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19/05/2022 17:39 A Lei nº 7.

716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas - Buscador Dizer o Direito

A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas


homofóbicas e transfóbicas
Direito Penal  Racismo (Lei 7.716/89)  Geral

Origem: STF - Informativo: 944 (https://www.buscadordizerodireito.com.br/informativo/listar?numero=944)

Resumo

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a


implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do
art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas,
reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à
identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e
mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na
Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio
doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal,
art. 121, § 2º, I, “in fine”);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou
limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação
confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos,
mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-
brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente,
pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de
externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e
códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária
e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto
e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua
atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem
discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a
discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua
orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para
além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto
manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada

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pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à


dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e
da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não
pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada
estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição
de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa
inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de
exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson
Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

Comentários

Lei nº 7.716/89
A Lei nº 7.716/89 prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.
O art. 20 da Lei nº 7.716/89, por exemplo, trata sobre o crime de racismo:
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.

Além dele, existem outros delitos tipificados pela Lei nº 7.716/89, como, por exemplo, os
arts. 5º e 13:

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a


servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das
Forças Armadas.
Pena: reclusão de dois a quatro anos.

O grande ponto, contudo, da Lei nº 7.716/89 é que ela prevê que a punição para essas
condutas ocorre se o preconceito manifestado for em razão da raça ou da cor da vítima.
O art. 20 fala também em preconceito relacionado com a etnia, religião e procedência

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nacional.

Preconceito
É o pensamento que existe em determinados indivíduos no sentido de que certas
pessoas ou grupos sociais são inferiores, nocivos, prejudiciais.
“O preconceito é subjetivo, interior, está no intelecto da pessoa, configura um pré-
julgamento negativo com relação a outro indivíduo ou grupo.” (LAURIA, Mariano Paganini.
Leis Penais Especiais comentadas artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 534).

Discriminação
É a exteriorização do preconceito por meio da prática de atos materiais.

Raça
O conceito de “raça” é amplo e não está limitado a uma definição biológica.
Em outras palavras, o conceito de raça não exige que as pessoas possuam as mesmas
características genéticas, tais como cor do cabelo, dos olhos e da pele (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 534).
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente
político-social.” (Min. Maurílio Correia no HC 82424, julgado pelo STF em 17/09/2003).
Assim, por exemplo, os judeus são uma raça, mesmo que os indivíduos que componham
essa coletividade possuam características genéticas distintas entre si.

Cor
É a cor que a pessoa possui. É tonalidade, a pigmentação da pele.

Etnia
São os grupos humanos que apresentam aspectos comuns, tais como língua, religião e
maneiras de agir. Trata-se do “conceito mais adotado e recomendado pela sociologia
hodiernamente para designar o que antes era entendido por ‘raça’”. (LAURIA, Mariano
Paganini. ob. cit., p. 507).
Exemplos: índios, árabes, judeus, quilombolas.

Religião

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“Religião pode ser conceituada como conjunto de crenças relacionadas ao divino e


sagrado, permeada por uma série de rituais e códigos morais derivados de tais
convicções. Não se inclui o ateísmo (ausência de crença religiosa), prevalecendo o
entendimento de que este é justamente a negação da crença na existência de uma
divindade superior, motivo pelo qual não poderia ser equiparado à religião, constituindo-
se em espécie de doutrina filosófica. A discriminação por ateísmo seria, assim, fato
atípico.” (LAURIA, Mariano Paganini. ob. cit., p. 508).

Procedência nacional
É o lugar de onde a pessoa veio, ou seja, o lugar onde ela nasceu ou morava.
Interessante ressaltar que, segundo a doutrina, este conceito abrange tanto os
estrangeiros (ex: venezuelanos, haitianos) como também os nacionais que se deslocam
dentro do país (exs: nortistas, nordestinos, sulistas etc.).

A Lei nº 7.716/89 previu, expressamente, que os crimes nela tipificados podem ser
aplicados em caso de manifestações de preconceito relacionadas com orientação
sexual? A Lei nº 7.716/89 prevê, expressamente, punição para condutas homofóbicas
e transfóbicas?
NÃO. A Lei nº 7.716/89 não traz, expressamente, previsão para punição de condutas
homofóbicas e transfóbicas.
A doutrina e a jurisprudência, por sua vez, afirmavam que o rol de elementos de
preconceito e discriminação do art. 20 era taxativo. Nesse sentido: STF. 1ª Turma. Inq
3590/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12/8/2014.

Projetos de lei
Tramitavam no Congresso Nacional alguns projetos de lei buscando incluir,
expressamente, na Lei nº 7.716/89, como crime, as condutas homofóbicas e
tansfóbicas. Contudo, sempre se observou uma resistência muito grande de certos
setores da sociedade com a punição de tais condutas e, em razão disso, esses projetos
nunca foram aprovados.

Mandado de injunção
Diante do cenário acima descrito, em 2012, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF no qual pediu o
reconhecimento de que a homofobia e a transfobia se enquadrassem no conceito de

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racismo ou, subsidiariamente, que fossem entendidas como discriminações atentatórias


a direitos e liberdades fundamentais.
Com fundamento nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição Federal, a ABGLT
sustentou que a demora do Congresso Nacional é inconstitucional, tendo em vista o
dever de editar legislação criminal sobre a matéria.
O Min. Edson Fachin foi sorteado relator deste mandado de injunção.

ADO
Cerca de um ano depois, em 2013, o Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou ação direta
de inconstitucionalidade por omissão( ADO ), na qual pediu que o STF declarasse a
omissão do Congresso Nacional por não ter votado projeto de lei que criminaliza atos de
homofobia.
A ação foi proposta a fim de que seja imposto ao Poder Legislativo o dever de elaborar
legislação criminal que puna a homofobia e a transfobia como espécies do gênero
“racismo”.
A criminalização específica, conforme o partido, decorre da ordem constitucional de
legislar relativa ao racismo - crime previsto no art. 5º, XLII, da Constituição Federal - ou,
subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais
(art. 5º, XLI) ou, ainda, também subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na
acepção de proibição de proteção deficiente (art. 5º, LIV).
De acordo com o partido, o Congresso Nacional tem se recusado a votar o projeto de lei
que visa efetivar tal criminalização.
O Min. Celso de Mello foi designado como relator da ADO .

Síntese dos argumentos


As duas ações desenvolveram a seguinte linha de raciocínio:
• a CF/88 possui mandados de criminalização, ou seja, “ordens” dadas pelo legislador
constituinte ao legislador infraconstitucional (Congresso Nacional) no sentido de que ele
deveria editar lei punindo criminalmente condutas que configurem discriminação e
racismo. Esses mandados de criminalização estão em dois dispositivos constitucionais:

Art. 5º (...)
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei;

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• o Congresso Nacional já puniu diversas condutas discriminatórias na Lei nº 7.716/89,


mas continua sendo omisso no que tange à homofobia e transfobia. Logo, essa omissão
precisa ser corrigida;
• a Lei nº 7.716/89 pune condutas racistas. Enquanto não se edita uma lei específica para
se punir as condutas homofóbicas e transfóbicas, deve-se aplicar os crimes previstos na
Lei nº 7.716/89 para tais condutas. Isso porque o conceito de racismo é amplo, não
ficando limitado a uma definição biológica.

Depois de muitas sessões de discussão, o que decidiu o STF? O STF concordou com
as ações propostas?
SIM.
Quanto ao MI:
O STF, por maioria, julgou procedente o mandado de injunção para:
a) reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e;
b) aplicar, com efeitos prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a
respeito, a Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

Quanto à ADO:
O STF, também por maioria, julgou a ADO procedente, com eficácia geral e efeito
vinculante, para:
a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na
implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação
a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção
penal aos integrantes do grupo LGBT;
b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do
Poder Legislativo da União;
c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º,
da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99:

Art. 103 (...)


§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo

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em trinta dias.

Da Decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão


Art. 12-H. Declarada a inconstitucionalidade por omissão, com observância do
disposto no art. 22, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias.

d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de


incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a
homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos
tipos penais definidos na Lei nº 7.716/89, até que sobrevenha legislação autônoma,
editada pelo Congresso Nacional, por dois motivos:
d.1) porque as práticas homotransfóbicas qualificam-se como espécies do gênero
racismo, na dimensão de racismo social consagrada pelo Supremo Tribunal Federal no
julgamento plenário do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), na medida em que tais condutas
importam em atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT,
em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero;
d.2) porque tais comportamentos de homotransfobia ajustam-se ao conceito de atos de
discriminação e de ofensa a direitos e liberdades fundamentais daqueles que compõem
o grupo vulnerável em questão;

e) declarar que os efeitos da interpretação conforme a que se refere a alínea “d” somente
se aplicarão a partir da data em que se concluir o presente julgamento.

O tema é extremamente amplo e irei fazer um breve resumo dos principais


argumentos apresentados pelos Ministros

Min. Celso de Mello


Ausência de proteção estatal a condutas homofóbicas e transfóbicas
O gênero e a orientação sexual constituem elementos essenciais e estruturantes da
própria identidade da pessoa humana e integram uma das mais íntimas e profundas
dimensões de sua personalidade.
No entanto, devido à ausência de adequada proteção estatal, especialmente em razão da
controvérsia gerada pela denominada “ideologia de gênero”, os integrantes da
comunidade LGBT acham-se expostos a ações de caráter segregacionista, com caráter

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homofóbico, que têm por objetivo limitar ou suprimir prerrogativas essenciais de gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transgêneros e intersexuais, entre outros.
Tais práticas culminam no tratamento dessas pessoas como indivíduos destituídos de
respeito e consideração, degradados ao nível de quem não tem nem sequer direito a ter
direitos, por lhes ser negado, mediante discursos autoritários e excludentes, o
reconhecimento da legitimidade de sua própria existência.
Essa visão de mundo, fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças
biológicas entre o homem e a mulher devem determinar os seus papéis sociais, impõe
uma inaceitável restrição às suas liberdades fundamentais, com a submissão dessas
pessoas a um padrão existencial heteronormativo, incompatível com a diversidade e o
pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática, e, ainda, a imposição da
observância de valores que, além de conflitarem com sua própria vocação afetiva,
conduzem à frustração de seus projetos pessoais de vida.

Existe um dever imposto pela CF/88 ao Congresso Nacional para que se crie normas
de punição das condutas discriminatórias
A Constituição Federal possui dois mandados de incriminação para condutas
discriminatórias: art. 5º, incisos XLI e XLII.
Assim, é possível concluir que a omissão do Congresso Nacional em produzir normas
legais de proteção penal à comunidade LGBT traduz situação configuradora de ilicitude,
em afronta ao texto da CF/88.

Há descumprimento, por inércia estatal, de norma impositiva de comportamento


atribuído ao Parlamento
Na tipologia das situações inconstitucionais, estamos diante do descumprimento, por
inércia estatal, de uma norma impositiva de determinado comportamento atribuído ao
poder público pela própria Constituição.
Trata-se, portanto, de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa.
Há uma imposição constitucional de legislar e um estado de mora do legislador, mora
essa que já superou, de forma excessiva, qualquer prazo razoável, considerando que a
Constituição Federal foi editada em 1988.
Esse cenário faz com que se chegue à conclusão de que estão presentes os requisitos
para a declaração de inconstitucionalidade por omissão.

ADO como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas

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A ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser vista como instrumento de
concretização das cláusulas constitucionais frustradas pela inaceitável omissão do
poder público.
Isso porque as imposições feitas pela Constituição não podem ficar na inadmissível
condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador
comum.

Possibilidade diante do reconhecimento da omissão


Pois bem. Ficou reconhecido que há uma mora imputável ao Congresso Nacional. O Min.
Celso de Mello afirmou que haveria duas possibilidades de o STF agir diante disso:
a) apenas cientificar o Congresso Nacional para que ele adote, em prazo razoável, as
medidas necessárias à efetivação da norma constitucional (art. 103, § 2º, c/c art. 12-H
da Lei nº 9.868/99); ou
b) reconhecer, imediatamente, que a homofobia e a transfobia enquadram-se, mediante
interpretação conforme à Constituição, na noção conceitual de racismo prevista na Lei nº
7.716/89.

Mero apelo ao legislador não tem sido eficaz


Para o Min. Celso de Mello, o mero apelo ao legislador não tem se mostrado uma
solução eficaz, em razão da indiferença do Poder Legislativo que, em determinadas
decisões anteriormente emanadas do STF, tem persistido em permanecer em estado de
inadimplemento da prestação legislativa que lhe incumbe promover.
Diante disso, o STF, ao longo dos últimos trinta anos, evoluiu no plano jurisprudencial em
busca da construção de soluções que pudessem fazer cessar esse estado de
inconstitucional omissão normativa. Isso se deu, por exemplo, no caso do direito de
greve por servidores públicos, no qual o STF determinou que, diante da ausência da lei
prevista no art. 37, VII, da CF/88, os servidores públicos podem fazer greve, devendo ser
aplicadas as leis que regulamentam a greve para os trabalhadores da iniciativa privada
(Lei nº 7.701/88 e Lei nº 7.783/89): STF. Plenário. MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgado em 25/10/2007.

Esse exercício de interpretação não significa legislar (não se está usurpando a


competência do CN)
Para o Ministro, essa postura adotada no caso da greve – que não se limita a cientificar o
Congresso da mora, fornecendo, desde logo, uma solução jurídica para o caso – é um
procedimento hermenêutico realizado pelo Poder Judiciário para extrair a necessária
interpretação dos diversos diplomas legais.
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Segundo o Ministro, isso não se confunde com o processo de elaboração legislativa, ou


seja, não se pode dizer que o STF esteja legislando.
O processo de interpretação dos textos legais e da Constituição não importa em
usurpação das atribuições normativas dos demais poderes da República.

Conceito de “raça”
O conceito de “raça” que compõe a estrutura normativa dos tipos penais incriminadores
previstos na Lei nº 7.716/89 tem merecido múltiplas interpretações, revestindo-se, por
isso, de inegável conteúdo polissêmico (algo que tem muitos significados).
Um exemplo disso foi o célebre julgamento do “caso Ellwanger” (HC 82424), em
setembro de 2003, quando o STF manteve a condenação imposta ao escritor gaúcho
Siegfried Ellwanger por crime de racismo contra os judeus. Naquela ocasião, o STF
afastou a alegação da defesa de que os “judeus” não seriam uma “raça”. Pode-se dizer,
portanto, que o STF adotou uma espécie de conceito “social” de raça.

(...) 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do


genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela
segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras
características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há
diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e
racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo
meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez,
gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...)
STF. Plenário. HC 82424, Relator p/ Acórdão Min. Maurício Corrêa, julgado em
17/09/2003.

Racismo é um conceito aberto que abrange preconceitos contra pessoas em razão de


sua orientação sexual ou identidade de gênero
Assim, a noção de racismo – para efeito de configuração típica dos delitos previstos na
Lei nº 7.716/89 – não se resume a um conceito de ordem estritamente antropológica ou
biológica. Projeta-se, ao contrário, numa dimensão abertamente cultural e sociológica, a
abranger até mesmo situações de agressão injusta resultantes de discriminação ou de
preconceito contra pessoas por sua orientação sexual ou sua identidade de gênero.

Atos homofóbicos e transfóbicos são formas contemporâneas de racismo

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A configuração de atos homofóbicos e transfóbicos como formas contemporâneas do


racismo objetiva preservar a incolumidade dos direitos da personalidade, como a
essencial dignidade da pessoa humana.
Busca inibir, desse modo, comportamentos abusivos que possam, impulsionados por
motivações subalternas, disseminar criminosamente o ódio público contra outras
pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.

Interpretação conforme
Vale ressaltar que a aplicação da Lei nº 7.716/89 para condutas homofóbicas e
transfóbicas resulta da aplicação do método da interpretação conforme.
Assim, fazendo-se uma intepretação conforme do conceito de “raça”, previsto na Lei nº
7.716/89, chega-se à conclusão de que ele pode abranger também orientação sexual e
identidade de gênero.
Nas exatas palavras do Min. Celso de Mello:
“A constatação da existência de múltiplas expressões semiológicas propiciadas pelo
conteúdo normativo da ideia de “raça” permite reconhecer como plenamente adequado o
emprego, na presente hipótese, da técnica de decisão e de controle de
constitucionalidade fundada no método da interpretação conforme à Constituição.”

Não se trata de analogia


Atenção. Para o Min. Celso de Mello, a construção que foi feita, ou seja, a aplicação da
Lei nº 7.716/89 às condutas homofóbicas e transfóbicas, não é aplicação analógica.
Para ele, houve apenas interpretação conforme a Constituição. Confira:
“A solução propugnada não sugere a aplicação analógica das normas penais
previstas na Lei 7.716/1989 nem implica a formulação de tipos criminais ou
cominação de sanções penais.
É certo que, considerado o princípio constitucional da reserva absoluta de lei
formal, o tema pertinente à definição de tipo penal e à cominação de sanção penal
subsume-se ao âmbito das normas de direito material, de natureza eminentemente
penal, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de parlamento.
Assim, inviável, em controle abstrato de constitucionalidade, colmatar, mediante
decisão desta Corte Suprema, a omissão denunciada pelo autor da ação direta,
procedendo-se à tipificação penal de condutas atentatórias aos direitos e
liberdades fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.

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Na verdade, a solução ora proposta limita-se à mera subsunção de condutas


homotransfóbicas aos diversos preceitos primários de incriminação definidos em
legislação penal já existente (Lei 7.716/1989), pois os atos de homofobia e de
transfobia constituem concretas manifestações de racismo, compreendido em sua
dimensão social, ou seja, o denominado racismo social.”

Não há ofensa à liberdade religiosa


É necessário destacar que a decisão, no presente caso, não implica a ocorrência de
qualquer ofensa ou dano potencial à liberdade religiosa, qualquer que seja a dimensão
em que aquela se projete.
A liberdade religiosa faz parte do regime democrático e não pode nem deve ser impedida
pelo poder público nem submetida a ilícitas interferências do Estado.
A adoção pelo Estado de meios destinados a impedir condutas homofóbicas e
transfóbicas em hipótese alguma poderá restringir ou suprimir a liberdade de
consciência e de crença, nem autorizar qualquer medida que interfira nas celebrações
litúrgicas ou que importe em cerceamento à liberdade de palavra, seja como instrumento
de pregação da mensagem religiosa, seja, ainda, como forma de exercer o proselitismo
em matéria confessional em espaços públicos ou privados.
Há que se preservar, portanto, a possibilidade de os líderes e membros das religiões
exporem suas narrativas, conselhos, lições ou orientações constantes de seus livros
sagrados, seja qual for a religião (como a Bíblia, a Torah, o Alcorão, a Codificação Espírita,
os Vedas hindus e o Dhammapada budista).
Essas práticas não configuram delitos contra a honra, porque veiculados com o intuito de
divulgar o pensamento resultante do magistério teológico e da filosofia espiritual que são
próprios de cada uma dessas denominações confessionais. Tal circunstância
descaracteriza, por si só, o intuito doloso dos delitos contra a honra, a tornar legítimos o
discurso e a pregação como expressões dos postulados de fé dessas religiões.

Em caso de insultos, ofensas ou estimulo à violência, poderá haver crime


Por outro lado, o direito de dissentir deixa de ser legítimo quando a sua exteriorização
ofender valores e bens jurídicos igualmente protegidos pela ordem constitucional, como
sucede com o direito de terceiros à incolumidade de seu patrimônio moral.
Assim, pronunciamentos de índole religiosa que extravasem (extrapolem) os limites da
livre manifestação de ideias, constituindo-se em insultos, ofensas ou em estímulo à
intolerância e ao ódio público contra os integrantes da comunidade LGBT, não merecem
proteção constitucional e não podem ser considerados liberdade de expressão. Em tais
situações, haverá crime.

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Função contramajoritária do STF


Para o Min. Celso de Mello, este julgamento reflete a função contramajoritária que o STF
possui de, no Estado Democrático de Direito, conferir efetiva proteção às minorias.
É uma função exercida no plano da jurisdição das liberdades.
Nesse sentido, o STF desempenha o papel de órgão investido do poder e da
responsabilidade institucional de proteger as minorias contra eventuais excessos da
maioria ou contra omissões que se tornem lesivas, diante da inércia do Estado, aos
direitos daqueles que sofrem os efeitos perversos do preconceito, da discriminação e da
exclusão jurídica.
Assim, para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica
meramente conceitual ou simplesmente formal, torna-se necessário assegurar às
minorias a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, os direitos
fundamentais assegurados a todos. Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos
majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República.

Min. Edson Fachin


A CF/88 impõe um dever estatal de legislar (mandado de criminalização contra a
discriminação homofóbica e transfóbica) em seu art. 5º, XLI, da CF/88.
O trâmite de projetos de lei sobre a matéria no Congresso Nacional não obsta o
conhecimento do mandado de injunção, haja vista jurisprudência do STF no sentido de
que esse fato não serve para afastar o reconhecimento da omissão inconstitucional.
Há um quadro de violações sistemáticas aos direitos da população LGBTI, constatado
também pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pelo Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas.
No mérito, o Ministro consignou que o direito constante do art. 5º, XLI, efetivamente
contém mandado de criminalização contra a discriminação homofóbica e transfóbica.
Ante a mora do Congresso Nacional, essa ordem comporta, até que seja suprida, a
colmatação pelo STF por meio de interpretação conforme da legislação de combate à
discriminação.
A seu ver, conforme o inciso XLI, qualquer espécie de discriminação é atentatória ao
Estado Democrático de Direito, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das
pessoas ou na sua identidade de gênero.
Vale ressaltar que na ADI 4275 o STF consignou que o direito à igualdade sem
discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e a orientação sexual.
Ademais, no âmbito internacional, o posicionamento é na mesma direção.

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O princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição de proteção insuficiente, é


o fundamento pelo qual o STF tem reconhecido que o Direito Penal pode ser um
instrumento adequado para a proteção dos bens jurídicos expressamente indicados pelo
texto constitucional. Os tratados internacionais de que a República brasileira é parte
também contêm mecanismos de proteção proporcional. À luz desses tratados, dessume-
se da leitura da CF/1988 um mandado constitucional de criminalização no tocante a toda
e qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, incluída a
de orientação sexual e de identidade de gênero.
O mandado de injunção é a garantia para a efetividade do direito protegido pelo mandado
de criminalização e que o STF compreendeu ser cabível ao Poder Judiciário atuar nas
hipóteses de inatividade ou omissão do Legislativo.
No caso, além da falta de norma que proteja o público LGBT, verifica-se também uma
situação de ofensa ao princípio da igualdade. Isso porque condutas igualmente
reprováveis recebem tratamento jurídico distinto. Ex: impedir ou obstar acesso a órgão
da Administração Pública, ou negar emprego em empresa privada, por preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional são condutas típicas, nos termos da Lei
nº 7.716/89. Se as mesmas condutas fossem praticadas com preconceito a
homossexual ou transgênero, não haveria crime.
Dessa maneira, a omissão legislativa em tipificar a discriminação por orientação sexual
ou identidade de gênero ofende um sentido mínimo de justiça ao sinalizar a tolerância à
violência dirigida a pessoa, como se não fosse digna de viver em igualdade.
Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade. É preciso
dar sentido e concretude ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana,
que se torna passível de aplicação direta à situação em análise, por ter sido seu conteúdo
nitidamente violado.
É certo que não pode o STF substituir o legislador, mas aqui há comando constitucional
para regulamentar situações concretas. Lei específica sobre o tema deveria ter sido
editada, porque o legislador constituinte originário, desde 1988, vinculou o legislador
derivado. A falta de norma inviabiliza o exercício de direitos, e o texto constitucional não
exclui o mandado de injunção de qualquer seara específica de incidência.
O Min. Fachin também sustentou que o STF não está fazendo analogia in malam partem
ao aplicar a Lei nº 7.716/89 para manifestações homofóbicas ou transfóbicas. A CF
contém expresso comando de punição penal para a discriminação homofóbica e a
extensão prospectiva da lei de discriminação racial, até a edição específica de norma
pelo Poder Legislativo, não viola o princípio da anterioridade da lei penal.

Min. Alexandre de Moraes

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O Min. Alexandre de Moraes também acompanhou os relatores pela procedência das


ações.
Em seu voto, reconheceu a inconstitucionalidade por omissão do Congresso Nacional
em editar norma protetiva à comunidade LGBTI. Segundo ele, a atuação do Congresso
Nacional em relação a grupos tradicionalmente vulneráveis foi sempre no sentido de que
a ampla proteção depende de lei penal. O Congresso atuou dessa forma em relação às
crianças e aos adolescentes, aos idosos, às pessoas com deficiência, às mulheres e até
aos consumidores, No entanto, passados 30 anos da Constituição Federal, só a
discriminação homofóbica e transfóbica permanece sem nenhum tipo de aprovação. O
único caso em que o próprio Congresso não seguiu o seu padrão.
A compreensão de que as práticas homofóbicas configuram racismo social, segundo o
Ministro, não ofendem a liberdade religiosa, que é consagrada constitucionalmente.

Min. Roberto Barroso


O Min. Luís Roberto Barroso também reconheceu a omissão legislativa. Ele observou que
é papel do STF, no entanto, estabelecer diálogo respeitoso com o Congresso e também
com a sociedade. “Se o Congresso atuou, a sua vontade deve prevalecer. Se não atuou e
havia um mandamento constitucional nesse sentido, que o Supremo atue para fazer
valer o que está previsto na Constituição”.
A regra geral, afirmou, é a de autocontenção, deixando o maior espaço possível para a
atuação do Legislativo. “Porém, quando estão em jogo direitos fundamentais ou a
preservação das regras do jogo democrático, se justifica uma postura mais proativa do
STF”. Esse é o caso dos autos.
Barroso explicou que a punição para atos de homofobia e transfobia deve ser de
natureza criminal por três razões: a relevância do bem jurídico tutelado e a
sistematicidade de violação a este direito, o fato de que outras discriminações são
punidas pelo direito penal e a circunstância de que a punição administrativa não é
suficiente, uma vez que não coíbe de maneira relevante as violências homofóbicas.
“Deixar de criminalizar a homofobia seria tipicamente uma hipótese de proteção
deficiente”.
Afirmou que a solução dada (aplicar a Lei do Racismo) não configura analogia nem
interpretação extensiva. Isso porque no conceito de racismo firmado pelo STF estão
colhidas as situações tipificadas na lei.
Por fim, o Ministro também acolheu o pedido para interpretar o Código Penal conforme a
Constituição para fixar que, se a motivação de homicídio for a homofobia, estará
caracterizado o motivo fútil ou torpe, constituindo circunstância agravante ou
qualificadora.

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Min. Cármen Lúcia


A Min. Cármen Lúcia acompanhou os relatores pela procedência dos pedidos. Ela avaliou
que, após tantas mortes, ódio e incitação contra homossexuais, não há como
desconhecer a inércia do legislador brasileiro e afirmou que tal omissão é
inconstitucional.

Min. Gilmar Mendes


O Min. Gilmar Mendes acompanhou a maioria dos votos pela procedência das ações.
Além de identificar a inércia do Congresso Nacional, ele entendeu que a interpretação
apresentada pelos relatores de que a Lei do Racismo também pode alcançar os
integrantes da comunidade LGBT é compatível com a Constituição Federal.

Min. Ricardo Lewandowski (vencido)


O Min. Ricardo Lewandowski reconheceu a mora legislativa e a necessidade de dar
ciência dela ao Congresso Nacional a fim de que seja produzida lei sobre o tema. No
entanto, entendeu que a homofobia e a transfobia não se enquadram na Lei do Racismo.
É indispensável a existência de lei para que seja viável a punição penal de determinada
conduta.
“A extensão do tipo penal para abarcar situações não especificamente tipificadas pela
norma incriminadora parece-me atentar contra o princípio da reserva legal, que constitui
uma garantia fundamental dos cidadãos que promove a segurança jurídica de todos”.

Min. Marco Aurélio (vencido)


Para o Min. Marco Aurélio, a Lei do Racismo não pode ser ampliada em razão da
taxatividade dos delitos expressamente nela previstos. Ele considerou que a sinalização
do STF para a necessária proteção das minorias e dos grupos socialmente vulneráveis,
por si só, contribui para uma cultura livre de todo e qualquer preconceito e discriminação,
preservados os limites da separação dos Poderes e da reserva legal em termos penais.

Min. Dias Toffoli (vencido)


O Min. Dias Toffoli acompanhou o ministro Ricardo Lewandowski pela procedência
parcial dos pedidos, com a mera notificação do Congresso Nacional acerca da mora.

Teses fixadas pelo STF:

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1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar


os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da
Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou
supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de
gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em
sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação
típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de
08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância
que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”);

2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou


limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação
confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos,
mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-
brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente,
pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de
externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos
sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou
teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e
respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua
atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem
discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a
discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua
orientação sexual ou de sua identidade de gênero;

3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para


além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto
manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada
pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à
dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da
humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não
pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura
social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de
marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa
inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de
exclusão do sistema geral de proteção do direito.
STF. Plenário ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin,
julgados em em 13/6/2019 (Info 944).

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19/05/2022 17:39 A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas - Buscador Dizer o Direito

Como citar este texto

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A Lei nº 7.716/89 pode ser aplicada para punir as
condutas homofóbicas e transfóbicas. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ae581798565c3b1c5
87905bff731b86a
(https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/ae581798565c3b1c58
7905bff731b86a)>. Acesso em: 19/05/2022

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