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Recurso Especial nº 1500096-24.2021.8.26.

0189 1

OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-
se que é do Superior Tribunal de Justiça.

Índices

Ementas – ordem alfabética

Ementas – ordem numérica

Tese 578
POSSE DE ARMAS DE FOGO, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES DE
DIVERSOS CALIBRES – PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL
– INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 59 DO CP.
A apreensão de grande quantidade de munições e acessórios de
armas de fogo, com agente possuidor dessas armas, enseja
necessária fixação de pena-base acima do mínimo legal, porquanto
a posse do armamento já fora suficiente para tipificação do delito.

1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA
EGRÉGIA SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos


autos de Apelação Criminal nº 1500096-24.2021.8.26.0189, em que figura como
apelante Ministério Público do Estado de São Paulo e apelado CLAYTON ULISSES
MARCELINO DE ANDRADE, vem perante Vossa Excelência, com fundamento no
art. 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, art. 255, § 1o, do RISTJ e art.
1.029 do Código de Processo Civil, interpor RECURSO ESPECIAL para o Colendo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pelos motivos adiante aduzidos:

1 – RESUMO DOS AUTOS

CLAITON ULISSES MARCELINO DE ANDRADE foi condenado


pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Fernandópolis, por
infração aos artigos 33, caput c.c. 40, inciso VI e 35, ambos da Lei 11.343/06, bem
como por infração aos artigos 12 e 16, parágrafo único, inciso IV, ambos da
Lei10.826/03, sendo imposta a reprimenda conjunta de 18 (dezoito) anos e 08
(oito) meses de reclusão, a ser cumprida no regime prisional fechado, somado ao
pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa (fls. 265/269).

Ao julgar a apelação da defesa, a 12ª Câmara Criminal: a)


absolveu o réu da imputação do artigo 35 da Lei 11343/06, por suposta falta de
provas; b) aplicou o redutor para o tráfico ao caso (§4º do artigo 33 da Lei
11343/06), mesmo com o reconhecimento da r. sentença de dedicação a
atividades criminosas, com apreensão de armas, munições e acessórios; c)
absolveu o réu do crime do artigo 16 da Lei 10826/03 (sob argumento de que a
arma estaria desmuniciada), e d) aplicou pena no mínimo legal para o crimes do
artigo 12 da Lei 10826/03.

Foram opostos embargos de declaração apontando: a)


omissão quanto à desconsideração dos fundamentos da r. sentença criminal para
deixar de aplicar o redutor do tráfico ao caso concreto, em especial em razão da
apreensão de armas, acessório e munições de diversos calibres (de uso permitido
e restrito); b) tipicidade do delito do artigo 16 da Lei 10826/03 ainda que a arma
estivesse desmuniciada, demonstrando que, no caso concreto, ao contrário do
consignado pelo acórdão, junto à arma de fogo foram apreendidos, prontos para
uso, 20 cartuchos íntegros do mesmo calibre da Carabina de numeração raspada;
c) a omissão, na aplicação da pena base para os crimes da Lei 10826/03, do
número de armas, acessórios e munições apreendidas, a inviabilizar a aplicação
de pena base no mínimo legal.
Os embargos de declaração foram parcialmente providos
para, suprindo a omissão quanto à apreensão de munição para a arma de fogo de
numeração raspada, condenar o réu, também, como incurso no artigo 16,
parágrafo único, IV, da Lei 10826/03.

Porém, optou a C. Câmara por manter a aplicação do redutor


do §4º do artigo 33 da Lei 11343/06 ao caso concreto, bem como a imposição de
penas mínimas para os delitos da Lei de armas, mesmo reconhecendo a
apreensão de mais de uma arma, várias munições e acessórios.

Eis o teor dos v. acórdãos recorridos, bem como dos


embargos de declaração opostos quanto ao caso.
Eis o teor dos embargos de declaração Ministeriais opostos:

“EXCELENTÍSSIMO DOUTOR DESEMBARGADOR RELATOR JUNTO À 12ª


CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO

Apelação nº 1500096-24.2021.8.26.0189

Apelante: CLAYTON ULISSES MARCELINO DE ANDRADE

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,


pelo Promotor de Justiça infra-assinado vem, respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, a fim de, com fundamento nos artigos
619 e 620 do Código de Processo Penal e no artigo 1.022, incisos I e II,
do Código de Processo Civil opor os presentes EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO, com a finalidade de suprir omissão no v. acórdão
acostado a fls. 444/453, nos seguintes moldes:

1- Pelo v. acórdão o réu foi absolvido da conduta do artigo 16 da


Lei 10826/03 sob o fundamento de que, estando a arma de fogo
raspada em questão (carabina calibre 22) desmuniciada e sem
munição disponível (fls. 451), o fato seria atípico.

Omisso o v. acórdão, respeitosamente, já que, no caso concreto,


ao contrário do que constou na decisão, também foram apreendidos
no mesmo local 20 cartuchos íntegros CBC de calibre 22, compatíveis
ao uso, portanto, da carabina de numeração raspada em questão.
Aliás, a munição calibre 22 respectiva foi periciada juntamente à
Carabina com numeração raspada. Assim, omisso o v. acórdão
quanto ao laudo pericial de fls. 140/143 e auto de apreensão de fls.
18/19.
Conforme depoimento do policial, ainda, as armas e munições
apreendidas estavam em um mesmo invólucro (fls. 448 do v. acórdão).

Com relação à conduta do artigo 16 da Lei 10826/03, além da


respectiva carabina com numeração raspada (cujos cartuchos do
mesmo calibre foram também apreendidos, conforme acima indicado),
também foi apreendido no local um silenciador, acessório de uso
restrito. Omisso o v. acórdão, também, quanto à apreensão de
respectivo acessório de uso restrito, apto, por si só, a manter a
condenação pelo crime em questão.

Assim, apreendida arma de uso restrito, com respectiva munição


e silenciador, patente a tipicidade do delito, restando correta a
condenação e pena aplicadas na r. sentença.

2- Ao reduzir a pena do crime do artigo 12 da Lei 10826/03,


consignou o v. acórdão: “A dosimetria aplicada reclama reforma
apenas no tocante às penas básicas. É que o fato de ter sido
apreendida arma mais munição não é fundamento idôneo para a
majoração das básicas. Registre-se que, caso fosse apreendida
somente a pistola, sem a respectiva munição, a conduta seria atípica.
Assim, a apreensão de arma e munição compatível compõem o tipo
penal. Reduzo as básicas ao piso legal.”.

Dispõe o artigo 12 da Lei 10826/03:


‘Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso
permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua
residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o
titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.’.

Respeitosamente, omisso o v. acórdão quanto ao texto legal do


artigo 12 da Lei 10826/03, que elenca alternativamente a posse ou
manutenção de arma, ou acessório ou munição de uso permitido.
Assim, se a simples posse de arma ou somente de munição já se
mostraria suficiente para a tipicidade do delito, evidente a
possibilidade de aumento da pena base quando somadas referidas
circunstâncias.

No caso concreto, omisso o v. acórdão, ainda, que as munições e


acessórios apreendidos não se limitam aos projéteis encontrados na
própria arma de fogo mencionada na decisão.

Omisso, na fixação da pena, quanto à apreensão, junto à arma


de fogo (pistola Taurus 9mm) de 35 projéteis intactos do mesmo
calibre, 2 pentes de calibre 9mm com capacidade para 15 projéteis,
além de 20 cartuchos íntegros CBC de calibre 22.

3- Necessária a oposição dos presentes embargos de declaração,


outrossim, para suprir a omissão do v. acórdão quanto à
desconsideração das circunstâncias bem indicadas na r. sentença
condenatória e manifestações Ministeriais, que evidenciam o
envolvimento em atividade criminosa, em especial a apreensão, além
do entorpecente, de duas armas de fogo (uma delas com numeração
suprimida) e munições, bem como o teor da interceptação telefônica e
depoimentos policiais (no sentido que o réu e seu irmão traficavam há
anos e agora haveria também o envolvimento do filho adolescente do
acusado).

Referidas circunstâncias, droga apreendida, depoimentos,


interceptação telefônica, somada à utilização de armas de fogo com
numeração suprimida e municiadas, por certo, servem como
indicativos de envolvimento em atividade criminosa, de forma a
impedir a aplicação do redutor para o tráfico.

Ademais, o C. STJ já decidiu que a apreensão de arma de fogo de


numeração raspada induz à negativa do redutor para o tráfico:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.
AFASTAMENTO DA REDUÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI
11.343/2006. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. RECURSO DA DEFENSORIA
PÚBLICA DA UNIÃO. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA.
FUNDAMENTO IDÔNEO. DESNECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA
PROBATÓRIA.
INCIDÊNCIA NA PRIMEIRA OU NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA PENAL.
DESPROVIDO.
I - Conforme orientação do col. STF, a circunstância desfavorável da natureza e
quantidade de entorpecentes apreendidos pode ser considerada ora na primeira
fase, para exasperar a pena-base, ora na terceira fase da dosimetria,
impedindo a aplicação ou modulando a fração de redução da minorante contida
no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do
crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços,
vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem
integre organização criminosa.
III - No presente caso, afastou-se o privilégio descrito no parágrafo 4º, do
art. 33 da Lei n. 11.343/2006, ao fundamento de que o agravante se dedicava
às atividades criminosas, lastreando-se na natureza e quantidade de droga
apreendida, qual seja, 348 (trezentos e quarenta e oito) pedras de crack, 2
(dois) cigarros de maconha, 18 (dezoito) pinos de cocaína e 2 (duas) porções
de maconha, além da apreensão de 1 (uma) arma de fogo, calibre 380 e 35
(trinta e cinco) munições do mesmo calibre. Assim, a fundamentação exarada é
adequada ao caso concreto e justifica o afastamento da figura
do tráfico privilegiado.
IV - "[...] A questão discutida neste recurso especial não demanda o
revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento que é obstado pela
Súmula n. 7 deste Superior Tribunal, tal como ocorre, por exemplo, com a
valoração das circunstâncias judicias (uma a uma). O caso, diversamente,
demanda apenas o reexame da aplicação da pena, providência admitida em
caráter excepcional, nas hipóteses de manifesta violação aos critérios dos arts.
59 e 68 do Código Penal e do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, sob o aspecto da
legalidade, nas hipóteses de falta ou de equívoco evidente de fundamentação
das circunstâncias judiciais (como no caso) ou, ainda, de erro de técnica no
critério trifásico de aplicação da pena" (AgRg no REsp n. 1.475.447/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 22/6/2015).
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.753.254/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA,
DJe 17/10/2018).”

Ademais, o v. acórdão considerou e utilizou, para a condenação,


dos depoimentos dos investigadores de polícia. Referidos depoimentos
relatam, claramente, que nas investigações restou confirmado que os
réus estavam envolvidos em uma organização criminosa para o tráfico
de drogas. Constou do próprio acórdão ora embargado a fls.447:

“O Policial Civil Fabrício Luis de Fernando narrou que no dia 03 de


fevereiro de 2021 dirigiram-se à residência de Claiton para o fim de dar
cumprimento a um mandado de busca e apreensão e prisão do
acusado e sua esposa. Afirmou que na residência, durante buscas, a
equipe policial localizou droga no quarto do réu e de seu filho Rafael,
bem como as armas, munições e acessórios. Relatou que tinham
informações de que Claiton e seu irmão eram traficantes de drogas há
muitos anos. Aduziu que houve autorização para interceptação
telefônica, durante a qual restou evidenciado o envolvimento do
adolescente, havendo, inclusive, uma conversa do acusado com seu
filho adolescente Rafael, na qual ele fala que está com seu moleque
“fazendo uns corre”, o que na linguagem popular significa correria de
droga. Afirmou que o contexto da interceptação trouxe a plena
convicção de que Claiton praticava o tráfico de drogas. Disse que o
acusado alegou que a maconha localizada na casa dele era para seu
uso. Ressaltou que as armas e munições foram encontradas em um
mesmo invólucro.”.

4- Saliente-se, por fim, que os embargos induzem o efeito


modificativo da sentença quando do reconhecimento do defeito
(omissão, contradição, obscuridade ou ambiguidade) decorrer,
necessariamente, a alteração do que foi julgado, conforme pacífica
orientação jurisprudencial:

“Os embargos de declaração se prestam a sanar obscuridade, omissão ou


contradição no aresto embargado, sendo perfeitamente possível a conferência
de efeitos modificativos ao julgado quando constatado algum dos vícios
elencados no art. 619 do Código de Processo Penal. Tendo a Corte local
reconhecido a existência de omissão e contradição na fixação da pena imposta
ao Réu, cabível a modificação da sanção em sede dos aclaratórios sem que possa
falar em extrapolação dos limites do art. 619 do Diploma Processualista” (STJ -
AgRg nos EDcl no REsp 1304376/AM – 5ª Turma – Rel. Min. Jorge Mussi –
Julgamento: 02/08/2012 - DJe 13/08/2012).

5- Diante do exposto, aguarda esta Procuradoria-geral de Justiça o


acolhimento dos presentes embargos de declaração, para que sejam
analisadas as omissões apontadas.

São Paulo, 03 de maio de 2022.”


Eis o teor do acórdão que acolheu parcialmente os embargos
de declaração Ministeriais:
Assim decidindo, a C. Câmara Criminal contrariou o disposto
no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, bem como nos artigos 12 e 16, parágrafo
único, IV, da Lei 10826/03 e artigo 59 do Código Penal, legitimando, dessarte, a
interposição do presente recurso especial, pela alínea “a” do permissivo
Constitucional, com as seguintes teses:

POSSE DE ARMAS DE FOGO, ACESSÓRIOS E MUNIÇÕES DE DIVERSOS


CALIBRES – PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. A apreensão de
grande quantidade de munições e acessórios de armas de fogo, com
agente possuidor dessas armas, enseja necessária fixação de pena-base
acima do mínimo legal, porquanto a posse do armamento já fora suficiente
para tipificação do delito.

DROGAS – CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENAS – POSSE ILEGAL


DE ARMAS DE FOGO, ACESSÓRIO (SILENCIADOR) E MUNIÇÕES, DE USO
PERMITIDO E RESTRITO. A posse ou porte ilegais de arma de fogo,
acessórios e munições evidenciam a dedicação do traficante a atividades
criminosas, afastando a incidência da causa de diminuição de pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 – TE 261

2 – DA DESNECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS

Ressalte-se, de início, que não se pretende que o Superior


Tribunal de Justiça faça o reexame do material fático-probatório existente nos
autos, mas, apenas, que dê a correta classificação jurídica à moldura fática
estabelecida pelas instâncias ordinárias.

Com efeito, as instâncias ordinárias, em primeiro e segundo


graus de jurisdição, reconheceram que foram apreendidas em poder do réu
armas de fogo (de uso permitido e outra com numeração suprimida), além de
elevada quantidade de munições intactas de calibre das armas de fogo
apreendidas, dois pentes para quinze munições e um silenciador.

Pelo v. acórdão recorrido se decidiu que a quantidade de armas


e munições apreendidas somente influenciaria na tipicidade, mas seria irrelevante
para a fixação da pena base, impondo-a no mínimo legal.

O recurso limita-se a determinar que as circunstâncias judiciais


expressamente reconhecidas pelo v. acórdão (apreensão de armas, de elevada
quantidade de munições e de acessórios) sejam consideradas na dosimetria
penal.

Não se verifica, portanto, obstáculo à admissão do recurso, no


tocante à matéria tratada na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, uma vez
que a pretensão recursal se baseia em fatos e circunstâncias expressamente
reconhecidas e consignadas na decisão.

Em outras palavras: a ilegalidade em que incidiu o Tribunal


recorrido, ao reduzir as penas, é aferível sem necessidade de revolvimento de
fatos e provas.

3 – DA CONTRARIEDADE E NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO DE LEI


FEDERAL (artigo 59 do Código Penal e artigos 12 e 16, parágrafo único, IV,
ambos da Lei 10.826/03)

O art. 12, da Lei 10.826/03 está assim redigido:

“Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório
ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta,
ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o
responsável legal do estabelecimento ou empresa:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.”
Por sua vez, o art. 16 da Lei 10.826/03 está assim redigido:

“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter


em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar: (Redação
dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Redação dada pela


Lei nº 13.964, de 2019)

(...) IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de


fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado;

Estabelece o artigo 59 do Código Penal:

“Art. 59. O Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, a


conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime, bem como ao
comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de


liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por


outra espécie de pena, se cabível”. (grifamos).;

Tem inteira aplicação à hipótese, a lição do saudoso Ministro


ALIOMAR BALLEIRO, para quem “... denega-se vigência de lei não só quando se
diz que esta não está em vigor, mas também quando se decide em sentido
diametralmente oposto ao que nela está expresso e claro” (RTJ 48/788).
Ou, no mesmo sentido, “... equivale negar vigência o fato de
o julgador negar aplicação a dispositivo específico, único aplicável à hipótese,
quer ignorando-o, quer aplicando outro inadequado” (REsp 63.816, RTJ 51/126).

O dispositivo em questão, que deita raiz no princípio


constitucional da individualização da pena, estabelece o dever de o Estado-juiz
ajustar, quantitativa e qualitativamente, a pena ao fato e ao autor, por meio da
concreta aplicação, ao caso em julgamento, de circunstâncias previstas, de forma
mais ou menos indeterminada, em lei.

É válido concluir que o Estado-juiz tem o poder-dever de


considerar, negativa ou positivamente, todas as particularidades que envolvem,
no caso concreto, a lesão a determinado bem jurídico penalmente tutelado, sem
que possa desprezar circunstâncias que revelam maior lesividade do
comportamento, salvo se inerentes ao próprio tipo penal.

Trata-se de regra de efetivação de cânone medular da ciência


penal – o da proporcionalidade da pena -, segundo o qual a existência de
equilíbrio entre os delitos e a penas, de acordo com a gravidade e a paixão
determinante, constitui-se em mecanismo essencial para preservação da ordem
jurídica, posto que sua negação retiraria a eficácia dissuasória do castigo.

Sobre o tema, é oportuno revisitar as palavras de CESARE


BECCARIA: “O interesse geral não se funda apenas em que sejam praticados
poucos crimes, porém ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os
menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para obstar crimes devem,
portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público
e pode tornar-se mais frequente. Deve, portanto, haver proporção entre os crimes
e os castigos. Se o prazer e o sofrimento são os dois grandes motores dos seres
sensíveis; se, entre as razões que guiam os homens em todas as suas atitudes, o
supremo Legislador pos como os mais poderosos as recompensas e os castigos; se
dois crimes que afetam de modo desigual a sociedade recebem idêntico castigo, o
homem votado ao crime mais hediondo, resolver-se-á com mais facilidade pelo
crime que lhe traga mais vantagens; e a distribuição desigual das penalidades fará
nascer a contradição, tão evidente quanto frequente, de que as leis terão de
castigar os delitos que fizeram nascer” (Dos Delitos e Das Penas, tradução: Torrieri
Guimarães, 11ª edição, Ed. Hemus, São Paulo, 1995, pág. 61).

O princípio da proporcionalidade da pena, que se torna


efetivo apenas quando há correta aplicação do disposto no artigo 59 do Código
Penal, compõe-se de dois elementos: a proibição de excesso e a proibição de
proteção insuficiente, consubstanciando-se esse segundo componente na
vedação de omissão, por parte do Estado, na salvaguarda de direitos
fundamentais (vida, integridade física, patrimônio etc).

Não é outra a docência de J.J. GOMES CANOTILHO:

“O sentido mais geral da proibição de excesso é, como se


acaba de ver, este: evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência
desmedidos na esfera jurídica dos particulares. Há, porém, um outro lado da
proteção que, em vez de salientar o excesso, releva a proibição por defeito
(Untermassverbot). Existe um defeito de proteção quando as entidades sobre
quem recai um dever de proteção (Schutzpflicht) adoptam medidas insuficientes
para garantir uma proteção constitucionalmente adequada dos direitos
fundamentais. Podemos formular esta ideia usando uma formulação positiva: o
estado deve adotar medidas suficientes, de natureza normativa ou de natureza
material, conducente a uma proteção adequada e eficaz dos direitos
fundamentais.” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 2003, 7ª
ed., Almedina, pág. 273).

Sobre a manifestação, em matéria penal, do princípio da


proporcionalidade por meio da vedação da proteção deficiente, veja-se o
entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO


DESMUNICIADA. (A) TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE
CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO
PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandados constitucionais de
criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de normas
que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a
criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, §
4º). Em todas essas é possível identificar um mandado de criminalização expresso,
tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem
ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote),
expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer
que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso
(Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de
proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandados
constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido
cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como
proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo
exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado
em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de
intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as
diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a)
controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou
justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade
(intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que
a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens
jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva
proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas
adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser
verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso
(Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –,
deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa,
declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios
constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o
porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem
crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter
em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua
guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não
toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a
determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona
grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao
bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só,
comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de
condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor
alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais
supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a
saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de
avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias
para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher
espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a
atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da
proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA
CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da
veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a
segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a
integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e
social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros
objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica
da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de
possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser
aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa. 4.
ORDEM DENEGADA.” (HC 102087, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe-
159 DIVULG 13-08-2012 PUBLIC 14-08-2012 REPUBLICAÇÃO: DJe-163 DIVULG 20-
08-2013 PUBLIC 21-08-2013 EMENT VOL-02699-01 PP-00001)
Como ensinava JULIO FABBRINI MIRABETE:

“Em primeiro lugar, nas circunstâncias judiciais, a lei menciona


a culpabilidade do agente, tida na reforma penal como o fundamento e a medida
da responsabilidade penal, o juízo de reprovação a cargo do juiz, que deve atentar
para as circunstâncias que envolveram o ilícito. No termo, deve-se incluir a
aferição da intensidade do dolo ou o grau da culpa mencionados expressamente
na lei anterior” (Código Penal Interpretado, 2ª ed., Atlas, 2001, pág. 366).

Ainda de acordo com o ilustre penalista: “A referência às


circunstâncias e consequências do crime é de caráter geral, incluindo-se nelas as
não inscritas em dispositivos específicos. Podem referir-se ao tempo do delito, que
pode demonstrar maior ou menor determinação do criminoso, a atitude durante
ou após a conduta criminosa indicadora de insensibilidade ou indiferença ou
arrependimento, ou se relacionar com a gravidade maior ou menor do dano
causado pelo crime” (ob. cit., pág. 376).

No caso em exame, a moldura fática desenhada pelas


instâncias ordinárias autoriza a conclusão segura de que a culpabilidade, as
circunstâncias e as consequências das infrações foram, em quantidade e
intensidade, exponencialmente mais graves que as modalidades básicas dos
crimes em questão.

Daí porque o aumento a ser praticado pelo magistrado, por


ocasião da análise do artigo 59 do Código Penal, deve ser proporcional ao número
de circunstâncias judiciais desfavoráveis e à intensidade com que de cada uma
delas é valorada.

A esse respeito, confira-se a orientação do Supremo Tribunal


Federal:
“Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO.
DIMENSIONAMENTO. EXCESSO NÃO VERIFICADO. DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL
FUNDAMENTADA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. INEXISTÊNCIA DE
ARBITRARIEDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Autoriza o incremento da pena a
constatação de circunstância judicial exterior aos elementos típicos do crime que
indique maior censura da conduta. 2. Cada circunstância insimilar do delito, se
negativa, demanda incremento próprio, de acordo com as peculiaridades do caso
concreto, em cumprimento ao comando constitucional que impõe a
individualização da pena. 3. A mera divergência ordinária dos critérios de fixação
da pena não é sanável por meio de habeas corpus, estreita via reservada à
correção, segundo juízo de legalidade, de arbitrariedades cometidas pelas
instâncias ordinárias. 4. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.” (RHC
127533, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON
FACHIN, Primeira Turma, julgado em 08/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230
DIVULG 16-11-2015 PUBLIC 17-11-2015).

No caso concreto, a matéria foi objeto de embargos de


declaração Ministeriais, apontando-se que, conforme pacífica jurisprudência
pátria, basta a apreensão de uma arma de fogo, ainda que desmuniciada, ou
apenas de munições, para a configuração do crime do artigo 12 da Lei 10826/03,
ou do artigo 16, caput e parágrafo único, IV de referida lei (no caso de arma,
munição ou acessório de uso restrito, ou arma de fogo com numeração suprimida
ou raspada).

Foi debatido, ainda, que, se apenas a apreensão de uma


arma, ainda que desmuniciada é suficiente à tipificação penal, as demais armas
de fogo, acessórios e munições apreendidos, devem ser considerados como
circunstâncias judiciais desfavoráveis na fixação da pena base, em pleno
atendimento ao artigo 59 do Código Penal.

A respeito, cumpre rememorar que com o advento da Lei


10.826/03 deixou-se de exigir, para a caracterização do tipo penal, a efetiva
ocorrência de perigo ou lesão a bem jurídico alheio, bastando o perigo abstrato.
A intenção do legislador foi a de tornar mais rigorosa a
repressão aos delitos relativos às armas de fogo, tipificando condutas que
poderiam criar perigo de lesão a bens jurídicos relevantes para a sociedade, por
entender que as sanções civis e administrativas a respeito seriam ineficazes para
alcançar tal proteção. A Lei nº 10.826/03 tem por objetivo a proteção da
incolumidade pública, independentemente da efetiva ocorrência de qualquer ato
atentatório a ela.

Por consequência, a posse de arma desmuniciada ou a posse


de apenas munições, por si só, se mostra apta a caracterizar os crimes dos artigos
12, 14 e 16 da Lei 10826/03.

Nesse sentido a jurisprudência das duas Turmas Criminais do


Colendo Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE


MUNIÇÃO. NÃO APREENSÃO DE ARMA DE FOGO. IRRELEVÂNCIA.
CONDUTA TÍPICA. ART. 14 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A apreciação do
presente recurso especial não demanda reexame de provas. Cuida-se,
na verdade, de nova valoração de fatos incontroversos narrados nos
autos, não sendo caso de incidência do enunciado n.º 7 da Súmula
desta Corte. 2. Este Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência
pacificada no sentido de que o porte ilegal de arma de fogo
desmuniciada e o de munição, mesmo que desacompanhada da
respectiva arma de fogo, configuram hipóteses de perigo abstrato,
bastando apenas a prática do ato de levar consigo, para a consumação
do delito. Precedentes. 3. Decisão que se mantém por seus próprios
fundamentos. 4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp
1379803/BA, Relatora Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
Julgamento 13/08/2013, DJe 23/08/2013).
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO.
ABSOLVIÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NA VIA ELEITA. CRIME DE PERIGO
ABSTRATO. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. WRIT NÃO
CONHECIDO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram
orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo
do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não
conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência
de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. No caso, não se
observa flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus
de ofício. 2. O habeas corpus não se presta para apreciação de
alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da
necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é
inviável na via eleita. 3. A conclusão do Colegiado a quo se coaduna
com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido
de que o crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo
abstrato, sendo desnecessário perquirir sobre a lesividade
concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a
incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocadas
em risco com a posse de munição, ainda que desacompanhada de
arma de fogo, revelando-se despicienda a comprovação do potencial
ofensivo do artefato através de laudo pericial. Precedentes. 4. Nos
termos da jurisprudência desta Corte, o princípio da insignificância
não é aplicável aos crimes de posse e de porte de arma de fogo, por
se tratarem de crimes de perigo abstrato, sendo irrelevante inquirir a
quantidade de munição apreendida. Precedente. 5. Habeas corpus não
conhecido. (HC 338.153-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, J.
03.05.16, DJe 10.05.2016).

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE


RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO
CABIMENTO. ART. 12 E 16, IV, AMBOS DA LEI 10.826/03. ABOLITIO
CRIMINIS. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. AFASTADO. 1. Ressalvada pessoal compreensão
diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o
writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão
criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a
constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2.
São típicas as condutas descritas nos arts. 12 e 16, IV, ambos da Lei
10.826/2003, quando o interessado não entregou voluntariamente os
artefatos no período previsto pela legislação de regência. Precedentes.
3. Não incide à espécie, o princípio da insignificância, pois a conduta do
paciente constitui crime de perigo abstrato, sendo irrelevante a
quantidade de munição ou armas em poder do agente. 4. O legislador,
ao criminalizar o porte de armas e munições, seja de uso permitido ou
restrito, preocupou-se, essencialmente, com o risco que a posse ou o
porte de armas de fogo e munições representa para bens jurídicos
fundamentais, tais como a vida, o patrimônio e a integridade física. 5.
Habeas corpus não conhecido.(HC 284.670/RS, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 03/06/2014)

POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO. POTENCIALIDADE


LESIVA. CRIME DE MERA CONDUTA. COAÇÃO ILEGAL NÃO
EVIDENCIADA. 1. O simples fato de possuir munição de uso restrito
caracteriza a conduta descrita no artigo 16, caput, da Lei 10.826/2003,
por se tratar de delito de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo
objeto imediato é a segurança coletiva. 2. Habeas corpus não
conhecido.(HC 317.768/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA
RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA,
julgado em 23/06/2015, DJe 03/08/2015)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 14, CAPUT, DA
LEI N. 10.826/03. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIMES DE MERA CONDUTA. PERIGO
ABSTRATO. DISSÍDIO PRETORIANO. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. No caso, o
dissídio jurisprudencial não foi demonstrado conforme os requisitos
elencados nos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ. 2. De
qualquer forma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento
no sentido de que o delito previsto no artigo 14 da Lei n. 10.826/2003
é de perigo abstrato, ou seja, o simples fato de portar a arma e/ou
munição, sem a devida autorização, tipifica a conduta. 3. Na hipótese,
não obstante a ausência de potencialidade lesiva da pistola periciada, o
porte das munições, por si só, configura a prática do delito em questão,
pois o núcleo do tipo prevê, explicitamente, que tal conduta é
antijurídica, independentemente da apreensão de arma de fogo e da
sua eventual capacidade de efetuar disparos, como bem ressaltou a
Corte de origem. 4. Não trazendo o agravante tese jurídica capaz de
modificar o posicionamento anteriormente firmado, é de se manter a
decisão agravada na íntegra, por seus próprios fundamentos. 5. Agravo
regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 1154430/SP,
Relator Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, Julgamento
28/05/2013, DJe 04/06/2013).

Evidente, dessa forma, que se a apreensão de apenas uma


arma de fogo se mostra suficiente à imposição do delito e fixação de pena base no
mínimo legal, a apreensão, por sua vez, de várias armas, ou de arma de fogo
acompanhada de diversos acessórios e elevada quantidade de munições impõe a
fixação de pena base acima do mínimo legal, sob pena de manifesta ofensa ao
artigo 59 do Código Penal e aos próprios princípios Constitucionais da
proporcionalidade e da individualização da pena.

No caso concreto, a r. sentença condenatória fixou


corretamente as penas bases dos crimes dos artigos 12 e 16, parágrafo único, da
Lei 10826/03 acima dos mínimos legais, já que, além das armas de fogo, também
foram apreendidos acessórios (02 pentes de munições e silenciador) e elevada
quantidade de munições intactas dos respectivos calibres (35 projéteis calibre
9mm e 20 cartuchos calibre 22), aptos “a permitir emprego imediato dos
instrumentos fatais.” (fls. 267).

Em segundo grau, restou reconhecido expressamente pelo v.


acórdão que, com relação às condutas dos artigo 12 e 16 da Lei 10.826/03, o réu
possuía/portava:
a) uma pistola Taurus, calibre 9mm;
b) 35 projéteis intactos do mesmo calibre;
c) dois pentes com capacidade para 15 munições, e
d) 20 cartuchos íntegros CBC calibre 22 (compatíveis com a
Carabina com numeração suprimida apreendida);
e) uma Carabina calibre 22 com numeração suprimida e,
f) um silenciador.

Ainda assim, o v. acórdão aplicou as penas de referidos delitos


no mínimo legal, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a
omissão na devida aplicação do artigo 59 do Código Penal ao caso.

Evidente, dessa forma, que o acórdão recorrido contrariou


frontalmente o artigo 59 do Código Penal e artigos 12 e 16, ambos da Lei
10826/03, ao concluir que a apreensão concomitante das armas, munições e
acessórios não influenciaria na pena a ser fixada.

O C. STJ já vem decidindo no exato sentido do tema ora


objeto de recurso especial, concluindo que a quantidade e qualidade de armas e
munições são circunstâncias que devem ser levadas em consideração por
ocasião da fixação da pena base. A respeito, cumpre destacar:
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PORTE ILEGAL DE ARMA.
DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. QUALIDADE E
QUANTIDADE DAS ARMAS E MUNIÇÕES APREENDIDAS.
DESPROPORCIONALIDADE NÃO VERIFICADA. REGIME
FECHADO. PENA SUPERIOR A 4 ANOS E PENA-BASE ACIMA DO
MÍNIMO LEGAL. SUBSTITUIÇÃO. INVIABILIDADE. PENA
SUPERIOR A 4 ANOS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. O
Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado
pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o
conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso
previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido
formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se
conceder a ordem de ofício, em razão da existência de
eventual coação ilegal. 2. O julgador possui discricionariedade
vinculada para fixar a pena-base, devendo observar o critério
trifásico (art. 68 do Código Penal), e as circunstâncias
delimitadoras dos arts. 59 do Código Penal, em decisão
concretamente motivada e atrelada às particularidades
fáticas do caso concreto e subjetiva dos agentes. Assim, a
revisão desse processo de dosimetria da pena somente pode
ser feita, por esta Corte, mormente no âmbito do habeas
corpus, em situações excepcionais.
3. No caso, a pena-base foi exasperada com fundamentação
idônea, em razão das circunstâncias do crime - qualidade e
quantidade de armas e munições apreendidas-, pois a
conduta do acusado denota maior reprovabilidade quando
comparada com aquele que porta apenas uma única arma
de fogo ou um número não expressivo de munições.
Precedentes.
4. A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código
Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a
ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas
máximas e mínimas cominadas ao delito, revelando-se
proporcional o incremento realizado.
5. Não há se falar em outro regime que não o fechado, tendo
em vista que a pena-base foi aplicada acima do mínimo legal
e a sanção final ficou superior a 4 anos.
6. Permanecendo a pena em patamar superior a 4 anos de
reclusão, resulta incabível a substituição da pena.
7. Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 314.243/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/5/2017, DJe de
23/5/2017.)

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL


DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. BASILAR.
MAJORAÇÃO. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS. REGIME INICIAL
SEMIABERTO. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL
NEGATIVA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Conforme entendimento jurisprudencial adotado por esta
Corte, a apreensão da arma acompanhada de elevada
quantidade de munição - no caso concreto 1 pistola calibre
.380, 32 munições intactas de mesmo calibre, 1 carregador
de pistola e 1 munição intacta de calibre .380 - extrapola a
prática comum delitiva, constituindo justificativa idônea
para o aumento da pena-base para além do patamar
mínimo previsto na legislação de regência. Precedentes.
2. A existência de circunstância judicial negativa, que inclusive
serviu para afastar a pena-base do mínimo legal, constitui
fundamentação idônea para o agravamento do regime, para
a prevenção e a repressão do delito perpetrado, nos moldes
do art. 33, § 3º, do Código Penal.
3. Agravo desprovido.
(AgRg no HC n. 689.268/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares
da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de
12/11/2021.)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE


DROGAS E POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO
PERMITIDO COM NUMERAÇÃO RASPADA. ABSOLVIÇÃO
IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DE PROVAS. SUPOSTA AMIZADE
DA TESTEMUNHA COM O MAGISTRADO. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTIDADE E A
NATUREZA DAS DROGAS. 5,1KG DE COCAÍNA E 1KG DE
CAFEÍNA. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DOS CRIMES.
ELEMENTOS CONCRETOS. RÉU EM CUMPRIMENTO DE PENA
EM REGIME ABERTO, O POSTO DE HIERARQUIA EM
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E A QUANTIDADE DE MUNIÇÕES.
PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Tribunal local entendeu que o réu praticou os delitos de
tráfico de drogas e posse irregular de arma de fogo, de acordo
com o conjunto probatório colhido nos autos, mantendo,
portanto, a sentença penal condenatória. Para afastar a
fundamentação apresentada é necessário o reexame de todo
o conjunto probatório, o que é vedado em habeas corpus.
2. O tema referente à suposta amizade da testemunha com o
magistrado não foi submetido a debate na instância
ordinária, sendo que este Tribunal Superior encontra- se
impedido de pronunciar-se a respeito, sob pena de indevida
supressão de instância.
3. A quantidade e a natureza das drogas apreendidas
justificam o aumento da pena-base, em observância ao
disposto no art. 42 da Lei n.11.343/2006, o qual prevê a
preponderância de tais circunstâncias em relação às demais
previstas no art. 59 do Código Penal CP.
No tocante à culpabilidade e circunstâncias dos crimes, a
fundamentação também se mostra idônea para fins de
aumento da pena-base, porquanto baseada em elementos
concretos, quais sejam, o fato de o réu estar cumprindo pena
em regime aberto, o posto de hierarquia em organização
criminosa e a quantidade de munições apreendidas (22).
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 668.242/RS, relator Ministro Joel Ilan
Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de
10/12/2021.)

Em síntese, o incremento nas penas-base reconhecido e


aplicado em primeira instância, além de consentâneo com as regras de direito
material (artigo 59 do Código Penal), está em perfeita sintonia e conformidade
com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade (vedação da proteção
deficiente).

Conclui-se, portanto, que estão presentes, no caso concreto,


circunstâncias judiciais negativas, previstas no artigo 59 do Código Penal e
desconsideradas pelo Tribunal a quo, que, na escala de gravidade, distanciam as
condutas praticadas pelos recorridos das formas ordinárias da prática de infrações
dessas naturezas, autorizando, assim, a exasperação das penas-base nos moldes
realizados pelo Juízo de primeiro grau.

4. DA CONTRARIEDADE OU NEGATIVA DE VIGÊNCIA A DISPOSITIVO DE LEI


FEDERAL - artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.

Dispõe o § 4º do art. 33 da lei Especial:

“§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste


artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a
dois terços, vedada a conversão em penas restritivas
de direitos, desde que o agente seja primário, de
bons antecedentes, não se dedique às atividades
criminosas nem integre organização criminosa”
(g.n.).

Para sua incidência, a lei exige que o réu (a) seja primário; (b)
tenha bons antecedentes; (c) não se dedique à prática de infrações penais e (d)
não integre organização criminosa.

O v. acórdão reconheceu, para a condenação por tráfico de


drogas, o teor dos depoimentos prestados em juízo e das interceptações
telefônicas (que davam conta que o réu traficava há anos na cidade, envolvendo
seu filho adolescente), bem como da apreensão, na residência familiar, de drogas
e de duas armas de fogo (uma delas com numeração suprimida), um silenciador,
dois pentes de munição calibre 9mm com capacidade para 15 projéteis, além de
35 projéteis intactos 9mm e 20 cartuchos íntegros calibre 22.
Também reconheceu a prática dos crimes definidos nos
artigos 12 e 16, parágrafo único, inciso IV da Lei n. 10.826/03, tornando
despiciendo o debate sobre a dedicação do Recorrido a atividades criminosas,
pois o crime de posse ilegal de arma e munições é permanente, e o Recorrido
mantinha sob sua guarda uma Carabina com numeração raspada calibre 22 e 20
cartuchos respectivos íntegros, além de uma pistola 9mm, um silenciados, dois
pentes de munição para 9mm e 35 cartuchos de referido calibre íntegros, sem
autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Não obstante, o v. acórdão concluiu pela aplicação do redutor


previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 ao caso concreto.

Portanto, a despeito do reconhecimento da droga apreendida,


e também da condenação imposta ao Recorrido pelos crimes definidos nos artigos
12 e 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03, ao valorar tais elementos
de convicção, o v. acórdão aplicou a redução da pena, contrariando, assim, o
artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.

No tráfico de drogas, a posse ilegal de armas e munições é


circunstância que evidencia a dedicação a atividades criminosas e arreda a
possibilidade de aplicação do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei
nº 11.343/06.

Nesse sentido já decidiram a Colenda Quinta e Sexta Turma do


Superior Tribunal de Justiça, como se infere das seguintes ementas:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E PORTE ILEGAL DE


MUNIÇÃO. WRIT SUBSTITUTIVO. DESVIRTUAMENTO. § 4º DO ARTIGO
33 DA LEI Nº 11.343/2006. PRETENDIDA APLICAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS
EVIDENCIADAS. REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA SUPERIOR A 4 ANOS. IMPOSSIBILIDADE. WRIT
NÃO CONHECIDO.
1. Para a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.
11.343/06, é exigido do acusado que seja primário, tenha bons
antecedentes, não integre organização criminosa e não se dedique a
atividades criminosas.
2. Não obstante o paciente seja primário, as instâncias ordinárias
deixaram de apicar a causa especial de diminuição com fundamento nas
circunstâncias do caso concreto, as quais evidenciam sua dedicação a
atividades deituosas, notadamente ao narcotráfico, pois “além das
diversas denúncias que davam conta do tráfico por ele praticado, a
forma do acondicionamento da droga, sua quantidade e forma de
distribuição”, foram apreendidos “dez cartuchos de munição de uso
restrito juntamente como entorpecente”.
3. Não há ilegalidade na fixação do regime inicial fechado ao paciente,
primário, condenado a reprimenda total superior a 8 anos de reclusão e
que ostenta circunstâncias judiciais desfavoráveis.
4. As penas restritivas de direitos não substituem a privativa de
liberdade superior a 4 anos de reclusão.
5. Ordem não conhecida.”
(STJ, HC 301434/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. em
04/11/2014, DJe de 17/11/2014)

“PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE


RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA MINORANTE
PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. NÃO INCIDÊNCIA.
DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. REFORMATIO IN PEJUS. ORDEM
NÃO CONHECIDA.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no
sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso
legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento
da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante
ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem
de ofício.
2. No caso, a Corte estadual deixou de aplicar a minorante, porque junto
com a droga foram apreendidos balança, dinheiro, arma e munições,
“evidentes indicadores de sua dedicação a atividades criminosas,
fazendo, do comércio ilícito de drogas, o modo de vida” (e-STJ, fl. 21).
Tal circunstância, por permitirem a conclusão pela dedicação do
paciente a atividades criminosas, ampara a não incidência da causa de
dminuição do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
3. Ademais, não se verifica reformatio in pejus, visto que o Tribunal de
origem se manteve vinculado à horizontalidade do pedido, contudo,
verticalmente, é permitido ao Tribunal analisar todas as questões
relativas à discussão trazida na apelação, posto que a cognição é a mais
ampla, permitindo, assim, a alteração da fundamentação. Se não há
recurso da acusação, o que não se autoriza é que seja agravada a
situação do réu. Precedentes do STJ.
4. Habeas corpus não conhecido.”
(STJ, HC 314168/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. em 17/12/2015, DJe de
02/02/2016).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.


AFASTAMENTO DA REDUÇÃO DA PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA
LEI 11.343/2006. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. RECURSO DA
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA
APREENDIDA. FUNDAMENTO IDÔNEO. DESNECESSIDADE DE
REVOLVIMENTO DE MATÉRIA PROBATÓRIA.
INCIDÊNCIA NA PRIMEIRA OU NA TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA
PENAL.
DESPROVIDO.
I - Conforme orientação do col. STF, a circunstância desfavorável da
natureza e quantidade de entorpecentes apreendidos pode ser
considerada ora na primeira fase, para exasperar a pena-base, ora na
terceira fase da dosimetria, impedindo a aplicação ou modulando a
fração de redução da minorante contida no art. 33, § 4º, da Lei
11.343/2006.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas
do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois
terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o
agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa.
III - No presente caso, afastou-se o privilégio descrito no parágrafo 4º,
do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, ao fundamento de que o agravante se
dedicava às atividades criminosas, lastreando-se na natureza e
quantidade de droga apreendida, qual seja, 348 (trezentos e quarenta e
oito) pedras de crack, 2 (dois) cigarros de maconha, 18 (dezoito) pinos
de cocaína e 2 (duas) porções de maconha, além da apreensão de 1
(uma) arma de fogo, calibre 380 e 35 (trinta e cinco) munições do
mesmo calibre. Assim, a fundamentação exarada é adequada ao caso
concreto e justifica o afastamento da figura do tráfico privilegiado.
IV - "*...+ A questão discutida neste recurso especial não demanda o
revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento que é obstado
pela Súmula n. 7 deste Superior Tribunal, tal como ocorre, por exemplo,
com a valoração das circunstâncias judicias (uma a uma). O caso,
diversamente, demanda apenas o reexame da aplicação da pena,
providência admitida em caráter excepcional, nas hipóteses de
manifesta violação aos critérios dos arts. 59 e 68 do Código Penal e do
art. 42 da Lei n. 11.343/2006, sob o aspecto da legalidade, nas hipóteses
de falta ou de equívoco evidente de fundamentação das circunstâncias
judiciais (como no caso) ou, ainda, de erro de técnica no critério
trifásico de aplicação da pena" (AgRg no REsp n. 1.475.447/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 22/6/2015).
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.753.254/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, DJe 17/10/2018).”

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE


ENTORPECENTES E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO.
PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO QUANTO AO CRIME DA LEI DE ARMAS.
NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS
AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
1. Concluindo as instâncias de origem, de forma fundamentada, acerca
da autoria e materialidade delitiva assestadas ao agravante,
considerando a comprovada apreensão de armas e algumas munições
de uso proibido, inviável a desconstituição do raciocínio com vistas à
desclassificação para o crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/03,
pois seria necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos
autos, o que incidiria no óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. A necessidade de revolvimento de fatos e provas para o deslinde da
questão, impede a análise do recurso especial interposto pela alínea "c",
nos termos da jurisprudência deste Sodalício. DOSIMETRIA.
PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO PREVISTA
NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. APREENSÃO DE ARMAS E
MUNIÇÕES DE USO RESTRITO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
PREVISTOS EM LEI. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06 dispõe que para o crime de
tráfico de entorpecentes e suas figuras equiparadas as penas poderão
ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja
primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades
criminosas e não integre organização criminosa.
2. Na hipótese, a benesse foi afastada pelas instâncias de origem com
base nas circunstâncias concretas do crime, especialmente o fato de,
juntamente com os entorpecentes, terem sido encontradas várias armas
e munições de diferentes calibres, inclusive de uso restrito, a
demonstrar a dedicação à atividades criminosas, o que obsta a aplicação
da causa de especial diminuição de pena pretendida.
3. Agravo improvido.
(AgRg no AREsp n. 1.297.219/RS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta
Turma, julgado em 23/4/2019, DJe de 7/5/2019.)

Evidenciada a contrariedade ao artigo 33, § 4º da Lei


nº 11.343/06, impende revalorar as consequências dos fatos criminosos
reconhecidamente provados pelo v. acórdão, para concluir que a apreensão de
drogas aliada à posse ilegal de uma arma com numeração raspada e munições,
são circunstâncias que evidenciam a dedicação a atividades criminosas,
conclusão reforçada pelo fato de que os crimes dos artigos 12 e 16 da Lei
nº 11.343/06, assim como o tráfico de drogas, são crimes permanentes, e pelo
indício de que o Recorrido empregava arma de fogo para assegurar o exercício
de suas atividades ilícitas, fazendo dessas atividades criminosas seu meio de
vida, tudo a afastar a incidência da causa de diminuição de pena do artigo 33, §
4º, da Lei nº 11.343/06.

Portanto, ao aplicar a minorante da pena privativa de


liberdade a quem estava se dedicando a atividades criminosas, a Egrégia Corte
Bandeirante contrariou o disposto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006,
distanciando-se do entendimento que vem sendo adotado pela jurisprudência
desta Egrégia Corte Superior.

Afastado o redutor do §4º do artigo 33 da Lei 11343/06, com


redimensionamento das penas do crime de tráfico de drogas, bem como
redimensionadas as penas dos crimes da Lei nº 10826/03 (conforme item 3 deste
recurso), observado o concurso material de crimes (reconhecido na sentença
criminal e mantido pelo acórdão ora recorrido), o regime inicial de cumprimento
de pena deverá retornar para o fechado, nos moldes do que havia sido
fundamentadamente imposto em primeiro grau na r. sentença condenatória de
fls. 265/269.

5. DO PEDIDO

Ante o exposto, demonstrada a contrariedade e negativa de


vigência a dispositivo de lei federal, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
aguarda seja deferido o processamento do presente RECURSO ESPECIAL, a fim de
que, submetido à elevada apreciação do Egrégio Superior Tribunal de Justiça,
mereça CONHECIMENTO e PROVIMENTO, reformando-se o v. acórdão proferido
nos autos de apelação criminal, para afastar a causa de diminuição de pena do
artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 e reconhecer a ofensa ao artigo 59 do Código
Penal na dosimetria, restabelecendo-se, por consequência, as penas aplicadas na
r. sentença criminal (fls. 265/269) para os crimes dos artigos 33, caput, c.c. 40, VI,
da Lei 11343/06 e as aplicadas para os crimes dos 12 e 16, parágrafo único, IV, da
Lei 10826/03, em concurso material de crimes, bem como o restabelecimento do
regime inicial fechado para cumprimento da pena.

São Paulo, 20 de junho de 2022.

FÁBIO BRAMBILLA
Promotor de Justiça Designado
1
(PORTARIA Nº 7904/16 – DOE DE 08.07.2016)

1 DOE DE 08.07.2016: I – Portarias de 07/07/2016


1-PORTARIA Nº 7904/16 – DOE DE 08.07.2016

Designando: nº 7904/2016 – Fábio


A - Subprocuradoria-Geral de Justiça de Políticas Administrativas e Institucionais:
Brambilla, 57º Promotor de Justiça da Capital, para, com prejuízo de suas atribuições normais e
anteriores designações, prestar serviços junto à Equipe de Recursos Extraordinários e Especiais
Criminais, a partir de 1º de julho de 2016.
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/DO_Estado/2016/DO_08-07-2016.html

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