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"Nise: O Coração da Loucura"

Resenha Crítica
Kenia Flávia Oliveira Modesto
1º Período - Psicologia
RA: 232-001271

O cinema é uma das formas mais impactantes de contar histórias e despertar


emoções profundas no público. O filme "Nise: O Coração da Loucura", dirigido por
Roberto Berliner e lançado em 2015, é um exemplo brilhante dessa capacidade
cinematográfica. A obra retrata a vida e a incrível jornada da psiquiatra Nise da
Silveira, interpretada magistralmente por Glória Pires, que desafiou as convenções
de tratamento de transtornos mentais na década de 1950 e deixou um legado
imensurável na área da saúde mental.
A história começa com Nise assumindo um cargo no Hospital Pedro II, no Rio de
Janeiro, onde se depara com a realidade chocante dos pacientes com transtornos
mentais. O filme revela de forma perturbadora as condições desumanas em que
esses indivíduos eram mantidos, trancados em celas, submetidos a tratamentos
violentos como a lobotomia e o eletrochoque, e muitas vezes tratados como
animais. A atmosfera do hospital é sombria, e a resistência de Nise em aceitar esse
sistema desumano nos leva a admirar sua coragem desde o início.
Uma das mensagens centrais do filme é a eficácia da arte como terapia. Nise
acredita que a expressão artística pode ser uma forma de comunicação para
pacientes que não conseguem se expressar verbalmente. Ela cria um ateliê de
pintura dentro do hospital, onde os pacientes podem canalizar suas emoções e
traumas por meio da arte. A transformação que ocorre nesse espaço é
extraordinária. Os pacientes, muitos deles considerados "incuráveis", encontram
uma voz através das telas e esculturas, revelando suas dores, alegrias e, acima de
tudo, sua humanidade.
A direção de Berliner merece destaque por sua habilidade em criar uma atmosfera
imersiva. A paleta de cores evolui ao longo do filme, passando de tons sombrios
para cores mais vivas à medida que os pacientes se expressam por meio da arte.
As cenas no ateliê são particularmente poderosas, com close-ups dos traços dos
pincéis nas telas, capturando a intensidade das emoções sendo liberadas.
Glória Pires entrega uma atuação memorável como Nise da Silveira. Ela personifica
a determinação, a compaixão e a perseverança da psiquiatra de forma cativante. A
transformação de sua personagem ao longo do filme, de uma médica cética a uma
defensora apaixonada pela terapia artística, é palpável e comovente.
No entanto, o filme não se limita a celebrar as conquistas de Nise; ele também
explora os desafios e conflitos que ela enfrentou. O machismo dentro da
comunidade médica é evidente, e Nise é muitas vezes a única mulher em um
auditório cheio de homens. Sua recusa em aceitar tratamentos violentos, como a
indução de convulsões por eletricidade, a coloca em conflito direto com seus
colegas. Esses conflitos adicionam camadas à narrativa e destacam a importância
de desafiar as normas estabelecidas em busca de um tratamento mais humano.
Um dos momentos mais comoventes do filme envolve a relação entre os pacientes
e seus animais de estimação. Nise percebe que muitos pacientes têm uma conexão
especial com os animais, e ela encoraja essa interação como parte do tratamento.
No entanto, quando os animais são envenenados, vemos o impacto devastador
disso nos pacientes, especialmente em Lúcio, cujo comportamento se estabiliza
graças à presença de sua cadela. Essa reviravolta trágica ilustra a fragilidade do
progresso alcançado e a importância de compreender as necessidades individuais
dos pacientes.
O filme "Nise: O Coração da Loucura" transcende o simples retrato biográfico. É
uma jornada emocional e transformadora que nos leva a questionar as abordagens
convencionais no tratamento de transtornos mentais e nos inspira a buscar
alternativas mais compassivas e humanas. A narrativa envolvente, as atuações
excepcionais e a direção sensível de Berliner se combinam para criar uma
experiência cinematográfica verdadeiramente inesquecível. Este filme não apenas
presta homenagem a Nise da Silveira, mas também celebra a resiliência, a
criatividade e a humanidade daqueles que enfrentam desafios de saúde mental. É
uma obra-prima do cinema brasileiro que merece amplo reconhecimento e
celebração.
Dentro desse contexto, pode-se concluir que Nise da Silveira desempenhou um
papel significativo como precursora do movimento da Reforma Psiquiátrica
brasileira. Através da arte, ela ofereceu uma nova perspectiva sobre a loucura,
demonstrando que a expressão criativa pode proporcionar autoconhecimento,
reinterpretação e novas formas de subjetividade para os indivíduos. Sua abordagem
serviu de inspiração para a estruturação dos atuais modelos dos Centros de
Atenção Psicossocial, que estão diretamente relacionados à compreensão do
indivíduo no contexto da Saúde Mental, conforme a conhecemos hoje.

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