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(https://boitempoeditorial.files.wordpress.com/2021/04/federici-boitempo-artur.jpg)
Silvia Federici na sede da Boitempo, durante gravação para a TV Boitempo. 27 set. 2019. Foto: Artur
Renzo.
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“Até o momento, homens e mulheres da classe trabalhadora tiveram sua jornada definida pelo capital
– pela batida de ponto na entrada e na saída. Isso definiu o tempo que pertencemos ao capital e o
tempo em que pertencemos a nós. Mas nunca pertencemos a nós. Sempre pertencemos ao capital, a
cada instante da vida.”
Silvia Federici, O patriarcado do salário (https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/o-patriarcado-do-
salario-1062)
As acusações de que a luta feminista divide a classe trabalhadora e de que, assim como as lutas
antirracistas, anticoloniais e LGBTQI+, reivindica exclusivamente a ampliação de direitos e de
reconhecimento dentro dos parâmetros capitalistas de relações sociais não são novas, mas são
persistentes. O incômodo que essas lutas têm gerado não é marginal e a revolta produzida, por
exemplo, pela utilização da linguagem inclusiva mostra como o campo da esquerda ainda é
heterogêneo. Não é incomum escutar que essas preocupações levarão à reeleição de Bolsonaro e a um
aprofundamento do neoliberalismo. Parte dessa leitura vem de diagnósticos sociológicos importantes
como os de Nancy Fraser (2018) e de Boltanski e Chiapello (2009),[1] que defendem que esses
movimentos teriam deixado a economia política em segundo plano. De fato, não é possível
considerar esses movimentos fora da pluralidade social e histórica que eles apresentam, muitas vezes
voluntariamente associados ou politicamente incorporados às dinâmicas liberais. Ao mesmo tempo,
fez parte da história da luta da classe trabalhadora a integração de muitos sindicatos ao establishment
e não há registro de uma análise que demonstre como as pautas sindicais são facilmente incorporadas
pelo capital devido ao seu caráter “cultural”. Parte dessas acusações advém de um certo marxismo
que empurrou as questões raciais, de gênero e de sexualidade para a esfera da cultura (produzindo
um rebaixamento da mesma), dos costumes e da moral ou as reduziu ao termo guarda-chuva de
“questões identitárias”. Tudo se passa como se falar em gênero, sexualidade e raça envolvesse
necessariamente abandonar as questões de classe, a economia e as análises do imperialismo, trocar as
questões objetivas por questões subjetivas, abandonar a luta coletiva pelo tão vilipendiado “lugar de
fala”.
Enquanto isso, no Brasil, um governo fascista foi eleito tendo como uma de suas principais bandeiras
a luta contra a “ideologia de gênero” e a defesa conservadora e neoliberal da família monogâmica
heterossexual.[2] A expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos por aqui, ocupamos o
quinto lugar no índice global de países com maior número de feminicídios, temos a terceira
população carcerária do mundo, de maioria negra. Só isso já deveria ser suficiente para que essas
questões saíssem do nicho da chamada “pauta dos costumes”. Não se trata apenas de considerar as
lutas desses grupos sociais como legítimas, mas de compreender como a racialização, a generificação
e sexualização são processos constituintes do capitalismo. Certamente existiram antes dele, assim
como outras formas sociais, como o mercado, o dinheiro, o Estado, mas ganham nova forma e função
subsumidas ao regime de acumulação capitalista. Como mostrou Engels (2008)
(https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/a-situacao-da-classe-trabalhadora-na-inglaterra-
166), a classe trabalhadora possui cisões e hierarquias em seu interior produzidas pelo capital e que
reforçam sua dominação sobre a classe ao dividi-la constantemente. A obra de Silvia Federici é uma
passagem importante para a compreensão de como o marxismo, ao incorporar uma perspectiva
feminista pode avançar na sua interpretação do capitalismo.
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Para além das questões levantadas acima, uma explicação possível para as divisões atuais no campo
da esquerda é de origem histórica, pois há uma larga produção político-acadêmica que rebate as
críticas correntes ao feminismo, mas que não circula de forma ampla. Na década de 1970, a divisão
entre o feminismo radical, pós-estruturalista (entre outras vertentes) e o feminismo marxista
(JAMESON, 1992; ARRUZZA, 2019), bem como o aprofundamento da versão neoliberal do
capitalismo, solaparam parte da força que o movimento havia ganhado na década de 1960. É um
mistério que um debate que ocorreu na década de 1970 esteja ganhando terreno teórico e político de
maneira expressiva apenas em meados do século XXI. Numa entrevista sobre o tema, Tithi
Bhattacharya conta que, nos últimos anos, a conferência Historical Materialism cumpriu um papel de
destaque nessa recuperação, mas também condensou o choque desse intervalo que de repente nos
liga à década de 1970:
“Lembro que estava numa mesa redonda na qual apresentamos a nova edição do livro de Lise Vogel com
Susan Ferguson e outras pessoas e Lise me disse antes da conferência que ela não queria comparecer ao
debate porque achava que seria constrangedor, porque ninguém apareceria e ninguém estaria interessado em
seu trabalho. Eu tive que literalmente coagi-la a ir: “Você não pode desistir agora!”. Então fiquei muito
nervosa, porque pensei: “E se ninguém aparecer?”. No final, nós a convencemos a ir. Cento e cinquenta
pessoas apareceram e tinha gente sentada até no chão. Todo mundo já tinha lido o livro de Lise e era
simplesmente surpreendente. Lise estava surpresa: ‘Quem são essas pessoas, de onde elas vieram? Onde elas
estiveram toda a minha vida?'”
“Por um novo casamento entre feminismo e marxismo – Entrevista com Cinzia Arruzza e Tithi
Bhattacharya”, Crítica Marxista n. 51, 2020
Segundo Bhattacharya, o livro de Vogel, Marxism and Women Oppression: Toward a Unitary Theory,
referência fundamental do marxismo feminista, havia saído tarde demais, na década de 1980, quando
o movimento já estava enfraquecido. Muitos escritos de Federici, como Il Grande Calibano (1984),
escrito com Leopoldina Fortunati, também foram publicados nessa época. A discussão a respeito da
reprodução social não encontrou eco representativo no marxismo. Com a publicação do manifesto
Feminismo para os 99% (https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/feminismo-para-os-99-um-manifesto-
849), escrito por Arruzza, Bhattacharya e Fraser e com a greve de mulheres que ocorreu nos Estados
Unidos a partir de 2017, essa tradição passou a ser retomada e ganhou terreno na teoria social
contemporânea. Para desenvolver essa discussão, vale fazer uma retomada histórica.
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domingos e feriados. Em 1975, Federici foi para os Estados Unidos e fundou no Brooklyn um grupo
chamado “Wages for Housework Committee” (FEDERICI; AUSTIN, 2017). Foi também nesse ano que
escreveu o famoso panfleto “Salários contra o trabalho doméstico”.[3]
O caráter internacionalista do movimento assumia a vocação da luta socialista desde Marx e Engels,
mas parte importante da sua produção político-intelectual se deu a partir da escrita de panfletos. Esse
debate se deu por meio de uma forma muito cara ao marxismo: a forma do manifesto, dos panfletos,
etc. (PUCHNER, 2005). Ainda que essa forma possa ser encontrada nos primórdios do marxismo e do
movimento socialista, ela pode ter contribuído para que o conjunto da produção dessas autoras se
dissipasse e não recebesse uma sistematização acadêmica que talvez pudesse ter lhe conferido uma
longevidade maior.
Mas, afinal, do que se tratava esse movimento? Após o furor dos protestos da década de 1970,
algumas feministas marxistas passaram a investigar mais a fundo, assentadas na obra de Marx, as
raízes da opressão das mulheres. Parte do movimento feminista daquele período defendia que as
mulheres tinham menos poder social que os homens no capitalismo porque não estavam inseridas
nas relações capitalistas de produção. Essas autoras, cada uma à sua maneira, buscaram
problematizar essa interpretação. O movimento consistiu num esforço coletivo de repensar o
capitalismo e a obra de Marx a partir da questão de gênero, e, como todo esforço coletivo no âmbito
do marxismo, chegou a diferenças internas importantes – que não serão tratadas aqui. Mas vale citar
abaixo as contribuições de Federici para esse debate.
Marx era um crítico das relações patriarcais, mas sua relação com o feminismo é complexa. Dizer que
ele era apenas “um homem de seu tempo” não dá conta do problema. O movimento cartista discutia
contracepção e outras questões ligadas ao feminismo, assim como algumas vertentes do socialismo
utópico, conforme demonstra a obra de Flora Tristan. Na década de 1870, segundo Federici, Marx fez
campanha para banir a “Seção 12”, uma ala feminista da AIT. A autora sugere que esse rompimento
teve consequências políticas tão importantes para o movimento como a briga de Marx com Bakunin,
já que desde então as pautas feministas aparecem como opostas às do trabalho e do salário. Mas não
se trata apenas de um debate biográfico.
No cerne da teoria da reprodução social de Federici, está a crítica de que Marx não teria reconhecido
que o trabalho doméstico era tão importante para a reprodução do capitalismo como o trabalho
assalariado.
Segundo Federici, a obra de Marx comporta duas noções de trabalho.[4] A primeira diz respeito ao
trabalho como atividade livre e criativa. A segunda remete ao trabalho assalariado e alienado. De
acordo com sua interpretação, Marx enxergava, de forma contraditória, o trabalho industrial muito
positivamente, devido às possibilidades de cooperação e de redução do tempo de trabalho necessário
para reprodução da vida que nos liberaria para realizar outras atividades ligadas ao trabalho livre. A
hipótese de Federici é que por não ser livre, criativo e por estar vinculado à sobrevivência, mas
também por não ser produtivo, o trabalho doméstico foi negligenciado como se fosse uma forma
arcaica de trabalho a ser superada. Essa perspectiva esteve na base de um socialismo favorável à
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automação e do debate a respeito do trabalho cognitivo, defendido por Mario Tronti, Antonio Negri e
André Gorz, autores criticados por Federici por deixarem de lado o problema de que a reprodução
em grande medida não é automatizável.
Às mulheres cabe a reprodução dos portadores da mercadoria mais valiosa no capitalismo: a força de
trabalho da classe trabalhadora. Desde a gestação, criação, alimentação, vestimenta até o trabalho
emocional, sexual, doméstico e de cuidado com os idosos, são as mulheres as responsáveis por
produzir e reproduzir a substância da qual o capital se alimenta. Isso significa que a família não é
uma instância capitalista apenas no sentido “moral” do termo – embora ela tenha historicamente
servido a fins morais. Esse tipo de análise coloca uma pá de cal na sociologia tradicional que até os
dias atuais trabalha com os conceitos de “esfera pública” e “esfera privada”, pressupondo que a
última pode consistir num refúgio das relações capitalistas ou estaria fora do mercado.
Além disso, Federici argumenta que a dominação das mulheres se deu historicamente também por
meio da relação de assalariamento, mediada pela relação conjugal. A formação da família no
capitalismo – especialmente no Norte global – fez com que o salário masculino, o salário pago aos
homens, incluísse na sua conta também o trabalho de reprodução das mulheres. Ou seja, foi um
salário concebido para sustentar toda a família, implicando o trabalho doméstico realizado pelas
mulheres. Historicamente, isso foi produzido por uma série de reformas, como aquelas que
limitavam a jornada de trabalho de mulheres e crianças e pela defesa do “salário familiar”. Esse
modelo garantiu, durante muito tempo, que a mulher fosse sujeitada a realizar esse trabalho.
Por que patriarcado do salário – um termo normalmente associado ao feminismo radical? Porque a
organização social do trabalho se dá a partir desse eixo patriarcal. As mulheres fazem parte da classe
trabalhadora, sem serem formalmente empregadas. Ou, as que exercem atividade remunerada,
acabam possuindo uma dupla jornada. A família é a instância que ao mesmo tempo se apropria do
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trabalho das mulheres e o oculta. O patriarcado do salário, de acordo com Federici, (junto com o
arranjo matrimonial) conferiu historicamente aos homens o acesso ilimitado ao corpo das mulheres,
transformou o sexo num trabalho, conferiu também a eles o poder de supervisionar seu trabalho, de
puni-las com violência econômica, física ou psicológica, etc. [5]
Essa teoria teve implicações políticas fundamentais, ainda que seja possível defender outras leituras
de Marx. Em primeiro lugar, ela deu visibilidade a esse trabalho invisível no capitalismo e destacou a
importância do reconhecimento do lugar das mulheres no ciclo de produção – o que não se reduz ao
debate a respeito do trabalho de reprodução ser ou não produtivo. A teoria da reprodução social
abriu o flanco para a ampliação da compreensão do capitalismo e da própria luta da classe
trabalhadora. Ela desafiou a tese de que basta as mulheres entrarem no mercado de trabalho para que
a dominação masculina seja combatida. Ou que basta integrar as populações não assalariadas para
que elas deixem de ser populações dominadas. A teoria da reprodução social permite demonstrar que
o capitalismo não pode resolver as questões de gênero e de raça e sobreviver “só” com a exploração
do trabalho, pois a reprodução é parte inerente desse sistema. Federici reconhece a tese de Marx de
que o capital se configura como forma dominante e se expande por meio do salário, mas mostra
também que a dominação das trabalhadoras não assalariadas se estabeleceu por meio do salário e
essa exploração foi ainda mais eficaz porque a falta de salário das mulheres pela realização do
trabalho de reprodução a escondeu sob a forma do amor ou da assistência pessoal.
Ademais, a visada dialética de Federici permite compreender não só como a reprodução social é
momento fundamental da dinâmica de exploração capitalista, mas elucida também – a partir do
entrelaçamento entre as esferas da produção e da reprodução que, no limite, desfaz suas fronteiras –
como o preço do trabalho de reprodução no mercado de trabalho é rebaixado pela desvalorização e
invisibilização do trabalho de reprodução não pago.
A publicação tardia das obras de autoras como Vogel, Ferguson e Federici, bem como a circulação do
debate a respeito da reprodução social por meio de panfletos e manifestos explica apenas em parte
porque os anos 1970 demoraram tanto para alcançar o presente. Há uma razão conjuntural que
explica a presente retomada dessa tradição. A radicalização do capitalismo em sua forma neoliberal –
marcada pela flexibilização produtiva, por múltiplos processos de precarização do trabalho, pela
retirada de direitos básicos, pelo aumento da violência estatal, policial e do encarceramento que
acompanhou o aumento do desemprego e busca conter os efeitos sociais da crise econômica e política
que estamos atravessando – deixa cada vez mais explícito como as mulheres, as populações
racializadas, LGBTQI+ e os países periféricos são os setores mais fragilizados da classe trabalhadora
atualmente (GAGO; CAVALERO, 2020). O surgimento de movimentos de contestação como aqueles
vistos recentemente no Chile, na Argentina, nos Estados Unidos e na Polônia, por exemplo, também
comprova – pela prova dos nove – que esses setores se encontram sob ataque direto do capital. E,
para compreender esse contexto, é necessário retomar as análises que buscaram compreender a
relação entre capitalismo, gênero, raça, sexualidade e colonização.
No entanto, há também uma razão política que explica esse intervalo entre a década de 1970 e a
nossa. Ao longo da história do marxismo, a obra de Marx foi revirada de cabeça para baixo, colocada
sob escrutínio, expandida e criticada por inúmeras vias e tradições. Lênin desenvolveu uma teoria do
imperialismo a partir de Marx, assim como Rosa Luxemburgo, a despeito de suas discordâncias;
Lukács ampliou o conceito marxiano de “fetichismo da mercadoria” desenvolvendo uma teoria da
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reificação; Althusser desdobrou a questão da ideologia; Poulantzas ampliou uma teoria do Estado;
Adorno demonstrou que a forma do trabalho se estende para o tempo livre e a lógica do capital
configura a cultura sob o capitalismo. Mais recentemente, autores da Neue Marx Lektüre, como
Backhaus, Reichelt, Heinrich, entre outros, buscam repensar a teoria do valor de Marx. A obra de
Marx também foi repensada à ocasião das revoluções ocorridas na periferia do capitalismo à luz de
uma série de desafios impostos pela geopolítica, como é o caso da teoria de Trótski e de Mao Tsé
Tung, por exemplo. No Brasil, a teoria marxista da dependência, entre outras vertentes, também
buscou reler Marx à luz da relação de exploração não só entre as classes, mas entre as nações. Cada
uma dessas reflexões a respeito da obra de Marx se debruçou criticamente sobre sua obra, abriu
novos caminhos para pensarmos o capitalismo e ampliou os horizontes da luta contra o capital, além
de terem se tornado linhagens importantes do marxismo até hoje. E ainda que existam muitas
disputas entre essas diversas linhas, o próprio debate teórico e político entre elas testemunha seu
reconhecimento mútuo.
Mas na historiografia marxista, o marxismo feminista, assim como as teorias marxistas negras e
LGBTQI+ continuam a ser notas de rodapé, quando sequer o são. Se esse fosse apenas um problema
historiográfico, poderíamos resolvê-lo escrevendo uma nova história do marxismo. Entretanto, a
questão é muito mais ampla e diz respeito à teoria e à política. Como busquei mostrar brevemente
aqui, a teoria de Federici amplia, a partir de Marx e de uma crítica à sua obra, o horizonte de
compreensão do funcionamento do capitalismo, ganhando importante terreno para a crítica.
Por que lutar contra a alienação do trabalhador do produto de seu trabalho é mais importante do que
lutar contra a alienação das mulheres e das pessoas trans de seu próprio corpo, uma vez que ambos
são produtos da dinâmica social capitalista? Por que os conceitos de “opressão”, “espoliação”,
“despossessão” são preteridos em relação ao de “exploração”? Por que uma parte da esquerda insiste
em emular divisões criadas pelo capital e que servem a esse ao invés de incorporar agendas de luta
que há muito tempo reivindicam sua importância para a própria construção do socialismo?
Essas são as perguntas que o marxismo feminista fez na década de 1970. A construção da luta contra
o fascismo no século XXI depende da maneira como vamos respondê-las.
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Kobo (https://www.kobo.com/br/pt/ebook/o-patriarcado-do-salario)
Google
(https://play.google.com/store/books/details/Silvia_Federici_O_patriarcado_do_sal%C3%A1rio?
id=lXcfEAAAQBAJ)
Apple (https://books.apple.com/br/book/id1554853310)
Amazon (https://www.amazon.com.br/patriarcado-sal%C3%A1rio-Notas-g%C3%AAnero-
feminismo-ebook/dp/B08X4T4G7S/)
Saiba mais:
Blog da Boitempo: Silvia Federici, a força analítica de Marx e o caráter explosivo da luta feminista
(https://blogdaboitempo.com.br/2021/04/06/silvia-federici-a-forca-analitica-de-marx-e-o-carater-
explosivo-da-luta-feminista/), por Bruna Della Torre
Outras Mamas Podcast: #102 – O patriarcado do salário, de Silvia Federici
https://blogdaboitempo.com.br/2021/04/29/por-que-o-marxismo-precisa-ser-feminista/ 8/11
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Notas
[1] Fraser é uma das maiores críticas da cooptação e apropriação das pautas desses movimentos pelo
capitalismo. No entanto, seu argumento de que parte deles abandonou a “economia política” em
nome de questões culturais e subjetivas, praticamente o mesmo de Boltanski e Chiapello, ainda
corrobora leituras dualistas sobre o tema. Segundo Fraser, a ascensão da extrema-direita tem a ver
com a reunião de um sistema neoliberal extremamente regressivo do ponto de vista econômico e com
a absorção de “pautas identitárias” no âmbito da superfície. Essa combinação teria gerado um
ressentimento especialmente poderoso na classe trabalhadora, branca, heterossexual, masculina
ocupada no setor industrial em desmonte. No entanto, conforme ressalta Jaeggi (FRASER; JAEGGI,
2020), esse ressentimento não pode ser unicamente explicado por razões materiais imediatas, mas é
herdeiro de uma estrutura hierárquica generificada e racializada do próprio capitalismo contra a qual
grande parte desses movimentos se coloca. Ademais, seria necessário acrescentar que seu diagnóstico
insere-se num contexto muito específico: o norte-americano. Nos Estados Unidos, a crítica negra e
feminista, por exemplo, esteve presente no marxismo desde o início do século XIX, o que difere
bastante de outros lugares, como o Brasil. Nos Estados Unidos, no qual há uma classe média negra
muito maior do que a brasileira e no qual a luta feminista e LGBTQI+ sempre foi mais forte do que
aqui, os chamados temas “identitários” têm sido utilizados, de acordo com Fraser, para contornar as
questões de classe. Esse não é o caso do marxismo feminista e muito menos do Brasil, país no qual a
esquerda não absorveu ainda completamente as pautas antirracistas, feministas e queer.
[2] Conforme demonstra Melinda Cooper (2017), há na extrema direita contemporânea uma
convergência/aliança entre conservadorismo e neoliberalismo no âmbito da família. A defesa “moral”
e “religiosa” da família por parte dos setores conservadores é reforçada pela política neoliberal de
responsabilização econômica individual e familiar. Como disse certa vez Margaret Thatcher sobre a
sociedade, “não existe essa coisa. O que existe são homens e mulheres, indivíduos, e famílias (…)”.
Bolsonaro, durante a pandemia de COVID-19 que já matou quase 400 mil pessoas no Brasil, disse que
as famílias é que eram responsáveis por cuidar de seus idosos. Nesse sentido, moral e economia são
inseparáveis para pensar o fenômeno da extrema-direita atual. Cf. Fernandes, Augusto. “Famílias que
cuidem de seus idosos”, diz Bolsonaro sobre abrir comércios
(https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2020/04/08/interna_nacional,1137022/familias-que-
cuidem-de-seus-idosos-diz-bolsonaro.shtml).
[3] A campanha internacional por salários domésticos foi criticada por uma série de autoras, dentre
elas, Angela Davis (2016). A teoria da reprodução social, em geral, levanta um problema que diz
respeito ao modo como o movimento feminista se relaciona com o trabalho doméstico, de cuidado,
etc. Algumas autoras como Cooper (2017) e Nancy Fraser (2020) chamam a atenção para o risco de
supervalorizar as atividades de reprodução e de produzir uma essencialização que conecte ainda
mais as mulheres a esse tipo de trabalho. E há uma tradição importante do feminismo que contempla
autoras muito diferentes entre si, como Simone de Beauvoir, Betty Friedman e Manon Garcia que
refletiram e refletem sobre as consequências sociais e também subjetivas que advém do fato de as
mulheres ficarem restritas a essa esfera de trabalho, à esfera doméstica, etc. No entanto, vale ressaltar
que o panfleto de Federici de 1975 se chama “Salários contra o trabalho doméstico” [grifos meus]. Ela
escolhe a preposição “contra” e não “por”, o que faz toda a diferença. No panfleto, ela escreve:
“quando lutamos por um salário, não lutamos para entrar na lógica das relações capitalistas, porque
nunca estivemos fora delas. Nós lutamos para destruir o papel que o capitalismo outorgou às
mulheres” (FEDERICI, 2019, p. 47). E mais: “queremos chamar de trabalho aquilo que é trabalho”
https://blogdaboitempo.com.br/2021/04/29/por-que-o-marxismo-precisa-ser-feminista/ 9/11
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(FEDERICI, 2019, p. 49). Ou seja, a luta por salários para o trabalho doméstico é uma luta contra o
trabalho doméstico.
[4] Aqui há um aspecto que poderia ter sido mais explorado na obra de Federici. Ao defender que
Marx possui uma noção estreita de trabalho, Federici recorre aos Manuscritos econômico-filosóficos
(https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/manuscritos-economico-filosoficos-90), ao Manifesto
Comunista (https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/manifesto-comunista-284) e em parte ao Capital,
(https://www2.boitempoeditorial.com.br/produto/o-capital-livro-i-653) mas sem considerar a variação do
conceito nessas e em outras obras.
[5] Atualmente, o “patriarcado do salário” se transformou, já que o próprio salário deixou de ser
garantia de reprodução com a precarização do trabalho e com os ganhos incessantes do capital sobre
a classe trabalhadora. Para uma análise de sua permanência pela via neoliberal e de sua importância
para compreender a ascensão da extrema-direita na América Latina, ver Gago, 2020.
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16/03/24, 12:42 Por que o marxismo precisa ser feminista – Blog da Boitempo
e marxismo – Entrevista com Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya. Crítica Marxista, n. 51, 2020.
PUCHNER, Martin. Poetry of the Revolution: Marx, Manifestos, and the Avant-Gardes. New York:
Princeton University Press, 2005.
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Publicado originalmente no Blog da Boitempo
https://blogdaboitempo.com.br/2021/04/29/por-que-o-marxismo-precisa-ser-feminista/ 11/11