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TEMAS FUNDAMENTAIS DE DIREITO

PARA CONCURSOS PÚBLICOS EM AULAS

Rogério Sanches - DIREITO PENAL


E DIREITO PROCESSUAL PENAL
@rogeriosanchescunha
1
O primeiro diploma normativo dessa natureza foi a Lei 1.390, de 03 de julho de 1951,
conhecida como Lei Afonso Arinos (autor do projeto), editada sob a égide da
Constituição Federal de 1946, que “inclui entre as contravenções penais a
prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor”.

2
Considerando que a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações
internacionais, dentre outros, pelos princípios da prevalência dos direitos
humanos e do r ao terrorismo e r acismo (art. 4º, II e VIII, CF/88);
epúdio ao

Considerando que a prática do racismo, por ordem constitucional, constitui


i nafiançável sujeito à pena de reclusão, nos termos da
crime e imprescritível,
lei (art. 5º, XLII, CF/88);
Em menos de três meses depois da promulgação da atual Carta Constitucional,
o Poder Legislativo editou um novel diploma antidiscriminatório.

O autor de tal projeto foi o Deputado Carlos Alberto Caó, motivo pelo qual a Lei
7.716, de 05 de janeiro de 1989, acabou sendo conhecida como “Lei Caó”,
definindo “os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”.

4
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou r etnia, religião ou
preconceito de aça, cor,
procedência nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
5
O Supremo Tribunal Federal, em duas ações de controle de
constitucionalidade, quais sejam, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por
Omissão (ADO) n.º 26, da relatoria do Ministro Celso de Mello, e o Mandado
de Injunção (MI) n.º 4.733, da relatoria do Ministro Edson Facchin,
reconheceu que atos decorrentes de e t estão
compreendidos na Lei 7.716/89. homofobia ransfobia

Fernando Campos
2023-01-31 22:47:55
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Não deve ser interpretado apenas sob
o
ponto de vista histórico, cultural e
biológico, mas sim social. Homofobia e
Transfobia se enquadram no contexto
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de raça.
E aporofobia, é crime? Está inserida na Lei de Racismo?

7
Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em
razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. (Incluído pela Lei nº
14.532, de 2023)
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido
mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.

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Antes da Lei 14.532/23 Depois da Lei 14.532/23
Art. 140 CP.
(...) Art. 140
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de (...)
elementos referentes a raça, cor, etnia, § 3o Se a injúria consiste na utilização de
religião, origem ou a condição de pessoa idosa elementos referentes a religião ou à condição
ou portadora de deficiência: de pessoa idosa ou com deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa. Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Lei 7.716/89
Art. 2º-A. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a
dignidade ou decoro, em razão de raça, cor,
etnia ou procedência nacional.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e
multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de
metade se o crime é cometido mediante o
concurso de 2 (duas) ou mais pessoas
9
CUIDADO:

Curiosamente não migrou para a lei especial o preconceito religioso,


igualmente objeto da Lei 7.716/89, faltando, nesse tanto, atenção da Casa
de Leis. No que se refere ao preconceito religioso o intérprete terá que
redobrar a atenção. Se o caso espelhar ofensas, será o crime do art. 140,
§3º, do CP; se indicar segregação ou incentivo à segregação, crime da Lei
7.716/89 (arts. 3º ao 14 e art. 20).

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Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça,
cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.

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Bem jurídico tutelado

O direito à igualdade em seu viés proibitório de discriminação negativa, tendo


em vista que a discriminação estaria baseada na manifestação por
preconceito.

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Sujeitos do crime

Crime comum, pois pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo
desnecessária a ocorrência de especial condição do sujeito ativo.

No polo passivo figuram o Estado, como sujeito passivo formal, mediato e


constante, além da pessoa ou grupo de pessoas, como sujeito passivo
imediato (titular do bem jurídico).

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Conduta

Inicialmente, cumpre observar que o tipo penal é extremamente aberto,


considerando que traz uma proibição genérica de discriminação (a partir de
preconceito de raça, cor, etnia, etc.). Sendo assim, qualquer conduta
prevista nos artigos anteriores não deixaria de, teoricamente, incidir
também no artigo 20 caput (de aplicação subsidiária, portanto).

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Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a
qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos (...)
Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada (...)
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-
se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (...)
Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau (...)

Etc

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Voluntariedade

Quanto à voluntariedade, exige-se o dolo.

16
O tipo exige elemento subjetivo específico?

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Uma corrente defende a necessidade da existência de elemento subjetivo
específico consistente na vontade declarada de discriminar, segregar,
mostrar-se superior.

Temos uma segunda corrente em polo extremo, dispensando, em qualquer


caso, a demonstração do elemento subjetivo específico e considerando crime
de racismo até mesmo as manifestações jocosas que acarretem
discriminação.

18
Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de
1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com
intuito de descontração, diversão ou recreação. (Incluído pela Lei nº
14.532, de 2023)

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RACISMO RECREATIVO

20
O racismo recreativo

O racismo na sua faceta “Racismo Recreativo” surge da obra homônima


escrita por Adilson José Moreira, doutor em Direito Constitucional Comparado
pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard.

Para Moreira, a conceituação de Racismo Recreativo é de “um projeto de


dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de
poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na
utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial”.

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Quando o crime do art. 20 se consuma?

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Consumação e tentativa

A conduta de praticar, assim como as de induzir ou incitar, consumam-se


independentemente da ocorrência de resultado naturalístico, bastando para
tanto a prática discriminatória. Crime formal, portanto.

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§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo. (Redação dada pela Lei nº
9.459, de 15/05/97)

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

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Bem jurídico tutelado

O direito à igualdade dos seres humanos, haja vista que a ideologia nazista
pregava a superioridade da raça ariana (etnia branco-caucasiana), além disso
objetiva resguardar a paz social.

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Condutas

As condutas nucleares são: fabricar, comercializar, distribuir ou veicular.


Fabricar é construir, manufaturar; comercializar significa negociar; distribuir,
tem o sentido de disponibilizar; veicular significa difundir, propagar.

Qual o objeto material do crime?

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Tais condutas devem estar relacionadas aos objetos materiais do crime,
quais sejam, o símbolo (sinal representativo), emblema (está relacionado à
identificação visual, não deixando de ser uma figura simbólica representativa
de algo), ornamentos (são objetos de embelezamento, adereços), distintivos
(sinal indicativo de algum cargo ou posto), propaganda (divulgação de ideias
ou preceitos), os quais utilizem (usem) a cruz suástica ou gamada (antigo
símbolo religioso em forma de cruz grega com as extremidades das hastes
prolongadas em ângulo reto, que foi adotado como símbolo do regime
nazista, tendo como líder supremo o Führer Adolf Hitler).

27
28
Voluntariedade

Quanto à voluntariedade, exige-se o dolo, inexistindo a forma culposa.

29
Consumação e tentativa:

Crime de mera conduta. Basta para sua configuração a prática de uma (ou
mais) das condutas nucleares, desde que motivada pelo especial fim de agir
para fins de divulgação do nazismo (elemento subjetivo específico). O tipo é
misto alternativo, ou seja, o sujeito ativo pode praticar uma ou mais condutas
previstas no tipo penal, porém incidirá em apenas um crime.

É plenamente possível a tentativa, notadamente na forma plurissubsistente


(quando cometido por mais de um ato).

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§ 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por
intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes
sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer
natureza: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

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Discriminação e preconceito pela internet (art. 20, § 2º, Lei nº 7.716/89; e
Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, cf. Decreto nº 65.810/69).

“No caso, a publicação de conteúdo discriminatório, em redes sociais, contra o


povo judeu, uma vez de amplo acesso a qualquer pessoa, inclusive no
exterior, atrai a competência da Justiça Federal” (STJ, CC nº 163.420/PR, rel.
Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13.05.20).

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§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no
contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais
destinadas ao público: (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência,
por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou
culturais destinadas ao público, conforme o caso. (Incluído pela Lei nº
14.532, de 2023)

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§ 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas
mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou
empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas
religiosas. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

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RACISMO RELIGIOSO

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O racismo religioso
A liberdade religiosa vem assegurada constitucionalmente através do art. 5º,
VI da Constituição Federal e, teoricamente pode ser subdividida em três
espécies:
a) liberdade de consciência: é o direito da pessoa em seguir suas próprias
convicções, escolher seus padrões de valoração ética ou moral.
b) liberdade de crença: é o direito da pessoa em seguir ou não uma religião
sem sofrer qualquer tipo de preconceito ou perseguição por tal escolha,
incluindo aqui o direito do proselitismo religioso (ou seja, o empreendimento
de argumentos e esforços para que outras pessoas convertam-se à sua
religião).
c) liberdade de culto: é o direito do desenvolvimento de cultos e rituais
individuais ou coletivos próprios de cada uma das religiões.
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O Estatuto da Igualdade Racial garante:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o


livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias” (art. 23).

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Determina, ainda, que o Poder Público detém a obrigação de adotar as
medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de
matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, visando: a) coibir a
utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições,
imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao
desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas; b)
inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor
artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos
vinculados às religiões de matrizes africanas; c) assegurar a participação
proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado
da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos e
outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público.

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§ 3º No caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o
Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial,
sob pena de desobediência: (Redação dada pela Lei nº 14.532, de
2023)
I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do
material respectivo;(Incluído pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)
II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas,
eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; (Redação dada pela
Lei nº 12.735, de 2012)
III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação
na rede mundial de computadores. (Incluído pela Lei nº 12.288, de
2010)

39
O parágrafo terceiro trata de medidas cautelares (ou assecuratórias) que
visam à interrupção da potencialidade delitiva ou da própria conduta
aparentemente criminosa em si considerada.

40
§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito
em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. (Incluído
pela Lei nº 9.459, de 15/05/97)

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Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as
penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados
por funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas
funções ou a pretexto de exercê-las. (Incluído pela Lei nº 14.532, de
2023)

42
Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como
discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a
grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha,
medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a
outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou
procedência. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

43
Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos
crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor
público. (Incluído pela Lei nº 14.532, de 2023)

44
Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função
pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do
estabelecimento particular por prazo não superior a três meses.

(...)

Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 (vetado) desta Lei não
são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

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