carnal é contrária à lei de Deus que é “santa, justa e boa” (v.
12) e espiritual (v. 14). Os verso 13-25 explanam sarkinóscomo uma condição que está
presente, um drama ainda por ser resolvido na vida do apóstoloNão cabe aqui
especular que Paulo não era convertido ou coisa parecida. Além disso, o apóstolo fala
do “pecado na minha carne”, pecado “que habita (oi`kou/saoikoúsa = morada
familiar, que permanece) 23 em mim”. Como está explícito, o pecado ao qual se refere
não é o que ele está fazendo, aqui é algo que “está” nele e dele faz parte.
Aliás, a própria palavra “pecado” (a`´marti´,ahamartiaem Romanos 7 tem o
sentido de “princípio ou causa do pecado”. 24 Nos versos 17 e 20 o sentido explícito é de
“inclinação para pecar, propensão pecaminosa”. 25 Mesmo convertido, salvo em Cristo,
o apóstolo, reconhecia-se como pecador por causa dessa propensão carnal que nele
habitava. Não um praticante contumaz do pecado, mas alguém cuja natureza
pecaminosa, corrompida, ainda não havia sido retirada, o que ocorreria apenas por
ocasião da ressurreição dos justos na volta do Senhor (I Cor 15:49-54; I Tess. 4:13-17).
O pecado também não é tratado como atos individuais em Gálatas 3:22. Sem
escolha por parte das pessoas, o evangelho encerrou
(sune,kleisensunekleisenprender junto como peixes numa rede”, “fechar junto,
cercar”) 26 toda a humanidade (pa,nta panta = todas as pessoas”) 27 debaixo (u`po
´,hupó = “sob, nas mãos de”) do pecado.Assim, todos os que nascem neste mundo
são pecadores.

20
O significado das palavras hebraicas avon e hEtha no Salmo 51:5 e Exôdo 20:5 foi retirado de
BUSHELL, Michael S. Bible Work for Windows, USA, 1996.
21
Léxico, 417.
22
Ibidem, 364.
23
Ibidem, 285.
24
Ibidem, 17.
25
Ibidem.
26
Aoristo de sugklei,w. Ibidem, 388, 380.
27
Ibidem, 311.
16

Por que, então, Cristo Jesus não era pecador? Mesmo que, por um milagre divino,
Jesus não cometesse nenhum pecado enquanto ato, seria pecador pelo simples fato de
ter propensão para pecar (ainda que refreada pelo poder do Alto). Teria o pecado da
depravação natural por ser igual a nós. Depravação inerente não é o mesmo que
assumir o nosso pecado na cruz. Ali ele foi feito pecado como substituto. Se tivesse
propensão para o mal o pecado estaria em sua carne. Por outro lado, somente seria
totalmente igual a nós, enquanto pecadores, se possuísse tal propensão ou depravação
natural para pecar. Isso é negado no Evangelho quando o Salvador declara que “o
príncipe deste mundo nada tem em mim” (Jo. 14:30). Ele não tinha pecado algum, de
espécie alguma. Ele não era igual a nós, mas “semelhante” ou em outras palavras: era
igual a nós em tudo, mas diferente em uma coisa - o pecado, como ato e condição, que
se manifesta na propensão para o pecado. Portanto, Jesus não tinha pecado, assim
também não tinha propensão para pecar, pois a propensão, em si, já implica numa
condição pecaminosa.

Segundo o Apóstolo João

O pensamento do pecado como condição da humanidade, incluindo os crentes, é


afirmado em I João de várias formas. No capítulo um verso oito o apóstolo condena os
que dizem não ter pecado em suas vidas classificando-os com auto-enganadores e
desprovidos da verdade. A Escritura declara que se dissermos que não temos pecado
(e;comenékomen = ter, possuir) mentimos. 28 O pecado não é o que se faz apenas, é
algo que se “tem”, é parte de nós. Isso fica mais claro quando lemos em I João 1:10 que
também não podemos negar o ato de “cometer” pecado. Uma outra dimensão do pecado
reconhecida nessa passagem, além da condição ou propensão, é o ato. Se dissermos que
“não temos cometido pecado”, (ouvc h`marth,kamen ouk hemartékamen = não temos
cometido pecado), diz o apóstolo, além de dizermos que Deus é mentiroso
demonstramos que sua palavra não está em nós. 29
Em I João 2:1-2 é dito que pecamos e precisamos de advogado, apesar de sermos
filhos de Deus. A epístola dirige-se aos crentes, não a incrédulos, e por isso usa o termo
“filhinhos” (te,knatekna = filhinhostermo carinhoso para os irmãos na fé. Não é
feita nenhuma exceção à possibilidade de pecar: “Se alguém” (tis =pronome
indefinido) 30, isto é, qualquer um pecar, temos Advogado. Aqui os pecados de duas
classes estão em pauta: (a) os nossos (da igreja, da irmandade) e (b) os do mundo todo
(os de fora da igreja). Portanto, o pecado ato e condição ainda que controlados pelo
Espírito continuam presentes na realidade da igreja que é santificada pela intercessão do
Senhor até que Ele volte.
Lamentavelmente alguns têm usado o texto de I João 3:6 onde a expressão “não
peca”, que aparece em algumas traduções, tem sido entendida como querendo dizer que
o cristão não comete pecado algum, o que, como vimos, contraria o ensino básico da

28
O termo e;comen encontra-se na 1a. pessoa do plural do presente do indicativo do verbo e;cw. = ékw =
“ter, ser afetado por, sujeito a” Ibidem, 179,180. A conclusão, no contexto da passagem, é que ninguém
escapou de ter pecado. Em I João 1:8 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti a`marti,an ouvk e;comen (“Se
dissermos que não temos pecado nenhum”). A frase, em sua continuação afirma que ninguém pode
sugerir que não tem pecado sob pena de estar enganando a si mesmo e ser mentiroso.
29
Ibideml, 187. Em I João 1:10 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti ouvc h`marth,kamen (“Se dissermos
que não temos cometido pecado”). A palavra hemartékamen (não temos cometido pecado) está na
primeira pessoa do plural do perfeito do indicativo, indicando todos os crentes, entre os quais inclui-se o
próprio apóstolo.
30
Ibidem, 406.
17

Escritura e conduz ao pensamento antibíblico do perfeccionismo. Trata-se de um


problema de tradução. A expressão “não peca”, conforme a gramática grega (ouvc
a`marta,neiouk hamartanei = não vive pecando encontra-se na terceira pessoa do
singular do presente do indicativo ativo (indica uma ação continuada). 31 Portanto a
tradução correta de 3:16 “não vive pecando” se harmoniza perfeitamente com 1:8, 10 e
2:1-2 bem como com o restante da Bíblia. A tradução “não peca” é uma base falsa para
os que alegam a perfeição sem pecado para os convertidos.
O mesmo ocorre com I João 3:9: (a`marti,an ouv poiei/hamartian ou poiei =
não vive pecandoonde o verbo “poiei” (poiei/ está na 3ª pessoa do singular do
presente do indicativo ativo – que também indica uma ação continuada). 32 Tradução
correta: “Não vive na prática do pecado”, traduzido erroneamente por “não peca”. O
apóstolo não deixa dúvidas e insiste em I João 5:16 que se alguém vir seu irmão
cometer pecado que não é para a morte, peça pelo seu irmão.
Mesmo os cristãos são vulneráveis à prática do pecado, mas essa prática é apenas
o sintoma, a doença, realmente, é a mórbida propensão para pecar, a qual caracteriza a
condição pecaminosa. Alegar que Jesus não pecou, mas tinha propensão para o pecado
é, segundo o Evangelho, defendê-lo dos sintomas mas atribuir-lhe a doença. Sua
santidade seria apenas uma aparência, um verniz de superfície. A Bíblia nega tal
pensamento. A Escritura declara que nele, diferente dos outros seres humanos e mesmo
dos crentes, quando em carne nesta Terra, não havia pecado algum que o separasse da
glória do Pai (João 1:14). Mas da humanidade é dito em Romanos 3:23 que todos
pecaram e carecem da glória de Deus.

Descrições Bíblicas da Impecabilidade de Cristo

Pode-se resumir a idéia bíblica sobre a impecabilidade de Jesus com os textos que
se seguem. São três afirmativas com dimensões diferentes com respeito à relação de
Cristo com o pecado:
1. O apóstolo Pedro declara que Jesus foi isento de ações pecaminosas. O texto de
I Pedro 2:22 declara que ele não cometeu pecado (ouvk evpoíi,hsenouk
epoíesen = não cometeu, não praticou)
2. O apóstolo Paulo informa-nos que o Senhor não teve experiências pecaminosas.
Em II Coríntios 5:21 é dito que o Salvador não conheceu o pecado (mh.
gno,nta= me gnonta = não conheceu, não experimentou)
3. Finalmente, através de João, é dito que nele não existe pecado, o que exclui a
presença do pecado da vida de Jesus (I João 3:5 – ouvk e;stin= ouk éstin =não
há, não existe)
Assim, mais uma vez, podemos notar que pecado não se constitui apenas de ações e
experiências. Pecado tem dimensões mais profundas. Pecado é a condição interior caída
que se constitui na propensão para pecar. Jesus não possuía nenhuma das três
dimensões. Ele era “igual” (semelhante) à humanidade em tudo, mas não havia nele
pecado algum.
Concluímos que era necessário que Jesus, como Salvador, fosse como nós, porém
nessa semelhança não está incluído o pecado em nenhuma de suas dimensões. Isso
descarta não apenas os atos, mas também a natureza pecaminosa. Embora redundante,
diríamos: Jesus não era pecador por não possuir, também, propensão pecaminosa
alguma e não tinha propensão alguma para o pecado porque não era pecador. Ele era

31
Ibidem, 17.
32
Ibidem, 332.
18

semelhante em tudo, mas diferente de nós quanto à presença do pecado em sua


humanidade.

A CONVENIÊNCIA DE SER DIFERENTE

Tendo já visto as semelhanças, passemos às diferenças entre o Salvador e a


humanidade. Em Hebreus 4:15 é dito que, apesar de ter sido tentado em todas as coisas
à nossa semelhança ele foi diferente em não pecar (o`moio,thta cwri.j
a`marti,ajhomoióteta korís hamartias = à nossa semelhança mas sem pecadoA
palavra sem (korís) significa “separado, à parte de” e, especialmente na passagem em
questão, significa “com a exceção de” pecado. 33
Alguns têm tentado argumentar que Jesus teria pecado em algum sentido, pois
somente assim ele poderia “compadecer-se” de nossas fraquezas. Mas a própria epístola
de Hebreus refuta essa hipótese várias vezes. Uma das razões é que no caso do capítulo
4 verso 15 o assunto central não é a igualdade conosco nas fraquezas, mas na sua
capacidade de socorrer. 34 O “compadecer-se” (sumpaqh/saisumpatêsai = simpatizar
com, sofrer com, ter compaixão) 35 não indica que ele têm as mesmas fraquezas, mas
que delas se compadece pois sabe o que é ser tentado. Neste verso propositadamente o
autor apresenta uma “similaridade” (tentado em todas as coisas à nossa semelhança) e
uma “distinção” (sem pecado) desviando-se, assim, da idéia de igualdade. 36

Adequado se fosse diferente dos seres humanos

A carta aos Hebreus (7:26-28) vai mais além. Ali é dito que essa “diferença”
convinha para que fosse sacrifício e sacerdote. No verso 26 a palavra “convinha”
(e;prepenéprepen) tem o sentido de “apropriado, adequado” 37 e é a mesma de 2:10.
No caso de Hebreus 7:26-28 as passagens indicam que Jesus somente seria um
sacerdote adequado, que preencheria as condições para sua missão, se fosse “diferente”
de nós, ou seja, santo, assim como em 2:10 era “apropriado” que fosse “semelhante”. As
duas “adequações” ou “conveniências” se encontram: ser “semelhante” (2:10) e ser
“diferente” (7:26-28). A palavra usada em 7:26 não é “santo” (a[giojhágios) com o
sentido apenas de “algo separado de uma condição e uso comum, dedicado”. 38 A
santidade mencionada em Hebreus relativa a Jesus não decorre de uma simples
“separação” para fins santos. Não é uma santidade “funcional”, emprestada, outorgada.
A palavra (o[siojhosios) aparece uma só vez em Hebreus (7:26) referindo-se apenas
a Jesus e tem o mesmo significado empregado em Apocalipse 15:4 e 16:5 onde é
aplicada a Deus. O significado em Hebreus 7:26 é “supremamente santo”. Também em
Atos 2:27 e 13:35 do Messias é dito ser santo (hosios).39 A outra palavra usada
exclusivamente para Jesus em Hebreus que “denota sua qualificação moral” para ser

33
Ibidem, 440, 441.
34
LANE, Willian L. Word Biblical Commentary (WBC). Vol. 47b. Word Books Publishers, Dallas,
Texas, USA, 1991. 114, 115.
35
Infinitivo aoristo de sumpaqe,w (sumpatéw = compadecer). Léxico, 383.
36
WBC, Vol. 47a. 115.
37
e;prepen (éprepen = convinha) – 3ª. Pessoa do singular do imperfeito do verbo prée,pei (prépei
=convir) “ser próprio, adequado, ser correto”. Léxico, 164, 340.
38
Léxico, 3
39
Ibidem, 293. Essa palavra tem também o sentido de devotado, fiel e na LXX descreve os que são fiéis
ao concerto. Jesus é o modelo dessa fidelidade quando na Terra. WBC, Vol. 47b. 191.
19

sumo-sacerdote 40 é “inculpável” (a;kakojákakos = inculpável, puro, inocenteque


também aparece em Hebreus somente nesta passagem para descrever a diferença entre
Jesus e nós. “Isso não significa que Jesus era inculpável em seu relacionamento com
outras pessoas, mas que ele não foi atingido pelo mal”. 41 O termo “sem mácula”
(avmi,antojamiantos) está apenas aqui em 7:26-28 e em Heb 13:4 (o leito
matrimonial ideal sem mácula). O sentido aqui é de algo realmente puro como em Tia
1:27 (a religião ideal sem mácula). No que diz respeito a Jesus, o Salvador era “sem
mácula” em si mesmo, diferentemente dos outros seres humanos cuja pureza é imputada
pela fé. Os três adjetivos descrevem o “caráter pessoal” de Jesus e sua “perfeição moral
e espiritual”. 42

Separado dos pecadores

A palavra separado (kecwrisme,nojkekorisménos) dos pecadores, aparece


também em Filemon 15 com ênfase geográfica. Assim, Hebreus 7:26 estaria dizendo
que Jesus, devido ao sucesso de sua obra redentora e para exercer o sacerdócio, foi
separado dos pecadores ao subir ao céu.
Ser recebido no céu, sem precisar de sacrifício por si mesmo (27) é mais uma
confirmação de ser ele o Salvador adequado (além de ser santo, inculpável e sem
mácula). Além do mais, a palavra “separado” tem o sentido de alguém que se mantém
afastado e não participa de certas coisas por se achar ou ser superior. 43 Em decorrência
disso, duas interpretações se tornam possíveis: (a) separado por ser retirado do convívio
dos pecadores para perto do Pai, o que lhe favorece o ofício e (b) por não compartilhar
da natureza dos pecadores o que o torna aceitável diante de Deus. As duas idéias estão
presentes. 44 De qualquer forma, ele somente teria se tornado sacerdote e sacrifício
aceitável se não tivesse necessidade de oferecer sacrifícios “por seus próprios pecados”
(Heb. 7:27). Assim Jesus não partilhou da condição de pecado uma vez que era
“conveniente” (v. 26) que fosse “santo” e separado dos pecadores.

Feito mais alto que os céus

O termo feito (genome,nojgenoménos = tornado, feito) significa que ele foi


“apontado, constituído ou estabelecido” 45 para estar em um lugar especial. Esse lugar é
descrito como mais alto (u`yhlo,terojhupseloteros que os céus, uma possível
referência à posição “à direita do Pai”. Essa expressão é também um termo exclusivo
para Jesus em Hebreus. O significado é de “exaltação, dignidade, eminência”. Também
tem o sentido de “mais exaltado, mais elevado”. 46 A questão é que, por sua própria
natureza santa, Jesus se tornou apto para ser nosso sacerdote e sacrifício e tendo
consumado sua obra, e, por seus próprios méritos, foi exaltado acima dos céus. Essa
exaltação é considerada uma qualidade necessária para ser nosso sacerdote. A ausência
de pecado em Jesus e sua exaltação são colocados pelo autor de Hebreus, como
demonstrando que o Salvador era diferente de qualquer ser humano, mesmo os que

40
WBC, Vol. 47b, 191.
41
Ibidem, 191, 192.
42
Ibidem.
43
Léxico, 441.
44
The Seventh-day Adventist Bible Commentary. Review and Herald Publishing Association, Washington,
D.C. USA,1957. Vol. 7. 442. WBC, 192.
45
. Léxico, 78, 79.
46
Ibidem, 420, 421.
20

poderiam ser considerados os melhores, como os sumo-sacerdotes levitas. Essa


diferença era “conveniente” para nós.
As descrições do capítulo 7:26 apresentam suas qualidades e elevação ao céu. O
verso 27 declara que as qualidades do verso 26 se estendem ao tempo em que ele (Jesus)
se ofereceu no calvário. O pronome relativo “que” (o[jhos = o qual, quem) indica que
aquele “santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que
os céus” do verso 26 é o mesmo que ofereceu-se em sacrifício perfeito (verso 27). As
qualidades do verso 26 são estendidas ao tempo da cruz no verso 27. Isso não é
novidade, pois na mesma epístola aos Hebreus, capítulo 1:2 e 3, a experiência de Jesus,
quando na Terra, é descrita como sendo “o resplendor da glória e a expressão exata do
seu ser” (do Pai), isso para não citar outras partes do NT. Desse modo Jesus é, já na
Terra, no meio dos homens, diferente, pois de nenhum homem, por sua própria
natureza, como no caso de Cristo, se pode dizer que era santo, inculpável e sem mácula
a ponto de, separado dos pecadores, merecer ser exaltado acima dos céus.
As semelhanças e diferenças entre Jesus e os pecadores são ressaltadas também no
verso 28 como em 4:15 de Hebreus. O apóstolo, no verso 28, faz o contraste entre os
homens e Cristo. Os homens e Jesus compartilham das mesmas fraquezas, pois o
Salvador veio sob as limitações que o pecado impôs. Mas essas fragilidades têm o limite
onde começa a semelhança e onde inicia a diferença. O Capítulo quatro verso 15
estabelece a semelhança declarando primeiro que Jesus “entende” as nossas fraquezas,
e, segundo, que ele “em todas as coisas foi tentado. A palavra “semelhança” é muito
importante, pois é a partir dela que o autor de Hebreus enfatiza a diferença com a
expressão “mas sem pecado”.
Deve-se também destacar que o ser tentado em todas as coisas não requer
necessariamente possuir propensão para o pecado, pois a Escritura declara que tanto
anjos no céu como os primeiros pais no Éden foram tentados e pecaram sem possuir
qualquer propensão.

Não possuía fraquezas, era perfeito

O capítulo 7:28 deixa claro esse ponto relativo à diferença entre Cristo e a
humanidade. Nesse versículo todo homem (a;nqrwpojanthropos = humanidade,
gênero humanoé sujeito à fraqueza (avsqe,neiaasténeia). Tal fraqueza, segundo o
verso 28, refere-se à situação em pecado na qual encontra-se a humanidade,indicando
metaforicamente “enfermidade, fragilidade, imperfeição, intelectual e moral”. 47 O
contraste também aparece quando o autor de Hebreus diz que os sacerdotes humanos, da
própria tribo escolhida eram, apesar de tudo, meros ánthropoi (homens) mas somente
Jesus, o novo sacerdote, era “filho” (ui[oj= huios = o filho) que não tinha “fraquezas” e
era “perfeito”. Embora também homem, seu diferencial era ser “o Filho”. 48
Ainda no capítulo 7:28 vemos um sentido mais além do de 4:15 ao se declarar a
diferença entre a humanidade e Jesus. Neste verso (28) Jesus não possui as fraquezas da
humanidade, pois Ele é constituído pela palavra do juramento (dias de Davi) que vem
depois da lei levítica (dias de Moisés). Os homens constituídos sumo sacerdotes pela lei
possuem fraquezas, mas o Filho que foi constituído sumo sacerdote pelo juramento,
desde antes de sua ascensão ao céu, é dito ser perfeito
(teteleiwme,nonteteleioménon). A palavra “perfeito”, neste caso pode ter também
dois sentidos: (a) “ser tornado” ou apenas (b) “identificado” como perfeito. O sentido de

47
Ibidem, 55.
48
WBC, Vol. 47ba 194.
21

perfeição também pode ser o de (a) “consumação, finalização de um ato” 49 ou de (b)


“aperfeiçoar, antecipar a plenitude final”. 50 Assim, em 7:28 duas interpretações são
possíveis: (a) alguém que alcança a plenitude ou (b) completa uma tarefa. Alguns
comentaristas crêem que Jesus estaria sendo aperfeiçoado para ser nosso Salvador ao
passar pelo sofrimento, pois essa era uma experiência necessária em sua obra redentora.
Outros entendem que Jesus foi feito perfeito ao “consumar, aperfeiçoar, completar” a
obra que ele tinha diante de si como Salvador, o que ocorreu em sua morte e na sua
exaltação. 51 De qualquer forma, a declaração de perfeição que o separa dos pecadores
que têm fraquezas, não foi uma avaliação que Jesus mereceu apenas depois que foi
“aprovado” por passar num teste que averiguou sua “perfeição”. Essa constatação de
perfeição em Cristo não passa a vigorar a partir de sua ascensão, mas uma vez que o
sacerdote e o sacrifício são um só, a perfeição é, antecipadamente, identificada no ato
do juramento (dias de Davi) e é demonstrada já no seu sacrifício perfeito (quando ainda
na Terra), uma vez que não precisaria sacrificar por si mesmo, como era feito pelos
sacerdotes humanos (versos 27, 28).
 Embora a perfeição aqui em 7:28, para alguns, seja a consumação perfeita da
obra redentora, essa tarefa não seria possível se Ele possuísse as limitações dos
sacerdotes “sujeitos à fraqueza”. O verso 28 confronta a fraqueza
(avsqe,neiaasthéneia) 52 dos pecadores, suas necessidades de expiação por pecados
pessoais (v. 27) com Jesus e suas qualidades sem pecado (santo, inculpável e sem
mácula conforme v. 26), pois não precisou de sacrifícios por si mesmo (v. 27). Desse
modo, o Senhor é reconhecido como tendo tido, já na Terra, uma vida perfeita ao ser
recebido no céu como sumo-sacerdote. 53
A análise anterior também esclarece o texto de Hebreus 2:10 onde o verbo
“aperfeiçoar” (teleiw/saiteleiôsai = alcançar um fim, consumar, ato final) é usado
para descrever Cristo como sendo aperfeiçoado pelo sofrimento. O texto não se refere à
perfeição pessoal de Jesus de quem é dito ser perfeito, afinal ele é identificado, como já
foi dito, como a “expressão exata” do Pai revelada na Terra (1:2, 3).
Confirmando a idéia apresentada anteriormente, os judeus, quando traduziram
“aperfeiçoar” (teleiôsai) do hebraico para o grego, no Pentateuco da Septuaginta54,
usaram esse termo “para indicar o ato de consagração do sacerdote ao seu ofício”. 55 A
epístola aos Hebreus está falando de um tema recorrente no Pentateuco que é a
consagração do sacerdote. Portanto, “aperfeiçoar”, nesse caso, mais uma vez desvia-se
do sentido de fazer Jesus “crescer em perfeição espiritual” e inclina-se para “o ato de
consagração ao seu ofício sacerdotal”, através do sofrimento em favor dos pecadores.

O significado de ser sem mácula aplicado a Cristo e à igreja

Ainda, em Heb 9:14, Jesus é “sem mácula”a;mwmonámomon) e em I Pedro


1:19 ele é o Cordeiro com dupla recomendação “sem defeito” (avmw,mou) e “sem

49
Léxico, 400.
50
Ibidem, 401.
51
WBC, Vol. 47a, 195.,
52
“Nesse contexto o termo avsqe,neia“fraqueza” é praticamente igual a ‘pecado’.” WBC, Vol. 47b.
195.
53
“A perfeição do seu sacrifício definitivo foi conseqüência da perfeição espiritual e moral de sua vida.”
WBC, Vol. 47a, 197.
54
Tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego feita por judeus por volta de 200 A.C.
55
WBC, Vol. 47ª. 57, 58. As passagens na Septuaginta (LXX) nas quais “aperfeiçoar” (teleiosai) é usado
em sentido de consagração do sacerdote ao seu ofício são: Êxodo 29:9,29, 33, 35; Lévítico 4:5; 8:33;
16:32; 21:10; Números 3:3).
22

mácula” (a;spilon = áspilon = puro, sem mancha, sem defeito). Aliás, o termo ámomon,
tanto na Septuaginta como em fontes judaicas helenistas, “denota a ausência de defeitos
num animal para sacrifício”. Jesus, por suas qualidades inerentes, foi o sacrifício
perfeito.
Portanto, a expressão “sem mácula” (ámomon), se considerarmos o contexto de
Cristo como sacrifício diante de Deus pelos pecados da humanidade, requer perfeição
que nenhum ser humano, em qualquer das anteriormente mencionadas dimensões
pecaminosas, poderia possuir. Isso implica em que, se o Salvador possuísse qualquer
dessas dimensões de pecado (ato, experiência ou propensão para pecar) seria
inadequado para se sacrifício e sacerdote. Contudo é diferente quando o termo é usado
para os crentes. Por exemplo, o apóstolo declara que Cristo purifica a igreja para
apresentá-la sem mácula e sem defeito, mas essa pureza da igreja decorre da justificação
pela fé e do conseqüente processo de santificação (Ef. 5:25-27). Também o resultado da
salvação encontra-se em Apocalipse 14:5 onde a igreja é representada como sendo sem
mácula. O próprio texto esclarece que essa ausência de mácula é o resultado de terem
sido “redimidos” e de não terem se “contaminado” (evmolu,nqhsan = emoluntesan =
contaminar moralmente) 56 com as “mulheres” (v. 4). Assim, a perfeição dos crentes é
obra do plano da redenção que considera perfeito pela fé ao que crê em Jesus e o
santifica e aperfeiçoa. Essa idéia do ideal da perfeição para a igreja encontra-se em
várias passagens (Deut. 18:13; Mat 5:48) mas é preciso lembrar que a perfeição do
crente é atribuída a uma imputação como na frase “perfeitos em Cristo” (Col. 1:28 e
2:10). Jesus, no entanto, é diferente no sentido de que sua natureza sem mácula e
perfeita não decorre de ser redimido, nem é uma perfeição imputada. Ele é perfeito em
si mesmo.

CONCLUSÃO

Conforme o testemunho das Escrituras, pecado não é somente uma ação má,
contrária à vontade de Deus. A queda do homem trouxe a compreensão de mais uma
dimensão do pecado como separação provocada pela condição pecaminosa herdada.
Essa condição caída e que exige um Salvador, se manifesta através das propensões
pecaminosas.
Assim, Jesus possuía uma natureza humana semelhante à do homem caído, mas
sem pecado em todas as suas dimensões. Isso implica em dizer que Sua natureza não
pode ser exatamente classificada nem como pré-lapsariana 57 e nem pós-lapsariana.58
Sua natureza era única, apropriada para ser Salvador.
Jesus herdou tudo que nós herdamos menos o pecado. Ele não recebeu a herança do
pecado através da presença daquele em sua vida (I Jo 3:5), nem pela experiência (II
Cor. 5:21) e nem sequer pelo ato pecaminoso (I Ped. 2:22).
Ele deveria ser igual a nós para ser nosso exemplo, e isso era obrigado,
indispensável (Heb. 2:17). Por outro lado, era conveniente, para ser um salvador
adequado, apropriado, que fosse diferente: santo, sem mácula e sem culpa (Heb. 7:26-
28). O significado dos termos usados para a impecabilidade de Jesus e o contexto da

56
A palavra evmolu,nqhsan é a 3ª. Pessoa do plural do indicativo passivo do aoristo 1 do verbo Molu,nw
(molino = sujar, corromper, profanar) Léxico, 135, 272. Essa contaminação não é uma referência a
intercurso sexual com mulheres literais, mas ao comprometimento dos crentes em geral, e não apenas aos
do sexo masculino, com a “prostituta e suas filhas” referidas no Apocalipse - uma alusão aos enganos dos
últimos dias.
57
A natureza de Adão antes da entrada do pecado no mundo.
58
A natureza do homem propensa ao pecado após a entrada do pecado no mundo.
23

epístola aos Hebreus não deixam dúvida sobre a ausência de propensão pecaminosa
nele.
Assim, quanto à natureza humana de Jesus, temos duas exigências bíblicas
preenchidas: (1) deveria ser semelhante a nós em tudo enquanto ser humano, mas (2)
diferente em não possuir dimensão alguma do pecado. Essa diferença não se refere
apenas ao pecado como ato. Diz respeito, especialmente, à condição pecaminosa, a qual
se manifesta na propensão para o pecado, que ele nunca possuiu. Somente preenchendo
essas duas condições Ele poderia ser nosso Salvador.
24

TABELA COMPARATIVA DA HUMANIDADE DE JESUS E


A DA HUMANIDADE APÓS O PECADO

HUMANIDADE DE JESUS
HUMANIDADE APÓS PECADO
ORIGEM SOBRENATURAL ORIGEM NATURAL
1. Não teve pai humano. Mt 1:18. 1. Tem pai humano
2. Gerado pelo Espírito Santo. Mt. 1:18,20 2. Gerado pelo ser humano.
3. Chamado de “ente Santo” ao nascer. Lc 3. Nascido pecador. Sl 51:5
1:35
4. Veio do céu. I Cor. 15:47; Jo. 1:14 4. Vem da Terra. I Cor. 15:47
NÃO TEM PECADO INERENTE TEM PECADO INERENTE
5. Carne pecaminosa era apenas semelhança. 5. Pecado está na própria carne. Rom. 7:14-
Rom 8:3 25; Sal. 51:5
6. Não tinha manchas. Heb. 7:26 6. É como o imundo. Heb. 7.26
7. Não tinha fraquezas Heb. 7:28 7 Tem fraquezas. Heb. 7:28
8. Natureza humana Santa. Heb. 7:26 8. Pecadora. Heb. 7:26
9. Natureza humana Pura. Heb. 7:26 9. Impura.
10. Natureza humana Imaculada. Heb. 7:26 10. Maculada
11. Nela não existiu pecado. I Jo. 3:5 11. O pecado habita nela. Rom. 7:17, 20, 21
12. Tinha a glória de Deus. Jo. 1:14 12. Destituída da glória de Deus. Rom. 3:23
NÃO COMETE ATOS PECAMINOSOS COMETE ATOS PECAMINOSOS
13. Não cometeu pecado. I Ped. 2:22 13. Pecou. Rom. 5:12
14. Não experimentou pecado. II Cor 5:21 14. Comete pecado. I Jo. 1:10
NÃO ADMITIU PECADO NÃO PODE NEGAR O PECADO
15. Não reconheceu pecado em si. Jo. 8:46 15. Não pode negar a ação e condição em
pecado I Jo. 1:8, 10
16. Não há registro de ter confessado pecado 16. Precisa confessar os pecados. I Jo. 2:1, 2
algum. Sempre agradava a Deus. Jo. 8:29
17. O príncipe deste mundo nada tinha nele. 17. Governada pelo príncipe do mal. Ef. 2:1-
Jo. 14:30 3
SUA SEMELHANÇA COM O A SEMELHANÇA DO PECADOR COM
PECADOR EXCLUI O PECADO EM JESUS NÃO INCLUI A CONDIÇÃO
TODOS OS NÍVEIS SEM PECADO DE CRISTO
18. Era semelhante em tudo, mas sem a 18. Igual a Jesus em tudo exceto na condição
condição e sem atos pecaminosos. Heb 2:17; e atos pecaminosos Ecl 7:20; Prov. 20:9; I
I Jo. 3:5; I Ped. 2:22 Jo. 1:8, 10
19. Foi tentado em tudo, mas nunca pecou. 19. Não há um justo que faça o bem e
Heb. 4:15 nunca peque. Ecles. 7:20; Prov. 20:9
25

Implicações do conceito da humanidade de Cristo sobre a vida cristã

A negação da humanidade real de Jesus tem sido um recurso utilizado ao longo


da história para evitar as dificuldades de encarar um Salvador humano e vulnerável.
Nesse pensamento docetista59 a humanidade de Jesus seria irreal, uma miragem, tipo um
holograma. Assim, a encarnação seria uma farsa. A Bíblia um engano. O amor de Deus
uma encenação. Seu sacrifício não seria real. Sua dor um teatro. O preço pago em notas
falsas. O docetismo despreza as descrições bíblicas de Jesus como um ser real. Contra
essa idéia o NT se levanta em protesto com textos como Gálatas 4:4 onde se declara que
Ele foi “nascido de mulher” e I João 4:2 que adverte que “todo espírito que confessa que
Jesus veio em carne, é de Deus, e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de
Deus”.
Também declarar que Jesus era igual a Adão antes de pecar não atende às
descrições da Bíblia, pois o vemos limitado, em dores e “em semelhança” de carne
pecaminosa. Ele se misturou com a humanidade e foi “em tudo tentado, como nós, mas
sem pecado”.
No entanto, o fato de Jesus ter sido diferente da humanidade no tocante à
propensão para o pecado nem nega sua humanidade nem o faz menos humano. Adão,
antes de pecar, era plenamente humano. Não importa se não possuía nenhuma de nossas
limitações físicas ou mentais e nem propensão para o mal. A condição para ser
verdadeiramente humano e vulnerável, não é ser propenso ao mal, como é possível
pensar partindo-se da realidade da humanidade caída. Aceitar o testemunho da Escritura
de que nele não havia pecado algum não é negar a sua humanidade, nem sua
possibilidade de cair e nem mesmo a de sofrer e ser tentado.
Por outro lado, como pudemos ver, é irreconciliável com o ensino da Escritura, a
proposta de que Cristo teria uma natureza com propensões para o pecado como nós
temos.

Implicações da compreensão poslapsariana plena.


 Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado ele era
pecador, pois o pecado estava e habitava nele. Jesus seria um pecador como nós. Estaria
caído e precisaria de um Salvador também. A Bíblia estaria errada ao descrevê-lo sem
conhecimento, ato e presença de pecado em Sua vida.
 Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado e
mesmo assim pôde viver sem pecar, então a Bíblia erra ao dizer que nenhum pecador
deixa de cometer pecados e são escravos do pecado.
 Além disso, se ter tendência inerente para o pecado não impede de se
viver vida perfeita, o que contradiz a Bíblia, surge a questão: por que Deus não deu tal
provisão de graça a todos os homens capacitando-os a não pecar e, assim, devolvendo-
os ao paraíso de onde Adão e Eva foram expulsos? Adão e Eva deveriam ter recebido
sua punição individual pela transgressão que cometeram e seus descendentes,
habilitados por Deus para não pecarem deveriam ser aceitos por Deus que os teria feito
fiéis como a Jesus. Para que a encarnação e morte do Filho de Deus?
 Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado e foi
perfeito onde está a declaração bíblica e um único exemplo de um só homem que foi
perfeito como Jesus?
59
Erro que sustentava a humanidade de Jesus como uma mera aparência. Para uma abordagem sobre o
docetismo e a humanidade de Jesus ver BERKOWER. G. C. A pessoa de Cristo. ASTE, São Paulo, 1964.
143-175
26

 Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado então
para que um nascimento diferente, sobrenatural e sem pai humano?
 Se Jesus era plenamente igual a nós com tendência para o pecado e não
pecou mesmo assim, então Deus não o fez realmente igual a nós, mas lhe deu alguma
vantagem que desconhecemos. Providência que não se estendeu aos demais membros da
raça humana. Talvez, segundo essa teoria, ele não pecou devido a sua natureza divina.
Assim não serve também como nosso exemplo. Se lhe foi dado algum trunfo secreto ou
se sua divindade lhe serviu de escape já não seria igual a nós, mesmo tendo herdado
natureza com tendência para o pecado.
 Além disso, se Jesus tinha tendência pecaminosa e não pecou, nós
também (aliás, contrário ao testemunho da Bíblia) podemos viver sem cometer pecado
(o que também contraria as afirmações bíblicas). Essa idéia é o pretexto do
perfeccionismo o qual acredita que se pode viver vida perfeita na terra, como condição
para ser aceito por Deus. Isso não apenas ofende o ensino da Bíblia como também
produz frustração espiritual, legalismo e fanatismo com seu fardo de intolerância,
hipocrisia, acusações e perseguições contra os que “ainda não se consagraram para
serem perfeitos” o que segundo alguns “estão impedindo de Jesus voltar”.
Além disso, Jesus é chamado de Segundo Adão (Rom. 5:12-21). Adão por um
Ato comprometeu toda a raça. Jesus por um ato salvou todo o que nele crer. Adão, sem
tendência para o pecado, podia pecar devido ao livre arbítrio e pecou. Jesus com a
natureza sem tendência para o pecado, mas com o corpo enfraquecido como o nosso,
podia pecar, mas não pecou.
27

2.

A condição pecaminosa é universal: Segundo as Escrituras todo ser humano herdou


a condição pecaminosa de Adão após a queda e “destituídos estão da glória de Deus”
(Rm 3:23). Essa situação de pecado é comprovada incontestavelmente pela morte “por
isso que todos pecaram” (Rm 5:12).
Não há exceção: A declaração enfática de que “todos estão debaixo do pecado” (Rm
3:9) leva à conclusão óbvia de que “não há um só justo” (Rm 3:10) e “ninguém que faça
o bem” (Rm 3:12).
Inimizade natural contra Deus e Sua lei: O ser humano, na explanação do apóstolo é
“carnal” em oposição à lei que é espiritual (Rm 7:14). Essa condição carnal leva-nos à
inclinação contra a lei de Deus e para a morte, desagradando a Deus (Rm 8:6-8).
A inimizade vem desde o nascimento: Assim a própria natureza humana é
corrompida em si mesma desde mesmo o nascimento (Sl 51:5), havendo no indivíduo
não convertido um “enganoso coração mais do que todas as coisas e perverso” (Jr 17:9)
daí uma inimizade gratuita contra Deus o que o torna “por natureza filho da ira” e morto
“em ofensas e pecados” (Ef 2:3-5). Não há ser humano que viva e não peque (Pv 20:9;
Sl 14:3; 143:2).
A condição pecaminosa impede todo ser humano de entender as coisas espirituais po
si mesmo: O entendimento humano carnal “não pode compreender as coisas do Espírito
de Deus pois lhe parecem loucura; e não pode entende-las, porque elas se discernem
espiritualmente” (I Co. 2:14). Sua boas obras não servem para a Salvação (Rm 3:20) e
são trapos de imundície (Is 64:6).
O ser humano não pode escapar dessa situação sozinho: Finalmente, como poderia
alguém fazer o bem, ou se o fizesse, ser um bem legítimo se nele “não habita bem
algum” e mesmo quando quer realizar o bem não consegue (Rm 7:18) “pois o mal está
comigo” (v. 21)? Essa impotência total justifica a declaração de Jesus de que “sem mim
nada podeis fazer” (Jo 15:5).
Nos apelos naturais para pecar, resultado do nascimento e condição de pecado, é que
o ser humano vivencia a posse da “tendência para o pecado”, situação anômala e
contrária ao plano original de Deus quando criou o homem numa situação em que “tudo
era bom” (Gn 1:31). A natureza do ser humano, pois, na presente realidade que
vivemos, é estruturada (ou poderíamos dizer “desestruturada) para pecar. Ela deseja
pecar como parte de si mesma. Como alguma coisa essencial à sua satisfação e
realização. O pecado é seu ambiente, o único que conhece e entende, de onde por si
próprio não pode e nem quer sair.60
Seria difícil aceitar as declarações acima como referindo-se a Jesus considerando as
descrições bíblicas e da igreja acerca de sua especial natureza e impecabilidade 61. Ao
60
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (PP) (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1979), 45,
312 e Desejado de Todas as Naçoes (DTN) (Santo André, SP: Casa publicadora Brasileira, 1979), 108
61
Esse pensamento pode ser encontrado em várias passagens da literatura da igreja primitiva
assegurando a Sua natureza sem propensão para o pecado: 1) “...em Jesus Cristo recuperamos o que foi
perdido em Adão, ou seja, o sermos a imagem e semelhança de Deus... Irineu. Adv. Haer. Henry
Bettenson, editor, Documentos da Igreja Cristã (DIC), 3ª ed. (SP: ASTE – Sociedade Religiosa Edições
Simpósio, 1998), 69. 2) “Habitando entre nós comunicou-nos a genuína incorruptibilidade...” Ibid., 71. 3)
...”o Senhor...recapitula (resume) em si o homem original...” Ibid., 70. 4) Nasceu da virgem que não
conheceu concupiscência por um novo e portentoso modo, tomando dela a natureza mas não a culpa.
Ibid., 100. 5) Já Bettenson, comentando no Credo Niceno (de Cesaréia) aperfeiçoado pelo Concílio de
Nicéia em 325, o termo “alterável”, declara que refere-se a Jesus não ser moralmente alterável o que
seria anátema (atréptôs), esclarece ainda o termo “enanthôpêsanta – tomando sobre si tudo aquilo que faz
homem ao homem, alargando sarkhôthénta, fez-se carne, ou, talvez, viveu como homem entre os
28

buscar a solidariedade de Cristo conosco impingido-lhe uma natureza “em pecado”


(tendência e condição de pecado) só encontraremos uma tensão contraditória 62. Essa
solidariedade deve ser procurada na semelhança humana e na vulnerabilidade às
mesmas dores que nós, no “habitar” conosco e superar tensões e provas iguais e
superiores às nossas, mesmo sem a tendência pecaminosa, e no entanto, vencer como o
segundo Adão conferindo Sua vitória e poder restaurador a todos os que o seguem 63. É
possível ver nas descrições bíblicas que as provas de Jesus foram superiores não
somente às de Adão mas também superiores mesmo às da humanidade caída (Hb 2:14-
18; 4:15), conforme trataremos na última parte deste trabalho.

A Operação da Tendência para o Pecado Comparada com as Provas de Cristo

A tendência para pecar se tornou após a queda de Adão tão poderosa na vida
humana como se fosse essencial à própria vida, sua natureza, então integrou-se às mais
fortes necessidades do ser humano como o alimento material, necessidades fisiológicas,
segurança, reprodução e realização pessoal. O apóstolo Paulo (Rm 7) demonstra a força
do pecado no ser humano operando “nos seus membros” provocando desejos contrários
à vontade espiritual da lei. Os desejos são do pecado e para o pecado. Procedem de
dentro.
Nas tentações de Cristo não há desejos para pecar ou intensões impuras. Em Jesus
há o conflito de renunciar a desejos naturais 64 e inocentes porque estes, se satisfeitos

homens...” Sendo assim Jesus herdou as características humanas necessárias para ser identificado como
tal, uma natureza que não foi alterada moralmente em momento algum, segundo o Credo de Nicéia. Ibid.,
69. 6) O Tomo de Leão ou Definição de Calcedônia, declara que Cristo não tinha em sua natureza
humana as propriedades produzidas pela queda (herdadas) e adquiridas. Sua natureza era “perfeita” de
homem verdadeiro. Tinha fraquezas mas não culpa, nem mácula, nada tinha “das propriedades que trouxe
para dentro de nós o sedutor” (Ibid., 97). Atanásio (296 a 373) em sua obra De Incarnatione, 328 AD, diz
que Ele tomou corpo mortal, entretando ïncorruptível” para que a corrupção cessasse revestindo-se de sua
incorrupção (apesar de, no texto, aparentemente alegar a divindade para tal incorrupção). Ibid., 75. 8) Nos
debates contra o semipelagianismo aparece a idéia de que a liberdade humana teria se tornado tão
depravada pelo pecado que sem a graça ninguém amaria, creria ou faria o que é reto para o que se dá
várias passagens bíblicas. Se Jesus herdasse a natureza caída do homem, certamente estaria sob o domínio
do pecado e não poderia se livrar por si mesmo, carecendo ele mesmo de um Salvador. Ibid., 116.
62
Sua superioridade ética e espiritual é descrita, como uma condição mais do que desempenho, de forma
contundente no escritos de Ellen White e nas Escrituras que declaram que ao nascer, em vez de em
pecado (Sl 51:5), nasceria um “santo” (Lc 1:35 ); que “nele não há pecado” (I Jo 3:5) e que “o príncipe
deste mundo ‘nada’ tem em Mim” (Jo 14:30). Nele havia “perfeita ausência de pecado”, “caráter sem
pecado” conf. Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, vol. I (1ME) (Santo André, SP: Casa Publicadora
Brasileira, 1966) 256, 264. Não participou do pecado nem por “um pensamento” e não recebeu “nenhuma
contaminação” ao se tornar homem. Seu corpo foi “preparado” por Deus: DTN, 109, 244, 264, (Mt 1:20-
23)). Foi tentado em tudo “mas sem pecado” (Hb 4:15), feito sacerdote “segundo a virtude da vida
incorruptível” (Hb 7:16), “inocente, imaculado, separado dos pecadores e feito mais sublime do que os
céus”, que não necessitou oferecer sacrifícios por seus próprios pecados, que, em oposição a “homens
fracos” era “Filho perfeito para sempre” (Hb 7:26,27). Que se ofereceu “imaculado” a Deus (Hb 9:14).
Seu sangue e corpo tem poder santificador (Hb 10:10; 12:12). Seu sangue, diferente de pessoas
justificadas, fala melhor do que a do “justo” Abel (Hb 12:24; 11:4).
63
I Co 15:45-49 declara que o primeiro Adão legou-nos (após o pecado) a imagem terrena e carnal, ao
contrário do segundo Adão (Jesus) que legou-nos sua imagem espiritual. O primeiro era da Terra mas o
segundo era do Céu. Agora temos a imagem do terreno mas depois (na ressurreição, que é o contexto
deste capítulo) receberemos a imagem do celestial (sem pecado, redimida) isto é, a de Jesus. Veja
também Rm 5:12-19.
“Venceu Satanás com a mesma natureza sobe a qual Satanás havia obtido a vitória no Éden.” The youth’s
Instructor, 25 de abril de 1901.
64
“ambicionava” alimento, DTN, 104.
29

naquele contexto, estariam em confronto com a vontade do Pai. Assim o desejar beber e
comer, descansar ou sobreviver não deveria ser satisfeito sem a completa dependência
de Deus. Jesus não deveria salvar-se a si mesmo ainda que podendo faze-lo Deveria
abrir mão da vida e auto-preservação. Deveria renunciar aos desejos naturais e lícitos de
sua natureza sem pecado e ao faze-lo estaria numa luta tão intensa contra si mesmo ao
renunciar: uma renúncia tão ou mais intensa como a de qualquer outro ser humano que
renuncia a si mesmo e à força de sua própria natureza pecaminosa. Precisou exercer
“autodomínio mais forte do que a fome e a morte”; precisou avançar quando sua
“natureza” desejava recuar65. Jesus renunciou a si mesmo sob pressão das necessidades
físicas e emocionais de um ser humano sem pecado. Suportou numa natureza não caída
e corpo de capacidade reduzida a pressão que Adão não esteve disposto a resistir num
corpo e mente superior.
O homem após a queda, quando auxiliado pela graça de Deus, em dependência do
poder do Espírito Santo, pode renunciar a uma natureza caída com seus desejos. A base
do conflito é renúncia e dependência de Deus. Jesus deveria “sozinho” e “sem haver
ninguém que o ajudasse”66 renunciar e depender na condição de segundo Adão, levando
a natureza sem pecado, mas ao mesmo tempo e no mesmo corpo a fraqueza física e
psicológica conseqüente do enfraquecimento da raça.
A “revanche do deserto” onde Cristo como o segundo Adão entrou e recuperou a
batalha perdida pelos primeiros pais “no lugar” na “mesma prova” de Adão 67 foi uma
vitória tão grande como o fracasso do primeiro par 68. Nas tentações do deserto Jesus
recupera o reino espiritual (e material) vencendo pela superação de necessidades
materiais e em situação extrema, e sem ajuda 69 (Is 63:1-5) os mais fortes apelos que a
natureza humana pode suportar e, até superando os apelos naturais da própria existência
ao ponto de ao fim do conflito ser necessária a assistência dos anjos, diante do eventual
risco de vida, tal a severidade da prova (Mt 4:11).70
A equivalência da prova de renúncia das necessidades materiais, especialmente
considerando o escopo especial do combate no deserto, demonstra, sem dúvida, que a
vitória espiritual de Jesus está biblicamente sustentada na superação da condescendência
com apetites do corpo e da mente. Assim, os apelos do corpo e da mente, veículos para
provocar a queda de Adão, mantém relação direta e necessária com o episódio da queda
e da redenção.71
É a ausência do domínio dos desejos e necessidades do corpo a base da fraqueza
humana hoje, e que somente pode ser recuperado pelo poder do Espírito (Gl 5:22) que
opera nos que receberam a justiça de Cristo. É a atribuição ao pecador do caráter
perfeito dAquele que colocou o Pai em primeiro lugar e acima mesmo de Suas mais
vitais e naturais necessidades.

65
DTN, 103.
66
1ME, 272.
67
Ibid., 267, 272.
68
Ibid., 288; DTN, 114.
69
1ME, 279. “...Cristo sabia que Adão, no Éden, com sua superiores vantagens, poderia ter resistido às
tentações de Satanás, vencendo-o. Sabia também que não era possível ao homem, fora do Éden, separado,
desde a queda, da luz e do amor de Deus resistir em suas próprias forças às tentações de Satanás.” Da
mesma forma que Adão no Éden Cristo batalhou sozinho. Sua natureza permaneceu diferente da nossa
após a queda: sem pecado. Se sua natureza fosse a mesma após a queda Ele não poderia vencer
“sozinho”. Podemos vencer como ele venceu mas pela “Sua graça”. Uma vez que Ele venceu, aqueles que
nEle crêem recebem sua vitória e o poder que santifica. 1ME, 226. Veio para redimir “a falha de Adão” e
assim toda a sua descendência. DTN, 102.
70
DTN, 115.
71
1ME, 271, 272.
30

A Pressão da Renúncia do Eu no Cristão e em Jesus

No caso do homem caído, além das necessidades naturais e lícitas para a existência
e realização, uma outra lei natural entra em vigor: a lei do pecado que opera nos seus
membros (Rm 7), como o faz todos os imperativos lícitos e naturais para a vida. O
agravante é que a “lei do pecado”, esse domínio tirânico e naturalmente irresistível que
nos leva a pecar submete todos os imperativos inocentes da vida como a alimentação,
segurança, realização e outros. Todas as necessidades naturais estão submetidas pela
tendência para pecar, o desejo de pecar, a concupiscência, onde todo pecado e corrupção
tem início, seja tal pecado praticado dentro ou fora da igreja (Tg 1:13, 14; 4:1-3; II Pd
1:4). Assim, a resistência à necessidade de pecar é tão severa como a renúncia da
própria vida pois renuncia a tudo que a tendência caída domina. Não é à toa que é
chamada de “morte”. Estar sem o poder libertador de Cristo é estar morto (Ef 2:1).
Libertar-se pelo poder de Cristo é morrer para o pecado e nascer de novo (Rm 6). É,
pois, bem apropriada a linguagem da Bíblia que descreve uma situação dramática e real:
a conversão é morrer renunciando todo o eu pecador e mesmo às necessidades naturais
por ele dominadas. Dessa forma, para Jesus recuperar a falha de Adão e as nossas
significou, não a luta contra uma natureza caída que Ele não tinha e nem podia ter,
entendendo o pecado essencial que essa tendência implica conforme demonstramos
(seria difícil imaginar Jesus admitir que nele “não havia bem algum” ou que “o mal”
estava com Ele, ou que ao nascer era “destituído da glória de Deus” como todos os
demais homens). Mas Jesus, não tendo a natureza tendente ao pecado para ser dominado
por ela, poderia ser, como foi Adão (também sem tendência para o pecado) no Éden,
dominado pelas próprias necessidades naturais na tentativa de leva-lo a, como fez com
Adão72, desconfiar de Deus, cobiçar o fruto e o conhecimento vedados e finalmente
pecar. Deveria, portanto, “mostrar, no conflito com Satanás, que o homem, tal como
Deus o criou, unido ao Pai e ao Filho, poderia obedecer a todo reclamo divino.”73

Limitações Decorrentes de Sua Missão Levaram-no a Renúncias Equivalentes às


Nossas74

Assim que, Jesus tendo sido tentado “como nós” e “mais do que nós”, não pôde
defender a e nem requerer para si mesmo o que naturalmente lhe era de direito como
homem e Deus mas renunciou a todas as coisas e “esvaziou-se” (Ef 2:1-8) para que
pudesse ser o Redentor da humanidade. Uma vez que a tendência para o pecado é
“natural” no ser humano caído, é nesse plano da inclinação pecaminosa que Satanás
opera seu cativeiro na humanidade.
O Adversário, não tendo em Cristo um cativo vítima da propensão ou
concupiscência do eu para o pecado, deveria buscar outro módulo de ação no qual ou
através do qual, se possível75, pudesse ter acesso àquele que declarou acerca de Satanás:
72
DTN, 104.
73
1ME, 253
74
Deus lhe vedou o caminho suave: “é necessário que o Filho do homem padeça...” Era o “Homem de
dores” (Is 53:3). Apesar de ser parte de Sua pessoa, Jesus não deveria usar a divindade para benefício
próprio pois o homem não poderia faze-lo, além disso o Seu caminho deveria ser de renúncia daquilo que
todos os homens neste mundo têm como natural para a própria vida: não possuía projetos pessoais para
este mundo. Deveria renunciar ao conforto e privilégios, até mesmo à comida e à vida e até mesmo ao
exercício de Sua Eterna Divindade para cumprir sua Missão. A Redenção impedia-o de pensar no “bem-
estar” do Filho do homem. Sua vida deveria ser de “tristeza, dificuldades e conflitos” e Satanás faria sua
vida o “mais amarga possível”. 1ME, 286. Sua prova foi “mais cerrada e mais severa do que as que
jamais seriam impostas ao homem.” Ibid., 289.
75
A possibilidade de pecado em Cristo era tão real como o foi em Adão. DTN, 41, 103, 115, 660.
31

“nada tem em mim” (Jo 14:30). Satanás deveria buscar que Jesus decidisse desobedecer
a Deus não através de compulsão interior para o mal como ocorre conosco mas através
do exercício de Seus direitos naturais que lhe estavam vetados, a exemplo de usar a
divindade transformando pedra em pães para saciar a fome, coisa muito natural para
Jesus embora sobrenatural para nós! Natural tornar pedra em pães e natural saciar a
fome! Mais do que um direito, uma necessidade! Natural para alguém extremamente
fragilizado buscar segurança e escapar da dor, humilhação e morte. Natural e necessário
para o corpo e a mente em agonia receber e aceitar a proposta de ter o reino de volta
sem a morte. Natural recuar diante de um conflito maior do que a Sua humanidade –
conflito em favor de toda a raça humana – a morte eterna em lugar de todos, e retornar
para as delícias junto ao Pai. Muito natural soprar e varrer do planeta a impiedade dos
homens e anjos maus que o desonravam e contra Ele blasfemavam, mas o tempo para
esse tipo de juízo ainda não havia chegado.
Certamente a renúncia de Jesus abrangia também todas as satisfações da vida
humana e direito de fazer uso de poder divino para si. 76 Para viver restou-lhe apenas
uma “comida e bebida”: “fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4:34). A situação, portanto,
poderia ser colocada assim: a angústia física e mental de um corpo humano fragilizado
(pela renúncia de Suas naturais necessidades e até do exercício do poder divino) era o
caminho para que Satanás tentasse induzir Jesus a desobedecer a Deus (situações como
em Mt 4, descer da cruz entre outras)77.
Conosco o plano de investida do inimigo, mesmo em pessoas convertidas é explorar
os apelos naturais do homem caído (Tg 1:14; 4:1, 2) aos quais nos cabe renunciar em
favor da vontade de Deus. Em nós renuncia-se a natureza de pecado e seus apelos
contrários à santidade de Deus, mas, em Cristo, renuncia-se às necessidades de um
corpo fragilizado embora possuindo natureza sem pecado e também o uso de Seu
natural poder divino, uma vez que qualquer dessas alternativas seriam pecado ainda que
“por um pensamento”, mesmo em face da morte. 78 Em resumo:
a) Os pontos de investida eram diferentes (tendência para pecar em nós x desejo para
satisfazer necessidades naturais e inocentes em Jesus).
b) A base de resistência era a mesma (renúncia total do eu79 em favor da vontade de
Deus e entrega total aos seus cuidados).
c) A força da tentação era a mesma (os apelos da natureza: em nós interiormente para
pecar x em Cristo os apelos exteriores parar satisfazer necessidades naturais e
inocentes – comida, alívio da dor – e isto, muitas vezes, em condições extremas!).
Assim, Jesus sofreu, por outro caminho e conheceu por outro modo, as mesmas
pressões que nós que temos compulsão pecaminosa. Ele, porém, sem tal propensão para
o pecado!

Comparação das Tentações de Cristo Com as Nossas Tentações

Consideremos, agora, a superioridade das provas e tentações de Jesus sobre nós em


quatro aspectos, considerando-o como ser humano que precisava enfrentar em nossa
condição enfraquecida o teste da renúncia do eu para fazer a vontade do Pai.
76
1ME, 276
77
DTN, 106
78
1ME, 211, 220
79
“Meu Pai: se possível, passe de mim este cálice! Todavia não seja como eu quero, e, sim, como tu
queres ” (Mt 26:39). Se alguém quer vir após mim a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.” (Mt
16:24-26).
32

As intensidades de nossas tentações e as de Jesus são apresentadas na Bíblia como


diferentes (I Co 10:13). Nessa passagem a tentação pela qual passamos, como
pecadores, é apenas “humana” sugerindo que existe uma tentação maior do que a que
experimentamos. A declaração é que cada pessoa será tentada de acordo com suas
forças para que possa vencer, nunca será tentada mais do que pode resistir: “não vos
deixará tentar acima do que podeis”. Além disso, garante a Bíblia, Deus proverá o
“escape”. Por outro lado, se alguém depois de todo esse amparo divino ceder antes de
alcançar a tensão máxima, conforme a capacidade de resistência que lhe foi dada,
receberá a assistência especial do Advogado (I Jo 2:1). Jesus não teve sua prova aliviada
e nem poderia pecar, sob pena de não ter uma segunda chance. Sua prova vai além dos
cem por cento da capacidade humana porque Ele sofreu o que está além do ser humano
suportar.80 Sua tentação era “tanto maior quanto Seu caráter era superior ao nosso”. 81

A magnitude da Sua Missão e responsabilidade era um peso adicional que nós não
carregamos. Jesus deveria levar os pecados “do mundo” e tomar nossas “dores e
enfermidades” (Is 53). Sua preocupação não se restringia a uma vitória calcada em
razões pessoais para um escopo pessoal. Sua luta era representativa de Adão e neste de
toda humanidade. E mais do que a humanidade Ele deveria representar o caráter perfeito
de Deus perante todo o universo inteligente. Nosso fracasso é individual e pode afetar
outros mas sempre será um fracasso pessoal pois ele não é determinante, em termos
absolutos, dos destinos dos outros. A raça humana ou o caráter de Deus não dependem
exclusivamente do meu testemunho. A vida de Jesus era o único fator determinante para
a redenção da humanidade e para a vindicação do caráter do Pai. Com um conflito de
implicações e significados tão vastos não é difícil perceber que Sua prova possuía uma
magnitude maior do que a nossa.
O Salvador sofria qualitativamente mais que nós. Jesus era constituído de uma
natureza pura e consequentemente refratária ao pecado. Sua natureza aspirava santidade
e verdade. Estava, no entanto, num mundo de pecado e mentira. Ninguém jamais
“odiou” o pecado como Ele. Ninguém jamais vivenciou um contraste tão contundente
contra o pecado como Jesus82. “Ó geração incrédula e perversa. Até quando estarei eu
convosco e até quando vos sofrerei?” (Mt 17:17). Permanecer num mundo de pecado
era um fardo adicional para Sua natureza sem pecado não apenas pela contínua agressão
que isso significava mas também pelo motivo a mais que tal circunstância oferecia para
sugerir o desvio de Sua Missão redentora até o fim. Além do mais Ele estava exposto a
todas a “forças da confederação do mal”. 83 Talvez a nossa adaptação ao pecado não nos
permita sentir o desconforto de viver neste mundo mas para Jesus este lugar lhe era uma
contínua agressão pela generalização da iniquidade.

80
Roy Adams. The Nature of Christ. (USA: Reviw and Herald Publishing Association, 1994), 73-85.
Discute acerca da suposta vantagem de Cristo sobre nós. Sua posição é que Jesus sofreu a força total da
tentação enquanto nós recebemos apenas uma parte. Usando o que ele chama de “Escala Richter de
Tentação”, adaptando a que é usada para terremotos, Adams, representa graficamente a declaração de I
Co 10:13. Concordamos com a ilustração considerando que não foi a cruz que matou a Cristo afinal, mas
a tensão da prova que lhe rompeu o coração (DTN, 741). Assim, não foi a tensão total (conteúdo) que um
homem suportaria, foi maior, a ponto de romper o continente. Quebrou-se a escala. O abalo foi mais forte
do que o suportável. A dor estava além da capacidade humana. Nesse caso a intensidade não veio sob
medida, não pode ser avaliada. Foi “infinita” (Ibid., 743).
81
DTN, 102.
82
1ME, 254.
83
DTN, 101.
33

Também sofreu quantitativamente mais do que todos. Algumas tentações Jesus


tinha e nós não as temos: em várias ocasiões foi tentado a usar sua divindade para
conseguir alimento, deixar de beber o cálice do sacrifício, livrar-se dos seus algozes,
descer da cruz. Apelos que nada significam para nós que não temos poder divino. Ele
era tentado a desistir de redimir o homem e voltar para as cortes celestiais. Esse tipo de
tentação nós também não temos.

Conclusão

Concluímos esta abordagem entendendo que todo o homem nasce pecador e sob o
domínio do pecado, não porém Jesus, que tendo nascido de forma sobrenatural nasceu
santo, sem pecado e “separado dos pecadores”. Isso era necessário para que Ele mesmo
não estivesse na condição de perdido e precisasse de Redentor. No entanto, Sua
natureza sem pecado não lhe ofereceu vantagem sobre nós devido às limitações
decorrentes de Sua Missão. Ele precisou renunciar às necessidades e desejos lícitos,
inocentes e fundamentais de Sua humanidade perfeita num corpo fragilizado, sentindo
a dor da renúncia, dor esta que todos nós pecadores precisamos experimentar ao
renunciarmos nossa natureza caída e seus condenáveis desejos.
Tendo passado por tudo que passamos o Salvador possuía tentações que não temos,
sensibilidade que desconhecemos tornando Seu sofrimento mais agudo, pressões mais
intensas e sem limite além de pesar-lhe a vida do mundo e a resposta esperada pelo
universo.
Premido pela impossibilidade de uma segunda chance o Senhor não teria um
advogado caso pecasse. Daí concluímos que a natureza sem propensão para o pecado,
embora um qualificativo indispensável para que fosse o novo representante da raça
humana, para ser o segundo Adão, o faz passar por uma renúncia muito maior do que a
nossa que somos convidados a renunciar o pecado, dor e morte, mesmo considerando
seus efêmeros prazeres mas tendo o recurso do arrependimento, enquanto Jesus, como o
segundo Adão, não podia cometer qualquer erro.
Se nós sabemos o que é desejar o proibido por causa de nossas vis propensões e não
tê-lo pois seria pecado, Ele também sabe o que é ser vedado ter o que desejava (ainda
que não desejasse o errado) pois isso seria comprometer a nossa salvação e a vontade do
Pai. Ele sabe o que é renunciar a si mesmo, e o muito que tinha, para nos salvar, assim
como nós sabemos o que é renunciar o pouco que temos e o que somos em nossas
tendências más, para nossa própria salvação (e isso pela Graça).
Finalmente, sendo tentado em tudo como nós e mais do que nós, mas sem pecado, se
tornou o nosso Modelo Divino, em lugar do primeiro Adão, do que Deus esperava que o
homem fosse “física e espiritualmente” quando em harmonia com a lei de Deus.84

84
Se nosso alvo é a estatura de Cristo (Ef 4:13), nosso Modelo (1ME, 338), como poderíamos vê-lo como
alguém com as mesmas tendências mórbidas para o pecado que nós? Ã parte dos momentos de conflito
em que sua aparência foi desfigurada (Is 53; DTN, 103) e dos efeitos redutores de sua capacidade física
devido aos fatores hereditários, Jesus era sem defeito “físico ou espiritual” (DTN, 42).

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