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Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (TURMA) Nº 5031604-


41.2020.4.04.0000/PR
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEANDRO PAULSEN
REQUERENTE: MARCELLO ALEXANDRE CANETE
ADVOGADO: CIRO BRÜNING (OAB PR020336)
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador Federal Leandro


Paulsen: 1. Descrição sucinta. Trata-se de medida cautelar inominada
proposta pela defesa de Marcelo Alexandre Canete objetivando atribuir
efeito suspensivo para agravo em execução penal. No agravo 5000973-
15.2020.4.04.7017 sustenta o agravante hipótese de extinção da
punibilidade, na forma do art. 107, inciso III, do Código Penal.

Marcelo foi condenado pela prática do crime tipificado no


artigo 18 c/c artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/03, pelo fato de ter
importado e transportado, sem autorização da autoridade competente, 43
(quarenta e três) miras telescópicas, 03 (três) miras telescópicas tipo “red
dot”, 5 (cinco) miras holográficas tipo “red dot” e 02 (duas) miras
telescópicas holográficas tipo “red dot”, de fabricação chinesa e norte-
americana, itens consideradas acessórios de arma de fogo e de uso restrito.

Assevera a defesa que o novo tratamento dado pelo Poder


Executivo para o uso e aquisição de armas de fogo, munição e acessórios
constitui, no caso do reeducando, hipótese de abolitio criminis. Com a
medida cautelar pretende a defesa afastar o risco de submeter o agravante
ao cumprimento de penas restritivas de direitos que estão extintas, diante do
novo tratamento em regulamento da matéria.

2. Parecer. A Procuradoria Regional da República opinou


pela improcedência da cautelar (ev. 7).
:
É o relatório.

Peço dia.

VOTO

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen: 1. Quando da


análise do pedido liminar, assim me manifestei:

"2. Fundamentação. Em circunstâncias excepcionais admite-se o


manejo de medida cautelar para atribuir efeito suspensivo a recursos
recebidos somente no efeito devolutivo. Todavia, o deferimento
da medida pleiteada pressupõe, além da nota distintiva
de extraordinariedade da situação, a demonstração de risco de grave
dano ao postulante e também a plausibilidade do direito alegado.

Pois bem, o requerente entende que sobreveio a abolitio criminis por


conta da atual regulamentação da Lei 10.826/03, a qual deixou de
considerar que as miras holográficas e telescópicas importadas
constituam acessório de uso restrito, exclusivo das Forças Armadas,
ou mesmo que os acessórios em questão constituam itens de
importação controlada pelo Exército.

O argumento não prospera. Isso porque a tese confunde a modificação


da classificação de uso do acessório bélico transportados pelo
agravante com uma inexistente liberação irrestrita para importação
dos referidos petrecho. Armamentos e acessórios, ainda quando sejam
de uso permitido, dependem sim de autorização do Poder Público
para que sejam introduzidos em território nacional. A modificação
do status de miras e lunetas quanto a amplitude de seu uso não altera
a definição jurídica do fato narrado na inicial.

Explico.

A matéria relacionada à importação de armas de fogo e respectivos


acessórios é tratada pela Lei 10.826/03. Assim dispõe atualmente a
norma:

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do


território nacional, a qualquer título, de arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização da autoridade
competente:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e


multa. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
:
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou
entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de
importação, sem autorização da autoridade competente, a
agente policial disfarçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é


aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição
forem de uso proibido ou restrito.

[...]

Art. 23. A classificação legal, técnica e geral bem como a


definição das armas de fogo e demais produtos controlados, de
usos proibidos, restritos, permitidos ou obsoletos e de valor
histórico serão disciplinadas em ato do chefe do Poder
Executivo Federal, mediante proposta do Comando do
Exército. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)

[...]

Art. 27. Caberá ao Comando do Exército autorizar,


excepcionalmente, a aquisição de armas de fogo de uso restrito.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às


aquisições dos Comandos Militares.

Como se percebe a partir da leitura do caput do art. 18 da


norma em questão, toda e qualquer arma ou acessório necessita
de autorização do Poder Público para que seja introduzida em
território nacional pela via da importação. Ocorre que
a importação irregular de armas e acessórios qualificados
como de "uso proibido" ou "uso restrito" não apenas culminava
na incidência da figura típica do caput do art. 18, mas também
determinava a aplicação de causa de aumento de pena regida
pelo art. 19.

Avançando em tal análise, verifica-se que a regulamentação


atinente ao regime jurídico aplicável às miras em discussão
estava prevista no Decreto nº 3.665/00: Art. 16. São de uso
restrito: [...] XVI - equipamentos para visão noturna, tais como
óculos, periscópios, lunetas, etc; A norma ainda era completada
pelo seu anexo I que, expressamente, apontava luneta para
armas (mira), ainda que não preparada para utilização
noturna, como produto a ser especialmente controlado pelo
Exército por se tratar de instrumento destinado ao uso das
Forças Armadas.
:
Ocorre que tal regulamento foi revogado, em setembro de 2019,
pelo Decreto 10.030. A nova norma estabeleceu que a definição
dos PCE "Produtos Controlados pelo Exercito" passaria a
competir exclusivamente ao Comando do Exército:

Art. 4º Compete ao Comando do Exército a elaboração da lista


dos PCE e suas alterações posteriores.

Dando cumprimento a tal determinação, a Portaria nº 118 do


Comando Logístico do Exército trouxe uma listagem daqueles
produtos bélicos a serem especialmente controlados por conta
de seu uso restrito. Especificamente em relação aos acessórios
para armas de fogo, o documento traz como sujeito a tal
controle o seguinte grupo de produtos: conjunto de conversão
de funcionamento, conjunto de conversão de emprego, conjunto
de conversão de calibre, supressor de som, quebra-chamas.

Perceba-se que inexiste qualquer tipo de especificação ou


detalhamento acerca de quais itens acessórios compõem os
denominados "conjuntos de conversão de funcionamento e
emprego da arma de fogo" sujeitos a especial intervenção do
exército para importação. Aliás, a genérica expressão
"conjuntos de conversão de funcionamento e emprego de armas
de fogo" sequer havia sido utilizada nos regramentos
anteriores, o que afasta a possibilidade de uma interpretação
sistemática ou histórica.

Reitero que armas de fogo e seus acessórios necessitam de


autorização para sua importação, ainda quando não sejam de
uso restrito, exclusivo das Forças Armadas. O caráter restrito
das armas ou acessórios apenas faz incidir causa de aumento
de pena por ocasião da dosimetria, mas não afasta o caráter
ilícito da conduta perpetrada. A ação praticada pelo réu era
ilícita e continua caracterizando a conduta típica do art. 18 da
Lei 10.826.

A única modificação concreta é que miras e lunetas deixaram


de ser de uso restrito, o que não significa que sua importação
tenha deixado de reclamar a competente autorização do Poder
Público.

A modificação dos regulamentos da Lei 10.826/03 não


instituíram (e sequer poderiam, pois haveria choque com a
norma) o livre e irrestrito ingresso de armas e acessórios em
território nacional quando tais produtos sejam de uso
permitido. Inexiste abolitio criminis, mas, na melhor das
hipóteses para os agravante, hipótese de novatio legis in
mellius, já reconhecida pelo juízo de origem."
:
2. Não merece prosperar a tese de abolitio criminis levantada
pela defesa. Isso porque o novo enquadramento fixado pelo Executivo
apenas passa a considerar miras e lunetas como de uso permitido, em nada
afetando a necessidade de autorização da autoridade competente, elemento
basilar do tipo penal do artigo 18 da Lei nº 10.826/03.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à cautelar


inominada.

Documento eletrônico assinado por LEANDRO PAULSEN, Desembargador Federal Relator, na


forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª
Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está
disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o
preenchimento do código verificador 40002202743v3 e do código CRC 7d19ebdc.

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Signatário (a): LEANDRO PAULSEN
Data e Hora: 21/12/2020, às 9:41:2

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CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (TURMA) Nº 5031604-


41.2020.4.04.0000/PR
:
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEANDRO PAULSEN
REQUERENTE: MARCELLO ALEXANDRE CANETE
ADVOGADO: CIRO BRÜNING (OAB PR020336)
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL PENAL. ATRIBUIÇÃO DE


EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVO EM EXECUÇÃO.
ABOLITIO CRIMINIS.

1. O deferimento da medida cautelar inominada, objetivando


atribuir efeito suspensivo a recurso recebido somente
no efeito devolutivo, depende da demonstração de risco de
grave dano ao postulante e também da plausibilidade do
direito alegado.

2. O Decreto Presidencial nº 10.030/2019 alterou a


classificação dos acessórios de arma de fogo importados,
enquadrando-os como "de uso permitido" e não mais de "uso
restrito". Todavia, o novo enquadramento em nada afeta a
necessidade de autorização da autoridade competente,
elemento basilar do tipo penal do artigo 18 da Lei nº
10.826/03.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima


indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
decidiu, por unanimidade, negar provimento à cautelar inominada, nos
termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de dezembro de 2020.

Documento eletrônico assinado por LEANDRO PAULSEN, Desembargador Federal Relator, na


forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª
Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL


DE 16/12/2020

CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL (TURMA) Nº 5031604-


41.2020.4.04.0000/PR
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEANDRO PAULSEN
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES
LENZ
PROCURADOR(A): LUIZ FELIPE HOFFMANN SANZI
REQUERENTE: MARCELLO ALEXANDRE CANETE
ADVOGADO: CIRO BRÜNING (OAB PR020336)
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia
16/12/2020, na sequência 25, disponibilizada no DE de 03/12/2020.

Certifico que a 8ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu


a seguinte decisão:
:
A 8ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À
CAUTELAR INOMINADA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL LEANDRO PAULSEN


VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL LEANDRO PAULSEN
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES
LENZ
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
VALERIA MENIN BERLATO
Secretária

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