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O presente estudo laboratorial tem como objetivo investigar a produção de β-

galactosidase pela levedura Kluyveromyces marxianus. Nesse contexto, os principais objetivos


foram caracterizar a cinética de crescimento da levedura, analisar o consumo de substrato,
bem como o perfil de produção de metabolitos, além de realizar a rutura celular.
Posteriormente, procurou-se determinar a concentração de proteínas presente no meio obtido
e avaliar a atividade enzimática. A análise, que se realizou, da cinética de crescimento da
levedura permitiu compreender as fases de crescimento, taxa de multiplicação celular e tempo
necessário. A avaliação do consumo de substrato forneceu informações sobre a eficiência de
utilização do meio de cultura pela levedura, bem como a produção de metabólitos secundários
durante o processo fermentativo. Além disso, a rutura celular foi realizada com o intuito de
liberar as proteínas intracelulares, incluindo a β-galactosidase, permitindo assim a análise de
sua atividade enzimática. A determinação da concentração de proteínas no meio obtido após a
rutura celular foi essencial para quantificar a quantidade de enzima presente. Essas análises e
determinações forneceram uma compreensão abrangente do processo de produção de β-
galactosidase pela levedura Kluyveromyces marxianus, contribuindo para o conhecimento
científico na área de biotecnologia e possibilitando aplicações práticas no campo da indústria
alimentícia e de bioprocessos.

A β-galactosidase, também conhecida como lactase, é uma enzima essencial usada na


indústria para quebrar a lactose presente no leite em glicose e galactose, dois
monossacarídeos. A sua relevância é destacada pelo papel que desempenha na produção de
produtos lácteos para pessoas com intolerância à lactose, além de prevenir a cristalização
desse dissacarídeo nesses produtos. Essa enzima é amplamente encontrada na natureza,
presente em animais, plantas e microrganismos, embora as suas características variem de
acordo com a fonte. As melhores condições operacionais de temperatura e pH para sua
atividade variam dependendo da origem da enzima. A hidrólise enzimática da lactose é
preferível à hidrólise química, uma vez que permite condições moderadas de temperatura e pH
durante o processo, evitando a formação de subprodutos que contribuem para sabores, odores
ou cores desagradáveis, os quais são comuns nos métodos ácidos. Além disso, as propriedades
nutricionais dos produtos lácteos não são alteradas [1].
Figura 1 - Hidrólise da lactose em galactose e glucose, pela enzima β-galactosidase.

O crescimento microbiano é o aumento no número de células microbianas num


ambiente adequado para a sua reprodução e sobrevivência. Este está diretamente associado
ao crescimento de uma população de células. Durante este crescimento, as células microbianas
consomem nutrientes do ambiente e utilizam esses nutrientes para produzir energia e
biomassa.
Na operação em descontínuo, todos os nutrientes são adicionados ao meio de cultura
no início do processo, e os produtos são retirados apenas no final da fermentação. Num
sistema fechado, conhecido como cultura descontínua ou "batch", é possível traçar uma curva
que representa o crescimento de uma cultura microbiana. Essa curva é obtida ao acompanhar
o crescimento da população de células ao longo do tempo e representar graficamente o
logaritmo do número de células por unidade de volume ou da densidade ótica, DO, ou da
concentração de biomassa, X, em função do tempo.
As células microbianas que estão a crescer numa cultura descontínua, normalmente
passam por quatro etapas bem definidas: a fase de latência ou lag (fase inicial de inatividade),
a fase exponencial (fase de crescimento rápido e progressivo), a fase estacionária (fase em que
o crescimento abranda e se torna mais estável) e a fase de morte ou declínio (final em que o
número de células diminui) [2].
A Figura 2 ilustra essa curva e mostra as fases do crescimento microbiano. Vale
ressaltar que o declive da curva de crescimento indica a taxa específica de crescimento do
microrganismo (µ) [3].
Figura 2 - Fases de crescimento microbiano em cultura descontínua, ao longo do tempo de incubação, t.

A fase de latência ou lag é a fase inicial de crescimento em que as células ajustam o seu
metabolismo ao novo ambiente de cultivo, produzindo grandes moléculas, como os
componentes dos ribossomas necessários para a síntese de proteínas e enzimas necessárias
durante a divisão celular. As células também aumentam em tamanho e começam a se dividir. A
duração dessa fase depende das condições do microrganismo e da natureza do meio em que se
encontram.

Após a fase lag, passamos para a fase exponencial, onde as células estão totalmente
adaptadas ao ambiente, absorvendo os nutrientes e produzindo seus constituintes, tornando-
se mais suscetíveis às alterações do ambiente ao seu redor. A fase exponencial é aquela em
que as bactérias se reproduzem a uma taxa máxima e constante, com um tempo de geração
também constante. A velocidade de multiplicação de uma bactéria específica depende das
condições ideais para cada organismo, como fatores nutricionais, pH, temperatura e
composição do meio [2]. Nesta fase, a taxa de crescimento está diretamente relacionada com a
concentração de células (X) em cada momento, sendo que a constante de proporcionalidade é
igual à taxa específica máxima de crescimento (µ):
d X
d t
¿
µ
(1)
¿
X

Integrando esta equação, obtém-se a equação do tipo exponencial que descreve a


variação da concentração de células com o tempo:

X
¿
X 0
(2)
e µ t

X0 é a concentração de células no tempo inicial.


O tempo de duplicação necessário para uma cultura duplicar depende de vários
fatores, como o arejamento e a composição do meio de cultivo. A partir desta equação define-
se o tempo de duplicação celular (td) como:

td
¿
ln ⁡2
(3)
µ

Quando se altera a concentração de substrato (S) no meio de cultura, mantendo-se a


concentração dos outros componentes, a taxa específica de crescimento geralmente varia de
forma hiperbólica, seguindo a equação de Monod:

µ
¿
µm a x S
(4)
¿
K s+ S

onde Ks é o valor da concentração de reagente limitante para a qual a taxa específica


de crescimento é igual a metade do seu valor máximo.
A quantificação da lactose, que é um substrato essencial no processo de fermentação,
pode ser realizada através de vários métodos analíticos, incluindo o método de DNS (3,5-
dinitrossalicílico) e o método de HPLC.
No que toca ao método DNS, este é utilizado para medir a quantidade de açúcares com
poder redutor e funciona por meio da redução do ácido 3,5-dinitrossalicílico (DNS) a ácido 3-
amino-5-nitrossalicílico em solução alcalina. Nesse processo, os grupos carbonilo dos açúcares
são oxidados a carboxilo. O sal de La Rochelle é adicionado à solução para proteger o reagente
da ação do oxigênio dissolvido. Entretanto, há indícios de que reações secundárias podem
ocorrer durante o teste, envolvendo a decomposição do açúcar em solução alcalina, o que
pode competir com a redução do DNS pelo açúcar. No método DNS ocorre a reação de redução
representada na Figura 3.

Figura 3 - Reação de redução do DNS.


Em relação ao método HPLC, a cromatografia líquida de elevada eficiência, HPLC –High
Performance Liquid Chromatography–, é um processo de separação que consiste na separação
dos componentes da amostra através de uma coluna preenchida com um adsorvente líquido
(fase estacionária), que é revestido num suporte sólido inerte e dividido em pequenas
partículas. A amostra é transportada por um líquido eluente (fase móvel) e durante a passagem
pela coluna, os componentes são separados de acordo com suas propriedades físico-químicas,
como solubilidade, tamanho, carga, afinidade e polaridade, o que faz com que migrem em
velocidades diferentes [4].
Visto que a enzima β-galactosidase é sintetizada endogenamente no interior das
células da levedura Kluyveromyces marxianus, é imprescindível proceder à lise da parede
celular a fim de quantificar a referida proteína e investigar a sua atividade enzimática. Em
virtude disso, o processo de rompimento celular exerce um impacto significativo tanto na
quantidade global de proteína obtida como na sua atividade funcional [5].
A rutura celular desempenha um papel fundamental no procedimento de isolamento
do material celular durante o processo de downstream. Representando a etapa inicial desse
procedimento, a rutura celular exerce uma influência significativa tanto na quantidade de
proteína desejada quanto em sua atividade biológica. Essa fase do processo é considerada
crucial na produção e purificação de enzimas intracelulares, uma vez que desempenha um
papel essencial na recuperação e na qualidade do extrato proteico obtido [6].
A rutura celular por meio do uso de esferas de vidro é um método mecânico
amplamente utilizado, caracterizado pela sua alta eficiência e baixo custo. Nesse método, as
esferas de vidro são adicionadas ao meio de cultura contendo as células alvo. Através de
agitação vigorosa, ocorre a colisão das esferas de vidro com as células, resultando na aplicação
de força de cisalhamento contra a parede celular. Esse impacto mecânico promove danos na
membrana celular, culminando na rutura e subsequente liberação do conteúdo intracelular,
que engloba diversos componentes celulares, como proteínas, enzimas e ácidos nucleicos.
O método de rutura celular utilizando esferas de vidro é realizado através de um
moinho de bolas, que é especialmente concebido para esse propósito. O moinho de bolas é
utilizado para romper células microbianas, fungos filamentosos e microalgas, sendo também
adequado para a rutura de leveduras. É composto por vários elementos, incluindo uma câmara
cilíndrica fechada, um sistema de refrigeração e um eixo que gira a alta velocidade. Assim, o
método das esferas de vidro realizado através de um moinho de bolas é uma abordagem
robusta e eficaz para a rutura celular, sendo amplamente utilizado em várias aplicações
científicas e industriais. A configuração do moinho de bolas, com a sua câmara cilíndrica
fechada, sistema de refrigeração e eixo rotativo de alta velocidade, permite a realização
controlada e eficiente da rutura celular, resultando na libertação dos componentes celulares
desejados [7].
Enquanto a rotura celular por meio de ultrassom é realizada utilizando aparelhos
chamados sonicadores. Esses aparelhos aplicam energia ultrassónica para promover a rotura
das células. O processo de rotura ocorre quando as ondas sonoras são convertidas em
vibrações no meio líquido, resultando na formação de pequenas bolhas. Com o passar do
tempo, essas bolhas entram em colapso, gerando impacto e provocando a rotura das células.
A obtenção da quantidade de proteínas por meio de um método rápido e sensível, com
mínima ocorrência de interferências, frequentemente, é um requisito essencial no contexto
laboratorial para a purificação de proteínas. Diversos métodos são empregues para determinar
a concentração de proteínas, como o método de Lowy. No entanto, este método apresenta
algumas limitações, pois sofre interferências dos iões de potássio e magnésio, assim como do
EDTA, TRIS e carboidratos. Com o objetivo de contornar essas interferências, o método de
Bradford foi adotado na atividade experimental. O método de Bradford é amplamente
empregado na quantificação de proteínas totais devido à sua eficácia e popularidade. Essa
técnica se utiliza do corante "Coomassie brilliant blue" e fundamenta-se na interação entre
esse corante e as proteínas contidas na amostra, resultando em uma mudança visível na cor
inicialmente rosa para tonalidades de azul, cuja intensidade está relacionada à concentração de
proteínas presentes em solução [8].

A atividade enzimática é uma medida da quantidade de uma enzima específica capaz


de catalisar a liberação de um µ mol de orto-nitrofenol (ONP) a partir do o-Nitrofenil-β-D-

Galactopiranosídeo (ONPG) por minuto, sob condições experimentais padronizadas. O método


de ONPG é amplamente utilizado com o propósito de avaliar a capacidade de um organismo
em produzir a enzima β-galactosidase. Esse método se baseia no fato de que o ONPG é um
substrato colorimétrico espectrofotométrico que imita a lactose, porém contendo um anel de
o-nitrofenol em vez de glicose. A enzima β-galactosidase é capaz de clivar o ONPG, resultando
na liberação do o-nitrofenol (ONP), um composto amarelo. Essa reação de clivagem pode ser
acompanhada pela variação da absorbância em função do tempo. Para o doseamento da
atividade enzimática, utilizou-se o sobrenadante das amostras roturadas correspondentes a
cada tempo de incubação da curva de crescimento.

(5)
A determinação da atividade enzimática pode ser calculada utilizando a equação 5,
onde "d" representa o declive da curva de absorbância em relação ao tempo, "fd" é o fator de
diluição e "fc" é o fator de concentração.

A partir da atividade enzimática é possível calcular também a atividade específica de


acordo com a seguinte equação:

A
t
i
v

(6)
i
d
a
d
e

e
s
p
e
c
í
f
i
c
a
¿
A t i v i d a d e e n z i m á t i c a
C o n c e n t r a ç ã o d a p r o t e í n a

[1] - Heidtmann, R. B.; Duarte, S. H.; Pereira, L. P.; Braga, A. R. C.; Kalil, S. J.; Caracterização
cinética e termodinâmica de β-galactosidase de Kluyveromyces marxianus CCT 7082 fracionada
com sulfato de amônio; Braz. J. Food Technol., Campinas, v. 15, n. 1, p. 41-49, jan./mar. 2012.

[2] - Nicolau, Paula Bacelar; Microrganismos e crescimento microbiano; Material didático para

utilização em cursos de área da microbiologia; p. 12-13; Fev-2014.

[3]- Chagas, A., “Modelagem e simulação de um fotobioreator air-lift para o cultivo da


microalga Dunaliella tertiolecta”, Trabalho de diplomação de Engenharia Química, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2011.

[4] - Silva, Lilian da; Desenvolvimento de método (HPLC-ICP-MS) para os estudos de certificação
de selenometionina em material de referência de levedura (Saccharomyces cerevisiae); Duque
de Caxias; p.42; 2015.

[5] - Numanoglu, Y.; Sungur, S.; β-galactosidase from Kluyveromyces lactis cell disruption
andenzyme immobilization using a cellulose-gelatin carrier system; Process Biochemistry,
39:703-709; 2004.

[6] - Becerra, M., Rodriguez, E.; Extraction of Intracellular Proteins from Kluyveromyces lactis;
Food Technology and Biotechnology, Siso, M.I.G., 39(2):135-139, 2001.
[7] - Marinello, M.; Rompimento Celular; Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia;
Recuperação e purificação de Bioprodutos I; Universidade estadual do Rio grande do Sul-
UERGS; Brasil, 2012.

[8] - A. C. Lemes, G. T. Álvares, and S. J. Kalil; Extração de B-galactosidase de Kluyveromyces


marxianus CCT 7082 por método ultrassônico; BBR - Biochemistry and Biotechnology Reports,
vol. 1, no. 2, pp. 7–13, Mar-2013.

Anexo x. Curva de calibração para medição da concentração da proteína

Figura 4 - Curva de calibração da Abs em função de [BSA].

A fim de calcular a quantidade de proteína utilizando o método de Bradford, foi criada


uma curva de calibração que estabelece a relação entre a Abs e a concentração total de
proteína. Para isso, foram registadas as leituras de absorção para diferentes concentrações de
BSA. Deste modo, foi possível traçar a curva de calibração, cuja equação é a seguinte:

Abs=(1,0443 ± 0,027)[BSA] - (0,0081 ± 0,016)

Com recurso a esta equação, foi possível calcular a concentração de proteína para cada
amostra de células retirada ao longo do tempo.

Exemplo de cálculo para a concentração de proteína:

Exemplo de cálculo para o erro associado a esta concentração:


sx
¿
0 0.0081
s y 1.044
¿
= =
x


b
¿


1
1
1 1
m+
y 0 − y )2
( 1+
n +
∑ ( x i − x )2
( 0.039 −0.05 ) 2
4 +
2
b
( 1.044 ) 2 ( 1.07 ×10−2 )
i

4.87
¿
10− 3

Os valores de b e Sy/x obtiveram-se a partir da regressão da curva de calibração.

Tabela x - Absorvâncias, concentração e respetivo erro para cada amostra estudada

Figura 5 - Variação da concentração da proteína ao longo do tempo.

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