Afinal de contas, porte de arma branca é
Trazer consigo arma fora de casa
crime?
CONTRAVENÇÃO PENALARMA
BRANCADECRETO LEI Nº 3.688 DE 03
DE OUTUBRO DE 1941DIREITO PENAL
Afinal de contas, porte de arma branca é
crime?
No final do mês de maio deste ano (2015),
ondas de crimes com facas assolaram a
cidade do Rio de Janeiro. A repercussão
dos delitos dessa natureza fortaleceu os
projetos de lei que objetivam criminalizar o
porte de armas brancas. Assim, vamos
mergulhar nesta discussão.
Inicialmente, como podemos ver, o Instintivamente pensamos na solução para
conceito jurídico de arma branca está no
artigo acima. Tal dispositivo nos remete,
equivocadamente, à ideia que somente
facas, canivetes, punhais, foices,
machados, dentre outros, encaixam-se
nessa classificação. Contudo, podemos
afirmar, sem dúvidas, que seu conceito
abrange qualquer tipo de arma que não
seja de fogo.
Afinal, o que o legislador quis dizer com
“artefato cortante”? Qualquer objeto que
seja usado para ferir alguém tem o poder
de corte, seja com ou sem gume. Assim,
cassetetes, porretes, soco ingleses, e
vários outros objetos podem perfeitamente
ser considerados.
Vamos analisar o Artigo 19 da Lei de
Contravencoes Penais:
Art. 19.
ou de dependência desta, sem licença da
autoridade:
Pena – prisão simples, de quinze dias a
seis meses, ou multa, de duzentos mil réis
a três contos de réis, ou ambas
cumulativamente (BRASIL, 1941, online)
O que é arma? Que tipo de arma está se
referindo? A questão vai mais além. Se
qualquer arma, que não seja de fogo, é
branca, então é permitido considerar até
mesmo uma simples caneta como tal. Se
assim for, esbarramos na insegurança
jurídica, que não pode prevalecer em
nosso ordenamento jurídico.
sanar o problema: identificar as armas
produzidas para o ataque e/ou defesa, e as
armas que não são produzidas com essa
finalidade, mas, que podem ser usadas
eventualmente como tal. Arma própria e
arma imprópria, respectivamente.
É de suma importância entender o sentido
teleológico do Artigo 19 da Lei de
Contravencoes Penais. O legislador deixou
em aberto sobre qual arma se referiu, mas,
por outro lado, deixou um rastro: a tal da
“licença da autoridade”.
Antes do advento da Lei 9.437/97 e da
Lei 10.826/03, o porte de arma de fogo,
juntamente com o porte de arma branca,
era contravenção penal. Com o aumento
da criminalidade, as leis acima vieram para
criminalizar a conduta, restando vigente
apenas a Lei 10.826/03.
E as armas brancas? Para a corrente que punhais, ou facões em forma de punhal;
as defende, o seu porte não é crime pela e também as bengalas e guarda-chuvas
razão de não existir tipificação no CP, e ou quaisquer outros objetos contendo
nem é contravenção, por conta do punhal, espada, estilete ou espingarda‟,
Artigo 19 da LCP ser uma norma penal em além de facas cuja lamina tenha mais de
branco. Essa parte da doutrina sustenta 10 centímetros de comprimento e
que falta a regulamentação, uma vez que navalhas de qualquer dimensão…‟ (art.
não existe nenhum ato administrativo que 5º) (…) Não pode um decreto disciplinar
obrigue o particular a retirar licença para matéria penal, que é, nos termos do
portar arma branca. atual texto constitucional, assunto
A fundamentação está consagrada no privativo da União (art. 22, I, CF)”. (Leis
seguinte artigo da Constituição Penais e Processuais Penais Comentadas,
Federal (1988): “Art. 5º. II – ninguém será 2ª edição, 2007, Ed. RT, p. 152)
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma Em mesmo sentido decidiu o Tribunal de
coisa senão em virtude de lei;” Justiça de Pernambuco (BRASIL, TJPE,
Nucci, citado por Galvão (2012, online), 2015, online, grifo nosso):
reforça o raciocínio, acrescentando DIREITO PENAL. APELAÇÃO. CRIME DE
argumentações sobre o Decreto 6.911/35 AMEAÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PORTE
(grifo nosso): DE ARMA BRANCA. ART. 19, DA LCP.
“Não há lei regulamentando o porte de REGULAMENTAÇÃO INEXISTENTE.
arma branca de que tipo for. Logo, é ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO
impossível conseguir licença da DESPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. –
autoridade para carregar consigo uma […] – Na contravenção penal prevista no
espada. Segundo o disposto no artigo 19 do Decreto-lei 3.688/41, é pacífico
art. 5º, II, da Constituição Federal, o entendimento jurisprudencial e
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de doutrinário de que o referido dispositivo
fazer alguma coisa senão em virtude de legal não foi revogado pela Lei 9.437/97,
lei. Há outro ponto importante. Cuida-se de que disciplinou o uso de armas de fogo,
tipo penal incriminador, razão pela qual não mas apenas derrogado, persistindo a
pode ficar ao critério do operador do direito contravenção quanto ao porte de arma
aplicá-lo ou não, a seu talante.(…) Não branca. – Contudo, nenhuma norma
desconhecemos que há argumentos disciplinadora de licença para o porte
sustentando a vigência do Decreto foi editada, sendo, portando, atípica a
6.911/35, que proíbe o porte de armas conduta do réu, não pela revogação do
brancas destinadas usualmente à ação mencionado dispositivo legal, mas pela
ofensiva, como punhais ou canivetes- falta de norma regulamentadora. –
Tendo em vista que restou provada a punhais, sabres, espadas, etc. (grifo
inexistência do fato caracterizador do nosso)
crime de ameaça e que a conduta do O Superior Tribunal de Justiça (BRASIL.
porte de arma branca não está STJ, 2015, online, grifo nosso), já decidiu
abrangida pela contravenção de que fala neste sentido:
o art. 19, do Decreto-Lei nº 3.688/41, AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO
mantenho a absolvição declarada na ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.
sentença. – Recurso conhecido e PORTE DE ARMA BRANCA. ALEGADA
desprovido. (TJ-PE – APL: 2567546 PE , ATIPICIDADE. ART. 19 DA LEI DAS
Relator: Fausto de Castro Campos, Data CONTRAVENCOES PENAIS.
de Julgamento: 17/03/2015, 1ª Câmara LEI 9.437/1997. REVOGAÇÃO APENAS
Criminal, Data de Publicação: 26/03/2015) NO QUE SE REFERE AO PORTE DE
O argumento é bem aplicado e em ARMA DE FOGO. SUBSISTÊNCIA DA
consonância com o instituto da norma CONTRAVENÇÃO QUANTO AO PORTE
penal em branco. No entanto, é necessário DE ARMA BRANCA. RECURSO
cautela em não ignorar a finalidade do DESPROVIDO. A Lei 9.437/1997, ao
conceito de arma própria, e nem ignorar o instituir o Sistema Nacional de Armas e
princípio da razoabilidade. Se a arma tipificar o crime de porte não autorizado
branca foi produzida com a finalidade de de armas de fogo, não revogou o
ataque e/ou defesa, além de ter potencial art. 19 da Lei das Contravencoes Penais ,
lesivo, não é razoável seu porte em vias de forma que subsiste a contravenção
públicas. Portanto, o penal em relação ao porte de arma
Artigo 19 da LCP deve ser aplicado. branca. Precedentes. Agravo regimental
Vejamos o que sustenta Gonçalves, citado desprovido. (STJ, AgRg no RHC
por Rufato (2015, online): 26.829/MG, Rel. Ministra MARILZA
O art. 19 da Lei das Contravencoes MAYNARD (DESEMBARGADORA
Penais deixou de ter aplicação em relação CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA,
às armas de fogo, desde o advento da Lei julgado em 08/05/2014)
n. 9.437/97, que transformou tal conduta Apesar das duas correntes sustentarem
em crime. Atualmente, os crimes argumentos plausíveis, um princípio do
envolvendo a posse e o porte de arma de Direito Penal foi ignorado pela última
fogo estão previstos na Lei n. 10.826/03 corrente adotada pelo STJ, reservados os
(Estatuto do Desarmamento). O devidos respeitos à decisão da corte. O
dispositivo, portanto, continua tendo princípio in dubio pro reo(na dúvida, em
incidência apenas para as armas favor do réu).
brancas, como facas, facões, canivetes,
Não cabe ao magistrado interpretar de Campos (PSDB-GO). Segue a redação da
forma que prejudique o réu em matéria lei:
penal. É honesto e correto que, Art. 16-A. Portar arma branca em via
dependendo da arma branca, ela cause pública, locais de espetáculos ou diversões
ameaça real à incolumidade pública. Não e em desacordo com determinação legal
há dúvidas sobre isso. Porém não justifica ou regulamentar.
que o Artigo 19 da LCP puna cidadãos que Pena – detenção de 1 (um) mês a 1 (um)
pratiquem um ato não regulado. Que seja ano e multa.
regulado! 1º Entende-se como arma branca, todo
Tal corrente adotada pelo STJ soa mais instrumento constituído de lâmina de
como um ato emulativo, isto é, um abuso qualquer material cortante ou pérfuro-
de direito que busca apenas prejudicar o cortante, tais como espadas, adagas,
réu, totalmente contra o que o Código fundas e punhais, e instrumentos que
Penal pátrio propõe. podem ser usados eventualmente como
Nesse contexto, há dois projetos de lei armas, tais como navalhas, arpões,
tramitando que visam criminalizar o porte flechas, soco-inglês, seringas com agulhas
de arma branca: a PL 2967/04 objetiva hipodérmicas, instrumentos de lutas
regulamentar tanto a posse quanto o porte marciais ou outros instrumentos similares
da arma branca, proibindo-a tanto quanto a capazes de causar ofensa a saúde ou a
arma de fogo (BRASIL, 2004), e a PL integridade física de outrem.
1873/15, que soa mais diplomática: 2º Excluem-se da vedação do caput as
Ementa armas brancas utilizadas por profissionais,
Torna crime portar armas brancas esportistas, caçadores, pescadores e
destinadas usualmente à ação ofensiva, outras atividades e situações que
como faca, punhal, ou similares, cuja justifiquem o seu uso.
lâmina tenha mais de 10 (dez) centímetros 3º Para a caracterização do crime e
de comprimento, em locais públicos, consequente autuação o Delegado de
veículos de transportes públicos e em Polícia terá que fundamentar analisando o
locais privados onde haja movimento ou tipo de arma, local da prisão, conduta e
concentração de pessoas. (BRASIL, 2015, antecedentes do preso. (BRASIL,
online) 2015, online)
Por tratarem do mesmo objeto, os dois Já podemos vislumbrar questionamentos.
projetos de lei foram apensados O parágrafo segundo, por exemplo, deixa
recentemente. Inclusive, a PL 2967/04 em aberto quando ocorrerá a exclusão ao
houve parecer favorável do Deputado João dizer “[…] e outras atividades e situações
que justifiquem seu uso” (grifo nosso). qualificadora. Ressalto que também é
Quais situações? interessante observar a antecedência
Seria admitida a situação do cidadão que criminal do sujeito, além de verificar a
portaria uma pequena lâmina em via natureza e a forma do artefato à luz do
pública unicamente para sua defesa? E se princípio da razoabilidade. Juridicamente,
comprovado que não há animus dolendi em não existe diferença entre bombas e
cometer delitos? pistolas, mas há grande diferença
Além disso, percebemos o quão volátil é o entre katanas e canivetes.
assunto. Praticamente qualquer artefato é
capaz de se tornar arma. Mesmo que seja REFERÊNCIAS BRASIL. Câmara dos
criminalizada a arma branca, nada impede Deputados. Projeto de Lei 1873/2015:
que outros objetos escapem da filtragem e Torna crime portar armas brancas
revelem sua periculosidade antes ou no destinadas usualmente à ação ofensiva,
momento da prática criminosa, como faca, punhal, ou similares, cuja
prejudicando o objetivo da lei, que é lâmina tenha mais de 10 (dez) centímetros
desarmar o cidadão em prol da segurança. de comprimento, em locais públicos,
Cintos com fivela de metal podem a veículos de transportes públicos e em
qualquer momento se tornar arma branca. locais privados onde haja movimento ou
Se começarem a usar o acessório para concentração de pessoas. Brasilia-DF: 11
praticar lesões corporais, será proibido jun. 2015. Disponivel em:
usá-lo em locais públicos, espetáculos e <http://www.câmara.gov.br/proposicoesWe
outros lugares, conforme a redação do b/fichadetramitacao?
artigo prevê? Vamos com calma. idProposicao=1306662>. Acesso em: 24
Por ser um perigo real, a arma de fogo tem ago. 2015. ______. Câmara dos
um conceito restrito, claro e objetivo, Deputados. Projeto de Lei 2967/2004:
justificando a regulamentação e Dispõe sobre a proibição do porte de
criminalização do porte ilegal. Por outro armas brancas e dá outras providências.
lado, a arma branca nem sempre Brasilia-DF: 11 fev. 2004. Disponivel em:
apresenta um perigo real, pois depende da <http://www.câmara.gov.br/proposicoesWe
natureza e da forma do artefato, além, b/fichadetramitacao?
claro, do contexto que está inserida. Isso idProposicao=153583>. Acesso em: 24
justifica porque não foi regulada. ago. 2015.
Com efeito, conclui-se desnecessário BRASIL. Constituição (1988). Constituição
criminalizar o porte de arma branca. É da Republica Federativa do Brasil . Brasília,
suficiente punir o indivíduo que a usou DF: Palácio do Planalto Presidência da
como meio para praticar crimes, a título de República, 1988. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /co %20TESES/TESE.07.12.pdf>. Acesso em:
nstituição/constituição.htm>. Acesso em: 24 ago. 2015. GLOBO. G1: Cunha diz que
24 ago. 2015. BRASIL. Lei nº 3.665, de 20 levará ao plenário texto que criminaliza
de novembro de 2000. Dá nova redação ao porte de arma branca, 2015. Disponível
Regulamento para a Fiscalização de em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/notici
Produtos Controlados (R-105), DF: Palácio a/2015/05/cunha-diz-que-apoia-
do Planalto Presidência da República, criminalizacao-de-uso-de-arma-
2000. Disponível em: branca.html. Acesso em: 24 ago. 2015
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decret RUFATO, Pedro Evandro de Vicente. A
o/d3665.htm>. Acesso em: 24 ago. 2015. contravenção de porte de arma branca está
______. Lei nº 3.688, de 3 de outubro de em vigor e não depende de
1941. Lei das Contravencoes Penais. regulamentação. Boletim Jurídico,
Brasília, DF: Palácio do Planalto Uberaba/MG, v. 5, n. 1240. Disponível em:
Presidência da República, 1941. Disponível <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrin
em: a/texto.asp?id=4080> Acesso em: 27 ago.
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decret 2015.
o-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 24 ago. Por: Mário César
2015. BRASIL. Superior Tribunal de
Justiça. Agravo Regimental no Recurso Em épocas de eventos populares, como
Ordinário em Habeas Corpus nº 26829 - protestos, carnavais, festas e
MG (2009/0184116-0). Agravante: campeonatos esportivos, o grande
Cristiano Araújo Silva. Agravado: Tribunal número de prisões de indivíduos portando
de Justiça do Estado de Minas Gerais. instrumentos cortantes levanta dúvidas
Relator: Ministra Marilza Maynard. Distrito sobre a existência ou não de um delito
Federal, 8 de maio de 2014. BRASIL. nessa conduta.
Tribunal de Justiça de A indagação normalmente levada ao
Pernambuco. Apelação nº 2567546 - PE. Advogado Criminal tem fundamento: “Se
Apelante: Não informado. Apelada: Não há crime no porte de facas, como elas são
informado. Relator: Fausto de Castro vendidas livremente? As pessoas podem
Campos. Pernambuco, 17 de março de transportar canivetes e facões
2015. GALVÃO, Bruno Haddad. É atípico o trivialmente, como observamos?”.
porte de arma branca. V Encontro Estadual No artigo de hoje, explicaremos essa
dos Defensores Públicos de São Paulo. questão para todos vocês que podem
São Paulo, 2012. Disponível em: estar na dúvida se há algo de errado em
<http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Re carregar aquela faca de cortar frutas na
positorio/20/Documentos/TODAS%20AS bolsa.
Porte de faca pode ser considerado um precisamente o que diferencia o porte
delito legal do porte ilegal de arma de fogo.
Na Lei de Contravenções Penais Mas quanto às armas brancas, não há
(Decreto-lei nº 3.688/41), temos um artigo nenhuma norma que explique essa
que traz a seguinte previsão: licença exigida pelo art. 19 da Lei de
Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa Contravenções. Como então saber
ou de dependência desta, sem licença da quando posso trazer comigo um
autoridade: instrumento cortante?
Pena – prisão simples, de quinze dias a Contexto X Utilização
seis meses, ou multa, de duzentos mil réis A inexistência de uma norma que institua
a três contos de réis, ou ambas a licença para trazer consigo uma arma
cumulativamente. branca levou ao questionamento quanto à
É nele que normalmente são enquadradas validade ou não do art. 19 para tais
as pessoas flagradas com instrumentos objetos.
cortantes. Ainda que formalmente seja Embora falte ao STF analisar a questão (o
uma contravenção, é, ainda assim, um que deve demorar), a maioria dos
delito. Pode trazer consequências penais. tribunais entendem que a norma é válida.
Mas observe que o artigo fala de “arma”. Via de regra, é vetado o porte de armas
Não especifica se é arma de fogo ou arma brancas.
branca. E para esclarecer, consideram- Contudo, não havendo licença a ser dada
se armas brancas aqueles por autoridade, o juiz passa a ter que
instrumentos que não foram projetados avaliar outros critérios, para dizer se há
especificamente para a agressão, mas ilegalidade ou não no porte.
podem ser utilizados assim. Segundo o que tem sido reafirmado pelas
Em relação às armas de fogo, os várias decisões sobre o tema, o julgador
Tribunais Superiores já confirmaram que deve analisar, em geral, duas questões: o
esse artigo 19 não se aplica mais. Trazer CONTEXTO do porte do instrumento
consigo uma arma de fogo, sem licença cortante, e a UTILIZAÇÃO pretendida.
da autoridade, incide no art. 14 ou no art. Por exemplo, a senhora pega no
16 do Estatuto do Desarmamento, que é aeroporto com uma faca de cozinha e
uma lei bem diferente da Lei de uma maçã insere-se em um CONTEXTO
Contravenções. de aparente inofensividade, enquanto o
Veja que repetimos a expressão “sem jovem mascarado que adentra a agência
licença da autoridade”. Se há licença da bancária com uma idêntica faca escondida
autoridade, não há qualquer delito. É não traz a mesma impressão.
Já na UTILIZAÇÃO pretendida, temos um
critério mais complexo. Aproxima-se de
questões como intenção, culpa e vontade.
Então, o que faz aqui o juiz é presumir o
que pretende a pessoa ao portar aquele
instrumento, diante daquelas
circunstâncias concretas.
Daí parece ser razoável ao cortador de
cana caminhar com seu facão pelas
redondezas da plantação, durante o dia.
Mas não podemos dizer o mesmo daquele
que adentra um bar cheio, com o facão
amarrado na cintura, às 10 da noite.
Como cliente de um bar, é muito mais
difícil justificar o porte desse
instrumento.
E embora estejamos falando mais
especificamente de armas cortantes, o
mesmo raciocínio é aplicável a todo tipo
de objeto que possa ser utilizado para
ofender a integridade física de alguém. É
o caso dos instrumentos esportivos (tacos
de baseball, raquetes, tacos de golf, etc),
instrumentos de cozinha (rolos de massa,
picadores de gelo, etc), ou ferramentas de
conserto (martelos, pregos, etc).
Em relação a todos esses objetos, a
legalidade ou não do porte deve ser
analisada circunstancialmente.
O caso específico do porte de armas
brancas em eventos esportivos
Desde 2003, os escritórios de Advocacia
Criminal passaram a lidar com uma
demanda especificamente relacionada ao
porte de armas brancas em eventos
esportivos. Foi nesse ano que o Estatuto
do Torcedor (Lei nº 10.671) passou a
trazer uma previsão específica ligada a
esse tema:
Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou
incitar a violência, ou invadir local restrito
aos competidores em eventos esportivos:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos
e multa.
§ 1º Incorrerá nas mesmas penas o
torcedor que:
(...)
II – portar, deter ou transportar, no interior
do estádio, em suas imediações ou no seu
trajeto, em dia de realização de evento
esportivo, quaisquer instrumentos que
possam servir para a prática de
violência.
Em outras palavras, se estivermos falando
de um estádio esportivo, suas imediações,
ou no trajeto para ele, o porte de objetos
potencialmente nocivos à integridade de
outra pessoa pode ser compreendido
como o delito do artigo 41-B acima.
E aqui um alerta: esse crime é mais
severamente punido do que o do artigo 19
da Lei de Contravenções. Portanto, um
desestímulo maior, para o porte de armas
brancas em tais circunstâncias.
O papel da polícia
Entre a caminhada do indivíduo na praça
da cidade com a faca de churrasco em
punho e a sentença do Juiz, há um
espaço muito grande de tempo, debates e
procedimentos. Quando aquele indivíduo
é abordado pelo poder público, são os
agentes policiais que geralmente têm que
lidar com a situação, em um primeiro
momento.
Por isso, a análise de CONTEXTO e
UTILIZAÇÃO, que atribuímos ao
magistrado, é inicialmente transferida
àqueles que estão exercendo o poder de
polícia.
Tal enfrentamento inicial demanda muita
tranquilidade e equilíbrio por parte
desses agentes. O canivete no chaveiro
de casa ou a tesoura no estojo da escola,
podem levar a interpretações
equivocadas, em cenários compostos pelo
caos e pelos ânimos exaltados. Protestos,
brigas generalizadas e arrastões são os
maiores representantes de tais contextos.
A melhor defesa, indicada por qualquer
Advogado Criminal, é profilática. Deve-se
eliminar o espaço das dúvidas e
interpretações. Por isso, procure deixar
em casa todo objeto com potencial
para prejudicar fisicamente alguém.
Agora você entende que, mesmo sem
qualquer intenção maliciosa, o
prejudicado também pode ser você.