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CARLA MARQUES, HALANA FARIA,

MARIANA PÉRCIA e MARIANA PRANDINI ASSIS


Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Realização

Conteúdo técnico: Carla Marques, Halana Faria, Mariana Pércia e Mariana


Prandini Assis

Revisão: Janaína Penalva, Mariana Alencar Sales e Mariana Prandini Assis

Coordenação de projeto: Cíntia Costa

Design Instrucional: Claudete Maria Cossa

Projeto gráfico: Heliziane Barbosa

Design gráfico: Diego Borges

Ilustração: Isabel Hernández

Revisão ortográfica: Daniel Mendonça

2ª edição . 2023

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

APOIADO POR:

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Sumário

Apresentação ......................................................................... 5

Aula 1

O abortamento
no mundo e no Brasil ............................................................. 6

Aula 2

Serviços de atenção ao abortamento


previsto em lei no Brasil ........................................................ 31

Aula 3

Abortamento e
evidências científicas ............................................................ 54

Aula 4

Abortamento, evidências científicas


e cuidados pré e pós-abortamento ...................................... 75

Aula 5

Aspectos profissionais no acolhimento à gestação


indesejada sob a perspectiva da redução de danos ............ 93

Aula 6

Violência obstétrica no abortamento


e no cuidado pós-aborto ....................................................... 109

Encerramento ........................................................................ 124

Referências ............................................................................ 126

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

APRESENTAÇÃO

Olá, queremos lhe dar as boas-vindas ao curso de acolhimento de pessoas em situ-


ação de abortamento e pós-aborto! Esperamos que você tenha um ótimo aprendi-
zado e que o conhecimento aqui adquirido sirva à sua prática profissional qualifica-
da e humanizada.

No Brasil, o abortamento é criminalizado – exceto nos casos de violência sexual,


anencefalia fetal e risco de vida para a pessoa gestante – e estigmatizado. Apesar
da criminalização, muitas mulheres e pessoas que gestam recorrem a abortamen-
tos inseguros, e essa é uma das principais causas de mortalidade materna no país.

Este curso é uma intervenção nesse contexto e foi desenvolvido a partir da siste-
matização do conhecimento interdisciplinar, com base em evidências científicas,
produzido por especialistas em abortamento no Brasil e no mundo. Com ele, quere-
mos levar até você o que há de mais atual e científico sobre o tema, com o objetivo
de contribuir para sua formação como profissional de saúde. Mas não entendemos
que a ciência esteja dissociada de valores e, por isso, incorporamos também conhe-
cimentos relacionados às melhores práticas profissionais, para que a formação aqui
recebida seja orientada pelos valores do cuidado integral, do acolhimento digno e
empático e da humanização.

Objetivos do curso
Os objetivos deste curso são:

• Ampliar seu conhecimento clínico e jurídico sobre os serviços de atenção ao abor-


tamento previsto em lei e cuidado pós-aborto, assim como as habilidades corres-
pondentes.

• Contribuir para a redução do estigma associado ao abortamento.

• Ampliar o acesso a um cuidado digno, empático e de alta qualidade em situa-


ções de abortamento e cuidado pós-aborto, por profissionais com conhecimen-
to de seus deveres profissionais e legais.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Aulas
Para a compreensão deste tema tão importante e pouco
estudado, o curso foi dividido em 6 aulas. Veja a seguir quais são:

Jornada do cursista

Aula 1 Aula 2 Aula 3


O abortamento no Serviços de atenção ao Abortamento e
mundo e no Brasil. abortamento previsto evidências científicas.
em lei no Brasil.

Aula 6 Aula 5 Aula 4


Violência obstétrica Aspectos profissionais Abortamento,
no abortamento e no no acolhimento à evidências científicas
cuidado pós-aborto. gestação indesejada e cuidados pré e
sob a perspectiva da pós-abortamento.
redução de danos.

Encerramento

Aula 1
O abortamento no mundo e no Brasil

• Histórico e conceito de direitos sexuais, direitos reproduti-


vos e justiça reprodutiva.

• O que é abortamento e qual sua relação com a saúde pública.

• Como o abortamento é tratado no mundo e no Brasil, e quais


as suas consequências para a vida e a saúde das pessoas.

• Quem são as pessoas que abortam e que condições contri-


buem para que elas sejam colocadas em situações de vulne-
rabilidade ao experienciar esse evento da vida.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Introdução: Direitos Sexuais e


Reprodutivos (DSR) e a justiça reprodutiva
Nesta primeira aula, você conhecerá um pouco da história dos direitos sexuais e
reprodutivos no mundo e no Brasil. Você verá também o lugar do abortamento
nesse campo de estudo e sua conexão com a saúde pública. Vamos lá?

Começaremos com os fatos mais importantes que marcaram a história dos direitos
sexuais e reprodutivos. Acompanhe:

A Rússia é o primeiro país do mundo a


1920
legalizar o aborto.

O aborto é legalizado em toda a União


Soviética (URSS), como parte da política de
Até
reconstrução após a Segunda Guerra Mundial 1950
e de incentivo da entrada das mulheres no
mercado de trabalho.

Diferentes governos ao redor do mundo


1950 começam a implementar políticas de
planejamento e controle populacional.

A Associação Médica Americana (AMA) muda


seu posicionamento sobre o aborto, pedindo
1970
explicitamente sua legalização, devido aos
riscos do aborto inseguro.

Entre
Diversos países da União Europeia adotam
1970 e políticas de legalização do aborto e acesso ao
1980
aborto seguro.

São publicadas denúncias de esterilização Entre


1980 e
forçada de mulheres negras no Brasil. 1990

Criação do PAISM – Programa de Assistência


1983
Integral à Saúde da Mulher no Brasil.

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A Constituição brasileira reconhece o direito à


igualdade de gênero e ao planejamento 1988

reprodutivo.

Formulação do conceito de direitos sexuais


1990
por movimentos gays e lésbicos pelo mundo.

Conferência Internacional sobre População e


Desenvolvimento da ONU, no Cairo, onde se 1994

firmou o conceito de direitos reprodutivos.

Criação do conceito de “justiça reprodutiva”


1994
nos EUA, por um grupo de mulheres negras.

IV Conferência Mundial sobre a Mulher da


ONU, em Pequim, onde se confirmou o 1995

paradigma dos direitos sexuais e reprodutivos.

Aprovação da Lei de Planejamento Familiar


1996
nº 9.263, no Brasil.

Criação da Política Nacional de Atenção


Integral à Saúde da Mulher do Ministério da
2004
Saúde e Pacto Nacional pela Redução da
Mortalidade Materna e Neonatal no Brasil.

Criação da Política Nacional dos Direitos


2005 Sexuais e dos Direitos Reprodutivos pelo
Ministério da Saúde brasileiro.

Criação da Política Nacional de Atenção


2007
Integral à Saúde da População Negra no Brasil.

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Como você pode observar na linha do tempo, o debate sobre os direitos sexuais e repro-
dutivos vem de longa data. Para compreender cada uma de suas dimensões e se apro-
fundar nesse tema, detalhamos a seguir os eventos mais importante sobre os DSRs.

Direitos reprodutivos
A partir dos anos 1950, governos nacionais em diferentes partes do mundo passa-
ram a implementar políticas de planejamento e controle populacional, com a justi-
ficativa de impulsionar o desenvolvimento econômico. Tais políticas se funda-
mentavam na ideia de que há uma forte relação entre fecundidade e crescimento
econômico, sendo, portanto, dever do estado administrar a vida reprodutiva de sua
população, por meio de ações controlistas ou pró-natalistas (MARTINS, 2019).

A principal característica desse tipo de política é seu caráter hierárquico e tecno-


crático, ou seja, agentes do Estado definem o perfil de população desejada – por
exemplo, por raça, classe social e tamanho da família – e desenham políticas públi-
cas para a criação desse perfil.

Esse tipo de política nega a autonomia e a capacidade de as pessoas decidirem


sobre suas vidas reprodutivas, ao mesmo tempo que cria hierarquias entre grupos
da população, categorizados como desejados ou indesejados, como brancos versus
negros e indígenas, ricos versus pobres. Essas políticas foram chamadas de neomal-
thusianas, com inspiração diretamente ligada a ideologias totalitárias em disputa
no mundo após a Segunda Guerra mundial.

Em alguns países, como o Peru entre os anos de 1996 a 2001, esses programas
consistiram na esterilização forçada de milhares de mulheres, em sua maioria
pobres e indígenas (GUTIERREZ, 2014). Já na China, vigorou por mais de três déca-
das, até 2016, a política que determinava que cada família poderia ter apenas uma
criança (FENG; GU; CAI, 2016).

Ponto de reflexão

Pare um instante para refletir... Você consegue identificar, nos dias de hoje,
práticas do Estado que possam ser caracterizadas como políticas controlistas?

No Brasil, também houve a atuação de instituições de caráter controlista finan- Fique por dentro
ciadas por capital estrangeiro e, na década de 1980, vieram a público denúncias Conheça o relatório
de programas de controle da natalidade e planejamento familiar que esterilizaram da CPMI na íntegra.
mulheres negras sem o consentimento delas. Tais denúncias culminaram em uma

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Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI), cujo relatório serviu de base para a Lei
do Planejamento Familiar nº 9.263, aprovada em janeiro de 1996.

Os direitos reprodutivos surgem como resposta feminista contra essas políticas


de controle populacional e por autodeterminação, integridade corporal, equidade Autodeterminação
e diversidade. No Brasil, a Constituição de 1988 reconhece o direito à igualdade de É um dos princípios
gênero e ao planejamento reprodutivo fundamentado na dignidade humana e na fundamentais dos
direitos humanos e
livre decisão de cada pessoa. significa autonomia,
abrangendo
autorresponsabilidade,
No plano internacional, a Conferência Internacional da ONU sobre População autorregulação e livre-
e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994, foi o marco mundial de arbítrio de todo ser
humano.
mudança de uma abordagem de disciplinamento e controle para um paradigma de
direitos, autonomia e respeito no campo da reprodução humana.
Fique por dentro
Agora que você já conheceu um pouco sobre os direitos reprodutivos, verá a seguir
Conheça o relatório
o que são direitos sexuais e como esses dois campos estão relacionados, levando da Conferência
inclusive à utilização da expressão “direitos sexuais e reprodutivos (DSR)”. sobre População
e Desenvolvimento.

Direitos sexuais

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O conceito de direitos sexuais tem uma história distinta e mais recente. Sua formu-
lação inicial se deu nos anos 1990 pelo trabalho incansável de movimentos gays e
lésbicos em diferentes partes do mundo, que logo foram abraçados por segmentos
dos movimentos feministas e por outras minorias sexuais, como os movimentos
trans e travesti, e intersexo.

Embora não conste a expressão “direitos sexuais” no documento oficial da Confe-


rência de Cairo da ONU, o texto inclui, de modo explícito, o conceito de “saúde
sexual” como elemento essencial para o exercício dos direitos reprodutivos:

Direitos reprodutivos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e indi-


víduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número e espaçamento de filhos e ter a
informação e os meios para assim fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde
sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução livre de
discriminação, coerção ou violência.
(ONU, 1994: parágrafo 7.3)

Um ano mais tarde, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em


Pequim em 1995, foram confirmados e ampliados os acordos estabelecidos no
Cairo com relação aos direitos sexuais e reprodutivos. Na Plataforma de Pequim,
os direitos sexuais foram definidos de forma mais explícita e autônoma em relação
aos direitos reprodutivos.

Os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e decidir livre e respon-
savelmente sobre questões relacionadas à sexualidade, incluindo saúde sexual e reproduti-
va livre de coerção, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre homens e
mulheres nas questões referentes às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respei-
to pela integridade da pessoa, respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades
sobre o comportamento sexual e suas consequências.
(ONU, 1995 parágrafo 96)

Como você pode observar, foi um longo caminho entre as políticas controlistas
iniciadas nos anos 1950 e o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos
como direitos humanos nos anos 1990.

Esse reconhecimento é um grande avanço a ser celebrado, pois confere um pata-


mar mínimo que todas as pessoas podem exigir ser traduzido em políticas públicas
por seus governos.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Contudo, há ainda vários grupos sociais cujos direitos humanos são violados com
base na sexualidade, como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, inter-
sexos e pessoas não binárias, bem como pessoas que exercem a prostituição como
trabalho e também aquelas que vivem com HIV/Aids.

Orientação sexual – refere-se à direção do desejo erótico


e afetivo de cada pessoa. Há pessoas heterossexuais, que
se sentem atraídas por pessoas do sexo/gênero oposto,
1 homossexuais, que sentem atração por pessoas do mesmo
sexo/gênero, e bissexual, que se relacionam afetiva e
sexualmente com pessoas de todos os sexos/gêneros.

Identidade de gênero – é a forma como a pessoa se sente


e se apresenta para si mesma e para as demais pessoas,
como masculina ou feminina, ou ainda como uma mescla
de ambos, independentemente do sexo assinalado no
2 nascimento ou da orientação sexual – pessoas cis são
aquelas que se identificam com o sexo assinalado em seu
nascimento e trans são aquelas que se identificam de forma
diferente daquela que lhes foi atribuída ao nascimento.

Pessoa não binária – pessoa cuja identidade de gênero


ou expressão de gênero não está limitada às definições
3 de masculino ou feminino. Ou seja, pessoa que define seu
gênero como estando “em algum lugar entre homem e
mulher” ou como totalmente diferente dos dois polos.

Há também o caso de suposições errôneas com relação à sexualidade, como a


crença de que pessoas idosas e pessoas com deficiências não tenham uma vida
sexual ativa. Há ainda o preconceito e a discriminação contra determinados grupos
sociais, em que a reprodução é vista como não desejável, como é o caso das pessoas
com deficiência, pessoas em situação de prisão, adolescentes e pessoas com orien-
tações sexuais que não sejam heterossexuais.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Contra essas visões reducionistas, é importante destacar a universalidade


dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, que protegem e garantem a todas
as pessoas, sem estigmas, distinções e preconceitos, um cuidado em saúde sexual
e reprodutiva humanizado e de qualidade.

Fique por dentro


A seguir, veja o leque de direitos sexuais garantidos a todas as pessoas, indepen-
dentemente de gênero, idade, classe e situação social. Para ampliar e aprofun-
dar a sua compreensão
sobre diversidades
relacionadas à sexu-
O direito de viver e expressar livremente alidade e identidade
de gênero, sugerimos
a sexualidade sem violência, discriminações a leitura do material
e imposições, e com total respeito pelo Protocolo para o aten-
dimento de pessoas
corpo do(a) parceiro(a). transexuais e travestis
no município de São
Paulo, produzido pela
Secretaria Municipal de
O direito de escolher a parceria sexual. Saúde de São Paulo.

O direito de viver plenamente a sexualidade


sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças.

O direito de viver a sexualidade,


independentemente de estado civil,
idade ou condição física.

O direito de escolher se quer


ou não quer ter relação sexual.

Direitos O direito de expressar livremente sua


sexuais orientação sexual: heterossexualidade,
homossexualidade, bissexualidade.

O direito de ter relação sexual,


independentemente da reprodução.

O direito ao sexo seguro para prevenção


da gravidez e de infecções sexualmente
transmissíveis (IST) e HIV/Aids.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

O direito a serviços de saúde que garantam


privacidade, sigilo e atendimento de
qualidade, sem discriminação.

O direito à informação e à
educação sexual e reprodutiva.

Observe, a seguir, os aspectos atribuídos à sexualidade:

Aspectos atribuídos à sexualidade


Gênero designado ao nascimento

Construções sociais
Gênero
sobre gênero
(identidade/vivência)

Desejo
Atração
Sentimento
Relacionamento

Orientação:
Sexual
Afetiva
Romântica

Práticas sexuais
Características do corpo:
Expressão Genitália
Órgãos reprodutivos
de gênero
Cromossomos
Dependentes de hormônios

Estrutura de relacionamento(s) Papéis sociais de gênero

Fonte: São Paulo (2020, p. 27).

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Agora, veja quais são os direitos reprodutivos que protegem também todas as
pessoas, sem distinção.

O direito de as pessoas decidirem, de forma livre e


responsável, se querem ou não ter filhos, quantos
filhos desejam ter e em que momento de suas vidas.

O direito de acesso a informações, meios,


métodos e técnicas para ter ou não ter filhos.

O direito de exercer a sexualidade e a reprodução


livre de discriminação, imposição e violência.

Todos os direitos elencados anteriormente estão garantidos no Brasil, que parti-


cipou ativamente dos espaços internacionais – a Conferência do Cairo (1994)
e a Conferência de Pequim (1995) – em que esses direitos foram definidos, pela
primeira vez, em nível internacional, como já vimos antes.

Mas, além de aderir aos acordos internacionais que resultaram dessas conferên-
cias, o Estado brasileiro também internalizou essas ideias em leis e políticas públi-
cas. Agora, vamos compreender os principais Marcos Referenciais para as Políticas
de Saúde Sexual e Reprodutiva no Brasil:

Programa de Assistência Constituição


Integral à Saúde da Mulher. Federal de 1988.
PAISM (1984).

Lei nº 9.263/1996, que regulamenta o planejamento familiar.

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Política Nacional Pacto Nacional pela


de Atenção Integral à Redução da Mortalidade
Saúde da Mulher/2004. Materna e Neonatal/2004.

Política Nacional dos Política Nacional de


Direitos Sexuais e dos Atenção Integral à Saúde
Direitos Reprodutivos/2005. da População Negra/2007.

Talvez você já conheça ou tenha ouvido falar do Programa de Atenção Integral à


Saúde da Mulher (PAISM). Mas você sabia que ele, tal como originalmente formu-
lado, instituiu uma agenda ampla e compreensiva de saúde da mulher no lugar da
assistência médica pautada por ações programáticas e isoladas?

Assim, o PAISM (1984) incorporou uma perspectiva de empoderamento, em que o


acesso à informação é central para que as pessoas possam fazer suas escolhas de
forma autônoma e consciente.

Essas escolhas estão relacionadas não apenas à regulação da fecundidade, mas


também à assistência no ciclo gravídico puerperal. Em todas essas dimensões,
deveria haver atenção não apenas aos aspectos médicos, mas também aos psicoló-
gicos e sociais. O PAISM inovou, indo além da reprodução para cuidar também do
envelhecimento e da saúde mental e ocupacional.

Ponto de reflexão

Agora, pense na atenção às pessoas com útero nas unidades básicas de saúde.
Você identifica um atendimento integral às necessidades de saúde, inclusive
as necessidades psíquicas e sociais, ou apenas ações de atenção programática,
como o pré-natal, e medidas de prevenção de câncer de colo uterino?

No contexto do PAISM, o material educativo produzido sobre gravidez ou sobre


como evitá-la deixa claro o seu caráter inovador e emancipador. O Programa
rompeu com o conservadorismo predominante da época e contribuiu para a disse-

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minação da perspectiva da “integralidade” para outras áreas da saúde que, mais


tarde, veio a ser um dos princípios orientadores do SUS (DINIZ; LANSKY; D’OLI-
VEIRA, 2012).

Além disso, a Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, inclui no


Título VIII da Ordem Social, em seu Capítulo VII, art. 226, § 7º, a responsabilidade
do Estado no que se refere ao planejamento familiar, nos seguintes termos:

Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o


planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo aos Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por
parte de instituições oficiais ou privadas.

A Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o planejamento familiar,


estabelece em seu art. 2º:

Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação
da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole
pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo
de controle demográfico.

Determina, ainda, a mesma lei, em seu art. 9º, que:

Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e


técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a
vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.

A Lei de Planejamento Familiar de 1996 incorporou a defesa dos direitos reprodu-


tivos, especialmente diante da política informal e cruel de esterilizações forçadas
a que eram submetidas mulheres negras e pobres abaixo dos 35 anos no Brasil na
década de 1990, fato investigado pela CPMI da Esterilização já vista neste curso.

Para impedir que essas esterilizações ocorressem, a referida Lei proibia expres-
samente a utilização de ações de planejamento “para qualquer tipo de controle

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

demográfico” (artigo 2º, parágrafo único). Além disso, vedava a realização de este-
rilização cirúrgica durante os períodos de parto ou aborto, exceto se comprova-
da necessidade, e estabelecia uma idade mínima de 25 anos (ou menos, se tiver
2 filhos vivos) para a realização de esterilização em homens e mulheres, sempre
observado o prazo de 60 dias entre a manifestação da vontade e a realização do
procedimento. Finalmente, a Lei exigia o consentimento de ambas as pessoas para
a realização da esterilização cirúrgica em caso de sociedade conjugal.

Essa lei foi alterada pela Lei nº 14.443, de 2022, e hoje (i) a idade mínima para a
esterilização voluntária para todas as pessoas é de 21 anos (ou menos, se tiver 2
filhos vivos), e (ii) a esterilização voluntária durante o período de parto é garantida.
Em ambos os casos, deve ser observado o prazo de 60 dias entre a manifestação da
vontade (ou o parto) e a realização do procedimento.

Finalmente, reconhecendo o dever do Estado no fornecimento de métodos contra-


ceptivos à população, a nova lei estabelece um prazo máximo de 30 dias para que
isso ocorra.

Como vemos nos trechos anteriores, as leis brasileiras deixam claro que as instân-
cias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os seus níveis, bem como
profissionais de saúde que nelas atuam, devem garantir a atenção integral que
inclua a assistência à concepção e à contracepção.

Conheça a seguir algumas etapas do estabelecimento das políticas públicas de


atenção à saúde da mulher.

Políticas públicas de atenção à saúde da mulher


Em 2004, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à
Morbimortalidade
Saúde da Mulher em parceria com diversos setores da sociedade civil. Essa política
Índice de pessoas que
reflete o compromisso com a implementação de ações de saúde que contribuam adquirem determinada
para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade doença ou morrem em
decorrência dela em
por causas preveníveis e evitáveis. uma população.

Além disso, essa política enfatiza a melhoria da atenção obstétrica, o planejamento


familiar, a atenção ao abortamento a mulheres e meninas em situação de violência
doméstica e sexual, e amplia as ações para grupos historicamente excluídos das
políticas públicas em suas especificidades e necessidades.

Em 2005, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos
Direitos Reprodutivos. Entre as diretrizes e ações propostas por essa política, estão:

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

A ampliação da oferta de métodos anticoncepcionais


reversíveis no SUS e incentivo à implementação de
atividades educativas em saúde sexual e reprodutiva
para as pessoas que utilizam a rede SUS.

A capacitação de profissionais da atenção


básica em saúde sexual e saúde reprodutiva.

A ampliação do acesso à esterilização cirúrgica


voluntária (laqueadura tubária e vasectomia) no SUS.

A implantação e implementação de redes integradas


para atenção às mulheres e adolescentes em situação
de violência doméstica e sexual.

A ampliação dos serviços de referência para a realização do


abortamento previsto em lei e garantia de atenção humanizada
nas situações de abortamento.

Já em 2007, reconhecendo as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucio-


nal como determinantes sociais de saúde, o Ministério da Saúde adotou a Política
Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra.

Essa política propõe a qualificação e humanização da atenção à saúde das


mulheres negras – assistência ginecológica e obstétrica e também no climatério,
bem como em situação de abortamento. Ela reconhece, ainda, a maior
vulnerabilidade das mulheres negras à morbimortalidade materna,
doença falciforme, câncer de colo uterino, bem como ISTs/HIV/Aids,
tuberculose, hanseníase e transtornos mentais.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Diante desse quadro, essa política estabelece ainda ações que visam combater o
racismo e a discriminação social nos serviços de saúde e garantir a atenção integral,
com qualidade e respeito, a toda a população negra.

Para continuar a compreensão deste assunto, discutiremos a seguir a justiça repro-


dutiva. Você já ouviu falar nela? Então, siga em frente!

Justiça reprodutiva
O conceito de justiça reprodutiva foi criado em 1994 por um grupo de mulheres
negras estadunidenses que se autodenominaram “mulheres afrodescendentes por
justiça reprodutiva” (Women of African Descent for Reproductive Justice).

O seu objetivo é ampliar o entendimento dos direitos sexuais e reprodutivos para


além de uma perspectiva individual centrada na escolha, e incluir o contexto em
que as pessoas fazem suas escolhas e as condições desses processos de tomada de
decisão. É científico!

Acesse a cartilha do
Assim, a justiça reprodutiva foi definida por aquele grupo de mulheres como: “o direi- Coletivo Margarida
to humano à autonomia corporal pessoal, a ter filho/as, a não ter filho/as, e a criar o/as Alves e saiba mais
sobre o assunto.
filho/as que temos em comunidades saudáveis e sustentáveis” (SisterSong Collective).

Desse modo, o paradigma da justiça reprodutiva propõe uma abordagem mais Fique por dentro

ampla para os direitos reprodutivos e a saúde reprodutiva. Ela vincula esses direi- Assista ao vídeo da
Fiocruz “Juventudes e
tos às lutas por justiça social, racial e ambiental de mulheres negras e de suas comu- Justiça Reprodutiva:
nidades, e relaciona suas trajetórias reprodutiva e sexual à busca por cidadania, contribuições
contemporâneas para
dignidade e bem-viver em todos os espaços de vida, individual e coletiva. o campo da saúde”.

A justiça reprodutiva ganhou espaço ao longo dos anos, e é importante que você
Fique por dentro
conheça como ela é discutida em nosso país. Um exemplo no Brasil é a organização
Criola que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras no Brasil Ouça o podcast da
Organização Criola.
há quase três décadas.

O vídeo e o podcast apresentados no Fique por dentro mostram como um concei-


to, desenvolvido por mulheres negras nos Estados Unidos, viajou e encontrou
embasamento no contexto brasileiro, onde a população negra também sofre as
consequências brutais do racismo estrutural.

A contribuição brasileira ao debate de justiça reprodutiva se dá através do ques-


tionamento de que não é apenas a diferença de gênero que produz e reforça desi-
gualdades de acesso, mas também as profundas desigualdades de raça e classe
inscritas na construção de nosso país. Sobre a interrelação entre direitos sexuais e
reprodutivos e direitos sociais, Sonia Corrêa e Rosalind Petchesky (1996) ensinam
que:

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Os direitos sexuais e reprodutivos (ou quaisquer outros), compreendidos como ‘liberdades


individuais’ e ‘escolhas’, não têm sentido, especialmente para grupos sociais mais pobres
privados de direitos – quando estão ausentes as condições que permitem seu exercício. Estas
condições constituem os direitos sociais e envolvem uma política de bem-estar social, segu-
rança pessoal e liberdade política, elementos essenciais para a transformação democrática
da sociedade e para a abolição de injustiças raciais, étnicas, de gênero ou classe. (CORRÊA;
PETCHESKY, 1996, p. 149).

Considerando a importância desse tema, aproveite para fazer uma reflexão.

Ponto de reflexão

Você, profissional de saúde, acredita que existam situações práticas da assis-


tência à saúde em que os direitos sexuais e reprodutivos são violados? Se sim,
quais seriam essas situações?

Para você, qual a relevância dos serviços de saúde na garantia desses direitos?

Você pôde ver até aqui como se desenvolveram os direitos sexuais e reproduti-
vos e também o conceito de justiça reprodutiva. A seguir, você entenderá um dos
temas centrais deste curso, que é o abortamento, e por que precisamos discuti-lo
no âmbito da saúde pública. Vamos lá?

O que é abortamento e por que


ele é uma questão de saúde pública
O abortamento é a interrupção de uma gestação pela remoção ou expulsão de um
embrião ou feto do corpo da pessoa que está gestante. Chamamos de induzido o
abortamento que ocorre por meios artificiais, sejam eles cirúrgicos ou farmacológi-
cos. Já o abortamento espontâneo é aquele que ocorre naturalmente.

Você sabia que o abortamento, seja espontâneo ou induzido, é um dos aconte-


cimentos ginecológicos mais comuns? De modo geral no mundo, 15% a 20% das
gestações terminam em um abortamento espontâneo (GARCÍA-ENGUÍDANOS;
CALLE; VALERO et al., 2002) e 56% das gestações indesejadas terminam em um
abortamento induzido (SINGH et al., 2017).

Estudos antropológicos e sociológicos mostram que, ao longo da história da humani-


dade, o abortamento induzido é um fato comum nas diversas sociedades. As pessoas
sempre regularam sua fertilidade, e o faziam pelo uso de contracepção ou abortamento.

21
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Até o século XVIII, abortamento e contracepção, assim como parto e nascimento,


eram tratados como vivência das mulheres, quer dizer, faziam parte da vida reprodu-
tiva das mulheres tanto gestar e parir quanto abortar; e as parteiras eram as principais
prestadoras de cuidados e serviços de planejamento familiar (JOFFE, 2009).

Apenas a partir do século XIX, como consequência do desenvolvimento da medici-


na moderna, especialmente das especialidades de ginecologia e obstetrícia, é que
leis passaram a regular o abortamento induzido por pressão dos órgãos de repre-
sentação da classe médica. Assim, as leis passaram a restringir o abortamento em
muitas situações e a permitir em poucas, sempre com supervisão médica, trans-
formando-o em uma questão controvertida, que reflete uma variedade de forças
religiosas, sociais e políticas (JOFFE, 2009).

22
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Tratar o abortamento induzido como uma questão de saúde pública – e não como
questão moral ou criminal – implica uma redefinição de argumentos e prioridades.
Os argumentos relevantes passam a ser aqueles embasados em evidências
científicas e as prioridades passam a ser os cuidados em saúde da pessoa em situação
de abortamento, seja aquela que recorre ao serviço de atenção ao abortamento
previsto em lei ou aquela que busca o cuidado pós-aborto, espontâneo ou induzido.

Um estudo longitudinal realizado com dados dos Centros de Controle e Prevenção


de Doenças (CDC) dos EUA entre 1974 e 2016 associou o aumento da aplicação
das leis que restringem o acesso ao aborto a um aumento de mais de cinco vezes
nas taxas de suicídio entre mulheres de 20 a 34 anos. Por outro lado, as taxas de
suicídio não aumentam em pacientes que sofrem interrupção voluntária da gravi-
dez (ZANDBERG et al., 2023).

A regulação jurídica restritiva do abortamento induzido, o seu tratamento como Fique por dentro
uma questão social polêmica e sua consequente estigmatização levam muitas Ouça a entrevista com
pessoas a abortar de forma insegura, o que pode levar a adoecimento e, em casos o professor Jefferson
Drezett, que explica
extremos, à morte. por que o abortamento
inseguro é uma questão
de saúde pública.
Existe um consenso internacional de órgãos de direitos humanos e saúde de que esse
é um sério problema de saúde pública em muitos países e precisa ser discutido e estu-
dado pelos profissionais de saúde (ASSEMBLEIA MUNDIAL DA SAÚDE, 1967).

Ponto de reflexão

Este é um ponto importante! Profissional de saúde não deve nem pode inves-
tigar, julgar, recriminar ou discriminar – seu papel é cuidar. O que você pensa
sobre isso?

Abortamento inseguro e mortalidade materna


Como vimos, o abortamento é um evento comum na vida reprodutiva das pessoas.
Contudo, quando realizado de forma insegura, ele pode produzir muitos danos à
saúde e até mesmo a morte. Nesta seção, veremos a relação entre abortamento
inseguro e mortalidade materna.

23
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Mortalidade materna

Antes de tudo, é preciso saber o que é mortalidade materna. Você conhece a defini-
ção da Organização Mundial de Saúde (OMS)?

A OMS define morte materna como aquela decorrente de problemas relacionados à


gravidez ou por ela agravados, ocorridos no período da gestação ou até 42 dias após
o parto. A razão de morte materna é um indicador das condições de vida e cuidados
de saúde de uma população e reflete no desenvolvimento humano de um país.

Níveis baixos de instrução, condições nutricionais inadequadas, apoio social insu-


ficiente e falta de acesso a cuidados de saúde estão fortemente associados às
mortes maternas. Além disso, a mortalidade materna é, habitualmente, o principal
indicador da mortalidade diferencial entre mais ricos e mais pobres, entre nações,
grupos sociais e famílias.

A redução da mortalidade materna foi estabelecida como uma das metas globais Fique por dentro

prioritárias nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Saiba mais sobre
os objetivos da ODS.
Unidas.

Mas por que a morte materna é um importante indicador de saúde?

Ela é considerada “um evento sentinela, um importante marcador da qualidade do


sistema de saúde, em especial em relação ao acesso, à adequação e à oportunidade
do cuidado” e está “intimamente relacionado à vulnerabilidade social das popula-
ções" (FREITAS-JUNIOR, 2020, p. 616).

No Brasil, a razão de morte materna está próxima a 50 por 100 mil habitantes.
Esses valores são muito superiores àqueles considerados aceitáveis pela OMS, que
estabelece que a razão de morte materna nunca deve ser superior a 20.

O acesso à atenção pré-natal e a adequada assistência ao parto são importantes


para a redução da mortalidade materna. Mas igualmente relevante para a redução É científico!

desse índice é o entendimento de que o abortamento inseguro contribui para mortes Sobre o abortamento
inseguro, leia o artigo
maternas evitáveis e deve ser enfrentado como um problema de saúde pública. dos Cadernos de
Saúde Pública.
Você sabe como se calcula a razão de mortalidade materna?

A "razão de mortalidade" é um indicador utilizado para se conhecer o número de


mortes de mulheres grávidas (independentemente da localização ou tempo de
gestação) ou mulheres com até 42 dias após o parto, por qualquer causa exceto
acidentes, a cada 100 mil crianças nascidas vivas, em determinado local e espaço
de tempo. Veja a seguir como o Datasus (Ministério da Saúde) realiza esse cálculo:

24
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

É científico!
número de óbitos maternos
Para saber mais sobre
Razão de diretos e indiretos os indicadores de
100.000 mortalidade, acesse
mortalidade número de nascidos vivos o site do Datasus.

Apesar de ainda ser elevada, a razão de mortalidade materna vem se reduzindo no


Brasil nos últimos anos. Em 2017, ela foi de 56,88 e; em 2018, de 49,66 e em 2019, de
48,33. Essa redução observada entre 2017 e 2018 pode ser atribuída à melhoria da
qualidade de informação sobre a saúde reprodutiva e à maior qualidade dos serviços
de atenção e cuidado.

Contudo, a partir de 2019, vimos a mortalidade materna crescer novamente no


Brasil, com rapidez alarmante. Em 2019, essa taxa subiu para 55,31 a cada 100 mil
nascidos vivos. E, durante a pandemia de COVID-19, a situação foi ainda mais dramá-
tica. Em 2020, o número saltou para 71,97 mortes, um aumento de quase 25% em
relação ao ano anterior. Em 2021, foi registrada uma taxa de 107,53 mortes a cada
100 mil nascidos vivos, conforme dados preliminares do Ministério da Saúde mapea-
dos pelo Observatório Obstétrico Brasileiro. Ou seja, o número de mortes maternas
no Brasil a cada 100 mil nascidos vivos aumentou 94,4% durante a pandemia, retro-
cedendo para níveis registrados no início dos anos 2000. O gráfico abaixo apresenta
esses dados preocupantes:

Razão de mortalidade materna brasileira


de 2016 até 2021
110
105
100
95
90
85
80
75
70
65
60
55
50

2016 2017 2018 2019 2020 2021

Razão de morte materna por 100 mil


Fonte: Adaptado de SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), Ministério da Saúde.
Reunidos pelo Observatório Obstétrico Brasileiro *Dados não consolidados (preliminares).

Um estudo de 2020 revelou que a mortalidade materna no brasil é maior entre:

25
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

1 3
Pessoas negras e Pessoas
indígenas. residentes na
região norte e
nordeste.
2
Crianças e
adolescentes <14
anos e mulheres >
40 anos.

E o fato de que o abortamento inseguro continua sendo uma das quatro maiores
causas de mortalidade materna no Brasil é um dado sério, que não pode ser igno-
rado. Em especial, por ser uma das causas mais evitáveis com ações simples, como
essas que discutiremos neste curso.

Você quer saber como está a situação de seu estado ou cidade em relação à
mortalidade materna? É científico!

Consulte aqui a base


A seguir, tratamos da morte materna no mundo e suas principais causas. Você pode de dados do SUS.
notar que o abortamento inseguro está entre elas.

Morte materna no mundo (OMS)

Um estudo realizado em conjunto pela OMS, UNICEF, UNFPA e Banco Mundial


mostrou que a taxa de mortalidade materna no mundo caiu 34% entre 2000 e 2020.
O mapa abaixo contém as taxas por países, classificadas em muito baixa, muito baixa,
alta, muito alta e extremamente alta.

Muito baixa (<100)

Baixa (100-299)

Alta (300-499)

Muito alta (500-999)

Muitíssimo alta (>1000)

Razão de mortalidade materna (número de mortes maternas por 100.000 nascidos vivos)

Fonte: https://data.unicef.org/topic/maternal-health/maternal-mortality/

26
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Hoje, a taxa mundial é de 223 mortes maternas por 100,000 nascidos vivos. Em
2000, essa taxa era de 342.

A mortalidade materna pode ser causada, diretamente, por hemorragia pós-parto,


pré-eclâmpsia e problemas relacionados à hipertensão, infecções relacionadas à
gestação, e complicações por aborto inseguro, ou ainda, indiretamente, por condi-
ções de saúde preexistente agravadas pela gestação.

Morte materna no mundo (OMS)


As cinco maiores complicações, que respondem por
aproximadamente 75% de todas as mortes maternas, são:

Hemorragia Infecções
severa (a maior parte, (normalmente
hemorragia após o parto) após o parto)

27,1% 10,7%
Aborto
inseguro

7,9%
Hipertensão durante Complicações
a gravidez (pré-eclâmpsia resultantes
e eclâmpsia) do parto

14% 3,2% Fique por dentro

E para acompanhar
como se distribui a
mortalidade materna
no mundo em relação
Fonte: Adaptado de Say et al. (2014). aos Objetivos de
Desenvolvimento
Sustentável das
Nações Unidas (ODS/
O gráfico mostrou que o abortamento inseguro é uma das principais causas evitáveis de ONU), veja este mapa
interativo.
mortalidade materna mundialmente, e, infelizmente a situação do Brasil não é diferente.

27
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

De acordo com o Ministério da Saúde, entre os óbitos maternos ocorridos de


1996 a 2018, as causas obstétricas diretas que se destacaram foram: hipertensão,
hemorragia, infecção puerperal e abortamento inseguro (BRASIL, 2020b).

Abortamento no mundo

A seguir você conhecerá dados sobre o abortamento no mundo e mais à frente


sobre o abortamento no Brasil. Continue!

As leis sobre abortamento no mundo

Totalmente proibido
Para salvar a vida da mulher Fique por dentro
Para preservar a saúde Interaja com o mapa
As Leis de Aborto do
Razões sociais ou econômicas amplas Mundo e entenda
melhor suas categorias.
Sob solicitação (limites gestacionais variam)

A partir do mapa anterior você pode observar em quais regiões do mundo a legis-
lação sobre abortamento é mais permissiva e mais restritiva. É possível também
identificar que os países do sul global tendem a ter leis mais restritivas.

Você sabia que a América Latina e o Caribe são as regiões com as


leis mais restritivas ao abortamento no mundo? E que o Brasil está
entre aqueles com leis criminais mais severas?

28
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

É importante destacar que os órgãos internacionais de direitos humanos consi-


deram, cada vez mais, que a restrição do acesso ao abortamento seguro é incom-
patível com o direito à igualdade, à autonomia, à dignidade e à saúde e, por isso,
solicitam que os governos nacionais removam todas as punições penais ao abor-
tamento (ERDMAN; COOK, 2020).

Ponto de reflexão

Você já se perguntou quais são as consequências sociais, políticas e econômi-


cas para as pessoas que vivem em países com leis restritivas ao abortamento?

O gráfico a seguir mostra como as taxas de abortamento inseguro aumentam à medida


em que as legislações se tornam mais restritivas. Assim, nos contextos mais permissi-
vos, em que a interrupção voluntária da gravidez está autorizada, o abortamento inse-
guro corresponde a 13% dos casos. Já nos contextos mais restritivos, como é o caso
brasileiro, o abortamento menos seguro e inseguro chega a 56% dos casos.

A proporção de todos os abortamentos que são estimados ser


inseguros aumenta à medida que as leis se tornam mais restritivas.

Menos restritiva Moderadamente Muito restritiva


restritiva
1%

12% 17%
25% 31%
42%
41%
87% 44%

Seguro Menos seguro Inseguro

Abortamentos Menos seguros: Inseguros:


seguros usam são abortamentos são abortamentos
estes dois que cumprem que não cumprem
critérios: são feitos apenas um dos nenhum dos dois
por uma pessoa dois critérios critérios citados.
apropriadamente citados.
treinada e
utilizando um
método seguro.
Fonte: Singh et al. (2017). 29
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

O gráfico, portanto, deixa evidente a relação entre restrição e insegurança no aborta-


mento. Leis que criminalizam o abortamento não impedem que as pessoas abortem,
mas as levam a procurar métodos inseguros, que colocam em risco sua saúde e vida.

Segundo dados da OMS, a maior parte dos abortamentos inseguros (98%)


ocorre em países em desenvolvimento. Isso evidencia como a organização
sócio-político-econômica determina a exclusão ou acesso aos direitos.

Ainda segundo dados da OMS (2020), a cada ano entre 4,7% a 13,2% das mortes
maternas podem ser atribuídas ao abortamento inseguro. Além disso, o abortamento
inseguro implica despesas públicas que poderiam ser evitadas com políticas públicas.
Estimativas mostram que, nos países em desenvolvimento, o gasto anual para os siste-
mas de saúde inclui US$ 553 milhões de dólares para tratar complicações por aborta-
mento inseguro e US$ 6 bilhões para tratar infertilidade pós-abortamento inseguro.

E no Brasil, você sabe qual a situação atual? Siga em frente para conhecer!

Abortamento no Brasil

Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, da Fiocruz, 55% das gestações não são planeja-
das. Isso se deve a uma série de barreiras sociais, econômicas ou educacionais. Muitas
vezes, as pessoas não têm informações adequadas sobre planejamento reprodutivo,
outras vezes não têm acesso aos métodos, como contraceptivos e preservativos ou
não têm condições de negociação desses métodos dentro de uma relação.

Muitas dessas gestações indesejadas são interrompidas, o que faz do abortamento


um evento comum na vida de pessoas, com maior incidência em pessoas em situa-
ção de vulnerabilidade, como será explicado no decorrer do curso.

Segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (2016):

O aborto é comum entre as mulheres brasileiras. Das 2.002


mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos entrevistadas pela
PNA em 2016, 13% (251) já fizeram ao menos um aborto.

Metade das mulheres aborta usando medicamentos.


O aborto foi realizado com medicamentos em 48% (115)
dos casos válidos. Se considerados os 4% (10) de não-resposta
ao quesito, a proporção seria ainda próxima, 46%.

Cerca de metade das mulheres precisou ser internada 30


para finalizar o aborto: 48% (115) das mulheres foram
internadas no último aborto.
O aborto foi realizado com medicamentos em 48% (115)
dos casos válidos. Se considerados os 4% (10) de não-resposta
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
ao quesito, a proporção seria ainda próxima, 46%.

Cerca de metade das mulheres precisou ser internada


para finalizar o aborto: 48% (115) das mulheres foram
internadas no último aborto.

Em outras palavras, isso significa que:

Apesar da lei severa no Brasil

Na faixa etária de

18 38 a
4,7 milhões
de mulheres já fizeram aborto
anos

1 em cada 5 mulheres
até os 40 anos já fez aborto

88 % 67 %
têm religião têm filhos

Dessas:

56 % 25 % 7 %
são evangélicas possuem
católicas protestantes outras religiões

1 por minuto 57 por hora


Aborto
1369 por dia 500.000 por ano
Fonte: Pesquisa Nacional do Aborto 2010 a 2016.

31
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

O gráfico nos revela que o abortamento é um evento comum na vida reprodutiva de É científico!
mulheres comuns – pelo menos uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já fez Para compreender
um aborto, e a grande maioria delas tem religião e já possui filhos. Com certeza você melhor, leia a Pesquisa
Nacional Aborto, que
tem alguém em seu círculo próximo que já passou por um abortamento induzido. explica em detalhes o
panorama destacado no
infográfico anterior.
A maior parte das internações para finalização de abortos acontece por falta de
atualização técnica dos profissionais e por limitada informação prestada às pesso-
as que abortam acerca do que esperar do ponto de vista fisiológico quando se trata
de aborto espontâneo.

E, ainda mais sério, uma internação por aborto hoje no Brasil não é garantia de
acesso a um procedimento seguro. Isto porque cerca de 95% das mais de 200 mil
internações anuais por aborto termi­nam em curetagem, método considerado
inseguro pela OMS, que impõe mais riscos de complicações à pessoa em situação
de abortamento, como veremos mais à frente neste curso.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (2018), o abortamento é respon-


sável anualmente por:

250 mil 15 mil


hospitalizações complicações (abortamento
incompleto com restos ovulares,
infecção, perfuração uterina, lesão
de órgãos adjacentes, hemorragia)

5 mil
complicações graves 203 mortes, ou seja, uma
morte a cada dois dias

No entanto, esses números podem ser ainda maiores. Há falhas no preenchimento


de declaração de óbito de pessoas por abortamento e também existe uma subnoti-
ficação. Por exemplo, a quinta causa de morte mais frequente de mulheres aparece
no atestado de óbito como mal definida, ou seja, trata-se de causa não estabele-

32
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

cida, isso corresponde a 3500 mortes de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49


anos) no Brasil anualmente (BRASIL, 2018).

O abortamento realizado em condições de risco frequentemente é acompanhado


de complicações severas, agravadas pelo desconhecimento dos sinais de risco
e pela demora em procurar os serviços de saúde, que em sua maioria não
estão capacitados para esse tipo de atendimento (OLIVEIRA, 2003).

As complicações imediatas mais frequentes são a perfuração do útero, a hemor-


ragia e a infecção, que podem levar a graus distintos de morbidade e mortalidade
(OMS, 2020). Estima-se que 20-30% dos abortos realizados de maneira insegu-
ra possam levar a infecções do sistema reprodutivo, sendo que uma em cada 10
mulheres vão desenvolver uma disfunção temporária ou permanente e vão preci-
sar de cuidados médicos.

Ponto de reflexão

Dados da OMS mostram que pessoas submetidas a situação de abortamento


inseguro sofrem pesados custos fisiológicos, financeiros e emocionais. Você
conhece alguém que já passou por essa situação?

É importante, contudo, que você perceba que o risco à saúde e à vida relacionado
ao abortamento inseguro não ocorre igualmente na população. De acordo com o
estudo de Cardoso, Vieira e Saraceni (2020), as brasileiras em maior risco de óbito
por abortamento são mulheres de cor preta e indígenas, de baixa escolaridade, com
menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-o-
este, e sem companheiro.

33
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Isso se explica porque classe, condição geográfica, raça, idade, e contexto cultural
são fatores determinantes no acesso à informação e a recursos para a realização
de um abortamento, mesmo em contexto de clandestinidade. Esses fatores são os
“determinantes sociais em saúde”, definidos como os fatores sociais, econômicos,
culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocor-
rência de problemas de saúde e os fatores de risco na população, produzindo desi-
gualdade e iniquidade (FUSCO; SILVA; ANDREONI, 2012).

No caso do abortamento inseguro, as principais determinantes sociais


incluem restrições legais, ausência de apoio social, inadequação
dos serviços de planejamento reprodutivo e deficiência
em infraestrutura dos serviços de saúde.

34
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil

Você, como profissional de saúde, tem um papel fundamental tanto na mudança


desse cenário, por meio da oferta adequada de planejamento reprodutivo, quan-
to no acolhimento e adequada orientação sobre o tema. Além disso, deve também
enfrentar as iniquidades e desigualdades no acesso ao cuidado em abortamento e
pós-aborto.

Você chegou ao final dessa aula. Aqui você conheceu os conceitos de direitos sexu-
ais e reprodutivos e de justiça reprodutiva. Conheceu também dados sobre o abor-
tamento no Brasil e no mundo e sua relação com a saúde pública. Siga em frente
para conhecer mais sobre o acolhimento de pessoas em situação de abortamento e
pós-aborto. Até lá!

35
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Aula 2
Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

• As situações em que o abortamento é previsto em lei no Brasil.

• Os desafios para a implementação desses serviços.

• As dificuldades de exercício desse direito e as barreiras de


acesso aos serviços.

• Os conceitos de objeção de consciência, confidencialidade e


sigilo.

• O que se espera de quem atua em contato ou diretamente


em um serviço de abortamento previsto em lei.

As leis brasileiras sobre o abortamento


Nesta aula, você vai conhecer a legislação sobre abortamento no Brasil e entender
como funciona o chamado sistema das exceções. De modo geral, o abortamento
induzido é criminalizado no Brasil, mas há algumas situações em que ele é permitido.

São essas situações que você conhecerá mais a fundo, mas também aprenderá um
pouco sobre as consequências danosas da criminalização.

Fique por dentro


Conhecendo a legislação
Conheça, na íntegra,
a Lei nº 2.848 do
O Código Penal de 1940 autoriza o abortamento nas situações em que há risco à Código Penal e a
decisão do STF
vida da pessoa gestante e no caso da gravidez resultante de estupro. Em 2012, o na Arguição de
Supremo Tribunal Federal, no contexto da Ação de Descumprimento de Preceito descumprimento
Fundamental n. 54, autorizou também a interrupção da gestação em casos de fetos de preceito
fundamental 54.
anencefálicos.

Apesar de ser previsto em lei há muitas décadas, o primeiro serviço para assistên-
cia de abortamento legal no Brasil foi estruturado apenas em 1989, no Hospital Dr.
Arthur Ribeiro de Saboya, na cidade de São Paulo.

36
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Ponto de reflexão

Aqui vale uma pequena pausa para refletirmos. Considerando-se o Código


Penal de 1940, e tendo o primeiro serviço para abortamento começado a
funcionar em 1989, o que será que mudou até os dias de hoje? Sua cidade
conta com um serviço de abortamento legal? Você sabe como ele funciona?

É científico!
Para entender melhor esse cenário, veja ao lado, no É científico o mapa com os
Interaja com o mapa
estabelecimentos do SUS que oferecem os serviços de abortamento previsto em
Tudo sobre aborto legal
lei no Brasil. no Brasil, que contém
a localização desses
estabelecimentos.
Apesar da ampliação do número de serviços de atenção ao abortamento previsto
em lei no país desde a criação do primeiro em 1989, há ainda uma série de barreiras
de acesso. A primeira delas é a concentração em algumas regiões do país. Como
você pôde observar, praticamente não há serviços estruturados na região Norte e
há poucos na região Centro-Oeste.

Quer saber mais sobre as barreiras de acesso ao abortamento previsto em lei? Veja
a seguir as principais barreiras identificadas pelo estudo de Madeiro e Diniz (2016).

Barreiras encontradas para o serviço de atenção ao abortamento no Brasil:

• O isolamento geográfico e a falta de serviços em todos os estados.


• Nem todos os serviços existentes se encontram ativos.
• Muitos serviços desencorajam as pessoas que os buscam a realizar a
interrupção da gestação.
• Muitos serviços, contrariando a lei, exigem boletim de ocorrência para
realizar o atendimento.
• Muitas pessoas não têm acesso à informação de que podem buscar ajuda
em um serviço de atenção ao abortamento previsto em lei.
• Muitas mulheres não declaram que sofreram violência sexual, especial-
mente quando o agressor é parceiro íntimo.
• A veracidade do estupro muitas vezes é questionada por profissionais de
saúde e mulheres são revitimizadas ao buscar um serviço que é seu direito.
• Profissionais se recusam a realizar o abortamento, fazendo uso da chama-
da objeção de consciência (conceito que será estudado mais à frente).

37
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

• Profissionais de atenção primária à saúde desconhecem os direitos de uma


pessoa frente a uma gravidez indesejada e para quais serviços encaminhar.
• Muitas pessoas sofrem violências institucionais nos serviços, como
negligência, atendimento tardio, interrogações repetidas, discriminação
social e racismo.
• Muitos serviços não contam com equipe de assistência específica.
• A maioria dos serviços impõe limite gestacional para a realização do
procedimento.

38
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Como você pôde observar na longa lista, as barreiras de acesso ao abortamento


Fique por dentro
previsto em lei no Brasil são inúmeras e de diferentes ordens – há barreiras sociais,
econômicas, educacionais e estruturais, mas muitas dessas podem ser superadas Leia este artigo do
portal digital Catarinas
com o trabalho de profissionais de saúde como você. e saiba mais sobre
abortamento previsto
em lei no Brasil.

Teste seus conhecimentos

Como podem profissionais de saúde atuar na superação dessas barreiras?


Escolha todas as opções que lhe pareçam corretas.

a) ( ) Comprometer-se com a saúde sexual e reprodutiva das pessoas, entendendo suas


demandas e necessidades.
b) ( ) Conhecer a legislação que regula os serviços de atenção ao abortamento previsto
em lei.
c) ( ) Oferecer acolhimento e escuta qualificada em quaisquer pontos da atenção à saúde.
d) ( ) Recusar o atendimento a uma pessoa cujo relato não pareça verídico.
e) ( ) Atualizar-se tecnicamente para oferecer uma assistência empática e de qualidade.

Feedback Positivo: Se você escolheu as letras A, B, C e E, está no caminho


certo! A escuta atenta e acolhedora, sem julgamentos e preconceitos, é funda-
mental para o reconhecimento das demandas e necessidades assistenciais. Alia-
do a isso, o conhecimento das legislações e das melhores e mais atuais evidências
científicas para uma prática clínica segura contribuirá para a oferta de cuidado
capaz de promover a saúde sexual e reprodutiva.

Feedback negativo: Se você escolheu a letra D, você precisa refletir sobre o


papel da saúde e do cuidado. Não cabe a você profissional de saúde julgar ou
averiguar a veracidade do relato da situação de violência apresentado pela víti-
ma. O objetivo do atendimento em saúde é garantir o cuidado. Discutiremos
mais esse aspecto ao longo da aula.

Sobre o limite de idade gestacional para realização de abortamento, é importan-


te saber que o Código Penal brasileiro não o estabelece. Assim, o abortamento
Fique por dentro
previsto em lei pode ser realizado sempre que a equipe de saúde entenda ser segu-
Para saber mais
ro e adequado. sobre o acesso ao
abortamento previsto
em lei no Brasil, ouça
As Normas Técnicas do Ministério da Saúde definem o abortamento de acordo com o podcast “Inovação,
a idade gestacional (até 20-22 semanas). Contudo, as normas técnicas são regula- ciência e tecnologia
para avançar o acesso
ções que estabelecem apenas um nível mínimo do cuidado a ser prestado e devem
ao aborto no SUS”.
ser interpretadas de acordo com a Constituição, as leis e as melhores evidências

39
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

científicas. Além disso, muito já se avançou do ponto de vista técnico, assistencial,


político e legal quanto aos chamados “limites gestacionais”, de modo que eles não
devem servir de impedimento ou barreira para acessar o direito ao aborto previsto
em lei.

Como devem ser os atendimentos nos serviços


de atenção ao abortamento previsto em lei?
Nos hospitais em que há uma equipe específica para esse serviço, ela é multipro-
fissional e formada por profissionais das seguintes áreas: assistência social, psico-
logia, enfermagem, obstetrícia, ultrassonografia e anestesia. Esses(as) profissionais
de saúde precisam se comprometer com o acolhimento e a realização de procedi-
mentos técnicos eficazes e seguros.

Vídeo com especialista


Quer saber mais sobre como deve ser o acolhimento humanizado na saúde
para casos de abortamento? Então, vá até o ambiente virtual e assista ao vídeo
com a doutora em saúde pública Emanuelle Goes.

E como deve ser o acolhimento feito por essa equipe? É o que você vai saber a seguir.

O acolhimento realizado pela equipe multiprofissional


No caso do serviço de atenção ao abortamento previsto em lei, o acolhimento deve
ser pautado pelo atendimento integral às necessidades da pessoa sob cuidados e
envolve escuta qualificada em atenção às recomendações e às Normas Técnicas do
Ministério de Saúde.

Acolhimento é o tratamento digno e respeitoso, que inclui a escuta ativa sem


pré-julgamentos ou imposição de valores, o reconhecimento e a aceitação das
diferenças. Ele inclui também o acesso à assistência e o respeito ao direito
da pessoa de decidir sobre os procedimentos a serem tomados.
Acolhimento é uma tarefa de toda a equipe de saúde.

Dar as orientações corretas sobre o abortamento pressupõe fornecer à pessoa sob


cuidados, de modo claro e acessível, as informações necessárias para que ela condu-
za o seu próprio tratamento, tenha segurança na tomada de decisões e possa exercer
o autocuidado, em consonância com as diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS.

40
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Cuidados em saúde

É muito importante que você, como profissional de saúde, certifique-se de que


cada dúvida e preocupação seja devidamente esclarecida para garantir que a
pessoa tome uma decisão informada. Cabe a você adotar uma “atitude terapêu-
tica”, buscando desenvolver uma escuta ativa e uma relação de empatia.

A empatia requer uma comunicação em sintonia com as demandas da pessoa


sob cuidados e a capacidade de se colocar no lugar dela, de modo a compreender
a situação pela qual ela está passando.

Como você pôde observar na aula anterior, o abortamento ainda é um tema carre-
gado de estigma na sociedade brasileira e, por isso, passar por essa situação pode
causar sofrimento, dor, autojulgamento e vergonha.

Da mesma forma, há pessoas que relatam sentir alívio e conforto. Essa multiplicida-
de de reações e sentimentos que a experiência do abortamento pode gerar é que
torna tão importante o acolhimento por parte de profissionais de saúde. Estudos
Fique por dentro
mostram que não há prejuízo para a saúde mental de quem realiza um aborto quan-
Conheça na íntegra
do ele é desejado (ANSIRH, 2018). a Norma Técnica de
Atenção Humanizada
ao Abortamento do
Como é destacado na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento Ministério da Saúde.
do Ministério da Saúde, a postura acolhedora da equipe multiprofissional é funda-
mental para a criação de um ambiente de empatia e confiança que dará segurança
e conforto à pessoa em situação de abortamento.

O que cabe a profissionais de medicina e enfermagem

Dentro da equipe, algumas responsabilidades são específicas de cada categoria


profissional. As atribuições a seguir são de toda a equipe, mas principalmente de
profissionais de medicina e enfermagem.

São responsabilidades de profissionais


de medicina e enfermagem:

Respeitar a fala da pessoa, lembrando que


nem tudo é dito verbalmente, auxiliando-a
a compreender seus sentimentos e elaborar
a experiência vivida, buscando a autoconfiança.

Organizar o acesso da pessoa,


priorizando o atendimento de acordo
com necessidades detectadas.

41
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Identificar e avaliar as necessidades e riscos dos


agravos à saúde em cada caso, resolvendo-os,
conforme a capacidade técnica do serviço, ou
encaminhando-a para serviços de referência.

Dar encaminhamentos aos problemas


apresentados pela pessoa, oferecendo
Responsabilidades
soluções possíveis e priorizando seu
de profissionais bem-estar e comodidade.

Garantir a privacidade no atendimento


e a confidencialidade das informações.

Realizar os procedimentos técnicos de


forma humanizada e informando a pessoa
sobre as intervenções necessárias.

Agora que você já conheceu as responsabilidades que lhe cabem como profissional da
medicina ou enfermagem, chegou a hora de conhecer o que a Norma Técnica indica
como responsabilidade específica de profissionais do serviço social e da saúde mental.

O que cabe a profissionais de saúde mental e serviço social

Como você já viu neste curso, a atenção integral à saúde requer não apenas que
tenhamos atenção à dimensão biomédica do cuidado, mas também que cuidemos
dos impactos sociais e psíquicos relacionados. Por isso, a participação de profis-
sionais da psicologia e do serviço social no atendimento à pessoa em situação de
abortamento é fundamental!

São responsabilidades de profissionais


de saúde mental e serviço social:

Prestar apoio emocional imediato e encaminhar, quando


1 necessário, para o atendimento continuado em médio prazo.

Identificar as reações do grupo social


2 (família, amigos(as), colegas) em que está envolvida.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Reforçar a importância da pessoa, respeitando o estado


3 emocional em que se encontra, adotando postura
autocompreensiva, que busque a autoestima.

Perguntar sobre o contexto da relação em que se deu a


4 gravidez e as possíveis repercussões do abortamento no
relacionamento com a parceria.

Conversar sobre gravidez, abortamento inseguro, menstruação,


5 saúde reprodutiva e direitos sexuais e reprodutivos.

Você já tomou conhecimento das responsabilidades da equipe multiprofissio-


nal, mas você sabe o que é consentimento livre e informado? Siga em frente para
conhecer esse conceito.

Consentimento livre e informado


O consentimento livre e informado consiste na aceitação pela pessoa que está sob
cuidados dos procedimentos a que ela será submetida. Ele se dá por meio da assi-
natura de um documento.

Para que seja livre, a pessoa não pode estar sob qualquer tipo de pressão, coação
ou constrangimento, físico ou psicológico.

43
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Para que seja informado, é fundamental que sejam fornecidas informações claras
e acessíveis sobre os procedimentos técnicos que serão adotados, as medidas para
o alívio da dor, o tempo de duração do procedimento, o período de internação, a
garantia do sigilo e privacidade, a segurança do procedimento e os possíveis riscos
envolvidos.

No caso do abortamento, é comum haver dúvidas envolvendo riscos sobre o proce-


dimento, tempo de recuperação, seu impacto sobre a fertilidade futura e questões
legais. Por isso, é muito importante esclarecer todas as dúvidas que a pessoa sob
cuidados possa ter.

Legislação sobre consentimento livre e informado

A legislação exige o consentimento livre e informado para o abortamento em


quaisquer circunstâncias, salvo em caso de iminente risco de vida. Se a pessoa esti-
ver impossibilitada de consentir, esse consentimento deverá ser obtido junto a seus
familiares próximos. De acordo com os artigos 3º, 4º, 5º, 1631, 1690, 1728 e 1767
do Código Civil brasileiro:

A partir dos 18 anos: Antes de completar


a pessoa é capaz 16 anos:
de consentir sozinha. a adolescente ou criança
deve ser representada
pelos pais ou por seu
A partir dos 16 e representante legal.
antes dos 18 anos:
a adolescente deve ser
assistida pelos pais ou por
seu representante legal, que
se manifestam com ela.

A outra circunstância em que é necessário o consentimento de representante legal


(pessoa curadora ou tutora) refere-se à pessoa que, por qualquer razão, não tenha
condições de discernimento e de expressão de sua vontade, por exemplo: uma
pessoa com deficiência mental, em situação de extrema vulnerabilidade, declarada
incapaz em procedimento judicial ou ainda alguém inconsciente.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Exames complementares
Além do exame clínico, a ultrassonografia é o exame complementar utilizado para Gravidez ectópica

esses casos. Esse exame determina a idade gestacional e auxilia na escolha do É a gestação em que
o óvulo fertilizado
método do abortamento. está fora do útero.
Os principais fatores
indicativos de que
Quando não for possível realizar a ultrassonografia, e afastados os fatores de risco estamos diante de uma
para gravidez ectópica (sangramento e dor pélvica), é possível calcular a idade gravidez ectópica são
sangramento e dor
gestacional a partir da data da última menstruação (DUM), contando o número de pélvica. Esse é um tipo
dias da DUM até o dia atual e dividindo esse valor por 7. de gestação inviável e
pode acontecer casos
de acompanhamento
Por exemplo, considerando que hoje seja 25/02/23 e a DUM de uma pessoa foi até que se tenha
um aborto tubário
1/12/22, qual seria sua idade gestacional? 87 dias divididos por 7 = 12 semanas e espontâneo, ou casos
2 dias. em que é necessária
uma intervenção
medicamentosa ou
Recomendamos usar um calendário para contar os dias ou usar aplicativos dispo- cirúrgica.
níveis para celulares.

É comum as pessoas não entenderem porque contamos a idade gestacio-


nal a partir da data da última menstruação, já que a fecundação provavel-
mente se dá cerca de duas semanas depois. A resposta é simples: trata-se
de uma convenção. A janela fértil dura alguns dias, enquanto o 1º dia da
data da última menstruação pode ser mais facilmente lembrado, o que
torna o cálculo mais fácil.

A seguir você vai conhecer quais os documentos necessários para realizar o abor-
tamento legal.

Termos de compromisso
Como o abortamento é autorizado apenas em algumas situações pela lei brasileira,
exige-se a assinatura de alguns documentos pela pessoa ou pela criança ou adoles-
cente que fará o procedimento e seu responsável. Conheça agora esses documentos:

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Termo de Relato Termo de Termo de


Circunstanciado – Responsabilidade Consentimento
é exigido nas – é assinado pela Livre e
situações de pessoa e/ou Esclarecido – é
violência sexual, e seu(sua) assinado pela
consiste na representante pessoa ou por
descrição das legal, que declara seu(sua)
circunstâncias da corresponderem representante
violência sexual as informações legal, que declara
sofrida que prestadas para a estar de acordo
resultaram na equipe de saúde com o
gravidez. à legítima procedimento e
expressão da saber dos riscos e
verdade. efeitos esperados.

Mas não é só a pessoa ou seu(sua) representante legal que precisa assinar docu-
mentos, a equipe médica também tem a responsabilidade de assinar alguns termos.
Veja a seguir quais são eles:

Parecer Técnico, assinado pelo


Termo de aprovação
profissional de medicina
de Procedimento de
assistente, em que constará a
Interrupção de Gravidez,
avaliação de compatibilidade
assinado por no mínimo
entre a idade gestacional e a data
três profissionais da
da violência sofrida pela mulher
equipe multiprofissional.
ou criança ou adolescente.

A assinatura desses documentos é importante para garantir a segurança de profis-


sionais e da pessoa em situação de abortamento previsto em lei.

Mas você não pode esquecer que o objetivo central do atendimento é o cuidado
humanizado e empático e, portanto, a documentação é apenas um meio para se
atender esse objetivo. É fundamental que a equipe esteja atenta para não trans-
formar esse momento de cuidado em um processo frio e burocrático e não criar
barreiras ao acesso do direito.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Sobre as especificidades de cada


situação de abortamento previsto em lei
Como você pôde observar no início desta aula, o direito brasileiro autoriza o abor-
tamento em três situações específicas: risco à vida, violência sexual e em casos de
fetos anencefálicos. Veja as especificidades de cada caso a seguir.

Risco à vida
Nessa situação, é necessário o laudo de dois(duas) médicos(as), incluindo, sempre
que possível, especialista na área médica da doença que coloca a vida em risco.

O laudo deve conter uma descrição detalhada do quadro clínico e do impacto na


saúde de quem está gestante, baseando em evidência científica a recomendação
da interrupção da gestação. O prontuário médico deverá conter as justificativas
médicas, detalhando o risco materno.

Além disso, é indispensável obter o consentimento prévio, livre e informado (Termo


de Consentimento Livre e Informado) da pessoa gestante ou familiares, quando ela
não tiver condições de concedê-lo.

É importante também saber se a gestação era desejada e assegurar um acompa-


Fique por dentro
nhamento psicológico adequado.
Essas situações
foram levantadas
No Brasil, o permissivo “risco de vida” em geral só é usado “quando não há outra por um protocolo da
Federação Brasileira
maneira de salvar a vida da gestante”, a partir de uma interpretação literal da lei. de Ginecologistas
Contudo, há uma série de doenças pré-existentes nas quais a gravidez agrava em e Obstetras
(FEBRASGO) e
mais de 25% o risco de vida para a pessoa que gesta. devem ser levadas à
consideração da pessoa
gestante para que
ela decida, de modo
autônomo e informado,
Importante ressaltar que, no caso em que a pessoa gestante se deseja correr o risco
da gestação.
corre risco de morte, não é necessária autorização judicial, boletim
de ocorrência ou comunicação ao CRM.

Essa é uma das situações de abortamento previstas em lei. A seguir veja o que você,
profissional de saúde, deve fazer em caso de violência sexual.

Violência sexual
Há uma alta prevalência de violência e abuso sexual no Brasil. Por isso, profissionais
de saúde têm diante de si a importante tarefa de identificar situações de violência
que possam autorizar o direito ao abortamento previsto em lei, mesmo quando elas

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

não se apresentem como tais, e oferecer às vítimas a informação sobre seu direito.
Assim elas poderão decidir se querem levar adiante a gestação fruto de uma relação
não consentida ou se querem interrompê-la.

Precisamos ter claro que estupro não é só aquele que acontece por um desconhe-
cido que aponta uma arma para a cabeça da vítima. Qualquer situação de relação
sexual não consentida pode ser considerada estupro.

Por isso, é necessário que profissionais de saúde tenham uma postura que chama-
mos de “alta suspeição”, ou seja, deve-se investigar se a gestação é desejada e se é
fruto de uma relação consentida.

No caso de suspeita de violência sexual sofrida por paciente com resultado positivo
para gravidez, deve-se iniciar a conversa procurando entender as circunstâncias em
que a gravidez ocorreu e como a pessoa sob cuidados se sente em relação a ela.

É necessário também que você garanta um espaço que ofereça privacidade para a
entrevista, de preferência onde não haja a presença de pessoas que possam inibir
o relato. A equipe deve estar alerta para manter o sigilo, a fim de não criar estigmas
sobre o atendimento. Podem-se utilizar perguntas diretas e indiretas e avaliar se a
pessoa deseja falar sobre o assunto ou não, respeitando seu desejo.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

As perguntas a seguir podem auxiliar em uma efetiva comunicação com pacientes:

Perguntas indiretas:
• Como estão as coisas em casa?
• Como está seu relacionamento?
• Você e sua parceria discutem muito?
Perguntas diretas:
• Já foi forçada a ter relações sexuais contra a sua vontade?
• Já vi problemas como o seu em pessoas agredidas fisicamente.
Isso está acontecendo com você?
• Sabemos que é comum que pessoas sofram agressões dentro de casa,
isso já aconteceu com você alguma vez?
Fonte: Quadro adaptado de Comunicação Clínica: aperfeiçoando os encontros em Saúde (DOHMS, 2021).

Todos os documentos necessários para o abortamento nos casos de violência sexual


serão colhidos no hospital em que o procedimento será realizado. São três os docu-
mentos pelos quais a pessoa opta pelo abortamento e se responsabiliza pelos fatos
narrados à equipe médica como verdadeiros: Termo de Relato Circunstanciado,
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Responsabilidade.

Segundo a Portaria MS/GM n° 2.282/2020 do Ministério da Saúde, são necessá-


rios ainda um parecer técnico do(a) profissional de medicina que ateste a compa-
tibilidade da idade gestacional com a data da violência sexual relatada e um termo
que aprove o procedimento de interrupção da gravidez, assinado por no mínimo
três integrantes da equipe multiprofissional.

Não é necessário apresentar Boletim de Ocorrência Policial, Laudo do Instituto


Médico Legal ou Autorização Judicial. Para o abortamento previsto em lei em caso
de estupro, é suficiente o relato da vítima ao serviço de saúde.

A palavra da pessoa que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violên-
cia tem credibilidade ética e legal, devendo ser recebida como verdadeira por
profissionais de saúde. Segundo Diniz et al. (2014, p. 293):

É preciso acreditar no que diz a mulher que se apresenta como vítima e testemunha de sua
própria violência. No entanto, estudos demonstram que não basta o texto da mulher; a verda-
de do estupro é construída no encontro entre os testes de verdade sobre o acontecimento da
violência e a leitura sobre a subjetividade da vítima.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Essa situação, tão comum na sociedade em geral, também ocorre em alguns servi-
ços de saúde. Em muitos desses serviços, as pessoas que buscam cuidado passam
por procedimentos interrogatórios que se assemelham a inquéritos policiais, com
múltiplas entrevistas que parecem buscar possíveis contradições na sua narrativa.
Esse tipo de comportamento é inaceitável, tanto do ponto de vista legal quanto
ético, dentro de um serviço de saúde.

É nessa duplicidade de guardiões da lei penal e da imoralidade do aborto que as práticas de


inquérito pela verdade do estupro surgem no encontro dos profissionais com as mulheres.
(DINIZ et al., 2014, p. 294).

O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde, portanto não


cabe à equipe de saúde duvidar da palavra da vítima, o que agravaria ainda mais as
consequências da violência sofrida. Os procedimentos do serviço de saúde não devem
ser confundidos com procedimentos investigativos reservados à Polícia e à Justiça.

Assim, para o atendimento às pessoas em situação de violência sexual, são neces-


sários alguns cuidados importantes. Veja quais são eles:

Atendimento precoce e facilitado

Segundo o 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (Fórum Brasileiro de Segu-


rança Pública, 2019), em 2018 foram registrados 66.041 casos de violência sexual
em todo o país. O dado representa 180 estupros por dia e um aumento de 4,1%
quando comparado ao ano anterior.

Quem são as vítimas de violência sexual?

81,8% 50,9% 48,5% 53,8%


sexo feminino negras brancas tinham
até 13 anos

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019, p. 9).

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Com esses dados você pode perceber que quatro meninas de até 13 anos são
estupradas por hora no Brasil! Infecções
Sexualmente
Transmissíveis
A elevada prevalência da violência sexual exige, portanto, que o maior número possí-
São causadas por
vel de unidades de saúde estejam preparadas para atuar nos casos de emergência. vírus, bactérias ou
outros microrganismos
e são transmitidas,
O atendimento imediato aos casos de violência sexual permite oferecer medidas principalmente, por
de proteção e prevenção, como a anticoncepção de emergência e as profilaxias meio do contato sexual
(oral, vaginal, anal) sem
das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), hepatite B e HIV/Aids, evitando o uso de camisinha
assim danos futuros para a saúde da pessoa vítima de violência. masculina ou feminina,
com uma pessoa que
esteja infectada. A
Embora a maioria dos casos sejam atendidos em hospitais, todos os estabelecimen- transmissão pode
acontecer, ainda,
tos de saúde deveriam estar preparados para oferecer esse cuidado da forma mais da mãe para a
facilitada possível. criança durante a
gestação, o parto ou a
amamentação.

Registro adequado

Os dados obtidos durante a entrevista, no exame físico e ginecológico, os resultados


de exames complementares e relatórios de procedimentos devem ser cuidadosa-
mente registrados em prontuário. É recomendada a utilização de fichas específicas
de atendimento para os casos de violência sexual. E a notificação compulsória, para
fins de levantamento de dados e desenvolvimento de políticas públicas, é tarefa
obrigatória do profissional de saúde, que deve garantir o sigilo e proteger a priva-
cidade da vítima, como discutido à frente, e não tem qualquer relação com notifi-
cação para fins de investigação criminal. O cuidado com o prontuário é de extrema
importância, tanto para a qualidade da atenção em saúde quanto para eventual uso
em processo judicial ou em pesquisas futuras.

Os danos físicos, genitais ou extragenitais, devem ser cuidadosamente descri-


tos em prontuário. Se possível, os traumatismos físicos devem ser fotografados e
também anexados ao prontuário. Na indisponibilidade desse recurso, represen-
tações esquemáticas ou desenhos podem ser utilizados e igualmente incluídos no
prontuário.

Coleta de vestígios

A coleta de vestígios deve ser incentivada para garantir que a vítima, ainda que
após muito tempo, possa recorrer àquela prova pericial para buscar a punição do
agressor, caso assim deseje.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Essa coleta deve ser realizada em um prazo máximo de 72h da ocorrência do fato
e por equipe treinada. Por outro lado, é preciso empatia e entendimento de que a
denúncia cabe apenas à vítima, e, portanto, sua não realização não pode constituir
um impedimento para o acesso ao direito a atendimento.

O Manual do SAIPS (Serviço de Apoio à Implementação das Políticas em Saúde)


ressalta a importância de haver um médico perito integrado à equipe do Serviço
de Aborto Legal, ou ainda o treinamento específico da equipe para esta coleta e
comunicação posterior com a medicina legal, de modo a evitar a necessidade de
“peregrinação” da vítima por mais serviços, como ida ao IML (BRASIL, 2019).

Sigilo e segredo profissional

O atendimento de pessoas em situação de violência sexual, assim como qualquer


outro atendimento de saúde, exige que sejam observados o sigilo e a ética profissional.

A Constituição Federal, artigo 5°, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a


vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indeniza-
ção material ou moral decorrente de sua violação”. Portanto, é direito da pessoa
sob cuidados que os fatos e informações relatados a você profissional da saúde não
sejam revelados a quem quer que seja.

O artigo 154 do Código Penal Brasileiro caracteriza como crime “revelar alguém,
sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.

Vídeo com especialista


Para entender melhor sobre o sigilo profissional, assista
ao vídeo com o Juiz de Direito José Henrique Rodrigues Torres
no ambiente virtual do curso.

Ou seja, a garantia do sigilo é um dever ético e legal de você profissional e um direi-


to da pessoa assistida.

Notificação epidemiológica

É importante notificar qualquer suspeita ou confirmação de violência. A notifi-


cação tem um papel estratégico no desencadeamento de ações de prevenção e

52
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

proteção no âmbito da segurança pública, além de ser fundamental nas ações de


vigilância e monitoramento das situações de saúde relacionadas às violências.

Contudo, essa notificação não deve configurar quebra de sigilo profissional – os


dados pessoais da paciente não podem ser revelados, apenas os números e circuns-
tâncias dos casos atendidos, sempre preservando a anonimidade dos dados.

A Portaria GM/MS 78, de 2021, regula a notificação e estabelece que “a comuni- Fique por dentro
cação dos casos de violência contra a mulher à autoridade policial deverá ser feita Conheça a Portaria
de forma sintética e consolidada, não contendo dados que identifiquem a vítima e o GM/MS 78 na íntegra.
profissional de saúde notificador”.

Em crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade, a suspeita ou a confirma- Fique por dentro
ção de abuso sexual deve, obrigatoriamente, ser comunicada ao Conselho Tutelar Para que você saiba
ou à Vara da Infância e da Juventude. Na falta desses órgãos, deve-se comunicar à exatamente o que
deve fazer legalmente
Vara de Justiça existente no local ou à Delegacia, sem prejuízo de outras medidas em caso de violência
legais, conforme o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). sexual contra crianças
e adolescentes, leia o
Estatuto da Criança e
do Adolescente.

Teste seus conhecimentos

Veja este caso clínico e coloque V ou F nas afirmações seguintes.

Caso clínico:
Uma paciente chega a um serviço de emergência da maternidade em que você trabalha
com resultado de gravidez afirmando que a gestação é resultado de violência sexual.

( ) Você a escuta tentando identificar possíveis contradições em sua narrativa.


( ) Você a escuta e a acolhe entendendo que resgatar uma situação de violência e
narrá-la implica acessar um momento de dor e sofrimento e que é possível que haja
confusão, medo e angústia.
( ) Você a escuta procurando identificar possíveis comportamentos que indiquem
tratar-se de uma mentira, tais como tipo de vestimenta ou comportamento sexual.
( ) Você a escuta e a acolhe entendendo que não é seu papel fazer qualquer tipo de julga-
mento, mas sim oferecer um atendimento respeitoso e digno.
( ) Se a pessoa for casada e estiver em uma situação de conjugalidade, você descarta a
possibilidade de que tenha sido estupro.
( ) Você reconhece a possibilidade de estupro marital (dentro da relação conjugal) ou
mesmo que possa haver violência sexual de pessoa casada e que é preciso pressupor
veracidade de que a gestação seja decorrente da violência sofrida, independente-
mente de haver situações de relação consentida eventuais também.
( ) Você a encaminha para registrar boletim de ocorrência.
( ) Você aciona o serviço de aborto previsto em lei ou profissional assistente social para
dar início ao processo de acolhimento.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

(Respostas: F, V, F, V, F, V, F, V)

Feedback positivo: Se você acertou todas as alternativas anteriores, está no


caminho para oferecer um cuidado de qualidade para os seus pacientes.

Feedback negativo: Se você errou alguma das situações anteriores, talvez seja
bacana retornar e ler novamente o conteúdo anterior.

Como você pôde perceber, em casos de violência sexual são necessários muitos
cuidados. Agora, siga em frente para saber como a equipe de saúde deve atuar na
última situação de abortamento previsto em lei no Brasil, que é a anencefalia fetal.

Anencefalia fetal
Nos casos de anencefalia fetal, os documentos necessários para que possa ser
realizado o abortamento são:

1 - Exame de ultrassonografia 2 - Documento contendo o


com diagnóstico de anencefalia consentimento da pessoa gestante
assinado por dois profissionais (Termo de Consentimento
de medicina. Livre e Esclarecido).

De acordo com o Ministério da Saúde, nas situações em que a pessoa gestante


realizar a opção esclarecida pela interrupção da gestação, é importante que você
profissional de saúde a informe sobre os riscos de recorrência da anencefalia e a
oriente quanto ao acesso aos programas de planejamento familiar com assistência
à contracepção (BRASIL, 2014).

Fique por dentro


Além disso, cabe destacar que existem outros diagnósticos de anomalias fetais com
inviabilidade de vida extrauterina, contudo a decisão do Supremo Tribunal Federal Leia aqui a Norma
Técnica de Atenção
só permite a interrupção em caso de anencefalia. Nessas outras situações, pode-se às Mulheres com
solicitar a realização do abortamento ao poder judiciário, que, entendendo ser o Gestação de
Anencéfalos, do
caso, expedirá um alvará judicial. O pedido deverá ser instruído com os mesmos Ministério da Saúde.
documentos necessários para o procedimento no hospital.

A seguir, você verá como deve proceder em casos de abortamento de menores de


idade e quais normas regem esses casos.

Atendimentos a menores de idade


O atendimento a menores de idade pode suscitar dúvidas, assim requer mais cuida-

54
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

dos. Por isso separamos uma seção que trata especificamente desses casos.

É importante saber que o Código Penal brasileiro, em seu artigo 217-A, define como
estupro de vulnerável “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos”. Ou seja, qualquer ato sexual ou libidinoso com criança
menor de 14 anos é crime e, portanto, se desse ato resultar uma gestação, essa é,
por lei, sempre considerada fruto de violência e, portanto, autorizada pela lei está a
sua interrupção. Ou seja, toda gestação de menores de 14 anos é legalmente consi-
derada resultado de estupro e disso decorre o direito ao aborto previsto em lei.

É comum nesses casos haver o envolvimento de pessoas da família e é bom saber o


que pode ou não ser revelado a elas. Veja o que diz o Código de Ética Médica:

É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclu-
sive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o adolescente tenha capacidade de avaliar
seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não
revelação possa acarretar danos ao paciente
(art. 103).

Agora veja o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “a) Conside-
ra-se criança a pessoa menor de 12 anos de idade; e adolescente, a partir dos 12
e antes de completar 18 anos; e b) Deve prevalecer o princípio do respeito à sua Princípio da
opinião e vontade.” proteção integral

O princípio da
proteção integral, que
A assistência à saúde da menor de 18 anos em abortamento deve se submeter ao orienta todo o ECA,
princípio da proteção integral. Se a revelação à família for feita para preservá-la de determina que crianças
e adolescentes sejam
danos, estaria afastado o crime de revelação de segredo profissional. tratados como sujeitos
de direito, recebam
prioridade absoluta
Entretanto, a revelação do fato também pode acarretar prejuízos ainda mais graves, e sejam respeitadas
como o seu afastamento do serviço de saúde pela família e consequentemente a em sua condição
especial de pessoas em
perda da confiança nos(as) profissionais de saúde que a assistem. A decisão, qual- desenvolvimento.
quer que seja, deve estar justificada no prontuário da adolescente.

55
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Teste seus conhecimentos

Veja este caso clínico e assinale a alternativa correta após a leitura.

Caso clínico:
Você acabou de se formar e está trabalhando em uma unidade básica de saúde em uma
cidade próxima à capital onde se graduou. Chega para acolhimento pela equipe de enfer-
magem uma paciente de 12 anos, acompanhada da mãe, com atraso menstrual e náuseas.
Você discute o caso, solicita B-hcg e confirma a gestação. Com esse resultado é esperado:

a) ( ) Iniciar o pré-natal, solicitar exames e agendar retorno em um mês.


b) ( ) Encaminhar para conselho tutelar.
c) ( ) Encaminhar para serviço de aborto previsto em lei.
d) ( ) Explicar se tratar por lei de estupro de vulnerável e orientar sobre a possibilidade de
encaminhamento para serviço de aborto previsto em lei, contactar o conselho tutelar
e preencher a ficha de notificação epidemiológica de violência.

Feedback positivo: Se você respondeu a letra D, está correto. Meninas jovens,


menores de 14 anos, são muitas vezes encaminhadas para pré-natal quando
deveriam ser informadas sobre o direito à interrupção legal da gestação, ainda
que a relação tenha sido consentida. Do ponto de vista legal, trata-se de estupro
de vulnerável.

Feedback negativo: Se você respondeu A, B ou C ...


Todos os anos, cerca de 20 mil bebês nascem de mães meninas com idade entre
10 e 14 anos. Do ponto de vista legal, trata-se de estupro de vulnerável. Então
é fundamental que o(a) profissional de saúde esteja atento(a) às circunstâncias
em que essa gestação ocorreu, ao contexto de vulnerabilidade em que a criança
e/ou adolescente possa estar inserida, inclusive no ambiente doméstico/fami-
liar. Assim, antes de iniciar pré-natal ou realizar encaminhamento do caso ao
conselho tutelar, deve-se realizar a notificação epidemiológica de violência e
conversar com a pessoa gestante e seu(sua) cuidador(a)/responsável sobre o
direito à interrupção da gestação.

Agora, abordaremos um aspecto que pode surgir no contexto da assistência às


pessoas em situação de abortamento, que é a objeção de consciência. Vamos
entender melhor o que é isso?

56
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

Objeção de consciência
Segundo Diniz, a objeção de consciência é:

[...] um dispositivo normativo de códigos profissionais e de políticas públicas que visa prote-
ger a integridade de pessoas envolvidas em uma situação de conflito moral. Em um conflito
entre deveres públicos e direitos individuais, esse dispositivo é acionado para proteger a moral
privada do indivíduo, como no caso do profissional de medicina ou enfermagem que decla-
ra objeção de consciência para não atender uma mulher que deseja abortar legalmente. Em
nome de convicções individuais, esse dispositivo protegeria o sentimento de integridade moral
do profissional, ao autorizá-lo a não participar de um procedimento que acredita ser moral-
mente errado, embora legal.
(2011, p. 982).

Profissionais de saúde podem invocar a objeção de consciência e recusar a realiza-


ção do abortamento. No entanto, é seu dever profissional informar a pessoa sobre
seus direitos e garantir o acesso ao serviço de abortamento previsto em lei, enca-
minhando-a para outro(a) profissional da instituição ou de outro serviço.

É importante ressaltar que existem casos em que não é possível invocar a objeção
de consciência. Essas situações são as seguintes:

2
1
Quando a paciente
Risco de morte
puder sofrer danos ou
para a pessoa
agravos à saúde
gestante.
em razão da
3
omissão
No atendimento de
profissional.
complicações derivadas do
abortamento inseguro, por se
tratar de casos de urgência.

4 5
Quando inexistente outro No cuidado
profissional que o faça, nas situações pós-aborto.
de abortamento previsto em lei.

57
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

A seguir, conheça o que dizem o Código de Ética Médica e o Código de Enfermagem,


para que não fique dúvida sobre o que você pode ou não fazer. Primeiro, observe o
que diz o Código de Ética Médica:

O médico deve exercer a profissão com ampla autonomia,


não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem
1 ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos
de urgência ou quando sua negativa possa trazer danos
irreversíveis ao paciente (art. 7).

É seu direito: “recusar a realização de atos médicos que,


2 embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de
sua consciência” (art. 28).

É vedado: “descumprir legislação específica nos casos de


3 transplante de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação
artificial e abortamento” (art. 43).

“[...] efetuar qualquer procedimento médico sem o


4 esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu
responsável legal, salvo em iminente perigo de vida” (art. 48).

Agora, veja o que diz o Código de Enfermagem e como que ele trata desse assunto:

É proibido “Negar assistência de enfermagem em


situações de urgência, emergência, epidemia,
desastre e catástrofe, desde que não ofereça risco
à integridade física do profissional” (art. 76).

É dever “Respeitar o direito do exercício da autonomia


da pessoa ou de seu representante legal na tomada de
decisão, livre e esclarecida, sobre sua saúde, segurança,
tratamento, conforto, bem-estar, realizando ações
necessárias, de acordo com os princípios éticos
e legais” (art. 42).

58
É proibido provocar aborto, ou cooperar em prática
destinada a interromper a gestação, exceto nos
tratamento, conforto, bem-estar, realizando ações
necessárias, de acordo com os princípios éticos
Ampara. Acolhimentoede
legais” (art.
pessoas em 42).de abortamento e pós-aborto
situação Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil

É proibido provocar aborto, ou cooperar em prática


destinada a interromper a gestação, exceto nos
casos permitidos pela legislação vigente (art. 73).

Parágrafo único. Nos casos permitidos pela legislação,


o profissional deverá decidir de acordo com a sua
consciência sobre sua participação, desde que
seja garantida a continuidade da assistência.

Em caso de omissão de socorro, o(a) profissional de saúde pode ser responsabiliza-


do(a) civil e criminalmente pela morte da pessoa ou pelos danos físicos e mentais
Fique por dentro
que ela venha a sofrer, pois podia e devia agir para evitar tais resultados. O arti-
Acesse o Código
go 13, parágrafo 2º do Código Penal, estabelece ser relevante a omissão “quando de Ética Médica e o
o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a Código de Enfermagem
para saber mais
quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância”, que é o caso de sobre o assunto.
profissionais de saúde que fizeram a opção por uma profissão de cuidado.

Como você pôde observar, os códigos de ética de diferentes categorias profissio-


nais asseguram a você profissional de saúde o direito de recusar o atendimento em
caso de conflito com sua consciência. Mas essa recusa não pode acontecer quando
a negativa do atendimento coloca em risco a vida da pessoa que busca cuidados ou
quando se trata de emergência. Em todas as situações de objeção de consciência, o
atendimento deve ser garantido por outro(a) profissional de saúde, pois o exercício
do direito profissional não pode significar a negativa do direito à saúde da paciente.

Dessa forma, é dever do estado manter nos hospitais públicos profissionais que
realizem o procedimento do abortamento. E, caso a pessoa venha a sofrer preju-
ízo de ordem moral, física ou psíquica em decorrência da omissão, poderá haver
responsabilização civil, administrativa, penal e/ou institucional.

Você chegou ao final desta aula. Nela você conheceu as situações em que o aborta-
mento é previsto em lei no Brasil. Viu também o que é responsabilidade de profis-
sionais de saúde nesses casos. Siga em frente!

59
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Aula 3
Abortamento e evidências científicas

• Compreenda a importância do acolhimento empático e


respeitoso à pessoa que aborta.

• Conheça as diferentes formas de apresentação das situa-


ções de abortamento e os cuidados necessários.

• Conheça as evidências científicas relacionadas ao aborta-


mento nas suas diversas formas.

• Saiba como realizar o procedimento de abortamento medi-


camentoso.

Medicina baseada em evidências


A Medicina Baseada em Evidências (MBE) é um movimento acadêmico que busca
trazer de forma crítica as evidências científicas disponíveis nas diversas publica-
ções para a prática em saúde.

Fique por dentro


Dessa maneira, recomenda-se que as decisões em saúde sejam baseadas nas
Consulte também o
melhores evidências científicas disponíveis – como dados epidemiológicos e revi- site “Medicina baseada
sões sistemáticas – associadas às preferências e necessidades da pessoa que rece- em evidências” do
professor Luis Correa,
be o atendimento. Aplicaremos essa abordagem nesta aula, discutindo importan- da Escola Bahiana
tes aspectos do acolhimento à pessoa que aborta. de Medicina e Saúde
Pública, e seus
podcasts.
Você pode saber mais no livro de José Nunes de Alencar Neto: “Manual de Medi-
cina Baseada em Evidências – como interpretar artigos científicos”, de 2021
(Editora Sanar). É científico!

Conheça a Norma
No Brasil, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto, publicada em Técnica de Atenção
2005 e atualizada pela última vez em 2014 pelo Ministério da Saúde, é um guia Humanizada do Aborto
na íntegra.
indispensável de acolhimento adequado para os casos de abortamento.

60
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

A Norma Técnica estabelece que as seguintes


ações são essenciais nos serviços em saúde:

Atenção clínica de qualidade ao abortamento


1 e suas complicações, de acordo com os
referenciais éticos, legais e bioéticos.

Acolhimento com orientações e informações


2 corretas, adaptadas às necessidades de saúde
física e mental da pessoa sob cuidados.

Orientações de planejamento reprodutivo,


3 contracepção e gestação após o aborto.

Integração com os níveis primário, secundário e


4 terciário de serviços de atenção à saúde das mulheres
e outras pessoas que gestam.

Parceria com a comunidade de forma que as pessoas


5 sejam acolhidas e apoiadas, prevenindo gestações
indesejadas e abortamentos inseguros.

Você pode observar que citamos os níveis primário, secundário e terciário de servi-
ços de atenção à saúde das mulheres. É importante que você entenda o que é cada
um desses níveis:

Atenção primária à saúde:

é a porta de entrada em serviços de saúde, em que cerca de 80% dos


problemas em saúde são resolvidos ou acompanhados. Corresponde aos
atendimentos em Unidades Básicas de Saúde e às ações de educação em
saúde no território (nas comunidades, escolas, etc.).

Atenção secundária à saúde:

corresponde aos acompanhamentos em ambulatórios de especialidades


focais para casos mais complexos, por exemplo a ginecologia e a radiologia.
Há maior emprego de tecnologias como exames de imagem.

61
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Atenção terciária à saúde:

são os serviços de atendimento de condições de saúde muito complexas


com necessidade de internação/cirurgia. Eles são compostos por hospitais
com leitos de UTI e equipes de reabilitação.

As ações essenciais citadas devem ser prática rotineira nos serviços e, sempre que
possível, podem ser abordadas em reuniões clínicas, discussão de casos, apresen-
tação de artigos científicos e pauta de organização de fluxo entre serviços nos dife-
rentes níveis de atenção à saúde.

Ponto de reflexão

Após entender os diferentes níveis de atenção à saúde, você consegue rela-


cionar situações de atendimento ao abortamento nesses diversos níveis?

Gestações não-planejadas
A pesquisa Nascer no Brasil avaliou gestações de 2011 a 2012 em todo o país e
concluiu que 55,4% dessas gestações não foram planejadas, principalmente entre
adolescentes, usuárias de drogas e portadoras de doenças crônicas.

A pesquisa ainda demonstrou que 29,9% das mulheres não desejavam engravidar
em momento algum da vida, no momento atual ou no futuro, e, ainda, que as mulhe-
res que planejam suas gestações são majoritariamente brancas (52,7%), de maior
escolaridade (59,3%), com idade acima de 35 anos (52%) e relações estáveis (casa-
das ou com companheiro – 49,5%).

Uma parcela das gestações não planejadas será levada adiante tanto pela impos-
sibilidade de acesso à interrupção legal quanto também porque, apesar de não
planejadas, podem ser desejadas. Por isso, é importante distinguir entre gestações
não planejadas e gestações indesejadas. As duas situações têm em comum a ausên-
cia de planejamento prévio, mas nem toda gestação não planejada é indesejada.

É importante destacar que uma gestação indesejada ocorre por diversos motivos.
Um deles é porque os métodos contraceptivos são falhos ou inacessíveis e podem
causar vários efeitos colaterais que implicam o abandono do seu uso.

62
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Outro motivo é a necessidade de negociar o uso do preservativo, que por vezes é


fruto de desacordo entre o casal. E há ainda, infelizmente, casos de violência sexual e
falta de consentimento na relação sexual que resultam em uma gestação indesejada.

Ponto de reflexão

Você já parou para refletir sobre as diversas situações que levam a uma
gestação indesejada? Consegue imaginar outras situações além das que
apontamos aqui?

Você, profissional de saúde, pode se deparar com situações como as descritas ante-
riormente, nos mais diversos cenários da área da saúde: são comuns queixas de
atraso menstrual e suspeita de gestação em consultas de pronto-atendimentos ou
ambulatoriais de ginecologia e obstetrícia, em emergências, nos atendimentos de
atenção primária à saúde, em visitas domiciliares e até mesmo em conversa com
pessoas próximas e familiares.

63
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Acolher e ouvir essa pessoa é fundamental, assim como não realizar julgamentos
sobre o relato e identificar e informar os próximos cuidados de forma sigilosa.

Como já abordamos antes, a confirmação de gravidez nem sempre é motivo de


alegria e comemoração. Não parabenize um resultado positivo a menos que já
tenha conhecimento de que se trata de uma gravidez desejada. Perguntar como a
pessoa se sente com essa notícia é uma abordagem empática e respeitosa.

Saber realizar uma comunicação empática e respeitosa e


identificar situações de violência e gestação indesejada é dever ético.

É importante entender as situações de gestação indesejada para acolher casos de


abortamento que podem surgir durante sua vida profissional. O Método Clínico
Centrado na Pessoa (MCCP) é uma ferramenta que pode ser aplicada em todos
os atendimentos e nos faz refletir sobre como o processo de cuidado é único para
cada pessoa.

O MCCP é definido pelos seguintes passos:

Explorando a saúde,
Entendendo a
a doença e a experiência
pessoa como um todo:
da doença: sentimentos e
as particularidades
ideias em relação à situação,
individuais, fase de vida e
impactos na funcionalidade
contexto em comunidade
e expectativas devem ser
são únicos para cada pessoa.
abordados.

Elaborando um
Intensificando a
plano conjunto de
relação entre a pessoa e
manejo dos problemas:
o profissional da medicina:
de maneira informada e É científico!
o vínculo é criado com
acolhedora deve-se chegar a Para saber mais
a equipe em saúde por sobre MCCP, leia o
um plano de cuidado que livro Medicina
meio da longitudinalidade
estimule a autonomia de centrada na pessoa:
e confiança. transformando o
escolhas em saúde. método clínico, de
Stewart et al.

64
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Você já tinha conhecimento desse método? Ele é um aliado no atendimento huma-


nizado e no acolhimento que toda pessoa deve receber quando procura a ajuda de
profissionais de saúde.

Ponto de reflexão

Agora que você já sabe o que é o MCCP, como você aplicaria esse método às
situações de abortamento?

Agora que você entendeu os contextos de uma gravidez indesejada e os conceitos


de medicina baseada em evidências e método clínico centrado na pessoa, conheça
a seguir as diferentes situações de abortamento.

Abortamento espontâneo
O abortamento espontâneo é a perda de uma gestação sem qualquer intervenção
e afeta cerca de 20% das gestações diagnosticadas. Segundo Griebel et al. (2005),
ele pode ser subdividido em:

Ameaça de Aborto Aborto


abortamento retido completo

Aborto incompleto Aborto recorrente

Você deve ter atenção para os aspectos emocionais de pacientes e suas parcerias
e se informar se a gestação é desejada. Nesse caso, há risco aumentado de depres-
são e ansiedade até um ano após a ocorrência de um abortamento espontâneo, e é
preciso providenciar aconselhamento para que a pessoa possa lidar com sentimen-
tos como culpa e luto, e com pessoas próximas e familiares (GRIEBEL et al., 2005).

65
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Além do abortamento, é importante diferenciar a causa etiológica do sangramen-


Gravidez ectópica
to. Um sangramento no primeiro trimestre pode ser sinal de gravidez ectópica,
Gravidez extrauterina,
doença trofoblástica ou doenças ginecológicas, tais como sangramento cervical ou seja, implantação de
pela presença de pólipos, colo friável, trauma ou câncer cervical. óvulo fecundado fora
do útero.

Nesses casos, toda a equipe envolvida no cuidado multiprofissional pode entrar Doença trofoblástica
em diálogo com a pessoa em situação de abortamento espontâneo, cobrindo os Também chamada de
gravidez molar, é a
seguintes pontos. proliferação de células
tumorais no útero, com
sintomas semelhantes à
gestação.
Cuidados em saúde
Colo friável

• Identifique se é uma gravidez desejada ou não, tenha empatia com os Colo uterino que sangra
desproporcionalmente
sentimentos que a pessoa possa expressar, como alívio e tranquilidade. ao toque realizado com
• Reconheça e tente dissipar sentimentos de culpa, caso você os identifique. instrumentos.

• Reconheça e legitime o luto.


• Aconselhe como contar para familiares e pessoas próximas sobre o abor-
tamento.
• Inclua, se houver, a parceria no acolhimento.
• Ofereça conforto, empatia e suporte ao longo do tempo.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Esses são cuidados importantes que você deve priorizar em seu atendimento.
Veja a seguir os tipos de abortamento.

Ameaça de abortamento
A ameaça de abortamento define-se como sangramento vaginal de primeiro trimes-
tre, geralmente indolor ao exame físico, com concepto vivo e sem dilatação cervical.

Quando uma causa é identificada, o tratamento direcionado pode reduzir taxas de


abortamento. Apesar disso, a fisiopatologia permanece desconhecida na grande
maioria dos casos, o que pode gerar frustração em pacientes, visto que, se não há
causa identificável, também não há tratamento específico que possa modificar o
curso, permanecendo a ameaça.

Após uma ameaça de abortamento, é comum recomendar-se repouso


no leito e ausência de relações sexuais, porém essas recomendações
não têm benefícios comprovados (ALVES et al., 2019).

Não havendo regressão do sangramento ou caso surjam sinais de alarme para infec-
ção como febre, dor pélvica e corrimento fétido, deve-se orientar que a paciente
procure um serviço de emergência gineológico-obstétrico.

Abortamento completo
Ocorre quando há sangramento e cólicas com expulsão completa de material ovular.
Ao exame físico, pode-se observar se o colo do útero está entreaberto ou fechado, e
ao ultrassom não há conteúdo ovular, podendo haver coágulos sanguíneos.

A notícia de um abortamento completo pode ser motivo de tristeza ou de alívio, e


é importante atentar-se aos sinais verbais e não verbais para acolher a pessoa que
passa por um abortamento completo.

Deve-se orientar, assim como na ameaça de abortamento, a pessoa a ficar atenta


aos sinais de alarme para infecção após o abortamento, como febre, dor pélvica e
corrimento fétido. Caso ocorram, oriente procurar uma urgência obstétrica para
que seja avaliada.

Abortamento de repetição
Quando a pessoa já teve três ou mais abortamentos consecutivos, isso é classifica-
do como abortamento de repetição, ou habitual. Tais casos devem ser encaminha-

67
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

dos para investigação. Para uma pessoa com desejo gestacional, a situação pode
ser motivo de muita frustração e preocupação e, portanto, demanda cuidado e
acolhimento empático da equipe multiprofissional.

Nos casos de abortamentos recorrentes sem causa, a suplementação com proges-


tágenos, medicamentos semelhantes ao hormônio sexual progesterona, pode dimi-
nuir os índices de abortamento nas gestações subsequentes (COCHRANE, 2019).

Abortamento incompleto
Quando a pessoa tem como queixas sangramento vaginal e cólicas, pode ser um caso
de abortamento incompleto. Nesse caso, são encontrados restos ovulares no exame
de ultrassom e no exame físico, e o colo do útero estará aberto ou fechado. Pode-
-se orientar a conduta expectante, medicamentosa ou cirúrgica, que veremos mais
adiante.

Abortamento retido
No abortamento retido, não há perda sanguínea e, ao exame físico, o colo do útero
está fechado.

Desconfie desse diagnóstico quando:

há regressão de sintomas
de gestação (como mastalgia
e náuseas);

quando não há compatibilidade


da idade gestacional com o
tamanho uterino;

ou se, ao ultrassom, não há


batimentos fetais com embrião
com mais de 7 milímetros;

ou saco gestacional maior


que 25 mm sem embrião.

Nesses casos, também pode-se orientar a conduta expectante, medicamentosa ou


cirúrgica, que veremos a seguir.

68
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Conduta expectante
A conduta expectante é uma possibilidade pouco oferecida em serviços de saúde,
mas indicada por respeitadas referências da área médica. Ela consiste no acompa-
nhamento ambulatorial até a eliminação completa do material ovular ou por admi-
nistração de medicamentos.
É científico!
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda conduta Saiba mais sobre
expectante por sete a quatorze dias após o abortamento ser diagnosticado por essas recomendações
visitando os sites
ultrassom. Já o American College of Obstetricians and Gynaecologists (ACOG) sugere do NICE e ACOG.
aguardar até oito semanas. Caso haja esvaziamento incompleto, deve-se oferecer
tratamento complementar medicamentoso ou cirúrgico (AMIU).
É científico!
A Cochrane publicou revisão sistemática em 2017 e concluiu que o tratamento médi-
Veja a revisão
co com misoprostol e os cuidados expectantes são alternativas aceitáveis à evacua- sistemática na
ção cirúrgica de rotina, dada a disponibilidade de recursos do serviço de saúde para Biblioteca Cochrane
na íntegra aqui.
apoiar qualquer uma das três abordagens (expectante, medicamentosa ou cirúrgica).

A conduta expectante pode aumentar a necessidade de esvaziamento cirúrgico


de urgência, com maior risco de sangramento volumoso quando comparada ao
procedimento de esvaziamento uterino cirúrgico. Por isso, deve ser indicada para
pacientes selecionadas, sem sinais de gravidade, a partir de decisão informada e
compartilhada com a pessoa (CHU et al., 2020).

Ao optar por conduta expectante (feita no domicílio da paciente), devem estar


claros os sinais de alarme para que a pessoa busque serviço de saúde rapidamente:
sangramento volumoso, febre ou corrimento vaginal fétido.

Diagnóstico
de aborto
Aborto retido

Aborto incompleto

Cuidado centrado na pessoa

69
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Conduta Manejo Manejo


expectante medicamentoso cirúrgico

Misoprostol
7/14 dias administrado via AMIU com
NICE vaginal, oral ou anestesia local
sublingual

8 semanas Quando disponível: Curetagem com


ACOG oferecer mifepristona anestesia geral

Incertezas Incertezas Incertezas

Dose, via de
Duração administração,
Melhor
da conduta quantidade e
via de anestesia
expectante periodicidade de
repetições

Você viu até aqui as situações de abortamento espontâneo com foco em evidências
científicas e comunicação em saúde. Agora, vamos aprender sobre os procedimen-
tos, que podem ser cirúrgicos ou medicamentosos. Acompanhe!

Aborto medicamentoso
Agora você verá quais os procedimentos medicamentosos utilizados em casos de
abortamento.

Abortamento medicamentoso
O aborto medicamentoso é realizado por meio da administração de fármacos,
podendo ser realizado no primeiro trimestre, e é método de escolha no segundo
trimestre, complementado por esvaziamento cirúrgico se necessário. As medi-
cações utilizadas no aborto medicamentoso são: a mifepristona e o misoprostol.
Vamos entender cada uma delas a seguir:

Mifepristona

A mifepristona é uma medicação com efeito hormonal que se liga a receptores de


progesterona inibindo sua ação e impedindo a continuidade da gestação.

70
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

É uma medicação que Contudo, em razão do


aumenta a taxa de sucesso estigma social e da
no tratamento de abortos criminalização do aborto,
retidos e incompletos e esse é um medicamento que
também na indução de não está registrado em vários
abortamentos. países, inclusive o Brasil.

Misoprostol

O misoprostol é um análogo de prostaglandina que promove contratilidade uteri-


na. Veja a seguir um pouco da história e das características desse medicamento:

Descoberto em 1973, foi registrado no Brasil em 1986


sob o nome comercial Cytotec para o tratamento de úlceras
1 gástricas e podia ser facilmente adquirido em farmácias
sem receita médica.

Rapidamente, passou a ser conhecido e amplamente


utilizado entre as mulheres brasileiras para indução de
2 abortamentos, pois o remédio provoca contrações uterinas
semelhantes a um abortamento espontâneo, levando ao
esvaziamento do útero gravídico, com sangramento e cólica.

Nos anos 1990, o misoprostol podia ser comprado em


farmácias mediante prescrição médica. Mas, em 1998, foi
classificado como substância sujeita a controle especial pela
3 Portaria n. 344/1998, sendo seu uso autorizado apenas para
hospitais previamente registrados e com necessária autorização
especial para a produção, importação e distribuição.

Atualmente, o misoprostol faz parte dos componentes da


farmácia básica na relação nacional de medicamentos
4 essenciais (RENAME), mas sua utilização segue restrita a
estabelecimentos de saúde autorizados, o que dificulta o
acesso para situações cotidianas da assistência à saúde.

71
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Foi pela observação do uso desse medicamento entre mulheres brasileiras que se
passou a pesquisar farmacologicamente seu efeito abortivo e, a partir dessas inves-
tigações, descobriram-se seus inúmeros outros usos em ginecologia e obstetrícia.

Indução de partos e abortamento.

Controle de hemorragia pós-parto.

Outros
usos:
Dilatação do colo uterino
antes de procedimentos como
histeroscopia e inserção de
dispositivo intrauterino (DIU).

Em alguns países, o abortamento medicamentoso pode ser realizado em serviço


de saúde ou em domicílio – este último é conhecido como autoaborto medica-
mentoso.

O abortamento nesse modelo amplia o acesso e aumenta a autonomia


no exercício de direitos sexuais e reprodutivos.

A situação de pandemia de Covid-19 ampliou essa realidade, que tem se mostra-


do mais do que uma opção provisória (ASSIS; LARREA, 2020). Em diversos luga-
res já estão estabelecidos protocolos para abortamento medicamentoso domi-
ciliar apoiado por orientações em telemedicina, como no Reino Unido, França,
Colômbia e na Austrália.

Além disso, o abortamento medicamentoso por telemedicina é indicado como


uma medida de autocuidado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e endos-
sado como uma intervenção permanente de saúde reprodutiva pela Federação
Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.

72
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

O aborto medicamentoso, tanto hospitalar quanto em domicílio, é muito eficaz,


seguro e muito bem aceito pelas pessoas. Dados internacionais mostram que entre
86% e 97% dos abortamentos com mifepristona e misoprostol são completos. É científico!

Conheça o estudo
Um estudo qualitativo feito na Suécia, nos anos de 2009 e 2010, avaliou a experi- Autonomy and
dependence – experiences
ência de casais que abortaram em domicílio e concluiu que essa possibilidade trou- of home abortion,
xe mais autonomia à saúde, possibilitou privacidade e controle da situação para contraception and
prevention para saber
poderem expressar sentimentos, além de permitir um atendimento respeitoso e mais sobre o assunto.
empático que compartilha informações e decisões com a paciente.

Hedqvist et al. (2016) concluíram que as informações sobre dor e sangramento


fornecidas nos serviços de saúde foram consideradas insuficientes pelas mulheres,
reforçando a necessidade de se fornecer informações adequadas, inclusive sobre
efeitos colaterais comuns e as condutas possíveis quando ocorrerem.

A revisão da Cochrane de 2014 avaliou a realização de abortos cirúrgicos ou medi-


camentosos por profissionais de saúde de nível superior não médicos e concluiu
que não havia diferença estatisticamente significativa no desfecho em abortamen-
tos realizados no primeiro trimestre.

73
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Outra revisão em 2020 demonstrou que é semelhante a eficácia do autoaborto


medicamentoso comparada ao provido por profissional de saúde (COCHRANE,
2020). Além disso, o uso de pílula abortiva reduz complicações de abortamento e a
mortalidade materna no mundo (SINGH, 2017).

É importante ressaltar que idealmente o abortamento medicamentoso


deve ser realizado com a associação dos dois medicamentos, mifepristona
e misoprostol, como indicado pela OMS. No entanto, a indisponibilidade
de mifepristona no Brasil faz com que se utilize apenas o misoprostol.

Protocolo para uso de misoprostol

A posologia recomendada na Norma Técnica Atenção Humanizada ao Abortamen-


to para o uso de misoprostol no abortamento de primeiro trimestre é a seguinte:

Taxa de abortamento em
800 mcg cerca de 96,5% a 99,2%
com mifepristona.
(ou seja, 4 comprimidos
de 200 mcg) a cada
3 horas, em 3 repetições
(no total 2.400 mcg)
em gestação com Cerca de 90%
até 12 semanas. sem mifepristona.

Se não ocorrer o abortamento em até 72 horas, o procedimento poderá ser repe-


tido, nas mesmas doses, por até uma semana do início do tratamento. Nos casos
de insucesso a AMIU ou a curetagem uterina (apenas se não for possível realizar a
AMIU) são métodos aceitáveis de tratamento.

No segundo trimestre é preconizado realizar medicação durante internação, na


dose de 200 mcg de misoprostol a cada 12 horas por via vaginal (durante 48 horas).
Repete-se o ciclo de tratamento em intervalos de três a cinco dias, respeitando-se
o máximo de cinco repetições, até provocar o abortamento ou até que a pessoa
apoiada por profissional de saúde decida passar a outras abordagens.

No caso de gestações com mais de 24 semanas, é necessário reduzir a dose de miso-


prostol devido à maior sensibilidade do útero as prostaglandinas, porém a falta de
estudos clínicos impede realizar recomendações específicas de posologia (OMS).

74
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

A medicação pode ser utilizada via vaginal, sublingual ou bucal. Se administrada via
sublingual, o intervalo precisa ser curto (de três em três horas) e os efeitos colaterais
tendem a aumentar. Pela via vaginal, pode-se utilizar intervalos de três ou de 12 horas.

Vaginal

É a via preferencial: mais efetiva que a via oral e com menos


1 efeitos colaterais que a via sublingual. O comprimido demora
até quatro horas para se dissolver na vagina, e pode deixar
vestígios. Indica-se colocar os quatro comprimidos no fundo
da vagina e permanecer deitada por 30 minutos.

Bucal

Maior incidência de colaterais como calafrios, febre, vômitos


2 e diarreia em comparação à via vaginal. Indica-se colocar os
dois comprimidos de cada lado da boca, entre a gengiva
inferior e a bochecha (quatro comprimidos no total) e engolir
os resíduos após 30 minutos.

Sublingual

Início de ação mais rápido, porém, também apresenta maior


incidência de efeitos colaterais como calafrios, febre,
vômitos e diarreia em comparação à via vaginal. Alternativa
para mulheres que apresentem grande dificuldade ou
intolerância ao manejo próprio da via vaginal, situação não
3 rara entre adolescentes e mulheres jovens que sofreram
violência sexual antes da primeira relação sexual consentida.
Pode ser aplicado em gestantes portadoras de deficiência
mental que não permitam ou que não colaborem com o
emprego da via vaginal. Indica-se colocar os comprimidos
abaixo da língua, dois de cada lado da boca (quatro
comprimidos no total) e engolir os resíduos após 30 minutos.

Fonte: Prevenção e Tratamento dos agravos resultantes da


violência sexual contra mulheres e adolescentes (MS, 2012).

75
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Para o procedimento de aborto medicamentoso, não parece haver diferença de


eficácia nos diversos regimes de uso de misoprostol para um abortamento incom-
pleto, mas há dúvida em relação à melhor via de administração: vaginal ou sublingual.

Contudo, diante da ilegalidade do aborto induzido no Brasil, a via sublingual


oferece menos riscos do ponto de vista jurídico caso o abortamento ocorra fora
do sistema de saúde e das situações autorizadas pelo Código Penal. Por isso, uma
medida importante de redução de danos é a disseminação da informação de que
o uso do misoprostol fora das situações autorizadas por lei deve se dar pela via
bucal ou sublingual, para evitar a produção de vestígios que podem ser utilizados
em processos de criminalização.

Está claro, porém, o efeito aditivo de eficácia na expulsão de saco gestacional em


24 horas com o uso de mifepristona (200 mg via oral), previamente ao uso de miso-
prostol (800 mcg vaginal), quando comparado ao uso de misoprostol (800 mcg
vaginal) isolado.

As organizações NICE e ACOG recomendam a dose de 800 mcg de misoprostol


vaginal para aborto retido e repetição de 600 ou 800 mcg se aborto incompleto.

Vídeo com especialista


Para saber mais sobre o abortamento medicamentoso acesse o ambiente
virtual e assista ao vídeo com a médica de família e comunidade Carla Marques.

Para as outras situações em que se indica o uso de misoprostol são recomendadas


as doses a seguir:

MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017

< 13 semanas 13–26 semanas > 26 semanas


Uso pós-parto
de gestação de gestação de gestação8

Interrupção Interrupção da Interrupção da Profilaxia da


da gravidez1 gravidez1,5,6 gravidez1,5,9 hemorragia
pós-parto (HPP)2,10
800 μg VSl 13–24 semanas: 27–28 semanas:
a cada 3 horas 400 μg VV*/VSl/VB 200 μg VV*/VSl/VB 600 μg VO (x1)
a cada 3 horas a cada 4 horas
ou VV*/VB ou prevenção
a cada 3–12 horas 25–26 semanas: > 28 semanas: secundária da HPP11
(2–3 doses) 200 μg VV*/VSl/VB 100 μg VV*/VSl/VB (perda de sangue
a cada 4 horas a cada 6 horas aprox. ≥ 350 ml)
800μg VSl (x1)

76
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017

< 13 semanas 13–26 semanas > 26 semanas


Uso pós-parto
de gestação de gestação de gestação8

Aborto retido2 Morte fetal1,5,6 Morte fetal2,9 Tratamento


da HPP2,10
800 μg VV* 200 μg VV*/VSl/VB 27–28 semanas:
a cada 3 horas (x2) a cada 4–6 horas 100 μg VV*/VSl/VB 800 μg VSl (x1)
a cada 4 horas
ou 600 μg VSl
a cada 3 horas (x2) > 28 semanas:
25 μg VV* a cada
6 horas ou 25 μg VO
a cada 2 horas
Aborto Aborto Indução do parto2,9
incompleto2,3,4 inevitável2,3,5,6,7
25 μg VV*
600 μg VO (x1) 200 μg VV*/VSl/VB a cada 6 horas
a cada 6 horas
ou 400 μg VSl (x1) ou 25 μg VO
a cada 2 horas
ou 400–800 μg
VV* (x1)
Preparação cervical Preparação cervical
para aborto para aborto
cirúrgico cirúrgico

400 μg VSl 13-19 semanas:


1 hora antes 400 μg VV 3–4
do procedimento horas antes do
procedimento
ou VV*
3 horas antes > 19 semanas: tem
do procedimento que ser combinado
com outras
modalidades

Notas:
1
Se a mifepristona estiver disponível (preferencial),
siga o regime posológico prescrito para mifepristona + misoprostol.
2
Incluído na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS.
3
No caso de aborto incompleto/inevitável, a mulher deve receber tratamento com base em seu
tamanho uterino e não na idade gestacional determinada por data da última menstruação (DUM).
4
Deixar surtir efeito durante uma ou duas semanas exceto no caso de hemorragia excessiva ou infeção.
5
Pode ser administrada uma dose adicional caso a placenta não tenha sido expelida
30 minutos após a expulsão fetal.
6
Vários estudos limitaram a dosagem a cinco doses; a maioria das mulheres apresentou expulsão
total antes da utilização das cinco doses, mas outros estudos continuaram para além das cinco doses
e obtiveram uma taxa de sucesso total superior sem problemas de segurança.
7
Incluindo rotura das membranas quando parto for indicado.
8
Seguir o protocolo local no caso de cesárea prévia ou cicatriz uterina transmural.
9
Se apenas estiverem disponíveis comprimidos de 200 μg, podem ser preparadas doses inferiores
dissolvendo-os em água (ver www.misoprostol.org).
10
Se não estiver disponível oxitocina ou se as condições de conservação forem inadequadas.
11
Opção para programas comunitários.

77
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017

< 13 semanas 13–26 semanas > 26 semanas


Uso pós-parto
de gestação de gestação de gestação8

Via de administração:
VV: via vaginal
VSl: sublingual (por baixo da língua)
VO: oral
VB: bucal (entre a bochecha)

* Evitar VV (via vaginal) no caso de hemorragia e/ou sinais de infeção.


A via retal não está incluída como via recomendada pelo fato de o
perfil farmacocinético não estar associado à melhor eficácia por essa via.

Fonte: Misoprostol: Regimes recomendados (FIGO, 2017).

Você conheceu até agora as evidências científicas no acolhimento às diversas


formas de abortamento espontâneo e no abortamento medicamentoso. Também
viu as diferentes dosagens e usos do misoprostol. Veja a seguir efeitos colaterais do
uso da medicação e o que orientar caso ocorram.

Cuidados em saúde

Informe a pessoa que usou esse medicamento


dos possíveis efeitos colaterais associados ao seu uso:

• Náuseas: recomende o uso de antieméticos.


• Dor: pode-se aplicar uma bolsa de água quente na região do baixo ventre e
associar o uso de anti-inflamatórios como ibuprofeno e analgésicos como
Processo
paracetamol e dipirona. Não é recomendado o uso de AAS. autolimitado
• Diarreia: tranquilize a paciente e oriente que é um processo autolimitado;
Efeito esperado e que
ofereça também hidratação via oral. tem duração associada
• Febre: pode acontecer por no máximo 24 horas após o uso da medicação. ao uso da medicação,
que não se prolongará
Se ocorrer mais que esse tempo, seja por procedimento cirúrgico ou medi- nem precisará de
camentoso, pode haver o risco de infecção, assim oriente a pessoa a procu- medicamentos para
melhorar.
rar um profissional de saúde para ser avaliada.

Na próxima aula deste curso, você verá quais são os cuidados antes e após o abor-
tamento. Antes disso, veja quais são os sinais de recuperação normal.

Recuperação normal

Você deve orientar a pessoa que passa por um abortamento medicamentoso sobre
o que é normal ou não na sua recuperação. Estar acompanhada por alguém e avaliar
a quantidade de sangramento são boas recomendações.

78
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

É normal que ocorram cólica e sangramento de seis a 12 horas após o uso de


medicação. A cólica pode ser aliviada com analgésicos leves e o sangramento não
deve exceder o da menstruação normal. Uma nova menstruação pode ocorrer
dentro das quatro a oito semanas seguintes.

Em pacientes que têm alteração de coagulação, cardiopatia grave ou estão em uso


de anticoagulante é indicado individualizar a conduta, pelo risco de complicações.

No abortamento ocorrido no segundo trimestre, além das condições anteriores


são incluídas as mulheres com cicatriz uterina prévia. Para esses casos, pode-se
preferir a dilatação seguida de esvaziamento uterino.

Quando realizado de forma adequada, os riscos de um aborto


medicamentoso são mínimos e o risco de morte é insignificante, segundo dados
as Organização Mundial da Saúde. Além disso, a taxa de complicações
é baixíssima, sendo a maioria eventos leves.

Possíveis complicações

Mesmo com risco mínimo, algumas complicações podem ocorrer. Veja quais são elas:

Aborto incompleto – sintomas de sangramento, dor


abdominal ou saída de tecido pelo colo uterino/vagina –
1 pode ser tratado com aspiração ou com conduta expectante
desde que a paciente esteja estável e seja sua vontade
evitar procedimento cirúrgico.

Hemorragia – o sangramento vaginal diminui gradualmente


após duas semanas de um aborto medicamentoso, mas em
alguns casos pode persistir sangramento leve e spotting por
2 até 45 dias, sangramento raramente forte o suficiente para
se constituir em uma emergência. A paciente deve ser
tranquilizada sobre as características que devem levá-la
a procurar atendimento breve.

Perfuração uterina – risco muito baixo e no geral não 79


necessita de abordagem cirúrgica. Suspeitando-se de sua
3
tranquilizada sobre as características que devem levá-la
a procurar
Ampara. Acolhimento atendimento
de pessoas breve. e pós-aborto
em situação de abortamento Aula 3. Abortamento e evidências científicas

Perfuração uterina – risco muito baixo e no geral não Spotting

necessita de abordagem cirúrgica. Suspeitando-se de sua


3
Leve sangramento
vaginal que ocorre fora
ocorrência deve-se iniciar antibioticoterapia e avaliar sinais do período menstrual.
vitais, podendo ser necessária avaliação laparoscópica. Metanálise
Tipo de estudo que
agrupa diferentes
estudos e faz uma
análise estatística para
Ruptura uterina – maior risco associado a cicatriz uterina chegar a resultados
mais confiáveis.
prévia e aumento de idade gestacional. Uma metanálise
revelou que o risco de ruptura uterina nas mulheres já
4 com um parto anterior por cesariana, submetidas a um
abortamento induzido por misoprostol durante o
segundo trimestre, era de 0,28 %.

É importante ressaltar que, como qualquer atendimento em saúde, profissionais


precisam se manter atualizados(as) nos protocolos, ter boas práticas em comunica-
ção e desempenhar o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP).

O misoprostol, desde sua inclusão em 1998, segue até hoje em uma lista de
substâncias sujeitas a controle especial da ANVISA, o que cria dificuldades
de acesso até pelos hospitais. Nessa mesma lista há medicamentos
comprovadamente com efeitos mais inseguros se auto -geridos, como o
haloperidol e a morfina. No entanto, esses podem ser adquiridos em farmácia com
prescrição médica. O misoprostol, por outro lado, não está disponível para compra
em farmácias.

Até hoje, há apenas um registro, de que temos conhecimento, de intoxicação grave


por misoprostol. Por que manter tamanha vigilância sobre um medicamento que
comprovadamente aumenta o acesso ao aborto seguro?

Abortamento e profissionais de saúde


É científico!
Vamos refletir nesse momento sobre como o abortamento é visto por profissionais
Leia os estudos
de saúde.
Knowledge of medical
abortion among Brazilian
Um estudo realizado com estudantes de medicina de três universidades paulistas medical students e
Making a case for
avaliou o conhecimento em abortamento medicamentoso por meio da aplicação abortion curriculum
de um questionário. Quase a totalidade de estudantes do último ano conhecia o reform.

80
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas

uso de misoprostol, mas apenas 20% apresentaram conhecimento satisfatório. Os


resultados são similares em outro estudo canadense.

Outro estudo, chamado “Quanto mais perto você está, melhor você entende: a É científico!
reação dos ginecologistas-obstetras brasileiros à gravidez indesejada”, demons- Conheça na íntegra
trou que profissionais de saúde aceitaram duas vezes mais que o abortamento era o artigo The Closer
You Are, the Better You
necessário quando a gravidez indesejada era deles ou de suas parcerias do que Understand: The Reaction
quando era de uma paciente. of Brazilian Obstetrician—
Gynaecologists to
Unwanted Pregnancy.
Esse estudo nos mostra, portanto, que o vínculo e a relação de proximidade aumen-
tam a nossa empatia com a situação vivida por outras pessoas. Quanto mais nos
aproximamos do tema, maior é a nossa capacidade de ter empatia.

Ponto de reflexão

E você, qual o seu conhecimento sobre o tema? Como se sente em relação a


situações de aborto enfrentados por outras pessoas? Conhece alguém que já
teve um aborto? Ou já passou você mesma por um abortamento? Acha que
isso muda sua percepção sobre o tema? Você já parou para refletir se as suas
convicções pessoais afetam sua atuação profissional?

Nesta aula, você viu a importância do adequado acolhimento à pessoa que aborta
com base em evidências científicas e as indicações de procedimento medicamen-
toso. Na próxima aula você continuará estudando sobre o acolhimento das pessoas
em situação de abortamento e pós-aborto, além de entender sobre o procedimen-
to cirúrgico. Siga em frente!

81
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Aula 4
Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

• Saiba como realizar os procedimentos de abortamento cirúrgico.

• Reconheça a importância de desencorajar métodos de abor-


tamento inseguro.

• Conheça as evidências científicas sobre exames e procedi-


mentos recomendados antes e depois de um abortamento.

• Identifique os principais cuidados e sinais de alarme a serem


orientados quando uma pessoa passa por um abortamento.

Procedimentos cirúrgicos
Os métodos de esvaziamento cirúrgico incluem curetagem e aspiração manual
intrauterina (AMIU), com anestesia local ou geral. Em ambos os procedimentos, o
objetivo é alcançar o esvaziamento uterino completo.

Você verá a seguir os detalhes de cada um dos métodos.

Curetagem uterina
Apesar de ser um procedimento arcaico, datado de 1843, a curetagem uterina
continua sendo amplamente oferecida como principal opção terapêutica para
abortos retidos e incompletos no Brasil.

A curetagem é um método ultrapassado e não indicado pela Organização


Mundial de Saúde, pois, apesar de serem raras as complicações, elas podem
ser graves, como sangramento, infecção e perfuração uterina. Trata-se de
um método invasivo, antiquado, muito doloroso e que deve ser substituído
pelo AMIU ou pelo procedimento medicamentoso.

82
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

A curetagem é realizada após a dilatação do colo uterino com misoprostol ou dila-


tadores (dilatadores de Denniston ou Velas de Hegar). Usa-se um instrumento que
se assemelha a uma colher com face cortante para raspagem do conteúdo intraute-
rino. Por ser um instrumento de material rígido, há maior risco de perfuração quan-
do comparado ao AMIU.

O método de aspiração é preferível à curetagem, pois apresenta menores taxas de infec-


ção e sangramento, além de proporcionar recuperação mais rápida e menos dolorosa.

As chances de complicações graves são 3 vezes maiores na curetagem do que na


AMIU. Um ensaio clínico randomizado demonstrou que, em casos de gravidez
com até 10 semanas, a aspiração não apenas é mais fácil e rápida, mas também
gera menor perda sanguínea (OMS, 2012).

Segundo a OMS (2012), nos lugares em que a curetagem ainda é praticada ela deve ser
substituída por AMIU, porém, apesar dos pontos negativos e da recomendação contrária
da OMS, a curetagem pós-abortamento é ainda o segundo procedimento obstétrico mais
realizado na rede pública de serviços de saúde, superada apenas pelos partos normais.

Esse uso pode ser explicado pelo baixo custo e pelo exercício do poder médico discipli-
nador, ou seja, a curetagem é utilizada como forma de punição às pessoas que abortam.

Aspiração manual intrauterina (AMIU)


O esvaziamento cirúrgico por meio de aspiração manual intrauterina é o método
Hipovolemia
de escolha, exceto nas situações em que a paciente esteja clinicamente instável, ou
Diminuição de volume
seja, com sangramento muito volumoso ou sinais de hipovolemia. líquido corporal
(plasma sanguíneo),
causando sintomas
A AMIU é um procedimento em que cânulas de diferentes diâmetros são inseridas como fraqueza,
no colo do útero acopladas a uma seringa, fazendo um vácuo manual ou mecânico tontura e sensação de
desmaio, além de sinais
para se realizar a aspiração. como hipotensão e
taquicardia.
A aspiração manual intrauterina (AMIU) é o procedimento de escolha pela Fede-
ração Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO). A taxa de abortamento
completo é de 95 a 100%, segundo a OMS (2012).

Dependendo da idade gestacional, o abortamento mediante aspiração a vácuo leva


de três a dez minutos e pode ser feito de maneira ambulatorial, utilizando analgési-
cos e anestesia local.

Apesar disso, a maioria dos serviços no Brasil faz esse procedimento sob sedação
anestésica em ambiente hospitalar, mesmo que a OMS não o recomende, “Não se
recomenda a anestesia geral em forma de rotina para o abortamento por aspiração
a vácuo ou para dilatação e evacuação” (OMS, 2013, p. 6).

83
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Veja a seguir um quadro comparativo entre os dois procedimentos.

Comparação: AMIU x Curetagem

AMIU CURETAGEM

Eficácia no esvaziamento Altamente eficaz Altamente eficaz

Complicações Menores taxas Maiores taxas

Dilatação cervical Ocasionalmente Frequentemente

Controle da dor Menor Maior

Uso das instalações Sala de procedimentos Centro cirúrgico

Permanência hospitalar Menor Pernoite

Fonte: Portal de boas práticas – Fundação Oswaldo Cruz (MS, 2018).

É importante destacar que a AMIU é um procedimento muito seguro. Mas, mesmo


sendo raras, podem ocorrer complicações: infecção pélvica, sangramento excessi-
vo, laceração cervical, evacuação incompleta, perfuração do útero, complicações
Fique por dentro
anestésicas e continuação da gravidez.
Conheça este estudo
Complicações do
Um estudo de 170.000 abortamentos durante o primeiro trimestre de gravidez aborto no primeiro
avaliou em Nova York que mediante aspiração a vácuo menos de 0,1% das mulhe- trimestre: um
relatório de 170.000
res experimentaram complicações com necessidade de hospitalização (HAKIM- casos na íntegra.
ELAHI; TOVELL; BURNHILL, 1990).

Em revisão sistemática da Cochrane (1990) também se concluiu que eventos adver-


sos são muito raros.

Vídeo com especialista


Agora vá ao Ambiente Virtual e assista a um vídeo com a especialista Dra.
Halana Faria para compreender melhor como é a utilização do método AMIU.

Neste início de aula, você estudou os métodos cirúrgicos de esvaziamento uterino


em situação de aborto: AMIU e curetagem. A seguir verá como se realiza o preparo
do colo do útero para esses procedimentos.

84
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Preparação para os procedimentos cirúrgicos


Para ambos os procedimentos, curetagem e AMIU, há indicação de preparo do colo
do útero com medicamentos e a dosagem depende da idade gestacional.

Primeiro Após
trimestre 14 semanas

Recomenda-se qualquer desses métodos Os métodos


de preparação do colo uterino antes de recomendados
um abortamento cirúrgico durante para a preparação do
o primeiro trimestre: colo uterino antes da
dilatação e evacuação
(D&E) depois das
ou 14 semanas de
400 µg 400 µg gestação são
de misoprostol de misoprostol os dilatadores
administrado por administrado osmóticos ou
via sublingual, de por via vaginal, o misoprostol.
2 a 3 horas antes 3 horas antes do
do procedimento; procedimento.

Pela necessidade de preparar o colo uterino (que significa proporcionar uma aber-
tura para a passagem de AMIU ou cureta), muitas vezes há um prolongamento
desnecessário do tempo de internação e também de espera pelo procedimento de
esvaziamento uterino.

Alguns hospitais têm protocolos de preparo uterino com múltiplas doses de miso-
prostol, o que não é recomendado pelo Ministério da Saúde ou pela FIGO, confor-
me apresentado anteriormente.

Você, profissional de saúde, deve prestar especial atenção a essas


recomendações, pois, além de não terem respaldo científico, as múltiplas doses
de misoprostol e o tempo de espera e internação ferem a dignidade da pessoa
em situação de abortamento.

85
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

A Norma Técnica do Ministério da Saúde de 2014, relacionada à prevenção e trata-


mento dos agravos resultantes da violência sexual, indica de 20 a 22 semanas como
limite de idade gestacional para o abortamento previsto em lei.

Contudo, esse limite é motivo de críticas, pois não está estabelecido em lei e
restringe o direito das meninas e mulheres mais vulneráveis, que por vezes desco-
brem tardiamente a gestação e encontram diversas barreiras de acesso ao serviço.
É importante destacar aqui que os procedimentos para gestações com mais de 21
semanas devem ser realizados por profissional devidamente treinado com obser-
vação contínua por ultrassom.

O protocolo do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (2010) orienta


a administração de cloreto de potássio intracardíaco (KCl) para garantir assisto-
lia fetal. Após a aspiração de sangue fetal, para confirmar a colocação correta da
agulha, 2 a 3 ml de KCl a 15% são injetados no ventrículo cardíaco fetal. É científico!

Leia o texto integral


Pode ser necessário repetir a injeção se não ocorrer assistolia após 30 a 60 segun- do protocolo da Royal
College of Obstetricians
dos, que deve ser documentada por pelo menos dois minutos e uma varredura and Gynaecologists.
repetida após 30 a 60 minutos para garantir a morte fetal.

86
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Pode-se ainda realizar a injeção intra-amniótica ou intrafetal de digoxina, sendo


um procedimento mais fácil em comparação ao anterior, porém, com maior taxa de
falha e maiores chances de complicações maternas (OMS).

Agora chegou a hora de você aplicar o que aprendeu fazendo a atividade a seguir.

Teste seus conhecimentos

Veja o quadro a seguir e escreva nas respectivas colunas os benefícios


e os riscos de cada um dos métodos de abortamento apresentados.

Métodos Benefícios Riscos

Curetagem

AMIU

Medicamentoso com
mifepristona e misoprostol

Medicamentoso como
misoprostol apenas

Expectante

Você conheceu os procedimentos cirúrgicos. A seguir refletirá sobre os direitos de


escolha dos procedimentos pela pessoa sob cuidados.

Escolha do procedimento
A escolha do tratamento depende de preferências individuais, situação clínica, dispo-
nibilidade de métodos e treinamento da equipe. Lembre-se do Método Clínico Centra-
do na Pessoa (MCCP), que você viu na aula passada, e aplique-o nessas situações!

87
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

É necessário que você e toda a equipe tenham o cuidado de fornecer a paciente


as informações detalhadas e consistentes sobre cada opção de manejo e o tempo
para resolução do quadro. Só assim a pessoa terá condições de fazer uma escolha
consciente do procedimento a que vai se submeter.

Algumas pessoas talvez


desejem a resolução imediata
da situação, outras talvez se
preocupem com os riscos de
um procedimento cirúrgico
ou medicamentoso.

Para algumas o fato


de experimentar dor e
sangramento talvez faça
parte do processo de entender
o abortamento e o processo
de luto.

Escolha do
Outras ainda talvez
tratamento
desejem uma resolução rápida,
mas queiram evitar cirurgia,
e para essas talvez o manejo
medicamentoso seja a
melhor opção.

As pacientes devem ser


adequadamente esclarecidas
sobre os riscos de cada uma das
opções para que possam tomar
uma decisão informada
(CHU, 2020).

Passar por uma situação de abortamento pode demandar que a pessoa tenha
algum tempo para considerar suas opções e talvez se beneficie de orientações por
escrito para poder pesquisar e então expressar sua vontade.

Se ela demonstrar preocupação sobre uma futura gravidez, explique que o proce-
dimento muito raramente pode afetar as chances de uma futura gestação e que ela
poderá voltar a tentar engravidar assim que tiver se recuperado e que assim o deseje.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Segundo dados de um estudo feito por Kim et al. em 2017, não há diferença impor-
tante na fertilidade subsequente, satisfação ou bem-estar psicológico entre as
pessoas que se submetem aos diferentes procedimentos de aborto medicamento-
so, cirúrgico ou conduta expectante.

A pessoa em situação de abortamento tem direito à informação


detalhada para poder decidir junto com a equipe de saúde
a que procedimento será submetida.

Infelizmente, a possibilidade de escolha entre os métodos não é a realidade da


vasta maioria dos serviços obstétricos no Brasil, seja pela carência de tecnologias
adequadas e baseadas em evidências – como a ausência de mifepristona ou de
equipamento para a aspiração manual intrauterina – , seja pela falta de treinamen-
to no seu uso ou pelo desconhecimento do conceito de decisão compartilhada.

Ponto de reflexão

Quais as opções de tratamento para situações de abortamento disponíveis


nos serviços de saúde em que você realiza o seu estágio e/ou trabalha?

Nem sempre o tipo de procedimento poderá ser escolhido pela pessoa, mas é extre-
mamente importante ouvi-la e incluí-la no planejamento de seu próprio cuidado.
Como profissional de saúde, também é importante preparar-se para prestar as
informações necessárias e adequadas nesses casos.

O que toda pessoa em situação


de abortamento tem direito de saber
Você observou anteriormente que abortamentos espontâneos precoces podem ser
tratados de forma expectante, medicamentosa ou por meio de esvaziamento cirúrgico.

A cartilha da OMS destaca os pontos que precisam ser discutidos e informados a


todas as pessoas que passarão por um abortamento. Veja quais são:

89
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

O que toda pessoa em situação


de abortamento deve saber

O que será feito


durante e após o
procedimento.

O que é provável
Cuidados e que sinta (por
acompanhamento. exemplo cólicas de
tipo menstrual, dor
e sangramento).

Quando ela estará


em condições de
reassumir suas A duração do
atividades procedimento.
normais, incluindo
relações sexuais.

Riscos e Que tipo de


complicações tratamento para
associados a alívio da dor
cada método de estará disponível
abortamento. para ela.

Essas são as referências mínimas a serem informadas, de responsabilidade de


toda a equipe de saúde, avaliando, por meio da linguagem verbal e não verbal,
como comunicar de maneira organizada e que seja compreendida pela pessoa em
ambiente sigiloso.

Aborto séptico
Diante dos dados discutidos nas aulas anteriores, você já sabe que o abortamento
inseguro está entre as mais frequentes causas de morte materna e que o atendi-
mento digno e humanizado reduz complicações tardias e graves.

Você conhecerá agora alguns casos reais decorrentes de abortos inseguros.


Veja as manchetes a seguir:

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

PERDA

Grávida morre após pagar R$ 800 por aborto clandestino no Sul do ES


Caso aconteceu em Bom Jesus do Norte, no extremo Sul do Espírito Santo.

Confira aqui >

GRANDE MINAS

Grávida de 5 meses morre após fazer aborto e suspeitas de realizar


procedimento são detidas
Segundo a polícia, vítima tomou medicamentos em uma casa no Bairro Interlagos,
em Montes Claros; ela teria pago R$ 300 para fazer o aborto.

Confira aqui >

PESQUISA

Aborto mata 275 vezes mais onde é proibido


A cada 100 mil abortos, há 330 mortes nas regiões em desenvolvimento;
índice cai para 1,2 em países desenvolvidos.

Confira aqui >

Nessas manchetes encontramos um fator comum às vítimas fatais: o abortamento


inseguro e infectado. O abortamento séptico, ou infectado, é resultado da manipu-
lação da cavidade uterina com objetos. Ele é comum nas situações de abortamen-
to provocado de modo inseguro que, como você viu na primeira aula, tem relação
direta com legislações restritivas.

Por outro lado, as possíveis complicações relacionadas a um aborto se referem em


especial ao aborto inseguro. Segundo um estudo de 2012, que analisou a morbida-
de e mortalidade nos Estados Unidos comparando partos e abortos entre 1998 e

91
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

2005, 8,8 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos e 0,6 mortes maternas por
100 mil abortos. Isso mostra que um parto pode ser até 14 vezes mais arriscado
que um aborto seguro (GITHENS, 1996).

As manipulações inadequadas da cavidade uterina representam risco grave à saúde


e à vida, e os sinais e sintomas mais comuns são:

Febre Corrimento Dor


fétido abdominal

No exame físico, pode-se observar saída de pus pelo orifício cervical e dor ao toque
vaginal.

Podem ser necessários exames complementares laboratoriais e de imagem, e devem


ser realizadas medidas de suporte hemodinâmico e antibioticoterapia brevemente.

Sendo necessário o esvaziamento uterino nesses casos, o uso do AMIU


é indicado, porque traz menos riscos de complicações. A equipe deve
ter cuidados redobrados pelo risco de perfuração uterina.

Em casos graves, pode ser necessária a realização de laparotomia exploratória de


Laparotomia
emergência. Perfuração do útero, hemorragia, lesão visceral, infecção generaliza- exploratória
da e choque séptico após abortamento inseguro podem levar à morte em caso de Cirurgia realizada
atraso na adoção do tratamento médico adequado, como você pôde ver nas histó- sob anestesia geral
com incisão na região
rias de mulheres reais apresentadas. abdominal para
investigar lesões em
órgão abdominal ou
A seguir sugerimos alguns filmes para que você reflita sobre o impacto do aborta- pélvico.
mento inseguro na vida das pessoas e suas implicações na sua prática profissional
e na saúde pública:

92
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

• Never, rarely, sometimes, always – É científico!


nunca, raramente, às vezes, sempre (EUA/Reino Unido, 2020) Leia o artigo
• Meu corpo, minha vida (Brasil, 2017) Vulnerabilidade na
adolescência: um
• Clandestinas (Brasil, 2014)
relato de caso de
• Vessel (EUA, 2014) tentativa de aborto e
• À margem do corpo (Brasil, 2012) violência sexual, sobre
uma adolescente com
• Uma vida severina (Brasil, 2010)
quadro de abortamento
• O aborto dos outros (Brasil, 2008) séptico e suas
• O fim do silêncio sobre o aborto (Brasil, 2008) consequências.
• The abortion diaries – diários do aborto (EUA, 2005)
• O segredo de Vera Drake (Inglaterra, 2004)
• Quando o aborto era ilegal (EUA, 1992)

Teste seus conhecimentos

Uma paciente de 20 anos chega ao serviço de saúde vítima de violência sexual


e com uma gravidez indesejada de seis semanas.

Ela fez profilaxia para infecções sexualmente transmissíveis no dia do atendimento


após o evento, mas não estava segura sobre a interrupção da gestação.

Passadas duas semanas, ela refletiu e decidiu


pelo abortamento. Não apresenta alterações no exame físico.

Qual método ela poderá utilizar?

( ) AMIU.
( ) Curetagem.
( ) Aborto medicamentoso.

Feedback Positivo: Se você respondeu que os métodos podem ser medicamen-


toso ou AMIU, você acertou!

Feedback negativo: Se você pensou na possibilidade de realização de uma


curetagem, vale a pena retornar ao início da aula e relê-la, porque esse método
não é indicado pela OMS.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

A seguir, você verá os cuidados que deve ter com a paciente antes, durante e depois
do abortamento, começando pelos cuidados antes do procedimento. Vamos lá!

Cuidados pré-abortamento
O Manual de Abortamento Seguro da OMS e a Norma Técnica do Ministério da
Saúde indicam os exames que a equipe de saúde deve realizar antes do procedi-
mento. Esse é um importante ponto para que não se atrase o atendimento com a
solicitação de exames desnecessários e sem comprovação científica.

Leia a seguir cada um dos exames e as orientações para a realização do procedimento.

Ultrassom
Não é essencial realizar uma ultrassonografia previamente ao abortamento, mas se
houver disponibilidade, esse é um recurso que auxilia na identificação de aborta-
Gestação
mento retido, incompleto ou uma gestação anembrionada. anembrionada
Gestação na
O ultrassom também pode afastar a possibilidade de uma gravidez ectópica, apesar qual, embora haja
fecundação de
de haver sintomas clínicos que levam à suspeição desse tipo de gestação, como dor óvulo, durante o
e sangramento. desenvolvimento
não há formação de
embrião, sendo visível
É comum o relato de mulheres que se sentem vulneráveis ao realizar esse exame, ao ultrassom apenas o
saco gestacional.
seja pela reação da pessoa que examina, seja pelo impacto psicológico de presen-
ciar a viabilidade de uma gestação indesejada naquele momento.

Cuidados em saúde

É importante, portanto, que em serviço de abortamento previsto em lei e no


serviço de radiologia, quem vai realizar a ultrassonografia tenha atenção à
necessidade de proteger a pessoa que aborta, silenciando o doppler para que ela
não sofra o impacto da ausculta de batimentos fetais. Também é fundamental
que não sejam feitas perguntas ou comentários que causem constrangimento.

Profilaxia antibiótica
Todas as pessoas que se submeterem a um abortamento cirúrgico, independente-
mente do risco de doença inflamatória pélvica, devem receber profilaxia antibióti-
ca antes ou durante a cirurgia.

No caso de um abortamento farmacológico, não se recomenda o uso de profilaxia


antibiótica rotineira.

94
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Controle da dor
É importante que você ou alguém da equipe ofereça medicamentos, como anti-in-
flamatórios não esteroides para aliviar a dor como parte da rotina.

Situações emocionais difíceis influenciam a percepção da dor que as pessoas têm


e podem dificultar seus cuidados, exigindo de você, profissional de saúde, atitudes
amigáveis e tranquilizadoras.

A intensidade da dor é influenciada por:

Idade Idade Dilatação


da gestação da pessoa cervical

Pelo possível medo em relação ao procedimento


proposto e sua compreensão em relação ao abortamento.

Na maior parte dos procedimentos, é suficiente o uso de analgésicos não narcóti-


cos, como anestesia paracervical e/ou sedação. Algumas pessoas precisam receber
drogas tranquilizantes, como diazepam ou midazolam, quando a ansiedade passa a
ser componente prejudicial ao atendimento.

A anestesia local ou bloqueio paracervical é realizado utilizando-se lidocaína a


1%, sem vasoconstritor, injetando-se lentamente o anestésico na metade poste-
rior do colo uterino (transição cérvice com a mucosa vaginal), às 5 e 7 horas, com
agulha fina (calibre 23 ou de insulina), a uma profundidade de 3 a 5 mm, na quan-
tidade de 3 a 8 ml em cada ponto, tendo o cuidado de evitar a injeção intravenosa
do anestésico.

A anestesia geral pode ser empregada em casos selecionados ou quando essa for a
opção da pessoa, que deve estar ciente dos riscos, dos aumentos dos custos e caso
se apliquem na permanência mais prolongada no hospital.

Exames laboratoriais
Os testes laboratoriais de rotina não constituem um pré-requisito para os servi-
ços relacionados ao abortamento quando não há suspeição de complicações, como
instabilidade hemodinâmica.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Cuidados em saúde

É comum que alguns exames sejam solicitados rotineiramente de forma protoco-


lar em serviços de saúde e, ainda, que o controle da dor e o acolhimento humani-
zado não sejam prioridades.

Como você pode perceber, essa não deve ser a conduta de profissionais orien-
tados pela ética no atendimento a pessoas em situação de abortamento. Faça o
melhor, acolha e cuide de quem precisa de você!

A seguir você verá as medidas a serem tomadas no cuidado após um abortamento.

Cuidados pós-abortamento
No seu dia a dia, você pode se deparar com situações de pessoas que chegam ao serviço
de saúde buscando cuidados para um abortamento em curso, um abortamento incom-
pleto ou, ainda, um abortamento completo que se deu fora do ambiente hospitalar.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Em todas essas situações, seu dever é prestar cuidado humanizado,


diligente e empático, orientado pelas melhores evidências científicas que vimos
ao longo da aula anterior e desta. Não é sua função interrogar, julgar ou punir,
e muito menos chamar a polícia.

Os exames complementares nem sempre serão necessários após um abortamento.


Veja a seguir as evidências científicas mais recentes, também seguindo as Normas
Técnicas do Ministério da Saúde e da OMS:

Ultrassom transvaginal (USTV)


Apesar de rotineiramente indicado após abortamento espontâneo incompleto ou
induzido medicamentoso, alguns estudos sugerem que a realização de BHCG é tão
eficaz quanto o exame de imagem para confirmar o sucesso de um procedimento
de abortamento.

Ambos, BHCG e USTV, são adequados, e sua escolha depende da disponibilidade


dos exames e da preferência da pessoa (DAYANANDA, 2011).

Beta HCG
HCG é a sigla de Human Chorionic Gonadotropin, hormônio que indica a possibilida-
de de gestação. A realização desse teste deve acontecer ao menos quatro semanas
após o abortamento para se evitar resultados falsos positivos. Caso o resultado
seja positivo ou inconclusivo após quatro semanas, deve-se realizar novo teste em
até sete dias (ou seja, cinco semanas após o aborto).

Sangramento
No caso de abortamento medicamentoso realizado fora do ambiente hospitalar,
deve-se orientar a pessoa a buscar o serviço de saúde se houver necessidade de
troca de mais que dois absorventes noturnos por hora, em duas horas seguidas, ou
seja, quatro absorventes em duas horas, ou se houver sinais de perda de sangue
excessiva como tontura ou desmaio.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

Escassa Leve

Moderada Pesada Muito pesada

Sorologias
O contexto do cuidado pós-abortamento é um momento oportuno para oferecer a
realização de exames de sorologia de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).

Converse com sua paciente sobre a importância desses exames e ofereça a ela esse
cuidado.

Tipagem sanguínea e Rh
Por muito tempo, recomendava-se que todas as pessoas com fator Rh negati-
vo recebessem imunização passiva com imunoglobulina Rh dentro das 72 horas
posteriores ao abortamento.

Entretanto, ainda não existe evidência conclusiva sobre a necessidade de ser


aplicada essa medida depois de um abortamento induzido precocemente (até nove
semanas), pois o risco de sensibilização em gestações iniciais é muito baixo (OMS).

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

A American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomenda que a


testagem de Rh não seja uma barreira que atrase a realização do procedimento.
Caso se opte pela utilização, a dose é de 300 mcg de imunoglobulina anti-D até 72
horas após o sangramento.

Já a última diretriz da OMS sobre cuidados em aborto, lançada em 2022, desacon-


selha o uso de imunoglobulina anti-D em condutas pós-abortamento em gestações
inferiores a 12 semanas, e o aconselha em gestações superiores a 12 semanas
(OMS, 2022).

Contracepção
Em sua maioria, pessoas que passam por um abortamento induzido não desejam
uma nova gestação a seguir. É importante que você informe que é possível recupe-
rar rapidamente a fertilidade, evitando colocar a pessoa em risco de nova gestação
não planejada ou indesejada.

Assim, é fundamental conversar com a pessoa sobre a possibilidade de uso de


contracepção, apresentar os métodos disponíveis e avaliar se existe contraindica-
ção a algum método. Se houver desejo da pessoa de receber o tratamento contra-
ceptivo, dê início ao uso logo no atendimento.

Caso a pessoa opte por dispositivo intrauterino (DIU), este pode ser inserido
imediatamente após o procedimento cirúrgico (AMIU ou curetagem), desde que
não haja suspeita de infecção. Pode-se ainda oferecer a inserção posterior, em
consulta ambulatorial.

Contraceptivos hormonais orais ou injetáveis podem ser iniciados logo após o


abortamento ou até cinco dias depois.

99
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento

É importante que a pessoa saia do atendimento orientada e, se possível, com a


prescrição do método de escolha, pois nem sempre há um fluxo rápido para consul-
tas ambulatoriais.

Além disso, é importante reforçar a informação sobre prevenção de infecções


sexualmente transmissíveis (ISTs) e o uso de preservativo.

O aconselhamento sobre gestação após um abortamento espontâneo pode tran-


quilizar alguém que deseja gestar novamente, por isso é importante informar a
pessoa que a fertilidade retorna imediatamente. É científico!

Conheça o estudo
Um estudo feito em 2010 na Escócia demonstrou que as mulheres que engravi- Efeito do intervalo
entre gestações sobre
daram seis meses após um abortamento espontâneo tiveram melhores resultados os resultados da
(menor taxa de cesárea e parto prematuro) em comparação àquelas que engravi- gravidez após o aborto
espontâneo.
daram 24 meses após.

Nesta aula, você aprendeu aspectos do procedimento de abortamento cirúrgico, os


riscos do abortamento inseguro e infectado, e os cuidados antes e após um abortamento.

Destacamos a importância de promover a comunicação adequada e o acolhimen-


to nesses atendimentos e seguiremos com informações importantes sobre o tema.
Siga em frente!

100
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Aula 5
Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

• Conheça os referenciais bioéticos no acolhimento à gesta-


ção indesejada e ao atendimento em situações de aborta-
mento induzido.

• Compreenda os referenciais da redução de danos em saúde


e no abortamento inseguro.

Abortamento inseguro
O abortamento, mesmo quando realizado na clandestinidade, pode ser seguro.
A criminalização aumenta o risco de complicações, pois expõe mulheres e outras
pessoas que abortam a procedimentos inseguros por falta de alternativas, barrei-
ras socioeconômicas ou falta de informação.

“As mulheres que têm gravidez indesejada devem ter acesso


imediato a informações confiáveis e aconselhamento compassivo.”
(CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE CAIRO, 1994, p. 59).

Como você viu nas aulas anteriores, fatores como classe social, gênero, raça e esco-
laridade influenciam o acesso a um método de abortamento seguro ou inseguro.

Já falamos anteriormente sobre os métodos seguros. Agora, é importante que você


conheça os métodos inseguros:

101
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

“Inserção de uma substância ou objeto


1 (uma raiz, um galho, um cateter) no útero.

Dilatação e curetagem feitas de forma


2 incorreta por profissional não capacitado.

Ingestão de preparados caseiros nocivos


3 à saúde ou aplicação de uma força externa”
(OMS, 2013, p.18-19).

É científico!

Como o abortamento inseguro é uma das mais frequentes causas de mortalidade Conheça a publicação
Abortamento seguro:
materna – um grave problema de saúde pública para países de baixa e média renda, Orientação técnica e de
como você já viu neste curso – a OMS recomenda que sejam retiradas todas as políticas para sistemas
de saúde, da OMS.
barreiras legais e regulatórias ao abortamento seguro.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Abortamentos inseguros, realizados com substâncias, materiais e técnicas impróprios,


aumentam o risco de complicações, como infecções que podem levar até mesmo à
morte. A informação de qualidade, baseada em evidências científicas, permite que os
abortamentos ocorram de forma segura e eficaz, ainda que na clandestinidade.

É comum que esses casos apareçam em consultas na atenção primária à saúde, em


plantões de pronto-atendimento e ambulatorialmente em radiologia, ginecologia e
obstetrícia, o que mostra a necessidade de haver profissionais com plena capacida-
de de realizar esse atendimento.

A prevenção da gravidez não desejada, do abortamento e de suas consequências são de alta


prioridade para profissionais de saúde. Às mulheres deve ser garantido o acesso:

• à informação e orientação humana e solidária;


• ao abortamento previsto em lei;
• à atenção de qualidade em complicações derivadas de abortos;
• e ao planejamento reprodutivo pós-abortamento para, inclusive, evitar abortamentos repetidos.
(BRASIL, 2005, p. 12).

Também é importante escutar e acolher essa pessoa de maneira sigilosa, pois esse
é um dever decorrente da ética profissional.

Omitir informações benéficas para a saúde de pacientes é ferir seu direito à auto-
nomia e à informação em saúde, que deve sempre ser respeitado como determina-
do pelos Códigos de Ética Médica e de Enfermagem.

O acolhimento à gestação indesejada promove a equidade de gênero e realiza o


direito humano à informação sobre saúde sexual e reprodutiva.

A seguir, conheça os referenciais bioéticos para o abortamento na perspectiva da


redução de danos.

Os referenciais da bioética no abortamento


O direito de toda pessoa à informação para evitar um abortamento inseguro está
assegurado em tratados internacionais de direitos humanos e é respaldado pela
Organização Mundial de Saúde (OMS). Além disso, é protegido pela Constituição
Federal e pelos códigos de ética profissional que já vimos neste curso. Como escla-
rece um profissional de saúde:

103
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Ferimos nossa ética profissional quando omitimos informações relevantes e cientificamente


embasadas que podem salvar a vida de uma mulher que está decidida a abortar e que, para
isso, vai recorrer a métodos muitas vezes perigosos. Da mesma forma, constitui quebra de
sigilo médico a denúncia às autoridades policiais de mulheres que provocaram aborto, apesar
de esta ainda ser uma prática frequente em hospitais brasileiros
(GIUGLIANI, 2019, p. 9).

Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP, 2014), Bioética
os princípios fundamentais da bioética no acolhimento à gestação indesejada são: Ética aplicada à vida.

Autonomia: as pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao


seu corpo e à sua vida. Na atenção à saúde, as ações devem ser autorizadas pela
pessoa sob cuidados e priorizar suas necessidades e desejos.

Sobre este item, veja o que dizem os Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:

“É vedado ao médico deixar de garantir ao paciente


o exercício do direito de decidir livremente sobre
Código de Ética Médica:
sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua
autoridade para limitá-lo.” (Artigo 24)
“Dos deveres: respeitar o direito do exercício da
autonomia da pessoa ou de seu representante legal
na tomada de decisão, livre e esclarecida, sobre sua
saúde, segurança, tratamento, conforto, bem-estar,
realizando ações necessárias, de acordo com os
princípios éticos e legais.
Código de Ética da Enfermagem:
Parágrafo único. Respeitar as diretivas antecipadas da
pessoa no que concerne às decisões sobre cuidados e
tratamentos que deseja ou não receber no momento
em que estiver incapacitado de expressar, livre e
autonomamente, suas vontades.” (Artigo 42)

Beneficência: é obrigação ética profissional maximizar o benefício à pessoa sob


cuidados e minimizar os possíveis danos.

“É vedado ao médico exagerar a gravidade do


diagnóstico ou do prognóstico, complicar a
Código de Ética Médica: terapêutica ou exceder-se no número de visitas,
consultas ou quaisquer outros procedimentos
médicos.” (Artigo 35)
“Dos deveres: Esclarecer à pessoa, família e
coletividade, a respeito dos direitos, riscos,
Código de Ética da Enfermagem:
benefícios e intercorrências acerca da assistência de
Enfermagem.” (Artigo 39)

104
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Não maleficência: a ação da equipe profissional de saúde deve sempre causar o


menor prejuízo possível à pessoa, reduzindo seus efeitos adversos ou indesejáveis.

Sobre este item, veja o que dizem os Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:

“É vedado ao médico deixar de usar todos os


meios disponíveis de diagnóstico e tratamento,
Código de Ética Médica:
cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em
favor do paciente.” (Artigo 32)

“Dos deveres: Orientar à pessoa e família sobre


preparo, benefícios, riscos e consequências
Código de Ética da Enfermagem: decorrentes de exames e de outros procedimentos,
respeitando o direito de recusa da pessoa ou de seu
representante legal.” (Artigo 40)

Justiça e equidade: profissionais de saúde devem atuar com imparcialidade,


evitando que julgamentos sociais, culturais, religiosos, morais ou outros interfiram
em sua relação com a pessoa e no cuidado que oferece.

Segundo os Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:

“É vedado ao médico tratar o ser humano sem


civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade
Código de Ética Médica:
ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer
pretexto.” (Artigo 23)

“Dos deveres: Fundamentar suas relações no


direito, na prudência, no respeito, na solidariedade e
na diversidade de opinião e posição ideológica.”
Código de Ética da Enfermagem: (Artigo 25)

“Prestar assistência de Enfermagem sem


discriminação de qualquer natureza.” (Artigo 41)

São ainda, segundo o CREMESP, direitos fundamentais no atendimento de saúde:

Preservação de sigilo profissional e respeito à intimidade e privacidade da pacien-


te: toda pessoa tem direito a ter resguardado o segredo sobre seus dados pessoais
e de todas as informações que compartilha com profissionais de saúde no contexto
do atendimento, por meio da manutenção do sigilo profissional, desde que isso não
coloque em risco a vida de terceiros ou a saúde pública.

105
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Diante de abortamento espontâneo ou provocado, profissionais de saúde não


estão autorizados a comunicar o fato à autoridade policial, judicial ou ao Ministério
Público, pois o sigilo na prática profissional da assistência à saúde é dever legal e
ético, salvo para proteção da pessoa atendida e com o seu consentimento.

O sigilo profissional é respaldado pelo Código Penal, pela Constituição Federal e


pelos Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:

Código Penal:
É crime: “revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que
1 tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
e cuja revelação possa produzir dano a outrem” (Artigo 154).

Constituição Federal:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
2 imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
material ou moral decorrente de sua violação” (Artigo 5º, X).

106
Código de Ética de Enfermagem:
“Dos deveres: Manter sigilo sobre fato de que tenha
2 imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
material
Ampara. Acolhimento ou moral
de pessoas decorrente
em situação dee pós-aborto
de abortamento sua violação” (Artigo 5º, X). profissionais no acolhimento à gestação
Aula 5. Aspectos
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Código de Ética de Enfermagem:


“Dos deveres: Manter sigilo sobre fato de que tenha
conhecimento em razão da atividade profissional, exceto nos
3 casos previstos na legislação ou por determinação judicial,
ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de
seu representante ou responsável legal” (Artigo 52).

Código de Ética Médico:


“É vedado ao médico revelar fato de que tenha
4 conhecimento em virtude do exercício de sua profissão,
salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por
escrito, do paciente” (Artigo 73).

Observe que o não cumprimento da norma legal pode levar a procedimento crimi-
nal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por
todos os danos causados à paciente.

É importante também que você pratique o consentimento livre e informado, como


já vimos em aula anterior. Vamos relembrar o que é e como proceder.

Consentimento livre e informado: qualquer procedimento de saúde deve ser infor-


mado, esclarecido em suas finalidades, formas, características e riscos à pessoa que
passará por ele ou a representante legal. Isso para que a pessoa sob cuidados possa
fazer escolhas com autonomia, compreendendo em toda sua extensão, gravidade e
consequências o que será realizado.

Cuidados em saúde

Você, profissional de saúde, deve primeiro ouvir, depois perguntar e depois se


posicionar, mas tomando cuidado para:

• não tomar decisões pelas pessoas de quem cuida, não impor escolhas e não
emitir juízo de valor;

• desenvolver atividades educativas e de aconselhamento, apontando benefí-


cios e riscos, as opções disponíveis e as consequências de cada alternativa.

E lembre-se: a decisão é sempre da paciente.

A seguir você verá algumas formas de prevenção e redução de danos em casos de


abortamento. Acompanhe!

107
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Prevenção e promoção de saúde


Do ponto de vista de evidências científicas e saúde pública, há várias formas de
prevenção e promoção de saúde.

Leavell e Clark (1976) estabeleceram os quatro níveis de prevenção e promoção de


saúde:

Prevenção primária: corresponde à ação


para remover a causa de um problema de saúde
individual ou populacional antes de sua ocorrência.
Inclui promoção da saúde e proteção específica
(ex.: imunização, prevenção de quedas).

Prevenção secundária: corresponde à ação que


detecta um problema de saúde em estágio inicial, no
indivíduo ou na população, facilitando o diagnóstico
definitivo, o tratamento e reduzindo sua disseminação
e efeitos de longo prazo (ex.: rastreamento de câncer,
diagnóstico precoce).

Prevenção terciária: corresponde à ação para reduzir,


em um indivíduo ou na população, os prejuízos
funcionais consequentes de um problema agudo
ou crônico, incluindo reabilitação (ex.: prevenir
complicações do diabetes, reabilitar paciente após
um infarto ou acidente vascular cerebral).

Prevenção quaternária: corresponde à detecção de


indivíduos em risco para protegê-los de intervenções
médicas inapropriadas e sugerir-lhes alternativas
eticamente aceitáveis (ex: rastreamento de câncer
fora da faixa etária ou periodicidade indicada).

Aplicando esses conceitos de prevenção ao problema da mortalidade materna por


abortamento inseguro, podemos adotar as seguintes medidas de prevenção primá-
ria a terciária, como sugere Giugliani (2019). Incluímos ainda medidas de prevenção
quaternária:

108
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Primária
Evitar gestações indesejadas com
ações educativas de saúde sexual e
reprodutiva, promovendo informação
e acesso à contracepção e informação
sobre a possibilidade de
entrega voluntária para adoção
(Lei 13.509/2017), caso a pessoa opte
por manter a gestação. É importante
saber que a entrega está relacionada
a maior risco de sintomas depressivos
entre as mulheres.

Secundária
A maioria das pessoas que deseja
abortar encontrará os meios para
fazê-lo. Sendo inevitável, pode-se atuar
sob a perspectiva de Redução de
Danos (esse assunto será tratado a
Medidas de seguir), fornecendo informações
prevenção corretas e de fácil compreensão, para
que o abortamento seja seguro.

Terciária
Tratar rapidamente as complicações
do abortamento inseguro e fornecer
aconselhamento contraceptivo
logo após.

Quaternária
Evitar a realização de intervenções
desnecessárias como a curetagem após
um abortamento incompleto ou a
hospitalização para realização
de abortamento medicamentoso.

Você observou até aqui que são muitos os referenciais aplicados no estudo sobre
acolhimento ao abortamento: comunicação, epidemiologia, referenciais bioéticos
e jurídicos, método clínico centrado na pessoa, evidências científicas, prevenção e
promoção de saúde, redução de danos, entre tantos outros.

109
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Ponto de reflexão

Com base nas discussões propostas até agora, você se lembra, ao longo da
sua trajetória formativa, em quais momentos, além de saúde das mulheres,
estudou o tema abortamento?

Você consegue identificar outras possibilidades de abordagem?

Você já ouviu falar na entrega voluntária para adoção? Você sabia que gestantes
que decidem não exercer a maternidade, por quaisquer razões, antes ou logo após
o nascimento, têm o direito de entregar seu filho para adoção? Esse direito é garan-
tido pela Lei nº 13.509, de 2017, e oferece à gestante ou mãe o acolhimento por
Fique por dentro
equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude. Algumas mulheres,
Para saber mais veja
por desconhecer esse direito, acabam se submetendo a um abortamento inseguro o vídeo Entrega
e colocando sua vida em risco. voluntária para a
adoção e conheça a
Lei nº 13.509 de 2017.
Você, profissional de saúde, deve conhecer a lei e orientar quem precisa dela.

Após conhecer as medidas de prevenção à mortalidade materna decorrente de


abortamento inseguro, você verá na sequência o conceito de redução de danos
relacionado ao abortamento.

Redução de danos
A abordagem da redução de danos surgiu nos anos 1980 no contexto da discussão
sobre uma nova proposta de atenção às pessoas que usam substâncias ilícitas ou
danosas à saúde. Em pouco tempo, tornou-se uma estratégia de atenção à saúde
alternativa àquelas pautadas na lógica da abstinência ou da criminalização.

A abordagem de redução de danos pode ser aplicada a outras situações em que


as pessoas se engajam em práticas moralmente controversas ou estigmatizadas
socialmente, como o trabalho sexual e o abortamento. “É uma estratégia ampliada
de clínica com ofertas concretas de acolhimento e cuidado, em arranjos de coges-
tão do cuidado.” (PASSOS, 2011, p. 161)

Vídeo com especialista

Saiba mais sobre a abordagem de redução de danos assistindo ao


vídeo da advogada Beatriz Galli no ambiente virtual do seu curso.

110
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Como a redução de danos se relaciona ao abortamento?


A Política de Redução de Danos é uma estratégia de cuidado que acolhe sem julga-
mento, respaldada pelo Código de Ética Profissional e pelos direitos fundamentais
que reconhecem o direito ao sigilo e à promoção da autonomia em saúde das pessoas.

Pode, portanto, ser aplicada no contexto do acolhimento de gestações indeseja-


das com o objetivo de prevenir e, consequentemente, reduzir o número de mortes
maternas por abortamento inseguro.

Ela consiste no fornecimento, por profissionais de saúde, de informação e aconse- É científico!

lhamento pré-abortamento às pessoas com gravidez indesejada, incluindo infor- Conheça a experiência
uruguaia em Iniciativas
mações sobre o abortamento medicamentoso, que já vimos em aula anterior, e sanitarias contra el
cuidados pós-abortamento. (FAÚNDES, 2006). aborto provocado em
condiciones de riesgo:
aspectos clínicos,
Uma das experiências mais conhecidas de acolhimento à gestação indesejada em epidemiológicos, médico-
legales, bioéticos y
risco de abortamento inseguro foi implementada no Uruguai pela organização não jurídicos.
governamental Iniciativa Sanitária.

O protocolo de redução de danos uruguaio foi promovido como estratégia pública


para prevenção de mortes maternas relacionadas ao abortamento inseguro por
muitos anos até a descriminalização parcial do abortamento em 2012.

Ele consistia no fornecimento de informações adequadas e seguras sobre os méto-


dos disponíveis e no estabelecimento de um vínculo de confiança entre a pessoa
com gestação indesejada e a equipe de saúde. Na consulta:

Agora eram
Primeiro era Depois avaliadas as
realizada a determinada situações em
confirmação de a idade que o aborto
gestação viável. gestacional. seria permitido
por lei.

Era prestado o
Eram também fornecidas
aconselhamento sobre
informações sobre métodos
outras possibilidades
seguros e inseguros de
(incluindo a entrega
abortamento.
voluntária para adoção).

O aborto medicamentoso era apresentado como um método seguro e eficaz, e


amplamente utilizado onde o aborto é permitido por lei. As informações científicas
fornecidas incluíam posologia, via de administração, efeitos colaterais e sinais de

111
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

alarme para atendimento presencial. Após o abortamento, orientava-se uma nova


consulta para escolha de método contraceptivo. A experiência foi replicada em
diversos países da América Latina (PAHO, 2012).

Voltando-se para o contexto brasileiro, a Bloco A sugere uma “abordagem abran-


gente em saúde sexual e reprodutiva”, em que os princípios orientadores da redu-
ção de danos (ERDMAN, 2011) são adaptados, ganhando o seguinte conteúdo:

112
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

O princípio da neutralidade focaliza os riscos e danos à


saúde decorrentes do aborto inseguro, ao invés de se
concentrar em seu status legal ou moral. O princípio da
1 neutralidade altera as respostas das políticas públicas em
direção ao acesso à informação, em caso de gravidez inde-
sejada, como forma de prevenção ao aborto inseguro. Em
outras palavras, oferece intervenções de saúde pública
como alternativa à criminalização e punição legal.

O princípio humanístico refere-se ao direito de todas as


mulheres, independentemente de sua decisão sobre a
2 gravidez, de serem tratadas com respeito, dignidade e valor.
Todas as mulheres merecem ser tratadas como membros da
comunidade, cuja autonomia, saúde e projeto de vida são
importantes.

O princípio pragmático aceita a realidade inevitável de que


as mulheres podem ser vítimas de violência baseada em
gênero dentro de suas famílias, podem sofrer violência
sexual ou simplesmente podem ficar grávidas, além de falta
3 de acesso e ou uso adequado de métodos contraceptivos.
As mulheres praticam o aborto inseguro por vários motivos
e circunstâncias particulares e, portanto, o princípio prag-
mático, enfatiza a importância de se atender às necessi-
dades das mulheres e garantir uma assistência de qualidade
em saúde sexual e reprodutiva.

Assim, desde uma perspectiva da redução de danos, a abordagem abrangente em


saúde sexual e reprodutiva requer que você, como (futuro/a) profissional de saúde,
trabalhe no sentido de:

113
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Democratizar o acesso à informação científica,


fazendo com que as informações em saúde
sexual e reprodutiva e direitos sejam acessíveis
e fáceis para as mulheres e meninas nos serviços
de saúde na atenção básica.

Usar (e incentivar o uso) a ferramenta do teste


rápido de gravidez1 , disponível nos serviços de
saúde, para garantir o acesso à informação e
cuidados em saúde sexual e reprodutiva para
mulheres e adolescentes.

Garantir o acesso à SSR de qualidade e atenção,


sem julgamento moral para mulheres e adoles-
centes, criando vínculos de confiança e confiden-
cialidade, de acordo com princípios bioéticos da
autonomia, beneficência e justiça.

Já no âmbito internacional, organizações de defesa e proteção à saúde das mulhe-


res atuam há décadas com uma abordagem de redução de danos, apoiando pessoas
no abortamento seguro, especialmente em lugares em que esse é restrito por leis e
regulamentos, estigma ou falta de recursos. As formas como as ativistas fornecem
apoio variam. Veja algumas delas:

114
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Redes de apoio pelo mundo

Socorristas en Red
É uma rede nacional argentina
que fornece acesso e
informações por telefone e
acompanhamento pessoal e
reuniões de grupo.

Mama
Situada na África, é uma rede de
ativistas de base e organizações
feministas que trabalha para
ampliar o acesso à informação e
eliminar o estigma em torno do
abortamento. Fique por dentro

Aqui você pode visitar


todas as redes de apoio
citadas anteriormente:
Socorristas en Red,
Mama, Samsara,
Samsara Women Help Women e
Situada na Indonésia, à Women on Web.

semelhança de ativistas em
muitos países da América Latina
e do Caribe, opera uma linha
direta de abortamento seguro
que oferece informações sobre
o método medicamentoso.

Women Help Women


e Women on Web
Operam serviços de
telessaúde que fornecem
acesso a medicamentos,
bem como informações e
acompanhamento por e-mail
para pessoas em todo o mundo.

Essas redes de apoio da sociedade civil fazem um trabalho fundamental de promo-


ção da vida, saúde e autonomia das pessoas que abortam, especialmente nos lugares
em que essas sofrem as consequências perversas de legislações penais restritivas.

115
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Ponto de reflexão

Depois de conhecer as experiências citadas, você consegue pensar em algu-


mas formas de apoio recíproco entre essas redes e profissionais de saúde?

Elas contribuem para solucionar um problema de saúde pública concreto, a morta-


lidade materna por abortamento inseguro, e para mudar as visões da sociedade
sobre o abortamento. Em muitos lugares, elas trabalham em uma relação de coope-
ração com o sistema de saúde. Falaremos mais sobre elas mais à frente neste curso.

Teste seus conhecimentos

Você trabalha como profissional de enfermagem em uma unidade básica de saúde na peri-
feria de Brasília. Em um dia de atendimento chega uma paciente trazendo resultado de
BHCG positivo.

Antes de iniciar o pré-natal você pergunta se aquela é uma gestação desejada. A paciente
desesperada diz: “não, não posso ter esse filho antes de terminar meus estudos, vou dar
um jeito! Tenho muito medo de me machucar, não sei o que fazer!”

Você, como profissional de saúde que se preparou para acolher situações de gestação
indesejada:

a) ( ) Diz que infelizmente não pode ajudá-la, pois o abortamento é ilegal no Brasil. Inicia o
pré-natal sem a autorização da paciente e agenda retorno com a equipe em 30 dias.
b) ( ) Acolhe, procura entender a situação e acalmá-la, mas afirma que não pode ajudá-la
por não ser um caso de abortamento previsto em lei.
c) ( ) Acolhe, escuta e após entender que a paciente poderia causar dano à própria vida,
fornece informações baseadas em evidências e cuidados pós-abortamento como
contracepção.

Feedback positivo: Você acertou ao escolher a resposta C. Como vimos nesta


aula, o acolhimento de uma gestação a partir da perspectiva da redução de
danos está fundado no direito de toda pessoa à privacidade e à informação em
saúde. Como profissional em saúde, você cumpre o seu dever ao acolher pessoas
nessa situação e oferecer a elas informações baseadas em evidências sobre o
abortamento seguro e cuidado pós-abortamento.

Feedback negativo: A resposta A é falsa pois há situações de abortamento


previsto em lei que devem ser conhecidas por todos os profissionais. A resposta
B é falsa pois existem referenciais bioéticos e científicos para o acolhimento à
gestação indesejada sob uma perspectiva de redução de danos.

116
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

A necessidade de uma consulta médica para solicitação de um teste de gravi- Fique por dentro
dez (B-hcg) pode atrasar o diagnóstico e implicar em interrupções tardias, o que Para saber mais sobre
acomete meninas e mulheres de forma desigual. o teste rápido de gra-
videz, consulte o Guia
Técnico do Ministério
da Saúde.

Assim, o acesso facilitado ao diagnóstico de gestação é uma importante


estratégia de redução de danos, pois permite que as pessoas tenham mais
tempo para refletir e decidir o que desejam fazer diante da situação e buscar
instrumentos e pessoas de apoio à sua decisão.

Uma estratégia recomendada é a oferta ampla de testes rápidos de gravidez (TRG)


nas Unidades Básicas de Saúde, pela enfermagem.

O abortamento na atenção primária à saúde (APS)


A pessoa que aborta deve ter garantido no seu atendimento o cuidado integral
e o cuidado multiprofissional nos momentos oportunos. É na APS que, majorita-
riamente, são acessados a prescrição de contraceptivos, a investigação de atraso
menstrual e o atendimento pré-natal de baixo risco.

Nesses atendimentos, há a oportunidade de se identificar uma gestação resultan-


te de violência e, nesse caso, possibilitar o acesso ao abortamento previsto em lei,
como vimos em aula anterior. Pode-se, ainda, responder com cuidado a todas as
dúvidas e fornecer informação adequada a uma gestação indesejada em risco de
abortamento inseguro e morte materna, adotando-se assim medidas de redução
de danos, também vistas nesta aula. Quanto a isso, é importante saber que:

A mera exposição de recomendações científicas internacionalmente


reconhecidas e acatadas por autoridades de saúde pública de diversos países
com relação ao procedimento de aborto e aos riscos e benefícios deste não
implica em instigação, apologia ou auxílio ao crime de abordo, em especial no
contexto em questão, em que essas recomendações são expostas de forma
neutra e imparcial, visando à livre e informada escolha, com a exposição,
inclusive, de riscos que podem decorrer da prática ilícita e insegura.

Vale lembrar que, por outro lado, a interferência indevida do médico na tomada de
decisão da paciente é vedada pela Ética Médica (GIUGLIANI, 2019).

117
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Segundo Maia (2021), o abortamento medicamentoso seguro é ofertado na APS


em 19 países e pode ser realizado em domicílio, após a consulta em serviço de
saúde que dará as informações necessárias e o medicamento.

Qualquer profissional de saúde treinado(a) pode fornecer informações adequadas


para o abortamento seguro, sugere o protocolo da OMS (2022).

Na APS, que é a porta de entrada do sistema de saúde, você deve realizar o cuidado
orientado pelos princípios de primeiro contato; longitudinalidade; integralidade;
coordenação; abordagem familiar e enfoque comunitário (STARFIELD, 2002).

Aplicados ao acolhimento à gestação indesejada e à atenção à pessoa que aborta,


esses princípios nos ensinam que:

Você deve ofertar acolhimento ético adequado em


1 comunicação verbal e não verbal (primeiro contato).

Você deve garantir acesso, acolhimento e orientação


em tempo adequado à pessoa antes e após o evento,
2 reduzindo assim as chances de abortamento inseguro
(longitudinalidade).

Você deve garantir atendimento à pessoa que aborta


independentemente de barreiras de gênero, raça, e
3 condições socioeconômicas, sem estigmatização ou
medo de denúncia ou julgamento (integralidade).

Deve ser identificada a rede de urgência e emergência


para complicações de abortamento e ser dado
4 encaminhamento nos casos de abortamento previsto
em lei (coordenação do cuidado).

Fonte: Adaptado de: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507231/#sec_000150

118
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos

Como você pôde ver, o ambiente da APS proporciona maior satisfação às pessoas
que nele buscam cuidados em saúde quando acolhe, informa e proporciona acesso
e/ou informação sobre o abortamento seguro.

Você, profissional da saúde, deve ser capaz de fazer esse trabalho! Um estudo
conduzido nos Estados Unidos (SUMMIT et al., 2016) mostrou que muitas das
mulheres entrevistadas se surpreenderam em poder conversar sobre o tema do
abortamento com as pessoas que as atenderam na atenção primária de saúde. Isso
não deveria ser motivo de surpresa – o abortamento é um evento comum na vida
reprodutiva das pessoas e profissionais da saúde, em contato direto com pacientes,
devem se abrir para conversar sobre ele com conhecimento e competência.

Para que esse diálogo aconteça, é necessário que profissionais se sensibilizem e se


capacitem ao longo da formação acadêmica e profissional com evidências científi-
cas atualizadas.

Sabemos que não é essa a realidade em grande parte do Brasil. As referências


bibliográficas ao longo desse curso são importantes ferramentas para uma atua-
ção respeitosa às pessoas, proporcionando cuidado integral e compromissado com
os direitos humanos. Continue estudando e compartilhe esse conhecimento com
quem também é da área da saúde. É esse o caminho!

119
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Aula 6
Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

• Entenda a origem do conceito de violência obstétrica e o que


ele significa.

• Saiba reconhecer as situações que se configuram como


violência obstétrica e como evitá-las.

• Reflita sobre o impacto do racismo estrutural no aborta-


mento inseguro e na criminalização por abortamento.

Conceito de violência obstétrica – histórico


As primeiras narrativas de violência no parto e nascimento datam do final da déca-
Parturiente
da de 1950, quando a Ladies Home Journal, uma revista para donas de casa dos Esta-
Pessoa em
dos Unidos, publicou a matéria “Crueldade nas Maternidades”, descrevendo como trabalho de parto.
tortura o tratamento recebido pelas parturientes.

Na mesma época, um movimento contra a violência no parto no Reino Unido levou


à criação da Sociedade para Prevenção da Crueldade contra as Grávidas (1958).

Algumas décadas mais tarde, em movimentos sociais, círculos feministas e na


academia, o tema passava a ser também discutido no Brasil. O Grupo Ceres, a
partir de uma pesquisa etnográfica sobre a experiência das mulheres nos anos
1980, descreveu o parto hospitalar como "uma vivência violenta":

Não é apenas na relação sexual que a violência aparece marcando a trajetória existencial da
mulher. Também na relação médico-paciente, ainda uma vez o desconhecimento de sua fisio-
logia é acionado para explicar os sentimentos de desamparo e desalento com que a mulher
assiste seu corpo ser manipulado quando recorre à medicina nos momentos mais significati-
vos da sua vida: a contracepção, o parto, o aborto.
(GRUPO CERES, 1981, p. 349).

120
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Em meados dessa mesma década, a violência obstétrica também se tornou ques-


tão de política pública no Brasil. O Programa de Atenção Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), como já discutido em aula anterior, reconheceu como problema
o tratamento impessoal e muitas vezes agressivo no contexto de atenção à saúde
das mulheres. Desde então, multiplicaram-se estudos no país que documentam a
frequência da discriminação e desumanização na assistência ao parto, tanto em
instituições de saúde públicas quanto privadas.

A pesquisa de Venturi e Godinho intitulada “Mulheres brasileiras e gênero nos


espaços público e privado” (2013) contribuiu de forma inédita para a visibilidade
do tema da violência obstétrica, despertando surpreendente interesse da mídia.

Segundo esse estudo, cerca de um quarto das mulheres que passaram por um
parto relataram alguma forma de violência na assistência, o que também foi
mencionado por cerca da metade daquelas que passaram por um abortamento.

A partir de estudos como esse, de discussões e da pressão social sobre os governos


para responderem ao problema, vários países na América Latina e do Caribe apro-
varam leis que reconhecem a violência obstétrica como uma forma específica de
violência de gênero.

A lei venezuelana de combate à violência contra a mulher, de 2007, foi a primeira no


mundo a definir a violência obstétrica como:

[...] a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de
saúde, que se expressa por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização
e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade
de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na quali-
dade de vida das mulheres.
(VENEZUELA, 2007, Art. 15.13)

Como você pôde perceber, a violência obstétrica é muito comum e pode se mani-
festar de diferentes formas, entre as quais podemos citar:

121
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Violência física.

Violência verbal.

Violência sexual.

Estigma e discriminação.

Realização de intervenções
obstétricas desnecessárias.
Violência
obstétrica
Negação do direito
a acompanhante.

Negação a privacidade.

Falta de confidencialidade.

Fique por dentro

Negação de um cuidado de Para saber sobre


o problema da
qualidade, de acordo com as violência obstétrica na
melhores evidências científicas. Argentina, assista ao
vídeo Con todo al Aire,
produzido pelo Comité
de América Latina y el
Caribe para la defensa
A violência obstétrica também foi reconhecida pela OMS (2014) como um tema de de los derechos de las
mujeres (CLADEM).
saúde pública e direitos humanos.

No Brasil, não existe legislação específica que categorize a violência obstétrica


como uma forma de violência de gênero. Contudo, todos os direitos das pacien-
tes apresentados nas aulas anteriores deste curso, bem como os deveres legais e
éticos de profissionais de saúde, são suficientes para coibir esse tipo de violência.

Isso quer dizer que, caso uma paciente venha a sofrer uma lesão física ou psicológi-
ca, temporária ou permanente, em razão de violência sofrida no contexto de aten-
dimento obstétrico ou ginecológico, a equipe médica ou a própria instituição de
saúde podem ser responsabilizadas na esfera penal e obrigadas a reparar os danos
materiais e morais, na esfera cível.

122
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

A ausência da expressão “violência obstétrica” na legislação brasileira não significa


que suas formas de expressão não sejam proibidas e penalizadas pelo direito.

No entanto, as experiências de violência obstétrica sofridas por mulheres e pesso-


Fique por dentro
as gestantes em situação de abortamento e pós-abortamento muitas vezes não são
Para conhecer mais
reconhecidas como tais. O estigma e a criminalização do abortamento são fatores sobre a relação
que contribuem para que pessoas que abortam sofram caladas os mais diversos entre criminalização,
estigma e maus-tratos
tipos de maus-tratos, violência e discriminação. no abortamento nos
serviços de saúde
dos estados da Bahia,
Muitas dessas situações de violência obstétrica no abortamento e pós-abortamento se Pernambuco, Paraíba,
assemelham àquelas experimentadas em atendimentos no parto e nascimento, como: Mato Grosso do Sul
e Rio de Janeiro, leia
o relatório: Advocacy
para o acesso ao aborto
legal e seguro.

1 2 3
Negação Discriminação Agressão
de tratamento social, de gênero, física, verbal
para dor. racial ou étnica. ou psicológica.

123

4
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

4
Violação dos direitos
à privacidade e à confidencialidade.

Há outras formas de violência de que apenas pessoas em situação de abortamen-


to ou pós-abortamento são vítimas. Por exemplo, apenas pessoas nessa situação
sofrem ameaças, por profissionais de saúde, de que serão denunciadas à polícia ou
são efetivamente criminalizadas quando acusadas de terem induzido seus abortos
(ASSIS; LARREA, 2022).

Além disso, apenas elas sofrem a negação do direito ao abortamento previsto em


lei, mesmo que reúnam todas os requisitos para acessarem esse cuidado (ASSIS;
LARREA, 2022), os quais vimos em aula anterior.

Segundo Diniz et al. (2015), a violência obstétrica no abortamento pode implicar


aumento de morbimortalidade materna por:

Hostilidade. Negligência.

Retardo do atendimento,
Indisponibilidade quando as equipes identificam
de serviços que realizam ou supõem que o abortamento
o abortamento previsto tenha sido provocado e negam
por lei. atendimento ou demoram
a realizá-lo.

Fonte: Adaptado de Diniz et al. (2015, p. 4 e 5).

Ou seja, existe uma relação direta entre violência obstétrica e abortamento insegu-
ro. Se as pessoas suspeitam que serão maltratadas, discriminadas e estigmatizadas
ao procurar o serviço de saúde em uma situação de complicação por abortamento,
elas deixarão de buscar esse cuidado e passarão sozinhas pela experiência.

Esse medo pode perpassar até situações de aborto espontâneo, já que em geral
não há diferença visível no corpo de quem aborta entre um aborto espontâneo e
um aborto induzido de maneira segura com medicamentos. Devido a relatos de
maus-tratos, mesmo mulheres e pessoas que estão passando por um evento natu-
ral podem ter medo de buscar a assistência e o cuidado que precisam.

124
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Como vimos em aula anterior, o abortamento inseguro pode gerar complicações


graves e até mesmo a morte, demandando atenção rápida.

Ponto de reflexão

Você já ouviu algum relato ou presenciou alguma situação de violência obsté-


trica? Qual foi o seu sentimento em relação a isso?

Você viu até aqui um pouco da história do conceito de violência obstetrícia e suas reper-
cussões para o cuidado em saúde sexual e reprodutiva e, especialmente, o abortamento.

A seguir, conheça as expressões de violência obstétrica em situações de aborta-


mento e cuidado pós-aborto.

Tipos de abuso e desrespeito em


situações de abortamento e pós-aborto
Muitas vezes, conhecemos um conceito do ponto de vista teórico, mas não conse-
guimos identificar quando ele ocorre na prática. Isso pode se dar com a violência
obstétrica – não sabermos identificar em quais situações estamos diante dela.

Para suprir essa necessidade e auxiliar você na identificação de situações de cuidado


em abortamento e pós-aborto que podem ser caracterizadas como violência obstétri-
ca, adaptamos as categorias de abuso e desrespeito sintetizadas por Tesser et al. (2015).

Além disso, adicionamos um item de orientação que ajuda a combater essas situações.
Incorpore essa reflexão e cuidado em sua prática e dissemine-a entre seus(suas) colegas!

Violência física
A violência física corresponde a qualquer ação física praticada sobre o corpo da
pessoa que aborta, causando-lhe dano ou dor. Um exemplo muito comum em aten-
dimentos de abortamento é não fornecer analgesia adequada na realização de
procedimentos como AMIU ou curetagem.

125
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, ofereça analgesia adequada tanto nos procedimentos
de aborto medicamentoso quando nos procedimentos invasivos como AMIU.
Ofereça também um atendimento adequado e prontamente disponível, sem
atrasos e prolongação do sofrimento da pessoa que aborta. Respeite sempre a
integridade corporal da pessoa sob seus cuidados.

Imposição de intervenções não consentidas e intervenções


aceitas com base em informações parciais ou distorcidas

Falhar em explicar adequadamente as diferentes opções de métodos de aborta-


mento ou em assegurar consentimento livre e informado é uma forma de desres-
peito, além de ser violação de um dever profissional, como você viu em aula anterior.

Também é considerado abuso a realização de curetagem quando o AMIU ou o


método medicamentoso são procedimentos comprovadamente menos danosos e
estão disponíveis.

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, garanta um espaço seguro para um diálogo franco e
claro sobre os métodos de abortamento, para que a pessoa tenha condições de
decidir junto com você.

Cuidado não confidencial ou não privativo


A internação de pacientes que aguardam a realização do procedimento de esvazia-
mento do útero junto a pessoas puérperas ou em trabalho de parto é uma forma de
desrespeito.

Referir-se às pacientes como “aquela que fez aborto”, deixar de garantir seu direito
à confidencialidade ou denunciar pacientes que realizaram abortamento a auto-
ridades policiais ou judiciais são também situações de abuso e violação de ética
profissional e do direito à privacidade.

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, garanta o direito à privacidade e confidencialidade


por meio de acolhimento e internação separada dos leitos obstétricos de parto e
pós-parto. Além disso, toda informação compartilhada pela paciente está prote-
gida por sigilo médico e você não pode revelá-la a ninguém.

126
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Cuidado indigno e abuso verbal


Também é violência obstétrica utilizar formas de comunicação desrespeitosas,
subestimando e ridicularizando o sofrimento da pessoa ou desmoralizando seus
pedidos de ajuda, por exemplo: deixá-la esperando longos períodos para realizar o
procedimento de esvaziamento uterino ou inserção de misoprostol para prepara-
ção do colo uterino ou, ainda, expor opiniões de caráter pessoal quanto ao proce-
dimento de abortamento.

Cuidados em saúde

Para evitar esse tipo de situação, ofereça sempre um atendimento respeitoso e


acolhedor, livre de estigmas e discriminação. Como profissional de saúde, você
tem o dever de cuidar e deve-se abster de fazer quaisquer julgamentos morais.

Assistência baseada em estigma e discriminação


O estigma associado ao abortamento se expressa em sua reprovação sociocultural
e a tudo que a ele é associado. A pessoa que aborta é tachada de má, de alguém
que rejeitou a maternidade, violou as regras sociais e não cumpriu sua função. A
discriminação, por outro lado, se expressa no tratamento desigual em razão da raça
ou etnia, classe social e/ou orientação sexual da pessoa que aborta, pelo serviço ou
profissional de saúde.

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, lembre-se sempre que pacientes merecem cuidado respei-
toso independentemente de raça, idade, classe, orientação ou identidade sexual. Os
cuidados que você oferece impactam diretamente nos indicadores sociais de saúde.
Além disso, como profissional de saúde, você sabe que o abortamento é um
evento comum na vida reprodutiva das pessoas. Por isso, deve ajudar a comba-
ter o estigma associado ao abortamento, e não promovê-lo.

Abandono, negligência ou recusa de assistência


A demora proposital no atendimento a pessoas em situação de abortamento
incompleto ou aguardando esvaziamento uterino nas situações de abortamento
previsto em lei pode gerar riscos a sua saúde física e mental. Negar acesso a abor-
tamento legal também é uma forma de violência obstétrica.

127
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, ofereça cuidado em tempo oportuno e com o melhor
nível possível de assistência. Garanta que a paciente seja atendida por outro
profissional quando se deparar com a objeção de consciência e não imponha
barreiras de acesso ao serviço de saúde.

Ameaça de criminalização ou efetiva criminalização


As ameaças de criminalização acontecem sempre que profissionais de saúde atuam
com a intenção de fazer com que a pessoa que aborta acredite que será criminaliza-
da por ter induzido o aborto.

A efetiva criminalização, por sua vez, ocorre quando profissionais de saúde iniciam
ou apoiam, por quaisquer meios, investigação ou processo criminal contra pessoa
que teve um abortamento.

Em ambas as situações, profissionais de saúde violam seus deveres funcionais de


cuidado, pois passam a atuar ilegalmente como parte do sistema de justiça criminal.

Cuidados em saúde

Para evitar essa situação, lembre-se que cabe a você o cuidado ético e respeitoso
e não desempenhar o papel policial ou da justiça. Você não deve interrogar ou É científico!
confrontar paciente, tampouco investigar a veracidade ou validade de sua narra- Quer conhecer como
tiva. Como você viu em aula anterior, a pessoa que aborta é responsável por seu o Poder Judiciário tem
agido nestes casos?
relato, que tem presunção de veracidade.
Conheça decisão do
Tribunal de Justiça de
São Paulo: TJSP, Habeas
Corpus n. 2188896-
Como o serviço de saúde tem sido historicamente a principal porta de criminaliza- 03.2017.8.26.0000.,
julgamento em 8 de
ção das pessoas que abortam, o Poder Judiciário brasileiro tem agido para coibir
março de 2018.
essa forma de violência obstétrica.

Como você pôde concluir da análise das diferentes formas de violência obstétrica
em abortamento e pós-aborto, esse é um problema relevante e atual. Cabe a você,
profissional de saúde, mudar essa realidade, reafirmando a saúde como um trabalho
de cuidado. O papel da equipe multiprofissional é sempre acolher e nunca agir orien-
tada por preconceitos, estigma ou com intenção de criminalizar a pessoa que aborta.

128
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

A cor do aborto

129

Embora o abortamento seja um evento comum na vida reprodutiva das pessoas,


como vimos em aula anterior, não podemos negligenciar o impacto da desigualda-
de social e, especialmente, do racismo estrutural no abortamento inseguro e na
mortalidade materna dele decorrente.

Diversos estudos apontam o impacto negativo do racismo no gozo da saúde sexual


e reprodutiva plena das mulheres negras, de modo especial no contexto de abor-
tamento:

A discriminação nos serviços de saúde tem sido registrada como recorrente para as mulheres
em situação de abortamento, de forma direta e indireta, com tratamento não digno, julga-
mento moral e constrangimentos que são revertidos em práticas violentas no momento do
atendimento destas mulheres. Ao que parece, isso é redobrado pelo racismo institucional e
passa a constituir uma barreira de acesso antes mesmo da entrada no sistema de saúde

(GOES et al., 2020, p. 9).


Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Os dados da imagem a seguir mostram, de forma evidente, como as mulheres


negras sofrem muito mais as discriminações de gênero embutidas na criminaliza-
ção e na estigmatização do abortamento no Brasil:

A cor do aborto

Discriminações de gênero têm tons mais dramáticos para as negras

Entre as do que
mulheres entre as
negras brancas

3,5% 1,7%
o índice de abortos
provocados é o

dobro

Uma mulher negra corre um risco

2,5 vezes maior


de morrer por causa de um abortamento

Em 2016, de todas as mortes de mulheres em decorrência da gestação:

53% 41%
eram negras eram brancas

22% não tiveram acesso a


anestesia durante o 16% 130
53% 41%
eramAcolhimento
Ampara. negras de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto eram brancas Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

22%
negras
X
não tiveram acesso a
anestesia durante o
parto normal
16%
brancas

Fonte: Adaptado de Instituto AzMina (2017).

Dados da Pesquisa Nacional do Aborto (2016) evidenciam também as desigualda-


des sociais e raciais e as iniquidades em saúde em nosso país. O índice de aborta-
mento entre mulheres negras é duas vezes maior do que entre mulheres brancas,
e uma pessoa negra tem duas vezes e meia mais chance de morrer em decorrência
de um abortamento inseguro.

Enquanto as desigualdades sociais impactam o acesso à saúde, o racismo


institucional determina as condições de atendimento a mulheres negras, grupo
mais exposto ao acesso desqualificado a serviços do SUS, mesmo quando se
equiparam renda, nível de instrução e ocupação no mercado de trabalho.

Além disso, segundo Goes et al. (2020), mulheres negras retardam a busca por
assistência de saúde em situações de abortamento, tanto pelo medo de serem
maltratadas ou denunciadas quanto pela falta de condições materiais para buscar
os serviços de saúde:

Essa expectativa negativa do atendimento no hospital, informada pela experiência de outras Fique por dentro
mulheres que relataram ter sido discriminadas pelo aborto nas unidades públicas de saúde, Leia o artigo
tem sido registrada em pesquisas realizadas em várias cidades brasileiras. O tratamento rece- Vulnerabilidade racial e
barreiras individuais de
bido nos hospitais termina inclusive por atingir as mulheres com abortamento espontâneo, mulheres em busca do
suspeitas de tê-lo provocado. Essas práticas, que envolvem desde o retardo na atenção, agres- primeiro atendimento
pós-aborto na íntegra.
são verbal e não informação sobre procedimentos, expõem as mulheres a complicações de
saúde. Nos últimos anos, isso tem sido agravado pelo aumento de denúncias das mulheres
com aborto, feita por profissionais de saúde à polícia, ocorridas ainda no momento da inter-
nação, documentadas pela imprensa, em um claro desrespeito ao sigilo previsto nos Códigos
de Ética das profissões de saúde
(GOES et al., 2020, p. 10).

Há uma inegável vulnerabilidade social associada ao racismo estrutural no contex-


to do abortamento no Brasil que os serviços e profissionais de saúde não podem
ignorar, tampouco perpetuar.

131
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Vídeo com especialista


Para saber mais sobre o tema violência obstétrica e racismo,
acesse o ambiente virtual do curso e assista ao vídeo com a
médica obstetra Mariana Ferreira.

É fundamental que no cuidado ao abortamento e pós-aborto os serviços imple-


mentem medidas efetivas de combate ao racismo e à discriminação, como a capa-
citação de profissionais, a implementação de protocolos de atenção e cuidado
humanizado e a responsabilização de profissionais e instituições por situações de
racismo, violência e abuso.

Ponto de reflexão
Fique por dentro

Em aula anterior, você conheceu a Política Nacional de Saúde Integral da Popu- Para saber mais sobre
lação Negra. Agora que você já sabe mais sobre cuidado em abortamento e a relação entre racismo
institucional e violência
pós-aborto, se estivesse gerindo uma unidade de saúde, que medidas imple- obstétrica, ouça o
mentaria para combater o racismo institucional? Podcast Vozes de
Criola.

Teste seus conhecimentos

Você trabalha em uma unidade básica de saúde e, percebendo a alta prevalência de relatos
de violência obstétrica no hospital de referência de sua região, resolve organizar uma ativi-
dade com profissionais e pessoas interessadas para um debate no qual produzirão material
educativo para orientar as pessoas sobre situações de violência obstétrica no abortamento.
Assinale todas as alternativas CORRETAS que você contemplará no seu material:

1. ( ) Você tem direito à privacidade e confidencialidade. Ninguém pode difundir infor-


mações sobre seu estado de saúde sem seu consentimento.
2. ( ) Você tem direito a receber melhor atendimento em saúde conforme as mais recen-
tes evidências científicas.
3. ( ) Você tem direito a receber o tratamento que decidir junto ao(à) profissional de saúde
depois de receber informações adequadas.
4. ( ) Se você está em uma situação de abortamento, deve entender que pacientes em
trabalho de parto tem prioridade e esperar sem reclamar até que chegue sua hora
de ser atendida.

132
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

5. ( ) Na maioria das vezes, abortamentos incompletos podem ser tratados esperando-se


eliminação completa ou com misoprostol comprimidos. Deve-se evitar realizar cure-
tagem e você pode pedir para que seja realizada aspiração (AMIU).
6. ( ) Se você tem direito a abortamento previsto em lei, seja por situação de violência
sexual, risco de vida ou anencefalia, o hospital de referência deve garantir profissio-
nal que realize o procedimento.

Feedback positivo: Você acertou se escolheu as opções 1, 2, 3, 5 e 6. Para-


béns! Você está pronta(o) para disseminar informação correta e baseada em
evidências científicas sobre formas efetivas de se combater a violência obstétri-
ca no abortamento e pós-aborto.

Feedback negativo: Se você incluiu a opção 4 em seu material informativo,


vale a pena voltar e reler o material desta aula. Saiba que não existe hierarquia Fique por dentro
entre a atenção ao parto e nascimento, e ao abortamento e pós-aborto.
Violencia obstetrica
y aborto

Manual de
autodefesa feminista
Se você gostou da atividade anterior e se entusiasmou para realizar uma semelhan-
Violência obstétrica
te em seu ambiente de trabalho, acesse os materiais ao lado. no abortamento

A criminalização do abortamento
Como você viu em aula anterior, o abortamento é, de modo geral, criminalizado no
Brasil pelo Código Penal (BRASIL, 1940, Art. 124-127), sendo permitido apenas
nas situações em que há risco para a vida da pessoa gestante, quando a gestação é
fruto de violência sexual ou quando o feto é anencefálico.

Contudo, as leis penais não são aplicadas igualmente para todas as pessoas – raça e
classe social são fatores que impactam as chances de uma pessoa vir a ser proces-
sada e condenada criminalmente.

133
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Com o intuito de evidenciar essa situação, a Defensoria Pública do Estado do Rio de


Janeiro (DPRJ) conduziu uma pesquisa em 2018 em que analisou as ações penais
promovidas contra mulheres no estado, pela figura do artigo 124 do Código Penal
– o chamado “autoaborto”, ou seja, aquele em que a própria pessoa provoca o abor-
tamento ou permite que outrem o faça.

Como mostra a Pesquisa Nacional do Aborto (2016), mulheres de todas as classes


sociais e raças abortam no Brasil. Contudo, a pesquisa da DPRJ mostrou que são
processadas criminalmente mulheres com um perfil muito específico: jovens, com
baixa escolaridade, mães, negras ou pardas, pobres e sem nenhuma passagem pelo
sistema criminal.

De acordo com esse relatório, em mais da metade dos casos a notícia


crime foi realizada por funcionários das unidades de saúde, depois que
as mulheres buscaram atendimento médico para tratar complicações de
um abortamento inseguro. Na maioria das investigações, tratava-se de
denúncias feitas pela rede pública de saúde e, em um único caso,
a pessoa gestante foi atendida na rede privada.

O fato de que essas mulheres nunca tiveram qualquer passagem pelo sistema penal
É científico!
e que o sistema de saúde é responsável por abrir essa porta é alarmante. Como
Conheça o relatório na
profissional em formação, você deve não apenas se abster de práticas como essa, integra “Entre a morte
moralmente condenáveis e ilegais, mas também contribuir para a conscientização e prisão: quem são as
mulheres criminalizadas
de colegas e, assim, para a humanização da atenção ao abortamento e pós-aborto. pela prática do aborto
no Rio de Janeiro”.

Gera medo e insegurança,


levando as pessoas que
abortam para a clandestinidade.

Criminalização
do abortamento Reproduz e aprofunda o estigma
social em torno do abortamento.

Impõe barreiras efetivas


ao acesso à saúde humanizada
e de qualidade.

Gera discriminação social.

Encarcera pessoas.

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Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

É importante reconhecer que a criminalização do abortamento não cumpre a fina-


lidade de coibir a sua prática – essa é uma lei penal falida.

A criminalização do aborto não desestimula sua prática; ela apenas


o torna arriscado e inseguro, especialmente para pessoas vivendo
em contextos de maior vulnerabilidade.

Fatores como classe social e raça devem, portanto, ser considerados centrais nas
políticas de enfrentamento do estigma e das barreiras de acesso impostas pela
criminalização do abortamento.

Mulheres jovens, negras, com baixa escolaridade e pobres não apenas são aque-
las que mais frequentemente recorrem a métodos inseguros, mas também estão
entre as mais investigadas e criminalizadas. Os serviços de saúde devem se mobili-
zar contra essa injustiça racial e social e fazer a sua parte.

Ponto de reflexão

O que você, como profissional da saúde, pode fazer diante desse quadro?
Já presenciou situações parecidas? Reflita sobre a sua prática profissional
nessa situação.

Uma das principais medidas a ser adotada por serviços e profissionais de saúde é o
oferecimento de cuidado e atenção, sem julgamento e sem denúncias.

Nesta aula, você aprendeu um pouco sobre a história do conceito de violência


obstétrica e como ele se aplica às situações de abortamento e pós-aborto.

Além disso, aprendeu medidas concretas de como evitar situações de violência


obstétrica no cuidado que você prestará como profissional de saúde.

Finalmente, refletiu um pouco sobre os efeitos danosos da criminalização e da estigma-


tização do abortamento, e como eles atingem de modo mais duro mulheres e pessoas
negras e pobres, já afetadas pelo racismo institucional e pela desigualdade social.

135
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto

Encerramento
Você chegou ao final da jornada!

Esperamos que este curso tenha contribuído para ampliar o seu conhecimento sobre
os diferentes aspectos dos direitos sexuais e reprodutivos, e especialmente sobre a
problemática do abortamento.

Você pôde conhecer um pouco sobre esse tema no mundo e se aprofundou no estudo
do caso brasileiro, porque, como profissional de saúde atuando no país, ocupa um lugar
estratégico para acolher pessoas em situação de abortamento de forma humana, digna
e respeitosa, fazendo assim do direito integral à saúde uma realidade.

Além disso, você também pôde compreender os efeitos danosos da legislação restritiva
ao abortamento, que, levando pessoas à realização de abortamento inseguro, contri-
bui para a morbimortalidade, aprofunda as desigualdades sociais e raciais, e criminali-
za, restringindo sua autonomia e dignidade.

Nesse contexto, o acolhimento à gestação indesejada sob uma perspectiva de redução


de danos pode contribuir para o acesso ao abortamento seguro, salvando vidas.

Cabe a você, profissional de saúde, atuar de forma ética, comprometida com a efeti-
vação do serviço de abortamento previsto em lei e, essencialmente, orientada pelos
direitos humanos, de acordo com as melhores e mais recentes evidências científicas,
desencorajando métodos inseguros.

136
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências

Referências
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sofrem mais. Pública – Agência de Jornalismo Investigativo, São Paulo, 28 maio
2021. Disponível em: https://apublica.org/2021/05/aborto-inseguro-e-das-prin-
cipais-causas-de-morte-materna-e-mulheres-negras-sofrem-mais/. Acesso em: 18
ago. 2021.

ALVES, J. A. G. et al. Ameaça de aborto: conduta baseada em evidências. FEMI-


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d/S/0100-7254/2010/v38n2/a010.pdf. Acesso em: 18 ago.2021.

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vel em: https://www.ansirh.org/sites/default/files/publications/files/mental_heal-
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ASSIS, M. P.; LARREA, S. Why self-managed abortion is so much more than a provi-
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ca, [1990]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm.
Acesso em: 18 ago.2021.

137
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências

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tituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá
outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [1996]. Disponível em:
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a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Brasília,
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