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ETNOBIOLOGIA

Autora: Fabiane Borges Rocha-Coelho

Sumário

I. Etnobiologia? O que é isso?

II. Quais os métodos utilizados em Etnobiologia?

III. Principais abordagens etnobiológicas

IV. Mas, todos esses estudos estão regulamentados?

V. Por que a Etnobiologia é um “processo


emergente”?

VI. Referências
I. Etnobiologia? O que é isso?

Esta é a pergunta que geralmente se ouve quando mencionado este nome


grande e, relativamente, diferente. Apesar de ser uma disciplina nova, a Saiba mais
Antropólogo é o
Etnobiologia já era objeto de estudo de antropólogos1 no início do século profissional das
XIX, que ao estudarem os índios das Américas buscavam entender também Ciências
suas relações com a natureza. É por isso que uma das definições mais Humanas que
realizam
completas do que vem a ser a termo Etnobiologia vem de um antropólogo estudos acerca
norte-americano chamado Darrell Posey. Em 1945, em um clássico para os do ser humano,
e do que lhe é
interessados em etnobiologia, o livro Suma Etnológica Brasileira (Figura 1), a
característico.
Etnobiologia é definida por Posey como sendo o “estudo do conhecimento e
das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da
biologia”, estando este diretamente relacionado com a ecologia humana, Saiba mais
Cognitivo é
enfatizando as categorias e conceitos cognitivos2 do grupo em estudo. relativo ao
conhecimento
ou ao ato de
conhecer e
organizar
percepções,
experiências,
informações,
formando e
desenvolvendo
comportamento
s e capacidades.

Figura 1: O clássico Suma Etnológica Brasileira

De forma mais direta, Martin (2001) diz que o prefixo etno é uma
forma simplificada de dizer “esta é a maneira como os outros vêem o
mundo”, e que, sempre que esse prefixo anteceder ao nome de uma
disciplina acadêmica, quer dizer que os pesquisadores estão em busca da
percepção de uma determinada comunidade frente a um dado aspecto do
conhecimento científico e/ou cultural.
Desse modo, a Etnobiologia surge como uma disciplina que tem por
objetivo estabelecer o contato entre as classificações biológicas
(taxionômicas, morfológicas, biológicas, ecológicas) com as percepções,
conceitos e classificações feitas por comunidades que, na maioria das vezes,
apresentam concepções de vida e mundo diferentes das estabelecidas pelo
saber científico. Como por exemplo (mas sem nenhuma crítica): acreditar
que o mundo foi criado por um ser superior em sete dias ou mesmo que a
Terra é o único planeta povoado do Universo, ou que o nosso céu é
composto por uma série de esferas que abriga os diferentes tipos de pessoas
que já morreram, e tantas outras.
A partir dessas conceituações do que vem a ser a Etnobiologia e seu
objetivo, vê-se que esta é uma disciplina essencialmente interdisciplinar, de
modo que do ponto de vista científico, para se estabelecer o contato com um
dado povo e entender suas percepções, é necessário conhecer também
técnicas básicas usadas pelas ciências sociais.

II. Quais os métodos utilizados em Etnobiologia?

A Etnobiologia vai buscar nas ciências sociais parte das técnicas que utiliza
em campo. A começar pela prática do olhar, ouvir e escrever descrita por
Saiba mais
Cardoso de Oliveira (2006), práticas estas que devem ser exercitadas durante
Alteridade é o
o tempo de convívio dos pesquisadores com os sujeitos da pesquisa. De caráter ou
forma geral, essas três ações que devem ser realizadas em campo dependem, qualidade do
outro.
antes de tudo, de o pesquisador despir-se de pré-conceitos ou mesmo de
conceitos formados a partir de sua cultura com relação ao outro, exercitando
assim a alteridade3. É, então, que surge a valorização do que no primeiro
momento pode parecer estranho.
Os exercícios de olhar, ouvir e escrever devem ser executados nas
mais pequeninas coisas. O pesquisador deve estar atento aos objetos, as suas
formas, posição no espaço e modo como são utilizados. Há que estar de
ouvidos bem atentos para as estórias, causos, lendas e contos que muitas
vezes deixam transparecer os conceitos e concepções do grupo em estudo
acerca de um dado assunto. E, para que essas informações não sejam
perdidas ao vento é necessário, primeiramente, registrá-las em cadernetas ou Saiba mais
A Comunidade
diários de campo para, em seguida, organizá-las em forma de texto. Quilombola
Kalunga do
De forma geral, a Mimoso está
localizada a 140
abordagem metodológica e km de Arraias e
coleta de dados em a 413 km de
Etnobiologia seguem duas Palmas, no
Estado do
vertentes básicas: a qualitativa Tocantins, em
e a quantitativa, as quais serão um local de
difícil acesso, na
discutidas a seguir.
fronteira entre
os Estados de
 Qualitativa Tocantins e
Goiás.
Para saber sobre
Na pesquisa qualitativa, a comunidade
o ambiente é a fonte direta de Kalunga de
Goiás acesse o
dados e o pesquisador é o artigo:
instrumento mais confiável de http://www.as
observação. Para esta sis.unesp.br/ce
dap/patrimoni
abordagem, a melhor forma de observar e compreender um fenômeno é o_e_memoria/p
dentro do contexto no qual ocorre e do qual faz parte. Desse modo, não são atrimionio_e_m
emoria_v5.n1/a
apenas os resultados ou o produto final que interessam, mas também os
rtigos/experien
processos que levam a tal. Por exemplo, no estudo realizado por Rocha- cias_quilombola
Coelho (2009) com a Comunidade Quilombola Kalunga obteve-se durante s.pdf
o convívio e também nas entrevistas a informação de que as mulheres da
comunidade costumavam preparar um sabão com as sementes de timbó ou
tinguí. Apesar de terem sido relatadas todas as etapas do processo de
fabricação do sabão, só foi possível compreender a importância e registrar os
sentimentos envolvidos naquele processo quando se presenciou o fato.
Podendo daí chegar a conclusões mais fiéis acerca do envolvimento das
mulheres naquele momento.
Portanto, a pesquisa qualitativa trabalha considerando as percepções
e sentimentos (valores, crenças, hábitos) tendo como material essencial a
palavra.

A pesquisa qualitativa dispõe de vários métodos para coleta de


dados. Um deles é a observação participante, que possibilita ao
pesquisador compreender o modo de vida, as ideias e motivações dos
sujeitos da pesquisa a partir da convivência e do envolvimento do
mesmo com os membros do grupo estudado em suas atividades
diárias. Sendo também o primeiro passo para o estabelecimento de
vínculos que venham a gerar confiança por parte dos informantes com
relação aos pesquisadores, o que, consequentemente, favorece a
obtenção de dados consistentes e fidedignos.

A técnica mais empregada nas abordagens qualitativas é a


entrevista. Esta pode ser classificada em:

1. Entrevista informal – há falta total de controle ou estrutura,


aproximando-se de uma conversa normal, sendo a mais utilizada
durante a observação participante.

2. Entrevista não-estruturada – o pesquisador é tido como o


entrevistador e o informante como entrevistado. É baseada em um
plano geral claro. Ex.: Conte sobre o tempo em que o senhor era
escravo.

3. Entrevista semi-estruturada – baseia-se em um roteiro que


delineará as perguntas a serem feitas. Esses roteiros podem ser
formulados em gabinetes e/ou após a observação participante.

4. Entrevista estruturada – os informantes devem responder a uma


série de estímulos como questionários, listas livres e tarefas que
exigem o ordenamento ou classificação de uma lista de coisas. É mais
utilizada em estudos quantitativos.

Mas, deve-se salientar que as abordagens qualitativas e quantitativas


não se anulam e nem se contrapõem, complementa-se uma a outra. Pois,
torna-se inviável somente contar o número de lágrimas de uma pessoa e não
evidenciar o motivo pelo qual esta pessoa chora. Portanto, os dados
quantitativos devem ser contextualizados com o dia a dia dos entrevistados,
seus relatos e as suas histórias de vida, garantindo assim uma boa
quantificação e descrição dos processos observados.

 Quantitativa

As técnicas quantitativas visam mostrar, por meio dos números, os


dados obtidos em campo. Portanto, tentam medir o conhecimento dos
sujeitos da pesquisa. Para isso são utilizados testes estatísticos, índices de
importância relativa, valor de uso e outros. Entretanto, é preciso ter em
mente que mesmo utilizando os mais belos cálculos estatísticos o
pesquisador pode não conseguir quantificar o conhecimento real da
população em estudo. Isso porque o conhecimento tradicional possui
dimensões teóricas e práticas. Por exemplo: uma pessoa que responde a um
questionário estruturado pode não ser honesta com o que responde à
medida que o que assinala no papel não é o modo como ela realmente faz no
seu dia a dia. Isso acontece porque muitas vezes a pessoa acredita que a
forma com que realiza determinado procedimento é errada, ou mesmo por
acreditar que o pesquisador, seu amigo, gostaria que ele respondesse de
forma x ou y. Além dessa questão, vivenciada em qualquer tipo de pesquisa
quantitativa, há também que se considerar que em questionários
estruturados o informante fica impossibilitado de justificar os “por quês” de
determinada prática, ou seja, a dimensão teórica.
Desse modo, alguns estudiosos em Etnobiologia fizeram uma
classificação, de acordo com o maior ou menor grau de subjetividade das
técnicas usadas na pesquisa quantitativa, dividindo-as em três tipos
principais:
 Consenso do informante – baseia-se na concordância entre as
respostas das pessoas, coletadas por meio de entrevistas individuais,
permitindo analisar a importância relativa de cada uso. Quanto maior
o consenso, maior a possibilidade de ser um dado consistente. Por
exemplo: em uma pesquisa realizada com 56 pessoas, 38 afirmaram
que a planta denominada popularmente de pau d’óleo é a mais usada
por aquele grupo de pessoas. Informação significativamente confiável.

 Alocação subjetiva – é quando a importância relativa de cada


espécie é assinalada pelo pesquisador, que determina quais plantas
receberão pontuação maior ou menor, conforme a categoria de uso e
com base nas plantas citadas durante as entrevistas. O pesquisador
pode então atribuir valores de 0,5 pontos para as plantas que tem
menor número de indicações e 1,0 para as que têm maiores. Assim, o
valor total de uma planta será dado pelo somatório dos valores que a
planta recebeu para cada um dos usos que possui. Imagine que
naquele mesmo grupo de 56 pessoas o pau d’óleo é indicado no
tratamento de cinco enfermidades, o barbatimão, em quatro; o cega-
machado, em uma; e o angico, em duas.

 Totalização de usos – faz-se a quantificação total das categorias de


uso. Por exemplo:

Tabela 1: Quantificação total do número de plantas por categorias

CONSTRUÇÃO
ALIMENTAÇÃO MEDICINAL CIVIL
TOTAL
PLANTAS* 82 120 97
*Números fictícios

É importante salientar que mesmo conhecendo as técnicas passíveis


de serem usadas em um estudo etnobiológico é necessário que o
pesquisador saiba a que ponto quer chegar com sua pesquisa, que hipóteses
ele quer testar, que perguntas devem ser respondidas, para assim escolher a
técnica que melhor se aplica ao seu objeto de estudo.
Dentro desta classificação de técnicas quantitativas estão inseridos
índices (fórmulas) que permitem ao pesquisador calcular a importância ou
valor do seu objeto de estudo. No entanto, previamente a aplicação de
questionários, realização de entrevistas e cálculo dos dados, o etnobiólogo,
buscando um auxílio na estatística, deve certificar-se de qual será o número
de sua amostra. Pode-se dizer que a amostra é uma parte do todo. Estando
esta parte representando o todo, é preciso que a mesma seja estatisticamente
significativa, isto é, que a quantidade de pessoas escolhidas para serem
informantes seja o suficiente para representar as pessoas que não foram
escolhidas (Tabela 2). Nesse caso, quanto maior o número da amostra menor
a possibilidade de incorrer em erros.

Tabela 2: Tamanhos de amostras exigidos para vários tamanhos de população, considerando


um intervalo de confiança de 5%. Reproduzido de BERNARD, 1988 apud ALBUQUERQUE
et al., 2008.

Tamanho da população Tamanho da amostra


50 44

100 80

150 108

200 132

250 152

300 169

400 196

500 217

800 260

1.000 278

1.500 306

2.000 322

3.000 341

4.000 351

5.000 357

10.000 370

50.000 381

100.000 384

Desse modo, as amostras podem ser obtidas por diferentes técnicas, a


depender do tipo de população em estudo e até mesmo da disponibilidade
de recursos financeiros disponíveis para a realização da pesquisa, sendo elas
amostras:
 Probabilísticas – os elementos da amostra são escolhidos ao
acaso, ou seja, todos têm a mesma chance de serem escolhidos. Podem
ser feitos sorteios, cada pessoa da população estudada recebe um
número que será sorteado ou não.
 Estratificadas – quando se estratifica a população em estudo e,
em seguida, realiza o sorteio dentro das categorias estabelecidas, por
exemplo, sexo, etnia, região e outros.
 Por conglomerados – podem ser entendidos por conglomerados
os subconjuntos de uma população em estudo, quarteirões, bairros,
aldeias, agrupamentos. Tendo o conglomerado especificado o
pesquisador pode sortear em qual deles trabalhará e, então, realizar os
procedimentos de amostra estratificada e probabilística.
 Por área – faz-se uso de mapas ou fotos aéreas para subdivisão
em unidades menores, realizando-se em seguida um sorteio para
seleção das áreas amostrais. A partir daí o pesquisador pode seguir os
procedimentos de obtenção de amostras por conglomerados.

Acrescenta-se a essas formas de obtenção de amostras um método


conhecido por informante-chave. O informante-chave é uma pessoa,
selecionada entre as demais para colaborar mais ativamente na pesquisa,
tendo sido escolhida com base em critérios anteriormente estabelecidos pelo
pesquisador. Por exemplo: busca-se como informante-chave uma parteira
que tenha no mínimo 50 anos de idade.
Um método utilizado quando o universo de informantes é vasto é a
“bola de neve” (“snow ball”). No emprego dessa técnica há uma seleção
intencional do informante já que a partir do primeiro contato com a
comunidade é reconhecido um especialista que indicará outro, este indicará
outro e assim sucessivamente até envolver todos os especialistas.
Tendo visto todas essas técnicas passíveis de serem utilizadas por
qualquer pessoa que queira estudar as relações existentes entre o homem e a
natureza, espero que você se mantenha animado para resolver as atividades
que proponho a seguir.

Atividade Complementar 1

1. Defina com suas palavras, qual o objeto de estudo da Etnobiologia.


2. Por que a Etnobiologia é uma disciplina que necessita do suporte
de estudos como a antropologia, ecologia, linguística e outras?
3. Imagine que você foi convidado para estudar as relações homem-
natureza de uma comunidade composta por 150 artesãs. Além de
registrar quais elementos da natureza são empregados na confecção
dos artesanatos, você deverá verificar como elas adquiriram o
conhecimento sobre as técnicas de confecção. Que métodos você
utilizará para alcançar o seu objetivo enquanto pesquisador? Descreva
todos os passos da sua pesquisa.

Após a realização desta atividade, esteja pronto para encarar uma


viagem em meio a muitos nomes grandes e diferentes!
III. Principais abordagens etnobiológicas

Desde que o ser humano surgiu no planeta há alguns milhões de anos,


verifica-se que ele é um ser dependente da natureza assim como os demais
seres vivos. No entanto, como único ser dotado de razão, ele utilizou-se e
utiliza desta para extrair da natureza os recursos necessários para sua
sobrevivência. O detalhe é que o ser humano utiliza-se da natureza de forma
mais elaborada, criando métodos e técnicas para o melhor aproveitamento
dos recursos. Desse modo, criaram-se estratégias de plantio, a arquitetura, os
medicamentos, o vestuário. Em todas essas formas de utilização do recurso Saiba mais
Cosmologia é a
natural, o homem imprime suas crenças e valores culturais que nascem, na narrativa ou
maioria das vezes, de suas cosmologias4. doutrina a
É justamente a partir das variadas formas de relação que o ser respeito dos
princípios que
humano estabelece com o recurso natural e dos diferentes ramos da Biologia governam o
que a Etnobiologia também se ramifica em disciplinas como a Etnobotânica, mundo, o
universo.
Etnofarmacologia, Etnoentomologia, Etno-ornitologia, Etnopedologia,
Etnotaxionomia e outras.

Antes de passar à descrição de alguns dos principais ramos da


Etnobiologia, cabe dizer que esse campo de estudo caminha ao lado
da chamada Etnoecologia. Ciência esta que visa compreender o ser
humano e suas percepções sob o olhar da ecologia. É por esse motivo
que os pesquisadores dessas duas áreas do conhecimento fundaram a
Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia.

Etnobotânica

Este é só o primeiro nome grande! Pode ir se acostumando, em Etnobiologia


é assim. Mas, agora que você já sabe o que significa o prefixo etno, fica mais
fácil entender, é só relacioná-lo com o nome da disciplina que segue.
Entre todas as etnociências, a Etnobotânica é a que apresenta o maior
número de estudos já realizados, sendo que a maior parte deles é na área de
plantas medicinais. No entanto, são muitas as possibilidades de
investigação dentro do campo da botânica e das relações que o homem
estabelece com esse recurso natural, tais como o recurso madeireiro,
alimentício, vestuário, ritualístico, cerimônias e outros.
O primeiro a definir o termo “etnobotânica” foi o botânico americano
Dr. Harshberger, em 1895, e o fez dizendo “é o estudo das plantas usadas
pelos povos aborígenes ou nativos”, embora, assim como a própria
Etnobiologia, a Etnobotânica já vinha sendo desenvolvida muitos anos antes
dessa definição. A partir daí, novas conceituações foram surgindo ao longo
do tempo, conforme as áreas de atuação dos profissionais engajados na
pesquisa. Em meados do século XX, a Etnobotânica passou a ser Saiba mais
Estudos
compreendida como “o estudo das inter-relações entre os povos primitivos e etnológicos são
as plantas, somando-se um elemento cultural a sua interpretação, devido ao estudos
empenho cada vez maior dos antropólogos”(Albuquerque, 2005 p. 4). Até a antropológicos
das sociedades
década de 1930, esse termo era utilizado tanto para estudos antropológicos indígenas.
como etnológicos ou de botânica econômica, mas somente nas últimas
décadas do século XX deu-se início a um estudo sistemático tanto da
etnobotânica como da etnozoologia5.
Lá vem história...

Como pioneiro no trabalho da etnobotânica no Brasil temos a


iniciativa de Maurício de Nassau, ainda no período colonial, quando trouxe
ao nordeste brasileiro a missão científica na qual estavam presentes o
botânico Georg Marcgraf e Wilhem Pies, cuja coleção incluía um herbário de
plantas medicinais. A partir do material coletado por Marcgraf foi publicada
a obra intitulada História Natural Brasileira, divulgada no Brasil em 1942.
Além de Marcgraf, podemos citar vários nomes como o de Frei José
Mariano da Conceição Velloso, autor de Flora Fluminensis; Arruda Câmera;
Frei Leandro do Sacramento; Auguste de Saint Hilaire que, entre 1927-1932,
publicou Flora Brasiliae Meridionalis. No Brasil império aparece a figura de
Peckolt que a partir de 1847 publicou mais de 150 trabalhos com análise
química de mais de 6.000 plantas. Em 1888, os Peckolts, pai e filho, publicam
História das Plantas Medicinais e úteis do Brasil.
Já no século XX, as contribuições são ainda mais amplas. Em 1963,
Carl Sauer estudou “As plantas cultivadas da América do Sul Tropical”, em
1966 Lévi-Strauss dedicou-se ao estudo das “Plantas Silvestres da América
do Sul Tropical”. Já na década de 1970, Robert Carneiro dedicou-se ao
estudo do “Uso do solo e classificação da Floresta Amazônica”. Entre as
décadas de 1970-1980, Ghillean Prance realizou pesquisas etnobotânicas em
14 tribos diferentes da Amazônia (Brasil e Peru) e Darrell Posey, além de
suas contribuições na área da etnoentomologia, contribuiu grandemente na
etnobotânica, sendo um de seus aportes o manuscrito “Manejo da floresta
secundária, capoeiras, campos e cerrados pelos índios Kayapós”.
Atualmente, pode-se dizer que os trabalhos em Etnobotânica estão
sendo realizados de Norte a Sul do Brasil, sendo todos esses trabalhos
subsidiados pelos representantes regionais da Sociedade Brasileira de
Etnobiologia e Etnoecologia.

E os métodos?

Por ser o ramo mais estudado da Etnobiologia e com o propósito de


diminuir o uso de técnicas pouco eficientes aperfeiçoando a pesquisa em
etnobotânica no Brasil, os estudiosos da área buscaram ao longo dos anos
reunir e sistematizar os métodos mais pertinentes para essa pesquisa, hoje
encontrados na segunda edição de Métodos e técnicas na pesquisa etnobotânica
(Figura 2).

Figura 2: Livro “Métodos e Técnicas na pesquisa etnobotânica.”


No entanto, Martin (2001) distingue três principais aspectos que se
relacionam na pesquisa etnobotânica:
1) registro básico do conhecimento botânico tradicional;
2) avaliação quantitativa do uso e manejo dos recursos vegetais;
3) avaliação experimental dos benefícios derivados das plantas, tanto
para a subsistência como para fins medicinais.

Denominando, portanto, os três primeiros elementos,


respectivamente, como: etnobotânica básica, etnobotânica quantitativa e
etnobotânica experimental.
Já Albuquerque e colaboradores (2005) classificam didaticamente as
investigações etnobotânicas em qualitativa, a qual busca esclarecer como
uma determinada cultura compreende o mundo vegetal, como se dá esse
relacionamento e a que nível chega; outros enforques qualitativos buscam o
entendimento das relações mitológicas e simbólicas ou a interpretação de
documentos históricos sobre o uso de vegetais. Por outro lado, as
investigações quantitativas utilizam técnicas e ferramentas matemáticas para
a análise dos dados de uso de plantas, possibilitando comparações e
avaliações do significado das plantas para determinados grupos, podendo
também fornecer dados para o manejo e conservação dos recursos naturais.
Partindo desse entendimento podemos seguir enfocando as principais
técnicas para coleta e análise de dados em Etnobotânica. São elas:

 Entrevistas – todas as formas de entrevistas trabalhadas na


pesquisa qualitativa podem ser empregadas nas investigações
etnobotânicas, entretanto, algumas estratégias devem ser utilizadas
para garantir um bom aproveitamento das informações, por exemplo:

Redação das Perguntas (RICHARDSON, 1999 apud ALBUQUERQUE


et al., 2008)

1. “Não incluir jamais uma pergunta sem ter uma idéia clara da
forma de utilizar a sua informação e quanto contribuirá aos objetivos
da pesquisa”.
2. “Utilizar vocabulário preciso para perguntar o que realmente se
deseja saber”.
3. “Evitar formular duas perguntas em uma”.
4. “Evitar utilizar termos dos quais os entrevistados possam não
dominar ou conhecer”.
5. “As perguntas devem ajustar-se às possibilidades de resposta dos
sujeitos”.
6. “É preferível usar itens curtos”.
7. “Evitar perguntas negativas. Geralmente esse tipo de pergunta
leva facilmente a erro”.
8. “As perguntas não devem estar direcionadas, nem refletir a
posição do pesquisador em relação a determinado assunto. Devem ser
objetivamente formuladas de tal forma que o entrevistado não se
considere pressionado a dar uma resposta que acredita ser a opinião
do pesquisador”.
9. “Por último, o pesquisador deve ter cuidado com a interpretação
que ele faz das respostas dos entrevistados”.
Além de estar atento à formulação das perguntas, o pesquisador
deve saber que a presença de uma terceira pessoa na entrevista
(algum parente ou visita do entrevistado) pode influenciar nas
repostas dadas, bem como o comportamento do entrevistador e as
formas como são direcionada as perguntas.
Quando se fala em aplicação de questionário ou formulário é
importante que se faça a aplicação do chamado pré-teste ou teste
piloto, que consiste na aplicação teste de questionários ou
formulários com um pequeno grupo de pessoas para garantir sua
clareza e confiabilidade. Assim feito, o pesquisador terá a chance de
corrigir ou reformular perguntas que tenham ficado mal elaboradas.
Importante esclarecer que os questionários são preenchidos pelos
entrevistados, enquanto os formulários são preenchidos por meio de
entrevistas diretas e pessoais, com os dados sendo preenchidos pelo
entrevistador.

 Uso de gravadores e vídeo – estes instrumentos podem ser usados


durante as entrevistas direcionadas por meio de formulários ou
roteiros. Esses instrumentos, principalmente o gravador, são
imprescindíveis durante as entrevistas, uma vez que podem registrar
todo o diálogo sem que nenhuma parte fique perdida ou passe
despercebida. Na ausência destes, corre-se o risco de não conseguir
anotar todas as falas do entrevistado ou mesmo de interferir nas
respostas dele, já que teria de ser interrompido para que as respostas
fossem anotadas em sua totalidade.
Apesar de encontrar pessoas que se neguem em ter suas vozes
gravadas, esse medo pode ser facilmente rompido quando o
pesquisador mostra outras vozes que estão “guardadas” dentro do
aparelho. Assim também acontece com a filmagem, sendo que essa
pode ser exibida como atração para o grupo em estudo, o que também
pode contribuir para a manutenção dos laços de simpatia entre o
pesquisador e o sujeito da pesquisa.
Cabe observar que não se deve passar muito tempo do dia da
entrevista para o dia da transcrição das informações. Primeiro porque
esse trabalho demanda muito tempo, 45 minutos de gravação pode
ocupar até oito horas para a transcrição. Segundo porque a memória
pode apagar informações que algumas vezes ficam entendíveis na
gravação. Por isso também a importância do uso de caderneta ou
diário de campo.
 Turnê-Guiada – método utilizado para trabalhar em campo,
Saiba mais
geralmente necessita-se de um mateiro ou alguns dos principais Mateiro é o
informantes. A realização da turnê-guiada, também chamada de nome dado a
caminhada etnobotânica (“walk-in-the-woods”), consiste em validar os pessoa que é
conhecedora de
nomes das plantas citadas durante as entrevistas, pois o nome popular uma região e
de uma espécie pode variar não só entre regiões, mas também entre atuam como
guias de
indivíduos de uma mesma localidade.
expedições de
 Uso de estímulos visuais – são várias as formas que o pesquisador campo ou
pode utilizar para angariar informações das pessoas. Uma delas é o visitas guiadas.
uso de plantas frescas ou secas e prensadas (herborizadas). Outras
formas é o uso de fotografias, artefatos confeccionados a partir de
plantas, e até mesmo a planta propriamente dita.
 Lista Livre – esta é uma técnica comum para extrair informações
nas ciências sociais. A lista livre visa buscar informações específicas
sobre um domínio cultural da comunidade em estudo. Nesse caso, as
pessoas que participarão do processo são solicitadas a listar, por
exemplo, as plantas de uso madeireiro que conhece. Parte-se do
princípio que os elementos culturalmente mais importantes
aparecerão em muitas listas e em uma ordem de importância
semelhante.
 Ordenamento (“ranking”) – a análise de ordenamento pode
derivar diretamente de listas livres trabalhadas pelo pesquisador. Os
informantes são convidados a ordenar as plantas de acordo com sua
preferência. A partir disso, uma matriz é construída, podendo-se
então atribuir um valor a cada espécie (Tabela 3).

Tabela 3: Exemplo de organização e análise de dados pela técnica de ordenamento.


Observe que os números que preenchem a tabela dizem respeito à ordem em que cada
uma das plantas foi citada por cada um dos seis informantes. Somam-se os valores
obtidos por cada planta, dividindo-se pelo número total de informantes. Reproduzido
de Albuquerque et al., 2008.

Código do informante

Planta citada A1 A2 A3 A4 A5 A6 Total Média Ordem

Coco 3 6 3 6 5 1 24 4,00 5

Goiaba 6 1 4 1 4 6 22 3,67 4

Cajá 2 4 6 5 1 3 21 3,50 3

Umbu 5 2 1 4 3 5 20 3,33 2

Manga 4 3 5 2 2 4 20 3,33 2

Abacate 1 5 2 3 6 2 19 3,17 1

 “Recall” 24 Horas – consiste em estimular o entrevistado a listar


os itens (plantas, remédios, animais etc.) com os quais entraram
em contato nas últimas 24 horas. Essa técnica é normalmente
utilizada nos estudos que visam levantar informações sobre a
dieta e hábitos alimentares. A importância relativa dos
componentes da alimentação citados pode ser calculada,
adotando-se os mesmos critérios da técnica de ordenamento.

Atualmente, estão disponíveis na internet softwares apropriados para a


análise dos dados coletados durante os trabalhos de campo da pesquisa
etnobotânica. O ANTRHOPAC, utilizado principalmente para gerar dados
na pesquisa antropológica, vem sendo bastante usado por etnobotânicos.
Internet
Entretanto, recentemente foi desenvolvido o ETHNOPAC, software O ETHNOPAC
adaptado para armazenar e analisar um grande volume de dados oriundos pode ser
de inventários Etnobiológicos e Etnoecológicos. encontrado
acessando o
De forma geral, grande parte dos métodos e técnicas empregados na link:
obtenção de informações etnobotânicas é utilizada nas demais abordagens http://www.et
hnopac.com/
etnobiológicas, variando somente os procedimentos específicos de cada área
de estudo como, por exemplo, a forma de coleta e de identificação do
material natural investigado. O etno-ornitólogo pode utilizar fotos de
pássaros como estímulo visual para que os sujeitos da pesquisa reconheçam
as espécies mais frequentes na região em estudo.

Etnozoologia

O termo etnozoologia surgiu nos Estados Unidos no final do século XIX,


sendo definido por Mason (1899) como “a zoologia da região tal como
narrada pelo selvagem”. Ao investigar as técnicas de caça de alguns povos
indígenas norte-americanos, Mason afirmava que toda a fauna de uma dada
região, direta ou indiretamente, entra na vida e pensamento de um povo.
Por outro lado, para Marques (2002), a Etnozoologia pode ser definida como
o estudo transdisciplinar dos pensamentos e percepções (conhecimentos e
crenças), dos sentimentos (representações afetivas) e dos comportamentos
(atitudes) que intermedeiam as relações entre as populações humanas que os
possuem com as espécies de animais dos ecossistemas que as incluem.
Segundo Santos-Fita e Costa-Neto (2007), na literatura, o termo só
apareceu em 1914 no artigo intitulado “Ethnozoology of the Tewa Indians”, de
Henderson e Harrington. A Etnozoologia não teve o mesmo caminho da
Etnobotânica, cuja posição foi constantemente consolidada – os números
indicam (no que se refere às publicações) uma razão maior que 2:1 a favor da
Etnobotânica.
O processo de formação do campo da Etnobiologia e, por
conseguinte, da Etnozoologia, também foi estudado por Clément (1998).
Para este autor, três fases, denominadas pré-clássica, clássica e pós-clássica,
testemunham tanto as mudanças de atitude quanto o enfoque teórico-
metodológico dos pesquisadores ao longo do tempo.
A fase pré-clássica diz respeito aos primeiros trabalhos e definições
do campo de estudo, quando os pesquisadores (etnólogos e antropólogos)
centravam-se especialmente nos aspectos de ordem econômica das relações
homem/natureza. Desse modo, prevalecia o interesse pelas formas de
utilização dos animais, os nomes populares e seus correspondentes
conforme a academia, sendo, portanto, guiada por uma abordagem
utilitarista dos recursos advindos de animais.
A fase clássica inicia-se na década de 1950, quando as investigações
etnozoológicas começaram a focalizar os estudos nos aspectos cognitivos,
buscando registrar, por meio de análises semânticas, o significado atribuído
por uma dada população às espécies biológicas (reais e/ou imaginárias, tal
como são percebidas e classificadas pelos seres humanos) presentes nos
ecossistemas.
A fase clássica perdurou até a década de 1980, quando então tem
início o período pós-clássico que se caracteriza por uma maior cooperação
entre cientistas e povos tradicionais, em que as pesquisas são direcionadas
em relação ao manejo participativo dos recursos biológicos, processos de
domesticação de animais, movimento pelos direitos de propriedade
intelectual, repartição de benefícios, leis de acesso aos recursos genéticos e
ao conhecimento tradicional associado, entre outros temas.

Nesse sentido, a Etnozoologia é o ramo da etnobiologia que visa


estudar o conhecimento e os usos dos animais por populações
humanas. No Brasil, os estudos em Etnozoologia ainda são escassos
quando comparados com aqueles voltados à Etnobotânica. Alguns
pesquisadores da área afirmam que a pesquisa etnozoológica no país
ainda é principiante e admite que um dos problemas mais sérios para
o estudo da Etnozoologia em âmbito nacional reside na falta de
informações elementares e descritivas sobre a fauna brasileira, aliada
a uma amostragem bastante deficiente.

Atualmente, os principais estudos voltados para essa área da


Etnobiologia estão ligados ao uso de animais, ou parte deles, no tratamento
de doenças, a Zooterapia. Tendo enfoque considerável a utilização de insetos Saiba mais
na alimentação humana, Entomofagia.
Na verdade, os estudos acerca do uso e conhecimento de animais
fragmentam-se ao passo que se altera o grupo de animais em estudo. Desse
modo, temos:
1) Etnomiriapodologia – estudo das relações existentes entre o
Os embuás,
homem e os invertebrados conhecidos como embuás, centopéia, piolhos de
lacraia. cobra ou
2) Etnoentomologia – uso de insetos (formiga, vespa, grilo, entre gongôlos, são
animais
outros) nas mais diversas atividades. herbívoros que
3) Etnoaracnologia – pesquisas referentes às relações do ser humano fazem parte da
classe
com as aranhas e escorpiões.
Diplopoda, do
4) Etnocarcinologia – busca do conhecimento popular acerca dos filo
crustáceos (camarão, lagosta, caranguejo e outros). Arthropoda.
5) Etnomalacologia – estudo das relações entre o homem e os
moluscos (caracol, lesma, polvo e lula).
6) Etnoictiologia – busca o conhecimento, geralmente, de pescadores
sobre a reprodução, migração, alimentação e defesa dos peixes.
7) Etno-ornitologia – procura registrar o emprego dado as aves e
relacioná-lo com a conservação das espécies. Internet
8) Etnomastozoologia – enfoca as relações existentes entre as Para saber mais
populações e os mamíferos. sobre
Etnobiologia e
9) Paleoetnozoologia – investiga as interações existentes entre Etnozoologia,
homens e animais a partir dos fósseis deixados nas rochas, pinturas acesse os
rupestres, artefatos arqueológicos e outros, sendo o ramo da seguintes links:
http://www.d
Etnozoologia menos estudado6. avid-
figueiredo.com
/visualizar.php
Entretanto, conforme argumentado por Santos-Fita e Costa-Neto
?idt=1599554 e
(2007), faz-se importante ressaltar que o conhecimento etnozoológico http://www.u
tradicional é modificável, uma vez que este pode variar conforme o gênero efs.br/ppbio/c
d/portugues/c
(homem ou mulher), faixa etária e nível de empatia com o animal. Isso apitulo20.htm
porque se um animal é visto como sendo feio, nojento e capaz de transmitir
doenças, provavelmente pouco se saberá a seu respeito. Estando os mais
diversos modos de relação com os animais vinculados com a biologia do
bicho.

Etnofarmacologia

A Etnofarmacologia é mais um ramo da Etnobiologia. Segundo Berlin


(1992), é “uma disciplina voltada ao estudo do complexo conjunto de
relações de plantas e animais com sociedades humanas, presentes ou
passadas”. Para Bruhn e Holmstedt (1982), a Etnofarmacologia pode ser
definida como “a exploração científica interdisciplinar dos agentes
biologicamente ativos, tradicionalmente empregados ou observados pelo
homem”.

Como estratégia para a investigação de plantas medicinais, a


abordagem etnofarmacológica consiste em combinar informações
adquiridas junto a usuários da flora medicinal com estudos químicos
e farmacológicos. Permitindo a formulação de hipóteses quanto à
atividade farmacológica e à substância ativa responsável pelas ações
terapêuticas.

Pesquisas recentes têm mostrado que a seleção etnofarmacológica de


plantas para as investigações laboratoriais, baseada em alegação feita por
seres humanos de um dado efeito terapêutico, pode ser um valioso atalho
para a descoberta de novos fármacos (Tabela 4). Principalmente porque as
pessoas que dão esse tipo de depoimento fazem o uso da flora medicinal a
um período de tempo significativo, visto que esses conhecimentos,
geralmente, são passados ao longo das gerações. No entanto, assim como
nos demais ramos da Etnobiologia, é fundamental que se conheça os
conceitos do sistema do qual se obtêm as informações, uma vez que
observações não contextualizadas podem ser inúteis. Já que os sistemas
médicos são produtos das culturas específicas havendo, portanto, uma
variação em termos de crenças e práticas médicas.

Tabela 4: Percentagem de acerto com coletas etnofarmacológicas e ao acaso em programas de


Pesquisa e Desenvolvimento com espécies vegetais. Reproduzido de Elizabetsky (2005).

Instituição País Programa Coleta Acerto Coleta Acerto


Etnofarmacológica (%) ao (%)
acaso

NCI USA Anticancer Veneno de Flecha 52,2 10,4

Veneno de peixe 38,6 10,4

Nematóides 29,3 10,4

NCI USA Antiviral 15,0 1,6

Antwerp Bélgica Antiviral 25,0 5,0


Univ
Shaman USA Antiviral Citomegalovirus 8,2 Herpes 0,013

Influenza 1,6

Shaman USA Diabetes 39,0*

57,0**

UFMG Brasil Malaria 18,0 0,07

Walter USA Malaria 70,0


Reed

*in vitro **in vivo

Nesse sentido, cabe ressaltar que ao se realizar pesquisas nesta área é


necessário investigar também quais são as conceituações do grupo em
estudo acerca do que seja saúde e doença. Assim como quais as formas de
preparo dos fitoterápicos (infusão, decocção, maceração, tintura, xarope e
outros); qual a quantidade de planta utilizada para o preparo, tendo o
cuidado de especificar medidas precisas, pois se observa a utilização de
medidas abstratas e variáveis conforme a pessoa que prepara, como os
punhados, pitadas ou “um pouquinho”. Também é importante investigar
qual a posologia, doses em que devem ser ingeridos os fitoterápicos, por
exemplo, uma colher pela manhã em jejum ou meio copo três vezes ao dia
antes das refeições. Do mesmo modo cabe registrar se há mistura de vegetais
no preparo dos remédios.
Com todas essas informações, é possível partir para uma análise
farmacológica precisa. Geralmente, essa área de estudo conta com atuação
de farmacêuticos, visto que são profissionais treinados no campo da
produção e análise de medicamentos.

Atividade Complementar 2

Depois de tanta informação, nada melhor do que exercitar! Com base


no texto lido, responda:

1) Quais as principais abordagens etnobiológicas? Defina com suas


palavras cada uma delas.
2) Se você fosse convidado para realizar um inventário etnobotânico
em uma determinada população, qual das técnicas você escolheria:
lista livre, estímulos visuais ou questionário? Justifique caracterizando
a comunidade imaginária com a qual você trabalharia.
3) Por que a Etnofarmacologia pode ser um atalho para a descoberta
de novos fármacos?

IV. Mas, todos esses estudos estão regulamentados?

Sabe-se que o Brasil é detentor de uma vasta diversidade tanto do ponto de


vista natural, com seus expressivos biomas, quanto do ponto de vista
cultural com os mais de 200 povos indígenas somando-se a eles
comunidades ribeirinhas, caiçaras, jangadeiros, caipiras/sitiantes,
pescadores, praieiros, sertanejos, pantaneiros, quilombolas, babaçueiros e
outros. Segundo Diegues (2001), o número de estudos envolvendo o
etnoconhecimento desses grupos sobre a diversidade vem aumentando
substancialmente a partir da década de 1950, saltando de aproximadamente
21 trabalhos até 1959 para aproximadamente 800 no período de 1960 a 1999.
Tendo por base esse grande quantitativo de estudos, aliado às práticas
ilícitas de comércio ilegal de animais e plantas silvestres, o que o governo
federal na ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento – a ECO 92 – estabeleceu juntamente com os países
participantes a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Entre outros aspectos a CDB7, ratificada pelo Brasil em 1994, buscou
estabelecer regras que equilibrassem a relação bastante desigual entre países Saiba mais
Sobre a CDB na
desenvolvidos, detentores de tecnologias e desejosos de novos recursos para
Unidade 1 do
a indústria, e países em desenvolvimento, detentores de biodiversidade, mas eixo BSC, deste
sem recursos tecnológicos para a conservação adequada da biodiversidade. módulo.
Essa legislação estabeleceu como principais objetivos a conservação, a Internet
utilização sustentável e a repartição dos benefícios do uso dos recursos Acesse a MP °
genéticos, bem como reafirmou a soberania dos países sobre os recursos 2.052, de 29 de
junho de 2000
genéticos existentes em seus territórios e estabeleceu a necessidade dos pelo link:
países instituírem regras para o acesso a esses recursos. http://www.pl
É aí que surge a Medida Provisória (MP) n. 2.052/20008, que passou a analto.gov.br/c
civil_03/mpv/
regulamentar o acesso ao patrimônio genético, bem como a proteção e o Antigas/2052.h
acesso aos conhecimentos tradicionais associados. A MP n. 2.052/2000 foi tm
e a MP. N°
reeditada várias vezes até agosto de 2001. No entanto, questões burocráticas
2.186-16, de 23
fizeram que em sua última reedição permanecesse como Medida Provisória de agosto de
n. 2.186-16/2001. Portanto, essa MP trata de usos específicos da 2001 pelo link:
http://www.pl
biodiversidade (patrimônio genético) e dos conhecimentos tradicionais analto.gov.br/c
associados. Desse modo, a MP determina as regras para o acesso a esses civil_03/mpv/
conhecimentos quando sua finalidade for a realização de pesquisa científica, 2186-16.htm

a bioprospecção e o desenvolvimento tecnológico.


Para gerenciar o acesso a esse tipo de conhecimento, foi criado o
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), presidido pelo
Ministério do Meio Ambiente e composto por representantes de diversos Internet
Obtenha
ministérios, sendo um órgão de caráter deliberativo e normativo criado pela maiores
MP n. 2.186-16/2001. Ressaltando que a MP n. 2.186-16/2001 define detalhes sobre
a solicitação de
patrimônio genético como:
autorização do
CGEN
informação de origem genética, contida em amostras do acessando o
link:
todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, http://www.m
microbiano ou animal, na forma de moléculas e useu-
substâncias provenientes do metabolismo destes seres goeldi.br/instit
ucional/cartilh
vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou a.pdf
mortos, encontrados em condições in situ, inclusive
domesticados, ou mantidos em condições ex situ, desde
que coletados in situ no território nacional, na
plataforma continental ou na zona econômica exclusiva.

Portanto, para realização de estudo junto a populações tradicionais,


deve-se estar atento as proposições da MP mencionada, bem como solicitar
autorização do CGEN a partir do preenchimento e encaminhamento de
formulário e da documentação listada no site do referido órgão. Observando
que as autorizações de acesso só podem ser solicitadas por pessoa jurídica,
isto é, pela instituição em que o pesquisador está vinculado.
No entanto, antes mesmo de submeter o projeto de pesquisa ao CGEN
é necessário submetê-lo ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma instituição,
pois, esse comitê é responsável por avaliar e aprovar, ou não, o projeto antes
que seja realizado em seres humanos. Podendo também sugerir adequações
que assegurem a ilesabilidade dos sujeitos da pesquisa. Outro documento
importante que se deve ter em mãos é o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, no qual os sujeitos da pesquisa devem ser elucidados sobre a
natureza do estudo e a participação de cada um dos atores neste, a fim de
obter o consentimento da comunidade e/ou pessoas envolvidas no estudo.

V. Por que a Etnobiologia é um “processo


emergente”?

A Etnobiologia surge como uma disciplina inovadora. Como seus próprios


métodos demonstram, busca trabalhar na interface existente entre as ciências
biológicas e humanas e/ou sociais, rompendo o paradigma das ciências
feitas em gavetas separadas. Separadas, muitas vezes, pela crença na
autossuficiência das áreas específicas da ciência, cada uma acreditando que
explica melhor os fenômenos naturais e sociais.
Mesmo que seja uma disciplina relativamente nova, já são observados
seus benefícios no que tange a valorização do conhecimento tradicional, que
até pouco tempo tinha-se suas práticas de tratamento, cura, rituais e
cerimônias como algo de outro mundo. Embora ainda hoje sejam frequentes
as expressões do tipo “você acredita nisso?”, “ah isso é conversa fiada”, “se
eu fosse você não mexeria com isso, pode dar errado” e outras tantas.
Apesar desses aspectos contra, sempre há aqueles que dão o merecido valor
a esse tipo de conhecimento e a Etnobiologia vem com métodos científicos
para provar sua validade, até porque se não fossem válidos não teriam
permanecido por tanto tempo entre as culturas.
Outro aspecto que deve ser considerado é que os inventários e
levantamentos etnobiológicos podem ser de grande utilidade para a
elaboração de propostas para a conservação de determinadas áreas, bem
como para a elaboração de planos de manejo. Isso porque acredita-se que o
manejo feito por essas comunidades são essenciais para a manutenção dos
ecossistemas nos quais estão inseridas, tendo em vista o tempo de
permanência nesses locais e as formas de manejo aperfeiçoadas ao longo do
tempo.
Deve-se levar em conta também o fato de que muitos estudos nesta
área têm desencadeado uma série de ações que beneficiam as populações em
estudo, como, por exemplo, a publicação de livros que enfatizam aspectos
culturais importantes para determinadas culturas e que assim podem ser
conhecidas por um número maior de pessoas; a elaboração de laudos ou
textos científicos que auxiliem essas populações em situações burocráticas;
organização de cartilhas informativas sobre práticas de plantio, colheita ou
fabricação de fitoterápico, que poderiam trazer mais benefícios para a
população; o próprio produto do estudo, monografias, dissertações e teses,
como um documento da população estudada; produção de vídeos
documentários que mostrem o dia a dia nas comunidades, e outros. Todas
essas formas de retorno para a comunidade estudada é uma forma não só de
beneficiá-las, mas também de agradecê-las pela oportunidade de realização
do trabalho e de ter a possibilidade de encarar o mundo sobre outro olhar.

Atividade Complementar 3
Para finalizar, mais exercícios...

1) O que você entende por patrimônio genético?


2) Depois de conhecer maiores detalhes acerca das formas de acesso
ao patrimônio genético brasileiro no site indicado anteriormente, faça
sua crítica sobre a questão burocrática do sistema de acesso vigente.
3) Quais formas de retorno você utilizaria para recompensar a
comunidade imaginária que você trabalhou no exercício número dois
da atividade anterior?
4) Faça um pequeno texto discutindo como você entendeu os
principais pontos trabalhados nesta unidade.

VI. Referências

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