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THE PRENUP

LAUREN LAYNE
ÍNDICE

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo Um
Epílogo Dois
Epílogo Três
Epílogo Quatro
Epílogo Cinco
CAPÍTULO 1

H
QUINTA-FEIRA, 13 DE AGOSTO

á algumas coisas que senti falta sobre Nova York na


década em que estive fora.
O aeroporto JFK não foi uma delas.
Situação atual:
Acabei de sair de um voo de seis horas na econômica, e graças
à minha viagem de última hora e, à resultante atribuição de assento
no avião, no momento em que o carrinho de comida/bebida chegou
até mim, o prato de queijo e vinho branco estavam esgotados (o
horror).
Eu me contentei com Pringles e vodka, porque há algumas
coisas que uma pessoa não deve tentar enquanto sóbria, e estar
num assento entre uma criança agitada e um homem que trouxe
sua própria Tupperware repleta de cebola era uma delas.
Como você pode imaginar, em algum lugar do Nebraska,
comecei a fantasiar sobre o momento em que sairia do avião. Tipo,
estamos falando sobre sonhos eróticos limítrofes sobre esticar
minhas pernas apertadas, respirar ar não reciclado e ouvir algo que
não seja as repetidas demandas da criança por “Bananananaanaa
AGORA!”
Olha, não me entenda mal, eu podia respeitar que a criança
ainda não havia aprendido quantas calorias de açúcar estavam
escondidas na humildemente deliciosa banana, e que ele queria
isso agora. Eu poderia até entender a mentalidade de meu vizinho
de assento que ama cebola de que comida de avião raramente valia
a pena o risco.
Mesmo assim, minha fantasia de não estar entre os dois era
muito, muito real.
E ainda teve mais.
Definitivamente, minha fantasia não incluiu a discussão tensa
com a companhia aérea depois que eles me fizeram despachar
minha mala e a perderam. Nem incluiu uma fila de táxi de um
quilômetro depois que eles finalmente localizaram minha mala na
esteira de um voo chegando de Denver.
Por fim, minha fantasia também não incorporou um motorista de
táxi envolvido em uma briga no celular com sua mãe. Embora, pelo
menos, com isso eu possa simpatizar. Eu tive algumas dessas ao
longo dos anos.
Eu sei o que você está pensando:
Quem é esse desastre?
Boa pergunta. Sou Charlotte Spencer, 31 anos. Sagitário, caso
esse seja o tipo de coisa que você gosta de saber sobre uma
pessoa. Cabelos loiros compridos, embora não tão naturalmente
platinados quanto meu cabeleireiro experiente faria você pensar. Eu
tenho olhos azuis e uma afeição não muito saudável por rímel. Sou
nova-iorquina de nascimento, residente em São Francisco por
opção. Tipo de corpo... er, nós vamos com decente, principalmente
graças a uma personal trainer bem cara. E não, não estamos
dizendo a ela sobre o Pringles do avião. Ou a vodka.
Minha vida profissional é muito foda, se me permite dizer. Sou
fundadora e CEO do meu próprio negócio, uma empresa de
gerenciamento de rede social chamada Coco (como em Chanel,
obviamente). Comecei quando tinha 21 anos e tive um ótimo timing
em toda a onda de redes sociais. Quando comecei, alguns dos
maiores varejistas do planeta estavam desesperados por alguém
para ajudar a descobrir toda a era de redes sociais e mal podiam
esperar para entregar seu dinheiro a uma equipe de pessoas de
vinte e poucos anos.
Avance para frente uma década, e se eu fosse completamente
grosseira, estaria fazendo barulhos de caixa registradora agora,
porque eu sempre soube que faria uma ótima Girl Boss e agora,
finalmente, minha conta bancária concorda.
Vamos ver o que mais...
Oh, status de relacionamento? É complicado. Muito complicado.
Mas estamos chegando nisso.
Por enquanto, tudo que você precisa saber é que estou de volta
a Nova York depois de uma década e não tenho muita certeza de
como me sinto sobre isso.
Eu descanso minha cabeça para trás e me viro para olhar pela
janela. O tráfego é ainda mais lento do que o normal, graças a uma
tempestade de agosto, mas Manhattan se aproxima cada vez mais,
suas luzes são um caleidoscópio embaçado através das gotas de
chuva na janela.
O taxista tira o celular do rosto e olha para mim pelo espelho
retrovisor. — Para onde mesmo?
As palavras Sexagésima terceira com a Lex quase rolam da
minha língua, e eu as mordo de volta. Aparentemente, dez anos na
costa oeste não podem desfazer 21 anos como uma princesa do
Upper East Side. Mas o último lugar que quero estar hoje à noite é
na casa dos meus pais.
— Setenta e seis e Madison. O Carlyle Hotel.
Ele volta à conversa sem reconhecer minha resposta, mas
aparentemente me ouviu, porque vinte minutos depois, o táxi chega
ao endereço correto.
Pago a viagem e, um segundo depois, a porta do carro se abre.
Sorrio em gratidão ao porteiro do hotel, que já descarregou minha
mala do porta-malas e está esperando com um guarda-chuvas
enorme.
— Bem-vinda ao Carlyle, Senhora.
Senhora. Ai. Faço uma anotação mental para parar de adiar a
substituição do creme para os olhos.
E enquanto estamos no assunto das aparências, esqueci o quão
cruel a umidade do verão pode ser na costa leste. Sinto meu cabelo
escovado transformando-se em uma Nuvem Gorda a cada momento
que passa. Felizmente, o saguão do hotel é frio e seco, e eu não
quero nada além de fazer check-in no meu quarto e marcar um
encontro quente com uma garrafa de vinho e um chuveiro.
Uma olhada no meu celular me diz que não há tempo para isso.
O desastre das malas e o tráfego já me atrasaram dez minutos para
o meu, digamos, compromisso.
Deixo minha mala e casaco com o mensageiro para serem
levados para o meu quarto e peço direções para o banheiro. Posso
não ter tempo para tomar banho, mas algumas ocasiões exigem
pelo menos uma verificação de batom, e esse é definitivamente uma
delas.
Uma olhada no espelho do banheiro confirma que estou muito
além de uma simples verificação de batom. Pelo menos metade do
meu rímel está sob meus olhos e meu batom já se foi há muito
tempo, embora meu delineador de lábios tenha conseguido ficar de
um jeito muito impróprio. E, como esperado, o frizz induzido pela
umidade é simplesmente maravilhoso.
Uma toalha de papel úmida cuida do rímel, algumas pinceladas
de corretivo escondem o fato de que eu não dormi muito desde que
recebi A Ligação, e quando aplico a manteiga de cacau e um toque
de gloss rosa claro, sinto-me quase humana.
Melhor ainda, o hotel é chique o suficiente para ter enxaguante
bucal de cortesia, e despejo um pouco no copo fornecido,
gargarejando enquanto puxo meu cabelo comprido para um coque
intencionalmente bagunçado. Quando você sobrevive a três
décadas com cabelos naturalmente encaracolados, aprende que às
vezes o melhor método é fingir que o frizz é deliberado e trabalhar
com ele, no estilo Carrie Bradshaw.
Eu cuspo e enxaguo a boca, depois vasculho minha bolsa Prada
- um presente de trigésimo aniversário para mim mesma - até
encontrar alguns colírios muito necessários e um rolo removedor de
fiapos, que ajudam bastante a difundir o visual acabei de sair de um
voo cruzando o país. Uma pitada de perfume para combater o
vizinho que come cebola.
Eu escolhi propositalmente o vestido azul que estou usando
porque é feito de algum material liso que eu gosto de chamar de
mágico, então pelo menos minha roupa está no ponto. E agora, para
o toque final: estico a mão ao fundo da minha bolsa, tateando até
encontrar os Stilettos cuidadosamente embrulhados em suas
sacolas chiques da Stuart Weitzman. Sim, sou aquela garota,
aquela com sapatos elegantes na bolsa. Adoro um bom par de
sapatos de salto altos sexy, mas não para caminhadas por quatro
quarteirões ou para a fila de segurança do aeroporto. Assim, eu sou
mestre em troca de sapatos.
Eu deslizo meus pés para fora das sapatilhas cinza, e dentro dos
Stilettos de camurça cinza, e voilà. Estou pronta.
Ou a mais pronta o possível para isso.
Eu também estou atrasada. Muito atrasada. Merda.
Apressadamente coloco minha maquiagem e os apetrechos de
volta na bolsa, faço um último alisamento dos cabelos soltos pelas
minhas têmporas e sigo para o bar do hotel. Como o resto do hotel,
o bar é sofisticado e pouco iluminado. Só quando estou escaneando
e não encontrando nada é que percebo...
Não sei como é o cara que estou encontrando.
Quero dizer, eu sei como era a versão dele há dez anos. Cabelo
preto comprido e encaracolado, puxado para trás em um coque
masculino antes que os coques masculinos fossem moda. Eu torço
o nariz, tentando lembrar outros detalhes. Ele era alto e magro,
quase desengonçado. Barba cheia e escura. Nem um pouco meu
tipo, verdade seja dita, mas para dar crédito onde era devido,
lembro-me de que ele tinha olhos muito bonitos. Eles eram azuis
claros com cílios pretos grossos, que não podiam ser reais.
O problema é que o bar está escuro demais para ver a cor dos
olhos de alguém, então estou um pouco perdida. Eu examino o local
e não encontro nada. Minhas mãos ficam um pouco suadas, e
espero que ele não tenha ido embora porque pensou que eu dei um
bolo nele. Examino a sala novamente, mais devagar desta vez.
Casal arrumem-um-quarto no canto? Não. Grupo de garotas
rindo estridentemente ao lado deles? Não. Também não é o casal
de idosos, nem a reunião de negócios que parece estar á duas
taças de vinho da produtividade. Definitivamente, não é a mulher
sozinha lendo seu livro, nem as duas coroas arrumadinhas à
espreita.
Há um homem de costas para mim que tem o cabelo certo -
comprido e preto, embora ele pareça um pouco mais baixo do que
eu me lembro... o homem vira a cabeça. Não. Muito velho.
Próximo.
Olho para a esquerda e vejo um cara gostoso no canto oposto
que de alguma forma eu não vi na primeira busca. Sua boa
aparência, ombros largos e terno escuro são puro material de
fantasia e um lembrete de que os empresários de terno são uma
coisa que Nova York faz muito bem. Caras na Califórnia tendem a
ser um pouco mais casuais. Sua atenção está no celular, então não
consigo ver bem o rosto dele, mas isso não importa, porque, por
mais gostoso que ele seja, agora definitivamente não é o momento
e o lugar para ficar olhando.
Afasto meu olhar do Cara Gato e continuo minha busca. Bonita
velhinha reaplicando seu batom vermelho. Não. Há um casal que dá
vibrações de primeiro encontro. Não.
Droga! Nenhum homem coque em todo o lugar. Talvez ele tenha
ido embora.
Pego o meu celular para ver se há alguma mensagem perdida
quando sinto os olhos em mim. Não é surpresa, considerando que
eu estou de pé no meio do bar lotado sem me sentar. O que é
surpreendente é quem está olhando. A atenção do cara gostoso do
canto não está mais em seu telefone. Está em mim.
Seus olhos azuis são tão penetrantes, tão diretos, tão...
familiares.
Meu estômago cai.
Ai.
Meu.
Deus.
O cara gostoso é o meu cara.
De alguma forma, simplesmente não me ocorreu que o melhor
amigo magro e desajeitado do meu irmão da faculdade se tornaria...
isso.
Minha boca está um pouco seca quando seu olhar segura o
meu. Não há um traço de sorriso no rosto dele, embora eu possa
jurar que há uma pitada de sorriso em seus olhos... como se ele
estivesse muito ciente do que estou pensando e se diverte com isso.
Não, não. Nós não podemos ter isso.
Eu colo um sorriso confiante no meu rosto e faço o meu caminho
em sua direção. Ele fica de pé quando eu me aproximo e acho que
podemos dizer, sem dúvida, que ele não é magro. Não mais. Ele se
transformou em perfeição masculina: ombros largos, cintura fina e
pernas longas. Se eu tivesse que apostar, tem um tanquinho de seis
gominhos sob a camisa. Não, de oito.
De doze? Isso é uma coisa?
Chego à sua mesa e ele dá um leve aceno de cabeça. —
Charlotte.
A voz é a mesma. Linda e melodiosa, e tão irlandês quanto eu
me lembro.
— Eu quase não te reconheci — digo alegremente, levantando
minha bochecha para receber seu beijo.
Droga. Ele cheira bem também. Caro e limpo.
Por que ninguém me avisou sobre isso?
— Quase não me reconheceu? — Diz ele, erguendo as
sobrancelhas. — Se eu tivesse que adivinhar, diria que você não
tinha a menor idéia de quem eu era — diz ele, puxando minha
cadeira para mim antes de se acomodar na dele.
— Bem, em minha defesa, você não está nas redes sociais. E
sua foto não está no site da sua empresa. — Eu sei, porque eu
olhei. — Como eu deveria saber como você está hoje em dia?
— Você poderia ter perguntado ao seu irmão.
— Certo, porque isso é algo que irmãos normais fazem. Peça ao
irmão uma foto do seu melhor amigo — digo, pegando o cardápio de
bebidas em um esforço para esconder meu nervosismo.
Um garçom de smoking aparece para pegar meu pedido de
bebida e eu opto por um martini, porque forte soa exatamente como
a coisa certa para esse momento específico da minha vida.
O garçom desaparece e, por um momento, o melhor amigo do
meu irmão e eu simplesmente nos olhamos. Ele está claramente me
avaliando, mas não me importo, porque estou fazendo o mesmo,
absorvendo todos os detalhes que não conseguia ver à distância.
A barba se foi, embora haja uma sugestão de uma sombra que
chama a atenção para o queixo digno do Super-Homem que
realmente nunca deveria ter sido coberto em primeiro lugar. Seu
cabelo está mais preto do que nunca, embora implacavelmente
curto agora.
— O que aconteceu com o seu coque? — Pergunto.
Ele pisca. — Perdão?
Faço um gesto para o meu próprio coque bagunçado. — Você
sabe. Antes, você usava cabelos compridos.
Espero que ele sorria, mas ele não sorri; seus olhos azuis travam
nos meus. — Eu cortei.
Eu não consigo resistir a vontade de revirar os olhos. — Ok. Boa
conversa.
—Você parece… — Seu olhar se arrasta por mim, mais
calculista do que sexual, o que, vamos encarar, é meio que um
insulto. — A mesma.
Eu torço o nariz. — Eu vou escolher interpretar isso como você
dizendo que eu pareço como quando tinha 21 anos. Agradeço o
elogio.
Ele dá de ombros como se não se importasse, de um jeito ou de
outro, como eu interpreto, depois exala um longo suspiro, o primeiro
sinal de que ele está tão nervoso com tudo isso quanto eu. —
Obrigado por vir.
— Você disse que era urgente? — Eu pergunto, deliberadamente
deixando a pergunta entrar no meu tom.
Estou morrendo de curiosidade aqui. Desde que o e-mail dele
chegou, três dias atrás, ele disse que precisava discutir algo urgente
comigo - pessoalmente.
Depois de estabelecer que meu irmão não estava morrendo de
câncer ou algo terrível, eu concordei. Parcialmente porque eu
precisava de uma folga do trabalho, parcialmente porque estava
terrivelmente curiosa e parcialmente porquê... uma pequena fatia de
mim sabia há algum tempo que é hora - passou da hora - de
enfrentar essa parte da minha vida.
Ele espera até que o garçom coloque um martini
maravilhosamente grande na minha frente, espera até eu tomar um
gole e, de alguma forma, conseguir segurar um gemido com o quão
bom é o sabor depois do dia que tive.
E então, como se ele estivesse deliberadamente esperando até
que eu tivesse um pouco de bebida fluindo em minhas veias, me
deixou saber o motivo de eu estar aqui.
— Charlotte.
— Sim? — Dou-lhe um sorriso encorajador.
Ele parece nervoso, mas determinado.
Então ele joga em mim: — Eu quero o divórcio.
CAPÍTULO 2

E
QUINTA-FEIRA, 13 AGOSTO

u posso explicar. Sério, eu posso. Ao longo da minha


adolescência e vinte e poucos anos, eu era, hum... como
eu coloco isso...?
Um pouco rebelde.
Não tenho certeza de quando começou. Puberdade, suponho.
Até então, eu era a filha perfeita do WASP. Eu usava grandes laços
no meu cabelo que combinavam com os adoráveis vestidos de
menininha que eu usava na Igreja de St. Thomas todos os
domingos. Por fim, passei a usar bandanas que combinavam com
os cardigãs de cashmere pastel, combinados com saias
esvoaçantes.
Eu toquei piano, fiz ballet, só tirava A’s no internato. Sim,
internato.
Eu fiz tudo exatamente certo.
Até o momento em que deixei de ser a boa garota.
Não foi uma grande rebelião da noite para o dia nem nada, mas
em torno dos quinze anos, eu me senti irritada e persistentemente
entediada. Entediada dos meus pais, seus amigos, meus amigos.
Entediada com a vida da Ivy League estabelecida para mim, o
marido com boas conexões já escolhido para mim pelo pedigree, se
não pelo nome.
Eu fiz isso até os 21 anos antes de quebrar - verdadeiramente,
decidi que não poderia mais fazer isso... não faria mais isso.
Meus pais foram... bem, digamos que meu fracasso em
acompanha-los obedientemente como o Cavalier King Charles
Spaniel da família não foi muito bem. Veja, havia muitas coisas que
os Spencers do Upper East Side não gostavam. Jersey. Comida
frita. Católicos. Garotas de cabelos curtos, garotos de cabelos
compridos.
E, como aprendi durante uma discussão particularmente
acalorada: desistência acadêmica.
Você receberá seu diploma, Charlotte Elizabeth Spencer, ou
sairá de casa sem um centavo.
Foi essa parte do sem um centavo que foi problemática. Me
envergonha ter que admitir isso agora, mas naquela época, eu
realmente não tinha ideia de onde dinheiro vinha senão da carteira
do papai.
Tenho vergonha desse fato? Embaraço? Definitivamente. Mas
isso não torna menos verdade. Nasci com uma colher de prata,
todos os meus amigos nasceram com colheres de prata e, aos vinte
e um anos, não compreendia completamente onde conseguir outra
colher de prata, caso a primeira fosse levada por pais severos.
Quero dizer, eu sabia o básico. Eu sabia que poderia conseguir
um emprego, obviamente. Eu queria um emprego. Ansiava, até.
Mas eu também sabia que o tipo de trabalho para o qual eu estava
qualificada não me aproximaria particularmente do futuro que eu
imaginava para mim. Eu tinha grandes sonhos e não havia fluxo de
grana suficiente para sustentar esses sonhos se meus pais me
cortassem. O que eles deixaram claro que fariam.
E aos 21 anos, o fundo fiduciário deixado para mim por minha
avó estava fora dos limites. Não por causa da minha idade, mas por
causa do meu estado civil; especificamente, meu status de solteira.
Sim, isso mesmo. Esse tipo de coisa ainda acontece entre os
ricos de Nova York. Os avós deixam dinheiro para os netos que os
pais não podem tocar até que certas condições sejam atendidas. E
no caso da minha avó Geraldine, essa condição era… rufem os
tambores, por favor:
Casamento.
De acordo com as estipulações da vovó Geraldine: Se eu me
casasse, receberia um troco de seis dígitos. Continue solteira; fique
pobre. Definitivamente, um dilema para uma garota de 21 anos sem
namorado à vista. Mas eu tive uma solução.
Entra Colin Walsh.
Eu não sabia muito sobre o melhor amigo da faculdade de direito
de meu irmão, além do fato de ele ser irlandês e um workaholic,
perseguindo seu Doutorado e MBA simultaneamente.
Naquela época, eu fui rápida em considerá-lo nerd, e sua
intensidade tímida e coque masculino não fizeram nada para
reverter meu desprezo irreverente. O cara mal estava no meu radar,
exceto pelo fato de que ele vinha durante as férias, às vezes,
porque era muito caro voar de volta para a Irlanda.
Foi meu irmão idiota, Justin, que teve a ideia.
Veja, faltando apenas alguns meses para sua graduação em
direito, Colin tinha muitas ofertas de emprego, algumas delas
bastante decentes. Mas Colin Walsh tinha grandes sonhos.
Como meu irmão disse: "Colin é inteligente demais para ser a
vadia de alguém".
Vou traduzir: Colin queria começar sua própria empresa,
trabalhar por conta própria. Ele queria construir um império. E ele
queria fazer isso na cidade de Nova York.
Foi essa última parte de seu sonho que causou um problema
não tão pequeno para Colin, nascido na Irlanda. Aceitar um
emprego em uma empresa norte-americana existente teria dado a
ele um visto de trabalho. Mas trabalhar para si mesmo nos EUA,
sem empresa para patrocinar seu visto? Colin precisava de algo
chamado Green Card.
Você entende onde eu vou com isso, certo?
Eu precisava da minha herança; Colin precisava ficar nos
Estados Unidos. A solução para ambos era a mesma:
Casar.
Um com o outro.
Agora, eu queria poder lhe contar um conto de fadas aqui, eu
realmente queria. Mas a verdade? Eu nem usava branco. Bem, isso
não é totalmente verdade. Eu usei calcinha branca de renda com
uma fita azul com "Noiva" escrito na bunda, mas não falamos desse
momento de frivolidade, especialmente porque tinha sido apenas
para os meus olhos.
Mas realmente, o dia do meu casamento foi assim:
Encontrei meu irmão nos degraus do cartório.
Fiz com que ele me reapresentasse á Colin porque eu vi meu
noivo apenas duas vezes antes disso e não o reconheci. (Acho que
fiz um círculo completo sobre isso, hein?)
Assinei um acordo pré-nupcial.
Repeti um monte de besteira na frente de um juiz, enquanto
suava profusamente e tentava lembrar se passei desodorante
naquela manhã.
Assinei a certidão de casamento.
Apertei a mão do meu marido, murmurando algo coxo como, "Foi
bom te ver".
Na manhã seguinte, eu estava em um vôo para São Francisco.
Colin ficou em Nova York.
Eu sei. É praticamente um filme da Disney.
Agora, tudo bem, você está se perguntando por que, depois de
colocar minhas mãos no dinheiro, não pedi o divórcio o mais rápido
possível.
Simples. Vovó Geraldine - que Deus tenha sua alma - era uma
velha e sábia vagabunda. Eu tive que ficar casada por cinco anos e
mal ouvi meu irmão quando ele explicou, mas como os Green Cards
também tinham estipulações, o acordo foi ótimo para Colin.
E então, cinco anos se passaram, e eu estava ocupada
construindo minha empresa de mídia social, e depois disso,
permaneci casada porque... bem, para ser sincera, foi fácil
permanecer casada. Quero dizer, eu não vivia como uma freira.
Colin e eu decidimos isso desde o início por meio de alguns e-mails
estranhos, que nós dois viveríamos nossas vidas da maneira que
quiséssemos... discretamente.
E separadamente.
Eu tive alguns relacionamentos casuais na Califórnia, e todos
eles estão cientes da minha situação complicada. O que me leva ao
lado positivo…
Se qualquer um daqueles relacionamentos se tornasse intenso
demais, e isso aconteceu várias vezes, não há nada como um
marido de conveniência para gentilmente deixar um cara que você
está vendo saber que apenas não é para ser.
Não é que eu tenha sido insensível - eu deixei esses homens
saberem a situação antecipadamente: que eu estava comprometida
com a construção da minha empresa e não querendo nada sério na
parte do relacionamento.
Tem sido uma boa situação, honestamente. Para mim, e pensei
que para Colin também.
Até agora, aparentemente.
Sorrio e concentro minha atenção no presente, e no rosto
carrancudo do meu marido. Merda, ele é lindo. — Um divórcio?
Eu só quero ter certeza que ouvi corretamente. Ele não parece
do tipo que brinca, mas...
— Sim. Um divórcio, Charlotte.
Humm. Está bem então. O uso do meu primeiro nome
definitivamente me permite saber que ele está falando sério. Ah,
bem. Suponho que sabia que isso chegaria algum dia. Todas as
coisas boas têm um fim, e tudo isso.
Sorrio para que ele saiba que não há ressentimentos. — Entendi.
Hora de se libertar da patroa, hein? — Pego minha bolsa e tiro uma
caneta do bolso interno. — Onde eu assino?
Ele não sorri de volta. Ele também não parece nem um pouco
aliviado ou agradecido por eu estar sendo super legal sobre isso.
— Há uma coisa que você precisa saber. — Diz ele, segurando
meu olhar.
Fico quieta, porque de repente percebo que Colin Walsh não
está tão calmo quanto ele está tentando parecer. Ele está
segurando sua raiva, ou pelo menos frustração, por um fio muito
fino, e ele não parece do tipo que perde a cabeça com muita
frequência, o que significa que tudo o que está sob sua pele é o
verdadeiro negócio.
Meu sorriso cai. — O que? Que coisa?
— Seu irmão — diz Colin, inclinando-se e pegando uma pasta de
couro. Ele puxa um pacote grosso de papel do bolso externo, o abre
de volta para uma página marcada e coloca a pilha na minha frente,
seu dedo comprido indicando um parágrafo destacado.
Eu leio. E leio novamente.
E, mais uma vez.
Eu olho para cima. — Isso está no meu idioma? Eu não entendo.
Exceto que meu coração está batendo forte porque tenho medo
de ter entendido. E só espero que esteja lendo errado a linguagem
jurídica formal.
Colin lentamente levanta os olhos do coquetel para encontrar o
meu olhar. — Este é o nosso acordo pré-nupcial. Essa seção
destacada é a ideia de piada de seu irmão, com consequências
muito graves para nós dois.
Oh Deus, estou tendo um déjà vu do dia do meu casamento.
Sem calcinha branca rendada, mas definitivamente estou suando
uma tempestade, tentando lembrar se passei desodorante.
Olho de volta para o acordo pré-nupcial. — Diz... diz que
nenhum de nós pode pedir o divórcio até…
Eu não consigo dizer isso. Eu não consigo nem pensar nisso.
Mas, aparentemente, Colin teve mais tempo com o conceito,
porque ele diz calmamente, como se minha vida não tivesse virado
de cabeça para baixo.
— Não podemos nos divorciar até vivermos sob o mesmo teto
por três meses. Como marido e mulher.
CAPÍTULO 3

SEGUNDA-FEIRA, 17 DE AGOSTO

SÃO FRANCISCO

— E u juro, Charlotte, juro por Deus, literalmente não sei o que


é mais perturbador para mim. Que você está saindo de
São Francisco, que é casada, ou que esses sapatos são de quatro
temporadas atrás.
Sorrio para o melodrama do meu assistente enquanto continuo
procurando na gaveta da minha mesa, afastando clipes de papel
perdidos e marcadores rosa para coisas que eu realmente preciso
nos meus três meses em Nova York.
— Você sabia que eu era casada — eu indico.
— Claro, claro, tecnicamente. Mas acho que sempre me permiti
pensar no cara como imaginário. Mas Char, sério. Os sapatos. Eles
estão machucando meus olhos.
Pobre Kurt. Não estou tão surpresa que ele tenha colocado
meus Blahniks desatualizados na mesma categoria da minha
mudança e meu falso marido. Eu me considero apaixonada por
moda. Eu sei o que está dentro e o que está fora, eu sei quem está
dentro e quem está fora. Mas Kurt Lovejoy (Kurt é seu nome real;
Lovejoy foi adquirido porque o nome Kurt Ross não combinava com
sua marca) leva a obsessão a um nível totalmente novo.
— Estou com ciúmes, você sabe.
— Dos sapatos? — Eu pergunto, levantando a cabeça e olhando
para ele.
— Deus não. Quero dizer, eu entendo o que você estava
procurando. O vermelho é ok na palmilha, mas querida, bicos
arredondados não existem há séculos.
— Me dê um pouco de folga — digo, puxando uma barra de
proteína da gaveta da mesa e jogando-a no lixo, pois tenho certeza
de que a empresa de alimentos naturais que a fabricou faliu há um
ano. — Eu já empacotei a maioria das coisas no meu condomínio e
esqueci de separar as roupas de trabalho. Eu tive que vasculhar a
pilha para doação para usar sapatos hoje.
Kurt faz um biquinho com os lábios e cruza os braços. —
Quando você vai embora? Por que você vai embora?
Decidindo que minha mesa não tem nada além de blocos de
notas manchados de café e canetas baratas, fecho as gavetas e
levanto o rosto para meu assistente. Kurt tem cerca de um metro e
setenta e cinco, e sei que nossos pesos são praticamente os
mesmos. Ele tem esse tipo de aparência magra e angular, que
implora para ser combinada com longos cachecóis e gravatas finas,
e Kurt costuma usar as duas com frequência.
— Você sabe que pode vir comigo — eu digo, balançando as
sobrancelhas sedutoramente. — Você e o cenário da moda de Nova
York podem ser almas gêmeas.
— Eu não sei — diz ele com um suspiro dramático. —
Infelizmente, minha outra alma gêmea acabou de fazer parceria com
um escritório de advocacia daqui. Malditos sejam nossos
respectivos maridos advogados atrapalhados, nos mantendo
separados.
Kurt faz uma careta, mas eu sei que ele tem tanto orgulho de seu
marido Lewis quanto está apaixonado. Eles estão juntos há nove
anos, dois anos a mais do que Kurt comigo, então não invejo sua
lealdade. Além disso, embora eu adorasse ter algum apoio moral ao
entrar nas águas desconhecidas de Manhattan, estou aliviada por
ter Kurt aqui na minha ausência. É verdade que a maior parte do
meu trabalho é feita via laptop, e confio na minha equipe
cuidadosamente selecionada para tomar as decisões corretas. Mas
será bom que alguém me dê a versão não filtrada do que realmente
está acontecendo no terreno, se eu estiver indisponível por causa
da diferença de fuso horário irritante.
Ou, digamos, porque estou na prisão por brigar com meu irmão
por me deixar nessa bagunça em primeiro lugar.
Oh, o que, você pensou que eu não ia mencionar isso? Você
pensou que talvez eu estivesse em negação sobre todo esse
desastre?
Eu queria estar em negação. Eu só queria esquecer o fato de
que estou prestes a me mudar para Nova York para morar com um
marido que não vejo há dez anos, tudo para que eu possa me
divorciar do mesmo marido.
— Ele é delicioso? — Kurt pergunta, inclinando-se para a frente,
sussurrando desnecessariamente, já que somos os únicos no
escritório. — É por isso que você está me deixando?
Sem palavras, pego meu celular e pego a prova. É melhor
mostrar algumas coisas do que dizer, mesmo que seja a foto
granulada e muito escura que eu tirei quando Colin pagou a conta
naquela noite fatídica.
Kurt faz um barulho de ronronar. — Ai, meu Deus. Ah,
definitivamente delicioso.
Eu dou de ombros.
Ele abaixa o telefone e me dá um olhar espantado. — Ele é mais
quente do que qualquer coisa que eu já vi na história recente,
excluindo meu marido. Me diga de novo por que estamos nos
divorciando dele?
— Porque eu mal o conheço — eu digo.
— E se você for… — Ele abaixa a voz. — Investigada?
Olho por cima do ombro e, por segurança, fecho a porta do
escritório. — Você quer dizer, como não estou na merda por fraude
no casamento?
Ele encolhe os ombros. — Eu assisti A Proposta.
Eu sorrio. — É como eu já disse antes, realmente não é assim.
Ou pelo menos, não para nós. Graças ao meu irmão fazendo a lição
de casa, passamos na entrevista.
Os olhos azuis de Kurt se arregalam. — Entrevista? Como só
agora estou obtendo a história completa sobre isso?
— Não é tão assustador quanto parece. Nós apenas tivemos que
provar que nos conhecíamos há um tempo. Ajudou o fato de ele ter
passado férias na minha casa no passado e tínhamos algumas fotos
para provar isso. Não foi difícil convencê-los de que era a história
antiga da irmã mais nova irritante se apaixonando pelo melhor
amigo gatinho do irmão mais velho.
— E ele os convenceu de que estava com tesão pela irmãzinha
gostosa do seu melhor amigo.
— Acho que sim — eu digo com uma risada. —
Independentemente disso, eles realmente não pareciam se importar.
Meu irmão disse que realmente não temos nenhuma das bandeiras
vermelhas que eles costumam procurar. Não houve grande
diferença de idade. Nos conhecíamos há alguns anos, pelo menos
vagamente. No geral, o cara que nos entrevistou parecia feliz o
suficiente para acreditar que Colin era apenas um garoto irlandês
simpático que veio aqui para estudar e ficou caidinho pela irmã de
seu melhor amigo.
— Mas ele não estava caidinho.
Eu bufo. — Dificilmente. Colin era... é, bem, ele é sério.
Principalmente, ele simplesmente me ignorou, se ele prestou
atenção em mim, tenho certeza de que era para revirar os olhos
para a minha propensão a bolsas e brilho labial. Mas ele
aparentemente conseguiu mentir bem o suficiente, porque ninguém
deu uma olhada. Graças a você. — Digo, mandando um beijo para
ele.
Porque comprar imóveis em um estado diferente de Colin teria
sido uma grande bandeira vermelha, Kurt e Lewis me fizeram um
grande favor. Na verdade, favor nem sequer começa a descrever.
Eles me compraram uma casa. Paguei a eles cada centavo,
obviamente, mas tecnicamente, minha casa aqui em São Francisco
está no nome deles, o que significa que, se alguém perguntar,
tecnicamente eu posso morar em São Francisco em meio período
para trabalhar.
O acordo estava funcionando bem para todos, até que meu
irmão pensou que seria hilário nos forçar a viver sob o mesmo teto e
provar isso para nos divorciarmos. Até Colin decidir que queria um
divórcio.
Homens. Não estão na minha lista boa agora.
— Então, caso eu não possa lhe contar antes que tudo acabe,
eu já disse a Lewis que se você for presa, ele precisará puxar
algumas cordas para que você seja presa aqui na Califórnia. Para
que eu possa lhe trazer cestas de presentes.
— Eu não estou indo para a cadeia, Kurt. — Espero.
— Você pode muito bem estar. Você vai morar seriamente com
alguém que não conhece? E se ele for um serial killer?
— Ele não é um assassino em série. E estou fazendo isso
porque é hora de fechar este capítulo da minha vida. Já passou da
hora. Eu tenho um marido falso, Kurt. É um pouco patético.
— Ok, tudo bem, mas por que ele não pode vir morar aqui? —
Kurt lamenta. — Ele é quem quer o divórcio. Faça ele se mudar para
o apartamento. Bem, tecnicamente, é o meu apartamento, mas você
entende o que quero dizer.
— O trabalho de Colin é menos flexível que o meu. Eu posso
trabalhar de qualquer lugar. Ele não pode. Ele não tem um Kurt —
digo, tentando bajular ele.
Mas Kurt me conhece há muito tempo e muito bem. Ele estreita
os olhos. — Você nem tentou lutar com ele, não é? Você quer voltar
para Nova York.
Quero? Não. Definitivamente NÃO.
Mas... acho que preciso.
Aquela cidade e eu temos alguns negócios inacabados.
CAPÍTULO 4

QUINTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO

O
NOVA YORK

prédio do apartamento de Colin é uma surpresa. Embora,


pensando bem, eu tive tão pouco tempo para realmente
imaginar como será minha vida pelos próximos três meses, que
qualquer edifício provavelmente seria uma surpresa.
Em meio a estar me mudando para o outro lado do país,
entregando as rédeas da minha empresa para a minha equipe,
preparando-me para ficar cara a cara com meus pais, uma década
de bagagem e, ah sim, interpretando uma esposa, um papel para o
qual eu tenho bastante certeza que não sou adequada, os detalhes
do teto sobre minha cabeça mal passaram pela minha mente.
Mas eles estão passando pela minha mente agora, enquanto
avalio o lugar que será minha casa pelos próximos três meses. E
como eu disse, é... uma surpresa. Colin havia me enviado o
endereço com antecedência; obviamente, eu não saí de Nova York
há tempo suficiente para não me localizar pelos nomes das ruas de
Manhattan e saber que meu marido e eu estaríamos morando em
Tribeca.
Mas é uma escolha estranha para um cara como Colin. Tribeca é
o local ideal para famílias. Possui as melhores escolas, um
sofisticado cais no rio, minigolfe e creches sofisticadas. Se você se
casar e for morar em Manhattan e puder pagar, você se muda para
Tribeca. Colin, para todos os efeitos, é solteiro e sem filhos, exceto
por uma esposa inoportuna.
Se eu tivesse que adivinhar, o bairro escolhido por Colin
provavelmente tem mais a ver com o fato de Tribeca fazer fronteira
com o Distrito Financeiro, que é o local onde o escritório de
advocacia de Colin está localizado. Como ele é um advogado
corporativo, acho que ele deve achar que o trajeto curto é uma troca
justa por se encontrar andando de elevador com babás, homens e
golden retrievers.
Dado tudo isso, acho que na parte de trás da minha cabeça, eu
estava esperando um lugar brilhante e minimalista quando o Uber
me deixou na Broadway com Park Place (não deve ser confundido
com Park Avenue, queridos, esse é território do Upper East Side).
Eu vim direto do aeroporto com apenas uma mala e meu
notebook. Colin me garantiu que o quarto de hóspedes está
confortavelmente mobilado; portanto, além de algumas caixas de
roupas e sapatos que chegam amanhã, não tenho muita coisa.
Como você pode imaginar, a coisa toda me deixou
estranhamente no limbo. Por um lado, deixei meu apartamento em
São Francisco mais ou menos "como estava", já que voltarei a ele.
Ao mesmo tempo, não é um refúgio de uma semana para Cancun
ou mesmo uma fuga de duas semanas para a Europa. São três
meses não apenas visitando outro lugar, mas morando lá.
Em nome do positivismo, tenho tentado pensar nisso como férias
prolongadas. Talvez se eu chamar de férias, começará a parecer
uma. Uma garota pode ter esperanças.
Enfim, onde eu estava?
Ah, certo, o prédio de apartamentos de Colin. É um arranha-céu,
como esperado, mas não é elegante, brilhante e moderno. Também
não é um edifício pré-guerra. Em vez disso, está em algum lugar
intermediário, um edifício novo que foi claramente projetado com um
pé na velha Nova York. A estrutura é uma espécie de branco-
aconchegante, em vez de ser composta por painéis brilhantes, e os
detalhes ornamentados em torno das janelas dão a sensação de
que o prédio já existe há muito mais tempo do que eu suspeito que
realmente tenha.
Eu respiro fundo, e antes que eu possa sair correndo e voltar
para São Francisco, forço meus pés pela porta da frente.
O lobby também é uma surpresa. É mármore branco, mas em
vez de dar um ar frio e inacessível, ele consegue ser quente e
acolhedor. Os arranjos de flores são luxuosos, mas convidativos, os
porteiros sorridentes e acolhedores.
— Sra. Walsh, eu presumo?
Demoro trinta segundos sólidos para perceber que o homem
atrás da enorme mesa está falando comigo.
— Ah! Não. Eu ... eu sou Charlotte. Spencer. Eu mantive meu
nome de solteira — digo, me atrapalhando com a introdução como
uma recém-casada que ainda não se acostumou com o status de
mulher casada.
O que, é claro, não acostumei.
— Claro, desculpe. O Senhor Walsh disse que a esposa dele
chegaria hoje - eu não deveria ter assumido.
— Não se preocupe. — Dou-lhe um sorriso amigável, sabendo
que vou precisar de aliados para sobreviver os próximos três meses.
— Qual o seu nome?
— Matteo, senhora.
Eu estremeço. — O trabalho exige que você me chame de
senhora? Ou podemos ir com Charlotte?
Ele sorri. — Tudo bem, Charlotte. Só preciso ver sua identidade
e posso entregar as chaves da sua nova casa.
Casa. Ha.
Matteo e eu trocamos: eu entregando minha identidade e ele
entregando uma pequena corrente que é a chave da minha prisão.
Eu disse prisão?
Eu quis dizer prisão.
Matteo me aponta os elevadores e me encontro no
quadragésimo andar, examinando as portas até encontrar o
apartamento de Colin.
Matteo me aponta os elevadores e me encontro no
quadragésimo andar, examinando as portas até encontrar o
apartamento de Colin. Não. Ainda não parece certo.
Porém, devo dizer, abrir a porta e ver onde cumprirei minha
sentença pelos próximos três meses é uma surpresa agradável.
Sim, existem os cheiros esperados de um apartameto de solteiro. A
TV é gigantesca, o sofá claramente escolhido com o objetivo de
acomodar a grande estrutura de Colin. Mas, como no saguão do
andar de baixo, o resto do apartamento é surpreendentemente
acolhedor. A cozinha, embora moderna, é toda de madeira branca, a
parede da pia e os balcões em branco brilhante, em vez do
esperado marrom escuro que imaginei na minha cabeça.
Tudo está impecável, por isso tenho certeza de que a única folha
de papel no balcão da cozinha é para mim. Estou certa.
O quarto menor é seu. -C
Reviro os olhos, jogando a nota de volta no balcão. Empurro
minha mala pelo corredor, enfiando minha cabeça em um banheiro
super minúsculo e espero que não seja com isso que ficarei presa
pelos próximos três meses. Eu nunca fui, nem sou atualmente, uma
daquelas garotas que afirmam ter pouca maquiagem. Eu dou uma
olhada e minha aparência precisa de muito mais espaço no balcão.
Apago a luz do banheiro e continuo até o fim do corredor. As
portas dos dois quartos estão abertas, e posso ver de relance qual é
o menor - qual é o meu. Largo minhas malas do lado de fora da
porta, mas em vez de entrar e me sentir em casa, viro e vou para o
quarto de Colin.
Sempre achei que você pode aprender muito sobre alguém a
partir de seu quarto. A teoria não se sustenta neste caso. O quarto
de Colin não me diz basicamente nada. A cama é grande e a roupa
de cama branca, lembrando-me de algo que você vê em um hotel
genérico. Os móveis são grandes e um pouco mais antiquados do
que estou acostumada. Madeira escura com puxadores pretos
resistentes.
Ando pelo closet, que é pequeno para os meus padrões, mas
suponho que quando você não tem nada além de ternos escuros e
camisas brancas, como parece ser o caso do guarda-roupa de
Colin, você não precisa de muito espaço.
Ainda procurando por mais pistas sobre o que o tipo de pessoa
que ele é, estendo a mão e giro o extravagante cabide rotativo de
gravatas. Não tão neutro quanto eu temia, mas também não
exatamente cheio de opções brilhantes e divertidas. Principalmente
muitos azuis conservadores e vermelhos escuros. Faço uma pausa
quando chego a uma gravata verde brilhante, minhas sobrancelhas
levantando quando vejo a estampa cheia de cabecinhas de Rudolph
minúsculas.
Eu sorrio. Meu marido tem uma gravata de Natal! Uma do tipo
boba. É a coisa mais reveladora que já vi até agora, embora não
saiba exatamente o que está me dizendo. Foi um presente? Uma
piada? Ele realmente a usa?
Eu nunca saberei. Estarei fora da vida dele para sempre antes
que as férias cheguem. De volta a São Francisco, comemorando o
Natal da maneira que costumo fazer. Véspera de Natal na festa
anual de Kurt e Lewis e dia de Natal... sozinha.
Apago a luz do closet de Colin e volto para o quarto. Eu grito
quando vejo alguém parado na porta, colocando a mão sobre meu
coração batendo.
— Você me assustou.
Colin não se move da porta, sua carranca não vacila. — Você
não leu meu bilhete?
— Não, eu li.
— E este parecia o quarto menor para você?
— Eu queria aprender um pouco mais sobre meu querido
marido.
Suas sobrancelhas escuras sobem fracamente. — E?
— Você já usou a gravata do Rudolph?
Em vez de responder, ele dá um passo para o lado, abrindo
espaço para eu sair do quarto dele. — Fora.
Eu finjo escrever na palma da mão. — Nota para mim mesma, o
cônjuge não compartilha bem seu espaço.
— Já que você está fazendo anotações, anote isso... fique fora
do meu quarto.
— Você era tão divertido assim quando nos casamos? —
Pergunto.
— Você era tão irritante assim?
Dou um tapinha carinhoso em seu peito enquanto passo por ele.
— Ah, maridinho. Você ainda não viu nada.
CAPÍTULO 5

H
QUINTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO

onestamente? Eu achava que minha última resposta


tinha sido uma ótima frase de impacto. Ter uma última
palavra de peso o faria recuar para a cozinha para refletir sobre o
que eu quis dizer. Em vez disso, ele me segue até o quarto de
hóspedes - meu quarto - conseguindo parecer desinteressado pela
minha presença e altamente perturbado ao mesmo tempo.
Dou a Colin um olhar exasperado. — Se quisermos sobreviver
nos próximos meses, precisaremos falar sobre limites.
— Diz a mulher que estava agora a pouco bisbilhotando meu
quarto.
Vou ao armário e abro as portas, inspecionando o espaço pouco
impressionante. — O meu é menor que o seu. De um jeito quase
criminoso.
— Caberá o que estiver nessa mala e mais um pouco.
— Sim. Mas não as coisas que chegarão amanhã.
— Mais coisas chegarão amanhã?
Eu me viro. — Você realmente pensou que eu iria me mudar
para o outro lado do país com nada além do que cabe em um
compartimento aéreo?
Ele se abaixa lentamente para sentar na ponta da minha cama,
as mãos entrelaçadas entre os joelhos abertos. — Acho que
realmente não tinha pensado nisso. Toda essa situação é... atípica.
Sento-me ao lado dele na cama, não perto o suficiente para ser
estranho, mas ainda é... estranho.
Sou casada com esse cara. Objetivamente, eu sei disso há uma
década. Mas há uma diferença gritante entre ter um marido apenas
no nome e ver o homem em carne e osso.
E Colin Walsh é um homem. Aqueles ternos que pareciam tão
chatos no armário dele não são chatos quando estão nele. Seus
ombros são largos, sua cintura magra, suas pernas são longas e
provavelmente...
— Onde você malha?
Ele olha para mim. — Perdão?
— Exercício. Existe uma academia no prédio?
— Ah. Sim. Eu posso te mostrar onde é amanhã. Eu vou todas
as manhãs às seis.
— O que parecerá três da madrugada para mim, então... não,
obrigada.
— Você precisará se acostumar com a mudança de fuso horário
em algum momento.
— Sério? Vou? — Meu tom está mais desdenhoso do que antes,
minha paciência evaporando rapidamente com o tom de sermão
dele e o fato de que ele está me fazendo sentir como um incômodo
infantil que invadiu sua casa.
— Apenas um lembrete rápido — continuo, inundada com toda a
frustração da semana passada. — Nada disso é minha culpa. Nós
dois dissemos nossos votos. Nós dois assinamos esse acordo pré-
nupcial sem ler com atenção. Foi você quem iniciou o divórcio,
precisando dessa temporada de três meses comigo como
companheira de quarto, e ainda assim fui eu quem mudou a vida
inteira, se mudou para o outro lado do país e tem um armário do
tamanho de um caixão. Então, que tal um pouco de paciência?
Em vez de pedir desculpas ou reconhecer meus excelentes
pontos, ele levanta as sobrancelhas. — E eu aqui pensando que sou
eu quem deveria ter o temperamento irlandês.
— E você tem? Um temperamento?
— Tenho coisas mais importantes a fazer com a minha vida do
que perder a paciência.
— Ao contrário de mim, quem acaba desperdiçando seus dias
pagando manicures e fazendo compras?
Ele não se preocupa em dignificar isso enquanto se levanta e vai
até a porta. — Pelo menos há uma vantagem em tudo isso — diz
ele, virando-se e gesticulando entre nós dois.
— E o que é isso? — Pergunto. — O fato de não gostarmos de
nada sobre o outro?
O sorriso dele é sombrio. — Exatamente. Com todo esse
antagonismo e discussões, se os Serviços de Imigração vierem nos
procurar, não deve haver dúvida de que somos, de fato, marido e
mulher.
CAPÍTULO 6

QUINTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO

—A inda não acredito que você voltou!


Eu rio quando sou puxada para o que é provavelmente
o décimo abraço da noite, cada um ficando um pouco mais
desleixado à medida que a nossa contagem de bebidas aumenta
constantemente.
— Eu não posso acreditar que estamos bebendo legalmente
agora — eu digo, sorrindo para a pequena mulher loira sentada ao
meu lado no bar.
Meghan Barker já foi uma das minhas melhores amigas e,
embora o nosso contato nos últimos anos tenha sido limitado
principalmente a telefonemas de aniversário e mensagens no
Facebook, estou muito satisfeita ao descobrir que o mesmo
relacionamento da adolescência ainda é forte nos nossos trinta
anos.
— Oh, Deus — diz ela rindo, tomando outro gole de champanhe
para o qual trocou depois de se declarar cansada dos coquetéis
com os quais começamos a noite. — Você se lembra a primeira vez
que experimentamos uísque?
Eu estremeço com a memória. — Eu não sei quem estava mais
bravo, meu pai, por termos pego a 'sua melhor garrafa' ou eu por ter
ficado de castigo por experimentar algo que tinha um gosto tão
horrível. Que desperdício.
— Foi horrível — ela concorda. — Embora, para ser justa,
consigo me lembrar que geralmente quando você fica de castigo, é
para coisas que valem a pena.
— Certamente parecia assim na época — digo com um sorriso
para meu próprio champanhe, lembrando as inúmeras ocasiões em
que meus pais exasperados me baniram para o meu quarto por todo
tipo de ofensas adolescentes clássicas. Assaltando o armário de
bebidas. Meu primeiro cigarro. Deixando Drew Callahan chegar à
segunda base quando eu deveria estar ajudando a montar o evento
para arrecadar fundos para a igreja. Embora, gostaria de deixar
muito claro, ajudei a organizar o evento para arrecadar fundos para
a igreja e acabamos por terminar mais cedo do que o esperado. E
só então eu deixei Drew chegar à segunda base.
E tudo isso foi apenas durante as férias de verão. Se meus pais
tivessem descoberto o e me colocado de castigo por todas as
travessuras que cometi no colégio interno, eu teria passado toda a
minha adolescência trancada á sete chaves.
Ainda assim, não consigo me arrepender por aqueles anos da
minha vida. Eu era uma infratora de regras, mas do tipo inofensivo.
Rebelde, sim, mas o tipo irritante de rebelde, não perigosa.
— Como estão seus pais? — Meghan pergunta. — Eu os vi
alguns meses atrás em... Deus, não me lembro. O casamento de
alguém, eu acho. Eles parecem exatamente iguais.
— Eles estão bem! — Eu digo, grata que Meghan não me
conhece mais tão bem quanto já conheceu e não percebe que
minha voz fica um tom mais alta com a mentira.
Eu realmente não sei como estão meus pais. Eu quero dizer,
eles estão vivos. Saudáveis, eu acho. Eu espero. Mas as palavras
de Meghan causam uma pontada inesperada ao perceber que ela
os viu mais recentemente do que eu. Seu breve encontro com eles
em um casamento é quase o mesmo que tive com eles na última
década.
Se você sair por aquela porta, Charlotte Spencer, não espere
voltar novamente, agora ou nunca mais.
Eu não esperava. E eu não voltei novamente.
Anos mais tarde, entendo que minha mãe disse essas palavras
com raiva e provavelmente muita dor. Acabara de descobrir que sua
única filha não só se casara sem avisar, como também reservara um
voo para São Francisco no dia seguinte. Olhando para trás, é fácil
ver que eu era jovem e um pouco descuidada com os sentimentos
de meus pais.
Assim como eu também sei que havia dois lados da guerra que
era a minha juventude, e nem todos os erros foram meus. Eu nem
me lembro quantas noites eu sentava na minha cama, tentando me
convencer a reunir coragem para descer e falar com eles. Só para
conversar. Contar a eles sobre meus sonhos, sobre coisas que me
excitaram, na esperança de que pudessem ser felizes por mim, se
não necessariamente comigo.
Eu queria - precisava - de alguém para ouvir. Que pelo menos
tentassem entender, mesmo que não pudessem suportar. Em vez
disso, eu consegui o revirar de olhos e comentários sobre como era
apenas minha juventude falando. Fui mandada de volta ao meu
quarto com instruções para não falar novamente até que eu voltasse
aos meus sentidos. Mas o pior de tudo foram os silêncios gelados,
como se esperassem que se não se mexessem, nem piscassem,
nem falassem, eu de repente eu me tornaria a filha perfeita que eles
tão claramente desejavam.
Teoricamente, meus pais não me expulsaram de casa. A
Charlotte, de 21 anos, e a Charlotte, de 31, sabem que fui eu quem
comprou a passagem de avião; fui eu quem se casou com o único
objetivo de se libertar deles. Fui eu quem foi embora.
Mas deixe-me dizer, quando sua mãe te diz para não voltar para
casa - nunca - leva um pouco de tempo para superar.
Cerca de dez anos, no meu caso. E ainda estou trabalhando
nisso.
— Então, tudo bem, nós falamos de trabalho — diz Meghan,
apoiando o queixo na mão e olhando para mim com o sorriso
confuso de alguém que já tomou algumas bebidas. — Você está
fazendo algo incrível, como eu sempre soube que faria. Seus pais
estão saudáveis. Agora para as coisas boas…
Seu rosto se contorce, e eu rio. — Você está tentando balançar
as sobrancelhas sedutoramente para mim?
Meghan ri junto comigo. — Culpe a bebida e me dê um tempo.
Faz uma eternidade desde que eu não saio à noite!
— Mas a maternidade combina com você — eu digo, balançando
carinhosamente um dedo em volta do seu rosto. — Raphael tem
quase três anos e você ainda têm aquele brilho de mãe de primeira
viagem.
— Tenho mesmo — diz ela com um pequeno sorriso. — Embora
sendo justa com Camden, parte do brilho é o brilho de recém-
casada. Eu não achava que precisávamos nos casar para ser bons
pais, e tenho certeza que isso é verdade, mas definitivamente há
algo especial em tornar o relacionamento oficial. — Ela bate no meu
braço. — Bem, por que estou me incomodando em te contar! Você
está casada há mais tempo do que qualquer uma de nós.
Eu dou a ela um olhar irônico. — A situação de Colin e eu não é
nada parecida com a sua e a de Camden.
Como eu, Meghan se acalmou dos anos de rebeldia
adolescente, mas ainda sabia como quebrar algumas das regras do
Upper East Side. Para começar, ela quase deu à sua mãe
conservadora um ataque cardíaco ao fazer a coisa toda fora de
ordem: um bebê e depois um marido. E, como eu, quando Meghan
e Camden finalmente se casaram no ano passado, foi em uma
pequena cerimônia civil no mesmo tribunal – com o mesmo juiz,
nada menos, que casou Colin e eu.
Ao contrário de Colin e eu, no entanto, Meghan e Camden se
casaram por amor e, junto com Raphael, formaram a família mais
adorável do mundo.
— Então, o que está acontecendo entre vocês dois? — Meghan
pergunta, pegando o menu para ler nossa próxima opção de vinho
da qual eu não preciso, mas provavelmente vou beber de qualquer
maneira porque faz muito tempo desde que bebi
irresponsavelmente, e a sensação é ótima.
— Ainda não entendo como vocês mantiveram um
relacionamento de longa distância por tanto tempo — continua ela.
— O casamento mais estranho de todos os tempos.
Você não tem ideia.
Embora ela provavelmente saiba alguma coisa. Por razões
óbvias, Colin e eu combinamos que só revelaríamos as verdadeiras
circunstâncias do nosso casamento quando fosse absolutamente
necessário, o que significa que só contamos a verdade a algumas
pessoas.
Mesmo assim, tenho certeza de que a maioria das pessoas mais
próximas a nós, incluindo Meghan, tem uma boa ideia de por que
nos casamos. Eles só são educados demais para falar disso.
— Então? — Ela pressiona, meio impaciente e muito curiosa. —
Vocês estão tipo... juntos agora? De verdade?
— Estamos tentando fazer isso funcionar — digo lentamente,
testando a explicação que Colin e eu concordamos. É muito mais
fácil do que tentar explicar que, pela primeira vez em nosso
casamento, precisamos passar um tempo no mesmo estado, tudo
para que possamos nos divorciar.
É um pouco complicado para explicar a uma amiga que mal vejo
há dez anos.
— Estou tão feliz — diz ela, parecendo genuinamente animada.
— Eu não conheço Colin muito bem, mas ele conhece um dos
colegas de trabalho de Camden, então acabamos em algumas das
mesmas festas de fim de ano. Ele é tão... gostoso.
Solto uma risada nervosa, sabendo que é um elogio, mas como
sou nova nessa coisa de esposa, não tenho muita certeza de como
agir. Presunçosa? Possessiva? Orgulhosa? Humilde?
Por que sim, eu consegui a importação irlandesa mais gostosa
desde que a cerveja Guinness chegou aos Estados Unidos!
Eu decido infundir um pouco de honestidade na situação o
máximo possível, sem colocar Meghan numa posição estranha com
a grande chance dela ser entrevistada pelos Serviços de Imigração
sobre a natureza do nosso casamento.
— Ele é gostoso — eu digo. — Ele também é impossível de ler.
— Bem, sim — diz ela, sem surpresa. — Ele é um homem.
— Não, ele não é o do tipo macho alfa fechado comum. Quero
dizer, ele é outro nível, totalmente ilegível — insisto. — Não tenho
ideia do que ele está pensando, e as únicas vezes que vislumbro o
que pode estar passando pela sua cabeça quando ele olha para
mim, tenho certeza de que está pensando no quanto ele me detesta.
— Pode ser — Meghan me surpreende dizendo. — Mas garanto
que há pelo menos mais uma coisa em que ele pensa quando olha
para você.
— E o que é isso? — Pergunto cautelosamente.
Ela se inclina para a frente e me dá um sorriso que reconheço
bem desde a adolescência. — Sexo, querida. Obviamente.
Ela parece tão escandalizada pela própria avaliação que não
tenho coragem de dizer a ela que isso está bem longe de ser
verdade no caso de Colin.
CAPÍTULO 7

A
SEXTA-FEIRA, 21 DE AGOSTO

manhã seguinte começa com uma crise e uma decisão: café


ou pílulas?
Meu nariz toma a decisão por mim. Eu não diria não a um
Excedrin, mas também estou dolorosamente - com trocadilhos -
ciente de que meu frasco confiável de comprimidos para dor de
cabeça está atualmente a um voo de seis horas de distância, no
meu armário de remédios em São Francisco.
Eu poderia bisbilhotar as coisas de Colin procurando remédios,
mas no meu estado atual, não estou preparada para lidar com ele
me perseguindo. Sem mencionar, não tenho certeza absoluta de
que o homem tenha analgésicos. Ele não me parece do tipo que
toma decisões erradas.
Bem, além de se casar comigo, é claro.
Saio da cama, parando por um segundo quando me levanto para
garantir que o mundo não gire. É uma ressaca, mas não a pior que
já tive.
Abro a porta do quarto, viro à esquerda, como costumo fazer no
meu quarto em casa, e paro bem a tempo de não colidir com a
parede. Giro e ando em direção ao cheiro de café e ao som de
ruídos na cozinha.
Colin está em frente ao fogão da cozinha, vestido com uma calça
e uma camiseta, o cabelo ainda úmido do banho. Ele checa duas
vezes quando me vê.
— O que você está vestindo? — Seu sotaque é mais grosso do
que o habitual quando ele diz isso, melódico e um pouco rouco.
Como responder perguntas estúpidas é proibido antes do café,
eu o ignoro, e começo a abrir e fechar os armários até encontrar as
canecas. Sinto uma pontada de saudade de casa quando vejo que
todas são pretas iguais, muito diferentes das minhas canecas da
Kate Spade com bolinhas brilhantes, mas desde que elas possam
atuar como um recipiente para a cafeína, tudo será perdoado.
Puxo a jarra de metal pesada da cafeteira chique, grata por seu
peso, porque significa que Colin fez café extra.
— O que você está vestindo? — Ele pergunta novamente, e
porque eu tomei o primeiro gole da doce, doce salvação, eu o
respondo.
— Pijamas.
— Onde está o seu roupão?
— Bem, vovô. Eu moro sozinha, então não preciso de um
roupão.
— Bem, você não mora mais sozinha, então sim, você precisa
de um roupão.
Olho para o meu pijama, tentando descobrir o que o fez agir
como se tivesse prisão de ventre. Costumo sentir calor à noite,
então, mesmo no inverno, meu pijama é composto por shorts e uma
regata. A regata é decotada, mas meus peitos não estão vazando, e
os shorts, embora curtos, não estão mostrando a minha vagina,
então o motivo pelo qual ele está todo nervoso está além de mim.
—Refrescando sua memória de ontem: Sou sua colega de
quarto, não uma hóspede. Você não pode me dizer o que vestir —
murmuro, dando a volta no banquinho e estabelecendo-me.
Ele balança a cabeça e volta para o fogão. Ele segura uma tigela
de metal. — Eu estava prestes a fazer alguns ovos mexidos. Quer
que eu faça alguns para você?
Meu estômago revira e não consigo reprimir o gemido.
Ele sorri por cima do ombro. — Longa noite?
Pressiono meus dedos no centro da minha testa, onde a dor de
cabeça parece estar focada. — Eu saí com Meghan e de alguma
forma esqueci o fato de que não tenho mais 21 anos.
—Meghan... baixa? Cabelo rosa?
Eu sorrio mesmo através da minha dor. — Ainda baixa. Não usa
cabelo rosa desde que tinha dezessete anos e estava passando por
uma fase rebelde.
Ao contrário do meu próprio estágio rebelde, que só chegou
alguns anos depois. Um estágio rebelde que me meteu na bagunça
em que estou atualmente. Bem, não a bagunça da ressaca. Foram
muitos copos de um bom Tempranillo espanhol que se seguiu aos
coquetéis e champanhe. E nem é preciso dizer que não tínhamos
consumido tira-gostos o suficiente para absorver o vinho.
Olho para as costas largas de Colin, notando a ligeira flexão dos
músculos enquanto ele se move pela cozinha.
— Você já foi à academia? — Pergunto. — Eu pensei que você
ia me mostrar onde fica.
— São seis e quarenta e cinco.
— Você diz isso como se eu tivesse dormido até o meio dia —
eu digo.
— Eu gosto de estar no escritório no máximo às sete e meia.
Eu reviro meus olhos. — Que vida emocionante você vive.
Ele me lança um olhar por cima do ombro. — Não aja como se
estivesse em condições para ir à academia. Como está a dor de
cabeça?
Eu estremeço. — Touché.
Dedico-me ao meu café e fico um pouco surpresa quando ele
coloca um prato de ovos mexidos fumegantes na minha frente.
— O que é isso?
— Café da manhã — diz ele sem cerimônia, sentando em uma
banqueta, apesar de manter um assento entre nós.
— Eu não tomo café da manhã.
— Talvez você deva. Especialmente se você tem o hábito de ter
noitadas.
— Na verdade, eu não costumo ter — admito, olhando os ovos e
tentando descobrir se eles são exatamente a coisa certa para ajudar
minha dor de cabeça ou se eles simplesmente inclinariam a balança
para o mal-estar.
— Não tem o hábito de beber? — Ele pergunta.
— Não como eu fiz ontem à noite — eu digo, pegando o garfo e
cuidadosamente mordendo. — Não quando eu tiver que trabalhar no
dia seguinte.
Os ovos são muito bons, e minha próxima mordida é mais
entusiasmada.
Pelo canto do olho, noto que Colin come metodicamente. Não
inalando sua comida, mas também não a saboreando. Ele tem uma
pilha de algo verde no prato - espinafre, talvez, e estou agradecida
por ele me ter poupado disso, já que sou nova nessa coisa de café
da manhã. Legumes seriam um passo longe demais. Normalmente,
sou mais um tipo de garota do café e, ocasionalmente, um smoothie
de framboesa que Kurt me traz quando me diz que estou agindo
brava de fome.
A exceção é o brunch de domingo, mas brunch não é café da
manhã. Não há espinafre no brunch, não do jeito que eu faço. É
tudo sobre mimosas e rabanadas empilhadas com chantilly.
— Você gosta de brunch? — Pergunto a Colin.
— O quê? — Ele não olha para mim.
— Brunch. Você sabe, um café da manhã alcoólico de fim de
semana? Onde você come um pouco demais, de preferência algo
com molho holandês ou xarope, e quer tirar uma soneca depois?
Ele limpa a boca e leva o prato para a pia, lavando-o e
colocando-o na máquina de lavar louça, usando a mesma eficiência
robótica com a qual ele come.
— Você terminou? — Ele pergunta.
Olho atentamente para o meu prato, que está quase
completamente cheio desde que dei duas mordidas.
— Certo. Bem, coloque-o na máquina de lavar louça quando
terminar.
Faço uma saudação zombeteira enquanto ele se serve de outra
xícara de café e volta para o quarto.
— Isso significa que não gosta de brunch, então? — Eu grito
atrás dele, principalmente para ser irritante.
Colin não responde, e eu não espero que ele responda.
Eu suspiro. Uma manhã já foi. Só faltam mais noventa.
Me mata.
CAPÍTULO 8

SEXTA-FEIRA, 28 DE AGOSTO


Q uerida, seu cabelo. Eles não têm cabeleireiros em Nova
York?
— Ei! Não vou mais fazer chamadas pelo Skype se você vai
criticar minha aparência.
Kurt me manda um beijo através de sua câmera na tela. — Eu
senti sua falta.
— Eu também senti sua falta.
E é verdade. Eu senti falta dele. Mas... todo esse trabalho à
distância foi mais bem-sucedido do que eu esperava. É verdade que
faz apenas uma semana, mas fiquei um pouco surpresa ao perceber
o quanto mais produzo quando não me sinto obrigada a participar
de todas as reuniões possíveis. Para não mencionar, a diferença de
três horas significa que sinto que tenho um bom começo todos os
dias.
Faço uma anotação mental para usar essa vantagem de três
horas para marcar um cabeleireiro. Saí de São Francisco com tanta
pressa que perdi meu compromisso fixo para impedir que minhas
raízes castanhas aparecessem, e o resultado não é legal. Mas o
processo de encontrar um novo estilista que saiba como trabalhar
com meus cabelos loiros claros também não é, então eu tenho
adiado.
O modo como os olhos de Kurt se arregalam de horror me diz
que adiei por muito tempo.
— Sério, eu vou colocar um chapéu se você continuar fazendo
isso.
— Oh Deus, não. Isso seria pior. Chapéus e seu formato de rosto
não combinam.
— Lembre-me novamente por que estamos fazendo isso?
Ele sorri. — Porque você me ama. E eu te amo. Falando em
amoooooooor, como está o maridão?
Encosto o queixo nos meus braços na mesa da cozinha de Colin,
que assumi como meu escritório improvisado até conseguir alugar
um espaço adequado para meu escritório e digo a ele a mesma
coisa que disse a Meghan. — Eu não acho que ele gosta de mim.
Kurt balança a cabeça. — Absurdo. Todo mundo te ama. Você
tem aquela joie de vivre que os homens consideram positivamente
irresistível e as mulheres querem para si mesmas.
— Sim, bem, Colin não parece apreciar minha alegria pela vida.
Eu acho que ele me acha irritante.
— Você está sendo irritante?
Eu franzo meus lábios. — Eu acho um pouco intrigante tirá-lo do
sério. Mas em minha defesa, ele tem coisas demais que o irritam. O
cara é muito sensível.
Kurt franze o lábio. — Oh Deus. Minha criptonita. Na primeira
noite em que fiquei na casa do Lewis, coloquei um garfo na máquina
de lavar louça e pensei que ele ia me matar. Foi o melhor sexo que
já tivemos.
— Sim, bem. Colin e eu definitivamente não estamos fazendo
sexo.
— Vocês são casados!
— Não de verdade. Eu mal conheço o cara.
— E daí? O conheça então.
— Estou tentando — digo, mexendo no meu colar. — Não
porque eu quero dormir com ele, mas porque não vejo nenhuma
razão para que os próximos três meses sejam completamente
insuportáveis. Mas ele parece perfeitamente satisfeito em apenas
fingir que eu não existo, mesmo quando compartilhamos a mesma
geladeira, respiramos o mesmo ar...
— Você poderia seduzi-lo — diz Kurt, como se eu não tivesse
falado nada.
— Ok, cara-que-só-pensa-em-sexo. Você não está ouvindo. Eu
não estou interessada nele assim. Ele é mal-humorado, metódico e
mora do outro lado do país. Só não entendo por que não podemos
ser amigos.
Kurt balança a cabeça com indulgência. — Você nunca aceita
quando as pessoas não gostam de você.
— Bem, por que ele não gosta de mim? — Eu exijo, sentando-
me ereta. — Eu sou fácil de gostar. Eu me dou bem com todos.
— Hummm. E como estão seus pais?
Eu levanto um dedo de aviso. — Fora dos limites, e você sabe
disso.
— Então você ainda não os viu.
— Não — eu resmungo, tentando evitar a facada de culpa
profunda e falhando.
— Eles sabem que você está morando na mesma cidade que
eles?
— Estou trabalhando nisso. Você não os conhece, Kurt. Eles não
são pais comuns. Eles nem são pessoas comuns.
— Ok, tudo bem. Uma batalha de cada vez. Vamos começar
com seu cônjuge. Como você tem tentado conquistá-lo?
— Eu fiz café para ele essa manhã. Ele nem agradeceu.
— Quem costuma fazer café?
— Ele.
— Você agradece?
Abro a boca e depois a fecho. — Justo. Ok, então o que eu faço?
— Lembre-me sobre seu objetivo final?
— Eu não morrer nos próximos três meses?
Ele faz um gesto casual com o dedo. — Versão não hiperbólica.
Eu suspiro. — Eu ficaria satisfeita com não me sentir tão inferior
sempre que ele está por perto. Posso lidar com o fato de não
sermos melhores amigos, mas já faz muito tempo que alguém me
faz sentir tão... inadequada.
— Você perguntou a ele o que ele pensa de você?
— Hum, não. Como exatamente se tem essa conversa?
Kurt coloca a mão sobre o peito. — Ok, finja que sou você...
Kurt bate os cílios e enrola uma mecha de cabelo imaginária. —
Oi, Colin? Sei que meu cabelo está meio esquisito agora, mas, além
disso, estou me perguntando por que você acha que sou escória?
Kurt ligeiramente muda de posição para o outro lado da cadeira
e depois faz uma careta antes de falar em voz baixa. — Eu não te
desdenho, moça. Eu sou apenas um pouquinho tímido, é tudo.
— Esse é o pior sotaque irlandês que eu já ouvi.
— Mas ele tem sotaque irlandês, certo?
— Sim. Mas…
Paro quando ouço a porta da frente se abrir.
— Tenho que ir — digo a Kurt.
Eu fecho meu laptop antes que meu amigo possa se despedir,
não querendo que Colin saiba que estávamos falando sobre ele e
seu sotaque sexy.
Eu disse sexy?
Sim. Sim, eu disse. Porque, embora o sotaque dele não seja tão
grosso quanto há dez anos, ainda há algo claramente excitante em
um homem com sotaque, especialmente quando ele tem uma
aparência como essa.
Hoje ele está vestindo uma camisa azul com seu terno cinza
escuro padrão que destaca ainda mais o azul de seus olhos do que
o habitual. Olhos azuis que piscam uma vez rápido demais quando
ele me vê, como se ainda não estivesse acostumado a me ver em
sua casa.
Colin me dá uma rápida inclinação do queixo, sua versão de uma
saudação, enquanto fecha a porta da frente.
Estamos nessa há uma semana, então eu sei o que acontece a
seguir. Ele coloca a pasta no armário do corredor, vai à cozinha
pegar um copo de água e às vezes uma maçã e depois se retira
para o quarto. Às vezes, ele fica lá a maior parte da noite, exceto
para comer, ler ou assistir TV. Algumas noites ele sai de casa, para
fazer eu nem sei o que.
Ele nunca é rude. Ele é atencioso com o barulho. Limpa o que
sujou - e o que eu deixei, se eu fizer algo louco como deixar uma
baguete no balcão. Ele fala comigo se eu perguntar uma coisa. Ele
continua a colocar ovos na minha frente todas as manhãs se eu
acordar no mesmo horário que ele. Mas, como contei a Kurt, não
posso deixar de pensar que ele não gosta de mim. Ou, no mínimo,
gostaria que eu não estivesse aqui.
O que eu posso entender. Também não quero estar aqui. Eu
ainda tenho fantasias bastante regulares sobre estrangular meu
irmão por nos meter nessa bagunça, especialmente desde que
Justin continua me ignorando. Eu nem posso culpá-lo. Meu irmão é
um homem excepcionalmente inteligente. Evitar a irmã cujo acordo
pré-nupcial você manipulou é uma estratégia muito inteligente para
preservar a segurança pessoal.
Ainda assim, Justin me colocou nessa bagunça. Ele colocou nós
dois nessa bagunça, e estamos presos a ela. E simplesmente viver
ao redor da situação não vai funcionar. Alguém tem que dar o
primeiro passo, e acho que tem que ser eu.
— Ei, você quer uma bebida? — Eu deixo escapar, quando ele
abre o armário de casacos para colocar sua bolsa dentro.
Colin se endireita lentamente e me dá um olhar ilegível. — O
que?
— Uma bebida — repito pacientemente. — Álcool opcional.
Consumido enquanto aprecia minha companhia. Essa parte não é
opcional.
— Uma bebida aqui?
Eu dou de ombros. — Por que não? Você tem aquele carrinho de
bar sofisticado com todas os acessórios. E eu faço um bom martini.
— Vodca ou Gim?
— Qualquer um. Ambos. Bond bebia vodca.
— Churchill bebia gim.
— Bond era mais gostoso — eu replico.
As mãos de Colin deslizam sob o paletó aberto, encontrando
seus quadris enquanto ele me estuda. — Você é fã do 007.
— Sou fã de Daniel Craig. E Pierce Brosnan. E Connery. Ok,
sim, tudo bem. Sou fã do 007.
Ele assente. — Tudo bem então. Já tomou uma Vesper?
Balanço a cabeça. — Parece vagamente familiar.
— É vodca e gim. Além disso, Bond bebeu um em Casino
Royale.
— Ah ha! Então você também é fã do Bond. Parece que nós
temos algo em comum!
Ele não sorri, mas seu olhar parece um pouco mais amigável
que o normal.
— Tudo bem — diz ele finalmente. — Deixe-me fazer uma
ligação rápida e depois eu farei uns para nós.
Espero até ele sumir de vista, ouvindo o clique da porta do
quarto antes de pular da cadeira e fazer uma dança da vitória. O
que falta na coordenação é compensado pelo entusiasmo.
Acabei de descobrir qual será o meu projeto enquanto minha
vida real em São Francisco estiver em hiato: eu vou descobrir do
que esse cara gosta e vou fazer ele gostar de mim.
Kurt não estava totalmente errado. Eu gosto que as pessoas
gostem de mim. Elas não precisam me amar. Apenas... me adorar
um pouco. Não porque sou vaidosa, mas, bem...
Eu suspeito que provavelmente tenha algo a ver com a profunda
culpa sobre como eu era horrível nos meus vinte e poucos anos.
Autocentrada, imprudente e um pouco ingrata.
Eu tenho compensado isso desde então.
Não tenho ideia de quanto tempo levará a ligação de Colin e,
sinceramente, não preciso dele para fazer os coquetéis. Gosto de
entreter e adicionei bartender caseiro às minhas habilidades em
coquetéis e jantares há muito tempo. E embora esse coquetel em
particular seja novo para mim, não é nada que o Google não possa
ajudar.
Depois de uma rápida pesquisa, vejo que esse misterioso Vesper
está bem perto de um martini. Pego a vodca e o gim do elegante
carrinho de bar que Colin mantém no canto da sala e encontro uma
garrafa do terceiro ingrediente, algo chamado Lillet Blanc, na
geladeira.
Eu penso em sacudi-lo. Afinal, combina muito com Bond. Mas a
imagem da bebida que encontrei na Internet é perfeitamente clara, e
agitar o coquetel o deixará com espuma.
Coloco dois copos de coquetel no freezer para esfriar e depois
bisbilhoto a cozinha de Colin até encontrar um copo de cristal para
mistura e uma colher de bar.
O copo para mistura é pequeno, então eu tenho que fazer as
bebidas uma de cada vez, medindo cuidadosamente, derramando
sobre gelo e mexendo por um bom minuto ou mais para esfriar o
licor antes de passar para os copos.
Estou procurando um limão na geladeira para enfeitar as bebidas
quando Colin sai do quarto.
Ele faz uma pausa, olhando para os dois coquetéis prontos,
surpreso. — Eu disse que os faria.
— Eu ouvi você. — Eu seguro o limão. — Você tem um...?
Imito o movimento de fazer uma espiral de casca de limão para
enfeitar as bebidas.
Colin mexe os ombros para fora do paletó e o coloca sobre as
costas da cadeira, levantando as mangas da camisa, enquanto
caminha em minha direção.
Ele abre uma gaveta e puxa um descascador, mas em vez de
entregar para mim, ele pega o limão. Meus dedos se fecham
reflexivamente ao redor da fruta, de tão acostumada a viver sozinha,
a fazer as coisas do meu jeito, imediatamente resisto a desistir do
controle.
Aparentemente, Colin também está acostumado a estar no
controle, porque continua a segurar o limão. Só que estou
segurando com tanta força que ele não pode pegar o limão sem
também agarrar minha mão.
Coisas que não são sexys: limões.
Coisas que são sexys: Colin Walsh segurando minha mão
segurando um limão.
Não deveria ser. Eu sei disso. Mas no segundo em que seus
dedos fazem contato com os meus, sinto-os em lugares em que não
tenho problema nenhum em sentir no que se refere a esse homem.
Ainda assim, minha mão não recua e, percebo tardiamente...
nem a dele.
Eu levanto meu olhar para o dele e vejo algo que se parece com
um lampejo de calor - e um pouco de raiva - antes que ele puxe o
limão da minha mão.
Limpando a garganta, ele acrescenta uma espiral de limão aos
coquetéis com uma habilidade que me diz que não sou a única com
habilidades de bartender da casa.
Ele me entrega um dos copos antes de levantar o dele em um
brinde silencioso e tomar um gole da bebida. — Não é ruim.
— Você parece surpreso.
Ele estuda sua bebida por um momento. — Não. Bem. Um
pouco. Eu nunca tive uma mulher, fora garçonetes, me fazendo uma
bebida.
— E você pensou que éramos incapazes?
— Não coloque palavras na minha boca.
— Bem, o que mais eu devo...
Colin estende a mão e coloca um único dedo ao longo da base
do meu copo de coquetel, conseguindo incliná-lo em direção ao meu
rosto sem derramar uma única gota. — Cale a boca e beba sua
maldita bebida.
Tomo um gole, sem ter certeza do que esperar. — Hum! É bom.
— Você parece surpresa — diz ele, imitando minha afirmação
anterior.
Faço uma cara de engraçadinho e tomo outro gole da bebida. —
Eu não sabia bem o que esperar com a vodca e o gim juntos, mas
é... agradável, não é?
Ele encolhe os ombros. — Bond achou que sim.
— Então, essa é a sua bebida preferida? — Eu pergunto,
sentando-me em uma banqueta, determinada a atraí-lo para uma
conversa e, talvez, apenas talvez – a algo parecido com civilidade.
— Sou conhecido por pedi-la.
— Mas é a sua favorita?
— Quantos anos eu tenho, doze?
— Não pedi para você classificar seus Power Rangers favoritos
em ordem inversa — digo, buscando paciência. — Eu estava
apenas perguntando se essa é a bebida que mais gosta.
— Não.
Deus, me dê forças.
— Então, qual é a que mais gosta?
— Você é sempre tão faladora?
— Sim. A maioria das pessoas acham isso extremamente
charmoso.
— A maioria das pessoas não são casadas com você.
— Só porque sou comprometida desde que tinha vinte e um. —
Eu bato meus cílios.
Ele me recompensa com uma ligeira inclinação do canto da boca
para cima. — Eu não acho que esse cara sabia no que estava se
metendo.
— Oh, por favor. Você está lidando comigo há uma semana. Não
me diga que os e-mails ou mensagens de texto duas vezes por ano
da última década foram demais para você lidar.
— Eu sobrevivi.
Giro minha bebida em um círculo lento. — Por que você acha
que duramos tanto tempo?
Ele dá um encolher de ombros casual. — Eu realmente nunca
tive motivos para acabar com isso.
— Até agora.
— Até agora — ele concorda.
— O que mudou? Quero dizer, não estou reclamando, só estou
curiosa.
— Acho que percebi que sou adulto. Não sou mais uma criança
que precisa de um Green Card.
— E eu não sou mais uma adolescente rebelde que precisa da
poupança dela para escapar dos pais.
— Não. Você não é.
Eu estreito meus olhos porque há algo mais em seu tom.
— O que estou ouvindo? — Digo. — Julgamento? Parece
julgamento.
— Acho interessante que você esteja na cidade há uma semana
e não tenha visto ou falado com sua mãe. Ou pai.
— Como você sabe que eu não liguei? Ou os vi?
— Sua mãe me disse.
Eu quase cuspi minha bebida. — Você falou com minha mãe?
Quando?
— Ela me mandou uma mensagem ontem, quando não teve
notícias suas.
— Ela manda mensagens?
— Sim, Charlotte. Seus pais são inteligentes o suficiente para
dominar as mensagens de texto. Algo que você talvez soubesse se
tivesse tido tempo para manter contato na última década.
— Ei. Meu relacionamento com meus pais não é da sua conta.
Não saio por aí perguntando a última vez que você viu seus pais.
Sua mandíbula se flexiona.
Dou-lhe um olhar vagamente presunçoso. — Então. Não é tão
divertido quando é com você, não é?
Ele me encara, e eu encardo de volta, e droga. Ele vence,
porque eu desmorono.
— O que ela queria? — Pergunto.
— Sua mãe?
Eu concordo com a cabeça.
Colin encolhe os ombros. — Ela sabe que você voltou. Sabe
sobre a nossa situação. Queria ver como você estava.
— Ela poderia ter me ligado — eu resmungo.
— Você teria atendido?
— Sim. — Talvez. Provavelmente. Possivelmente não.
Não é como se eu não tivesse contato com meus pais.
Descongelamos lentamente ao longo dos anos, principalmente
devido à persistência do meu irmão. Eu ligo nos aniversários.
Conversamos no Natal. Eu os vi no funeral da minha avó e no
casamento do meu irmão nos últimos dois anos.
É apenas... frio. Nós não nos entendemos. Eles são duas das
pessoas mais opinativas do planeta e, de alguma forma, conseguem
ficar perplexos e indignados por terem uma filha opinativa que se
recusa a viver a vida que eles planejaram para ela.
— Então, você sabia que minha mãe me castigou uma vez por
cortar o cabelo?
— Sim, claro. Sei de todos os seus cortes de cabelo anteriores e
tenho uma lista de todas as vezes em que você ficou de castigo
quando criança.
Solto uma risadinha, encantada com o sarcasmo seco, mas sigo
em frente para fazer o meu ponto. — Eu tinha dezessete anos. Eu li
um artigo sobre cortes pixie na Cosmopolitan, achei que ficaria
bonito em mim, então fui ao salão, mostrei a foto e voltei para casa
com um cabelo pixie.
— Fascinante.
— Minha mãe ficou tão horrorizada que me deixou de castigo por
uma semana. Eu perdi o baile de Primavera. Por causa de um corte
de cabelo, Colin.
Ele bebe de seu coquetel. — Quantos anos você tem?
— Você sabe exatamente quantos anos eu tenho.
— Sim. Eu sei. É por isso que sei que esse episódio com o pixie
aconteceu há muito tempo. Talvez seja hora de deixar isso para lá.
Talvez seja hora de deixar tudo para lá.
— Você não está errado.
Sua mão congela no meio do caminho para colocar o copo no
balcão, e é estranhamente gratificante saber que posso surpreender
esse homem. — Eu não estou?
Eu dou de ombros. — Como você disse, já faz bastante tempo.
Com isso, levanto e pego meu próprio copo e vou em direção ao
meu quarto.
— Onde você vai?
— Ligar para minha mãe — eu digo por cima do ombro. — Se
você ouvir gritos, seja um bom marido e me faça outro drinque, sim?
CAPÍTULO 9

A
DOMINGO, 30 DE AGOSTO

inda está quente demais para usar calças de couro?


Definitivamente.
Mas é um preço pequeno a pagar para mostrar aos meus pais
que, embora possamos nos encontrar no território deles, ainda sou
eu. A minha versão que combina calças de couro com sapatos
vermelhos e uma blusa de seda preta. Sem cardigã. É o cardigã que
vai enlouquecer minha mãe, marque minhas palavras.
O que? Eu disse que era hora de esquecer o passado, não se
tornar um capacho.
O taxista me lança um olhar impaciente pelo espelho retrovisor e
percebo que meu tempo de preparação acabou. Com uma careta,
abro a porta do táxi e entro em uma rua em que não piso há muito,
muito tempo.
Olho em volta, de alguma forma completamente surpresa ao ver
que a rua em que cresci parece exatamente a mesma. Você
costuma ouvir as pessoas dizerem como a cidade de Nova York
está sempre mudando e isso é verdade. Apenas não no Upper East
Side. Ou pelo menos não na rua 63.
Olho para a fileira de casas da cidade quando o taxista se afasta
e, olhando mais de perto, algumas coisas mudaram. A porta dos
Steins é azul escura em vez de vermelha. A casa da Sra. Krause
recebeu uma reforma, sem dúvida por seus novos proprietários,
considerando que a Sra. Krause estava no final dos oitenta quando
eu era criança. As árvores são mais altas, os vasos são novos, mas
a essência da rua ainda é exatamente como eu me lembro.
Por fim, fixo meu olhar para a frente, na casa em que cresci. A
casa dos meus pais mudou...
Nada.
Ainda há a porta cinza escura. Os degraus perfeitamente
mantidos. Não há vasos de flores nesta casa. Minha mãe os acha
desorganizados. O tapete de boas-vindas é estritamente prático.
Sem trocadilhos atrevidos ou palavras amigáveis, apenas um lugar
para limpar os pés antes de entrar no vestíbulo intocado.
Parece aconchegante, certo?
E agora você está se perguntando o que estou fazendo aqui.
Afinal, disseram-me que, se eu saísse pela porta, não voltaria.
Sim, bem, eu meio que me pergunto o que estou fazendo aqui
também. Em um minuto, eu estava conversando com minha mãe, e
no outro ela estava me informando que me veria às cinco no jantar
de domingo.
Note que eu disse informando. Não perguntando se eu estava
disponível ou se gostaria de vir. Era simples assim. Um comando.
Não tive um jantar de domingo com minha família por quase duas
décadas, mas você nunca imaginaria isso pela insistência casual da
minha mãe.
E, então... aqui estou eu. Preparando-me para entrar na cova
dos leões.
Eu administro bem os passos, mas a porta da frente me faz
parar e percebo que tipo de jogos mentais podem ser causados por
dez anos de ausência.
Eu bato? Ou apenas... entro?
O pensamento de bater parece impensável. Eu atravessei essa
porta centenas de vezes. Milhares. Mas eu não sou mais uma
garotinha que volta para casa da escola. Sou uma mulher de trinta e
um anos.
E este não é mais meu lar.
Se você sair por aquela porta, Charlotte Spencer, não espere
voltar novamente, agora ou nunca mais.
A parte orgulhosa de mim quer dar meia volta e provar à minha
mãe que você colhe o que planta. Você diz à sua única filha para
nunca mais voltar, talvez ela não volte.
E, no entanto, a outra parte de mim, aquela que cresceu, que
está determinada a ser uma pessoa melhor e mais gentil, suspeita
que a exigência de minha mãe para eu estar aqui para jantar hoje à
noite não foi exprimida por mandatos ou tendências de controle,
mas por medo. Se eu tivesse que adivinhar, diria que minha mãe
estava aterrorizada que, se ela não me obrigasse a vir jantar, eu não
viria.
É claro, é irritante que ela ainda não me conheça o suficiente
para saber que quanto mais forte ela puxa as rédeas, mais eu me
afasto e que, se ela simplesmente me convidasse para jantar eu
estaria lá dentro tentando ser educada, em vez de espreitando
teimosamente na entrada.
Cresça, Charlotte.
Estranhamente, é a voz de Colin que ouço na minha cabeça.
Não que eu o tenha ouvido proferir essas palavras precisamente,
mas quase isso.
E é ele que estou determinada a provar que estava errado
quando abro a porta.
Estou um pouco surpresa ao encontrá-la destrancada. E no
segundo em que entro, sou surpreendida por um soco de emoção.
Eu pensei que seria como entrar na casa de um estranho ou, na
melhor das hipóteses, uma espiada no meu passado.
Minha reação é muito mais visceral do que isso e muito mais
quente. Esta é a minha casa. Ou pelo menos eu me sinto assim.
Tudo, desde o clique do meu salto contra o piso de madeira escura,
até o elaborado arranjo de flores na mesa da entrada, até o cheiro, é
familiar.
Um familiar bom, estou um pouco surpresa ao perceber. A
primeira porta à direita era o escritório do meu pai e, enfiando a
cabeça no quarto escuro, vejo que permaneceu o mesmo. A mesma
mesa de madeira escura, o mesmo cheiro levemente amadeirado. O
computador foi atualizado - um modelo Mac mais recente, que me
surpreende. Eu consideraria meu pai o tipo de cara que usa um
computador por toda a vida.
Saio do escritório e vou em direção ao salão, e sim, eles
chamam assim. Meus pais são, oh, como eu coloco isso...
Tradicionais pra caramba.
Nenhuma refeição casual é feita em torno de uma mesa de
cozinha amigável, nem lanches para serem mordiscados no balcão
da cozinha. As refeições, até o café da manhã, eram formais e feitas
no salão de jantar.
Até o ritual antes do jantar era tradicional, com - coquetéis,
conversas e petiscos - obrigatórios na sala de estar, e nem pense
em aparecer com os pés descalços, shorts ou cabelos
desarrumados.
Quando criança, - coquetéis - significavam limonada ou
coquetéis sem álcool para mim, mas definitivamente estou
planejando uma opção de bebida mais adulta hoje à noite. Por
razões óbvias. Encontro minha mãe exatamente onde eu espero –
no salão, e novamente a pura familiaridade do momento toma conta
de mim.
Mamãe se vira para mim, e as borboletas se desalojam do meu
estômago e parecem se estabelecer na minha garganta quando
encontro seus familiares olhos azuis.
Ela parece a mesma. O mesmo colar de pérolas, o mesmo
batom vermelho suave, o mesmo corte na altura dos ombros e
postura perfeita.
Mas não exatamente a mesma. Como a rua do lado de fora e a
própria casa, há mudanças sutis. Mudanças suaves. Linhas de
expressão em volta dos olhos e fios prata misturam-se aos seus
cabelos louros e lisos.
O olhar de minha mãe também é mais suave do que eu me
lembro, embora apenas por um momento antes de ela levantar
levemente o queixo. — Charlotte. Bom, você está aqui. Você ainda
está nessa agenda relaxada da Califórnia, suponho.
Minha mãe, senhoras e senhores. Só para o registro, estou
exatamente três minutos atrasada da convocação para às cinco
horas em ponto.
— Onde está o papai? — Eu pergunto, olhando ao redor da sala
e depois dando uma olhada dupla. Há um homem parado no
pequeno bar, mas definitivamente não é meu pai.
— O que você está fazendo aqui? — Eu deixo escapar.
— Charlotte, seja educada — diz mamãe, não gostando das
minhas maneiras da Costa Oeste mais do que ela gosta do meu
horário, aparentemente.
Colin ergue um copo de coquetel em saudação. — Esposa.
— Você disse que tinha planos — eu acuso. Eu não o vejo desde
que ele deixou nossa casa por volta do meio-dia.
— Sim, e eles envolvem o jantar de domingo com Eileen e Paul.
— Desde quando seus planos de fim de semana envolvem jantar
na casa dos meus pais?
— Desde sempre — minha mãe responde por ele. — Colin, você
seria um amor e prepararia algo para Charlotte beber? Eu vou
encontrar seu pai. Ele está no jardim novamente, adorando suas
plantas. E então eu gostaria de uma boa taça de vinho branco
quando voltar.
Plantas? O pai que eu conheço tolerava o golfe ao ar livre, e só
quando era para avançar num negócio. Ele certamente não saia de
bom grado. E ele nunca adorava qualquer coisa.
Olho as costas da minha mãe quando ela sai da sala e balanço a
cabeça. — Não consigo descobrir o que é mais surpreendente: que
você faça jantares regulares com minha família ou que meu pai
tenha um jardim de ervas.
Colin encolhe os ombros. — Ele está numa missão para
descobrir o que ele quer fazer com sua vida após a aposentadoria.
Modelos de aviões, fotografia e a escrita do próximo grande
romance americano já foram descartados — diz Colin, sem se virar
enquanto faz uma bebida no bar.
— Você o conhece melhor do que eu — murmuro, caminhando
em sua direção.
Ele olha para mim quando eu me aproximo, seu olhar deslizando
sobre a minha roupa. Sua expressão é indiferente, como sempre,
mas não perco o jeito como seus olhos permanecem no decote em
V da minha blusa antes de cair nas minhas calças de couro.
— Roupa legal. Onde você estacionou sua moto?
Solto uma risadinha e aceito a bebida que ele oferece.
— O que é isso? — Tomo um gole e sorrio. — Um Vesper.
Ele dá de ombros, estendendo a mão para pegar uma taça de
vinho, enchendo-a com uma garrafa de vinho branco gelada que
estava num balde de gelo. Ele o deixa de lado, provavelmente para
minha mãe, e depois pega seu próprio copo mais uma vez.
— Você realmente vem aqui todo domingo?
— A maioria das vezes.
— Por quê? — Pergunto, tentando entender por que um homem
crescido se colocaria de bom grado nessa situação regularmente.
— Eu gosto dos seus pais.
— Sério?
Ele desvia o olhar. — É legal. Ter pessoas na cidade para... —
Ele limpa a garganta. — Eu não tenho família na cidade. E eles
também não.
Não há acusação em seu tom, mas sinto a culpa mesmo assim.
Eu fui embora. Justin foi embora. Colin ficou.
Suponho que um genro que permaneceu é melhor do que uma
filha que foi embora.
— Ela está feliz por você estar aqui. — Colin diz suavemente.
Fico surpresa com o comentário, mas antes que eu possa
responder, minha mãe volta para a sala, surpreendentemente
graciosa para uma mulher no lado norte de seu sexagésimo
aniversário.
Meu pai está bem atrás dela, e meu coração aperta ao vê-lo.
Não sei o que estava esperando, considerando todo esse hobby de
jardim de ervas. Macacão. Sujeira sob as unhas. Uma barba.
Mas ele parece o mesmo. Não há sinal de inclinação em seus
ombros largos. Seu cabelo é mais sal do que pimenta agora, mas
ainda volumoso e perfeitamente dividido na mesma parte lateral que
ele usou minha vida inteira.
— Pai.
Meu pai não é um cara particularmente sorridente, mas ele sorri
quando me vê. — Charlotte.
Entrego meu copo a Colin, que o pega sem comentários, e
agindo por instinto, jogo meus braços em volta do meu pai, que se
enrijece um pouco de surpresa.
Nós não somos o tipo de família que dá abraços.
Mas ele ri e dá um tapinha na parte de trás da minha cabeça
sem jeito. — É bom ter você de volta.
De volta.
Há um consolo nas palavras que eu não esperava. Não estou de
volta - não para sempre. É apenas uma suspensão de três meses
da minha vida real até que eu possa abandonar meu marido
inoportuno, mas neste momento, eu me deixei fingir que estou em
casa.
— Uísque, Paul? — Colin pergunta, enquanto eu me afasto do
abraço estranho.
Meu pai assente, aceitando o copo que Colin já serviu. Há uma
casualidade fácil na troca deles que me faz sentir... estranha.
O fato de serem meus pais, que essa era minha casa, até o
senso de familiaridade quando entrei na casa - é uma familiaridade
antiga. O tipo que você herda, não o tipo que você conquista.
Colin conquistou a familiaridade. Ele esteve aqui. Não consigo
descobrir se estou irritada ou agradecida por isso.
— Charlotte, venha. Sente-se — mamãe diz, enquanto se senta
graciosamente no sofá de dois lugares, cruzando as pernas e
gesticulando para o lugar ao lado.
As calças e os saltos azul-marinho junto com o suéter amarelo
da minha mãe são perfeitamente adequados para o quarto decorado
de forma conservadora. Minhas calças de couro, nem tanto. Ainda
assim, eu faço conforme instruída, agradecendo enquanto Colin
pega meu coquetel e o coloca de volta na minha mão.
Então ele me surpreende sentado ao meu lado, meu pai
tomando seu lugar ao lado de minha mãe. É uma cena
estranhamente doméstica, que combina com os três, e deixa eu me
sentindo como a novata que não leu essa parte do roteiro.
— Ficamos tão felizes em saber que você e Colin decidiram
tentar fazer seu casamento dar certo.
Eu engasgo com meu coquetel e olho para Colin, perplexa.
Mas sua expressão não revela nada, e eu olho para meus pais.
Certamente eles não pensam...?
Não há senso de ironia em seus rostos, nem sorrisos
conhecedores. Acho que eu deveria ter imaginado. Não me lembro
de nenhum dos meus pais tendo muito senso de humor, mas eles
também não são estúpidos. Não tem como eles pensarem que Colin
e eu nos casamos de verdade.
Certo?
Dez anos atrás, Justin tinha instruções muito específicas sobre
meu acordo com Colin:
Não conte a verdade a uma única pessoa.
Todos sabíamos que aqueles que estavam próximos de nós
fariam suas próprias suposições, obviamente, mas com a
possibilidade de sermos suspeitos de fraude de matrimônio, não
queríamos colocar ninguém na posição de mentir por nós.
Isso incluiu meus pais, mas eu sempre pensei que eles tinham
descoberto a verdade sobre por que nos casamos. Eles estavam
cientes das estipulações do fundo fiduciário da minha avó, e não
deve ser difícil ligar os pontos e descobrir o fato de que Colin,
nascido na Irlanda, também se beneficiaria.
Por outro lado, eu não ficaria nem um pouco surpresa se eles
acreditassem no que queriam acreditar por pura teimosia.
Ou ilusão.
Recebo outra daquelas dores ao pensar que meus pais estavam
se apegando à esperança de que sua filha rebelde voltasse para
casa para consertar as coisas com o marido obediente.
Entretanto, já faz uma década. Certamente eles não acham que
Colin e eu estamos casados há tanto tempo.
Certamente ele não deixou que pensassem isso.
— Naturalmente, é algo para comemorar, então pensei em fazer
uma pequena festa.
— Espere, o que? — Minha atenção se afasta do homem ilegível
ao meu lado e volta para minha mãe.
— As pessoas querem ver você, Charlotte — diz ela, como se
isso explicasse tudo. — Ontem, Irene Hicks perguntou como você
estava.
— Irene Hicks. Como a Sra. Hicks? Minha professora da sétima
série?
— Já que ela era uma das suas favoritas, convidei-a para sexta-
feira...
— Espere. — Eu levanto uma mão, me sentindo em pânico
agora. — Sexta-feira...
— Para a sua festa — diz ela, parecendo exasperada comigo,
como fosse eu quem estava falando coisas sem sentido. — Colin,
eu já liguei para o seu escritório e conversei com Stephanie sobre
sua agenda. Ela disse que você estava livre.
Pelo canto do olho, vejo Colin hesitar por apenas um segundo
antes de assentir. — Certo. Sexta à noite parece bom.
— Oh, parece? — Eu pergunto sarcasticamente, dando-lhe um
rápido olhar sombrio antes de voltar para meus pais.
— Mãe, eu realmente aprecio o sentimento, mas acho que dar
uma festa seria estranho.
Minha mãe parece ofendida. — Minhas festas nunca são
estranhas.
— Não, eu sei, eu só quis dizer… — Eu respiro. — Quero dizer,
seria estranho ter uma festa de boas-vindas quando não estou de
volta de vez.
Tropeço um pouco na declaração, sentindo como se tivesse
quinze anos novamente. Estou totalmente preparada para a
decepção e/ou uma viagem de culpa e fico um pouco confusa
quando nada disso acontece.
Em vez disso, minha mãe acena com a mão em um gesto de
desprezo que ela pegou nos últimos dez anos, porque eu
definitivamente não me lembro disso na minha infância.
— Ah, quem sabe o que vai acontecer? — Diz ela.
Eu! Eu sei o que vai acontecer! Em três meses, sairei dessa
armadilha ridícula de casamento em que meu irmão me meteu e
voltarei à minha vida real.
Espero Colin dizer alguma coisa, mas ele se levanta. — Mais
vinho? — Ele pergunta à minha mãe.
— Você é um doce. Você escolheu bem, Charlotte.
Minha cabeça cai para frente em derrota.
CAPÍTULO 10

D
DOMINGO, 30 DE AGOSTO

e alguma forma, eu sobrevivo ao coquetel, ao jantar e à


sobremesa.
E depois? Depois eu cedo ao desejo de surtar. No momento em
que a porta do táxi se fecha atrás de Colin, eu me viro para ele,
socando seu ombro.
— Aí — ele reclama. — Mas que porra?
— Não me diga mas que porra. Sou eu quem diz mas que porra.
Você está seriamente me dizendo que está indo lá todos os
domingos à noite há dez anos e nunca disse a eles que se casou
comigo para receber seu Green Card?
— Não — diz ele, imperturbável.
— Então você contou a eles.
Ele hesita. — Não, quero dizer, não vou lá todo domingo à noite.
Eu faltei alguns.
Eu o soco de novo, e desta vez ele agarra meu pulso. — Pare
com isso.
Eu puxo meu braço, mas ele me mantém firme, então me
contento em encará-lo. — Qual era o seu plano? Apenas esperar eu
voltar para Nova York e dar as más notícias? Deixar que pensem
que você é o marido paciente e abandonado, enquanto eu sou a
egoísta e desleal?
Ele não responde e minha boca se abre.
— Ai meu Deus. Esse era o seu plano nefasto.
— Nefasto? Eu não tinha um plano, Charlotte. Eu não sou um
vilão de quadrinhos. Não pretendia fazê-los pensar em nada. Eu vi
um casal idoso e solitário que sentia falta dos filhos crescidos. Você
voou para São Francisco sem olhar para trás. O trabalho da esposa
de Justin os levou a Frankfurt. Não me machucaria me juntar a eles
para uma refeição caseira, então foi isso que eu fiz.
— E em todos esses jantares, não houve tempo para contar a
eles por que nos casamos?
— Tenho certeza que eles sabem.
— Sério? — Eu deixei a palavra pingar de sarcasmo. — Porque
eu não ouvi uma vez você corrigir a suposição da minha mãe de que
você está loucamente apaixonado por mim e estava esperando
pacientemente que eu voltasse para casa.
Sua cabeça se levanta como se o conceito fosse repugnante. —
Ela não acha isso.
— Bem, ela definitivamente quer acreditar. E aposto que quando
eu voltar para São Francisco, você não dirá a eles que foi você
quem pediu o divórcio.
Seus dedos se apertam no meu pulso. — Agora, quem é que
age como vítima? Não finja que você quer ficar casada comigo. Não
quando estamos a sós. E não finja que quis se casar. Era uma
transação comercial, pura e simples. Para nós dois.
Ele está certo, mas neste momento, nada entre nós parece
profissional. Ele ainda tem meu pulso em um aperto firme. Sua
expressão é assassina, e espero que a minha também. Nós dois
estamos respirando com dificuldade, com apenas alguns
centímetros nos separando na parte de trás do táxi, e não acho que
seja minha imaginação que a tensão entre nós seja levemente
tingida com consciência sexual.
Há dez anos, me casei com um garoto irlandês quieto que não
fez meu coração acelerar nenhum pouco.
Agora, no entanto, não posso negar que o Colin adulto não é
apenas objetivamente bonito – ele é ferozmente atraente. Para mim.
Seu olhar cai nos meus lábios, e me pergunto se ele também
sente a atração. Eu me pergunto se ele quer me beijar tanto quanto
eu quero beijá-lo. Ele solta meu pulso abruptamente, virando a
cabeça e fazendo um som muito parecido com nojo.
Bem. Isso responde a minha pergunta.
Eu luto para conter minha decepção, enquanto registro a súbita
frieza no meu pulso onde as pontas de seus dedos estavam.
— É apenas uma festa — ele resmunga. — Nós vamos passar
por ela. Então podemos contar a seus pais toda a verdade.
— A verdade. Ou seja, que você quer o divórcio. — Digo, só
para deixar bem claro que não serei a única vilã nessa situação.
— Sim — diz Colin em tom cortante, quando o táxi para fora do
nosso apartamento. — Que eu quero o divórcio.
Ele sai do táxi sem outra palavra, e eu pauso por um momento
antes de segui-lo, franzindo a testa com irritação e mais do que um
pouco de confusão, com o quanto o anúncio dele me incomoda.
CAPÍTULO 11

Q
SEXTA-FEIRA, 4 DE SETEMBRO

ualquer convivência tranquila que Colin e eu tenhamos


desenvolvido durante a primeira semana evapora após o
desastroso jantar com meus pais.
Durante a semana inteira, agimos como os estranhos que
somos, mal nos falando fora o essencial absoluto.
Onde você colocou o abridor de latas?
Você mexeu no meu carregador?
Você pode desligar essa música horrível?
A última sou eu, porque Colin aparentemente gosta de jazz, que
sempre soou como caos para meus ouvidos.
Na maior parte do tempo, evitamos um ao outro. Encontrei um
edifício comercial onde aluguei um pequeno escritório. Passo o dia
inteiro lá e, em seguida, faço questão de participar da cena social
noturna de Manhattan. Encontrei amigos que não via há anos, flertei
com caras quentes da Wall Street por cima de martinis e apenas me
deixei lembrar do quanto amo esta cidade.
Amo tanto quanto odeio meu marido.
Eu estava meio que torcendo por um furacão. Não do tipo
realmente destrutivo, apenas... você sabe, forte o suficiente para
que minha mãe tenha que cancelar esta maldita festa.
Mas a sexta-feira chega e, embora o dia esteja opressivamente
úmido, não há nenhuma chance que um clima extremo cancele a
festa. Mesmo que houvesse, existem forças mais fortes neste
mundo do que furacões.
Minha mãe é uma delas.
Para seu crédito, ela não me perturbou sobre a festa. Nada
sobre como aparecer, o que vestir, como me comportar. Sem
palestras sobre não a envergonhar ou lembretes sutis para mudar
absolutamente tudo sobre minha personalidade.
Em vez disso, é como se ela apenas esperasse que eu estivesse
lá, esperasse que eu me comportasse.
Ela está me tratando como uma adulta.
O que significa que... eu tenho que agir como uma.
Dado como o cronograma de Colin e o meu estão
deliberadamente desalinhados, espero apenas encontrá-lo lá, em
vez de coordenar nossa chegada. Teremos que bancar os
bonzinhos durante a noite, mas estamos livres até que a festa
comece oficialmente às seis. Até lá, imagino que estaremos fazendo
o que temos feito: fingir que o outro não existe.
É por isso que congelo no processo de colocar meus brincos
quando vejo Colin na cozinha, bebendo um copo de água.
— Eu não ouvi você entrar.
Sua única resposta é um encolher de ombros. Ele está vestindo
um terno azul-marinho com uma camisa branca e gravata azul
brilhante. A gravata combina com a cor do meu vestido de festa
quase exatamente e, perversamente, quero mudar de roupa para
não combinarmos.
Mas não me troco, principalmente porque o meu vestido azul é o
item mais legal do meu guarda-roupa que pode satisfazer o código
de vestuário da minha mãe. E considerando que é um setembro
atipicamente quente, o fato de o vestido ter pouco tecido, embora
pareça um pouco formal, significa que vou continuar com ele.
O olhar de Colin passa por mim. — Bela camisola.
Eu o ignoro, puxando um copo para fora do armário e me
servindo um copo de água, porque mesmo com a explosão do ar
condicionado e o vestido sendo alegremente pobre de tecido, ainda
está quente aqui.
Eu pulo quando sinto o roçar de dedos nas minhas costas e giro.
— Calma — diz ele, levantando a mão em sinal de rendição. —
Seu zíper abriu um pouco. Eu ia arrumar.
— Não. Pode deixar. — A parte de trás do vestido está quase
toda aberta na parte superior, com um padrão cruzado passando
pelas omoplatas. O zíper está perto da parte inferior do vestido, pela
metade das minhas costas, e percebo, depois de algumas tentativas
agitadas, que a aba do zíper está fora de alcance.
As sobrancelhas escuras de Colin se levantam. — Precisa de
uma mão?
— Tudo bem — murmuro, virando-me. — Não fique atrevido.
— Vou tentar me conter.
E ele se contém. Ele não faz absolutamente nenhum esforço
para se demorar enquanto seus dedos roçam nas minhas costas,
fechando o zíper com o mínimo de contato possível antes de se
afastar.
A brevidade do toque não faz nada para diminuir o impacto no
meu pulso, e cerro os dentes de irritação com a minha atração
descabida por um homem de quem não gosto.
Tomo um gole de água e me viro para encará-lo. Ele está
olhando de volta.
— Então. Esta noite vai ser divertida.
Ele dá de ombros. — Pelo menos você não precisa usar terno
em uma maldita onda de calor.
— Eu não sabia que robôs registravam a temperatura corporal.
Esta é uma IA bastante avançada.
— Um robô? É com isso que você está indo?
— É o melhor cenário que eu posso pensar sobre por que você é
do jeito que é.
— E como eu sou?
— Impassível. Ilegível. Incapaz de emoção humana.
Ele cuidadosamente coloca seu copo no balcão. — E porque
acha isso?
— Você nunca sorri. Ou ri. Mesmo quando você fica bravo, se
recompõe imediatamente.
— Entendi. Então, como não mostro todas as minhas emoções,
não devo ter nenhuma.
— E você tem? — Eu pergunto curiosamente.
Ele pega o copo e coloca na máquina de lavar louça. — Você
está pronta para ir?
— Viu, é exatamente disso que estou falando! Sempre que tento
falar sobre algo pessoal, você se fecha.
— Nem todos nós estamos preparados para nos abrir para
completos estranhos, Charlotte.
— Uma estranha — repito. — Sério? Eu sou sua...
Ele se aproxima. — Você é o que... minha esposa? Não, você
não é. Não de uma maneira que justifique o acesso aos meus
pensamentos mais íntimos. Eu não te conhecia quando assinei a
certidão de casamento e não te conheço agora. E você também não
me conhece, portanto talvez queira considerar reter seu julgamento.
Eu penso sobre isso, porque... ele não está errado.
— Tudo bem — eu digo lentamente. — Farei todos os esforços
para parar de julgá-lo, se você fizer o mesmo.
— O quê? — Ele parece confuso e irritado como o inferno.
— Ah, olha! Aí está um pouco de emoção. Eu acredito que eles
chamam isso de irritação. Mas estou falando sério. Você não pode
chamar minha atenção por julgá-lo sem conhecê-lo quando está
fazendo exatamente a mesma coisa.
— Eu não estou.
— Você está — digo, dando um passo à frente. — Você deixou
claro desde que cheguei que não gosta de mim. Você também não
gostava de mim no passado.
— Você tinha 21 anos e era uma mimada.
— Eu era mesmo — digo, porque é verdade. — Eu era egoísta,
mas não esqueçamos que nós dois conseguimos algo com esse
acordo, então me poupe da palestra santíssima. E... — continuo
antes que ele possa objetar. — Gostaria de ressaltar que as
pessoas têm permissão para crescer e mudar. E eu mudei.
— Mudou? — Colin murmura.
— Sim. Algo que você teria notado se não estivesse tão ocupado
pensativo e me evitando.
— Tudo bem — diz ele afavelmente. — Prove.
Eu franzo a testa. — Provar o que?
— Que você mudou. Prove que você não está mais obcecada
em seguir seu próprio caminho e fazer exatamente o oposto do que
seus pais querem apenas para irritá-los.
— Isso nunca foi… — eu paro. — Ok. Essa era uma grande
parte de quem eu era naquela fase da minha vida. Mas não mais.
— Como eu disse. Prove.
Meus olhos estreitam em suspeita. — Como?
— Agrade seus pais hoje à noite.
— Hum, você não me ouviu concordar com a festa? Não estou
vestida para impressionar? — Digo, gesticulando para meu corpo.
— Sua mãe quer mais do que você simplesmente aparecer com
um vestido minúsculo, e você sabe disso. Você teve uma visão para
sua vida, e tudo bem, mas sua mãe também teve uma visão para
sua vida.
— E deixe-me adivinhar. Essa visão envolve você. — Eu digo
irritada.
— Olhem para isso, pessoal. Inteligente e bonita.
Eu sorrio. — Você acha que eu sou bonita?
— Eu acho que você acha que é bonita. — Mas a voz dele não
está tão irritada como de costume, e seus olhos estão quase
sorrindo. Eu acho.
— Então, o que você quer de mim hoje à noite? — Pergunto. Sai
um pouco ofegante e eu limpo a garganta. — Quero dizer. Como
posso provar que não sou a... o que era, uma mimada de vinte e um
anos?
— Eu já sei que você não é uma mimada de vinte e um anos.
Gostaria de ver que você não é uma pirralha de trinta e um anos.
Faça algo altruísta.
Ele não diz “pelo menos dessa vez” mas tenho certeza de que
ele está pensando e isso dói. E irritantemente, quero provar que ele
está errado.
Eu não quero apenas que ele goste de mim. Eu quero que ele
me respeite.
— Tudo bem. — Eu levanto meu queixo. — O que você tem em
mente?
— Só por esta noite, deixe seus pais pensarem que estamos
tentando resolver nossos problemas. Sério. Por uma noite, deixe
que eles tenham a fantasia. Que você e eu estamos... você sabe...
— Fazendo aquilo?
Colin para com as minhas palavras. — Eu só quis dizer...
Dou um tapinha fraterno no braço dele e me viro para a porta. —
Eu sei o que você quis dizer. Por esta noite, deixe-os pensar que
estou tentando ser uma esposa de verdade. Só tem um problema —
digo, olhando por cima do ombro enquanto pego minha bolsa da
mesa.
— O quê? — Ele pergunta cautelosamente.
— Para que isso funcione, você precisará provar que está
tentando ser meu marido. De verdade.
— Que significa, o que, eu ando atrás de você e carrego sua
bolsa?
— Que tal um olhar ardente do outro lado da sala? — Eu sugiro.
— Dessa forma, não precisaremos conversar um com o outro, mas
as pessoas pensarão que você não pode esperar para me arrastar
para casa e fazer o que quiser comigo.
Colin me lança um olhar sombrio e eu suspiro. — Não, não,
querido, eu disse ardente, não de raiva. Não se preocupe, tenho
certeza de que você terá muitas oportunidades de praticar na festa.
CAPÍTULO 12

SEXTA-FEIRA, 4 DE SETEMBRO

— C harlotte, querida, você parece exatamente como me


lembro.
— Obrigada, Sra. Hicks. Eu literalmente acabei de conversar
com minha mãe sobre como você era minha professora favorita.
— Oh, pare com isso. Me chame de Irene, por favor. Agora
somos ambas adultas, embora uma de nós esteja do lado
desconfortável da meia-idade.
Eu não estava mentindo sobre a Sra. Hicks ser minha professora
favorita. Ela era jovem, bonita e divertida, e, ao contrário da Sra.
Bunting, a Sra. Hicks não tinha enchido meu saco por pintar minhas
unhas durante os anúncios matinais.
Ela não é mais tão jovem - nem eu, por falar nisso. Mas ela
ainda é divertida e bonita, seu cabelo loiro elegantemente estilizado
em um elegante chignon, sua maquiagem perfeitamente aplicada
para lisonjear sua pele de cinquenta e poucos anos. Durante toda
sua conversa sobre meia idade, a sra. Hicks - Irene - me parece o
epítome do envelhecimento com graça. Seus lábios não têm aquele
bico injetor, sua testa não tem o beijo perfeitamente suave de Botox.
Ela parece natural e suave, e faço uma anotação mental de que é
assim que tem que ser.
— Fiquei tão lisonjeada quando sua mãe me incluiu na sua festa
de boas-vindas — diz Irene, tomando um gole de vinho. — Eu ainda
amo ensinar, mas é bom estar cercada por adultos. Especialmente
quando essa conversa entre adultos não se concentra nas supostas
aspirações para a faculdade de pais de crianças de doze anos que
eu sei que estão mais preocupadas com o primeiro beijo do que
com as pontuações finais do vestibular.
— Por favor, me diz que minha mãe não era uma dessas. —
Digo em um sussurro alto.
Irene ri porque nós duas sabemos que minha mãe era
exatamente uma dessas.
— Você entenderá quando for um dos seus. — Irene me diz.
Dou um bufo indelicado. — Digamos que, no meu caminho de
maturidade emocional, ainda estou muito mais perto do meu
primeiro beijo do que do meu primeiro filho.
— Um evento do qual ainda gosto de dizer a mim mesmo que
participei.
Eu me viro para a voz masculina que acabou de entrar na
conversa e dou uma segunda olhada antes de soltar uma risada
encantada. — Drew Callahan! O que você está fazendo aqui?
Dou um abraço no meu namorado do ensino médio, tomando
cuidado para não derramar a bebida que Colin pressionou na minha
mão logo depois de chegarmos à festa.
— Você está tão bem! — Eu digo, recuando e dando um tapinha
no braço dele.
E eu quis dizer isso. Drew está um pouco mais forte agora, o
corpo de um homem em vez da forma ágil de um garoto. E embora
a linha do cabelo dele não seja exatamente o que eu me lembro, os
brilhantes e amigáveis olhos azuis definitivamente são. Nós
namoramos por quase três anos no ensino médio, praticamente
uma vida inteira na linha temporal adolescente. No entanto, o fato
de termos frequentado o mesmo colégio interno provavelmente
tornou um pouco mais fácil, sem que os pais se aproximassem de
nós.
Nosso relacionamento era fácil, pelo que me lembro, e também
foi fácil nos separarmos quando fomos para a faculdade, o que era
toda a confirmação de que eu precisava na época para saber que
ele não era o cara certo. Ainda me lembro dele com carinho, e seu
rosto em meio a uma lista de convidados composta principalmente
pelos amigos de meus pais é muito bem-vindo.
— Você também não parece tão ruim — diz ele, dando-me um
sorriso familiar. — Você não envelhece?
Exatamente o que eu estava dizendo a ela — diz a Sra. Hicks
enfaticamente, antes de se afastar sutilmente para se juntar a outra
conversa. Eu posso praticamente ouvi-la planejando dar a nós,
jovens, alguma privacidade.
— Você sabe, eu nunca recebi uma resposta direta sobre se eu
fui seu primeiro beijo ou não. — Drew diz, enquanto me viro para
encará-lo completamente.
— Puxa, não sei se lembro. Foi há muito tempo e tal... — digo
provocando, já que nós dois sabemos que ele não foi mais meu
primeiro beijo do que eu fui o dele.
Meu primeiro beijo foi com o neto do casal de idosos que morava
do outro lado da rua. O nome dele era John; sua avó o chamava de
Johnny, para grande desgosto dele. Ele havia visitado seus avós no
Texas no verão, e eu pensei que seu sotaque era a melhor coisa
que meu eu de treze anos já tinha ouvido, mesmo que o beijo tenha
sido doce e desajeitado.
— Vou seguir em frente e continuar mentindo para mim mesmo.
— Drew diz. Eu sorrio.
— Ótimo plano. Como diabos você está? E onde...? — Olho em
volta da sala procurando a esposa de Drew. Não me lembro o nome
dela, mas lembro-me de ver as fotos do casamento deles no
Facebook há alguns anos.
— Andrea — ele fornece, levantando a mão esquerda, que eu
tardiamente percebo estar desprovida de um anel. — Acabamos do
lado errado das estatísticas de divórcio.
— Oh, me desculpe. Eu não fiquei sabendo.
Ele encolhe os ombros. — Foi relativamente indolor, pelo menos
o máximo que essas coisas podem ser. Nós meio
que...enlouquecemos um ao outro, e não no bom sentido. — Ele se
inclina para a frente e baixa a voz. — É claro que, se tivéssemos
nos casado do seu jeito, teríamos tido uma chance.
Eu rio, esperando que ele não perceba o tom nervoso. — Do
meu jeito?
O sorriso dele é amigável. — Não pense que as teorias sobre o
seu casamento não dominam todos os jantares de nossos amigos
em comum há anos.
— Hmm. — Eu saboreio meu vinho. — Qual é a teoria
predominante?
— Que você é Charlotte Spencer e cria suas próprias regras. E
falando por experiência pessoal, imagino que viver em diferentes
partes do país é uma maneira bastante brilhante de permanecer
casado. Como você fez isso funcionar? Dias da semana fazendo
suas próprias coisas, e escapadinhas nos fins de semana?
— Algo assim. — Eu digo sem compromisso.
Não há acusação no tom de Drew, mas a conversa me deixa
desconfortável. Sei que prometi a Colin não envergonhar minha
mãe, mas não percebi o quão errado seria mentir completamente,
principalmente para alguém com quem eu me preocupava.
Eu examino a sala, subconscientemente procurando a única
pessoa que possa me entender. Colin está no canto mais distante
da sala conversando com um parceiro de negócios do meu pai e
sua esposa. Meu marido não está olhando para mim, mas
aparentemente sente meu olhar, porque encontra meus olhos do
outro lado da sala e levanta as sobrancelhas em uma pergunta
silenciosa antes de retomar seu estado padrão habitual quando se
trata de mim: Carrancudo. E devo estar começando a conhecer o
cara, porque tenho uma boa noção do que ele está pensando: Isso
é o que eu penso do seu maldito olhar ardente.
Escondo um sorriso e volto para Drew, que felizmente mudou do
assunto espinhoso que é meu casamento e está me informando
sobre nossos amigos em comum do ensino médio. Continuo
sorrindo e acenando com a descrição de quem é divorciado, quem
teve gêmeos e quem está brigando com quem antes que eu ceda à
vontade de me retirar.
Não porque eu não goste de Drew, nem porque a conversa está
me entediando, mas eu só preciso de um minuto para recuperar o
fôlego e reunir meus pensamentos. Estar de volta entre pessoas da
minha antiga vida é mais estranho do que eu pensava. O que quer
dizer algo, porque eu já esperava que fosse estranho. É como estar
em uma máquina do tempo em que você está cercada por pessoas
que não a conhecem agora, mas, pior ainda, você percebe que
talvez nunca a tenham conhecido de verdade - não realmente.
Com um rápido olhar para garantir que minha mãe não esteja
assistindo, saio da sala e, antes de perceber para onde estou indo,
subo as escadas, dois degraus por vez, até ficar do lado de fora do
meu antigo quarto.
Eu abro a porta.
Não espero que pareça o mesmo, e não parece. A cama está no
mesmo lugar, mas a roupa de cama é azul-marinho e bege, em vez
do edredom azul-petróleo que eu implorei à minha mãe para ter
durante a minha fase de Tudo-Tiffany-Blue. A mesa de cabeceira é
de madeira escura, em vez de branca, e há uma estante de livros
onde costumava estar minha cômoda.
Sei que não sou a primeira mulher adulta a ter seu quarto de
infância transformado em um quarto de hóspedes mais sofisticado,
mas ainda sou pega de surpresa pela onda de desamparo que rola
através de mim. Eu não tinha percebido o quanto esperava ver algo
familiar neste quarto até me decepcionar.
Sento-me no canto da cama e dou um pulo de surpresa quando
vejo alguém parado na porta aberta. Embora eu tenha subido aqui
por um momento de silêncio, o sentimento desamparado diminui um
pouco quando vejo meu pai.
— Ei pai.
Ele parece hesitante. — Posso entrar?
Eu dou de ombros. — A casa é sua. Aliás, isso deixou de ser
meu quarto há muito tempo.
— Não tanto tempo. Se bem me lembro, sua mãe evitou mudar
as coisas daqui até alguns anos atrás.
— Sério? — Eu pergunto, genuinamente surpresa. — Eu pensei
que ela teria livrado a casa de todas as minhas coisas antes mesmo
do meu avião pousar em São Francisco anos atrás.
Ele me dá um olhar de repreensão, um do qual lembro com
perfeita clareza. — Talvez você não conheça sua mãe tão bem
quanto imaginava.
— Talvez não — eu digo, passando a mão sobre a colcha
desconhecida. —Talvez ela também não me conhecesse.
Ele me surpreende rindo. — Não, definitivamente não. Mas
também, acho que ela nunca alegaria conhecê-la bem. Era parte do
que a frustrava - e a mim - tanto. Você nunca parecia estar
pensando no que pensávamos que estava pensando.
— Ou no que vocês queriam que eu pensasse — indico.
—Verdade — ele admite. — Justin era bastante tranquilo, e
realmente não nos ocorreu até você aparecer que nem todas as
crianças adeririam ao plano que estabelecemos para elas.
Bem, meus cumprimentos por persistirem no seu plano por todo
aquele tempo. — Não queria dizer as palavras, que saem com um
pouco afiadas. Mas, aparentemente, o tempo não cura todas as
feridas, porque as minhas ainda estão lá. Não tanto em carne viva
quanto antes, mas também não totalmente curadas.
Meu pai desvia o olhar e espero que ele solte um dos suspiros
cansados de Charlotte é tão exasperante, e saia, do jeito que eu o vi
fazer tantas vezes no passado. Em vez disso, ele me surpreende.
Já estabelecemos que meu pai não é exatamente um cara
emotivo, de coração para coração, então é legal e um pouco
estranho quando ele vem e senta ao meu lado na cama. Ele exala,
mas é um som pensativo, não irritado. Por alguns momentos,
nenhum de nós diz nada.
Ele quebra o silêncio. — Nós pensamos que você voltaria para
casa, você sabe.
Uau, então estamos falando disso. A conversa estava
demorando muito, mas confesso que não pensei que isso
aconteceria no meio de uma festa e eu sempre imaginei que o
confronto aconteceria primeiro com minha mãe.
Eu o encaro. — Ela me disse para não voltar.
Desta vez, ele cede ao suspiro cansado, mas não me incomoda
tanto quanto costumava. — Charlotte, quando você - se você - tiver
filhos, aprenderá que não há nada mais difícil no mundo do que vê-
los tentando se afastar de você. E você se afastou com força e se
afastou com frequência.
— Eu sei — sussurro.
— Provavelmente não é totalmente sua culpa — ele me choca
dizendo. — Você é filha da sua mãe, afinal.
Eu pisco, surpresa. — Mamãe é o oposto de mim. Ela sempre
fez tudo o que era esperado dela.
— Eu não quero dizer que você tenha seu lado rebelde dela;
quero dizer, você herdou a veia teimosa dela. Assim como, talvez,
sua tendência a falar e agir primeiro, pensar depois. Especialmente
quando as coisas não acontecem do seu jeito.
— Você sabe que fiquei muito melhor nisso ao longo dos anos.
— Eu digo.
— Tenho certeza que sim, mas sua mãe ainda cede à vontade
de dizer coisas que ela não quer dizer quando está frustrada.
Não finjo que não entendi. — Você quer dizer quando ela me
disse para ir embora e nunca mais voltar.
— Ela não disse para você ir embora — diz ele, com uma
gentileza impressionante. — Essa foi sua decisão.
— Verdade — eu admito. — Mas ela mal me deu um abraço,
parabéns, ou me disse que mal podia esperar para ouvir tudo sobre
a minha aventura na Califórnia quando nos víssemos no Dia de
Ação de Graças. — Arrisco outro olhar para ele. — Nem você.
Naquele momento, ele parece mais velho do que realmente é e
inclina a cabeça. — Não. Não, eu não fiz isso, e lamento.
Não é bem um pedido de desculpas, mas ainda estou chocada
com o quanto significa para mim ouvi-lo dizer. Saber que eles não
têm deixado toda a culpa em meus ombros todos esses anos, que o
mau estado de nosso relacionamento não é totalmente minha culpa.
Muito culpa minha, definitivamente. Mas não inteiramente.
Estendo minha mão e seguro a sua, apertando-a. Ele aperta de
volta; há uma vida inteira de comunicação no gesto silencioso.
— Agora é um bom momento para perguntar se você vai levar
Coco a público? — Ele pergunta, com uma nota lúdica de esperança
em sua voz.
— Espere, o que? — Eu rio de surpresa. — Você acompanha o
meu negócio?
Ele dá um encolher de ombros envergonhado, e eu estou
surpreendentemente emocionada.
— Não é a Apple, mas parece estar indo bem.
— Grande elogio — eu digo, divertida. — E eu adoraria
conversar sobre negócios com você. Mas talvez não quando há
trinta pessoas lá embaixo na sua sala de estar?
Ele estremece. — Desculpe pela festa.
— Eu não ligo para a festa.
— E, no entanto, aqui está você, se escondendo no seu quarto.
Parece que me lembro que sempre houve mais escapadas de Justin
do que suas durante as festas de sua mãe.
— Ah, isso é definitivamente verdade. — Eu sorrio com a
memória.
Justin e eu tínhamos sido um belo estudo de caso introvertido
versus extrovertido. Ele era gentil o suficiente quando necessário,
mas se tivesse a opção, ele escolheria livros em vez de pessoas
todas as vezes.
Eu nunca participei de uma festa ou conheci uma pessoa de
quem não gostei. Mesmo durante meus anos de rebelião, se
quisermos chamá-los assim, eu ainda sabia brilhar, mesmo que
fosse do tipo delineador preto demais, e não as pérolas e o discreto
rubor que minha mãe iria preferir.
Se esconder da multidão nunca foi meu estilo, mas meu pai está
certo. Estou me escondendo agora. Olho para minhas mãos,
tentando identificar por que me sinto tão atipicamente
desconfortável. Não é nada que alguém tenha dito ou feito. Todo
mundo é acolhedor e parece genuinamente feliz em me receber de
volta.
E talvez isso seja exatamente o que está me deixando
desconfortável. O fato de ninguém questionar meu direito de estar
aqui, nesta casa. O fato de que todos, desde professores antigos a
antigos namorados, até meus próprios pais, parecem pensar que eu
pertenço a este lugar.
Embora eu tenha dado as costas a todos eles e mal olhei para
trás ao longo de dez anos. Posso me dizer o que eu quiser sobre
meu crescimento, mudança e maturidade, mas isso não tira o fato
de que eu poderia ter feito as coisas bem melhores.
Olho para o teto. — Como você não me odeia?
— Biologia — meu pai diz sem hesitar. — Eu sou fisicamente
obrigado a amar você.
Eu dou risada. — Justo. Que tal gostar? Você gosta de mim?
— Sim — ele diz, novamente sem hesitar. — Não vou fingir te
entender mais agora do que antes. Mas tenho te observado de
longe por anos e entendo o que você está fazendo. Eu respeito isso.
— O que eu estou fazendo?
— Você iniciou seu próprio negócio. Construiu algo para si
mesma que é seu, nada a ver com suas conexões ou com o poder
do nome Spencer nesta cidade.
— Tanta modéstia.
— Orgulho — ele corrige. — Agora, eu poderia ter recebido mais
visitas ao longo dos anos. Mas isso não muda o fato de que tenho
orgulho de você.
Solto um longo suspiro. — Eu tenho muito o que compensar,
hein?
— Aparecer na festa de sua mãe é um bom começo. Significou
muito para ela.
— E me esconder no meu quarto? Isso estava na lista de
desejos dela para a noite? — Pergunto secamente.
— Bem, você escapou aqui para cima para ter a oportunidade de
conversar com seu querido e velho pai, não é?
— Ah, com certeza. — Digo, começando a entender o que ele
está oferecendo, mas depois percebendo que não quero iniciar esse
tratado de paz entre nós com mentiras.
— Pai, sobre eu e Colin...
Ele dá um leve sorriso, e há uma nota definitiva de tristeza. —
Vocês não vão viver felizes para sempre?
— Ok, eu tenho que perguntar — eu digo lentamente. — Você e
mamãe realmente pensaram que sim?
— Se ela acha que é um casamento real? Não, na verdade não.
Eu gostaria de pensar que nós dois somos espertos demais para
isso. Temos esperanças, no entanto. Isso é diferente. Confesso que
ela se deixou torcer para que isso fosse real. Eu também, nesse
caso.
Ugh. Isso é extremamente gentil e um pouco triste, o
pensamento que eles secretamente ansiavam por Colin se tornar
seu genro de verdade.
— Mas já faz dez anos — digo devagar — Certamente você
meio que percebeu que...
— Que Colin realmente gosta de morar nos EUA? — Meu pai diz
maliciosamente.
— Sim — eu digo, aliviada por estar explícito, sem precisar ser
explicado.
— Eu sei. Sua mãe também. Mas acho que vou ter que admitir
ter algumas das mesmas sensibilidades antiquadas que sua avó
tinha quando ela colocou uma estipulação de casamento em seu
fundo de garantia. E essa parte antiquada de mim quer que minha
única filha encontre um homem legal.
— E você acha que é Colin? — Eu digo, sem me preocupar em
manter o ceticismo fora da minha voz.
— O que há para não gostar? Ele é educado. Bem sucedido.
Respeitoso. Atencioso.
— Rígido? Chato? Absolutamente impossível de se lidar?
— Ele é um osso duro de roer — diz meu pai. — Lembro-me
daqueles primeiros anos em que Justin o trouxe, não tinha certeza
de que o garoto tivesse mais de dez palavras dentro dele. No fim
percebi que ele apenas escolhe suas palavras com cuidado, além
de escolher com quem ele usa essas palavras.
— Parece que não estou na lista muito exclusiva.
— Posso perguntar... já que o casamento era da variedade ah,
conveniente, o que a levou a não apenas voltar para Nova York,
mas também morar com Colin?
— Isso — digo. — É uma ótima pergunta para o seu filho
estúpido. E meio que uma longa história.
Uma da qual estou mais que feliz em contar.
CAPÍTULO 13

SEXTA-FEIRA, 4 DE SETEMBRO

— R ua Greenwich com Christopher, por favor.


Minha cabeça se levanta de surpresa e olho através
do táxi para Colin, que acabou de dar ao motorista um endereço que
definitivamente não é nosso apartamento.
— O que há em Greenwich? — Pergunto.
— Jantar. — Ele encosta a cabeça no encosto do banco e fecha
os olhos.
— Você não comeu na festa?
Ele abre os olhos e encontra o meu olhar. — Você comeu?
— Eu comi… — Eu penso nos pepinos cobertos com caranguejo
e creme de queijo, um pouco de cenoura e homus, uma única
mordida de algum tipo de carne em uma pequena barca de alface.
Cerca de trezentas calorias, talvez.
— Não, não realmente — eu admito. Então eu franzo a testa. —
Espere, isso é um convite?
— Um convite para o quê? — Os olhos de Colin estão fechados
novamente. — Jantar? Vou pegar algo para comer. Você pode
participar, ou o táxi fará uma segunda parada.
— Uau. Romântico. — Murmuro, olhando pela janela.
— Por que eu seria romântico?
Aparentemente, eu realmente não comi o suficiente, porque
estou me sentindo incomumente irritada com a atitude desdenhosa
dele e gostaria de botar a culpa na boa e velha fome.
— Ei — eu digo, não me incomodando em suavizar a irritação na
minha voz. — Foi você quem sugeriu que agíssemos como marido e
mulher a noite toda. O que, a propósito, teria sido melhor se você
tivesse se dado ao trabalho de falar comigo pelo menos uma vez.
Ou até ficar ao meu lado.
— Você também não estava exatamente doida para ficar ao meu
lado.
— Sim, bem, eu esqueci meu casaco — eu o corto. — Eu não
estava vestida adequadamente para suportar o frio que você emite
sempre que estou perto.
— Bem, da próxima vez, traga seu sobretudo — ele retruca. —
Se os Serviços de Imigração vierem investigar, não podemos nos
dar ao luxo de ter uma sala cheia de pessoas percebendo que mal
conseguimos ser civis um com o outro.
— Olhe pelo lado positivo, pelo menos estamos fazendo um
trabalho fantástico vendendo nosso divórcio iminente. E pelo menos,
não precisamos nos preocupar em convencer meus pais. Eu falei
com meu pai. Ele já sabe por que estamos casados. Os verdadeiros
motivos.
Seus olhos se arregalam e ele se vira para mim. — Você disse a
ele?
— Não. Ele já sabia.
Colin faz uma careta. — Vi seu pai quase toda semana nos
últimos dez anos e ele nunca indicou que sabia do nosso acordo.
— Claro que ele sabia — eu zombo. — Qualquer pessoa que
passou algum tempo conosco naquela época sabia que dificilmente
era um casamento amoroso. E tenho certeza de que ele percebeu
que literalmente passamos zero tempo juntos.
— Pelo que eles sabiam, eu poderia estar me esgueirando para
o seu quarto á noite quando ficava com sua família nos feriados. Ou
que nos encontrávamos todo fim de semana para ter visitas
conjugais.
Eu torço o nariz. — Nojento.
— Nojento?
Eu rio porque ele parece genuinamente ofendido. — Oh vamos
lá. Você é quem acabou de se referir a qualquer relacionamento
físico entre nós como visitas conjugais. O que é isso, prisão? E você
sabe muito bem que não estávamos exatamente provocando
faíscas naquela época. Eu podia literalmente ver seu lábio se
enroscar de nojo sempre que eu abria a boca, e o coque masculino
nunca foi muito meu tipo, nem a fase de mendigo barbudo que você
estava passando.
— Mendigo — ele murmura, olhando pela janela. — Jesus.
— São águas passadas — eu digo, batendo na perna dele em
um gesto fraternal para provar meu ponto sobre a falta de faíscas
entre nós, mesmo quando minha palma registra que a perna dele é
bastante firme.
— E eu aceito seu convite cavalheiro para jantar — acrescento,
porque estou mais consciente a cada minuto de como estou com
fome. — Onde estamos indo? O que há na Greenwich com a
Christopher, onde eles servem apenas cerveja Guinness e Pão de
Soda?
— Sim, porque isso é tudo que nós, caipiras irlandeses,
comemos.
— E batatas. Não esqueça das batatas.
Ele vira a cabeça para mim, as luzes da cidade projetando
sombras em seu rosto. — Naquela época?
— O quê? — Eu pergunto, não seguindo o raciocínio.
— Você disse que não estávamos exatamente provocando
faíscas naquela época. Distinção interessante.
Meu estômago cai com a intensidade do seu olhar, mas tento
fingir. — Você sabe o que eu quis dizer. Naquela época, não
podíamos suportar um ao outro, e meus pais sabiam disso. Assim
como eles sabem que não podemos suportar um ao outro agora,
não importa o quanto minha mãe sonhe com sua filha se casando
com seu filho substituto. Eu não quis dizer que estamos soltando
faíscas agora...
Estou balbuciando, e fiel a seu estilo, ele não diz nada em
resposta. E, como estou percebendo que esse homem não sairá de
sua concha por conta própria, decido cutucá-lo. — Nós estamos?
É a vez dele de parecer confuso e estou satisfeita por tê-lo
desequilibrado pela primeira vez. — O que?
— Estamos soltando faíscas? Eu faço você pegar fogo? — Eu
digo, dando a ele minha melhor imitação de Jessica Rabbit, o que,
honestamente, não é tão boa assim.
— Não. — Ele diz secamente.
E embora eu não possa ter certeza, dada a escuridão dentro da
parte traseira do táxi, eu poderia jurar que seu olhar permanece na
bainha do meu vestido enquanto ele diz isso.
CAPÍTULO 14

SEXTA-FEIRA, 4 DE SETEMBRO

— A i meu Deus — eu digo, empurrando meu prato para o lado


e exalando com o puro prazer depois de uma refeição
perfeita. — Acho que foi a melhor coisa que já comi.
— Melhor do que as batatas cozidas que você esperava? —
Colin pergunta por cima da taça de vinho tinto.
— Não me interprete mal, eu amo uma boa dose de Whisky
Jameson e torta de carne no Dia de São Patrício — digo a ele. —
Mas nenhum prato pode competir com pasta.
— Eu não saberia. Você comeu a maior parte do meu.
— Nós concordamos em dividi-los.
— Não, você ‘sugeriu’, nós os dividimos, pois você aceitou um
‘não’ como resposta e depois comeu a maior parte.
— Um exagero. — Eu respondo.
Bem, quase um exagero. Meu pesto foi uma das melhores
coisas que já coloquei na boca, mas o ravioli de costela dele
definitivamente valeu o dinheiro gasto.
— Então — diz ele, enchendo nossas taças com o vinho Barolo
que ele pediu para nós. — Como foi o encontro com seu primeiro
amor?
— A pasta?
Ele me surpreende com um grunhido que é quase uma risada. —
Não. Drew.
— Ah, certo — eu digo, bebendo o vinho. — Foi bom vê-lo. Você
sabia que ele está divorciado agora? Sempre me deixa triste ver
pessoas da nossa idade já se divorciando. Como isso acontece?
Estremeço quando meu cérebro processa minhas palavras. —
Acho que vou me juntar a essas estatísticas daqui a alguns meses,
não vou?
Colin me estuda. — Há males que vem para o bem. Nosso
divórcio vai te liberar para reavivar as coisas com Drew.
Hum. A ideia não me excita. Não que haja algo errado com
Drew, mas a verdade é que não pensei muito no que vai acontecer
depois dessa coisa entre Colin e eu terminar. Evitei pensar nisso,
para ser sincera. Ultimamente, tenho me sentido um pouco
insatisfeita com a minha vida em geral e, por enquanto, tem sido
mais fácil deixar meu futuro como um grande ponto de interrogação.
— Acho que não. — Digo em voz alta.
— Por que não?
Eu dou um suspiro, irritada que ele está me pressionando sobre
isso. — Eu não sei. Sem faíscas, eu acho.
Sim, Drew está ótimo. Sim, ele sempre foi engraçado, legal e
charmoso, e eu não tenho nada além de boas lembranças de nosso
tempo juntos. Mas qualquer que seja a química física que já tivemos
se foi há muito tempo, pelo menos do meu lado.
— Além do mais — admito — acho que na minha cabeça não
estou realmente disponível.
Ele se remexe, parecendo desconfortável sobre o rumo da
conversa. — Você quer dizer por causa do nosso acordo?
— Acho que sim. Quero dizer, eu sei que nossa situação é tudo
menos típica, mas era mais fácil esquecer que eu era tecnicamente
casada quando estava na Califórnia. Aqui, todo mundo sabe que
sou casada. Todo mundo conhece você. E o que realmente está me
impressionando é que algumas dessas pessoas parecem pensar
que somos realmente casados.
Ele me dá um olhar afiado. — O que você quer dizer?
— Passei quase três horas hoje papeando com algumas das
maiores fofoqueiras da cidade. Você sabia que as pessoas pensam
que estamos casados de verdade e que apenas temos um
relacionamento moderno realmente estranho, onde nos vemos
apenas nos fins de semana?
Colin se encolhe. — Eu posso ter deixado esse boato se
espalhar. Deliberadamente.
— Sério? — Eu pergunto, fascinada. — Por quê?
— Para evitar suspeitas sobre os motivos do nosso casamento.
Meu sotaque diminuiu ao longo dos anos, mas ainda não há dúvida
de que não sou daqui. A possibilidade de termos nos casado por
causa do meu Green Card não é uma conclusão difícil de se chegar.
— Verdade. Porém, eu discordo do sotaque. Diminuiu um pouco,
mas ainda está bem carregado. E, na verdade, é a única coisa que
fazia você se destacar naquela época.
— Perdão?
— Bem, a coisa da barba e do coque não funcionou para mim
quando nos casamos, e eu pensava que você era super nerd, mas
até eu tenho que admitir que o sotaque causou alguns arrepios. —
Olho para a minha taça, percebendo que é o que está me fazendo,
admitir coisas que provavelmente não deveria. — Maldito seja,
vinho.
— Pensamentos muito profundos, Charlotte — diz Colin
secamente.
Eu dou de ombros. — Eu nunca fingi ser profunda.
— Não, você não finge, não é? — Ele diz, pensativo.
— Hum, eu fingi estar casada por uma década. Eu diria que sou
muito boa nisso.
— Sim, mas como você disse, foi mais fácil quando você estava
na Califórnia. Não era uma farsa diária que você precisava
acompanhar. Hoje a noite você estava nervosa. Você não gosta de
mentir e não gosta de fingir.
— Não posso negar isso — eu digo. — Odeio ter que mentir
sobre a nossa felicidade doméstica. Sobre os motivos pelos quais
voltei para cá.
— Mais dois meses — diz ele calmamente. — Então podemos
pedir o divórcio e terminar este capítulo de nossas vidas.
— Sim. E então o que? — Eu pergunto, mais para mim do que
para ele.
— Você volta para a Califórnia — diz ele, embora haja uma
ligeira pergunta em sua voz.
— Certo. — Eu digo automaticamente, porque esse é o plano.
Ou pelo menos tem sido o plano.
Mas, por algum motivo, o pensamento não parece tão certo
quanto deveria.
CAPÍTULO 15

D
SÁBADO, 5 DE SETEMBRO

esde que cheguei a Nova York, não coloco meu telefone


no modo Não Perturbe quando vou dormir, querendo estar
sempre disponível para minha equipe mesmo em um fuso horário
diferente.
Um fato sobre o qual me arrependo quando meu celular toca
muito cedo na manhã seguinte. Eu bato cegamente na mesinha de
cabeceira, com os olhos ainda fechados enquanto deslizo para
atender a ligação.
— Alô?
— Você me entregou para o papai?
Meus olhos se abrem ao som da voz do meu irmão e me sento.
— Justin?
— Ei, Charlie.
— Que horas são? — Puxo o celular para longe da minha orelha.
— Ai meu Deus, seis? Em um sábado? O que há de errado com
você?
— É meio-dia aqui.
— E o que, você não pode fazer as contas? — Eu resmungo,
empurrando meu cabelo para fora do meu rosto.
— Você me ligou centenas de vezes nas últimas semanas. Eu
pensei que você ficaria feliz por retornar.
— Ah ha! Então você tem visto minhas ligações. — Eu acuso.
— E posso apenas dizer, que Deus abençoe o identificador de
chamadas.
— Você tem me ignorando! Sua única irmã!
— É porque você é minha única irmã que eu te conheço bem o
suficiente para saber que você precisava de um tempo para se
acalmar. Mas, obviamente, você ainda está irritada, já que contou
para o papai sobre o acordo pré-nupcial.
— Irritada? — Eu digo, incrédula. — Just, você percebeu que
suas travessuras com o acordo pré-nupcial exigiram que eu
deixasse minha empresa, voasse pelo país, me mudasse para a
casa de um estranho, morasse com ele por três meses, tudo para
que eu pudesse me divorciar?
— Em minha defesa...
— Sério? Existe uma defesa?
— Em minha defesa — ele continua — nunca imaginei que
vocês dois idiotas ficariam casados por dez anos sem se verem
enquanto isso.
— O que você imaginou? — Eu pergunto ceticamente.
— Que talvez alguma proximidade forçada fizesse vocês
perceberem que eram bons juntos.
Minha boca cai aberta. — Você estava dando uma de cupido?
Eu pensei que você estava apenas sendo um babaca estúpido. Não
consigo decidir o que é pior.
— Eu estava sendo estúpido, sim — ele admite. — Podemos
lembrar que eu tinha vinte e quatro anos, acabado de passar no
exame da Ordem quatro dias antes e não estava exatamente no
auge da maturidade profissional? Mas um babaca? Honestamente,
Charlie, juro que pensei que estava fazendo uma coisa boa.
— Ao me forçar a viver com um mudo que me odeia?
— É como eu disse, no meu cérebro de irmão-mais-velho-sabe-
tudo, eu pensei que você e Col seriam bons um para o outro se
vocês dessem uma chance.
— E o que aprendemos de todas essas boas intenções? Ah, sim,
é que o irmão mais velho não sabe de nada. Como você poderia
pensar que seríamos bons juntos? Somos opostos.
— Exatamente. Ele era tão sério o tempo todo...
— Ainda é — eu interrompo.
Meu irmão está acostumado com minhas interrupções e ignora.
— Ele é sério e um pouco tenso. Você era sempre inquieta. Eu
pensei que você poderia animá-lo, e ele poderia deixá-la mais pé no
chão.
— E nós viveríamos felizes para sempre? — Eu digo
sarcasticamente.
— De novo. Eu tinha vinte e poucos anos. O que você estava
fazendo aos vinte e poucos anos? Ah, sim, colocando um piercing
no nariz, aprendendo a saltar de paraquedas, irritando nossos pais e
casando com um cara que você mal conhecia.
— Eu me livrei do piercing no nariz — eu digo, puxando um fio
solto no edredom.
— Exatamente, porque você cresceu e percebeu que parecia
ridículo em você. Assim como eu cresci e percebi que minha
pequena surpresa pré-nupcial também era um pouco ridícula.
— Você não pode desfazer?
— Na verdade não — ele admite. — Eu posso ter sido burro aos
24 anos, mas eu era bom. O acordo já está registrado. Qualquer
tribunal que se preze verá a estipulação, bem como o fato de você e
Colin terem claramente assinado. Sem ler, a propósito.
— Ah, desculpe-nos por não suspeitarmos que nosso irmão e
melhor amigo arruinaria nossas vidas.
— Arruinar? Sério? —Ele diz sarcasticamente. — São só três
meses da sua vida e eu vi o apartamento de Colin. Dificilmente é um
barraco infestado de ratos.
— Você sabia que ele vai na casa dos nossos pais todo
domingo? Eu acho que ele faz isso para mostrar como somos filhos
péssimos. — Eu resmungo, me jogando contra os travesseiros.
— Ele faz isso porque você mora na Califórnia e eu casei com
uma mulher que trabalha para o Banco Mundial na Alemanha. No
que diz respeito às rotinas diárias, nossos pais não têm filhos por
perto e ele não tem pais. Acho bom que eles tenham preenchido a
lacuna um dos outros.
— Só estou dizendo, ele gostaria disso? — Ainda estou irritada
com toda a situação. — Ele iria gostar se nós voássemos para
Dublin e virássemos melhores amigos dos pais dele, se abríssemos
nosso caminho para o status de filho favorito?
Meu irmão fica em silêncio por um longo momento. — Os pais de
Col estão mortos, Charlie.
Sento-me mais uma vez, desta vez náusea misturando-se com o
choque. — O que?
— Eles sofreram um acidente de carro há alguns anos. Por que
você acha que ele não foi ao meu casamento?
— Eu não sei — digo, passando a mão pelo meu cabelo. — Eu
pensei que você estava tipo, tentando me salvar do
constrangimento...
— Sim, porque tudo é sobre você. Ele estava no funeral deles.
Ele me pediu para não dizer nada porque não queria se intrometer
na felicidade de ninguém.
— Meu Deus — eu suspiro.
— Tenho certeza que ele não esperava que você soubesse. —
Meu irmão diz gentilmente.
— Não, você não entendeu. Isso é terrível. — Agora estou fora
da cama, vasculhando as gavetas. — Quando cheguei aqui e
descobri que ele estava jantando com mamãe e papai toda semana,
eu disse algumas coisas...
Ele geme. — Que tipo de coisas?
—Só... você sabe, pequenos comentários sarcásticos sobre
como se ele não passasse tanto tempo paparicando nossos pais,
talvez ele tivesse mais tempo para visitar seus próprios...
— Meu Deus. Charlotte!
— Eu sei — grito. — Você tem que me ajudar. Qual é a flor
nacional da Irlanda?
— A Dudladilly. — Ele responde.
Pego um sutiã esportivo preto e começo a colocar ele. — Sério?
—Não. Eu não faço ideia. Por quê?
Não é óbvio? Eu tenho que consertar isso.
— Eu tenho que ir — digo ao meu irmão, sentada na cama e
enfiando os pés nos tênis.
— Por quê? Onde você vai? O que você está fazendo?
Ele me conhece bem o suficiente para parecer em pânico, mas
pela primeira vez, meu plano é bastante seguro.
— Não se preocupe, nada estranho. Eu só tenho que comprar
flores para o Colin. Flores de simpatia. E flores de desculpas. Vai
ser um buquê muito grande.
Eu desligo no suspiro cansado do meu irmão.
CAPÍTULO 16

C
SÁBADO, 5 DE SETEMBRO

olin é uma pessoa perpetuamente matinal, mas


aparentemente não quando janta pasta e meia garrafa de
vinho às onze da noite anterior, porque quando volto da minha
frenética missão envolvendo flores, a porta do seu quarto ainda está
fechada e a cafeteira não está ligada.
Soltando um suspiro de alívio por ter um momento para reunir
meus pensamentos, coloco as flores no balcão e preparo um bule
de café. Nesse ponto, qualquer coisa que eu possa fazer para
amaciá-lo depois de uma gafe horrível parece um bom plano, e café
é sempre um bom começo.
Isso também me dá a chance de arrumar as flores. Nenhum dos
floristas locais do bairro estava aberto tão cedo, mas a Whole Foods
estava.
Infelizmente, a seleção de flores da Whole Foods, embora bonita
e variada, tinha apenas arranjos de tamanho modesto. Depois do
meu erro, o homem merece um buquê do tamanho de um pônei.
Decidi comprar vários arranjos pequenos - seis, para ser exata -
e agora começo a desembrulhá-los, cortando os elásticos e
juntando-os em uma gigantesca bagunça floral.
— Humm — digo em voz alta, quando percebo que não tenho
ideia de onde Colin guarda seus vasos - ou se ele possui algum. E
mesmo que ele tenha um vaso, tenho certeza de que não será
grande o suficiente para meu arranjo caseiro.
Franzo meus lábios e estudo minha obra. Meu “buquê” de flores
está mais para um arbusto. Um tão grande que preciso usar meus
dois braços para erguer e mesmo assim, acabo deixando cair uma
trilha de flores no caminho para a porta de Colin.
Hesito brevemente, percebendo que esqueci o café, mas como
as flores são um trabalho para dois braços, terei que fazer duas
viagens: uma para entregar flores e rastejar por perdão e outra para
entregar café e rastejar novamente.
É claro que sendo eu mesma, não pensei no meu plano até o
fim, já que mesmo que eu precise de cinco tentativas para girar a
maçaneta da porta e derrubar mais vinte caules antes que eu
consiga abrir a porta do quarto, ele aparentemente não tem sono
leve e não se move por baixo das cobertas.
Plano fantástico.
Aqui estou, entrando no quarto de um homem adormecido com
flores suficientes para encher o banco traseiro de um SUV, parada
ao pé da cama e... observando-o dormir.
Eu não pretendo fazer isso, estou apenas tentando descobrir
qual será meu próximo passo, mas, mesmo com meu cérebro
correndo através das opções sobre o que fazer, percebo que
mesmo no mais vulnerável, ele ainda tem um semblante
assombrado, aquela vibe fechada dele. Sua expressão não suaviza
enquanto dorme, nem um leve sorriso indica sonhos agradáveis.
Eu limpo minha garganta. Ele nem se move.
— Colin. — Eu sussurro. Nada.
Eu digo o nome dele mais alto, mas ele ainda não se mexe, e os
espinhos de uma das flores estão deixando minha situação meio
desesperada.
Apoio o joelho no fim da cama e desajeitadamente consigo
cutucar o pé dele. — Colin!
Isso funciona.
Ele se senta e... oops.
As cobertas caem até a cintura dele. Não me diz se ele dorme
nu, mas definitivamente dorme sem camisa e, bem, tudo o que
consigo fazer é repetir “Muito, muito bom” com um sotaque irlandês
ruim na minha cabeça.
Naquele primeiro dia no bar antes que ele me dissesse que
queria o divórcio, eu imaginei que ele tivesse pelo menos um
abdômen sarado, e eu me dou um tapinha nas costas mental por ter
acertado. O peito de Colin é largo, definido e coberto com a
quantidade certa de pelo. E, curiosamente, eu posso ter odiado
aquela barba no passado, mas a sombra escura em sua mandíbula
no momento é extremamente atraente, especialmente quando
combinada com seus cachos escuros despenteados.
— Charlotte, mas que porra é essa?
— Mas que porra é essa, eu no seu quarto, ou que porra é essa,
sendo as flores? — Pergunto.
Ele passa as mãos pelo rosto, esfregando os olhos levemente,
depois balança a cabeça e repete. — Que porra é essa?
— Ok, então isso é um mas que porra é essa para os dois. Ok,
tudo bem. Estou no seu quarto para te dar flores. E estou te dando
flores porque sinto muito, muito mesmo.
— Por?
Eu respiro fundo. — Seus pais. Pelo falecimento deles. E por
não saber e dizer algumas coisas realmente insensíveis sobre como
você não teve tempo para visitá-los e... ai, Deus. É tão horrível e
sinto muito. Muito mesmo. E eu quero que você me perdoe. Você
tem que dizer que perdoa.
Colin não diz que me perdoa. Ele não diz nada. Ele apenas fica
sentado com o cobertor agrupado na cintura, os olhos ainda
parecendo um pouco confusos de sono, o cabelo bagunçado e
adorável.
— Ok. — Ele diz.
— Ok, você me perdoa? — Eu pergunto.
— Ok, você pode sair do meu quarto agora.
— Justo. Eu fiz café. Vou buscar. — Levanto mais as flores,
derrubando algumas tulipas no chão. — Posso deixá-las aqui
primeiro?
— Por favor, não.
Eu finjo não ouvir, principalmente porque se eu não soltar as
flores em breve, posso morrer por perda de sangue.
Colin dorme no lado direito da cama, então eu me movo para o
lado esquerdo e me inclino, depositando desajeitadamente as flores
na cama. Elas ocupam muito espaço, e ele faz um barulho de
queixa.
Eu corro rapidamente para a cozinha, esperando que o café
compense o fato de que ele provavelmente precisará lavar a roupa
de cama para se livrar de todo o pólen e sujeira que agora estão por
toda a cama.
Eu vou lavar os lençóis, corrijo. Logo depois de cozinhar café da
manhã para ele.
Sirvo uma xícara de café para cada um de nós e, quando volto
para o quarto dele, ele não se mexeu, exceto para virar a cabeça
para encarar as flores como se não soubesse o que fazer com elas.
— Café? — Eu pergunto retoricamente, dando a volta pro seu
lado da cama. Estendo para ele, mas ele não pega, então eu
deposito na mesa de cabeceira.
Sem aviso, Colin estende a mão e empurra a barra da minha
camisa para cima.
— O que...
— Você está sangrando. — Ele anuncia sem cerimônia,
enquanto olha para o meu estômago exposto.
— Ah. — Olho para os arranhões vermelhos no lado esquerdo
do meu torso. — Sim. Rosas não foram a melhor ideia para o meu
plano.
— Então, você realmente tinha um plano? — Ele pergunta.
— Tanto quanto sou capaz.
Seus lábios se levantam um pouco com isso, e eu respiro fundo
quando ele coloca o polegar perto do maior dos cortes ao longo de
uma das minhas costelas. — Os cortes parecem bem rasos. Estão
doendo?
— Mesmo nível da dor de um corte de papel. — Eu digo,
tomando um gole do meu café.
Seu olhar se levanta para mim. — Então, o pior tipo de dor do
planeta?
Eu sorrio. — Basicamente.
Ele deixa minha camisa cair, embora eu note que ele leva um
segundo a mais para remover o dedo que estava descansando
contra o meu estômago. Percebo também que meu corpo está
latejando de maneiras que não têm nada a ver com os cortes das
flores.
Ele pega sua xícara de café e eu cutuco sua panturrilha debaixo
dos cobertores, um comando silencioso para dar espaço. Eu canto
vitória quando ele se move em direção ao centro da cama, em vez
de me expulsar do quarto.
— Eu realmente sinto muito — eu digo baixinho, encontrando
seus olhos. — Sobre seus pais. Os meus me enlouquecem, mas
perdê-los… especialmente os dois ao mesmo tempo. Nem consigo
imaginar como deve ter sido.
Ele olha para sua caneca. — Como você descobriu?
— Justin ligou essa manhã. Finalmente. — Murmuro.
Colin dá um sorriso sombrio. — Sim. Ele também tem me
evitado.
Sentindo que ele não quer falar sobre seus pais - e quem
poderia culpá-lo? - eu mudo de assunto. — Então você não
conversou com meu irmão? Sobre os termos do acordo pré-nupcial?
— Não, conversamos — diz ele, tomando um gole de café. —
Logo depois que eu peguei a papelada e vi o que ele havia feito.
— Eu pensei que ele estava apenas sendo um babaca, mas ele
afirma que seu eu idiota de 24 anos tinha boas intenções.
— Verdade? Eu realmente não lhe dei muita chance de se
explicar através de todos os xingamentos.
— Pelo menos um de nós deu a ele uma sólida reprimenda
verbal. Eu estava muito grogue para fazer mais do que tagarelar,
mas me sinto muito bem com o fato de o ter entregado para o papai
na noite passada, o que significa que é apenas uma questão de
tempo até que mamãe descubra e ligue para Justin, e essa
conversa será muito mais selvagem do que qualquer dano que você
ou eu possamos fazer.
Colin concorda com a cabeça. — Não tenho certeza absoluta se
que quero saber, mas o que ele alegou serem suas boas intenções?
— Cupido. — Eu balanço minhas sobrancelhas. —
Aparentemente, ao sermos forçados a viver sob o mesmo teto, nos
apaixonaríamos loucamente.
Colin grunhe, o que estou aprendendo ser o seu método padrão
de comunicação matinal.
— Então naturalmente, — continuo — eu disse a Justin que não
poderíamos ficar muito bravos com ele por seu plano, visto que
funcionou maravilhosamente e você não foi capaz de manter nem
seu coração nem suas mãos longe de mim.
— Então naturalmente, — continuo — eu disse a Justin que não
poderíamos ficar bravos com ele por seu plano, visto que funcionou
maravilhosamente e você não foi capaz de manter nem seu coração
nem suas mãos longe de mim.
— Então, depois de roubar um jardim, qual era seu plano?
Começar um viveiro? Construir uma estufa?
— Ah, isso me lembra, onde você guarda seus vasos?
— Meus o quê?
— Você sabe. Vasos de flores. O buquê não vai caber em um só,
mas posso dividi-lo em buquês menores e encher muitos vasos.
Não digo a ele que eles começaram como buquês menores. De
alguma forma, duvido que ele aprecie minha apavorada
necessidade de causar impacto. Especialmente porque o impacto
está começando a fazer seu quarto cheirar decididamente feminino.
Ele balança a cabeça. — Eu não tenho nenhum vaso.
Eu faço um som de reprovação — Como você pode não ter um
único vaso?
— Porque até agora eu nunca tive uma única flor em minha
casa.
— Bem, isso é besteira.
— Sinta-se à vontade para perguntar a outros homens
heterossexuais que moram sozinhos quantos deles têm vasos.
— Eu faria, mas isso levaria muito tempo — eu digo com um
suspiro. — Temo que minha caderneta com a lista de homens
disponíveis esteja quase explodindo.
— É mesmo? — Diz ele, e eu paro no processo de tomar um
gole do meu café, porque há um elemento ligeiramente perigoso em
seu tom, algo quase... predatório.
Encontro seus olhos e, por um único momento, eles parecem
escurecer antes que ele desvie o olhar. Quem diria? Ele sabe como
dar um olhar ardente.
— Fora — ele ordena, chutando um pouco meu quadril. — Eu
preciso me levantar.
Eu tento livrar meu cérebro dos pensamentos sujos que surgem
com a imagem que sua fala invoca e falho.
— Porque talvez eu precise saber em algum momento — digo,
levantando-me e gesticulando para ele com a caneca. — Você
dorme seminu ou todo nu?
Ele estreita os olhos para mim. — Quando você precisaria saber
disso?
—Você sabe, caso os investigadores de fraudes matrimoniais
venham bater na nossa porta. Como sua companheira de cama, eu
saberia.
— Companheira de cama? — Ele aponta para a porta aberta. —
Fora. Agora. E feche a porta quando sair.
— Bem, isso responde a pergunta — digo com um sorriso
agradável. — Você dorme completamente nu. Você não precisaria
que eu fechasse a porta se você tivesse usando uma cueca.
— Charlotte.
— Ok, ok, estou indo — eu digo. — Só mais uma coisa...
Eu me movo rapidamente, não dando a ele tempo para me
rejeitar enquanto coloco minha caneca de café na mesa de
cabeceira e, tomando cuidado para não bater na mão dele com a
caneca, envolvo meus braços em volta do seu pescoço. Ele
congela, mas eu seguro firme, forçando-o no abraço.
— Eu realmente sinto muito — eu sussurro suavemente, perto
de sua orelha. — Sinto muito por você ter perdido seus pais. E
lamento ter sido insensível com isso.
Eu queria que fosse um abraço rápido, supondo que ele não
seria tolerante com nada mais do que isso, mas, assim que começo
a me afastar, a mão livre de Colin se levanta, a palma apoiando na
parte de trás da minha cabeça.
— Obrigado. — Ele murmura rispidamente.
Por um momento, nenhum de nós se move, e de repente estou
muito ciente do fato de estar inclinada sobre ele, o decote em V da
minha blusa deixando a parte superior dos meus seios pressionados
contra seu peito, que está muito nu e muito quente.
Sua cabeça se move levemente em minha direção, sua
bochecha pressionando a minha. O arranhar na sua barba contra a
minha pele me faz formigar enquanto me pergunto como seria esse
raspar suave em outras partes da minha pele, imaginando o que ele
faria se eu recuasse apenas o suficiente para pressionar meus
lábios nos dele, para desafiar sua insistência de que não há faíscas
entre nós.
Não tenho a chance de descobrir, porque sem brincadeira,
naquele péssimo timming que você acha que só acontece nos
filmes... a campainha toca.
Literalmente. A porra da campainha. Toca.
Eu pulo de surpresa, me endireitando enquanto ele se afasta de
mim. Nós nos encaramos em um momento de surpresa, tanto do
que acabou de acontecer, quanto do fato de que alguém está na
porta às sete da manhã de um sábado.
— Compras? — Eu pergunto, já que ele pede para entregarem
todas as compras.
Ele balança a cabeça. — Nada agendado.
A campainha toca novamente, e eu me coloco em ação, saindo
do quarto e fechando a porta atrás de mim - parcialmente porque ele
pediu e parcialmente porque eu preciso de um minuto. Fico quieta
por um momento, de olhos fechados, ordenando que meu coração
desacelere.
A campainha toca novamente.
— Deus, tudo bem, já vou — eu murmuro, correndo para a porta
da frente.
Abro para ver uma mulher que não reconheço e, apesar de me
esforçar muito para não fazer julgamentos rápidos sobre pessoas
que não conheço e com quem nunca falei, vou logo pintar uma
imagem mental para você...
Ela tem uma cara de malvada. Bonita. Definitivamente bonita, de
uma maneira aristocrática, sem carboidratos. Seu cabelo é longo,
grosso e muito, muito vermelho, seus olhos azuis são brilhantes.
Tem uma boca ótima. Muito Angelina Jolie. Todas boas
características, em teoria, exceto que seus belos olhos azuis são
frios, a boca rígida, o nariz perfeitamente levantado, não devido à
genética, mas porque ela está realmente olhando para mim com o
nariz arrebitado. Ela também é alta. Eu mencionei que ela é alta?
— Oi — eu digo, sorrindo, porque ela pode ser má, mas eu não
sou. — Posso ajudar?
Ela parece irritada com a pergunta. — Estou aqui para ver o
Colin.
Colin, primeiro nome. Não Sr. Walsh. Uma visita social, então.
Interessante.
— Ele já está vindo. Não esperávamos alguém tão cedo.
Meu uso de nós é uma oportunidade educada, mas pontual, de
que ela explique quem ela é e o que está fazendo aqui, mas ela não
morde a isca.
Eu tento novamente, estendendo minha mão. — Acho que não
nos conhecemos. Eu sou Charlotte. Esposa do Colin.
É a primeira vez que uso essa frase e não tenho certeza de
como me sinto sobre o fato de não parecer tão estranha quanto
deveria ao ser dita em voz alta.
Mas não tenho tempo para refletir sobre isso.
Se a mulher tem um rosto malvado, seu sorriso tem um tom
absolutamente maligno. Lentamente, ela estende a mão para
apertar a minha. — Prazer em finalmente conhecê-la. Eu sou
Rebecca. A noiva do Colin.
CAPÍTULO 17

SÁBADO, 5 DE SETEMBRO

— C harlotte. Charlotte, droga! Abre a porta.


Não saio de onde estou, sentada de pernas cruzadas
na minha cama. Colin sacode a maçaneta, mas eu tranquei.
Eu o ouço suspirar. — Gostaria de falar com você sobre isso.
Eu faço uma careta para a porta fechada. Oh, você gostaria de
falar comigo sobre isso, não é mesmo? Você gostaria de falar
comigo sobre o fato de que já faz quase um mês desde que pediu
pelo divórcio, e nem uma vez se incomodou em mencionar o motivo
urgente.
— Charlotte. Por favor.
Inclino minha cabeça com isso, tanto pelo uso inesperado do por
favor, quando ele geralmente apenas cuspe ordens, quanto pela
leve nota de desespero na maneira como ele diz isso.
O momento não dura muito. Ele sacode a maçaneta novamente.
— Você está agindo como uma criança. — Ele retruca, a nota quieta
e desesperada de sua voz substituída por irritação em sua forma
mais pura.
Estranhamente, é esse Colin irritado que me faz sair da cama e
atravessar o quarto para abrir a porta. Ele está certo, se trancar no
quarto é um pouco imaturo, e eu me recuso a participar de qualquer
atividade que permita que ele transfira a culpa dessa situação para
mim.
Ele está errado, 100%, e eu quero ter certeza de que ele saiba.
No momento em que abro a porta e vejo seu rosto, percebo que
ele sabe. Eu não diria que ele parece miserável, mas ele
definitivamente não está feliz. Ele vestiu seu roupão, uma coisa azul
escura e pesada que ele veste sempre que estou por perto no início
da manhã ou no final da noite, como se fosse para proteger sua
virtude.
E agora eu entendo o porquê. Provavelmente pelo bem da
Rebecca.
Falando nela…
Olho para o corredor. — Ela ainda está aqui? — Eu mantenho
minha voz baixa.
— Na cozinha — ele responde secamente, sua voz igualmente
baixa. — Posso entrar?
O fato de ele não passar por mim do jeito que costuma fazer
quando quer algo confirma minha suspeita de que ele sabe
exatamente o quanto ele ferrou tudo.
Afasto-me para que ele possa entrar, surpresa a princípio
quando ele fecha a porta atrás dele, até que percebo que ele
provavelmente está apenas tentando manter suas duas mulheres
separadas.
Duas mulheres. Estou tentando muito não pensar nele como um
porco, e falhando.
— Então, uma noiva e uma esposa — digo casualmente. —
Complicado, complicado. Não é à toa que você está de mau humor
o tempo todo.
Ele encontra o meu olhar. — Eu ia te contar.
— Oh, tenho certeza que ia — digo, deixando minha voz tomar
um tom alegre. — Você provavelmente estava apenas com
dificuldade para encontrar tempo e oportunidade, certo? Deve ter
sido difícil, comigo vivendo do outro lado do corredor.
Ele fecha os olhos.
— Desculpa, desculpa — eu digo, levantando minhas mãos. —
Sua vez de falar. Aguardo ansiosamente todas as excelentes razões
pelas quais você não se deu ao trabalho de mencionar que estava
noivo de outra mulher.
Ele abre os olhos novamente, e eles parecem mais prateados
que azuis sob essa luz, e eu me pergunto se eles ficam assim
sempre que ele se sente culpado.
— Eu não tenho. — Sua voz é calma.
— Não tem o que?
— Um bom motivo. Eu não tenho nenhum motivo. Eu continuava
querendo te contar, mas a hora nunca parecia certa, as palavras
nunca saíam e... eu não sei por que. Sei que isso não é uma
desculpa.
— Não, na verdade não é — eu concordo. — Honestamente,
cara, eu tenho que perguntar, onde ela esteve? Você a manteve
trancada em um porão em algum lugar? Ela acabou de escapar? Foi
por isso que ela apareceu esta manhã parecendo pronta para socar
alguém?
Ele passa a mão no rosto. — É um pouco complicado.
— Não me diga.
Suas mãos caem e ele parece um pouco perdido. — Merda.
Merda.
Eu sorrio, porque esse é o mais próximo de perder o controle
que Colin já esteve perto de mim. E Deus me ajude, mesmo que eu
esteja brava, o que tenho todo o direito de estar, e um pouco
magoada, o que provavelmente não tenho o direito de estar, me
sinto cedendo.
— Você realmente está noivo dela? — Eu pergunto baixinho.
Ele hesita, seus olhos azuis prateados se afastando de mim e
depois voltando. — Sim.
Sinto uma sensação estranha de peso no estômago, mas a
resposta dele me diz tudo o que preciso saber: que isso não é sobre
mim.
— Colin — eu digo gentilmente. — Nosso casamento é falso. Se
você vai se casar com ela de verdade, eu não sou a pessoa pra
quem você deveria estar se explicando agora.
Eu estou dando a ele permissão total para sair dessa conversa e
fazer as pazes com Rebecca, e espero ver alívio em seu rosto e,
sinceramente, não me importaria com um pouco de gratidão. Beijar
meus pés em agradecimento pela minha benevolência também se
encaixaria.
Ele não se mexe.
Em vez disso, ele fica lá, olhando para mim com uma expressão
conflitante. Então ele franze a testa, como se estivesse irritado
consigo mesmo por se sentir em conflito. Na verdade, risque isso.
Conhecendo-o, ele provavelmente está irritado comigo, mesmo que
eu tenha soletrado o próximo passo para ele.
Talvez eu não tenha sido suficientemente clara. Eu levanto o
braço e aponto para a porta. — Vá. Rebecca acabou de ver outra
mulher abrir a porta da frente de seu noivo vestindo apenas um
pijama e não ache que ela não percebeu que você estava só de
cueca quando veio correndo. Se você ainda quer ter uma noiva no
fim do dia, vá.
Desta vez, ele assente lentamente em concordância e dá um
passo para trás em direção à porta, seus olhos em mim o tempo
todo. Ele hesita e suas próximas palavras são quase tímidas. — Eu
nunca quis... te machucar.
Eu dou um sorriso brilhante para ele. — Não machucou. —
Mentira. — Agora vá, cara, pelo amor de Deus.
Ele assente novamente e se vira.
— Ah, Colin? — Eu chamo, incapaz de me conter.
Ele me olha por cima do ombro e eu sorrio ainda mais. —
Cuequinha, hein? Isso é adorável.
Ele bate a porta.
CAPÍTULO 18

U
SÁBADO, 5 DE SETEMBRO

m minuto depois, estou quase lamentando minha decisão


de enviar Colin atrás da mulher dele.
Não é que eu esteja ouvindo. É que como Rebecca está
gritando, é literalmente impossível não ouvir todo seu lado da
conversa, mesmo com a porta fechada.
— Bem, que porra eu devo pensar? — Ela grita. — Eu vim aqui
para ver se você queria sair para tomar café da manhã e ambos
estão de roupa íntima? E então, em vez de me tranquilizar, você
corre atrás dela.
Minha boca abre. Roupa íntima! Estou de pijama, muito
obrigada. Ele é pequeno, verdade, mas confie em mim, se eu
tivesse aberto a porta de roupa íntima de verdade, ela
provavelmente não teria ficado tempo suficiente para gritar com ele.
Espero que ela termine sua birra logo. Meu café está lá fora.
Ando pelo meu minúsculo quarto e tento me forçar a processar
tudo sem a ajuda das minhas quantidades habituais de cafeína.
Colin está noivo.
Ele tem estado noivo.
Todo.
Esse.
Tempo.
Não estou usando nosso casamento contra ele. Na verdade, não
somos casados de um jeito que conte.
Mas, hum, teria sido bom saber. De preferência antes de
começar a ter pensamentos sexuais sobre ele. Antes de me deixar
ter o pensamento louco de que talvez, apenas talvez, meu irmão
estivesse certo sobre sua teoria de que Colin e eu somos certos um
para o outro...
— O que você fez, fodeu ela numa cama cheia de pétalas de
flores? — Rebecca grita, sua voz mais próxima agora, claramente
tendo visto as flores na cama de Colin.
Eu estremeço. Éééé. Essa situação toda provavelmente não
parece muito boa para Colin. Boa sorte explicando isso, marido.
Fico parada por um momento na esperança de ouvir a resposta
de Colin, mas sua voz é apenas um murmúrio baixo através da
porta fechada, e não consigo entender nenhuma palavra.
Pego meu celular e bato no canto do meu lábio inferior,
debatendo meu próximo passo. Eu poderia - provavelmente deveria
- simplesmente esperar Colin me contar a história completa, mas na
velocidade que Rebecca está indo com ele, isso pode demorar um
pouco, e eu quero respostas agora.
Eu mereço respostas, caramba. Não espero que o homem me
conte todos os detalhes da vida dele, mas estamos juntos nessa
bagunça. Algo grande como uma segunda esposa esperando nos
bastidores é meio que um detalhe crucial.
Decido enviar uma mensagem rápida para Meghan, porquê de
todas as minhas amigas, ela é a mais ligada na vida social do centro
e, graças à nossa reunião cheia de vinho, ela sabe que as coisas
entre Colin e eu são complicadas. Além disso, ela tem um bebê. As
chances de ela estar acordada numa manhã de sábado são
melhores do que das minhas outras amigas ainda solteiras.
Minha mensagem é breve e direta. Você sabe alguma coisa
sobre Colin saindo com uma Rebecca?
Meghan responde imediatamente, abençoada seja. Alta?
Cabelo vermelho? Bonita de uma maneira assustadora e
vagamente plástica?
É ela.
Rebecca Hale. Advogada da mesma empresa de Colin.
Oficialmente, eles são colegas.
Meu estômago está revirado quando eu respondo. E não
oficialmente?
Rumores. Nada substanciado, mas eles parecem frequentar
os mesmos eventos e sair ao mesmo tempo.
A náusea aumenta. Eu sei que não posso julgá-lo. Não tenho
motivos para ficar brava. Não posso usar o cartão da esposa traída,
porque não sou esposa dele. Não da maneira que importa. E, como
eu disse, tive muitos flertes por conta própria ao longo dos anos.
Mas isso não é um flerte. A mulher se apresentou como sua
noiva. Ele a pediu em casamento. Ela. Ela nem é legal. Para ser
sincera, eu realmente não a conheço - talvez no fundo ela seja
muito gente boa, mas posso pelo menos atestar que ela causa uma
péssima primeira impressão.
Como é que ele não me suporta, mas a ama?
Ele a ama? Ele deve amar, se ele propôs, mas... Deus, pensar
nisso me faz sentir enjoada.
Respiro fundo e tento pensar sobre isso da maneira que ele faria
- todo racional e robótico. Suponho que, se meu chip emocional
fosse danificado como o dele, ele e Rebecca fariam sentido.
Provavelmente, é bom para Colin encontrar alguém que compartilhe
sua aflição por ser um pé no saco.
Meu celular vibra novamente com uma mensagem de Meghan.
Por que você pergunta?
Ah, por nada. Ela só está no quarto dele.
Longa história, escrevo de volta. Vamos tomar uns drinks
essa semana?
Ela responde. Definitivamente. Estou aqui se precisar
conversar.
Envio uma mensagem de volta agradecendo, sabendo que
Meghan provavelmente acha que Colin está me traindo e suponho
que tecnicamente ele esteja. Não-tecnicamente, eu não tenho
motivos para ficar chateada ou com ciúmes e, no entanto, aqui
estou eu andando em círculos pelo meu quarto como uma esposa
de verdade.
Eu ouço a porta do quarto de Colin se fechar, o murmúrio
zangado de vozes me dizendo que eles ainda estão discutindo lá
dentro e que a cozinha está finalmente livre.
Café. Talvez o café me ajude a me livrar da sensação ruim no
estômago.
Abro a porta suavemente e me arrasto pelo corredor. Olho em
volta da cozinha procurando minha caneca e percebo que a deixei
na mesa de cabeceira de Colin após nosso estranho abraço. Eu
estremeço, percebendo como isso vai parecer para Rebecca.
Sinto pena dele. Quase.
Pego uma caneca limpa e depois de tomar metade, começo a
me sentir quase normal.
Eu ouço a porta do quarto de Colin se abrir e congelo, debatendo
por um instante louco se mergulho debaixo da mesa e me esconder,
até que me lembro de que também moro aqui e que sou tão vítima
de toda essa bagunça quanto eles.
Rebecca não olha pra mim enquanto cruza a sala e em direção à
porta da frente, cada linha de seu corpo rígida e sua boca apertada,
indicando que a briga está longe de terminar. Colin segue, vestido
agora com calças moletom e camiseta branca, sua postura tão
tensa quanto a de Rebecca.
Somente depois que ela abre a porta da frente ela me olha por
cima do ombro. Ela não diz nada, mas a expressão transmite
bastante: morra.
— Foi um prazer conhecê-la — eu digo. — Deveríamos tomar
café algum dia. Comparar anotações.
Os olhos dela se estreitam, e Colin me dá um olhar de Eu vou
matar você por cima do ombro.
Eu lhe dou um sorriso largo.
Ele murmura algo que soa como uma promessa de ligar mais
tarde e dá um passo à frente para beijar a bochecha dela. Ela não
diz uma palavra para ele ou para mim antes de desaparecer.
Colin lentamente fecha a porta da frente, os ombros um pouco
caídos para a frente. Antes de Rebecca bater à nossa porta hoje de
manhã, eu teria seguindo meus instintos e ido até ele. Colocado
uma mão nas suas costas para confortar, talvez até um abraço.
Agora, não me mexo. Ele não é meu para abraçar. Ou tocar. Não
que ele já tenha sido, mas tudo está completamente diferente agora.
Sem uma palavra, ele vai para o quarto e eu franzo a testa em
confusão. O que? Ah, não mesmo! Não há como não falarmos sobre
isso. Eu o deixei se safar para que ele pudesse falar com Rebecca
primeiro, não para que ele me evitasse completamente.
Mas antes que eu possa ir atrás dele e exigir respostas, ele
reaparece, caneca de café em uma mão e seu roupão azul na outra.
Colin coloca a caneca de café em cima do balcão e vem em
minha direção, com o robe na mão e deixa cair o tecido pesado
sobre meus ombros, passando minhas mãos pelas mangas como se
eu fosse criança. Ele dá um nó na minha cintura com eficiência
impaciente e depois dá um passo para trás. — A partir de agora,
use esse maldito roupão no apartamento.
Certo. Porque isso vai consertar tudo.
Mas quando ele se retira para o quarto e fecha a porta, eu não
vou atrás dele. Uma grande parte de mim ainda quer respostas,
obviamente.
Mas uma parte menor e menos lógica de mim não está pronta
para ouvi-las.
CAPÍTULO 19

A
DOMINGO, 6 DE SETEMBRO

s dez horas da manhã seguinte, faço o impensável.


— Charlotte? — A surpresa de minha mãe é palpável
quando ela abre a porta da frente e me vê de pé na entrada. — O
jantar é só as cinco... da tarde — acrescenta ela, como se pensasse
que eu fiquei confusa e que estou na verdade cinco horas atrasada
para tomar café da manhã bem cedo. No entanto, se eu tivesse
aparecido às cinco da manhã, não ficaria surpresa se minha mãe
abrisse a porta exatamente como ela está agora, vestida com uma
blusa amarela de verão, saia azul marinho e sapatos azul marinho,
pronta para enfrentar o dia.
— Eu sei — digo, ajustando a alça da minha bolsa no ombro e
tentando não me sentir constrangida por estar parada na frente da
minha casa. Bem, antiga casa. — Posso entrar?
— Eu... — Ela parece perplexa. — Eu estava prestes a ir à
igreja.
Certo. Eu esqueci que é domingo. Um dos efeitos colaterais de
trabalhar remotamente e definir meu próprio horário sem a presença
de um escritório físico ou de reuniões pessoais, é que eu tenho
tendência a perder a noção de que dia é desde que me mudei para
Nova York. O fato da minha vida pessoal ser, digamos, complicada,
não ajudou em nada.
Que eu saiba, minha mãe nunca faltou a missa de domingo, com
exceção de um ataque desagradável de gripe quando eu tinha onze
anos, e não espero que ela falte agora.
— Desculpe — digo automaticamente. — Esqueci. Eu posso
voltar para o jantar...
— Você gostaria de ir comigo?
A pergunta me pega desprevenida, e acho que, com base em
sua expressão levemente atordoada, ela também. Mas há algo mais
sob a surpresa dela. Um pequeno lampejo de esperança misturado
com aço, como se ela estivesse totalmente preparada para eu
rejeitá-la.
— Claro — eu digo lentamente. — Eu gostaria disso.
O sorriso dela é rápido, mas é tão feliz e genuíno que meus
olhos ficam suspeitosamente úmidos, do nada.
— Vou só pegar minha manta. Você gostaria de pegar
emprestado uma ou... — O olhar dela cai nos meus ombros nus.
A antiga eu teria apontado que está quente e úmido, e que meu
vestido de verão, embora sem mangas, é dificilmente inapropriado e
não, eu não quero uma manta.
A nova eu apenas sorri. — Claro, obrigada.
Entro e espero que ela volte do andar de cima com duas mantas
na mão. Fico aliviada ao ver que a que ela me entrega, embora não
seja exatamente o meu estilo, é uma caxemira leve de cor lavanda
que funciona bem com o verde do meu vestido.
— Onde está o papai hoje? — Pergunto.
— Numa de suas viagens de pesca com seu tio Steve — diz ela,
pegando a bolsa da mesa no vestíbulo.
— Ele ainda traz para casa aquela enorme caixa térmica com
peixes que vaza no chão inteiro? — Eu pergunto enquanto saímos
para o sol.
— Não — ela diz num tom nítido, com um sorriso conhecedor —
não mais.
Eu sorrio de volta, lembrando as raras ocasiões em que ouvi
meus pais discutindo, e lembrando que muitas vezes isso tinha a ver
com, como minha mãe dizia, 'esses peixes infernais'.
Como estabelecemos, meu pai não é do tipo que sai ao ar livre,
ou pelo menos não era antes de seu estágio no jardim de ervas,
mas meu tio Steve é uma espécie de ovelha negra da família e se
mudou para a Carolina do Norte para abraçar todas as coisas
remotas e a natureza. Ele se recusa a entrar na maldita cidade, o
que significa que, quando meu pai quer ver seu irmão, ele voa para
a Carolina do Norte e volta para casa trazendo a caixa térmica
mencionada acima.
Ou pelo menos ele trazia. Não estou nem um pouco surpresa
que minha mãe tenha proibido aquela rotina, nem que meu pai
tenha deixado. Ele nem gosta de peixe.
— Você sabe — devaneio enquanto caminhamos pela calçada
silenciosa. — Acabou de me ocorrer que o tio Steve é tipo meu
espírito animal.
Mamãe bufa. — Porque você acha isso?
— Ele abandonou o ninho — eu indico. — Assim como eu.
— Há uma grande diferença entre os pântanos da Carolina do
Norte e São Francisco.
Abro a boca para apontar que não é geograficamente correto
descrever a Carolina do Norte como pantanosa, mas como tenho
certeza de que esse é o mais perto que ela já chegou de elogiar
minha cidade atual, deixo passar.
Além disso…
Franzo um pouco a testa ao perceber que a menção a São
Francisco não causa a reação usual de soco mental ao lembrá-la - e
a mim mesma - de que é o meu lar.
Nem mesmo pensar na Califórnia causa sequer um lampejo de
saudades de casa. Isso não pode estar certo. São Francisco é a
minha vida. É onde meu trabalho está, meus amigos, minha casa...
E, no entanto, mesmo que eu esteja em Nova York apenas há
três semanas, tenho a sensação irritante de nunca ter saído. E os
dez anos que passei em São Francisco são estranhamente
confusos. Tento me livrar do sentimento, fazendo uma anotação
mental para ligar para algumas das minhas amigas quando chegar
em casa. Eu só preciso de um lembrete da minha vida lá, só isso.
Ao subirmos as escadas de St. Thomas e entrarmos na igreja,
fico aliviada, mas não exatamente surpresa, ao ver que, de todas as
coisas da minha vida, isso foi o que menos mudou no meu tempo
longe de Nova York. Tudo é exatamente como eu me lembro, até o
cheiro.
Embora eu não fosse contar esse fato à mamãe, uma vez que
me mudei para a Califórnia e a missa semanal não era mais
obrigatória, como decretado pela minha mãe, eu meio que só
frequentava a Igreja no Natal e na Páscoa... se isso.
Sentada na igreja familiar, porém, em vez do velho sentimento
inquieto de que me lembro dos domingos passados, acho o silêncio
e os rituais reconfortantes, e quando saímos ao sol pouco mais de
uma hora depois, confesso que pareço respirar um pouco mais
facilmente do que tenho desde que Rebecca bateu na minha porta
ontem de manhã.
Quando era adolescente, eu estava sempre ansiosa para
continuar o meu dia, impaciente com o ritual da minha mãe de ficar
do lado de fora nos degraus da igreja após a missa para se
enturmar com suas amigas. Hoje, porém, sigo a liderança dela,
cumprimentando rostos familiares e até suportando algumas
apertadas de bochechas de algumas das senhoras mais velhas.
— Bom — mamãe diz em um tom satisfeito, enquanto o grupo
lentamente começa a se dissipar. — Devemos?
— Devemos…
— Conversar, querida. Podemos estar separadas há algum
tempo, mas você ainda é minha filha e eu ainda sei quando há algo
te incomodando.
— O que me denunciou? Talvez o fato de eu aparecer na sua
porta sem aviso prévio pela primeira vez desde sempre?
Ela ignora meu sarcasmo e começa a andar na direção oposta
de casa.
— Para onde estamos indo? — Pergunto, andando ao lado dela.
— Brunch. Há um lugar ao virar da esquina que serve mimosas
perfeitas. Eles espremem o suco de laranja à mão. E eles tem Refil
grátis. Isso significa que você pode beber quantas quiser.
— Mãe! — Dou-lhe um olhar provocador e escandalizado. —
Onde estava essa parte da rotina de domingo quando eu morava
aqui?
Ela me dá um olhar que só posso descrever como atrevido. —
Talvez, se você tivesse ficado até seu vigésimo primeiro aniversário,
tivesse sido apresentada a essa parte.
— Touché — murmuro, segurando a porta do restaurante aberta
para ela.
A hostess pergunta se queremos sentar do lado de dentro ou de
fora. Eu digo fora, enquanto ela diz dentro. Começo difícil.
Nós sentamos do lado de dentro.
No segundo em que o garçom chega com uma jarra de água,
minha mãe pede mimosas para nós duas e, em qualquer outra
circunstância, eu teria ficado irritada com seu velho e familiar hábito
de decidir o que quero sem perguntar, mas, neste caso, estou muito
feliz em seguir sua liderança. O segundo em que eu recusar um
rodízio de mimosas é o segundo em que serei obrigada a me
aposentar.
A mimosa, como prometido, é perfeita, mas por mais delicioso
que seja o primeiro gole, infelizmente não serve muito para difundir
o leve constrangimento que conseguimos evitar até agora.
E por leve constrangimento, quis dizer é o elefante na sala.
Apesar da tensão dos últimos dez anos, mamãe e eu não temos
nada a ver uma com a outra. Embora não tenhamos exatamente
quebrado o gelo no casamento de meu irmão, nós pelo menos o
rachamos e houve telefonemas de aniversário e de Natal que foram
cordiais, mas não exatamente afetivos.
Mas em todas essas trocas tensas, nunca mencionamos aquele
dia. O dia em que lhe mostrei desafiadoramente a aliança de
casamento simples na minha mão esquerda e proclamei que tinha
os fundos de que precisava para sair de seu controle e “construir
meu império”.
Sim, acredito que essas foram as palavras exatas que usei e
não, não tenho orgulho delas. Em retrospectiva, eu nem sei se
posso realmente culpá-la por responder da maneira que respondeu,
que foi com raiva fria e a coisa toda de Não se incomode em voltar.
Então, enquanto em algum nível nós duas parecemos ter
taticamente concordado que os culpados foram o temperamento e o
orgulho (ela) e o temperamento, o orgulho e a imaturidade (eu), as
cicatrizes ainda estão lá. Cicatrizes que eu sei que não
desaparecerão até cuidarmos do ferimento, mas...
Eu já posso sentir que esse dia não é hoje. Vou precisar usar
minha armadura completa para essa conversa e agora... eu
realmente não tenho minha armadura completa.
— Mãe, você sabia que Colin estava saindo com alguém? — Eu
digo, decidindo ir direto ao assunto.
A taça de champanhe da minha mãe estava a meio caminho da
sua boca, mas ela a abaixa com cuidado, sem tomar um gole, o leve
tilintar da base da taça roçando contra o prato de pão sendo o único
sinal de sua agitação.
— Uma mulher veio ontem — murmuro — O nome dela é
Rebecca, e eles trabalham juntos e...
— Sim, eu conheço a Rebecca.
O tom da minha mãe não me dá muita informação, e eu tento
parecer calma enquanto mexo na minha colher. — Você a
conheceu?
— Muitas vezes. Como você disse, eles trabalham juntos, e ela
tem sido sua companheira em várias ocasiões, em várias funções.
Companheira. Uma palavra tão educada.
— Ela já foi no jantar? No jantar em família, quero dizer, aos
domingos?
— Meu Deus, não. — Minha mãe parece genuinamente ofendida
pela sugestão. — Por que ela iria?
Estou surpresa com a profundidade do meu alívio. Não sei
porque, mas acho que não conseguiria suportar a imagem mental
de Rebecca e Colin rindo com meus pais na mesa de jantar da
família.
Mas quem estamos enganando? Não haveria risadas com esse
quarteto, apenas longas conversas tristes sobre a eleição
presidencial, Platão e a bolsa de valores.
— Você acha que… — Ela toma um gole de bebida e percebo
que é um grande gole. — Você suspeita que ela e Colin...
— Sim — eu digo baixinho, evitando que ela tenha que usar uma
frase educada o suficiente para atender aos seus padrões. — Sim,
acho que definitivamente.
Ela bufa. — Bem, que depravado.
Eu engasgo com a minha bebida. Tanto pelo vocabulário
educado. — Mãe!
— Honestamente, Charlotte, ele é um homem casado.
— Sim — eu digo devagar — Mas você sabe, você tem que
saber que ele e eu… — Eu me atrapalho com as palavras. — Você
e papai não conversaram sobre isso? Depois da festa?
— Sim, mas não vejo razão pela qual as circunstâncias iniciais
do seu casamento e a distância dos últimos anos ditem o que
acontece entre você e Colin agora.
Eu finjo limpar meus ouvidos. — Desculpe, por acaso você está
sugerindo que o fato de nosso casamento ter sido falso e que
literalmente não passamos um único momento juntos em uma
década não deveria nos afetar?
— Shiu — diz ela com uma careta, enquanto pega seu cardápio.
— Esse não é o tipo de coisa que você quer que alguém ouça.
Reviro os olhos e pego meu próprio cardápio, principalmente
porque estou morrendo de fome. Colin e eu fizemos um ótimo
trabalho evitando um ao outro após a aparição de Rebecca ontem, e
como ele estava monopolizando a cozinha ontem à noite, pulei o
jantar e, portanto, estou morrendo de fome.
Eu peço a rabanada, e mamãe pede um quiche que soa
saudável antes de me surpreender fazendo uma pergunta franca.
— Por que eu?
— O que você quer dizer com isso? — Eu pergunto, sorrindo em
agradecimento quando o garçom reabastece minha mimosa de uma
jarra de cristal.
— Você está chateada com essa situação com Rebecca e veio a
mim. Por quê?
— Honestamente? Essa é uma boa pergunta — eu admito. —
Eu realmente não pensei nisso. Fiquei acordada a noite toda
pensando sobre a situação, precisava conversar com alguém e,
antes que percebesse, estava na sua porta da frente.
É uma resposta besta, mas tento dizer a ela com meus olhos
que é a verdadeira. A melhor. Porque você é minha mãe.
Espero que ela entenda. E acho que entende, porque seus olhos
parecem um pouco brilhantes antes de se virar e dar ao garçom um
olhar repreensivo por derrubar uma quantidade minúscula de
mimosa na toalha de mesa branca.
— Então, sobre essa mulher Rebecca. — Diz ela.
Faço um grunhido e deslizo para baixo na minha cadeira. Mas,
em vez de me dizer para sentar direito como costumava, ela
simplesmente me estuda por um momento.
— Isso importa. — Ela diz suavemente.
Eu olho para cima. — O que?
— O relacionamento dele com ela a incomoda. Não deveria, mas
incomoda. Eu entendi certo?
— Infelizmente — eu digo, minha voz calma quando me sento
reta mais uma vez. — Eu sei que não deveria ficar chateada. Que
eu não tenho o direito de ficar chateada. Nosso casamento não é
real; eu nem conheço o homem, não de verdade. E ainda assim eu
o conheci um pouco nessas últimas semanas e, quando ela
apareceu, eu senti...
Eu respiro fundo, não tendo certeza de como explicar. — Eu não
sei o que senti ou o que estou sentindo, mas seja o que for, sinto
aqui — digo, colocando meu punho logo abaixo dos meus seios. —
É como... um nó.
Minha mãe não diz nada enquanto toma um gole de sua
mimosa.
— Ela é errada para ele — eu balbucio. — Acho que esse é o
meu problema com a situação.
Ela dá um leve sorriso de conhecimento. Nós duas sabemos que
esse não é o meu problema com a situação - não é o meu único
problema, na verdade.
— Bem — diz ela, finalmente. — O que você vai fazer sobre
isso?
— Bem, se eu soubesse, não estaria aqui — digo exasperada.
Então eu recuo. — Não, não é isso que eu quero dizer, eu só... eu
realmente poderia usar alguns conselhos aqui.
Ela concorda com a cabeça. — O que Colin disse sobre a
situação quando vocês discutiram sobre Rebecca?
— Nós não discutimos sobre isso. Quer dizer, ele começou, mas
depois tentei ser a pessoa maior, sugerindo que ele resolvesse as
coisas com ela primeiro. Imaginei que depois que terminasse,
conversaríamos, mas ele se recusa a olhar para mim.
— Humm. Isso soa como um homem, não é? Eles gostam de
andar de um lado para o outro como animais enjaulados quando
têm algo na cabeça com o qual não querem lidar.
— Ok, então... o que eu faço? — Pergunto, inclinando-me para a
frente, um pouco desesperada. — Você está casada há quase
quarenta anos. Algum conselho?
— Espaço — ela diz imediatamente. — Dê ao homem um pouco
de espaço. Especialmente aquele homem. Ele é mais complicado
que a maioria.
— Espaço — repito. — Ok, isso parece bastante simples. Eu
posso fazer isso.
Minha mãe assente. — Claro que você pode. Mas se eu puder
sugerir...
— Fique à vontade...
— Coloque um limite de tempo em quanto espaço você dá a ele.
Você nunca sabe quando um pouco de espaço pode se transformar
em uma década. O dano é mais difícil de desfazer então.
— Mas não é impossível desfazer o dano — digo baixinho,
sabendo que não estamos mais falando de mim e de Colin. —
Certo?
Ela me dá um pequeno sorriso. — Não, querida. Não é
impossível.
CAPÍTULO 20

E
SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

u aceito o conselho da minha mãe e dou a Colin um pouco


de espaço.
Também aceito o conselho dela e coloco um limite de tempo
para esse espaço. Uma semana. Uma semana é o tempo eu dou a
Colin para sair de sua concha por conta própria.
Nos últimos sete dias, ele fez um trabalho impressionante ao
fingir que eu não existo. Ele faltou o jantar de domingo depois que
minha mãe e eu fomos à igreja com o pretexto de ter que trabalhar -
acho que sabemos com quem ele estava “trabalhando”. E desde
então, toda vez que estou no apartamento, ele encontra uma razão
para não estar.
Eu entendi; na verdade, eu até tentei ajudá-lo. Fiz questão de
passar mais tempo no meu escritório alugado, jantei com velhas
amigas com as quais queria me reconectar e fiz mais compras na
semana passada do que no ano passado.
Mas uma semana se passou desde que Rebecca tocou a
campainha, e ele ainda está fingindo que não existo e... O tempo
acabou. Hora de assumir o controle da situação.
No sábado seguinte da ida à igreja com a minha mãe, encontro
Colin no sofá da sala lendo uma biografia de William McKinley, todo
casual, como se ele não fosse um homem com uma esposa e uma
noiva.
— Podemos conversar? — Pergunto.
Ele olha para cima, seu olhar um pouco cauteloso, enquanto
coloca cuidadosamente um marcador entre as páginas e coloca o
livro na mesa de café antes de gesticular para eu sentar na cadeira
em frente a ele.
— Então — eu digo, sentando e cruzando as pernas. — Você
quer passar por toda a baboseira, comigo explicando sobre o que eu
quero falar, ou podemos pular essa parte e ir para o que interessa?
— Ela é minha parceira na empresa — diz ele, aparentemente
optando pela opção número dois. — O nome dela é Rebecca Hale e
trabalhamos juntos há quatro anos.
— E dormindo juntos por quanto tempo? — Ops. Não saiu
exatamente como eu queria, mas não volto atrás. Eu realmente
quero saber a resposta.
— Nós nos, hum, envolvemos, há cerca de um ano e meio atrás.
Não, eu menti. Eu não queria saber.
— Se envolveram — repito. — É um bom eufemismo.
— Não — diz Colin um pouco bruscamente. — Não finja que
você e eu temos um casamento real e que não tínhamos um acordo
desde o início.
— Eu não estava! — Eu digo. — Sei que nunca prometemos
fidelidade em todo esse arranjo. Mas não entendo por que você não
me contou que estava noivo. Isso não é um detalhe crucial da sua
vida? Da nossa vida, já que, gostemos ou não, você está preso
comigo por mais dois meses.
Ele suspira e deixa a cabeça cair para frente, e apesar de tudo,
quase me sinto mal por ele, especialmente quando ele levanta a
cabeça e parece um pouco... perdido.
— Honestamente? Não sabia ao certo que eu estava noivo.
— Isso é… — Hã? Eu procuro por palavras. — Isso
definitivamente não é o que eu esperava que você dissesse.
— Eu sei. Nada disso é esperado. — Ele cruza os dedos e olha
para o chão.
Quando ele levanta a cabeça, ele parece mais calmo.
Levemente.
— Rebecca sabe sobre o acordo entre eu e você desde o
começo. Depois que nos tornamos... íntimos, contei a ela toda a
história. Sobre o meu Green Card, sobre a sua herança, tudo. Eu
queria - precisava - que ela entendesse por que eu e ela precisamos
ser discretos. Ela estava bem com isso. Tudo estava bem. Até
alguns meses atrás.
— O que aconteceu? — Minha teoria principal é que ela foi
possuída por um espírito maligno, embora a troca de corpo com
uma gêmea do mal também seja uma opção.
— O aniversário dela. Ela fez trinta anos.
Ah. Eu odeio ter algo em comum com ela, mas tenho que admitir
que meio que entendo. Eu estaria mentindo se dissesse que não
tive umas crises intensas de Meus óvulos estão apodrecendo e
minha vida foi um total desperdício quando cheguei aos trinta.
Muitos desses pensamentos, curiosamente, tinham a ver com
esse homem aqui, e a preocupação de ter dado o ponto principal da
minha vida a um homem que nem conhecia às custas de encontrar
O Certo.
Mas pelo menos Colin e eu, em algum nível, podemos assumir
alguma responsabilidade por nossa situação. Entramos nessa
confusão quando dissemos nossos votos e novamente quando
assinamos aquele maldito acordo pré-nupcial sem ler com atenção.
Pobre Rebecca - sim, eu ouvi, e também não acredito no que
estou dizendo. Ela simplesmente cometeu o erro de se apaixonar
por um irlandês, e não na época em que ele estava precisando de
um Green Card.
— Deixe-me adivinhar — eu digo com um pequeno sorriso. — O
relógio biológico de Rebecca começou a bater mais alto e, com ele,
a pressão para o casamento?
— Isso resume tudo. Ela me disse que eu poderia casar com ela,
ou ela encontraria alguém que pudesse.
— Uou — eu digo, minha simpatia por Rebecca evaporando. —
Ela te deu um ultimato.
— Qual é — diz ele, me dando uma olhada. — Você não pode
culpá-la. Em um ano e meio, eu não conseguia levá-la para um
encontro adequado. Sempre que íamos a um restaurante, tínhamos
que fingir que éramos colegas.
— Sim, tenho certeza de que todos acreditaram nisso. — Eu
nem tento esconder meu sarcasmo.
— Olha — ele retruca. — Eu tentei. Eu tenho tentado fazer o
certo por ela, e por você...
— Por mim! Você me tratou como uma mosca irritante desde que
pisei no apartamento e nem me contou toda a situação!
— Você está certa — diz ele, passando as mãos pelos cabelos.
— Mas é como eu disse, não sei onde ela e eu estamos. Ela mal
fala comigo no trabalho, a menos que precise.
— O que mudou? Como ela passou de “coloque seus bebês em
mim” para não falar?
Ele olha diretamente para mim. — Você.
— Mas você disse que ela sabia sobre mim. Sobre nosso
acordo.
— Ela sabia. Mas então, quando percebi que tinha que me casar
com ela ou perdê-la, comecei a investigar o processo de divórcio. Li
o acordo pré-nupcial, descobri sobre o joguinho de seu irmão...
— Ah — eu digo, tudo se encaixando. — Rebecca estava bem
com você tendo uma esposa que nunca vê. Não uma esposa com
quem você mora.
— Bem, na verdade, ela estava bem com isso. No início. E então
ela pesquisou sobre você e tudo meio que foi para o inferno.
— Pesquisou sobre mim?
— Eu não contei nada sobre você antes da situação do acordo
pré-nupcial, e ela fez questão de saber o mínimo possível sobre
você. Suponho que pensei que seria mais fácil para ela se você não
fosse uma pessoa real na mente dela. Sem ofensas.
— Não ofendeu. — Eu gostaria que ela também não fosse uma
pessoa real em minha mente.
— Então — ele continua — quando percebemos o que os
próximos três meses trariam, você de repente se tornou real. Ela
pesquisou seu nome no Google. — Ele olha para cima. —
Aparentemente, você não era o que ela estava esperando.
— O que ela estava esperando?
— Eu não sei. Começamos a discutir um pouco depois que ela
viu suas fotos online. Ainda mais depois que ela viu uma foto no
Facebook de nós dois na festa de sua mãe. Eu só queria... queria...
queria que você não tivesse essa aparência. — Ele diz, abaixando
as mãos e me dando um olhar exasperado.
Meus lábios se levantam um pouco. — Que aparência?
— Cale a boca — ele diz irritado. Ele se joga de volta no sofá,
parecendo tão infantil e estranho que me sinto amolecendo.
Eu me levanto e me movo ao redor da mesa de café para me
sentar ao lado dele no sofá, puxando uma perna abaixo de mim
para que eu possa encará-lo.
— Colin — Minha voz é suave. — Você está noivo da Rebecca
ou não?
Ele passa levemente a palma da mão sobre a mandíbula e
percebo que ele ainda não fez a barba hoje, o que é toda a prova de
que preciso sobre o quão fora de si ele está com a situação.
— Estou noivo — ele diz lentamente. — É por isso que ela ficou
tão chateada, eu acho. Isso dói. Dói saber que estou com outra
pessoa, mesmo que de forma platônica.
Solto um suspiro, odiando essa situação. Por mim. Por ele. Até
por Rebecca.
— Então, como estão as coisas agora? — Pergunto.
— Ela vai esfriar a cabeça. Você e eu passaremos pelos
próximos dois meses. De algum jeito.
— Dois meses em que ficarei presa tendo que vestir seu roupão
de banho. — Eu resmungo.
— Você poderia comprar seu próprio roupão — ele aponta. —
Ou dormir com algo que não mostre tanta... pele.
Eu mordo minha língua para não dizer que, na manhã anterior a
Rebecca tocar a campainha, ele não parecia se importar com tanta
pele. Nem um pouco.
— Tudo bem — eu digo, dando-lhe um tapinha fraternal no
joelho. — O que você precisa de mim, além de manter minha pele
para mim mesma?
— Bem, você pode começar se livrando de todas as flores
mortas por todo o apartamento. Quando disse que não tinha vasos,
não quis dizer para você encher cada xícara da casa com flores que
agora estão mortas.
Eu aceno com a minha mão. — O que mais?
— Bem, na verdade — diz ele lentamente — Rebecca levantou
um bom argumento na semana passada...
— Entre os gritos?
— Sim, entre os gritos — diz ele, recusando-se a morder minha
isca. — E, francamente, é algo que eu deveria ter pensado antes.
— Ok…
— Bem, estamos seguindo a estipulação pré-nupcial vivendo
juntos...
— Oh, confie em mim. Estou bem ciente de todas essas alegrias.
Ele continua. — O problema é que, quando esses meses
terminarem, não será suficiente dizermos que vivemos juntos pelo
tempo necessário. Teremos que provar isso.
— Eu não sei como podemos. Seu apartamento já está pago,
portanto não podemos assinar o contrato. Acho que poderíamos
colocar meu nome nas contas serviços públicos.
— Qual é o endereço na sua carteira de motorista?
Eu estremeço. — Meu antigo endereço em São Francisco. Tentei
manter o endereço dos meus pais pelo maior tempo possível, mas
eventualmente precisei de uma carteira de motorista da Califórnia.
— Imaginei. — Ele suspira. — O que acha de uma viagem para
o Detran?
CAPÍTULO 21

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

— E ntão. Detran num sábado. Não foi uma de suas melhores


ideias, marido.
— Não — diz Colin, sombrio, enquanto se mexe na cadeira
dobrável desconfortável onde estamos sentados há quase uma
hora. — Não, não foi. Mas era isso ou tirar uma folga do trabalho.
— E perder seu precioso tempo com Rebecca? — Eu digo para
irritá-lo.
Mas ele não tira os olhos do iPhone e muito menos responde.
— Não que você não seja uma companhia fabulosa — divago —
mas você percebe que não precisava vir comigo, certo? Sou eu
quem tenho a carteira de motorista da Califórnia que precisa ser
atualizada.
— Na verdade, nós dois precisamos de novas identificações —
diz ele, guardando o telefone. — A minha ainda tem meu endereço
antigo. O meu precisa combinar com o seu.
— Você não se mudou para o seu apartamento atual uns dois
anos atrás?
— Sim.
— Você não deveria atualizar sua identificação com seu novo
endereço dentro de dez dias depois de se mudar?
— Também sim.
Eu suspiro, fingindo choque. — Colin Walsh. Você não é o
seguidor de regras que pensei que fosse!
Ele inclina a cabeça levemente para me dar um olhar triste. —
Você, de todas as pessoas que estavam lá no dia do meu
casamento, sabe que uma ID desatualizada é a menor das minhas
preocupações quando se trata de seguir os aspectos técnicos
legais.
Verdade. Muito verdade. Estendo minha mão. — Deixe-me ver
sua identidade.
— Por quê?
— Estou entediada. Quero tirar sarro da sua foto.
Ele revira os olhos, mas obedece e tira a identidade da carteira.
Eu a estudo. — Isso é tão estranho.
— Por quê?
— Você não está sorrindo na foto. Eu mal te reconheci sem o
seu sorriso alegre de sempre!
Ele tenta pegá-la de volta, mas eu a estendo para fora do seu
alcance e a observo mais de perto. — Vamos ver, cabelo preto.
Verdade. Olhos azuis. Sim. Altura e peso parecem estar certos. E
você morava em Midtown. Como foi morar lá?
Ele não se incomoda em responder.
Inclino minha cabeça, tentando descobrir por que sinto como se
alguma coisa estivesse errada, mesmo que as informações, fora o
endereço desatualizado, estejam corretas e a foto é tão decente
quanto uma foto 3x4 pode ser.
Então percebo.
— Esta não é uma carteira de motorista — digo, virando-me para
ele. — É apenas um documento de identidade com foto.
— Eu sei.
— Cadê sua carteira de motorista?
— Eu não tenho uma.
Me senti mais reta. — Como assim, não tem uma? Todo mundo
tem uma.
— Não em Nova York, onde quase ninguém tem carro.
É um bom ponto. Na Califórnia, é quase inédito não ter carro,
mesmo em uma cidade com bons transportes públicos como São
Francisco. Em Manhattan, quase ninguém tem carro.
— Mesmo assim — eu digo — Há uma diferença entre não ter
carro e não poder dirigir porque você não tem uma licença. Você
deixou a sua expirar ou algo assim?
— Nunca tive uma — ele murmura, começando a pegar o
telefone novamente.
Eu seguro seu pulso. — Espera, você nunca teve uma carteira
de motorista?
— Nunca tive uma carteira de motorista americana — esclarece
— Eu tive uma irlandesa. Na minha adolescência.
— Espera. Espera, espera, espera. Você está me dizendo que
não possui uma carteira de motorista válida há mais de dez anos?
Ele encolhe os ombros, mas eu não deixo isso para lá. — Você
não dirige há mais de dez anos?
— Correto.
— Mas… — Um pensamento terrível me ocorre. — Oh. Colin. É
por causa de seus pais, por causa de como eles...
— Não — ele interrompe. — O acidente deles foi há alguns anos
atrás. Minha aversão a dirigir nos Estados Unidos começou muito
antes disso.
— Como. Por quê? Isto não faz sentido nenhum para mim.
Ele levanta um ombro. — É só que... quando cheguei aqui, eu
estava plenamente ciente de como o trânsito em Nova York era
assustador para pessoas novas na cidade.
— Verdade. Eu cresci aqui, e isso ainda me assusta. — Eu
admito.
— Precisamente. Agora imagine que você cresceu dirigindo do
outro lado da estrada. Vamos apenas dizer que Manhattan não é
exatamente o tipo de lugar ideal para praticar.
Eu bato o ID dele na minha mão por um momento e depois
entrego de volta para ele.
— É isso? — Ele pergunta sarcasticamente. — Sem mais
piadinhas?
— Sem mais piadas — eu digo agradavelmente. — Você tem
planos para essa tarde? E amanhã?
— Acho que não. Por quê?
— Porque, maridinho, você e eu vamos ao norte do estado para
uma escapadinha de fim de semana.
— Não.
— Não é negociável. — Digo agradavelmente.
— Por que eu concordaria com isso?
— Porque você me deve — eu digo, jogando a situação com
Rebecca na mesa. — Por não mencionar que você estava noivo.
Por três semanas.
Ele hesita, como eu sabia que ele faria. Seu código moral
engomado não deixará sua consciência sair livre dessa.
— O que têm no norte do estado? — Ele pergunta
cautelosamente.
— Estradas largas e longas.
— Para que propósito?
— Oh, eu acho que você já sabe — eu digo, me levantando
quando minha senha é finalmente chamada. Mas, caso ele ainda
não saiba, eu viro e lhe dou um grande sorriso. — Eu serei a melhor
professora de direção que você já teve.
O resmungo de Colin me segue até o balcão.
CAPÍTULO 22

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

— N ão acredito que deixei você me convencer a isso. — Diz


Colin do lado do passageiro do nosso carro alugado.
— Você não quer aprender a dirigir?
Ele hesita. — Acho que sim. Só não entendo por que tem que
ser um pesadelo prolongado.
— Por pesadelo prolongado, você quer dizer uma escapada de
fim de semana?
— Mesma maldita coisa. — Ele resmunga.
Sorrio porque estou começando a pensar que ele gosta de
nossas discussões tanto quanto eu.
— Ok, então desde que saímos com tanta pressa...
— De quem foi a culpa?
— Não tive tempo de montar uma playlist para a viagem...
— Graças a Deus.
— Mas, para nossa sorte, tenho todas as minhas playlists de
academia baixadas no meu telefone, para que tenhamos algo para
ouvir. Como você se sente sobre Madonna?
— Eu prefiro silêncio.
— Não fique mal-humorado só porque eu não tenho nenhuma
música jig irlandesa pronta.
— Música jig irlandesa? — Ele diz, me dando um olhar incrédulo.
— Tudo bem, o que você gosta de ouvir?
— Bem, de acordo com você, 'Danny Boy' repetidamente.
— Podemos baixar 'Danny Boy'. Aqui — digo, pegando meu
telefone no console central e entregando a ele. — Fica à vontade.
— Madonna está bom — ele resmunga. — Qual é sua senha?
— Meu aniversário.
Para minha surpresa, “Holiday” da Madonna começa a tocar
apenas alguns segundos depois.
— Você sabe meu aniversário? — Eu pergunto, mudando de
faixa para ultrapassar um caminhão.
— Aparentemente sim.
— Como? — Eu pressiono.
— Ah, você sabe — diz ele, colocando meu telefone de volta no
console e esticando as pernas no banco do passageiro. — Tenho
vários lembretes do seu aniversário no meu calendário. Todo ano,
eu agonizo sobre o que comprar para você. Finalmente, escolho
algo extremamente sentimental, mas desanimo antes de dar, então
tenho uma década de presentes cuidadosamente guardados no
meu armário para quando tiver coragem de lhe dizer como
realmente me sinto.
— Tão hilário — digo com meu melhor sotaque irlandês. — Mas
sério. Como você sabe?
— Passamos quase três horas juntos na fila do Detran — diz ele.
— Muitas oportunidades de ver sua data de nascimento.
— Ah. Certo. — Eu o olho rapidamente para. — Exceto que eu
também estava no Detran e não memorizei seu aniversário.
— Não memorizei, apenas... lembrei.
— Tudo bem, tudo bem, mas já que estamos no assunto, quando
é o seu?
— 17 de março.
Fico encantada. — No Dia de São Patrício! De verdade?
— Não.
— Ah. Droga. Então quando? Droga, cara, não me faça implorar.
Ele suspira. — Dia dois. De maio.
— Dois de maio — repito, tentando guardá-lo no lugar do meu
cérebro que lembra detalhes, o que, honestamente, não é muito
grande. — Você vai fazer... trinta e quatro.
— Trinta e cinco.
— Quase. Eu estava perto!
— Parabéns. Você vai me dizer para onde exatamente estamos
indo?
— Hudson Valley. Existem várias cidades bonitinhas lá em cima,
mas estamos hospedados em uma que, realmente, se chama
Hudson. Já foi lá?
— Sem carro, lembra?
— Sim, mas tem uma estação de trem lá. Você e Rebecca nunca
viajam juntos?
— Estávamos ocupados.
— Com o que, dominação mundial? Certamente até vocês
podem encontrar tempo para umas férias.
— Não a menos que eu seja sequestrado, aparentemente.
— Você não foi sequestrado. Pense nisso como uma conferência
prolongada de direção.
— Que eu não pedi, nem expressei interesse.
— Não aja como se eu tivesse te arrastado para o carro.
Obviamente, uma pequena parte de você queria sair da cidade.
— Ou uma grande parte de mim não queria lidar com você me
atormentando se eu resistisse.
Isso também.
— Oooh. Eu amo essa música. — Estendo a mão, aumento o
som e mostro a ele o quão bem eu conheço as letras da Madonna.
— Deus me salve — diz ele. — Isso canta.
Sim, e muito bem, muito obrigada. “Open Your Heart” é a minha
música favorita de todos os tempos da Madonna, então eu sei cada
palavra.
Eu seguro meu punho direito em forma de microfone e o estendo
para Colin, que, chocantemente, não canta junto, então trago meu
“microfone” de volta para mim e canto o refrão a plenos pulmões.
Ele bate a cabeça no encosto do banco.
— Eu deveria ter ido com 'Danny Boy' — ele diz, erguendo a voz
para ser ouvido sobre a música.
Mas tenho certeza de que há um leve sorriso nos lábios dele. Ele
pode negar o quanto quiser, mas está se divertindo.
Além disso, faço uma anotação mental para aprender a letra de
“Danny Boy”.
CAPÍTULO 23

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

— L ado direito, lado direito. — Eu ordeno gentilmente, e Colin


corrige o carro imediatamente.
— Desculpe. — Ele murmura.
— Não se desculpe, é pra isso que estamos aqui.
— E onde exatamente é aqui? Essas estradas mal estão
pavimentadas.
— Não tenho muita certeza. — Olho em volta para as árvores
que nos cercam dos dois lados. — Eu tenho uma amiga da
faculdade que se mudou para o norte do estado há alguns anos e
ela sugeriu que viéssemos por esse caminho.
Jocelyn havia me garantido que ver outros carros ou pessoas
seria improvável, já que a maioria é de terras agrícolas e, até agora,
ela tem estado certa. Não há nada além de Colin e eu, árvores, luz
do sol e um carro percorrendo cerca de 22 km/h.
— Como está sendo? É como andar de bicicleta? — Pergunto,
olhando através do carro.
Ele faz uma careta. — A mecânica voltou com relativa facilidade.
Ajustar ao lado direito da estrada é um pouco mais difícil do que eu
esperava.
— Você vai se acostumar — digo com confiança, ajustando
meus óculos de sol. — Podemos levar o tempo que precisarmos. E
deixe-me saber se você mudar de ideia e quiser alguma música.
— Você promete não cantar?
— Sem promessas.
— O silêncio parece bom. — Ele responde.
Deixei que ele ficasse em silêncio pela primeira vez, em parte
porque vejo que os nós dos seus dedos estão brancos no aperto do
volante e em parte porque estou realmente me divertindo. Há algo
surpreendentemente adorável em dirigir por uma estrada de terra, o
sol batendo no para-brisa e ninguém mais por quilômetros, exceto a
pessoa sentada ao seu lado.
Gostaria de saber se esse é o motivo pelo qual as pessoas
costumavam fazer viagens de carro aos domingos. Ter essa
satisfação só pelo ato de dirigir, ao invés de querer chegar a algum
lugar.
Colin gira a mão direita no volante, nos fazendo seguir por outra
estrada deserta e me surpreende por ser o primeiro a quebrar o
silêncio.
— Posso perguntar uma coisa sem você se irritar?
Eu bufo. — Tem certeza de que está noivo? Apesar de ter uma
esposa e uma noiva, você sabe muito pouco sobre mulheres.
— Posso fazer a pergunta ou não?
— Você pode perguntar. Mas se for uma pergunta idiota, não
faço promessas sobre meu nível de raiva resultante.
— Seu trabalho — diz ele, olhando para mim brevemente. — O
que você faz?
Olho para ele surpresa, tanto porque ele nunca manifestou muito
interesse em nada a meu respeito, quanto porque é uma informação
muito fácil de conseguir no Google.
— Sou dona de uma empresa de gerenciamento de redes
sociais. Essa é uma maneira elegante de dizer que implementamos
estratégias para o Facebook, Twitter e Instagram de empresas
maiores.
— E isso é lucrativo?
— Vou reformular — digo com um sorriso — Implementamos
estratégias para o Facebook, Twitter e Instagram de empresas bem
maiores.
É mais do que lucrativo. Alguns de nossos maiores clientes, os
gigantes do mundo do varejo, recebem faturas anuais de minha
empresa na casa dos sete dígitos.
— E é isso o que você queria fazer? — Ele pergunta.
— O que você quer dizer?
— Bem, eu me lembro que quando nos casamos, eu precisava
de um Green Card. Você precisava se casar para ter acesso a sua
herança, que iria usar para iniciar seu próprio negócio, mas nunca
mencionou detalhes. Este é o negócio que você imaginou?
Penso nisso, tentando voltar ao estado mental do meu eu de
vinte e um anos. — Sabe, eu realmente não sei — admito. — Eu
sabia que queria começar uma empresa. Eu simplesmente amei a
ideia, ainda mais por causa do risco. O brainstorming, o
planejamento, a obtenção de fundos. Decidir quando criar uma
equipe, qual o tamanho da equipe. Quando crescer, como crescer,
se deve investir em marketing ou infraestrutura primeiro e assim por
diante.
— E atendeu às expectativas?
Eu pondero sobre isso. — Sim. E, a propósito, vovô, se algum
dia o colocarmos numa estrada real, você terá que ir além dos trinta
quilômetros por hora.
Aceleramos um pouco. Bem pouco. — Você não parece ter
certeza.
— Que você está dirigindo muito devagar? Confie em mim.
Tenho certeza.
— Não, sobre a sua empresa. Sobre ela atender às suas
expectativas.
— Eu realmente amo isso — eu digo. — Foi mais difícil do que
eu esperava, mas mais gratificante também.
— Ok, aqui vai a linha de questionamento que pode te deixar
brava. — Ele diz lentamente.
— Manda.
— Quando estávamos tentando concordar sobre a logística
desse acordo pré-nupcial, você não discutiu comigo sobre minha
sugestão de você se mudar para cá, em vez de eu me mudar para
São Francisco.
— Bem, essa é a vantagem de fazer o que eu faço. A maior
parte do meu trabalho é online. Eu posso trabalhar remotamente e
você não.
— Verdade. Mas…
— Ok, tudo bem, eu prometo não ficar brava — eu digo. — Basta
cuspir de uma vez ao invés de ficar fazendo rodeio.
— Tudo bem — diz ele. — Acho que o que estou tentando dizer
é que você parece um pouco entediada.
Eu olho para ele, surpresa. — Pareço?
Ele concorda. — Não infeliz. Mas eu vejo você no seu notebook,
ouvi algumas de suas chamadas de trabalho. Eu te vejo quando
você se dirige para o seu escritório improvisado de manhã e muitas
vezes vejo você quando chega em casa. Você parece um pouco
indiferente. Contente — ele acrescenta. — Mas no que diz respeito
ao seu trabalho, não recebo a energia que esperaria de alguém com
seu...
— Zelo pela vida? — Eu forneço.
— Isso.
Viro a cabeça e olho pela janela, pensando nas palavras dele,
imaginando se elas são verdadeiras. Ultimamente, não tenho
pensado muito em meus negócios e isso me faz perceber que Colin
está certo. Gosto do meu trabalho, tenho orgulho da minha
empresa, mas se estou sendo muito honesta comigo mesma, não
parece mais um grande desafio.
Sim, a empresa ainda está crescendo, mas a um ritmo mais
lento. Além disso, já temos alguns dos maiores clientes, por isso já
estamos no topo no nosso ramo. As opções de inovação parecem
limitadas, o potencial de crescimento atrofiado.
Ou talvez eu não consiga mais ver a inovação.
Talvez seja a hora de seguir em frente.
No instante em que o pensamento me passa pela cabeça,
percebo que já se aproxima há meses. Eu tenho tentado evitá-lo,
mas agora que está fora, não é tão assustador quanto eu pensava
que seria. Ou melhor, é, mas eu gosto do medo. Gosto do pequeno
frio que sinto na barriga com a incerteza do que vem a seguir.
— Sabe, para alguém que é tão atrofiado emocionalmente, você
é bastante introspectivo e sábio. — Digo a Colin.
— Emocionalmente atrofiado. — Ele repete rigidamente.
Olho para ele rapidamente, me perguntando se magoei seus
sentimentos, mas, como sempre, não consigo ler nada no maxilar
de granito.
— Não quis dizer de uma maneira ruim — eu corrijo
rapidamente, mas ele me dá um olhar expressivo. — Você é só… —
Eu respiro fundo, me perguntando como recuar. — Bem, vamos
colocar dessa maneira: Você sentiu que estou um pouco entediada
com o meu trabalho e estava certo. Mas, na minha cabeça, eu não
saberia dizer como você se sente em relação ao seu trabalho. Ou se
você gosta ou não do seu apartamento. Ou se você gosta do seu
guarda-roupa. Não sei dizer quando você gosta do que come, e
quando acha que é sem graça. Não sei dizer se você gosta de café
tanto quanto eu. Não sei dizer se você é louco por Rebecca ou acha
ela meio meh. Não sei dizer se você está tão bravo com meu irmão
quanto eu. Eu nem sei dizer se te deixo tão louco quanto acho que
te deixo. Eu nunca sei o que você está pensando ou sentindo.
Nunca.
Colin não responde. Ele tem apenas um tique na mandíbula – o
que definitivamente não é uma resposta verbal - e me pergunto se
passei dos limites dessa vez.
Ele finalmente responde, e como esperado, com o mínimo de
palavras possível. — Você deixa.
— Eu deixo o que?
Ele me olha. — Me deixa louco.
— É bom saber — digo com uma risada, esticando a mão para o
volante e o girando levemente para nos levar de volta para o lado
direito da estrada. — E o resto das coisas?
Ele exala e bate os dedos no volante. — Não tenho queixas
sobre o meu trabalho. Eu gosto do meu guarda-roupa. E do meu
apartamento. Ninguém gosta de café tanto quanto você. Sim, eu
estou com raiva de seu irmão também. Isso cobre tudo?
— E Rebecca? — Eu pergunto, odiando o quanto eu quero saber
a resposta para essa pergunta.
Ele hesita. — O que tem ela?
— Você é loucamente apaixonado por ela?
— Talvez você e eu tenhamos pensamentos diferentes sobre
isso — diz ele lentamente. — Não acredito que deva haver nada de
louco no amor.
— E o que deveria ser o amor? — Pergunto.
— Calma. Conforto. Serenidade.
Eu torço o nariz. — Parece chato.
Mas sinto uma pontada. Porque parece meio legal também.
E muito fora do alcance.
CAPÍTULO 24

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO

— V ocê me acusou de não expressar sentimentos pela


comida — Colin usa o garfo para apontar para o prato de
alcachofras fritas que estamos compartilhando. — Estas são
surpreendentemente excelentes.
— Elas realmente são — eu concordo, mergulhando uma
alcachofra no molho fornecido, algo cremoso, salgado e delicioso.
— Minha amiga mencionou que os restaurantes nessa área eram
excelentes e, até agora, ela está certa.
Depois de algumas horas dirigindo, nas quais tenho orgulho de
dizer, meu marido chegou até respeitáveis 60 km/h enquanto
permanecia no lado direito da estrada, percebemos que tínhamos
pulado o almoço e optamos por jantar mais cedo antes de nos
hospedarmos no hotel para a noite.
Joc me deu algumas recomendações e eu escolhi o que estava
aberto, mas até agora foi uma boa escolha. Os coquetéis são fortes,
os aperitivos saborosos, a companhia…
Olho para Colin do outro lado da mesa, que parece mais
relaxado do que eu estou acostumada a ver.
Estou começando a apreciar a companhia. Um pouco demais.
— Alguma pergunta sobre o cardápio? — Pergunta nosso
garçom, um rapaz relaxado de vinte e poucos anos vestindo jeans,
flanela, suspensórios e um cavanhaque ruivo brilhante que combina
perfeitamente com ele.
— Sim — eu digo, pegando e gesticulando. — Qual o tamanho
dos pratos da seção dos principais?
— Provavelmente um pouco menores que o tamanho típico de
entrada. Generosos o suficiente para funcionar como uma entrada
mais leve, certamente, mas sempre recomendamos que os clientes
peçam alguns pratos para a mesa e os compartilhem. Mais coisas
para experimentar.
Olho para Colin em questionamento, e ele dá de ombros com o
que tenho quase certeza que é aquiescência. Conforme
estabelecido, é difícil saber com ele.
— Como estão as vieiras? — Pergunto ao garçom.
— Os mexilhões estão melhores — ele diz sem hesitar.
Eu olho para Colin. — O que acha de mexilhões?
— Ótimos. Peça o que quiser.
— Ok, vamos querer mexilhões, o nhoque de batata doce e...
couve de Bruxelas?
Colin sacode rapidamente a cabeça.
— Cenouras — eu corrijo. — Vamos querer uma porção de
cenouras.
Com isso, recebo um aceno de aprovação de Colin e garantias
do garçom que fizemos boas escolhas, pegando nossos menus e
indo embora registrar nossos pedidos.
— Ah há — eu digo, inclinando-me para a frente, sorrindo
alegremente. — Eu aprendi algo sobre você. Você, senhor, não
gosta de couve de Bruxelas.
— Eu posso comê-las. Mas eu não as amo.
— Gosto ou textura? — Eu pergunto, bebendo meu drinque, uma
preparação rosa clara com uma espuma doce por cima.
— Forma — diz ele. — Quando eu era criança, pensei que
pareciam cabecinhas alienígenas.
Inclino minha cabeça para frente e para trás, estudando-o. —
Não. Eu não consigo imaginar.
— O quê? — Ele pergunta, mastigando lentamente outra
alcachofra. — Couve de Bruxelas parecendo cabeças alienígenas?
— Não, você como uma criança.
— Você pensava que eu nasci com trinta anos?
— Não, eu pensava que você nasceu com oitenta. Seja honesto,
você já proferiu a frase saia do meu gramado?
— Não, não proferi. Embora, nas últimas semanas, com certeza
quis dizer a frase saia da minha casa.
Olho rapidamente para baixo, um pouco surpresa com o quanto
o comentário dele dói. Não que seja um grande segredo que ele não
goste de mim, mas eu não tinha percebido que viver comigo tinha
sido tão ruim assim.
— Bem, boas notícias — eu digo com alegria forçada,
empurrando a dor em outro lugar, para ser tratada mais tarde. —
Faltam apenas dois meses e então você estará oficialmente livre de
mim.
— Charlotte. Eu não quis dizer...
— Eu sei — eu interrompo. — E está tudo bem. Você nunca
fingiu gostar de mim. Eu ficaria insultada se você começasse a fingir
agora. Então, eu tenho pensado, você acha que devemos fazer uma
festa de divórcio?
— Uma o quê?
— Uma festa de divórcio. Eu sei que não é típico, mas nunca
tivemos exatamente um casamento normal, então por que teríamos
um divórcio normal?
— Por que, em nome de Deus, iríamos querer uma festa?
— Ah, vamos lá. Você sabe que vai querer comemorar o fim
disso.
— Você também.
Talvez. Talvez não.
— Bem, para ser sincera — admito — tenho pensado
ultimamente que com toda a situação, nunca pude ter um
casamento e uma recepção adequados, então talvez eu faça isso ao
contrário e tenha uma recepção de divórcio. Poderíamos convidar
pessoas para tomar coquetéis, comer canapés e dançar.
— Uma recepção de divórcio — diz ele. — Você é... — Ele
esfrega os olhos. — Eu não sei o que você é.
— Eu sou fabulosa. E a festa seria divertida — insisto.
— Não seria divertido. E acho que dificilmente precisamos
destacar o fato de que estamos nos separando para as autoridades
de imigração. Por que você não salva os planos na sua cabeça para
o seu próximo casamento?
— Meu próximo casamento — repito. — Você sabe de algo que
eu não sei?
— Você não pretende se casar de novo?
Penso um pouco enquanto mastigo uma alcachofra. — Eu não
sei. Espero que sim, mas definitivamente não há nada no horizonte.
— Nunca houve alguém...?
— Não — eu interrompo. — Eu não tenho uma Rebecca. Quer
dizer, me importei com algumas pessoas ao longo dos anos, mas
nunca consegui me ver envelhecendo com nenhuma delas. Passei
meus vinte anos bastante focada na empresa.
— E os seus trinta? O que eles trarão?
— Eu ainda não sei — digo, arrastando meu mindinho pelo
molho no meu prato e sugando-o. — Talvez começar algo novo?
Uma nova empresa?
— Marido? Crianças?
Sinto um puxão inesperado com o pensamento de uma família e
percebo que isso faz parte do que têm me incomodado nas últimas
semanas. Não era só o fato de voltar a Nova York, me reunir com
minha família, ou brincar de casinha com Colin. Tem sido a
sensação de querer algo mais. Minha vida adulta até agora tem sido
quase inteiramente sobre meu desenvolvimento profissional e
diversão, e tem sido bom. Muito bom.
Mas ultimamente parece que estou pronta para a próxima etapa.
Uma que envolve fraldas e cães e alguém para quem voltar em
casa. O mesmo alguém para quem voltar.
— Acho que é possível — digo, respondendo à pergunta de
Colin. — Alguns anos atrás, eu não acho que isso teria me atraído,
mas a mesma crise que fez Rebecca agir como louca também me
atingiu um pouco. Eu acho que gostaria de ser mãe. Eu acho que
seria boa nisso.
— Eu também acho.
— Espera. — Eu aceno meu garfo para ele. — Você acabou de...
me elogiar?
— Escapou.
— Uhum. Enfim, se eu tiver filhos, espero que sejam meninos.
Você vai comer isso? — Aponto para a última alcachofra.
— Toda sua. Por que meninos?
— Garotas são complicadas. Quer dizer, você viu como eu era
dez anos atrás. Se minha filha for como eu, vou enlouquecer.
— Todos nós temos direito a alguns anos de rebeldia — diz ele,
sua voz surpreendentemente gentil.
— Eu aposto que você não teve nenhum. Aposto que você era o
filho perfeito.
Ele dá os ombros. — Eu fui fácil. Eu tentei ser fácil.
— Tentou. Por quê?
— Meus pais queriam ter mais filhos. Eles eram católicos
devotos, e acho que nunca realmente lhes ocorreu ter menos de
cinco filhos. Mas também não lhes ocorreu que eles teriam
problemas para conceber. Eles acabaram só comigo.
— Eles deveriam te idolatrar.
— O normal — diz ele com um leve sorriso. — Mas eles eram
bastante rigorosos. Sério.
— Não — eu digo surpresa, com olhos arregalados. — Mas você
é tão divertido e livre!
Ele ignora o sarcasmo. — Eu sempre estava dolorosamente
consciente de que era a única chance deles de serem pais, então
tentei ser o que eles queriam. Quieto. Respeitoso. Boas notas, indo
sempre na igreja.
— Foi fácil ou difícil?
— Fácil — diz Colin. — Se você espera que haja uma criança
selvagem esperando ser libertada, ficará desapontada. Não que eu
fosse perfeito. Coloquei um sapo na cama da minha babá, quebrei
algumas janelas com meu amigo - acidentalmente. Mas na maioria
das vezes eu sempre fui, como você chamou? Emocionalmente
atrofiado?
Eu estremeço. — Eu acho que poderia apenas ter dito que você
é quieto.
— Você poderia.
— Eu feri seus sentimentos?
— Alguém que está atrofiado emocionalmente pode ter
sentimentos?
— Isso não é uma resposta. — Eu desafio.
Ele olha para o prato e lentamente ergue o olhar de volta para o
meu, seus olhos cautelosos. — Só porque eu não mostro todas as
minhas emoções, não significa que não tenho nenhuma.
— Justo. — Respondo com cuidado, sabendo que preciso pisar
em ovos. — Então, eu estou curiosa... como Rebecca te tirou da sua
casca de tartaruga?
Ele revira os olhos. — O que?
— Você sabe. Se você é a tartaruga — digo, imitando
desajeitadamente uma pequena criatura escondida na segurança de
sua concha. — Como ela fez você mostrar seu lado suave?
— Por que você sempre tem que deixar tudo tão estranho? —
Ele murmura, tomando um gole de sua bebida.
— Emoções não são estranhas — digo um pouco bruscamente.
— Se você não quer ser criticado por não demonstrar todas as
emoções, o contrário também não deveria acontecer? Não posso
ser sentimental?
Ele parece surpreso com a minha explosão. — Acho que nunca
me ocorreu que você já quis - ou precisou - de permissão para fazer
qualquer coisa. Você apenas... faz.
— E isso deixa você louco. Você mesmo disse no carro.
— Bem. Sim. Você é um pouco turbulenta.
— Turbulenta — eu digo, minha raiva diminuindo um pouco. —
Eu gosto disso.
— Claro que gosta. — Mas ele está sorrindo um pouco, e não
posso deixar de me perguntar se ele está começando a perceber
que uma pequena turbulência pode ser exatamente o que ele
precisa em sua vida.
CAPÍTULO 25

SÁBADO, 12 DE SETEMBRO


O i! — Eu digo com um sorriso, colocando minha bolsa para o
final de semana no chão e cumprimentando a recepcionista
do nosso hotel. — Eu tenho um quarto reservado sob o nome
Walsh?
— Duas camas — diz Colin antes que a mulher possa dizer uma
única palavra. — Vamos precisar de duas camas.
Eu piso com força no pé de Colin, satisfeita quando ele
estremece.
— Sim, duas camas seria ótimo — digo suavemente. — Meu
marido aqui tem uma urticária bastante intensa.
Agora ele tenta pisar no meu pé, mas estou à frente dele e saio
do caminho.
A mulher sabiamente ignora meu excesso de compartilhamento
enquanto clica em seu computador. — Ah. Sim. Aqui está, um
quarto para o Sr. e a Sra. Walsh.
Colin me lança um olhar penetrante, que eu ignoro. Nunca tinha
usado o nome dele até agora e não sei ao certo o que me levou a
fazer isso quando fiz as reservas de hotel. Também não entendo
completamente por que gosto tanto da ideia de ser uma Sra.
Aparentemente, basta uma conversa de dois minutos sobre se casar
e ter filhos, e eu me torno uma aspirante a June Cleaver.
— Vejo que você é uma dos nossos membros Platinum, o que a
torna elegível para um upgrade para uma suíte maior, mas receio
que a única suíte que nos resta tenha apenas uma cama king size...
— O quarto comum com duas camas está ótimo. — Diz Colin, já
entregando seu cartão de crédito e identidade.
— É uma urticária muito ruim — digo em um sussurro alto. —
Você se lembrou de trazer sua pomada, certo, querido?
— Sim, fofura. Coloquei-a junto à sua pomada para hemorroidas,
para que pudéssemos manter todas as pomadas juntas.
Eu engasgo com uma risada. Nada mal, Sr. Walsh. Nada mal
mesmo.
A mulher completa a transação e nos entrega nossas chaves em
tempo recorde, sabiamente não querendo fazer parte de nossa luta
verbal e pomadas medicinais.
— O café da manhã de cortesia é servido das seis e meia às
onze da manhã, embora eu devo salientar que amanhã será
domingo e há alguns bons brunches na cidade. Também somos
conhecidos por nossas lojas de antiguidades, e muitas pessoas
gostam de comer algo na rua principal antes ou depois de examinar
as lojas. Vocês gostam de antiguidades?
Tento pensar numa maneira educada de dizer não, mas Colin
responde primeiro. — Minha mãe os amava.
Fico surpresa e não sou a única. Olho para Colin e ele parece
completamente chocado com seu próprio anúncio. Mas a mulher
atrás do balcão não sabe que meu marido não é exatamente
famoso por compartilhar anedotas emocionais, nunca, e apenas
sorri.
— Alguma época em particular?
— Não. Ela não podia comprar muito, mas sempre que
passávamos por uma, ela me arrastava para dentro. O fato de estar
cercada por itens com uma história a lembrava que somos todos
iguais. Que somos todos apenas pessoas, independentemente da
década em que nascemos. Enfim — ele diz rapidamente, parecendo
envergonhado enquanto segura os cartões-chave. — Obrigado
pelos cartões.
Ela aponta para os elevadores e, no segundo em que as portas
se fecham, Colin fala: — Fique quieta. Eu não quero falar mais
sobre isso, então nem uma única palavra.
Eu fico quieta. Também faço minha mímica de tartaruga, o que o
faz grunhir.
As portas do elevador se abrem novamente, e ele me entrega as
chaves e depois pega nossas malas, me seguindo pelo corredor até
eu encontrar nosso quarto.
Apesar de não ser uma suíte, é maior que um quarto de hotel
usual e mais moderno do que eu esperava, o que é uma surpresa
bem-vinda, especialmente porque ainda estamos no fim da onda de
calor. Eu estava um pouco preocupada com a eficácia do ar
condicionado em um prédio antigo como este.
— Humm — eu digo, segurando meu queixo, enquanto estudo o
quarto. — Essas duas camas estão suficientemente afastadas ou
devo mudar uma para o banheiro por sua causa? Além disso,
devemos chamar a mulher da recepção? Lembrá-la mais uma vez
que não estamos dormindo na mesma cama? Acho que ela não
entendeu bem as duas primeiras vezes em que você deixou claro.
Ele joga minha bolsa em uma das camas e coloca sua própria
mochila na outra. — Eu já estou com medo de dizer a Rebecca que
fizemos essa viagem. Eu quero pelo menos garantir a ela que não
dividimos uma cama.
Eu pulo na minha cama, tirando os sapatos e deixando meus pés
balançarem. — Você precisa contar a ela? Não que eu esteja
defendendo guardar segredos, mas com base no que vi no fim de
semana passado, não sei exatamente o quão bem ela lidará com
isso.
— Talvez você devesse ter pensado nisso antes de me forçar a
vir. — Ele diz, abrindo a bolsa.
A dispensa brusca arde e, como eu não sou tão hábil quanto ele
em recuar na minha casca de tartaruga, eu o deixo saber.
— Você continua dizendo isso a si mesmo — eu digo, enquanto
me levanto. — Continue dizendo a si mesmo que sou um tornado
horrível, que faz você fazer coisas que não quer. Tenho certeza de
que é mais fácil do que admitir que você está realmente se
divertindo. E faça o que for, não se lembre de que todo o motivo de
eu ter insistido nessa viagem foi para ajudá-lo e que passei duas
horas em velocidade de tartaruga enquanto você se lembrava de
como operar um veículo em movimento.
— O que há com você e tartarugas?
Eu o encaro por um momento. — Essa é a sua resposta? Você
afirma ter emoções enterradas em algum lugar dentro de você e
tenho certeza de que você está certo. Só não tenho certeza se as
emoções são as boas.
Pego minha bolsa de higiene pessoal e vou para o banheiro,
cedendo à vontade de bater a porta. O que não me faz sentir
nenhum pouco melhor.
Estou chateada comigo mesma por estar chateada. Você acharia
que, nas últimas semanas, eu me acostumaria á isso – me
acostumaria com o fato de que, independentemente da abordagem
adotada, ele simplesmente não gosta de mim.
Mas, em vez de se tornar mais fácil, a dor parece piorar a cada
vez que ele deixa seu desdém claro, toda vez que se esforça para
manter distância.
A música da Madonna “Open Your Heart” está na minha cabeça
desde o passeio de carro, e agora percebo que não o fiz ouvi-la
repetidamente só porque era minha música favorita.
Agora estou pensando se não estava subconscientemente
cantando para ele.
— Estúpida — murmuro, abrindo minha bolsa de higiene pessoal
e removendo minha maquiagem com mais força do que o
necessário. Escovo os dentes e termino o resto da minha rotina
noturna, aproveitando o tempo para esfriar meu temperamento.
Felizmente, do mesmo jeito que meu temperamento inflama rápido,
ele também esfria.
Meu bom humor está quase completamente recuperado quando
abro a porta do banheiro alguns minutos depois.
— Todo seu! — Eu digo, dando-lhe um sorriso amigável.
Ele está sentado na cama com roupas dobradas no colo. Eu
suponho que elas são dele, e ele planeja se trocar no banheiro, mas
ele se levanta e as entrega para mim.
— O que é isso? — Eu pergunto, olhando para a camiseta
branca dobrada ordenadamente e... uma cueca boxer azul.
— Para dormir. — Sua voz é rouca, e ele não encontra meus
olhos.
— Eu trouxe meu próprio pijama — eu digo, enquanto ele passa
por mim em direção ao banheiro.
— Sim, eu vi seu pijama. Suponho que você não trouxe o
roupão.
— Não. Mas...
— Então você vai usar isso — ele ordena, apontando para as
roupas na minha mão.
Eu torço o nariz. — Mas essas roupas são de algodão. O meu
pijama é de seda.
— Charlotte, pelo amor de… eu estou noivo, mas não sou um
santo, ok? Apenas... vista a camiseta feia.
Ele fecha a porta e eu fico parada, um pouco atordoada com a
explosão e o que ele acabou de admitir.
Mordo o lábio, emocionada com a perspectiva de que talvez a
insistência dele nas duas camas não tenha sido repulso com a
minha proximidade, ou mesmo para apaziguar Rebecca.
Ele não queria ser tentado.
Humm.
Eu visto a camisa e a cueca dele. Não porque eles são
particularmente confortáveis ou porque ele me mandou, mas
porque, apesar dos sentimentos estranhos em relação a Colin, eu
não sou uma destruidora de lares. Posso pensar que Rebecca não
combina com ele, mas a última coisa que quero fazer é ser aquela
mulher. Aquela que deliberadamente seduz um homem que
pertence a outra pessoa.
Estou puxando as cobertas da minha cama quando Colin sai do
banheiro.
— Ei — eu digo, virando e olhando para ele, vendo que ele
também está vestindo uma camiseta e boxer. — Nós somos
gêmeos!
Eu seguro minhas mãos para o lado para que ele possa ver que
eu fiz conforme ele instruiu.
Em vez de parecer satisfeito ou aliviado, ele para e olha para
mim, seu olhar descendo para os meus pés descalços e depois
voltando. Ele balança a cabeça.
Eu deixo meus braços caírem. — Qual o problema agora?
— Nada — ele diz asperamente. — Vá para cama.
— Você esqueceu sua pomada de urticária ou algo assim? — Eu
resmungo enquanto subo na cama macia e confortável do hotel. —
Você está irritável.
— Segundo você, irritável é apenas o meu estado padrão. — Ele
puxa as cobertas da sua própria cama e deita.
Encaro o teto e respiro fundo, o som estranhamente alto no
quarto silencioso.
— Está muito quieto aqui. — Eu digo.
— Está. Eu esqueço o quanto estou acostumado com a trilha
sonora sutil da cidade, mesmo vivendo em um prédio alto.
— Eu poderia colocar música no meu telefone. Ou algum tipo de
ruído de fundo. — Digo, puxando as cobertas e começando a sair
da cama para pegar meu telefone que está carregando na mesa.
— Eu coloco. Meu telefone está bem aqui.
Me deito e, um momento depois, uma música suave começa a
tocar do telefone de Colin.
Eu sorrio. Ele está tocando ”Danny Boy”.
CAPÍTULO 26

A
DOMINGO, 13 DE SETEMBRO

pós outra sessão de condução matinal, durante a qual


declaro Colin apto para a estrada aberta, e talvez até para
as ruas loucas de Manhattan, aceitamos a sugestão da
recepcionista do hotel e decidimos parar para um brunch antes de
voltar para a cidade.
A rabanada (minha) e a omelete (dele, mas eu ajudei) são tão
perfeitas quanto a refeição da noite passada, mas estou quase
explodindo quando saímos do restaurante uma hora depois.
— Quer andar por um tempo? — Eu pergunto, deslizando meus
óculos de sol para cima, para descansar na minha cabeça. — Seria
bom fazer algum movimento depois de comer tudo isso, antes de
sentar em um carro por duas horas.
— Claro.
Hudson é uma cidadezinha fofa e um descanso refrescante da
agitação da cidade, tanto de Nova York quanto de São Francisco.
— Você quer entrar? — Pergunto, apontando para uma da meia
dúzia de lojas de antiguidades pelas quais passamos.
Ele hesita. — Não, valeu.
— Vamos lá. Ainda não estou pronta para entrar no carro. —
Abro a porta da loja e entro antes que ele possa protestar. Ele me
segue e, vinte minutos depois, percebo meu erro. Minha apatia
declarada por antiguidades continua forte, mas seu apreço por elas
foi discreto ontem à noite.
Acho que nunca o ouvi falar tantas palavras ao mesmo tempo, e
ele e o dono da loja não parecem nem perto de trazer a conversa
para meados desse século ou coisa assim.
Não me importo, mas também estou entediada, então saio
silenciosamente pela porta da frente da loja para continuar
explorando.
Fica claro que antiguidades são o ponto forte da cidade, mas
também encontro uma livraria, onde fico por um tempo, e depois
encontro uma joalheria, da qual gosto mais do que esperava.
Móveis antigos e artigos para o lar podem não ser o meu lance, mas
joias antigas são uma coisa totalmente diferente, algo que eu
aparentemente gosto bastante.
Estou observando um anel de safira rosa georgiano que o dono
da loja me diz que é de 1820 quando o sino da porta toca. Eu me
viro e sorrio para Colin. — Ei! Você me encontrou.
Ele levanta o telefone. — Eu rastreei seu celular.
— Isso é assustador.
— Você fez isso comigo semana passada para ver se eu estava
perto de alguma loja de gelato.
— E você estava.
— Eu estava a oito quarteirões de distância.
— E, no entanto, quando você chegou em casa, havia um gelato
de café na sua mão. Para mim. E um de chocolate na outra. Para
você. Então, quem é o verdadeiro vencedor nesse cenário?
Ele revira os olhos. — Quando os três meses terminarem, a
primeira coisa que faremos vai ser cancelar nosso plano familiar.
— Por mim tudo bem.
Em nosso esforço para apresentar a imagem “casal morando
juntos” fizemos um plano família. Um dos efeitos colaterais é que os
iPhones nos permitem saber a localização da outra pessoa, se
quisermos. Eu não estou reclamando. Consegui sorvete.
— Comprou alguma coisa? — Eu pergunto, estendendo minha
mão e admirando o anel uma última vez, quando ele para ao meu
lado no balcão.
— Uma mesa para o escritório lá de casa, mas só será entregue
em algumas semanas.
— Que escritório? Onde você pode acomodar uma mesa? — Eu
pergunto, relutantemente, tirando o anel e devolvendo-o ao dono da
loja. Eu não estou acima de me mimar uma vez ou outra, mas um
anel de vários milhares de dólares ultrapassa os limites.
— Seu quarto.
— Espero que seja uma escrivaninha pequena — digo, dando
um sorriso de agradecimento ao dono da loja por sua ajuda e
guiando Colin à calçada. — A cama e a cômoda ocupam a maior
parte do quarto.
— Eu aluguei tudo isso — diz ele, colocando seus óculos de sol.
— Quando você concordou em se mudar para Nova York.
Eu olho para ele. — Meu quarto nem sempre foi um quarto de
hóspedes?
— Não. Era um escritório.
— Onde estão os móveis do escritório?
— Eu vendi. Eu não gostava tanto deles, então pensei em
encontrar algo melhor depois que você sair em novembro.
Eu concordo com a cabeça, mas não digo nada enquanto
voltamos para o carro.
— Tem alguma coisa errada?
— Não. Por quê?
— Você está quieta. O que é tipo a calma antes de uma
tempestade.
Ok, tudo bem. Tem alguma coisa errada. Estou mais consciente
do que nunca do quanto ele deve estar ansioso para isso acabar,
para que ele possa recuperar sua vida. Seu escritório. Sua vida
tranquila. Sua noiva.
— Estou bem — digo cansada. — Acho que não sabia que você
teve que reorganizar tanto sua vida quando invadi tudo.
— Você não invadiu. E, apesar do meu comportamento no
primeiro dia, estou bem ciente de que sua vida é a que mais mudou.
O mínimo que podia fazer era alugar uma maldita cama para você.
— Sim, obrigada — digo, enquanto me sento ao volante, e nós
dois fechamos nossas respectivas portas do carro. — E estou feliz
que você encontrou uma mesa que gostasse.
— Sim, obrigado — ele repete.
Nenhum de nós fala muito no caminho de volta à cidade.
CAPÍTULO 27

C
QUINTA-FEIRA, 8 DE OUTUBRO

omo se tornou meu ritual culinário, Madonna está cantando


estridente e, como sempre, não percebo que Colin voltou
para casa até que ele esteja na cozinha, usando sua expressão
costumeira de por que isso está acontecendo comigo?
— Ah! Oi! — Eu aceno para ele com a espátula, abaixando o
volume da música no meu celular com a mão livre. — Você chegou
cedo.
Eu tento manter minha felicidade fora da minha voz, mas tenho
certeza que falho. Já estou alarmada com o quanto gosto de estar
na mesma casa que esse homem e como me sinto perdida quando
ele sai para passar um tempo com Rebecca. A última coisa que
preciso é que ele comece a perceber como me sinto.
Colin levanta as sobrancelhas. — Eu diria que está claro que
você não estava me esperando tão cedo, mas a cozinha geralmente
fica assim mesmo quando você sabe que estou em casa. — Diz ele,
puxando uma cerveja da geladeira.
Ele abre a tampa com um abridor e coloca a garrafa no balcão,
levantando o abridor e a tampa para eu ver. — Caso você queira
fazer anotações: Isso vai pro lixo. — Ele joga a tampa no lixo. —
Isso volta para a gaveta. — Ele guarda o abridor.
— Tem certeza de que é aí onde ele vai? — Eu pergunto. —
Porque eu posso pensar em outro lugar para colocar. Aqui está uma
dica: o sol nuncaaaaa brilha lá.
Colin, como sempre, não se impressiona com meus comentários
sagazes. — Eu não entendo como alguém que cozinha só para si
pode fazer tanta bagunça.
— Mas eu sempre limpo tudo depois!
— Você limpa. Mas se você fosse limpando ao longo do
processo, seria mais fácil.
— Confio no meu sistema — digo, movendo o macarrão da água
fervente para a panela, onde fiz um molho de creme de limão. Três
fios de macarrão caem no fogão, e eu torço o nariz, sabendo que
isso só vai comprovar o argumento dele sobre eu ser uma
cozinheira bagunceira.
— Não vejo sistema nenhum aqui. — Diz ele.
— Isso é porque você não tem imaginação. Traga-me um prato,
sim? — Eu lambo o molho do meu polegar.
— Uma tigela pode ser melhor.
— Ai meu Deus, Walsh. Pode ser. O que quer que te faça calar a
boca.
Ele vai ao armário e volta com uma tigela. Não, duas tigelas.
Eu o encaro surpresa. — Pensei que você tivesse jantado com a
Rebecca.
— Eu jantei.
— E isso é que, um segundo jantar?
— Eu comi pouco. Não estava com fome antes. Agora estou.
Compreensível. Eu também não sentiria fome se estivesse
sentada diante daquela víbora.
E não me acuse de ser maldosa, porque, deixe-me dizer, eu
tentei dar uma chance a aquela mulher nas últimas duas semanas
desde que voltamos do fim de semana em Hudson. Eu até usei
roupas que me deixam mais gordinha para tranquilizá-la de que não
sou uma ameaça. Eu larguei tudo para sair do apartamento, para
que eles pudessem ter privacidade nas poucas ocasiões em que ela
veio.
Eu até perguntei se ela queria sair para tomar um café ou uma
taça de vinho um dia desses, esperando que talvez se nós nos
conhecêssemos, ela veria que eu não queria roubar seu homem.
Ela me disse, e cito: — Não acho que seja necessário.
Eu não gosto dela. E ela sente o mesmo sobre mim,
aparentemente. Mas eu pretendo, pelo bem de Colin, manter a boca
fechada.
Como fiz bastante macarrão, preparo porções generosas para
cada um de nós e as levo para a mesa, junto com guardanapos e
talheres.
— Algo para beber? — Colin pergunta.
— Sim, claro. — Eu me viro, pretendendo ir à geladeira. — Uou.
— Exclamo, quase batendo contra ele porque ele está bem aqui.
— O que é isso? — Eu pergunto.
Ele está segurando uma sacolinha de presente chique, a forma
alta e magra entregando o que está dentro.
Como esperava, o que retiro é uma garrafa de champanhe.
Eu dou a ele um sorriso confuso. — Estamos comemorando?
— Eu pensei que poderíamos. Já que metade do tempo já foi.
— Tempo do que? — Eu pergunto, estudando a garrafa. Não
conheço champanhes, mas sei pelo rótulo extravagante que não foi
barato.
— Metade do tempo — ele repete. — Do nosso acordo pré-
nupcial. Você se mudou em 20 de agosto. O acordo pré-nupcial não
estipula que seja de três meses do calendário, o que significa que
ficaremos livres em 20 de novembro. — Ele bate na garrafa e sorri.
— Isso significa que estamos na metade final dessa confusão.
Dessa confusão.
— Uau — eu digo, lutando para manter meu sorriso no rosto. —
Você certamente tem essas datas decoradas. Você tem todos os
principais marcos grifados no seu calendário?
— Bem, sim — diz ele, parecendo confuso. — Você não?
Concordo, porque marcar meu calendário com a data de término
dessa situação foi uma das primeiras coisas que fiz ao saber da
armadilha estúpida do meu irmão. Mas honestamente? Não olho o
calendário há semanas.
Colin, por outro lado, aparentemente memorizou as datas.
Ele franze a testa. — Você não gostou do champanhe?
— Não, gostei — eu digo, passando o dedo sobre o rótulo. — É
só que é um pouco chocante perceber que alguém está contando os
dias até que nunca mais precise me ver.
— Não foi o que eu disse. Você está colocando palavras na
minha boca.
Alguém precisa – você não é exatamente ótimo em colocar suas
próprias palavras na boca.
— Você vai tomar uma taça comigo? — Eu digo, começando a
me mover para colocar a garrafa em um balde de gelo.
Ele estende a mão e pega a minha. — Charlotte, espera.
Por alguma razão, o toque torna a dor ainda mais aguda, e ergo
os olhos para encontrar os seus, tentando manter a mágoa longe do
meu olhar, mas não tenho certeza se estou conseguindo.
— O que? — Eu pergunto.
Ele não diz nada.
Seu olhar cai para as nossas mãos unidas, uma linha
aparecendo entre as sobrancelhas enquanto ele franze a testa,
como se estivesse surpreso ao perceber que ele está me tocando.
Sua pegada se aperta um pouco, como se quisesse me puxar para
mais perto e estivesse lutando contra o desejo.
Não lute, eu faço um apelo silencioso.
Há algo aqui - algo entre nós que vai além de um green card, do
requisito para a minha herança e de um acordo pré-nupcial. Todo
dia que passa, todas as manhãs compartilhamos ovos e café, toda
vez que consigo fazê-lo rir, tenho mais certeza de que Rebecca não
é a pessoa certa para ele.
Todos os dias, fico mais desesperada para que ele perceba isso.
— Charlotte...
Lembra de algumas semanas atrás, quando quase tivemos um
momento, e a campainha tocou? Bem, acontece de novo. Só que
desta vez, é um telefonema que o faz recuar.
Momento. Destruído.
— Desculpa. — Eu murmuro, pegando meu telefone. Eu atendo,
principalmente como uma oportunidade de me afastar de Colin.
— Ei, Kurt. — Coloco o celular no ouvido e guardo o champanhe
na geladeira, quase certa de que nem Colin nem eu teremos mais
vontade de abri-lo. — E aí?
— Char, graças a Deus você atendeu. — Diz ele com alívio.
— O que aconteceu? — Eu pergunto, porque o tom dele é
dramático até mesmo para ele, e meu cérebro já está filtrando os
piores cenários: estamos perdendo um grande cliente. Um dos
membros da equipe sênior pediu demissão. Incêndio. Inundação.
Algum tipo de desastre.
— Acabei de receber uma ligação muito estranha — diz Kurt às
pressas. — Você se lembra de que, quando comprou seu
apartamento, não queria que seu nome fosse mencionado por
causa da natureza delicada do seu casamento, então Lewis e eu
somos os proprietários oficiais e você nos pagou em dinheiro?
— Sim, Kurt, é claro que eu lembro. — Eu digo, o pânico me
deixando impaciente.
Existem poucas razões pelas quais alguém estaria perguntando
sobre minha situação habitacional em São Francisco, e nenhuma
delas é boa.
Ouço vozes abafadas e reconheço o timbre baixo da voz de
Lewis abafada pelo o que provavelmente é a mão de Kurt sobre o
receptor.
— Kurt! — Eu digo alto. — Quem ligou?
Colin está me observando agora, olhando por cima da pilha de
correspondência que eu ainda não parei para ver. Ele sabe o
suficiente sobre meu acordo de moradia com Kurt para parecer tão
cauteloso quanto eu.
— Charlotte. Oi. — É Lewis quem vem do outro lado.
Eu fecho meus olhos. — Deixe-me adivinhar. São más notícias e
Kurt não queria ser a pessoa a me contar.
— Más notícias não são o forte dele — diz Lewis em sua voz
calma habitual, embora pareça sombrio. — Ele vai tornar tudo pior
do que já é.
— É tão ruim assim?
— O pessoal da Imigração nos ligou, Char. Um cara chamado
Gordon Price queria saber a natureza de nosso relacionamento com
você, mais especificamente, os arranjos de moradia em seu
endereço.
— Ai Deus — eu digo, esfregando minha testa. — Ai Deus. O
que você disse?
— Fomos com o roteiro que combinamos para esse tipo de
situação. Que era a nossa segunda casa e que você era uma amiga
que tinha uma chave e que sabíamos que você ficava lá às vezes,
mas que não podíamos falar sobre a natureza da sua vida pessoal...
— Isso é bom, é perfeito — digo a Lewis. — Eu não quero que
vocês tenham que mentir por mim.
Mesmo que eles já tenham mentido. Eles conhecem a natureza
da minha vida pessoal. Eles sabem que eu não apenas ficava na
“segunda casa” de vez em quando, e sim morava lá até alguns
meses atrás. Meus amigos tiveram que mentir por mim, e esse é o
meu pior pesadelo.
— O que mais esse cara, Gordon Price, disse? Ele está me
investigando? Ou o Colin?
A atenção de Colin está na carta que ele acabou de abrir, mas
ele levanta a cabeça e me encara ao ouvir.
— Eu não sei — diz Lewis com pesar. — Ele tinha uma espécie
de tom agradável e falso, agindo como se ele fosse apenas um
amigo curioso, verificando as coisas.
— Ele era um cachorro passivo-agressivo. — Ouço Kurt anunciar
em segundo plano.
— Ele nos agradeceu pelo nosso tempo e depois desligou —
disse Lewis. — Ele realmente não disse se ligaria de volta ou o que
estava procurando. Sinto muito, Char. Não acredito que depois de
todo esse tempo eles começaram a farejar...
— Está tudo bem, obrigada. Eu tenho que ir — eu digo, sem tirar
os olhos dos de Colin. — Me avisem se ouvirem dele novamente,
ok?
Eu desligo e olho para Colin. — Era o Kurt e o Lewis. Eles
receberam uma ligação de um cara chamado Gordon Price, que de
alguma forma os encontrou e estava fazendo perguntas...
— Gordon Price também nos encontrou — diz Colin, levantando
a carta na mão. — Estamos sendo investigados por uma possível
fraude matrimonial.
CAPÍTULO 28

SEXTA-FEIRA, 16 DE OUTUBRO

— O h Deus, qual era mesmo o nome do seu gato de infância?


Taffy? Taco?
— Taz. — Colin diz pacientemente. — E ele era apenas um
caçador de ratos que vivia no celeiro, não um animal de estimação
amado ou algo assim.
— Você tinha um celeiro? Nós falamos disso? De que cor era?
Vermelho? Por favor diga vermelho, será mais fácil de lembrar.
— Era marrom, e não se preocupe. Eles não vão se importar
com a cor do celeiro dos meus pais ou com um gato sobre o qual
não penso há vinte e cinco anos.
— Mas...
— Lembre-se, mantenha suas respostas simples e honestas
sempre que puder — diz Colin, enquanto coloca uma gravata cinza
em volta do pescoço e começa a amarrá-la. — Se eles perguntarem
sobre o gato, ou por algum motivo, sobre o celeiro, diga a verdade.
Que eu nunca falo sobre o gato e você não conhece nenhum
detalhe sobre o celeiro da Irlanda.
— Você está certo — digo, respirando fundo e sentando no pé
da cama dele. — Você está certo.
— Você quer repassar a explicação de São Francisco de novo?
— Não, essa eu sei — digo, respirando fundo. — Foi uma
escolha difícil, mas decidimos que eu trabalharia em São Francisco
porque a proximidade de Silicon Valley fazia sentido para uma
empresa de redes sociais.
— E eu não pude acompanhá-la, porque minha especialidade é
direito financeiro e meus principais clientes estão na Wall Street.
— Isso. E tentamos nos ver sempre que podemos… — levanto e
começo a andar. — Droga, nós realmente deveríamos ter comprado
passagens de avião de vez em quando. E se..
— Ei. — Colin diz, estendendo a mão e puxando minhas mãos
entre as suas muito maiores. — Lembra do que combinamos. Nada
de “e se?”. Isso não vai ajudar em nada.
Fecho os olhos e aceno com a cabeça, tentando controlar meu
coração acelerado. Faz uma semana desde que recebemos a carta
nos intimando à uma reunião com os Serviços de Imigração em uma
hora. Nos deu uma semana para nos preparar, pelo que acho que
devo agradecer, mas talvez tenha piorado tudo. Minha cabeça está
tão cheia de fatos sobre Colin, sobre nosso relacionamento, sobre
minha própria vida. Tudo está tão embaralhado que na metade do
tempo eu me pego questionando o que é real.
— O que vai acontecer? — Eu sussurro.
— Nós vamos terminar de nos arrumar. Então vamos até o
escritório deles ter uma conversa casual sobre como o nosso
casamento aconteceu e depois eu vou levá-la para tomar uma
bebida.
Eu abro meus olhos. — Você faz isso parecer fácil. Como você
não tá pirando? Além disso, por que você está sendo tão gentil
comigo?
— Só estou tentando suavizar o golpe que vai ser te avisar que
seu vestido está ao contrário.
— O que? — Me empurro para trás, soltando minhas mãos das
dele para puxar o decote do meu vestido. Olho para baixo e gemo
quando vejo a etiqueta me provocando.
— Eu não consigo nem me vestir — lamento. — Como vou fazer
isso?
— Charlotte, você é uma das pessoas mais determinadas e
bem-sucedidas que conheço. Alguma vez você já desejou algo e
não conseguiu?
A pergunta dele me atinge bem no plexo solar, porque até alguns
meses atrás eu diria não. Que não tem nada que eu quisesse que
não tenha conseguido. Mas, olhando para Colin agora, receio que
isso esteja mudando. Que eu o quero mais do que me permiti
admitir, e ele está 100%, totalmente, indisponível.
Dou-lhe um sorriso atrevido e sopro um beijo em sua direção. —
Bom argumento. Já volto.
— Não se esqueça da sua aliança de casamento — ele grita.
Paro e giro, meus olhos arregalados. — Meu Deus. Eu nem
pensei...
Eu bato minha mão na lateral da minha cabeça, entrando em
pânico novamente. — Eu não tenho uma aliança! Quero dizer, eu
tinha aquela barata e feia que você colocou no meu dedo durante a
cerimônia, e eu a usei por um tempo, mas... droga. Eu deveria ter
usado esse tempo todo e... Colin, eu nem sei onde está!
Sinto que devo ressaltar que minha voz subiu cerca de três
oitavos durante esse monólogo, as últimas poucas palavras saindo
estridentes como um chiado de rato
Colin coça o nariz. — Sim. Eu imaginava. Para ser justo, eu
também não pensei nisso. Foi erro de principiante. Estou surpreso
que ninguém tenha mencionado isso durante a festa na sua mãe.
— Eu não — digo com um suspiro. — Todo mundo pensa que
somos ousados, modernos e estranhos. Eles provavelmente
pensaram que era algum tipo de declaração.
Colin vai para sua mesa de cabeceira e pega uma pequena
caixa. Suponho que seja a aliança de casamento dele - uma lisa de
ouro, se bem me lembro, porque ele também não usa aliança. Pelo
menos ele tem uma. Pelo menos um de nós está preparado.
Mas, em vez de colocar seu próprio anel, ele me entrega a caixa
de veludo azul.
— Comprei uma nova para você, caso você tivesse deixado a
sua em São Francisco. Ou simplesmente perdido.
— Oh, graças a Deus — digo com gratidão, abrindo a caixa. —
Você salvou minha bunda...
Paro quando olho para o anel e olho para cima, sabendo que
devo parecer tão atordoada quanto me sinto.
— Não é grande coisa. — Ele murmura.
— Onde você conseguiu isso? — Eu sussurro.
— Você sabe exatamente onde eu consegui.
Eu sei. Hudson. É o mesmo anel que eu estava experimentando
quando ele me encontrou naquela joalheria antiga. Não é parecido.
É exatamente o mesmo anel.
— Quando você...
— Você insistiu em tomar um café antes de voltar para a cidade,
e todo o processo levou quase 45 minutos. Eu voltei na loja e
comprei.
— Não demorou 45 minutos para pegar aquele café. E eu te
disse, eles estavam moendo o grão à mão… — Paro e levanto a
mão. — Quer saber, não importa. O que importa é… — Olho para o
anel, ainda me sentindo um pouco atordoada. — Por quê? Você
poderia ter comprado um por trinta e cinco centavos com aquele
cara estranho que tem uma mesa de bugigangas à venda na rua.
Esse anel custa trinta e cinco centavos vezes mil e mais um
pouco.
Ele encolhe os ombros. — Se você continuar tagarelando sobre
isso, eu vou pegar esse de volta, e o de trinta e cinco centavos da
esquina é exatamente o que você vai ter.
— Ok, ok, calando a boca — digo, colocando o anel e fechando
a mão em punho, caso ele mude de ideia e tente pegá-lo de volta.
— Posso pelo menos dizer obrigada?
— De nada. Agora, pelo amor de Deus, você vai arrumar seu
vestido?
Volto para o meu quarto para fazer exatamente isso, mas tomo
um momento para me recostar contra a porta fechada para estudar
o anel, odiando o quanto eu o amo, odiando o quanto eu gostaria
que ele tivesse me dado esse anel por uma razão que não seja a de
tentar convencer o governo de que o nosso casamento é real.
E, no entanto, isso tem que significar alguma coisa. Ele não
escolheu um anel qualquer, ele escolheu esse anel. Um que eu nem
sequer mencionei que gostei, mas ele me viu experimentando e
soube. De alguma forma, ele sabia o quanto eu amei o anel.
E ele comprou para mim.
Eu aperto minha mão esquerda e fecho a mão direita sobre ela,
fechando os olhos por um momento, querendo desesperadamente
saber o que isso significa.
Colin bate na porta. — Charlotte. Vamos nos atrasar.
— Já vou! — Eu digo, entrando em ação e tirando meu vestido
por cima da cabeça para arrumá-lo. Alguns minutos depois, estou
vestida - corretamente desta vez - e Colin e eu entramos no banco
de trás de um táxi.
O escritório de imigração onde a entrevista ocorrerá não é tão
longe do nosso apartamento quanto eu gostaria. Chegamos muito
antes de eu estar pronta, mas não sei se alguém pode estar pronto
para isso.
— Por que estou mais nervosa do que estava naquela época? —
Digo pelo canto da minha boca enquanto Colin abre a porta.
— Está mais velha. Mais sábia. Tem mais a perder. — Ele diz
baixinho.
Com certeza.
Mas quando entro no escritório, deliberadamente expulso meu
nervosismo.
— Olá. — Digo com um sorriso largo, aproximando-me da
mulher atrás da mesa.
— Boa tarde. — Ela é mais amigável do que você esperaria. —
Como posso ajudá-la?
— Eu sou Charlotte Spencer, e este é Colin Walsh. Gordon Price
requisitou uma reunião conosco?
Debatemos a ideia de nos apresentarmos como Sr. e Sra. Walsh
para parecermos unidos, mas fazer isso em um hotel numa pequena
cidade de Hudson é uma coisa, no escritório do governo é outra
completamente diferente. Uma olhada de dois segundos na minha
identidade me denunciaria como Charlotte Spencer.
Ah, e sim, nossas identidades com o endereço novo chegaram a
tempo. É verdade que, se eles prestarem atenção na data de
emissão, teremos que responder muitas perguntas, mas é muito
melhor do que se eu mostrasse minha carteira de motorista da
Califórnia.
— Ok, vocês já estão registrados — diz a recepcionista,
devolvendo nossas identidades. — Vocês chegaram adiantados,
então o Sr. Price os receberá em alguns instantes.
A sala de espera está vazia, exceto por nós. — Ooh, a Vogue
nova! — Digo, pegando a revista.
Colin olha para ela distraidamente. — Não temos exatamente a
mesma revista na nossa mesa de café?
— Sim, mas ainda não tive a chance de ler. Foi uma semana
movimentada. — Digo a ele intencionalmente, sem encará-lo.
Ele não diz nada porque sabe exatamente o quão ocupada
minha semana foi, já que a dele foi a mesma. Jogando uma espécie
de Trivia personalizada durante o café pela manhã, enquanto
memorizamos as comidas favoritas e histórias importantes da
infância um do outro. Durante o intervalo de almoço, analisamos os
nomes dos principais colegas e os momentos decisivos das nossas
carreiras.
E durante o jantar, definimos nossa... hum, história de amor. O
momento em que nos conhecemos. Primeiras impressões. Como
estávamos nervosos no dia do casamento.
Grande parte é verdade, mas não tudo. Algumas coisas tinham
que ser falsificadas. O primeiro beijo. O momento em que
percebemos que estávamos apaixonados.
A minha resposta falsa para a última? No jantar de Natal quando
eu tinha vinte anos. Nesta versão da nossa história, eu assisti Colin
cortar pacientemente a costela do prato da minha tia artrítica. E para
ser justa, esse momento realmente aconteceu, e eu me lembro de
pensar que foi um gesto muito doce. Mas aos vinte anos, esse não é
exatamente o tipo de coisa que faz o coração de uma garota saltar.
Pelo menos não a garota de vinte anos superficial que eu era.
Esse é o tipo de coisa que faz o coração de uma mulher de 31
anos pular uma batida em retrospecto, mas essa é uma situação
totalmente diferente com a qual eu lidarei mais tarde.
Já Colin se “apaixonou por mim” à primeira vista. Eu vestia um
short jeans curto, uma blusa preta caída no ombro mostrando uma
alça de sutiã rosa e ele ficou caidinho. Alegadamente.
Agora, por mais irritada que eu esteja com meu irmão por toda a
confusão do acordo pré-nupcial, darei crédito a ele onde é devido.
Quando Colin e eu passamos pelo processo de entrevista pela
primeira vez, Justin insistiu que não apenas anotássemos todas as
perguntas e respostas da entrevista palavra por palavra, mas que as
mantivéssemos para garantir que se fossemos questionados
novamente, nossas respostas alinhariam com o que dissemos no
registro da época.
Sua previsão salvou nossas bundas e pode ser o suficiente para
eu perdoá-lo pela pegadinha pré-nupcial. Talvez.
Eventualmente.
A Vogue está aberta no meu colo, mas, apesar de todo o meu
entusiasmo, não vejo uma única foto, muito menos leio uma única
palavra. Meu olhar voa para a minha direita, em direção a Colin
enquanto ele lê algo no celular. Devo pegar sua mão?
Eu deveria. Se estivéssemos de mãos dadas, o papel de casal
apaixonado seria mais crível.
Ou será que pareceria que estamos tentando demais?
Mas se não tentarmos, eles suspeitarão? Talvez se eu apenas
descansar casualmente minha mão na perna dele...
— Charlotte Spencer e Colin Walsh? — Nós dois saltamos de
pé. A Vogue bate na mesa com um barulho alto.
— Olá. Eu sou Gordon Price, podem entrar.
Gordon Price parece muito com o que você esperaria. Altura
média, porte médio. Seu cabelo é castanho; sua camisa azul xadrez
está um pouco apertada demais dentro da calça social azul marinho
que está um pouco alta demais.
Tecnicamente, o escritório é o mesmo de quando viemos pela
primeira vez há dez anos, mas não reconheço nada. Não tenho
certeza se é porque eles fizeram uma repaginada ou porque estava
cega de terror. Exceto que não me lembro de estar tão assustada. É
como eu disse a Colin, naquela época eu estava um pouco nervosa,
mas não petrificada como agora.
Colin está certo. Idade e sabedoria são uma merda. Aos vinte e
um anos, realmente não me ocorreu que algo na minha vida não
funcionaria da maneira que eu queria. Agora, eu não estou nem
perto de ter certeza disso.
— Obrigado por virem. — Diz Gordon, levando-nos a um
pequeno escritório que cheira a café velho. Ele gesticula para nos
sentarmos.
Price espera até estarmos sentados, seu olhar passando
rapidamente entre nós dois antes que ele nos dê um sorriso sem
graça. — Vocês estão se perguntando por que estão aqui. Por que
vocês receberam aquela carta.
— Sim — diz Colin, enquanto aceno com a cabeça, lembrando
que, para o propósito desta entrevista, concordamos em fazer as
coisas no estilo de Colin. Menos é mais; sem falar muito.
— Bem, eu vou direto ao assunto — diz Price. — Recebemos
uma carta. Um e-mail, na verdade. Alguém fez a sugestão de que
talvez o casamento de vocês tenha acontecido devido ao desejo do
Sr. Walsh de se tornar um cidadão americano.
— Quem? — Eu exijo. — Quem mandou isso?
— Charlotte — diz Colin em tom de aviso baixo.
Price sorri, e isso não é um sorriso gentil, mas também não é
maldoso. Para ser justa, não acho que esse cara queira estar aqui
mais do que nós, ele está apenas fazendo seu trabalho.
— Receio que sejam informações confidenciais, mas levamos
essas alegações a sério e fazemos a devida diligência no
acompanhamento. Muitas vezes, recebo toda a garantia de que tudo
está bem com um pouco de minha própria pesquisa. Mas com vocês
dois, tenho que admitir que algumas coisas me pareceram um
pouco estranhas. É por isso que vocês estão aqui hoje. — Ele pega
um arquivo em sua mesa. — Agora, Sra. Spencer - é Spencer,
certo?
— Sim. Eu mantive meu nome de solteira. — Digo, depois mordo
o interior do meu lábio para não falar sobre como não há motivo
para pedir desculpas e muitas mulheres fazem isso nos dias de
hoje.
— Sra. Spencer, estou entendendo corretamente que sua
residência principal tem sido na Califórnia?
Oh céus. Eu engulo. — Sim.
— E Sr. Walsh. Você mora aqui, integralmente. Em Nova York.
— Sim.
Price fecha a pasta novamente e se recosta na cadeira, nos
estudando. — Esse sempre foi o caso?
— Principalmente — diz Colin casualmente. — Charlie voltou
para a cidade há algumas semanas.
Charlie. Bom toque, embora nunca o tenha ouvido me chamar
assim.
— Por quê? — Price pergunta.
— Perdão? — Colin pergunta educadamente.
— Por que você voltou? — Price aborda a questão para mim.
Dou a ele o sorriso triste que venho praticando no espelho há
dias. — Maturidade, eu acho. Eu sempre fui muito motivada em
minha carreira e, se estou sendo sincera, fiz disso prioridade nos
últimos anos. Meu trabalho precisava de mim na Califórnia, então eu
estava na Califórnia.
— E isso mudou?
— Sim. — Pelo menos nisso eu posso responder honestamente.
— Meus pais moram aqui, e me ocorreu que eles não estão ficando
mais jovens. E Colin está aqui, e percebi que quero um tipo de
casamento diferente do que tivemos na última década.
Os olhos de Price se estreitam. — Um tipo diferente de
casamento... Para ser honesto, o que vocês dois têm não se parece
com casamento algum.
Ooof. O homem tem dentes surpreendentemente afiados.
Ele continua, recitando fatos que já sabemos, mas que soam
péssimos em voz alta. — Vocês vivem em diferentes costas. Com
três horas de diferença. Senhora Walsh, você fundou uma empresa
de rede social muito bem-sucedida, é bastante ativa nas redes
sociais e, no entanto, não há uma única menção ou foto de seu
marido. O status do seu relacionamento nem é mencionado.
— Rede social é o meu trabalho. Eu deliberadamente mantenho
minha vida privada em particular.
Gordon Price me encara com firmeza, e tento manter meu olhar
firme, mas sem confrontos. Nada para ver aqui.
Seus olhos voltam para Colin. — Sr. Walsh, quantas vezes você
foi à Califórnia visitar sua esposa?
— Não tantas quanto eu gostaria.
Boa resposta. Ele é bom nisso.
— Tenho certeza. Mas quantas vezes? Me dê uma estimativa. —
Gordon diz com um tom enganosamente casual.
Merda. Merda.
Colin faz uma pausa longa. — Não viajei muito para a Califórnia.
— Hmm. — Price diz com um sorriso fraco. — Eu também não
sou muito fã da ponte Golden States. Então, Sra. Spencer. Você
deve ter sido a única a viajar de volta para Nova York.
Menos é mais; não tagarele.
Eu concordo com a cabeça, mesmo quando meu coração bate
forte. Eu sabia que isso aconteceria, mas esperava que teria
algumas perguntas fáceis para aquecer antes. Em que lado da
cama ele dormia. O nome do chefe dele. O que ele me deu no
Natal.
Droga, eu sei o nome do gato que ele tinha na infância e que ele
tinha um celeiro marrom! Me pergunte isso!
Gordon Price não me pergunta isso.
— Senhora Spencer, quantas vezes você voou para Nova York
durante todo o seu casamento? Eu tenho acesso aos registros de
voo e, se os registros estiverem corretos, isso significa que você fez
três viagens ao JFK. Três. Em dez anos. E ele não voou para vê-la
nenhuma vez?
Isso não está indo bem. Isso realmente não está indo bem.
Está na hora do plano B. Um plano B que eu meio que não
mencionei para Colin. Ele não vai gostar.
Mas é necessário.
Solto um soluço ofegante e coloco a mão sobre a boca, como se
desejasse poder puxá-lo de volta. — Eu sinto muito. Eu não
deveria... eu prometi...
O olhar de Gordon Price afia. — Sra. Spencer, se tem algo a
dizer, será melhor para você dizer agora do que mais tarde.
Olho nervosamente para Colin, cujos olhos se estreitam, porque
especificamente concordamos em não nos olhar durante a
entrevista em busca de respostas, sabendo que nos faria parecer
nervosos.
Mas tudo faz parte do plano B.
Meu queixo treme.
Esqueça São Francisco. Eu deveria ter me mudado para
Hollywood, porque, baby... estou prestes a merecer um Oscar.
Olho para o oficial de imigração. — Eu continuo pensando que
vai ficar mais fácil... — Dobro meus lábios para dentro e pressiono
meus dedos contra eles, como se eu contivesse outro soluço antes
de respirar fundo e de continuar Oh-tão-corajosamente. — Eles
dizem que o tempo cura todas as feridas, sabe, e cura um pouco,
mas às vezes é como se eu voltasse lá, e dói tudo de novo...
Price se inclina para frente. — Senhora Spencer...
— Você é casado, Sr. Price?
Ele está usando um anel, então estou bastante confiante em
minha tática aqui.
Ele assente. — Eu sou.
— Então me conte. Se você encontrasse a pessoa por quem se
apaixonou - a pessoa com quem se casou - te traindo... Você
gostaria de vê-la? Você pegaria um voo para o outro lado do país,
sendo forçado a ser inundado pelas lembranças, pelas imagens
mentais das mãos dela em outra pessoa?
Gordon Price pisca surpreso. — Você está dizendo que o
motivo...
— O que você está vendo não é um casamento ilegal, Sr. Price.
Apenas um bom relacionamento à moda antiga, que foi interrompido
por um caso e a lenta e meticulosa tentativa do casal de reconstruí-
lo novamente.
CAPÍTULO 29

SEXTA-FEIRA, 16 DE OUTUBRO

— N ão sei se te mato ou aplaudo. — Diz Colin, ainda


parecendo atordoado uma hora depois de deixarmos
nossa entrevista.
— Aplauda e compre bebidas. É o mínimo que você pode fazer
após o estrago causado na minha maquiagem com essa
performance. — Eu digo, gesticulando para meus olhos ainda
vermelhos e inchaço geral.
— Onde você aprendeu a chorar desse jeito? — Colin pergunta,
levantando a mão para chamar a atenção do barman.
— Na verdade, nunca tive que fazer esse ato antes. Eu apenas
fiz o clichê. Você sabe, pensar na coisa mais triste que puder.
— A morte da Dalila? — Ele pergunta, referindo-se à minha
peixinha dourada da segunda série que viveu tanto quanto um peixe
dourado normalmente vive. Dalila estava nos meus cartões para
memorizar.
Balanço a cabeça. — Essa não foi a coisa mais triste. Me
lembrei de quando meu irmão arrancou a cabeça de um brinquedo
favorito e o sistema hidráulico ligou imediatamente.
— Qual era o nome dele?
— Do meu irmão?
Ele sorri. — Do brinquedo.
— Ah. O nome dela… Ariel. Eu estava em uma fase da Pequena
Sereia. Mas você não precisa mais memorizar fatos sobre Charlotte,
lembra?
— Não foi por isso que perguntei — diz Colin suavemente,
voltando sua atenção para o garçom que o espera. — Duas
Vespers, por favor. Ok? — Ele olha para mim em busca de
confirmação e eu aceno, irritada comigo mesma com o quanto gosto
do fato de termos uma bebida exclusiva juntos.
A desvantagem é que nunca poderei tomar essa bebida sem
pensar nele. Eu me pergunto se ele pensará em mim. Daqui a cinco
anos, ele e Rebecca estarão bebendo suas Vespers enquanto
conversam sobre para onde enviar o pequeno Colin Junior à pré-
escola?
Eu torço o nariz. É, eu não quero pensar nisso.
— Você poderia ter me avisado.
— Humm? — Volto minha atenção para Colin.
— Sobre a entrevista. Você poderia ter mencionado seu plano de
colocar a culpa da nossa distância na minha infidelidade.
— Eu poderia — digo com um sorriso. — Mas eu queria o fator
surpresa. Além disso, imaginei que você me diria para não fazer
isso, e então teríamos brigado. E então eu faria de qualquer
maneira, e estaria certa, e você estaria na posição muito
desconfortável agora ao ter que admitir que estava errado. Então,
de nada.
Há um mês, tenho certeza de que minha lógica balbuciante me
daria um olhar severo, mas agora ele balança a cabeça levemente e
quase sorri. — Sua imaginação é um espetáculo.
— Mas você teria me dito para não te transformar num traidor.
Estou certa?
— Provavelmente — ele admite. — Não posso dizer que amei
ser o vilão. Price estava me dando olhares julgadores enquanto te
entregava lenços.
— Sinto muito por isso — digo, não sentindo muito. — Imaginei
que o objetivo dessas entrevistas da imigração é provar que as
pessoas se casaram por causa de seu coração, não por status de
cidadania. Então, pensei, por que não mostrar um coração partido?
Refiz sua imagem de um imigrante irlandês para um traidor.
Colin estremece. — Eu adoraria que parasse de me chamar
assim.
— Certo, desculpe — digo, sorrindo em agradecimento enquanto
o barman coloca um coquetel gelado na minha frente. — Mas
dissemos que contaríamos a verdade sempre que possível. E você
está apaixonado por outra mulher, então não é mentira.
— Exceto a parte em que você está completamente de coração
partido por esse fato. Isso é uma mentira.
Hesito por apenas uma fração de segundo. — Certo. Então havia
uma pequena mentira. Mas funcionou, então... Saúde?
Eu levanto meu copo e sorrio, mas Colin não retribui o sorriso.
Ou o gesto.
— Sobre Rebecca. Eu preciso te contar uma coisa. — Ele diz.
Lá vamos nós. Tomo um gole grande da minha bebida e a coloco
de volta no balcão. — Ok.
— Você sabe que ela tem tido problemas com essa situação
toda.
Para dizer o mínimo. — Sim.
Ele coça a têmpora, parecendo estranhamente nervoso. —
Acabei contando a ela sobre nossa viagem ao norte do estado há
algumas semanas. Não parecia certo manter isso em segredo.
— Estou assumindo que ela não ficou muito feliz.
— Não. E não muito tempo depois dessa conversa, ela
encontrou um amigo dela. Um ex.
Meus olhos se arregalam. — Meu Deus. Ela dormiu com ele? Ela
te traiu? Oh meu Deus, poderiam fazer um filme sobre nós. Ou uma
novela mexicana.
— O que? Não, ela não me traiu. — Ele faz uma careta. — Por
que você automaticamente assume isso? Ela encontrou seu ex em
um restaurante logo depois que ela e eu brigamos. Eles se
sentaram para conversar, beberam muito vinho...
— Desculpe, mas como isso não está levando a uma história de
traição?
Ele solta um suspiro impaciente. — Enfim. Ela contou a ele sobre
as circunstâncias do nosso casamento. As circunstâncias reais. E
tenho certeza de que o homem ainda tem sentimentos por Rebecca,
e ele nunca gostou de mim. Rebecca teme que ele tenha enviado o
e-mail aos Serviços de Imigração, e acho que ela provavelmente
está certa.
— Droga. — Tomo outro gole da minha bebida.
Colin olha para mim. — Isso é tudo que você tem a dizer?
— O que você quer que eu diga?
— Você não está brava?
— Com ele? Eu nem conheço o cara.
— Comigo. Por confiar em Rebecca. Com ela, por contar para o
ex e provavelmente resultar em todo esse processo de entrevista?
Eu dou de ombros. — Quero dizer, a situação é péssima, mas eu
estou brava? Não, na verdade não. Você achou que eu ficar furiosa?
— Eu olho para ele. — Oh meu Deus, você achou!
Ele me olha por um longo minuto. — Você nunca é o que eu
acho que vai ser.
Eu levanto meu copo. — Obrigada!
Colin revira os olhos e depois me pega desprevenida,
estendendo a mão e colocando a mão no meu cabelo, me puxando
em sua direção. Ele pressiona um beijo rápido na lateral da minha
cabeça. É um pouco fraterno no começo, mas o jeito que ele fica,
me segurando perto, não é.
— Obrigado. — Ele sussurra no meu cabelo.
— Por? — Minha voz também é um sussurro.
Eu o sinto balançar a cabeça rapidamente. — Eu não sei. Por
ser você, eu acho.
Eu corro meu polegar sobre minha aliança de casamento e fecho
meus olhos com força. A profundidade do quanto cheguei a me
importar com esse homem nos últimos dois meses me deixa sem
fôlego.
E o tanto que eu quero que ele se importe comigo também
quase me quebra.
Em vez disso, penso em Rebecca.
Eu me afasto e dou um sorriso rápido para ele. — Se você parou
de ser esquisito, podemos brindar pela nossa vitória? Foi uma
vitória, certo? Price acreditou?
— Pareceu que sim. E ele não me arrastou para ser detido — diz
Colin, tamborilando com os dedos contra o balcão. — Mas ainda
temos mais duas entrevistas. Uma delas é uma visita domiciliar.
— Sim, eu tenho pensado nisso — eu digo, apertando meus
lábios. — Eu tenho algumas ideias. Na sua opinião, quais são as
chances de você receber aquela mesa antiga mais cedo?
CAPÍTULO 30

E
DOMINGO, 25 DE OUTUBRO

u não tenho realmente evitado meus pais, mas Colin e eu


concordamos em deixá-los fora da bagunça em que nos
metemos o máximo possível, então perdemos os últimos jantares de
domingo.
Neste domingo, minha mãe não vai aceitar.
Colin e eu fomos convocados. O tipo de convocação obrigatória
e materna que é muito mais assustadora do que qualquer carta
ameaçadora do governo que o acusa de fraude matrimonial.
Chegamos à casa dos meus pais há alguns minutos, onde Colin
foi imediatamente encarregado do trabalho invejável de mostrar a
meu pai como atualizar o Microsoft Office em seu Mac, o que
normalmente seria o meu pesadelo, mas supera minha tarefa, que é
um concurso de encarar com minha mãe.
Fico um pouco surpresa quando ganho. Ela solta um suspiro de
desagrado e toma um gole de seu Chardonnay. — Eu juro,
Charlotte, às vezes simplesmente não sei o que fazer com você.
— Estou aqui há dez minutos e tudo o que fiz foi elogiar seu
novo batom. Como já estou com problemas?
— Você vai me dizer o que está acontecendo?
Tomo um gole da minha água com gás. — Nada está
acontecendo.
Ela parece perturbada. — Eu pensei que estávamos
progredindo, e agora você está escondendo coisas. É a situação
com a Rebecca? — Ela pergunta, seu tom implicando que ela se
intrometeria e removeria a situação se eu pedisse.
Bem que eu queria.
Se eu não a estivesse observando de perto, teria perdido - a leve
queda de seus ombros diante do que ela considera minha rejeição,
antes que ela os endireite novamente e finja um fascínio por sua
pulseira.
— Mamãe. — Espero até que ela olhe para mim. — Eu não vou
te excluir. Eu prometo. Só que Colin e eu nos metemos numa
confusão com os Serviços de Imigração...
Seus olhos se arregalam em alarme, e eu corro para tranquilizá-
la. — Está tudo bem. Estamos lidando com isso. Mas estamos
tentando manter todos o mais longe possível da situação. Se eles
escolherem entrevistar você e o pai, quanto mais vocês puderem
recorrer à Quinta Emenda, melhor.
Ela fica em silêncio por um longo minuto, considerando isso, e
então ela finalmente concorda. — Mas se houver algo que seu pai
ou eu possamos fazer, você nos informará?
— Sim.
— Que bom. Agora. E a situação com a Rebecca?
Solto uma risada exasperada, mesmo quando meu olhar voa
para a porta, certificando-me de que Colin ainda está fora do
alcance da voz, no escritório do meu pai. — Eu já te disse...
— Que você não ia me excluir — ela interrompe, me prendendo
em minhas próprias palavras. — O que está acontecendo?
— Nada. Não, de verdade — digo antes que ela reclame de
novo. — Colin e Rebecca ainda estão noivos.
— Eles estão noivos?
Eu estremeço. — Eu não mencionei da última vez que
conversamos?
— Não, Charlotte, você não mencionou. Eu não posso acreditar,
como ele poderia pedir a mão dela enquanto ele ainda é casado
com você?
— Não acho que tenha sido um pedido, mas um acordo. Mas,
independentemente disso, eles vão se casar de verdade, assim que
ele e eu nos divorciarmos.
— E como você se sente sobre a situação?
— Como me sinto sobre a situação?
— Ninguém gosta de um eco, querida.
Abro a boca, uma resposta afiada na ponta da minha língua.
Então eu choco nós duas.
Começo a chorar. Não as dramáticas lágrimas falsas que fazem
o queixo tremer daquele dia no escritório de imigração, mas
lágrimas reais e verdadeiras.
O tipo que vem da parte mais profunda de você, o tipo que
revela seus segredos mais escondidos.
— Charlotte. — Minha mãe faz um tsc com a boca quando se
senta ao meu lado e me puxa para ela.
E eu deixo. Deixo que ela me segure contra o peito enquanto me
agarro ao braço dela com uma mão, minha outra cerrada em punho
enquanto eu tento fazer as lágrimas pararem, mas sem sucesso.
Em vez de me atormentar para explicar meu colapso, ela
simplesmente me abraça, alisando meu cabelo de vez em quando
enquanto me deixa chorar.
— Eu nem sei por que estou chorando — eu digo, quando
finalmente consigo falar.
— Sim, querida. Sim, você sabe. — Ela dá um tapinha na minha
cabeça enquanto diz isso e ela está certa.
Eu sei exatamente o que está errado. Eu sei exatamente de
onde essas lágrimas estão vindo.
Todo esse tempo eu estive tão concentrada em tentar fazer Colin
gostar de mim, que não me preocupei em me proteger de uma
realidade muito mais destrutiva: que eu poderia começar a amá-lo.
— Sinto que não aguento mais — sussurro. — Quando eles
estão juntos, sempre que ele a vê, é insuportável.
— Você contou para ele?
Faço um ruído entupido e bufante, já que meu nariz está
entupido de tanto chorar.
— Então, isso é um não. — Diz ela.
— Isso é definitivamente um não.
— Eu acho que talvez você deva — diz ela, colocando-me
gentilmente de volta na posição sentada. — Colin merece ter todas
as informações. Ele merece saber que você se importa.
Balanço a cabeça. — Não seria justo. Não posso entrar na vida
dele depois de dez anos e virar tudo de cabeça para baixo. Pelo
menos não mais do que eu já virei. Ele já teve um Spencer
atrapalhando o bom relacionamento que ele tinha com Rebecca
quando Justin escreveu esse acordo estúpido. Não vou piorar as
coisas para ele.
— E você acha que contar a ele como se sente tornaria a vida
dele pior?
— Eu sei que tornaria — eu digo com uma confiança miserável.
— Ele não se sente assim por mim, mãe. Quero dizer, ele não me
odeia mais, então já é um progresso. Eu diria que, na melhor das
hipóteses, ele me tolera agora.
— Você é uma tola por deixar um homem assim ser tirado de
você bem debaixo do seu nariz.
Eu esfrego minha têmpora. — Acho que a parte simpática e
carinhosa da noite acabou.
— Vocês são bons juntos. Bons um para o outro — mamãe diz,
pegando minha mão e apertando-a com força. — Por que você acha
que eu dei aquela festa? Por que você acha que eu estava tão
determinada a fazê-lo parte dessa família? É porque vi a mesma
coisa que seu irmão viu naquela época. Potencial.
— Respeitosamente, vocês são loucos. Naquela época, Colin e
eu mal nos olhávamos quando estávamos na mesma sala.
— Dez anos atrás, talvez. Mas agora? Eu vejo vocês se olhando.
— Ela diz com uma expressão presunçosa.
Esfrego minha têmpora com mais força. — Uhul. Um enigma.
Um que eu fui felizmente salva de ter que resolver, quando meu
pai e Colin se juntam a nós na sala de estar. Os dois homens param
quando nos veem. Bem, especificamente eu, e meu rosto não tão
bonito manchado de lágrimas.
— Qual o problema? — Papai pergunta em alarme.
— Hormônios. Estou menstruada — digo automaticamente,
sabendo por experiências passadas que não há maneira mais
rápida de fazer meu pai parar de fazer perguntas e evitar a
conversa.
Como esperado, seus olhos se arregalam um pouco e ele dá um
aceno estranho antes de seguir para o bar.
Colin, no entanto, não é tão facilmente enganado. Seus olhos se
estreitam em mim um pouco. Eu tento segurar seu olhar e adotar
uma expressão alegre, como se realmente fosse apenas uma
flutuação hormonal, mas no segundo em que nossos olhos travam,
percebo meu erro e desvio o olhar.
Eu não tenho a casca de tartaruga protetora dele. Não tenho
certeza de que ele não será capaz de olhar nos meus olhos e
descobrir todas as emoções que passam por mim. Emoções com as
quais tenho certeza de que ele não quer nada.
A conversa fiada mundana da minha mãe, que uma vez recebeu
o meu desdém, agora é a minha graça salvadora, e começo a
respirar um pouco melhor. Nós quatro sentamos na mesa de jantar e
a conversa se volta para tópicos mais seguros, como a neve fora de
estação esperada para a próxima semana, e se eles terão ou não
mais crianças fantasiadas para o Halloween este ano do que no ano
passado.
Pelo menos, acho que estou salva. Mas quando finalmente
consigo arriscar um olhar para Colin, minha respiração fica ofegante
novamente, porque ele está me observando. Com base na
intensidade do seu olhar, não tenho certeza se ele parou de me
observar em algum momento.
As palavras de minha mãe apenas alguns minutos antes voltam
para mim.
Eu vejo vocês se olhando.
Quer saber? Eu resolvi o enigma no final das contas.
A questão é... o que faço com a resposta?
CAPÍTULO 31

A
QUINTA-FEIRA, 29 DE OUTUBRO

lguns dias depois, estou de quatro com a bunda no ar


quando Colin chega em casa.
Não é o que parece.
— Charlotte?
Eu pulo com a voz inesperada, batendo a cabeça no fundo da
mesa e me abaixando com um gemido enquanto coloco a mão no
meu crânio latejante.
— Droga. — Sua voz está mais urgente agora, quando ele
atravessa o quarto e se agacha. — Charlotte.
Eu resmungo e abro um olho, ainda embalando meu crânio. — O
que?
— O que você está fazendo aí embaixo? — Seu tom é um pouco
repreensivo, mas seus olhos estão preocupados, seu toque suave
enquanto seus dedos roçam sobre meu cabelo. — Você está bem?
— Vá embora.
— Você é tão cabeça dura que estou surpreso que a mesa não
que quebrou. Quantos dedos estou mostrando?
— Eu sei quantos eu estou mostrando — eu digo, puxando
minha mão da minha cabeça para mostrar meu dedo do meio
— Que simpática. Vamos lá — ele diz, envolvendo as mãos em
volta do meu braço e me puxando de debaixo da mesa. — Ouso
perguntar o que você está fazendo no chão?
— Eu estava conectando sua nova lâmpada de mesa.
Deixo que ele me levanta, mas afasto suas mãos quando ele
começa a bagunçar meu cabelo, procurando um calo na minha
cabeça. — Pare. Estou bem. Demorei uma eternidade para arrumar
meu cabelo assim, e você está bagunçando tudo.
— Parece o mesmo de sempre. — Diz ele, dando ao meu cabelo
um olhar cético.
— Você é realmente um cara. Eu alisei mais do que o habitual. O
cabelo liso diz que sou uma profissional respeitável, com um lado de
esposa amorosa.
— Eu vejo. E o que seu cabelo velho dizia?
— Empresária atrevida que não estava prestes a ser presa por
um homem.
Ele olha novamente para o meu cabelo e balança a cabeça. —
Não. Eu não captei nada disso.
— Você está bonita, Charlotte — murmuro. — Obrigado por
montar meu escritório, Charlotte. Nós vamos arrasar nessa
entrevista, Charlotte.
Colin olha ao redor do quarto, parecendo vê-lo pela primeira vez,
com um olhar surpreso em seu rosto. — Há quanto tempo eu estou
fora? Nem parece o mesmo cômodo.
Dobro meus joelhos em uma rápida reverência. — Essa é a
outra coisa que esse penteado diz: decoradora extraordinária.
Na verdade, eu não fiz muito do trabalho real. Eu chamei alguns
carregadores às dez da manhã para transportar toda a mobília do
quarto que estava aqui. Às onze da manhã, a mesa antiga de Colin
foi entregue. Depois de quarenta e cinco minutos para libertar a
maldita coisa dos quilômetros de plástico bolha em que ela estava
envolvida, o segundo conjunto de carregadores chegou com o
restante da mobília de escritório: uma cadeira ergonômica, duas
poltronas azul marinho, uma mesinha, um carrinho bar de cobre,
uma estante de livros, um globo antigo e até uma planta Ficus.
Eu checo meu relógio. Temos uma hora até Gordon Price chegar
aqui para a entrevista domiciliar, e as borboletas que eu mantive
afastadas o dia inteiro, me ocupando mudando meu quarto para um
escritório, começam a voar no meu estômago.
Eu respiro fundo. — Ok. Só preciso colocar alguns livros na
estante e acho que estamos prontos. Bem, tão prontos quanto
possível.
— Tem certeza de que sua cabeça está bem? — Colin pergunta,
se agachando ao meu lado na estante, ajudando-me a mover a pilha
de livros do chão para as prateleiras.
— Positivo — eu digo, já que a dor recuou quase totalmente. —
Foi só uma batida.
Ele olha para o livro na mão e vira para que eu possa ver a capa.
O Guia da Mulher Moderna para Liderança. — Não me lembro de
ter esse na minha coleção.
— Alguns dos livros têm que ser meus — aponto. — Eu deveria
morar aqui também e posso garantir que não tocaria na sua coleção
de Edgar Allan Poe. Será estranho se o cômodo for totalmente
masculino, só com suas coisas.
— É por isso que há um grampeador rosa brilhante na minha
mesa?
— Nossa mesa — eu digo, dando um tapinha em seu joelho e
me levantando. — Pelo resto da tarde, é nossa mesa. Nosso
escritório. Nossa casa. — Eu o observo. — Você deveria se trocar
para algo mais confortável.
Ele levanta as sobrancelhas.
— Relaxa. Não estou tentando entrar nas suas calças. Parece
que você veio direto do escritório.
— Eu vim direto do escritório. Algo que Gordon provavelmente
entenderá já que marcou a reunião às três da tarde em uma quinta-
feira.
— Ainda assim, não devemos parecer um pouco mais...
domésticos?
— E isso significa o que? Calça jeans da Levis e chinelos?
— Se eu dediquei um tempo para alisar meu cabelo bestial, —
digo, apontando para minha cabeça — o mínimo que você pode
fazer é tirar o terno e a gravata.
— Certo.
Ele entra no quarto e eu dou uma última olhada no escritório.
Nada mal - eu posso praticamente imaginar Colin atrás da mesa
antiga trabalhando, talvez nós dois lendo lado a lado nas cadeiras,
minhas pernas caídas casualmente sobre os joelhos dele...
Espero que Gordon Price possa imaginar isso também.
A pilha de correspondência parece um pouco arrumada demais,
então eu a pego e a largo novamente, deixando envelopes e
catálogos se espalharem um pouco, como se um de nós tivesse
apenas jogado lá, como um casal normal faria.
Acendo o abajur e saio do cômodo, entrando no quarto. Nosso
quarto. Porque convencer Gordon Price de que dormimos na
mesma cama é meio que essencial se quisermos que ele pense que
estamos tentando fazer esse casamento funcionar.
Daí a rápida transformação do segundo quarto para um
escritório.
Eu sabia durante toda a semana o que estava por vir, mas agora
percebo que a ideia de compartilhar um quarto com Colin é
totalmente diferente de ver isso na prática. Ou talvez eu não tenha
me deixado pensar sobre o quão íntimo seria. É um pouco estranho
ver minha garrafa de água e o meu Kindle em uma mesa de
cabeceira e a caixa de óculos e o livro dele na outra.
E então, há a minha gilete em seu chuveiro. Nossas escovas de
dente lado a lado em seu banheiro.
— Charlotte? — Ele chama do closet.
— Humm?
Vou para o closet onde ele está de pé com a mão nos quadris. —
O que é tudo isso?
— Minhas roupas — eu digo, apontando o óbvio. — Se minhas
roupas estivessem no closet do segundo quarto, haveriam
suspeitas.
— Verdade. Mas por que é tão...
— Vívido? — Eu digo.
— Bagunçado.
— Bem, acredite ou não, algumas pessoas têm um guarda-roupa
que contém mais de duas cores.
— Você não tem um sistema?
Eu pisco. — Um sistema? Para um closet?
Ele gesticula para as roupas penduradas ao acaso. — Para
organizá-las de alguma forma. Cor? Estação? Tecido?
— Não, querido. Eu não tenho um sistema.
— Às vezes eu não sei como você sobrevive ao dia. — Ele
resmunga.
— Ooh, isso é bom — eu digo. — Reclame sobre isso com o
Gordon. Queixa clássica de casamento. A aberração arrogante que
tenta domesticar o espírito livre.
— Uma maneira interessante de expressar o fato de que você é
uma relaxada.
— Só porque eu não alfabetizo minhas roupas por marca não me
torna uma relaxada — argumento com o exagero. — Você age
como se minhas coisas estivessem espalhadas pelo chão. Minhas
roupas estão penduradas!
— Os cabides nem combinam.
Meus olhos se arregalam e se estreitam quando vejo seu
sorrisinho. — Ah, isso é realmente fantástico. Você conta piadas
agora.
— É o único jeito que eu consigo pensar para lidar com a dor
disso. — Diz ele, gesticulando para o meu lado do closet, que, devo
admitir, se comparado ao lado dele, parece um pouco caótico.
— Vou lhe dizer uma coisa — digo. — Se passarmos neste teste,
deixarei você reorganizar minhas roupas do jeito que quiser.
— Se passarmos neste teste, vou poder tirar suas roupas do
meu closet.
Fico feliz que ele ainda esteja de costas para mim, porque me
encolho com a lembrança de como ele está ansioso para se livrar de
todas as minhas coisas. — Certo.
Eu saio do closet. — Ok, então você dorme do lado esquerdo da
cama, e eu do lado direito. Ou dormimos no meio? Ficamos de
conchinha?
Ele emerge do closet. Ele ainda está usando gravata, mas
deliberadamente a afrouxou, tirou o paletó e arregaçou as mangas
da camisa até os cotovelos. — Eu acho difícil que os Serviços de
Imigração perguntem se ficamos de conchinha.
— Especialmente porque você é um traidor. — Eu digo, virando-
me para ele.
— Sim, sobre isso... O que você está fazendo? — Ele pergunta
alarmado quando eu estico a mão para sua camisa.
Eu puxo uma lateral dela, a levantando até que a camisa dele
esteja apenas levemente dentro da calça.
— Tentando fazer você parecer relaxado — eu digo. — Como se
esse fosse o seu refúgio, e quando entra pelas portas, finalmente
pode se soltar.
— Não posso me soltar com minha camisa para dentro das
calças?
Balanço a cabeça. — Não me admira que nosso casamento
esteja desmoronando.
Me sento no meu lado da cama e esfrego o local ainda
ligeiramente dolorido na minha cabeça, onde bati na mesa.
Ele me dá um olhar preocupado. — Você tem certeza que está
bem?
Eu abaixo minha mão. — Minha cabeça está bem. Mas eu tenho
borboletas no estômago.
— Por causa da entrevista?
Eu concordo. — Não acho que minhas habilidades de atuação
sejam tão boas. Não faço ideia de como interpretar o papel de uma
mulher que se apaixonou pelo melhor amigo do irmão há dez anos,
se casou com ele por capricho, ficou de coração partido quando ele
a traiu, fugiu para a Califórnia, ficou lá por orgulho, e depois voltou
para tentar bravamente consertar as coisas. Tudo isso enquanto ao
mesmo tempo tento mostrar sinais de que não está funcionando,
para que não haja um choque total quando você pedir o divórcio em
um mês.
Ele lentamente se senta na cama ao meu lado. — Bem. Graças
ao seu desempenho estelar na semana passada, acho que
provavelmente será melhor se você pedir o divórcio.
— Eu simplesmente não conseguia superar a traição. — Digo
com uma voz trêmula, como se estivesse me segurando para não
chorar.
Ele sorri tensamente, mas não responde.
Olho para minhas mãos. — O que Rebecca acha disso tudo?
— Ela ficará tão feliz quanto nós quando tudo acabar.
Mais ainda, provavelmente. — Ela sabe sobre... — Eu aponto
meu polegar para trás, em direção à cama em que estamos
sentados.
— Que eu vou dormir no sofá hoje à noite?
— Eu já te disse que posso dormir no sofá. É a sua cama.
Ele balança a cabeça. — Não. Você já fez mais do que o
suficiente.
— Certo. O escritório. — Eu digo. Minha voz soando monótona
até para meus próprios ouvidos.
— Eu me referi ao seu esforço com seu cabelo. Você está certa.
Olhando melhor, percebo o que você quis dizer. Está praticamente
gritando felicidade doméstica.
Sorrio porque sei que, em uma rara inversão de papéis, ele está
tentando me animar, apesar de nem eu saber exatamente por que
estou me sentindo tão para baixo. Ou melhor, eu sei. Só não sei o
que fazer com isso.
Não percebo que estou girando minha aliança no dedo até ver
Colin observando o gesto distraído, sua expressão escurecendo
levemente, e me pergunto se ele está arrependido de ter me dado o
anel.
— Você pode ficar com ele quando terminarmos. — Eu digo.
Ele franze a testa. — O que?
Eu levanto minha mão esquerda. — É demais. Eu sei quanto
custou, e é demais, dada a nossa... situação.
— Fique com ele. — Diz ele rispidamente.
— Mas...
— Fique com ele.
— Bem, acho que você não teria nenhum uso para ele — digo.
— Você provavelmente não quer dirigir até Hudson para devolvê-lo.
Ah, já sei! Você poderia dar para a Rebecca!
Ele solta uma risada surpresa com o meu alegre sarcasmo. —
Isso não iria acabar bem. Além do mais, não é o estilo dela.
Eu faço uma careta, um pouco ofendida. — É lindo. É o estilo de
todas.
— Ela é mais... moderna.
— Ah. — Eu giro o anel. — Eu também sou, geralmente, mas
esse... é especial.
Há outro momento de silêncio.
— Então vocês dois conversaram sobre alianças? — Eu
pergunto baixinho. — Vocês já compraram?
Esse sentimento de não querer realmente saber, e ao mesmo
tempo precisar saber está ficando cada vez mais familiar e muito
irritante.
Colin balança a cabeça e se levanta. — Eu não vou falar sobre
comprar alianças com uma mulher que nem está aqui, enquanto
estou no mesmo quarto com uma mulher que deveria ser minha
esposa. Você é minha esposa.
As palavras causam uma dor profunda dentro de mim, mas forço
um sorriso brilhante. — Bom! Isso foi muito bom. É exatamente esse
tom que você deve usar na frente de Gordon Price.
— Que tom?
— Você sabe... — Flexiono meu braço e aperto meu próprio
bíceps. — Todo viril e possessivo. É bom. Coisa de marido. Como
se eu fosse sua. Você tem praticado?
Colin não tem a chance de responder porque a campainha toca.
Meus olhos se arregalam. ― É ele? Eu pedi para o porteiro
deixá-lo subir assim que ele chegasse, mas ele está super
adiantado!
— É uma tática inteligente — diz Colin, sombrio. — Pegar as
pessoas desprevenidas antes que elas possam dar os toques finais.
— Bem, ele já sabe que nosso relacionamento tem algumas
rachaduras — digo enquanto seguimos pelo corredor até a porta da
frente. — Tudo o que precisamos fazer é convencê-lo de que tudo
era corações e flores no começo.
Ele assente em concordância, olhando para mim antes de abrir a
porta. Sinto um momento de pânico - um momento de alguma coisa
- e estendo a mão e agarro a sua. Ele aperta meus dedos
brevemente, seu olhar travando no meu antes de soltar minha mão
e abrir a porta.
CAPÍTULO 32

QUINTA-FEIRA, 29 DE OUTUBRO

— N ós conseguimos — digo, sentando na nova cadeira do


escritório, atordoada. — Puta merda, acho que realmente
conseguimos.
— Bem, tenho certeza de que seus relatos descritivos sobre
nossas tendências sexuais ajudaram. — Diz Colin, me entregando
uma taça de champanhe.
— Não foi tão pornográfico assim. Ele apenas perguntou se você
era tão certinho em todas as áreas, e eu disse que não, nem
sempre. Que nas áreas mais íntimas da sua vida, você é
realmente...
— Sim — ele interrompe. — Eu estava lá. Eu lembro.
— Isso é bom — digo, olhando surpresa para a taça de
champanhe. — O que é isso?
— Algo caro — diz ele, sentando na cadeira ao meu lado. —
Pense na garrafa que comprei para celebrarmos um mês e meio, e
dobre o valor.
— Bem, valeu a pena. E temos muito o que comemorar — digo,
levantando meu copo. — Gordon Price nos disse que a terceira e
última entrevista será apenas uma formalidade.
— Graças a você — diz ele, me observando. — Tenho certeza
de que você salvou o dia mais uma vez ao mencionar o ex da
Rebecca.
— Salvei, não é mesmo? — Eu digo presunçosamente, cruzando
minhas pernas na cadeira. — Imaginei que, se ele soubesse que
nós sabíamos quem havia feito a denúncia sobre o nosso
casamento e que a pessoa tinha motivos para se vingar, isso
poderia difundir parte de seu interesse.
— E ele não parecia tão interessado assim. — Diz Colin,
estudando seu champanhe.
— Não, não muito. — Eu concordo.
Por mais perturbador que hoje tenha sido, Gordon Price parecia
mais um funcionário do governo entediado do que um tubarão
pronto para nos expor por fraude. Suas perguntas foram rotineiras,
seu comportamento indiferente. Ou ele estava tentando nos levar à
complacência, para que relaxássemos demais e cometêssemos um
erro, ou ele realmente estava desinteressado.
Ele passou a maior parte do tempo vagando de cômodo em
cômodo, checando gavetas, fazendo exatamente as mesmas
perguntas que encontrei na Internet, sem se aprofundar em nada.
Quem cozinha? Eu. Eu sei como Colin toma seu café? Preto. Quem
é o bagunceiro da relação? Eu. De que lado da cama dormimos?
Ele na esquerda, eu na direita. Minha bagunça incomoda Colin?
Com certeza.
Pelo menos essa ele conseguiu responder com sinceridade.
Assim que eu honestamente “deixei escapar” o fato de que a
amante de Colin tinha um ex que adoraria que Colin fosse
deportado. Gordon Price, que Deus o abençoe, acreditou.
— Duas já foram, só falta uma. — Eu digo, levantando minha
mão para fazermos um “toca aqui”.
Ele olha para a minha mão. — Temos mesmo que fazer isso?
— Eu salvei nossas bundas, lembra? — Eu digo. — Você me
deve uma.
Ele concede, batendo na palma da minha mão. — Acho que
você estava certa sobre o cabelo.
Eu afago meu cabelo. — Não se acostume. Amanhã as ondas
estão de volta.
— O penteado tem um nome?
Balanço a cabeça. — Claro que tem um nome. Jesus. Quer
saber de uma coisa? Estou fazendo um favor à Rebecca. Eu sou
como a sua esposa de treinamento, ensinando tudo o que você
precisa saber sobre como viver com uma mulher, começando pela
importância do nosso cabelo.
Ele acena com a cabeça distraidamente e toma um gole de
espumante. — Não sabia que a terceira e última entrevista
aconteceria individualmente.
— Nem eu — digo. — Mas acho que faz sentido separar os
casais para não sabermos o que o outro disse. Agora que penso
sobre isso, é melhor você dar o seu melhor. — Eu aponto minha
bebida para ele. — Eu não estarei lá para te salvar, então não
estrague tudo.
Ele torce o rosto em concentração. — Só para esclarecer, eu
deveria ou não mencionar que você e eu trocamos menos de cem
palavras antes de subirmos no altar, e que eu realmente queria esse
green card...
— Outra piada! — Eu exclamo, encantada. — Eu estou te
contaminando.
— Deus, me salve. — Mas ele está sorrindo enquanto diz isso, e
não posso deixar de pensar no quanto progredimos em dois meses,
indo de dois estranhos literalmente contando os dias até que esse
inferno acabe para...
Bem, o que quer que somos agora. Não sei se existe um nome
para isso.
— Quer pedir comida? — Ele pergunta.
Eu olho para ele surpresa. — Você não vai jantar com a
Rebecca?
— Ela tem uma reunião com um cliente — diz ele, mexendo no
celular. — Comida tailandesa ou pizza?
Eu sufoco a decepção por ele estar apenas jantando comigo
porque ela não está disponível, o que eu sei que é ridículo. Rebecca
é alguém que ele escolheu. Eu sou alguém com quem ele está
preso. Mas, egoisticamente, eu quero todo o tempo que conseguir
com ele, então empurro a tristeza para o fundo da mente.
— Que tal tailandesa? — Eu digo. — Não, pizza. Não! Que tal
tacos? Ooh, ou daquele lugar indiano que pedimos na semana
passada, foi super gostoso. Ou talvez...
Ele mostra a tela do celular. — Tailandesa. Já fiz o pedido.
— Você nem sabe o que eu quero pedir!
— Camarão ao coco, bolinhos de cebolinha, Pad Thai e você se
servirá do meu curry verde sem pedir, comer metade e depois me
dizer todos os motivos pelos quais você não gosta tanto dele.
— Ótimo. — Eu aceno em aprovação. — Continue com todo
esse descontentamento doméstico, especialmente durante sua
reunião solo com Gordon Price. Você venderá não apenas nosso
casamento, mas também nosso divórcio iminente.
— Só falta um mês — diz ele, levantando a taça.
Consigo levantar a minha em resposta para um brinde.
Mas não consigo forçar um sorriso.
CAPÍTULO 33

QUINTA-FEIRA, 29 DE OUTUBRO

— V ocê encontrou os lençóis extras? — Eu pergunto alto,


puxando o travesseiro do lado de Colin da cama. Ele tem
uma quantidade de travesseiros surpreendente para um cara que
mora sozinho, e a comida tailandesa se revira um pouco no meu
estômago enquanto me pergunto se a montanha de travesseiros
extras foi um toque de Rebecca. Gostaria de saber quantas vezes
ela passou a noite aqui, me pergunto...
Não. Isso é o suficiente. Eu nunca vou conseguir dormir nesta
cama se continuar com essa linha de pensamento, e não estou
pronta para outra discussão de quinze minutos com Colin sobre
quem vai dormir no sofá.
Se eu tivesse que adivinhar, eu diria que Colin é o tipo de cara
que dorme só com um travesseiro, mas caso ele goste de deitar
numa montanha deles, eu pego três deles da cama.
— Colin? — Eu chamo, inclinando minha cabeça para que minha
voz possa passar a pilha de travesseiros. — Você ouviu o que eu
disse sobre os lençóis extras? Coloquei eles no...
O resto da minha frase é interrompida quando saio no corredor e
colido com algo - alguém. Os travesseiros caem suavemente no
chão.
— Qual era o plano, construir um forte? — Colin pergunta,
enquanto nós dois nos inclinamos para recolher os travesseiros.
— Não. Sufocamento. Eu queria experimentar alguns diferentes,
ver qual era o melhor para segurar sobre o seu rosto.
— Uhum. Mas eu já peguei um travesseiro — diz ele, um
travesseiro debaixo de cada braço, me deixando segurando apenas
um. — Que peguei do armário de roupas de cama, junto com os
lençóis de hóspedes.
— Sim, mas esses são os seus travesseiros. Já que vai precisar
dormir no sofá, sua cabeça deve pelo menos ter um travesseiro que
saiba como embalar seu crânio...
— O que você... “Embalar meu crânio”...? Que saber? Esquece.
Só esquece. — Ele balança a cabeça e passa por mim, entrando no
quarto e jogando os travesseiros de volta na cama.
— Bem, eu preciso de um que embale o meu crânio. — Aviso
por cima do ombro, indo para o sofá da sala e trocando os
travesseiros.
Estou olhando duvidosamente para o sofá quando ele volta para
a sala. Ele está vestindo calças de flanela e uma camiseta azul
marinho; eu estou usando sua cueca e camiseta, que se tornaram
meu uniforme noturno. Por mais rabugenta que eu estivesse ao ter
que desistir dos meus caros conjuntos de pijamas de seda, devo
admitir, estou começando a gostar do novo visual. Há um certo
conforto em roupas largas de algodão.
Especialmente quando, mesmo após a lavagem, elas ainda
cheiram a Colin. Pelo menos é o que eu digo a mim mesma. E sim.
Estou ciente de que estou agindo como uma psicopata louca e
obcecada. Não se preocupe. Vai desaparecer quando eu for
embora, e ele seguir em frente. Provavelmente.
— Qual é o seu problema? — Ele pergunta, ficando ao meu lado
enquanto eu encaro a cama improvisada. — Esse travesseiro não
vai embalar adequadamente meu crânio?
— Acho que você terá problemas maiores que o travesseiro —
Eu aponto. — O sofá é muito pequeno para você.
— Vou dormir de lado.
— Você dorme de costas.
— Como você sabe?
— Foi o que eu disse a Gordon Price. — Digo.
— Que não perguntou, a propósito.
— Bem, eu também compartilhei um quarto com você em
Hudson.
— E o que, você me observou enquanto eu dormia? — Ele
pergunta.
Talvez.
— E teve a manhã em que eu levei flores para você na cama.
— Flores que eu não pedi, e nem queria.
— Elas eram lindas!
— Elas eram, até morrerem e basicamente criarem sua própria
pilha de adubo.
— Fale sobre isso também — eu digo, dando um tapinha em seu
braço. — É uma boa discussão banal de casal e combustível de
divórcio.
— Você está realmente obcecada com esse material de divórcio.
— Diz ele, olhando para mim.
Eu me viro para encará-lo, abraçando o travesseiro no meu
peito. — Bom, esse é o motivo de eu estar aqui em Nova York, não
é? Para que pudéssemos viver juntos, a fim de nos divorciarmos?
Ele me estuda, seus brilhantes olhos azuis ainda mais
penetrantes que o normal. — Você se arrepende?
Eu puxo a etiqueta do travesseiro que está saindo da fronha. —
Não poderíamos ficar casados para sempre. E embora eu ainda
esteja chateada com Justin por toda essa bagunça, acho que agora
é o momento ideal para resolver isso e seguir em frente.
Ele concorda. — Você está ansiosa para voltar para São
Francisco?
— Na verdade, não sei se vou voltar.
Ele pisca. — O que você quer dizer?
— Bem, vou ter que voltar para a Califórnia por um tempo, pelo
menos. Minha empresa está lá, meu apartamento. Mas estar de
volta em Nova York realmente parece certo. Quero consertar as
coisas com meus pais, continuar me reconectando com amigos do
passado. Venho brincando com a ideia de começar algo novo, e
Nova York é um lugar tão bom para fazer isso quanto São
Francisco. Melhor, de certa forma.
Eu realmente não percebi que esse era o plano até que eu o
dissesse em voz alta. Mas dizer isso me faz perceber o que é o
certo. Obviamente, haverá muitos detalhes para resolver. Amigos
para me despedir, colegas que ficarão um pouco chocados; mas
mesmo sabendo que haverá um pouco de dor, me sinto animada.
Colin estava certo quando me disse que eu parecia entediada
sempre que falava sobre meu trabalho, mas, ao pensar um pouco
mais, percebi que fico entediada quando penso em São Francisco
também. Não porque a cidade em si é chata. Eu amo a cidade.
Mas estou percebendo que ela serviu a seu propósito. Califórnia
era um lugar, primeiramente, para escapar. E depois disso, um lugar
para crescer. Mas é hora do próximo capítulo, e meu instinto me diz
que esse capítulo está aqui em Manhattan.
Colin ainda está olhando para mim, incrédulo. — Você vai ficar
aqui.
— Bem, não aqui — eu digo, gesticulando em torno do nosso
apartamento. — Pode ficar um pouco apertado demais quando
Rebecca se mudar. A menos que você esteja se mudando para a
casa dela - ou se mudando para uma casa nova, ou...
— Ainda não conversamos sobre isso.
Eu engulo. — Bom, de qualquer forma. Eu realmente não sei os
detalhes e ainda não decidi com certeza, mas se eu ficar por aqui,
talvez possamos, tipo, você sabe... ser amigos.
— Amigos.
— Sim, tipo... talvez possamos até ter encontros duplos! — Eu
digo brilhantemente.
— Com quem?
— Com você e Rebecca! — Eu digo exasperada.
— E? Você e...?
— Bem, ainda não estou saindo com ninguém, mas sairei
eventualmente. Mas olha, se for muito estranho, eu entendo. Mesmo
que eu não seja sua ex no sentido tradicional da palavra, posso
entender totalmente como Rebecca não iria adorar passar um
tempo com sua ex-esposa.
E como eu não adoraria passar um tempo com sua atual esposa.
— Sim. Certo. Vamos ver isso depois. — Diz Colin.
É uma resposta clássica, e eu sei que as chances da minha ideia
de encontros duplos acontecerem são praticamente nulas, e isso
provavelmente é uma coisa boa.
— Mas vou sentir sua falta — eu deixo escapar. — Quero dizer,
vou sentir falta disso. Vou sentir falta... — Humm. — Toda essa
situação não foi tão ruim quanto eu esperava.
— Quantos elogios. — Seus olhos aquecem quando ele me dá
um sorriso lento que é extremamente atraente.
— Sim, bem. Não deixe isso subir à cabeça.
Ele parece divertido com a resposta clichê, e meio brega. Seu
sorriso fica um pouco arrogante, como se ele soubesse que minhas
defesas caíram. Pior, como se ele soubesse por que minhas
defesas caíram.
— Certo. Bem, já que você tem certeza que vai dormir aqui...
Boa noite. — Ainda abraçando o travesseiro, dou um passo para o
lado para contorná-lo e seguir em direção ao quarto.
Colin se move ao mesmo tempo, tentando sair da minha frente,
mas se movendo na mesma direção que eu, bloqueando meu
caminho. Eu passo para o outro lado, e ele faz o mesmo, então
estamos fazendo aquela dança embaraçosa de “Vai primeiro” “Não,
você vai”.
Eu solto uma risada, mas é mais uma expiração porquê de
repente percebo o quão próximos estamos. Eu congelo, meus olhos
subindo para encontrar os dele.
Não há sinal de sorriso em seu rosto agora, e seus olhos
parecem queimar, sombrios e ardentes, quando se prendem aos
meus.
Sua cabeça abaixa e eu sinto sua respiração na minha
bochecha. — Charlotte.
— Colin. — Eu sussurro de volta.
Ele engole e se aproxima ainda mais, seu olhar deixando o meu
para cair nos meus lábios.
Seus olhos se fecham, mas fora isso ele não se move, sua
expressão tão torturada quanto a minha. — Droga, Charlotte. — Diz
ele em uma respiração, sua voz áspera.
Meus olhos se fecham quando sinto seu hálito mentolado contra
a minha boca, e mesmo sabendo que é tão, tão errado, quero que
ele me beije. Eu envio uma oração silenciosa aos céus para fazer
tudo certo pelo resto da minha vida para compensar esse único
momento errado que eu quero mais do que jamais quis qualquer
coisa.
Parece que estamos presos no tempo, sem nos tocar, mas
também não nos afastando, um milhão de coisas passando entre
nós que não ousamos dizer.
— Eu não posso. — Ele sussurra, ainda perto o suficiente para
que eu possa sentir a rejeição.
Então ele dá um passo atrás e o ar fica mais frio, meu coração
ficando mais gélido em resposta.
— Boa noite. — Diz ele, sua voz rouca enquanto ele fica a uma
distância respeitável e segura de mim.
— Boa noite. — Meus olhos lacrimejam quando respondo, e
passo rapidamente por ele antes que ele possa ver as lágrimas.
Eu vou para o quarto. Deito na cama.
Eu não durmo.
CAPÍTULO 34

SEGUNDA-FEIRA, 2 DE NOVEMBRO

— S eu apoio significa muito para mim, de verdade — digo ao


telefone enquanto ando pelo meu escritório temporário. —
Sim, será uma grande mudança, com certeza, mas eu sei que estou
deixando a empresa em boas mãos. E eu ainda estarei por perto,
mas não no dia a dia...
Eu pauso no meio da conversa com meu diretor financeiro, me
sobressaltando ao ver Colin parado na porta aberta. — Ei, Brian,
desculpe, mas tenho que resolver uma coisa. Posso ligar de volta
daqui a pouco?
— Você não precisava desligar. — Diz Colin, entrando no
escritório após eu terminar a ligação.
— Sério? — Eu pergunto duvidosamente. — Sua expressão diz
o contrário.
— Que expressão?
— A que diz que você está fazendo uma rara aparição para fora
da sua casca de tartaruga. Sem mencionar o fato de você estar aqui
em primeiro lugar, sendo que eu nem sabia que você tinha o
endereço de onde eu trabalho.
— Estava em um dos cartões sobre você que eu tive que
memorizar.
— Ah, verdade. — Ele ainda não se mexeu e eu bato meu
celular contra minha palma enquanto o observo, tentando descobrir
qual é o problema. — Desculpe, não tenho nenhuma cadeira para
você.
O escritório que estou alugando é na verdade apenas um
cubículo gourmet, só que com paredes fechadas. Tem uma mesa,
uma cadeira, uma lâmpada feia e ótimo Wi-Fi. Na verdade, é só um
lugar para me tirar de casa quando me sinto inquieta e todas as
mesas do Starbucks estão cheias, o que em Nova York é
basicamente sempre.
— Não, está tudo bem — diz Colin, parecendo envergonhado. —
Eu deveria ter mandado uma mensagem. Ou talvez eu não devesse
ter vindo. — Ele passa a mão na nuca e deixa o braço cair. — Eu
não sabia com quem mais falar.
Meu coração faz uma cambalhota estúpida ao saber que é a
mim que ele procura. — Você sempre pode vir até mim.
— É sobre a Rebecca.
Ou talvez nem sempre. Porque meu coração faz outra coisa
agora, decididamente menos feliz, ao saber que ele está aqui para
falar sobre outra mulher. Sobre uma mulher com quem ele planeja
se casar.
Ainda assim, eu me importo com esse homem. Muito. E isso
significa estar aqui para ele da maneira que ele precisa que eu
esteja, não como eu quero que seja nos meus devaneios.
— Ah. — Eu passo por ele e fecho a porta. Normalmente, a
deixo aberta para o ar não ficar abafado, mas já o conheço o
suficiente para saber que, se ele não tiver total privacidade, há uma
grande chance dele recuar de volta para sua casca.
— O que aconteceu? — Eu pergunto.
Ele coloca sua maleta na minha cadeira e vai até a janela,
olhando através do vidro, sem realmente apreciar a vista, imagino,
já que a “vista” é apenas o telhado do prédio vizinho. Não há muito o
que ver, além de cocô de pombo.
Ele enfia as mãos nos bolsos. — Eu contei a ela sobre a
segunda entrevista da imigração. Sobre como as coisas correram
bem e que só tínhamos mais uma antes de estarmos livres.
— Isso deve tê-la deixado feliz.
— Também achei que deixaria — diz ele em tom baixo. — Mas
então ela perguntou sobre o pior cenário - o que aconteceria se
Gordon Price nos considerasse culpados de fraude matrimonial.
Eu bato meus dedos contra minha bochecha. — Bem, talvez ela
devesse ter pensado nisso antes de contar para o ex-namorado
sobre nós.
Ele me lança um olhar irônico por cima do ombro: — Eu pensei
que você não estava brava com isso.
Eu sorrio. — Eu decidi que estou um pouco irritada, no final das
contas.
Ele me dá um leve sorriso, embora eu tenha certeza que ele
sabe que estou apenas tentando distraí-lo, aliviando o clima.
Colin olha novamente para a janela. — Então, eu disse a
verdade a ela. Que achamos que está tudo indo bem, mas se não
for... teríamos alguns problemas.
— Você teria alguns problemas — digo brincando, me inclinando
na mesa. — Eu teria muitos problemas.
— Nós conversamos sobre isso — diz ele, virando-se para mim.
— Você provavelmente receberia uma multa. Ser presa seria...
— Improvável, eu sei. — Eu digo.
E é verdade. Pelo que entendi, embora tecnicamente as pessoas
possam ser presas por fraude matrimonial, geralmente são apenas
as pessoas que facilitam casamentos fraudulentos em larga escala.
Quando se trata de acontecimento único, é um tapa nos pulsos e
uma multa muito grande, para a qual estou preparada.
E ei, se eu acabar na prisão… seria uma aventura, certo?
Brincadeira. Eu realmente não quero ser presa. E para ser
sincera, faço o possível para não pensar nisso. Porém, falando
nisso...
— Ela deve estar radiante com as possíveis repercussões — eu
digo. — Não vamos fingir que Rebecca não me odeia. Eu ter que
escrever um cheque de seis dígitos ou ser presa deve agradá-la.
— Provavelmente — ele me surpreende ao concordar. — Mas
não chegamos tão longe na conversa.
— Ah — eu digo, entendendo. — Ela queria saber o que
aconteceria com você.
— Esse é o problema, ela já sabia — diz ele. — Eu disse a ela
desde o início que, na pior das hipóteses, seria deportado de volta à
Dublin e nunca mais poderia voltar aos Estados Unidos.
— Ela não deve ter gostado disso.
— Não mesmo. Mas no passado, sempre conversamos sobre
isso de forma especulativa. Nunca foi uma possibilidade real.
— Mas é real agora.
— Sim. — Ele limpa a garganta. — É um pouco mais real. Uma
parte de mim está se preparando mentalmente para isso, e eu
também queria preparar ela para isso.
Ele está se preparando mentalmente para ser deportado?
Eu tenho um milhão de perguntas, mas fico em silêncio,
deixando-o organizar seus pensamentos e dizer o que ele precisa
dizer no seu próprio ritmo. Ele se vira para mim, enfiando as mãos
ainda mais fundo nos bolsos, parecendo dolorosamente vulnerável.
— Perguntei se ela viria comigo — diz Colin em voz baixa. —
Perguntei se, hipoteticamente, ela se mudaria para Dublin e
começaria uma vida comigo lá.
Meu peito parece se rachar um pouco com a dor dele, porque eu
já sei a resposta de Rebecca pelo fato de ele estar aqui e pelo olhar
em seu rosto, mas ele diz isso em voz alta de qualquer maneira.
— Ela riu — diz ele. — Ela disse que não tinha intenção de jogar
fora tudo o que construiu para se mudar para um lugar como a
Irlanda.
Seus olhos estão magoados. — O que isso significa? — Ele
pergunta. — Um lugar como a Irlanda? Ela nunca esteve na Irlanda.
Já estabelecemos que eu nunca gostei da futura Sra. Walsh. E
agora, estou sentindo algo muito mais forte do que “não gostar”.
Mas meus sentimentos não são importantes agora.
— Isso é péssimo — eu digo com um aceno lento. — É
realmente péssimo. Mas lembre-se de que Rebecca têm lidado com
muita coisa ultimamente. Seu noivo está morando com outra mulher.
Seu noivo está correndo perigo de ser deportado. O ex-namorado
dela é parcialmente culpado por isso. Se eu tivesse que adivinhar,
diria que Rebecca provavelmente não está pensando claramente.
Ninguém consegue dizer a coisa certa quando está bravo e
assustado.
— Você consegue. — Diz ele, me surpreendendo.
— Dificilmente — eu digo, sincera. — Só não tenho estado brava
ou assustada há algum tempo.
— Você tem certeza? — Ele pergunta suavemente.
Minha respiração falha, porque sinto que ele pode ver tudo
dentro de mim, até o meu maior medo atual: perdê-lo.
Eu forço um encolher de ombros casual. — A vida é curta. Eu
realmente não vejo sentido em perder mais tempo do que o
necessário ficando com raiva ou com medo.
Sua expressão fica pensativa. — Eu notei isso em você. É…
— Estranho? — Eu forneço.
— Refrescante — ele responde lentamente. — Eu ia dizer que é
refrescante.
— Você está ficando muito melhor nos elogios — digo a ele. —
Mas, falando sério, dê a ela um dia ou dois. Eu acho que ela vai
repensar.
Pego minha bolsa e ele franze a testa. — Você está saindo?
— Nós estamos saindo. — Digo, levantando sua maleta e
entregando-a.
— Para onde estamos indo?
— Vou levá-lo para almoçar.
— Por quê?
— Não faça perguntas estúpidas. — Digo, o levando para os
elevadores.
— Onde?
Eu suspiro. — Há um pub irlandês virando a esquina, e estou te
avisando agora que vamos beber cerveja Guinness, e não quero
ouvir um pio seu sobre como são apenas onze e meia da manhã.
O elevador emite um bipe e eu me movo para entrar, mas Colin
agarra minha mão e a aperta deliberadamente.
Ele a segura apenas por um segundo, e depois solta minha mão
antes que eu possa registrar a demonstração inesperada de afeto,
muito menos analisar o que isso significa. Ele entra no elevador,
segurando as portas para mim enquanto eu o sigo.
— O que foi isso? — Eu pergunto, me sentindo desnorteada.
— Não faça perguntas estúpidas.
CAPÍTULO 35

QUARTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO


E spera, já vou. — Murmuro, limpando as mãos úmidas na
blusa, pois o pano de prato teve um incidente infeliz
envolvendo uma embalagem de caldo de galinha, e ainda não
peguei um novo.
Eu costumo dar tudo de mim quando cozinho, então eu respondo
à batida na porta no piloto automático, meu cérebro ainda distraído
imaginando se o prato vai ficar bom, mesmo eu tendo esquecido de
comprar gengibre no mercado.
Mas todos os pensamentos sobre o meu refogado são levados
pelo vento quando abro a porta da frente. — Ah. Oi.
Até agora, eu achava a carranca gelada de Rebecca a coisa
mais assustadora que eu já vi. Mas não. Esse fac-símile de um
sorriso que ela está me mostrando é muito, muito pior.
— Oi, Charlotte — diz ela em um tom açucarado. Ela pressiona
as mãos juntas em um movimento suplicante. — Sinto muito por vir
inesperadamente assim. Posso entrar?
— Claro — eu digo, me afastando e gesticulando para ela entrar.
— Mas Colin não está aqui. Ele está...
— Participando de um evento de networking em Midtown, eu sei.
Ela diz isso casualmente, mas sei que não tem nada improvisado
no comentário. Ela está mostrando sua reivindicação, me avisando
que ela diz onde Colin está, não eu.
— Então, — Gesticulo com as mãos. — O que posso fazer por
você?
Rebecca olha para a cozinha, que está, como sempre quando
estou no meio de uma aventura culinária, uma bagunça completa.
— Você cozinha? — Ela pergunta.
— Não muito bem, mas eu gosto do processo.
Seus olhos estreitam um pouquinho. — Isso é adoravelmente...
doméstico.
Ela nem se preocupa em esconder o desprezo em sua voz, e eu
não me incomodo o suficiente para ficar irritada. Claramente, ela
acha que meu comentário também veio de um roteiro, como se
minhas ambições culinárias tivessem a ver com impressionar Colin,
para fazê-lo pensar que sou uma mulher perfeita, em oposição à
minha verdadeira motivação: fome.
Não sei por que, já que acho que ela não merece, mas tento me
colocar no lugar dela. Acho que uma parte de mim espera que a
mulher esteja sendo uma megera porque está ameaçada, e se eu
puder convencê-la de que sim, Colin e eu realmente vamos nos
divorciar em algumas semanas, independentemente de minhas
habilidades culinárias, ela finalmente será simpática.
— Tive algumas aulas de culinária depois de morar em São
Francisco por alguns anos — digo com um sorriso amigável. —
Cozinhar para si mesma dá trabalho, mas eu estava cansada de
pedir comida.
Viu? Não tentando roubar seu homem com meus dotes
domésticos.
Não me interpretem mal, eu quero o homem dela. Mas ele fez
sua escolha e estou fazendo o possível para respeitá-la.
Rebecca me dá um sorriso falso e depois olha diretamente para
a sala de estar. — Podemos nos sentar?
— É claro. — Eu digo, mesmo quando os alarmes tocam um
pouco mais altos na minha cabeça, porque apesar de eu não ter um
roteiro no momento, ela com certeza tem.
Ela me indicar para a sala de estar, gesticulando para o sofá em
frente à cadeira em que ela se senta, como se me desse boas-
vindas ao seu reino. Como se eu não morasse aqui. Como se eu
não tivesse escolhido a almofada que ela está ajeitando nas costas.
Como se eu não estivesse sentada no mesmo sofá onde Colin
dorme. Como se não tivesse sido eu que dobrei seus cobertores e
lençóis hoje de manhã depois que ele foi chamado para uma
reunião inesperada
Vejo o olhar dela fixar-se na roupa de cama dobrada e
travesseiro que ainda não me incomodei em guardar, e vejo um
pequeno lampejo de alívio atravessar seu rosto. Sim, Rebecca. Ele
dorme no sofá.
Seus olhos estão um pouco mais amigáveis quando voltam para
mim. Um pouco.
— Olha, Charlotte, eu só queria... bem, para ser honesta, eu
queria me desculpar.
— Oh. Uau, ok! — Eu digo, fazendo um péssimo trabalho ao
esconder minha surpresa. — Pelo que?
São tantos motivos...
— Eu tenho sido uma vaca com você. — Diz ela com um sorriso
que me faz perceber o quão bonita ela é. Que me faz entender um
pouco o que Colin vê em Rebecca. Os dentes dela são perfeitos.
Talvez ele seja o tipo de cara que gosta de dentes. E aposto que o
cabelo dela nunca fica embaraçado. Aposto que ela nunca tem que
domá-lo por longos minutos até que ele fique como ela quer - aposto
que o cabelo dela sempre fica do mesmo jeito: grosso e brilhante.
— É uma situação difícil. — Digo, indo para a minha justificativa
preferida para qualquer coisa relacionada a essa mulher.
— Obrigada por dizer isso — ela fala. — É mesmo. Eu gostaria
que Colin entendesse mais. Quero dizer, eu sabia desde o início que
vocês tinham esse acordo, mas acho que… foi muito mais difícil vê-
la em pessoa. Saber que ele estava morando com você. E bem,
você não é exatamente um cachorro.
Ela dá uma risada aguda, e eu forço um sorriso. — Não tem
problema. Não consigo imaginar o quão estranho deve ser.
Desculpas aceitas. Terminamos?
— Muito estranho — ela concorda. — E eu não tenho lidado
muito bem com isso. Na verdade, outro dia eu... — Ela suspira. —
Fiquei tão frustrada, tão assustada que deixei Colin pensar...
— Que você não se mudaria para a Irlanda com ele?
Os olhos dela viram gelo.
Ops. Acabei de deixar escapar que ele me contou sobre o
relacionamento deles, e vou ser sincera com você: não posso dizer
com certeza que não deixei escapar de propósito.
— Ele te contou sobre isso? — Nenhum sinal de seus dentes
perfeitos agora.
— É só que... — Eu gesticulo ao nosso redor, procurando uma
saída dessa conversa. — Compartilhamos um espaço e tendemos a
nos intrometer na vida um do outro. Não foi grande coisa. Mas as
coisas estão melhores entre vocês dois agora? — Eu pergunto,
esperando distraí-la.
Ela sorri novamente, mas o olhar permanece frio e duro. — Muito
melhor, obrigada. Na verdade, você vai ser a primeira a saber... é
oficial!
Ela estende a mão esquerda com um floreio e... uau. Uau.
Estou muito feliz por estar sentada, porque de repente me sinto
um pouco tonta.
O anel em seu quarto dedo é enorme. Eu não sei como não vi
antes, mas não há como evitar seu brilho agora, nem a maneira
como parece ter partido meu coração a um metro de distância.
— Vocês finalmente foram comprar o anel. — Eu consigo dizer.
— Sim, finalmente — diz ela, aproximando a mão esquerda do
rosto para admirar o anel. — Ainda não posso usá-lo em público,
obviamente. Temos que esperar mais um mês até... — Ela balança
os dedos para mim. — Você sabe. O divórcio. E então
provavelmente esperaremos um pouco mais para não levantar
suspeitas. Mas pelo menos quando somos apenas nós dois, posso
usar isso e saber que ele é meu.
Eu mal consigo segurar minha risada com a falta de sutileza. Aí
está. Seu verdadeiro motivo para vir aqui. Para se desculpar, minha
bunda. Ela está aqui para me lembrar, em termos inequívocos, de
que Colin é dela, e ela tem um diamante gigante para provar isso.
Desculpa atrapalhar seu show, madame, mas eu sabia que ele
não era meu muito antes dele colocar essa pedra enorme no seu
dedo.
— Vocês já têm uma data? — Eu pergunto, não porque eu quero
saber, mas porque se há alguma chance de eu permanecer na vida
de Colin depois que isso acabar, eu vou ter que pelo menos tentar
ser gentil com essa mulher.
— Não, nós apenas queremos aproveitar o noivado. — Diz ela
com uma voz sonhadora, ainda olhando para o próprio anel.
— Bem, eu estou realmente feliz por vocês dois.
Uma mentira completa, mas não me sinto mal com isso, porque
estou tentando ficar feliz e gosto de pensar que isso conta para
alguma coisa.
— Obrigada — diz Rebecca, ficando de pé. — Eu só queria que
você fosse a primeira a saber, já que... bem, como você disse - essa
situação toda tem sido difícil, e a transparência tornará tudo o mais
indolor possível para todos nós.
— Sim, definitivamente — eu digo, enquanto caminhamos para a
porta. — Estou feliz que tudo esteja chegando ao fim.
— Eu também. E entre nós, garotas, — ela se inclina para a
frente conspiratoriamente, a mão esquerda levantada para revelar
seu grande anel e os dedos cruzados — estou torcendo para que
vocês dois arrasem na entrevista da imigração amanhã. Farei o que
for preciso por esse homem, mas a ideia de me mudar para a
Irlanda... — Ela estremece dramaticamente.
Meus sorrisos falsos acabaram, então abro a porta da frente com
uma expressão de gelo que deixaria minha mãe extremamente
orgulhosa. — Eu vou dizer a ele que você passou por aqui.
— Oh, não conte a ele — diz ela, alegremente. — Juramos que
não contaríamos a uma única alma sobre o noivado ter sido
oficializado. Ele está aterrorizado que alguém descubra e que isso
atrapalhe o processo de divórcio. Acho que ele vive com um medo
constante de que você mude de ideia e se recuse a assinar os
papéis ou algo assim.
— Confie em mim. Não terei problemas em assiná-los. — Digo
com um sorriso alegre. Oh, parece que eu tinha um sorriso falso
sobrando. Eu mantenho-o enquanto fecho calmamente a porta na
cara de Rebecca.
Eu me viro, pretendendo voltar para o meu refogado, mas
minhas pernas não se mexem. Em vez disso, me encosto na porta,
minha respiração vindo em rajadas curtas enquanto meus olhos
lacrimejam. Eu levanto minha própria mão esquerda, olhando para o
anel antigo. Mais velho que o dela. Mais barato.
Infinitamente mais perfeito.
Mas dado por uma razão completamente diferente do dela. E
essa é uma diferença crucial.
As palavras de Rebecca se repetem na minha cabeça. Acho que
ele vive com um medo constante de que você mude de ideia e se
recuse a assinar os papéis.
Perco minha batalha contra as lágrimas e percebo que não
posso mais fazer isso. Não quero mais fazer isso. Mas mais
importante do que eu quero para mim é o que eu quero para ele.
Até agora, não me ocorreu que isso é amor verdadeiro - querer o
melhor para a outra pessoa. Querer a felicidade dela acima da sua
porque você a ama.
Como amo Colin.
Limpo minhas lágrimas nas costas da minha mão e vou para a
cozinha, pegando meu celular no balcão.
Eu ligo para meu irmão.
Ele não atende, mas eu não espero que atenda, pois o horário
de Frankfurt está adiantado em seis horas e tenho certeza que ele
está dormindo.
Normalmente, eu apenas enviaria uma mensagem de texto, mas
há coisas que devem ser ditas em voz alta. Eu espero
pacientemente sua gravação da caixa postal sem sentido acabar,
espero pelo sinal sonoro. E deixo uma mensagem.
— Ei Justin, é sua irmã favorita. Me liga de volta assim que
receber isso. Eu preciso de alguns conselhos legais. É sobre esse
estúpido acordo pré-nupcial...
CAPÍTULO 36

E
QUARTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO

stou limpando o balcão da cozinha quando Colin chega em


casa algumas horas depois.
— Ei — diz ele, entrando na cozinha. — A cena do crime deve
ter sido pior do que o habitual hoje à noite. São quase dez horas e
você ainda está limpando.
— Refogado. Muitos ingredientes para picar.
— E você chegou a comer? — Ele olha para os dois potes
generosos de Tupperware que ainda tenho que tampar e colocar na
geladeira.
— Fiz mais do que eu esperava. — E não, eu não comi nada.
Sua noiva e seu anel enorme roubaram meu apetite. — Fique à
vontade.
— Já comi, mas amanhã posso levar para o almoço se estiver
tudo bem.
Faço um gesto de todo seu para o Tupperware e arrasto o resto
das migalhas para a pia.
Eu o sinto me observando. — Você está bem?
— Sim. Só um pouco cansada e com uma dor de cabeça que
surgiu do nada.
— Estressada sobre a entrevista de amanhã?
— Ah, você quer dizer aquela onde uma palavra errada pode
levá-lo a ser banido para a Irlanda e me mandar para a prisão? Nah.
Moleza.
Na verdade, não estou tão estressada assim sobre a entrevista
final com Gordon Price amanhã. Quero dizer, estou estressada.
Claro que estou. Mas não tanto quanto você pensaria. Eu fui uma
pessoa social a minha vida inteira. Eu sei ler as pessoas e quase
sempre estou certa. É por isso que tenho tanta certeza de que
Gordon Price não se importa particularmente comigo ou com Colin,
além de pensar que Colin é meio canalha por trair sua esposa, e
sou uma idiota por ficar com ele por tanto tempo.
Ele acha que somos culpados. De sermos patéticos. Não de
infringir a lei.
Mas minhas excelentes habilidades de linguagem corporal
também me fazem sentir um pouco enjoada agora. Porque, assim
como sei que Gordon Price é basicamente inofensivo para Colin e
eu, também sei que Rebecca não é tão inofensiva.
E sei que não importa o quanto eu ame Colin, isso não me dá o
direito de ficar no caminho dele e de Rebecca.
— Terminei. — Eu digo brilhantemente, colocando o spray
multiuso em seu lugar e colocando as Tupperwares na geladeira. —
Durma bem!
Estou voltando para o meu quarto, mas Colin entra na minha
frente, bloqueando o meu caminho.
Eu paro e olho para ele. — Que foi?
Seu olhar se demora, parecendo estudar todos os meus traços
antes de franzir a testa. — Estou deixando alguma coisa passar.
Você está deixando passar muitas coisas.
— Eu te disse. Um pouco de cansaço, um pouco de dor de
cabeça, um pouco de estresse. Eu só preciso de um banho de
espuma e uma boa noite de sono.
— Tudo bem — ele murmura. — Tudo certo. — E então ele dá
um passo à frente, suas mãos deslizando em volta da minha cintura
e me puxando um pouco contra ele.
Um abraço, percebo, depois que o choque passa.
Brincadeirinha, não passa. Mas outras coisas se misturam com o
choque quando ele me puxa para um enlace que não é muito
sexual, mas também não é platônico. Desejo. Anseio. Amor.
Os braços de Colin envolvem toda a minha cintura, e meus
braços levantam por vontade própria para pousarem atrás da
cabeça dele. Ele abaixa a cabeça lentamente até que seu rosto
fique escondido no meu pescoço, sua respiração quente contra a
minha pele.
Não sei o que é isso. É menos que um beijo, mas também é
mais que um abraço, e por um momento algo como raiva se espalha
através de mim, que ele seja capaz de colocar um anel no dedo dela
num dia e me segurar assim no próximo.
E embora eu saiba que devo recuar, a parte egoísta de mim que
sabe que meu tempo com ele está chegando ao fim fecha os olhos
e o puxa para mais perto.
Não sei quanto tempo ficamos enlaçados. Minutos. Horas. Dias.
Ele se afasta um pouco e forço meus braços a soltá-lo, a deixá-lo
ir. Mas, em vez de se afastar de mim, Colin faz uma pausa com a
boca a poucos centímetros da minha, seu olhar refletindo meu
próprio desejo quando olhar cai nos meus lábios.
— Charlotte. — É um sussurro, um apelo.
Eu posso sentir sua respiração nos meus lábios, sentir a tensão
frustrada em seu corpo. Nossos olhares colidem e o desejo não dito
em seus olhos ecoa tudo o que estou sentindo tão intensamente
que machuca de dentro para fora.
E então me lembro da Rebecca. E do anel dela.
Dou um passo para trás, observando o desejo em seus olhos
piscar e desaparecer, substituído por sua expressão impassível de
sempre. E me pergunto se imaginei o momento inteiro a partir de
uma necessidade patética de fingir, apenas por um segundo, que
isso é mútuo.
Mas, independentemente disso, não importa. Ele fez sua
escolha.
— Boa noite. — Eu sussurro, o contornando, tomando cuidado
para não fazer contato físico.
Paro antes de sair da cozinha, percebendo que há algo que
preciso dizer. Eu sei que é egoísta, mas digo assim mesmo. —
Colin.
— Sim? — Sua voz é grave.
Não me viro enquanto falo - não sou tão corajosa. — Eu iria com
você. Para a Irlanda. Caso as coisas amanhã corram mal.
Eu iria a qualquer lugar com você.
Ele não diz nada, e eu lhe lanço um sorriso rápido por cima do
ombro para tentar aliviar o clima. — Você sabe. Hipoteticamente.
Ele não sorri de volta, mas sinto seu olhar pensativo nas minhas
costas quando me viro e vou para o quarto.
CAPÍTULO 37

C
QUINTA-FEIRA, 5 DE NOVEMBRO

olin sai na manhã seguinte antes que eu acorde. Não o vejo


até ele chegar em casa por volta das duas da tarde, para
que possamos dividir um táxi para o escritório dos Serviços de
Imigração, mas não trocamos uma única palavra no caminho até lá.
Não sei se é por causa do constrangimento da noite passada,
por causa do estresse da reunião que está por vir, ou se estamos
simplesmente perdidos demais em nossos próprios pensamentos.
Um pouco de tudo, provavelmente.
Uma mulher diferente nos recebe desta vez. Ela é muito menos
sorridente do que a última, o que eu acho estranhamente
reconfortante. Sua personalidade gelada combina com o meu humor
hoje.
— Quem você acha que será o primeiro? — Eu pergunto a Colin.
Me sinto nervosa demais para ler a Vogue ou qualquer outra revista
desta vez.
— Se for como da última vez, espero que seja eu. — Diz ele.
— Por que isso?
— Imagino que você tenha um puta grand finale debaixo da
manga.
Oh, meu futuro ex-marido. Você não tem ideia.
— Bem, independentemente de quem for primeiro — eu digo —
você se importa se eu sair logo depois? Eu tenho algumas coisas do
trabalho para resolver.
Colin olha para baixo, confuso e talvez um pouco magoado. —
Sim. Claro.
Eu sei que ele quer saber por que eu não estou no meu humor
otimista habitual, mas não tenho uma resposta para ele. Nenhuma
que eu queira compartilhar, de qualquer maneira.
— Sra. Spencer, Sr. Walsh. É bom vê-los novamente. — Gordon
Price diz, abrindo a porta. Ele está segurando uma pasta de papel
pardo, e eu não me considero uma fashionista nem nada, mas o fato
da pasta combinar quase exatamente com seu terno é... infeliz.
— Sra. Spencer, começaremos com você. Pode entrar. Sr.
Walsh, isso deve levar apenas cerca de vinte minutos.
— Certo.
Dou a Colin o que espero que seja um sorriso tranquilizador e
sigo Price pelo corredor iluminado por lâmpadas fluorescentes que
eu realmente espero que nunca mais precise ver depois de hoje.
Entramos no mesmo escritório da última vez. Eu sento na
mesma cadeira.
— Sra. Spencer, obrigado por vir. Como estão as coisas?
— Na verdade, não muito boas.
— Isso é bom... — Ele se interrompe e olha para a pasta aberta,
percebendo seu erro.
Eu sorrio para deixá-lo à vontade. — Deixe-me adivinhar. A
maioria das pessoas dizem “bem”?
Ele ri. — Na verdade, sim.
— Eles provavelmente estão aterrorizados em deixar você
pensar que qualquer coisa no casamento deles é menos do que
perfeita.
Ele fecha a pasta e a joga de lado, me dando um olhar
pensativo. — Você não compartilha esse medo.
— Obviamente não — eu digo com um sorriso triste. — Eu te
disse na primeira vez que nos encontramos que meu marido estava
vendo outra mulher.
— Sim. E que vocês dois estavam tentando trabalhar nisso.
— Estávamos. Mas Sr. Price, posso ser franca?
— Claro.
Eu respiro fundo. — Metade de todos os casamentos terminam
em divórcio. As pessoas se afastam. Traem. Querem coisas
diferentes. Os casais em que uma pessoa nasce em outro país não
estão isentos de nada disso.
Ele assente lentamente. — Continue.
— Colin e eu ficamos mais próximos desde que voltei da
Califórnia. Fizemos um progresso significativo. Fomos gentis um
com o outro, respeitamos um ao outro, mas Sr. Price, essa é a parte
em que preciso ser franca... nenhum número de tentativas vai fazer
meu marido me amar novamente.
A adição do “novamente” é uma pequena mentira, mas eu
continuo.
— Nossa situação atual não tem nada a ver com o fato de Colin
ser da Irlanda. Isso é sobre sentimentos, não cidadania. E a verdade
brutal é que meu marido ama outra pessoa. E não posso mudar
isso, não importa o quanto eu queira.
Price solta um longo suspiro. — Sra. Spencer, sua sinceridade é
notável, mas não tenho muita certeza do que você acha que posso
fazer com essa informação.
— Nada — eu esclareço rapidamente. — Nada mesmo. Mas não
me sentiria bem em sair daqui hoje sem dizer a verdade: meu
marido e eu planejamos nos divorciar. Em breve.
Price pega sua pasta novamente e a folheia distraidamente, sem
realmente ler. — Isso é... incomum.
— Eu sei, mas tenho pensado durante todo esse processo.
Quando nos casamos, passamos por esses mesmos tipos de
entrevistas. O objetivo na época, e agora, é provar que temos um
casamento baseado no amor, não na aquisição de um Green Card,
Correto?
Ele concorda. — Sim. Queremos garantir que o casal esteja
casado pelo motivo certo;
Respiro fundo, pronta para o grand finale, como Colin havia dito.
Eu me inclino para frente. — Eu sei que disse que Colin não me
ama, e eu quis dizer isso. Não posso mudar esse fato e, confie em
mim, eu tentei. Mas, Sr. Price, se você quer saber se é um
casamento amoroso, posso dizer pelo menos que amo meu marido.
Eu amo Colin. — Estendo a mão e tiro um documento da minha
bolsa. — E eu posso provar.
CAPÍTULO 38

SEXTA-FEIRA, 13 DE NOVEMBRO

SÃO FRANCISCO

— A inda não acredito que você não vai voltar — diz Kurt. —
Não é certo. Nada sobre isso é certo.
Lewis aperta o ombro do marido quando ele se aproxima para
abrir nosso Sauvignon Blanc. — Nós conversamos sobre isso, Kurt.
É certo. Você só está fazendo birra.
Kurt faz beicinho enquanto olha para mim. — Certo, tudo bem.
Confesso que toda essa situação tem uma certa simetria
interessante. Mas eu não gosto disso.
— Nem mesmo do meu escritório de canto, que agora é seu? —
Eu digo, cutucando sua panturrilha com a ponta da minha sapatilha
Tory Burch. — Hein?
Ele dá uma sacudida petulante na cadeira. — Bem, ok, essa
parte é legal.
— Imaginei. — Eu digo, sorrindo para o meu vinho. Estou um
pouco surpresa que minha última noite em São Francisco não esteja
tão deprimente. Não me interpretem mal - é agridoce pensar que
essa não será mais minha casa. Vou sentir falta do clima. Vou sentir
falta do meu trabalho. Meus colegas. Minhas amigas. Mais do que
tudo, vou sentir falta do Kurt e do Lewis.
Mas, a partir de hoje, sou oficialmente ex CEO da Coco. As
rédeas foram entregues a Kurt como CEO interino, e o Conselho de
Administração terá que votar se essa será uma posição permanente
ou não. Mas estou no conselho e tenho certeza de que o escritório
ficará com Kurt pelo tempo que ele quiser. Ele deixou de ser apenas
um assistente há muito tempo = ele é a Coco.
E quanto a mim?
Tenho um voo de São Francisco para Nova York no final da
semana.
Em direção ao quê?
Não.
Tenho.
Ideia.
Sim. Você leu certo. Não sei o que vem a seguir. Não tenho mais
emprego. Ou uma casa. Em alguns dias, não terei mais marido.
Ah, sim, estou muito mais pobre do que era há uma semana.
Por quê?
Porque é isso que acontece quando você pede o divórcio antes
que as condições do acordo pré-nupcial sejam cumpridas - tudo o
que eu obtive durante o casamento agora é metade de Colin.
Estranhamente, a parte mais estranha de tudo isso não é o fato
que eu me desfiz de uma quantia bem gorda para romper a
condição do acordo pré-nupcial. É que nem Colin nem eu
parecemos considerar essa possibilidade em primeiro lugar.
Ficamos tão paralisados com esse único parágrafo, indicando que
deveríamos viver sob o mesmo teto por três meses para nos
divorciar que não nos preocupamos em explorar as consequências
de preencher os papéis do divórcio antes disso. Ou pelo menos, eu
não. Não até semana passada.
Foi para isso que liguei para o meu irmão. E quando Justin me
ligou de volta - mais rápido desta vez, graças a Deus - eu descobri
que não era que um de nós não podia pedir o divórcio antes de
morarmos juntos por três meses, seria apenas uma decisão
financeira realmente irresponsável, assumindo que algum de nós
tivesse adquirido bens durante esse tempo, o que nós dois
tínhamos.
E, honestamente, mesmo se eu soubesse dessa brecha, acho
que ainda teria me mudado para Nova York. No início disso tudo, a
perspectiva de ceder para basicamente um completo estranho
metade de tudo pelo que que trabalhei tanto para ganhar seria
impensável. Viver por três meses em Nova York seria um preço
pequeno a pagar para manter o que é meu.
Agora, porém... como você sabe, tudo mudou.
Eu realmente não sinto que poderia ter sobrevivido outro dia,
muito menos semanas, vivendo lado a lado com Colin, sabendo que
ele estava contando os dias até poder estar com Rebecca. E mais
importante do que isso, eu percebi o quão brutal deve ter sido viver
com uma mulher enquanto amava outra.
Tudo se resumia a isso: não preciso desse dinheiro.
No entanto, eu preciso que Colin seja feliz. Eu preciso disso do
fundo do meu coração.
E ele não vai ser enquanto morar sob o mesmo teto que eu.
Além disso, meu plano brilhante, que é como eu chamo, fez
exatamente o que eu queria. Convenceu Gordon Price que, sim,
Colin e eu estávamos nos divorciando, mas não havia nada fácil ou
planejado sobre isso.
Gordon Price corretamente assumiu que para renunciar
voluntariamente a uma quantia gigantesca de dinheiro, amor deve
estar envolvido. Eu contei algumas mentiras sobre meu casamento.
Essa não foi uma delas. Eu amo Colin.
— Oh, Char — diz Kurt com simpatia quando vê meus olhos
lacrimejando. — Não, não. De novo não.
— Eu não estou chorando. — Digo, fungando no lenço que ele
me passa.
— Está sim. É por causa do cara ou porque você vai sentir
minha falta?
Eu solto uma risada. — Você. É definitivamente porque vou
sentir sua falta.
— Eu sei que você está mentindo, e eu aceito. Lewy! Traga os
salgadinhos de queijo! — Kurt grita para a cozinha.
— Eu pensei que você não comia mais glúten. E era vegano. —
Eu digo.
— Lewis disse que a dieta me deixava ranzinza, então eu desisti.
— Diz ele, pegando um lenço de papel e enxugando os meus olhos.
— Aqui está. — Kurt murmura suavemente quando Lewis traz
uma tigela de Cheetos para a sala. Kurt pega um e estende a mão
para me alimentar, eu como com uma risada. Salgadinhos
processados de queijo não resolverão nenhum dos meus
problemas, mas Kurt me alimentando como uma espécie de mamãe
animal pelo menos me distrai por um tempo.
— Eu, pelo menos, mal posso esperar para ver o que vem a
seguir, sei que você vai arrasar. — Diz Lewis, sentando ao lado de
Kurt, que está me estendendo outro Cheetos.
— Obrigada, Lew. — Digo com o Cheetos na boca.
Kurt tenta levar o vinho até a minha boca e pego a taça antes
que ele derrame. — Isso eu posso fazer sozinha. Obrigada.
— Você vai voltar para nos visitar, certo? — Diz Kurt.
— Claro. E, sério, me avisem se houver algo que eu possa fazer
para ajudar a vender o condomínio, ok? Corretores de imóveis,
taxas de limpeza, tudo isso... quero pagar tudo.
— E você pode? — Kurt diz provocadoramente.
— Não estou pobre, apenas metade menos rica. — Ressalto.
— Você acha que ele realmente vai manter o dinheiro? — Diz
Kurt. — Seria uma merda.
— Sendo assim, por que vocês não concordaram em romper o
acordo desde o início, assinaram o que era necessário para trocar
fundos e depois... devolveram o dinheiro? — Lewis pergunta.
— Ideia maravilhosa, Lewis — eu digo com a voz estridente. —
Teria sido um pouco mais maravilhosa se você tivesse pensado
nisso dois meses atrás.
— Quer saber o que eu acho? — Diz Kurt, levantando o dedo
para indicar que eu deveria ouvir. — Eu acho que você não pensou
nisso porque secretamente queria voltar para Nova York. E ele não
pensou nisso porque viu você de novo e percebeu que a esposa
dele é super gostosa.
— Teoria fantástica. — Aponto minha taça de vinho para Kurt. —
Uma que você deveria definitivamente contar à nova esposa dele.
Kurt e Lewis estremecem. — Você acha que será convidada
para o casamento?
— Provavelmente — eu murmuro. — Colin por se sentir culpado,
Rebecca para esfregar na minha cara.
— Você iria?
— No momento? Parece insondável. Mas eu nem sei quando é.
Se eu encontrar um namorado parecido com o Thor antes disso...
com certeza.
E então, porque sou humana e mulher heterossexual, dou-me
um pequeno momento de fantasia, imaginando o rosto de Colin se
eu realmente aparecesse com o Thor. E porque Lewis e Kurt são
homens homossexuais, eles também fantasiam. Eu sei, porque os
dois suspiram “Thor” ao mesmo tempo.
— E você realmente não falou com ele? — Kurt pergunta com
um sorriso melancólico.
— Não. — Viro o resto do vinho e estendo minha taça para servir
mais.
Lewis assente com aprovação. — Você o bloqueou?
— Não. — Eu digo novamente.
— Espera. — Kurt ergue a mão em protesto. — Então ele nem
tentou entrar em contato? Nenhum e-mail? Nenhuma mensagem?
Nada?
— Bem, para ser justa, eu fui embora sem nem dizer adeus. —
Eu indico.
— Se você deixou os documentos de divórcio e a sua aliança no
balcão da cozinha, isso foi definitivamente um adeus, querida.
— Exatamente — eu digo, balançando a mão, tentando ignorar o
quão nua ela parece sem o meu anel amado. — Eu não poderia ter
sido mais clara sobre a situação, então por que ele entraria em
contato? Não há nada a dizer.
— Mas você terá que falar com ele eventualmente — diz Lewis,
enquanto me serve mais vinho. — Quero dizer, você disse que o
cara é praticamente um filho adotivo para seus pais. Certamente
seus caminhos se cruzarão novamente. Opa! Só um segundo...
Lewis coloca a garrafa de vinho na mesa e vai atender a porta da
frente.
— Vocês estão esperando alguém? — Pergunto a Kurt com um
Cheetos na boca.
Ele balança a cabeça como se dissesse não tenho ideia.
Lewis retorna um momento depois, com olhos arregalados e voz
um pouco aterrorizada. — Char? É para você.
— O que? — Eu pergunto confusa, virando-me para olhar quem
apareceu na casa de Lewis e Kurt para me ver. Um momento
depois, percebo por que Lewis está aterrorizado de maneira
incomum.
Eileen Spencer está de pé em sua sala de estar.
Minha boca cai aberta. — Mãe? O que você está fazendo aqui?
— O que eu deveria ter feito há dez anos, Charlotte Elizabeth
Spencer. Seguindo você até a Califórnia para lhe dizer que fugir de
seus problemas não é um bom jeito de viver a sua vida.
CAPÍTULO 39

SEXTA-FEIRA, 13 DE NOVEMBRO

— E la é tão assustadora, — Kurt sussurra por cima do ombro


da minha mãe enquanto Lewis o arrasta para o quarto.
Ele não está errado. Num bom dia, minha mãe é um pouco
assustadora. No momento, ela parece pronta para a batalha e
absolutamente aterrorizante.
Espero até ouvir a porta do quarto de Kurt e Lewis se fechar,
fazendo uma anotação mental para agradecê-los por terem se
retirado para o quarto, em sua própria casa, para nos dar um pouco
de privacidade. Embora, se eu conheço Kurt, e conheço, a orelha
dele está pressionada contra a porta, e eu o amo por isso. Eu
estaria fazendo a mesma coisa.
— Mãe...
Ela levanta a mão. — Eu vou primeiro. Há algo que devo dizer a
você.
Oh céus.
— Pelo menos sente antes. — Eu digo, indicando a pequena
mesa de jantar.
Ela senta, parecendo adoravelmente deslocada com suas
pérolas e salto alto na moderna casa de Kurt e Lewis em Nob Hill.
Ela cruza as pernas e pousa as mãos cruzadas em um joelho,
olhando diretamente para mim. — Eu quero me desculpar. Quero
me desculpar por não respeitar que você era uma pessoa individual,
com sonhos diferentes dos que tive para você. Eu estava tão
apegada ao arquétipo de filha que planejava ter, que não apreciei
adequadamente a filha que eu tinha. Tenho.
Dizer que o pedido de desculpas me pega de surpresa seria um
eufemismo. Não tinha percebido o quão desesperadamente
precisava ouvir isso, precisava saber que sou digna de amor e de
respeito como sou, e não que eu só mereceria ser amada se tivesse
sido um pouco menos obstinada, um pouco menos ambiciosa.
— Obrigada. — Consigo dizer, minha voz saindo anasalada. Eu
realmente tenho chorado muito ultimamente.
— Quando você me disse que estava indo para a Califórnia
todos aqueles anos atrás, para começar seu próprio negócio com o
dinheiro da sua avó, eu deveria ter te abraçado com força, dito para
me ligasse quando seu avião pousasse e que eu mal podia esperar
para ver você no dia de ação de graças.
Eu escovo impaciente as lágrimas das minhas bochechas, e seu
rosto suaviza por um segundo antes que ela pareça se lembrar de
que ela ainda tem que me entregar a parte dois. — Mas, — diz ela,
levantando um dedo. — Primeiro, eu teria perguntado se você
estava se mudando para o outro lado do país pelos motivos certos.
Se realmente era um lugar que você queria estar, ou se estava indo
embora simplesmente porque ficar era difícil dado nosso
relacionamento amargo na época.
A Charlotte rebelde se remexe imediatamente, com as milhares
de razões pelas quais eu tinha que estar em São Francisco, sobre
como não era apenas eu correndo assustada, era eu sendo
inteligente.
Mas a Charlotte adulta, que aprendeu que há mais na vida do
que provar seu ponto de vista e seguir seu próprio caminho, se
permite considerar a possibilidade de que minha mãe possa estar
certa. Que minhas razões para me mudar para São Francisco,
embora válidas, não eram vitais. No mínimo, eu poderia ter feito
melhor. Eu poderia ter feito muitas coisas de um jeito melhor.
— Você está certa — digo a ela com uma voz calma. — Era mais
fácil ir embora do que tentar consertar as coisas. Mas eu deveria ter
tentado. Não me arrependo de vir para São Francisco. Tenho
orgulho de tudo o que construí aqui e estar perto de Silicon Valley se
tornou essencial. Mas eu poderia ter encontrado uma maneira de
fazer as duas coisas, deveria ter feito isso. Ser filha da costa leste e
empreendedora da costa oeste. — Eu dou um sorriso trêmulo. — Eu
deveria ter voltado para casa naquele primeiro dia de ação de
graças. Convidada ou não.
Mamãe dá um aceno trêmulo, com os próprios olhos
lacrimejando um pouco antes de levantar o queixo. — E, no entanto,
aqui está você, fazendo a mesma coisa. Mudando para a Califórnia
no segundo em que um relacionamento fica difícil.
— Eu não estou me mudando, mãe. Ou melhor, estou, mas não
para a Califórnia. Só voltei para arrumar minhas coisas e amarrar
algumas pontas soltas. Dez anos atrás, meu voo para São
Francisco era só de ida. Desta vez, é ida e volta.
Ela respira fundo. — Você está voltando para Nova York de vez?
Eu aceno e sorrio. — Acho que você terá que guardar um lugar
para mim no Dia de Ação de Graças e no Natal.
Ela sorri e logo franze a testa. — Bem, estou feliz, mas você
ainda fugiu, mocinha.
— Mocinha?
— Diga-me, você pelo menos pausou por um momento quando
colocou os papéis de divórcio no balcão da cozinha para Colin
encontrar, ou você continuou andando enquanto simultaneamente
arrastava sua mala até a porta?
Eu estremeço, tanto pela menção do nome dele, quanto pelo fato
da acusação dela parecer desconfortavelmente verdadeira. — Você
falou com ele?
— Ao contrário de você, ele veio jantar no domingo passado —
diz ela rigidamente. — Por que eu tenho que saber do seu divórcio
através do meu genro, e não da minha filha...
— Você sabia que isso ia acontecer, mãe — digo suavemente.
— Eu nunca fingi que não estávamos nos divorciando. Está
acontecendo um pouco antes, mas não muito.
— Mas por que? Eu pensei que você se importava com ele.
Desta vez, deixo a velha Charlotte rebelde sair um pouco,
porque posso lidar com acusações merecidas, mas não essa.
— É porque eu me preocupo com ele — respondo. — Quero que
ele seja feliz mais do que tudo. Isso significava deixá-lo ficar com
Rebecca o mais rápido possível, então eu fiz isso acontecer.
— Sim, mas eu quero que você seja feliz. — Ela diz
teimosamente.
Eu rio da doçura inesperada dessa declaração. — Eu sei que
quer, mãe. Eu também quero ser feliz, e chegarei lá. Só não será
com Colin e eu cavalgando para o pôr do sol.
Ela não cede. — Eu ainda acho que você deveria ter conversado
com ele, não só ter deixado aqueles papéis para ele encontrar.
— Você está certa. — Eu admito. — Mas eu não sou nenhuma
santa. Já foi difícil o suficiente assinar aqueles papéis. Eu acho que
entregá-los pessoalmente a ele para vê-lo assinar teria me partido
em duas. E não vamos esquecer, — continuo rapidamente quando
ela abre a boca para discutir. — Foi Colin quem pediu pelo divórcio
em primeiro lugar. Eu simplesmente dei a ele o que ele queria.
— Você tem certeza de que é isso que ele queria? Se você não
se incomodou em falar com ele...
— Ele deu a Rebecca um anel de noivado, mãe.
— Mas isso foi antes de você voltar, e vocês dois...
— Não — eu interrompo, mantendo minha voz suave, pois sei o
quanto ela ama Colin e tinha esperanças de que ele virasse seu
genro de verdade. — Ele deu a ela apenas alguns dias atrás. Eu
mesma vi. Ele escolheu ela.
Ela solta um longo suspiro e se encosta na cadeira. — Bem,
merda.
— Mãe! — Acho que nunca a ouvi falar algo assim.
Ela olha para a mesa e aponta para a garrafa de vinho. — Acha
que posso ter um copo disso?
— Com certeza. — Eu digo com um sorriso.
Passo o resto da noite rindo e bebendo com minha mãe e dois
dos meus melhores amigos. É quase o suficiente para me fazer
esquecer Colin.
Quase.
CAPÍTULO 40

O
QUINTA-FEIRA, 19 DE NOVEMBRO

lha, eu não chamaria isso de fundo do poço.


Mas também não vou dizer que meu orgulho não está
ferido pelo fato de eu ter 31 anos e estar morando com meus pais.
É temporário, até que eu encontre um lugar para mim e descubra
o que diabos eu vou fazer a seguir. Tentei dizer à minha mãe que eu
poderia ficar em um hotel, mas você pode adivinhar como isso
acabou. Então aqui estou. No meu antigo quarto.
Agora, como eu disse, não se parece em nada com o quarto em
que cresci, o que é uma coisa boa. Dessa forma, sou capaz de dizer
ao meu orgulho que estou apenas ficando no quarto de hóspedes
dos meus pais, e não “voltando para casa”.
Estou aqui há alguns dias, mas a sensação perturbadora de déjà
vu ainda não desapareceu. Estou desconfortavelmente ciente de
que é a segunda vez em três meses que desci de um avião vindo de
São Francisco para Nova York armada apenas com uma mala e
uma bagagem de mão, meus outros pertences a caminho. É a
segunda vez em três meses que moro na casa de outra pessoa, me
sentindo um pouco no limbo.
Desta vez é ainda mais complicado, pois só tenho alguns de
meus pertences comigo; o resto está vindo da Califórnia e deixei
para trás algumas coisas minhas na casa de Colin. Peguei apenas o
essencial quando abandonei a situação complicada algumas
semanas atrás, mas não consegui colocar tudo na mala.
Sei que, eventualmente, terei que entrar em contato com ele
para recuperar minhas coisas. Ou eu poderia simplesmente me
resignar a nunca mais ver essas peças do meu guarda roupa para
não ter que enfrentá-lo. A opção número dois parece muito atrativa.
São sete horas da noite de uma quinta-feira chuvosa e a casa
está estranhamente quieta. Meus pais estão em um jantar que insisti
para irem, apesar da minha mãe se oferecer para ficar em casa. É
constrangedor o suficiente viver com eles. Eu não vou permitir que
sintam que precisam tomar conta de mim.
Ainda assim, lamento um pouco a ausência deles. Eu não quero
ficar sozinha Começo a digitar uma mensagem para Meghan e
depois a apago antes de enviar. Começo a escrever para outra
amiga e depois excluo. Eu até digito uma mensagem para Drew,
meu namorado do ensino médio, pensando que talvez ele seja a
distração que eu preciso.
Também não consigo me forçar a enviar essa mensagem.
Percebo que não quero ficar sozinha, mas não quero ficar com
ninguém além...
Dele.
Eu sabia que sentiria falta de Colin, mas não sabia que ansiaria
por ele. Eu não sabia o quanto sentiria falta de conversar com ele,
mesmo que fosse para ouvi-lo resmungar sobre minha bagunça na
cozinha. Eu não sabia o quanto seus raros sorrisos poderiam tornar
meu dia inteiro mais brilhante, ou o quanto apenas estar na mesma
sala que ele parecia me centralizar.
Mas, claro, não é uma opção. Ele provavelmente está
escolhendo malditas estampas chinesas com a maldita Rebecca.
Ainda assim, embora a dor ainda esteja viva e presente, não me
arrependo de assinar os papéis do divórcio. De verdade. Continuar
daquela forma não seria bom para nenhum de nós. Até me ocorre
que talvez devesse acabar assim. Não tenho sentido há semanas
que é hora de começar de novo? Todos nós sabemos que quando
eu quero um novo começo, eu vou com tudo, e bem, romper meu
acordo pré-nupcial de maneira dramática para que o amor da minha
vida possa se casar com o amor da vida dele parece uma maneira
apropriadamente dramática de iniciar a próxima fase da minha vida.
Me conformando com o fato de preferir ficar sozinha hoje à noite,
visto meu pijama. Quando me deito na cama e olho para o teto,
percebo que minha mãe substituiu a luminária que costumava
parecer um peito por uma mais elegante, e me sinto estranhamente
decepcionada. Eu amava a luminária de peito.
Ouço o rangido da escada e pulo de surpresa. Acho que eu
estava mais distraída do que imaginava se meus pais já voltaram da
festa.
Saio da cama e abro a porta para cumprimentá-los. — Ei, como
foi... — Minha pergunta morre nos meus lábios.
O rangido da escada não era meus pais.
— Oi. — A palavra sai ofegante e tosca, e tento novamente. —
Oi.
Humm, não. A segunda tentativa ainda soa ofegante e tosca.
— Olá. — A voz de Colin, por outro lado, soa baixa e confiante.
Sim, exatamente, eu disse Colin.
No momento, meu marido - ex-marido? - está na porta do meu
quarto de infância e ele está... bem, ele está tão bonito que eu
poderia chorar.
Embora, surpreendentemente, ele não esteja em seu traje
habitual.
Em vez disso, ele está vestindo jeans - que eu nem sabia que
ele possuía - e um suéter cinza de gola alta que faz seus olhos
parecerem um pouco prateados. Há uma pasta azul na sua mão e
minha garganta se contrai porque consigo pensar em apenas um
motivo pelo qual Colin teria trazido uma pasta para a casa dos meus
pais.
— Posso entrar?
Fingindo indiferença, dou de ombros e me movo para o lado para
deixá-lo entrar.
Ele entra no meu quarto, que eu sempre achei bastante
espaçoso para os padrões de Manhattan, mas parece encolher para
minúsculo quando ele entra. Ou talvez o quarto não seja grande o
suficiente para ele e meus sentimentos por ele.
— Como você sabia que eu estava aqui? — Pergunto.
Ele não responde minha pergunta. Em vez disso, fica me
encarando. Profundamente. Vendo tudo em mim.
Finalmente, ele franze a testa. — Essa é a minha boxer? E a
minha camisa?
— Hum... — Eu puxo nervosamente a camisa. — Eu acho que
as trouxe acidentalmente quando eu estava arrumando minhas
malas.
— Ahã. E você estava planejando ficar com elas?
— Eu estava pensando que talvez pudéssemos considerá-los
souvenirs — digo com um pequeno sorriso. — Algo para lembrar do
nosso tempo juntos?
— Ah, então você quer se lembrar do nosso tempo juntos — diz
ele, se aproximando. — Pelo modo como saiu sem nem se despedir,
achei que estivesse ansiosa para esquecê-lo.
Eu estremeço e quero fechar meus olhos, mas me forço a
encontrar seu olhar. Seus olhos são acusadores, o que eu esperava,
mas também um pouco feridos, o que eu não esperava.
— Sinto muito — digo claramente. — De verdade... Eu sei que
foi um jeito meio ruim de terminar as coisas...
— Meio? — Ele interrompe. — Meio? Charlotte, como você acha
que eu me senti quando no mesmo dia em que descubro que não
vou ser deportado, volto para casa para comemorar com minha
esposa e sou recebido por uma casa vazia, e isso?
Ele levanta a pasta que está em sua mão, que agora tenho
certeza que contém nossos papéis de divórcio. Tudo bem. Colin
está bravo, e eu entendo isso, mas agora também estou brava. Sim,
eu saí sem me despedir, e isso não foi muito legal da minha parte,
mas não estou gostando do jeito que ele parece pensar que eu
deveria ter esperado em casa por ele. Pela primeira vez, percebo
que Colin foi um pouco egoísta em tudo isso – ele não pode ter a
esposa e a noiva.
Eu cutuco o peito dele com o dedo. — Você queria voltar para
casa e comemorar com a sua esposa? Não diga isso assim. Não
diga como se o amor da sua vida tivesse saído pela porta da frente
com o seu coração no bolso de trás. Fico feliz que você não será
deportado, de verdade, mas você deveria ter comemorado com a
mulher com quem vai se casar, e não com a que vai se divorciar.
Qual era o plano, você viria tomar uma taça de champanhe
comemorativo antes de jantar comigo e então sairia para jantar e
tomar mais espumante com Rebecca? Já lhe ocorreu que isso
perdeu a graça, Colin? — Que isso dói?
Em vez de pedir desculpas ou recuar, ele apenas parece mais
irritado. — Perdeu tanto a graça que você deliberadamente quebrou
o acordo pré-nupcial? Você estava tão desesperada para se afastar
de mim que não poderia ter sobrevivido mais duas semanas?
— Não de você! — Eu grito. — Eu não estava tentando me
afastar de você, estava tentando me afastar de você e dela!
Seus olhos parecem aço quando ele se aproxima ainda mais. —
Por que isso?
Percebendo o que acabei de admitir, afasto meu olhar dele e
tento me mover para escapar da sua proximidade, mas Colin não
permite e se move comigo, bloqueando minha rota de fuga.
— Sai da minha frente.
— Porque, para que você possa fugir de novo?
— Eu não estava fugindo. — Ainda não encontro os olhos dele.
— Besteira. — Sua voz é baixa, mas imponente. — Por que você
fugiu?
Eu mantenho minha cabeça teimosamente virada e permaneço
em silêncio.
— O que aconteceu naquele dia no escritório de Gordon Price?
— Ele pergunta. — Eu mereço saber isso, pelo menos.
— O que ele te disse? — Eu pergunto, mantendo meu olhar fixo
na parede à minha direita.
— Não muito. Minha entrevista durou cerca de três minutos, a
maior parte gasta com ele me encarando, e terminou com ele
relutantemente dizendo que estava encerrando a investigação sem
acusações formais.
— Ótimo, viu? Tudo está bem.
Não, porra, Charlotte, nada está bem. Por que você fez isso? Por
que quebrou o acordo pré-nupcial? Você realmente achou que eu ia
querer o seu dinheiro?
— Eu nunca pensei isso — digo, percebendo que ele não cederá
até receber suas respostas. — Não era sobre o dinheiro. Mas isso
tinha que terminar. Você precisa entender. Não podíamos continuar
o que estávamos fazendo - casados, mas não de verdade. Eu não
podia...
Lembrando do conselho da minha mãe de que fugir dos meus
problemas não era uma maneira de lidar com eles, eu reúno
coragem e levanto meu olhar para o dele.
— Eu assinei os papéis do divórcio porque quero que você seja
feliz, Colin. Eu queria que você fosse livre para casar com alguém
que ama, e não ficasse preso em um casamento por conveniência
mais do que o necessário. Mas eu também fiz isso por mim. Eu não
podia continuar morando com você, fingindo ser sua esposa,
quando sabia que você estava contando os dias para se casar com
outra pessoa. Eu pensei que poderia passar por isso, mas ver o anel
de noivado no dedo de Rebecca tornou tudo muito real e...
— Eu nunca comprei um anel para ela.
Eu pisco rapidamente através das minhas lágrimas, tentando
entender. — O que? Mas eu vi. Ela veio e me mostrou.
Ele levanta um ombro. — Ela comprou para si mesma. Ou pegou
emprestado de uma amiga. Realmente não sei, mas não comprei
esse anel e certamente não o coloquei no dedo dela. Eu nem sabia
o que tinha acontecido até depois que você partiu para a Califórnia.
Eu olho para ele. — Por que ela faria isso?
Ele hesita. — Se eu tivesse que adivinhar, eu diria que ela
pensou que isso te tiraria do caminho, e eu mudaria de ideia. Ela
estava meio certa.
— Metade certa? — Eu pergunto.
— Ela tirou você do caminho. Você fugiu do estado. Eu, no
entanto, não mudei de ideia.
— Sobre o que?
— Sobre não poder me casar com Rebecca.
Eu suspiro, mas antes que eu possa processar o que ele disse,
Colin joga a pasta na cômoda e se aproxima, sua voz baixa. — Você
sabia que quando você se mudou, eu pensei que aqueles pijamas
que você usava me matariam?
— Você quer falar dos meus pijamas? Agora?
— Sim, na verdade eu quero — diz ele suavemente. — Vi roupas
íntimas femininas com mais tecido do que seu pijama e achei que
nada poderia ser mais tortuoso.
Lentamente, ele estende a mão e agarra minha camiseta, me
puxando para mais perto. — Eu estava errado — diz ele em um
rosnado. — Ver minhas roupas em você, ver minha esposa andando
em minhas roupas, querendo - precisando - saber o que estava por
baixo delas. Odiar que minhas roupas pudessem tocar sua pele de
uma maneira que eu não podia... essa foi a verdadeira tortura.
A mão que não segura a camisa encontra minha cintura,
deslizando pelas minhas costas.
Por baixo da camisa.
A palma da sua mão se espalha contra a minha lombar, e nós
dois expiramos com o contato. Fecho os olhos, aterrorizada de que
esse é o sonho mais maravilhoso do mundo e que meu coração se
partirá em um milhão de pedaços se eu descobrir que não é real.
— Você realmente não vai se casar com Rebecca?
Sua testa se pressiona contra a minha, e eu o sinto balançar a
cabeça, sua respiração perto dos meus lábios.
— Estou um pouco confusa. — Eu sussurro.
— Eu entendo — ele sussurra de volta, enquanto gentilmente me
puxa completamente contra ele. — Talvez eu possa ajudar a deixar
tudo mais claro para você.
A boca de Colin se aproxima da minha, parando por uma fração
de segundo, como se saboreasse o momento. O primeiro toque dos
seus lábios é o céu. O segundo é puro êxtase. O terceiro parece
muito com para sempre.
E parece durar para sempre, e ainda assim não é o suficiente.
— Está claro o suficiente para você? — Ele pergunta
roucamente quando se afasta.
— Acho que estou começando a entender. — Digo sorrindo,
subindo na ponta dos pés e me inclinando para outro beijo. Ele se
inclina para trás, ficando fora do alcance, e eu abro meus olhos,
pronta para protestar contra sua retenção de beijos.
Meu protesto morre com o olhar em seu rosto, um que eu nunca
tinha visto antes, ao mesmo tempo terno e seguro, como se ele
estivesse olhando para tudo o que sempre quis. Eu.
Ele levanta a mão e escova meu cabelo preto para fora do rosto.
— Estou apaixonado por você, Charlotte.
Lágrimas enchem meus olhos. — Está?
Ele assente.
Olho esperançosamente para a pasta azul. — Isso significa que
você não assinou nossos papéis de divórcio, afinal?
— Não, eu assinei. E já dei entrada. Ali está sua cópia oficial.
— Ah — eu digo, meu coração esvaziando. — Então, estamos
oficialmente divorciados?
— Estamos. — Diz ele, suas mãos encontrando ambos os lados
da minha cintura.
— Bem, acho que é mais prático — digo, tentando esconder
minha decepção. — Provavelmente deveríamos começar do início,
ter encontros e descobrir se somos adequados um para o outro a
longo prazo... o que você está fazendo? — Eu pergunto, me
interrompendo quando percebo que ele está procurando algo no
bolso em vez de me ouvir.
Ele pega uma caixa azul marinho familiar. — Você esqueceu
isso.
— Eu te disse, era muito extravagante para as circunstâncias. Eu
não podia... o que você está fazendo?
Ele está segurando minha mão esquerda, o anel posicionado na
ponta do meu dedo anelar enquanto seu olhar procura o meu. —
Você me ama, Charlotte?
Seu sotaque está mais grosso que o normal, sua expressão é
adorável e um pouco insegura.
Eu aceno enfaticamente, desesperada para tranquilizá-lo. —
Pensei que você soubesse. Eu me apaixonei por você semanas
atrás. Foi extremamente inconveniente.
Ele me dá um sorriso arrogante e cheio de alívio e alegria. — É?
— É. — Eu sussurro, roçando meus lábios nos dele.
— Casa comigo? — Ele sussurra de volta. — Direito, desta vez?
Você tem que aceitar, eu tenho metade do seu dinheiro.
Eu rio contra seus lábios e aceno enquanto ele desliza o anel no
meu dedo. — Sim.
Finalmente, Colin me beija novamente. E novamente, e depois
mais uma vez, até eu perceber algo e soltar minha boca da dele
com um suspiro. — Espera. Nós não podemos nos casar. E se
formos completamente incompatíveis na cama?
Seus lábios encontram a parte inferior da minha mandíbula
enquanto ele me empurra para trás em direção ao colchão. —
Excelente observação. Provavelmente deveríamos descobrir o
quanto antes se podemos tolerar um ao outro, não?
Muito, muito mais tarde, eu descanso minha bochecha em seu
ombro nu, pressionando um beijo lá. — Bem, então. Eu acho que
vamos ficar bem.
EPÍLOGO UM

M eu irmão se oferece para ajudar com o acordo pré-


nupcial. Nós respeitosamente recusamos.
EPÍLOGO DOIS

M inha mãe finalmente pôde planejar o grande


casamento da filha, o que foi ótimo para mim, já que
eu estava muito ocupada lançando minha nova empresa, uma
empresa de consultoria para butiques que ajuda mulheres
empresárias a realizarem seus sonhos.
Como minha mãe não aceitaria nada menos, o casamento
ocorre sem um único contratempo. Meu pai me acompanha até o
altar. Justin começa a chorar durante seu brinde de padrinho, tipo
muito, e é tão docemente não másculo que decidimos perdoá-lo.
Kurt (agora o CEO oficial da Coco, por sinal) consegue segurar a
emoção até depois do seu brinde. Eu, por outro lado, choro ao longo
de tudo.
Colin e eu escapamos para fazer amor durante a recepção.
Perdemos o corte do bolo, mas estamos compensando pelo tempo
perdido. E algumas coisas são melhores do que bolo.
EPÍLOGO TRÊS

P assamos a lua de mel em Hudson. Com champanhe.


Velas. Madonna.
Sem camas separadas. Sem pomada para urticária.
Além disso, Colin dirigiu.
EPÍLOGO QUATRO

N omeamos nosso primeiro filho Danny. Ele já tem quase


dois anos e ainda tenho que tentar não chorar quando
ouço Colin cantar baixinho "Danny Boy" pela babá eletrônica.
referência ao meu nome de solteira.
Porque desta vez, somos o Sr. e a Sra. Colin Walsh de verdade.

O FIM
EPÍLOGO CINCO

E vivemos muito, muito felizes para sempre.

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