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Informativo 666-STJ
Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
▪ A omissão injustificada da Administração em providenciar a disponibilização de banho quente nos estabelecimentos
prisionais fere a dignidade de presos sob sua custódia.

PODER JUDICIÁRIO
▪ A readmissão na carreira da Magistratura não encontra amparo na Lei Orgânica da Magistratura Nacional nem na
Constituição Federal de 1988.

DIREITO ADMINISTRATIVO
CONCURSO PÚBLICO
▪ Candidato só pode ser excluído de concurso público por não se enquadrar na cota para negros se houver
contraditório e ampla defesa.
▪ Em casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais que a
manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de admitir
a aplicação da teoria do fato consumado

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


▪ É possível a cassação de aposentadoria de servidor público pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível
com demissão

DIREITO CIVIL
DÍVIDAS CONDOMINIAIS
▪ A proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no cumprimento de
sentença, mesmo não tendo figurado no polo passivo da ação de cobrança, que tramitou apenas em face de seu ex-
companheiro.

RESPONSABILIDADE CIVIL
▪ O fato de ter havido prescrição da pretensão punitiva não impede o ajuizamento ou a continuidade da ação civil ex
delicto.

DIREITO DO CONSUMIDOR
PLANO DE SAÚDE
▪ Plano de saúde possui responsabilidade solidária por danos causados pelos médicos e hospitais próprios ou
credenciados.
▪ Se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização
in vitro.

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DIREITO EMPRESARIAL
MARCA
▪ A empresa que comercializa responde solidariamente com o fabricante de produtos contrafeitos pelos danos
causados pelo uso indevido da marca.
▪ A renúncia ao registro não enseja a perda do objeto da ação que veicula pretensão de declaração de nulidade da
marca.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE
▪ O art. 78 do ECA traz um dever que obriga todos os que integram a cadeia de consumo, abrangendo o editor da
revista ou publicação, o transportador, o distribuidor e o comerciante.

ADOÇÃO
▪ O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode ser alterado para a
inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


RECURSOS
▪ É possível afastar a intempestividade do recurso quando isso decorreu do fato de o site do Tribunal ter
disponibilizado informação equivocada, que induziu a parte em erro.
▪ A tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval.

AGRAVO
▪ “Despacho” que intima o advogado para que o devedor cumpra obrigação de fazer, sob pena de multa, possui
aptidão para gerar prejuízo à parte e, portanto, pode ser impugnado por meio de recurso.
▪ A multa em caso de agravo interno declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime
é revertida em prol da parte contrária (art. 1.021, § 4º).

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
▪ Excepcionalmente, cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão se estiverem
em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana.

DIREITO PENAL
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
▪ Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador de Estado
com o patrimônio de empresas estatais.

CRIMES DO ECA
▪ Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de material
pornográfico infanto-juvenil.
▪ Juiz não pode aumentar a pena-base do crime do art. 241-A do ECA alegando que a conduta social ou a personalidade
são desfavoráveis, sob o argumento de que o réu manifestou grande interesse por material pornográfico.

DIREITO PROCESSUAL PENAL


INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO
▪ Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato de haver denúncias anônimas e ele ter fugido
da polícia.

DIREITO TRIBUTÁRIO
ICMS
▪ Sacolas plásticas fornecidas aos clientes para o transporte ou acondicionamento de produtos, bem como bandejas,
não são insumos essenciais à atividade dos supermercados, de modo que não geram creditamento de ICMS

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS


A omissão injustificada da Administração em providenciar a disponibilização de banho quente
nos estabelecimentos prisionais fere a dignidade de presos sob sua custódia

A omissão injustificada da Administração em providenciar a disponibilização de banho quente


nos estabelecimentos prisionais fere a dignidade de presos sob sua custódia.
A determinação de que o Estado forneça banho quente aos presos está relacionada com a
dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e mental a todos
garantida.
O Estado tem a obrigação inafastável e imprescritível de tratar prisioneiros como pessoas, e
não como animais.
O encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvo-conduto
para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas.
Em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de proteção
da saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do
risco agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos,
propícia à disseminação de patologias.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.530-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/04/2017 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra o Estado de São Paulo
pedindo para que a Administração Pública fosse condenada a disponibilizar, em suas unidades prisionais,
equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada (“chuveiro quente”).
O juízo de 1ª instância deferiu a tutela provisória.
Contra esta decisão, o Estado ingressou com pedido de suspensão de liminar no TJ/SP.
O Presidente do TJ/SP suspendeu os efeitos da liminar afirmando que “a ordem judicial representa ameaça
de grave lesão de difícil reparação”, ao exigir obras e dispêndios financeiros da Fazenda Pública.
Contra a decisão do Presidente, a Defensoria Pública ingressou com agravo, mas a Corte Especial do TJ/SP
negou provimento, mantendo a suspensão.
Diante disso, a Defensoria Pública interpôs recurso especial.

A primeira pergunta é de ordem processual: o que é essa suspensão de liminar que foi concedida pelo
Presidente do TJ?
O pedido de suspensão é
- um instrumento processual (incidente processual)
- por meio do qual as pessoas jurídicas de direito público ou o Ministério Público
- requerem ao Presidente do Tribunal que for competente para o julgamento do recurso
- que suspenda a execução de uma decisão, sentença ou acórdão proferidos,
- sob o argumento de que esse provimento jurisdicional prolatado causa grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas.

Comumente, esse instituto é chamado de pedido de “suspensão de segurança”. Isso porque ele foi
previsto originalmente na lei apenas para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em
mandados de segurança.
Ocorre que, com o tempo, foram editadas novas leis trazendo a possibilidade de suspensão para
praticamente toda e qualquer decisão judicial prolatada contra a Fazenda Pública.

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Por essa razão, atualmente, além de “suspensão de segurança”, pode-se falar em “suspensão de liminar”,
“suspensão de sentença”, “suspensão de acórdão” etc. Alguns julgados também falam em “pedido de
contracautela”.

Há cinco diferentes dispositivos legais prevendo pedido de suspensão:


• art. 12, § 1º da Lei nº 7.347/85 (suspensão de liminar em ACP);
• art. 4º da Lei nº 8.437/92 (suspensão de liminar ou sentença em ação cautelar, em ação popular ou em
ACP). É considerada pela doutrina como a previsão mais geral sobre o pedido de suspensão;
• art. 1º da Lei nº 9.494/97 (suspensão de tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública);
• art. 16 da Lei nº 9.507/97 (suspensão da execução de sentença concessiva de habeas data);
• art. 15 da Lei nº 12.016/09 (suspensão de liminar e sentença no mandado de segurança).

O que se examina no pedido de suspensão?


Na análise do pedido de suspensão, é vedado o exame do mérito da demanda principal. O que será
examinado pelo Tribunal é se a decisão prolatada acarreta risco de grave lesão à:
a) ordem;
b) saúde;
c) segurança; ou
d) economia pública.

De quem é a competência para decidir o pedido de suspensão de liminar?


A competência para apreciar o pedido de suspensão é do Presidente do
Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão.
Decisão prolatada
Ex: concedida liminar por juiz federal do AM, o pedido de suspensão será
por juiz de 1ª
julgado pelo Presidente do TRF1.
instância:
Ex2: concedida liminar por juiz de direito do AM, o pedido de suspensão será
julgado pelo Presidente do TJAM.
O pedido de suspensão será decidido pelo:
• Presidente do STF: se a matéria for constitucional.
Decisão prolatada por • Presidente do STJ: se a matéria for infraconstitucional.
membro de TJ ou TRF: Ex: concedida liminar pelo Desembargador do TJ/AM, o pedido de suspensão
será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art.
25 da Lei nº 8.038/90).
Se a causa tiver fundamento constitucional, é possível o ajuizamento de pedido de
Decisão prolatada por
suspensão dirigido ao Presidente do STF.
membro de Tribunal
Se a causa não tiver fundamento constitucional, não há possibilidade de pedido
Superior:
de suspensão.

Recurso contra a decisão proferida no pedido de suspensão


Da decisão do Presidente do Tribunal que conceder ou negar a suspensão cabe algum recurso?
SIM. Caberá agravo interno para o Plenário ou Corte Especial do Tribunal.

Cabe recurso especial da decisão do Plenário ou da Corte Especial que julga esse agravo?
• Segundo o STJ: Em regra, NÃO. Não cabe Recurso Especial de decisões proferidas no âmbito do pedido
de suspensão. O recurso especial se destina a combater argumentos que digam respeito a exame de
legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político. Nesse sentido:
Este Superior Tribunal firmou o entendimento de não ser cabível o recurso especial contra decisões
proferidas no âmbito do pedido de suspensão, na medida em que a via especial reporta-se a argumentos
que digam respeito à exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostenta juízo político.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 957.825/CE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 27/08/2013.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4


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• Segundo a 1ª Turma do STF: SIM. A 1ª Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de
segurança não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Com base nisso, decidiu que é
cabível, em tese, recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de
segurança (RE 798740 AgR/DF).

No caso concreto acima analisado, o STJ conheceu do recurso especial?


SIM. O STJ entendeu que era uma situação excepcional e, por isso, conheceu e deu provimento ao recurso
especial restaurando a integralidade da decisão de 1ª instância.
O caso concreto é peculiar, por ferir aspectos existenciais da textura íntima de direitos humanos
substantivos.
Primeiro, porque se refere à dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e
mental a todos garantida.
Segundo, porque versa sobre obrigação inafastável e imprescritível do Estado de tratar prisioneiros como
pessoas, e não como animais.
Terceiro, porque o encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvo-
conduto para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas.
Quarto, porque, em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de
proteção da saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do risco
agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos, propícia à
disseminação de patologias.
Assim, ofende os alicerces do sistema democrático de prestação jurisdicional admitir que decisão judicial,
relacionada à essência dos direitos humanos fundamentais, não possa ser examinada pelo STJ sob o
argumento de se tratar de juízo político.
Quando estão em jogo aspectos mais elementares da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos
do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, expressamente
enunciado na Constituição, logo em seu art. 1º) impossível subjugar direitos indisponíveis a critérios outros
que não sejam os constitucionais e legais.

Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos


Ademais, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, promulgadas pelas Nações Unidas (Regras
de Mandela), dispõem que “Devem ser fornecidas instalações adequadas para banho”, exigindo-se que
seja “na temperatura apropriada ao clima” (Regra 16). Irrelevante, por óbvio, que o texto não faça
referência expressa a “banho quente”.
Assim, assegurar a dignidade de presos sob custódia do Estado dispara a aplicação não do princípio da
reserva do possível, mas do aforismo da reserva do impossível (= reserva de intocabilidade da essência),
ou seja, manifesto interesse público reverso, considerando-se que a matéria se inclui no núcleo duro dos
direitos humanos fundamentais, expressados em deveres constitucionais e legais indisponíveis, daí
marcados pela vedação de descumprimento estatal, seja por ação, seja por omissão.
Consequentemente, impróprio retirar do controle do Judiciário tais violações gravíssimas, pois equivaleria
a afastar o juiz de julgar ataques diretos ou indiretos aos pilares centrais do ordenamento jurídico.
Em suma:
A omissão injustificada da Administração em providenciar a disponibilização de banho quente nos
estabelecimentos prisionais fere a dignidade de presos sob sua custódia.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.530-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/04/2017 (Info 666).

Quando a liminar está buscando combater uma violação a direitos humanos, eventual suspensão a ser
deferida pelo Presidente do Tribunal requer hipermotivação.

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PODER JUDICIÁRIO
A readmissão na carreira da Magistratura não encontra amparo na
Lei Orgânica da Magistratura Nacional nem na Constituição Federal de 1988

Importante!!!
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o servidor exonerado não possui o
direito de reingresso no cargo. Isso porque o atual ordenamento constitucional impõe a prévia
aprovação em concurso público como condição para o provimento em cargo efetivo da
Administração Pública.
O STF já declarou a inconstitucionalidade de lei estadual que previa a possibilidade de o
magistrado exonerado reingressar nos quadros da magistratura: ADI 2983, Rel. Min. Carlos
Velloso, julgado em 23/02/2005.
O CNJ também já expediu orientação normativa vinculante afirmando que não são possíveis
formas de provimentos dos cargos relacionados à carreira da Magistratura que não estejam
explicitamente previstas na Constituição Federal nem na LOMAN.
Assim, o magistrado que pediu exoneração não tem direito de readmissão no cargo mesmo
que essa possibilidade esteja prevista em lei estadual.
STJ. 2ª Turma. RMS 61.880-MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03/03/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Valéria era Juíza de Direito no Estado do Mato Grosso.
Em 2010, ela foi aprovada em um concurso para cartório e pediu exoneração do cargo de magistrada, o
que foi deferido.
Em 2018, contudo, ela decidiu retornar à magistratura e formulou requerimento pedindo a sua readmissão
no cargo de Juíza.
O pedido foi baseado nos arts. 184 a 186 do Código de Organização Judiciária do Tribunal de Justiça do
Mato Grosso:
Art. 184. A readmissão é o ato pelo qual o Magistrado exonerado reingressa aos quadros da
Magistratura, assegurada a contagem de tempo de serviço anterior, apenas para efeito de
promoção, gratificação adicional e aposentadoria.
Art. 185. A readmissão, no grau inicial da carreira, somente será concedida quando não houver
candidatos aprovados em concurso, em condições de nomeação, não podendo o interessado ter
mais de 45 anos de idade nem mais de 25 anos de serviço público.
Art. 186. A readmissão será precedida de inspeção médica e o ato respectivo baixado pelo
Governador do Estado, mediante proposta do Tribunal de Justiça.

O Plenário do Tribunal de Justiça, em sessão administrativa convocada para apreciar o requerimento da


interessada, declarou a inconstitucionalidade dos arts. 184 a 186 do Código de Organização Judiciária do
Tribunal de Justiça, acima transcritos.
O TJ/MT afirmou que o STF possui precedente no qual declarou a inconstitucionalidade de lei do Estado
do Ceará que permitia a readmissão de magistrado exonerado: STF. Plenário. ADI 2983, Rel. Min. Carlos
Velloso, julgado em 23/02/2005.
Logo, o TJ/MT aplicou o mesmo raciocínio para o caso em questão.

A decisão do TJ/MT foi considerada correta pelo STJ?


SIM.

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Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o servidor exonerado não possui o direito de
reingresso no cargo. Isso porque o atual ordenamento constitucional impõe a prévia aprovação em concurso
público como condição para o provimento em cargo efetivo da Administração Pública. Nesse sentido:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se firmou no sentido de que inexiste direito adquirido a
regime jurídico. Sendo assim, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não remanesce ao
servidor exonerado o direito de reingresso no cargo, tendo em vista que o atual ordenamento
constitucional impõe a prévia aprovação em concurso público como condição para o provimento em cargo
efetivo da Administração Pública.
STF. 1ª Turma. RE 597738 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 28/10/2014.

O CNJ também já expediu orientação normativa vinculante afirmando que não são possíveis formas de
provimentos dos cargos relacionados à carreira da Magistratura que não estejam explicitamente previstas
na Constituição Federal, nem na LOMAN. Veja:
CONSULTA SOBRE A APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA REVERSÃO PREVISTO NA LEI Nº 8.112/90 AOS
MAGISTRADOS.
1. O instituto da reversão, previsto na Lei nº 8.112/90, pode ser aplicado aos servidores em duas
hipóteses: i) quando não mais subsistirem os requisitos que ensejaram a aposentadoria por invalidez; ii)
no caso de aposentadoria voluntária, quando presentes o interesse da Administração e o preenchimento
dos requisitos legais.
2. A chamada “reversão de ofício” - retorno do magistrado às atividades por não mais subsistirem os
motivos que ensejaram a aposentadoria por invalidez - é aplicável à Carreira da Magistratura não em razão
da Lei nº 8.112/90, mas em razão de previsão expressa do texto constitucional.
3. O artigo 93 da Constituição da República estabelece o rol de questões reservadas à lei complementar,
incluindo o provimento inicial e derivado na carreira da Magistratura, não fazendo qualquer menção ao
instituto da reversão. Desse modo, somente lei complementar federal, de iniciativa do Supremo Tribunal
Federal, poderia disciplinar a matéria.
4. Tampouco a Lei Orgânica da Magistratura Nacional trata do instituto da reversão facultativa como forma
de provimento na Carreira da Magistratura. A ausência de previsão legal deve ser interpretada como
silêncio eloquente, e não como lacuna.
5. Desse modo, ante a ausência de autorização expressa na Constituição da República e na LOMAN, resulta
afastada a possibilidade de aplicação subsidiária aos magistrados do instituto da reversão facultativa,
previsto na Lei nº 8.112/90.
6. Consulta conhecida e respondida nos termos da fundamentação.
(CNJ - CONS - Consulta - 0004482-93.2015.2.00.0000 - Rel. Aloysio Corrêa da Veiga - 33ª Sessão - j. 20/04/2018).

Em suma:
A readmissão na carreira da Magistratura não encontra amparo na Lei Orgânica da Magistratura
Nacional nem na Constituição Federal de 1988.
STJ. 2ª Turma. RMS 61.880-MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03/03/2020 (Info 666).

Mas o Tribunal de Justiça poderia ter negado o pedido da interessada alegando que a norma estadual
é inconstitucional? É possível isso?
SIM. Não há óbice para que o Tribunal de Justiça, ainda que no exercício da função administrativa, lance
mão da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal para fundamentar sua decisão de negar
o pedido de readmissão da interessada. Ao fazer isso, a Administração deu cumprimento à Constituição
Federal, à Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como à orientação normativa expedida pelo
Conselho Nacional de Justiça.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

CONCURSO PÚBLICO
Candidato só pode ser excluído de concurso público por não se enquadrar
na cota para negros se houver contraditório e ampla defesa

A exclusão do candidato, que concorre à vaga reservada em concurso público, pelo critério da
heteroidentificação, seja pela constatação de fraude, seja pela aferição do fenótipo ou por
qualquer outro fundamento, exige o franqueamento do contraditório e da ampla defesa.
STJ. 2ª Turma. RMS 62.040-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2019 (Info 666).

Imagine a seguinte situação adaptada:


O TJ/MG publicou edital de abertura para o concurso de Juiz de Direito.
O edital previu que 20% das vagas seriam “reservadas aos negros inscritos e aprovados nesta condição”.

Primeira pergunta: existe lei federal que preveja reserva de vagas para candidatos negros?
SIM. A Lei nº 12.990/2014 reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos realizados
no âmbito da administração pública federal.

Mas o concurso era para Juiz de Direito (Juiz Estadual)... qual era o fundamento normativo para essa
previsão do edital do TJ/MG?
A Resolução nº 203/2015, do CNJ. Esta Resolução reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, 20%
das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na
magistratura.

É constitucional o sistema de cotas raciais em concursos públicos?


SIM. O STF, ao decidir sobre a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, fixou uma tese ampla, que vale,
de forma genérica, para todos os concursos da administração pública. Veja:
É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos
efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta.
STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017 (Info 868).

Qual é o critério que o edital do concurso do TJ/MG previa para que o candidato pudesse concorrer às
vagas reservadas aos negros?
O edital previa o critério da autodeclaração, ou seja, o próprio candidato deveria se declarar preto ou
pardo no momento da inscrição.
No entanto, o edital também previa a possibilidade de a veracidade dessa autodeclaração ser apurada na
etapa de inscrição definitiva, com a realização de uma entrevista do candidato com a Comissão do
Concurso, a fim de ser apurada a veracidade da autodeclaração de ser preto ou pardo.

Voltando ao nosso caso concreto:


João foi aprovado em todas as provas, tendo sido, então, convocado para a entrevista com a Comissão do
Concurso para apurar a veracidade da autodeclaração.
A Comissão, contudo, excluiu o candidato em razão do “seu não enquadramento no fenótipo negro”.
A Resolução do CNJ prevê essa possibilidade:
Art. 5º (...)

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8


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§ 3º Comprovando-se falsa a declaração, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido


nomeado, ficará sujeito à anulação da sua nomeação, após procedimento administrativo em que
lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

O candidato quis recorrer contra essa exclusão, mas o item 8.5.5 do edital afirmava que a decisão da
Comissão seria irrecorrível.
Diante disso, o candidato impetrou mandado de segurança.

Indaga-se: para a jurisprudência, essa entrevista para aferir a autodeclaração é válida?


SIM.
O critério da autodeclaração é constitucional. Isso porque se deve respeitar as pessoas tal como elas se
percebem. Entretanto, o STF afirmou que é possível também que a Administração Pública adote um
controle heterônomo, sobretudo quando existirem fundadas razões para acreditar que houve abuso na
autodeclaração. Exemplos desse controle heterônomo: exigência de autodeclaração presencial perante a
comissão do concurso; exigência de apresentação de fotos pelos candidatos; formação de comissões com
composição plural para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração. Foi fixada a
seguinte tese a respeito do tema:
É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que
respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
STF. Plenário. ADC 41/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/6/2017 (Info 868).

Vale ressaltar, no entanto, que o controle heterônomo pode ser realizado, mas desde que observadas
algumas cautelas a fim de que não haja violação à dignidade da pessoa humana, devendo ser garantido o
contraditório e a ampla defesa aos candidatos interessados.

O que o STJ entendeu no caso concreto de João?


O STJ aplicando o entendimento do STF acima explicado, decidiu pela nulidade do item 8.5.5 do Edital do
concurso pelo fato de ele dizer que a decisão da Comissão seria terminativa.
Para o STJ, houve nulidade por afronta ao contraditório e à ampla defesa que deverão ser asseguradas aos
candidatos.

Em suma:
A exclusão do candidato, que concorre à vaga reservada em concurso público, pelo critério da
heteroidentificação, seja pela constatação de fraude, seja pela aferição do fenótipo ou por qualquer
outro fundamento, exige o franqueamento do contraditório e da ampla defesa.
STJ. 2ª Turma. RMS 62.040-MG, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 17/12/2019 (Info 666).

Diante disso, no caso concreto, o STJ concedeu parcialmente a ordem para determinar à Comissão do
Concurso que franqueie ao candidato prazo para apresentação de pedido de reconsideração em face do
julgamento que o excluiu das vagas reservadas, instruindo-o com os documentos que reputar pertinentes.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9


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CONCURSO PÚBLICO
Em casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos
sociais que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, a jurisprudência do
STJ é firme no sentido de admitir a aplicação da teoria do fato consumado

Importante!!!
Em regra, o STJ acompanha o entendimento do STF e decide que é inaplicável a teoria do fato
consumado aos concursos públicos, não sendo possível o aproveitamento do tempo de serviço
prestado pelo servidor que tomou posse por força de decisão judicial precária, para efeito de
estabilidade.
Contudo, em alguns casos, o STJ afirma que há a solidificação de situações fáticas ocasionada
em razão do excessivo decurso de tempo entre a liminar concedida e os dias atuais, de maneira
que, a reversão desse quadro implicaria inexoravelmente em danos desnecessários e
irreparáveis ao servidor.
Em outras palavras, o STJ entende que existem situações excepcionais nas quais a solução
padronizada ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada,
impondo-se o distinguishing, e possibilitando a contagem do tempo de serviço prestado por
força de decisão liminar, em necessária flexibilização da regra.
Caso concreto: determinado indivíduo prestou concurso para o cargo de Policial Rodoviário
Federal e foi aprovado nas provas teóricas, tendo sido, contudo, reprovado em um dos testes
práticos. O candidato propôs mandado de segurança questionando esse teste. O juiz concedeu
a liminar determinando a nomeação e posse, o que ocorreu em 1999. Em sentença, o
magistrado confirmou a liminar e julgou procedente o pedido do autor. Anos mais tarde, o
TRF, ao julgar a apelação, entendeu que a exigência do teste prático realizado não continha
nenhum vício. Em virtude disso, reformou a sentença. O servidor, contudo, continuou
cautelarmente no cargo até 2020, quando houve o trânsito em julgado da decisão contrária ao
seu pleito. O STJ assegurou a manutenção definitiva do impetrante no cargo.
STJ. 1ª Turma. AREsp 883.574-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020
(Info 666).
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569719/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 08/10/2019.

Imagine a seguinte situação adaptada:


João prestou concurso para o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi aprovado nas provas teóricas,
tendo sido, contudo, reprovado em um dos testes práticos.
O candidato propôs mandado de segurança questionando esse teste.
O juiz concedeu a liminar determinando a nomeação e posse de João, o que ocorreu em 1999.
Em sentença, o magistrado confirmou a liminar e julgou procedente o pedido do autor.
Anos mais tarde, o TRF, ao julgar a apelação, entendeu que a exigência do teste prático realizado não
continha nenhum vício. Em virtude disso, reformou a sentença. João, contudo, continuou cautelarmente
no cargo até 2020, quando houve o trânsito em julgado da decisão contrária ao seu pleito.
Neste caso, João poderá permanecer no cargo com base na teoria do fato consumado, considerando que
ele já exercia a função há muitos anos?
A 1ª Turma do STJ, em um caso semelhante a este, entendeu que sim.
O STJ afirmou o seguinte:

Em regra, não se aplica a teoria do fato consumado


Em regra, não se aplica a teoria do fato consumado para candidatos que assumiram o cargo público por
força de decisão judicial provisória posteriormente revista. Trata-se do entendimento firmado pelo STF no
Tema 476 de repercussão geral, cuja tese fixada foi a seguinte:

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob
fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de
execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária,
supervenientemente revogado ou modificado.
STF. Plenário. RE 608482/RN, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 7/8/2014 (repercussão geral) (Info 753).

++ (Promotor MP/GO 2019 – adaptada) De acordo com a jurisprudência do STF, viola a Constituição
Federal a manutenção no cargo, sob o fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que
nele tomou posse em virtude de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária,
supervenientemente revogado ou modificado. (certo)

Em situações excepcionais é possível flexibilizar essa regra


Por outro lado, o STJ afirmou que em situações excepcionais, é possível, para efeito de estabilidade, a
contagem do tempo de serviço prestado por força de decisão liminar.
O STJ, seguindo a orientação firmada pelo STF em repercussão geral (Tema 476/STF, RE 608.482/RN,
Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 30.10.2014), entendia inaplicável a Teoria do Fato Consumado aos
concursos públicos, não sendo possível o aproveitamento do tempo de serviço prestado pelo servidor
público que tomou posse por força de decisão judicial precária, para efeito de estabilidade.
Contudo, no caso concreto, há a solidificação de situações fáticas ocasionada em razão do excessivo
decurso de tempo entre a liminar concedida e os dias atuais, de maneira que, a reversão desse quadro
implicaria inexoravelmente em danos desnecessários e irreparáveis ao servidor.
Deve-se considerar que a liminar que deu posse ao impetrante no cargo de Policial Rodoviário Federal
foi deferida em 1999 e desde então ele está no cargo, ou seja, há mais de 20 anos.
Assim, o STJ entende que existem situações excepcionais, como a dos autos, nas quais a solução
padronizada ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada, impondo-se
o distinguishing, e possibilitando a contagem do tempo de serviço prestado por força de decisão liminar,
em necessária flexibilização da regra.
STJ. 1ª Turma. AREsp 883.574-MS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Assim, neste caso concreto, a 1ª Turma do STJ assegurou a manutenção definitiva do impetrante no cargo
de Policial Rodoviário Federal.
Também é possível encontrar decisões da 2ª Turma no mesmo sentido:
(...) 3. Na hipótese, a agravada tomou posse e entrou em exercício no cargo, em 18/3/2005, inicialmente
por força de antecipação de tutela, obtendo, inclusive, aprovação nas avaliações de desempenho e
cumprindo o estágio probatório em 18/3/2008. Ocupando por mais de oito anos o cargo efetivo, fica
demonstrado que o exercício no cargo público ganhou solidez com o respaldo do Poder Judiciário, desse
modo, irreversível a situação fática do objeto da ação.
4. Assim, nos casos excepcionais, em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais
que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo, como ocorre na hipótese dos autos, a
jurisprudência do STJ é firme no sentido de admitir a aplicação da teoria do fato consumado. Precedentes.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569719/SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 08/10/2019.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR


É possível a cassação de aposentadoria de servidor público pela prática,
na atividade, de falta disciplinar punível com demissão

Importante!!!
A pena de cassação de aposentadoria é compatível com a Constituição Federal, a despeito do
caráter contributivo conferido àquela, especialmente porque nada impede que, na seara
própria, haja o acertamento de contas entre a administração e o servidor aposentado punido.
Assim, constatada a existência de infração disciplinar praticada enquanto o servidor estiver
na ativa, o ato de aposentadoria não se transforma num salvo conduto para impedir o
sancionamento do ilícito pela administração pública. Faz-se necessário observar o
regramento contido na Lei n. 8.112/1990, aplicando-se a penalidade compatível com as
infrações apuradas.
STJ. 1ª Seção. MS 23.608-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes,
julgado em 27/11/2019 (Info 666).
STF. 2ª Turma. AgR no ARE 1.092.355, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 17/5/2019.

Imagine a seguinte situação hipotética:


João, servidor público federal, praticou grave infração disciplinar, punível com demissão, nos termos do
art. 132 da Lei nº 8.112/90:
Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos:
I - crime contra a administração pública;
II - abandono de cargo;
III - inassiduidade habitual;
IV - improbidade administrativa;
V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição;
VI - insubordinação grave em serviço;
VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de
outrem;
VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos;
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;
XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117.

Logo em seguida, esse servidor pediu a aposentadoria, tendo ela sido concedida.
Depois que João já estava aposentado, a Administração Pública descobriu a falta administrativa que ele
havia praticado.
Diante disso, foi instaurado processo administrativo disciplinar para apurar a conduta.
Ao final do PAD, João foi condenado a pena de cassação de aposentadoria, prevista no art. 127, IV e no
art. 134, da Lei nº 8.112/90:
Art. 127. São penalidades disciplinares:
(...)
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na
atividade, falta punível com a demissão.

Tese do impetrante de que a cassação da aposentadoria seria inconstitucional


Inconformado, João impetrou mandado de segurança alegando que a pena de cassação de aposentadoria
seria inconstitucional.
Segundo alegou o impetrante, no atual sistema contributivo de Regime Próprio, o aposentado não mais é
um servidor público. Ao se aposentar, há vacância do cargo e não se poderia mais romper um vínculo
funcional não mais existente, por meio da cassação de aposentadoria, em razão de mau serviço prestado.
Preenchidos os requisitos de fruição do benefício em um sistema contributivo, a aposentadoria não pode
ser cassada por motivos relacionados a atos de serviço, mas somente se houver vício no preenchimento
dos pressupostos de aposentação, como é o caso de fraude em contagem de serviço.

A jurisprudência acolhe essa tese do impetrante?


NÃO.
Tanto o STF como o STJ entendem que a pena de cassação de aposentadoria é possível e compatível com
a Constituição Federal.
A jurisprudência do STF é firme quanto à possibilidade de cassação de aposentadoria pela prática, na
atividade, de falta disciplinar punível com demissão, inobstante o caráter contributivo de que se reveste
o benefício previdenciário.
STF. 2ª Turma. AgR no ARE 1.092.355, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 17/5/2019.

A pena de cassação de aposentadoria é compatível com a Constituição Federal, a despeito do caráter


contributivo conferido àquela, especialmente porque nada impede que, na seara própria, haja o
acertamento de contas entre a administração e o servidor aposentado punido.
Assim, constatada a existência de infração disciplinar praticada enquanto o servidor estiver na ativa, o
ato de aposentadoria não se transforma num salvo conduto para impedir o sancionamento do ilícito
pela administração pública. Faz-se necessário observar o regramento contido na Lei n. 8.112/1990,
aplicando-se a penalidade compatível com as infrações apuradas.
STJ. 1ª Seção. MS 23.608/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Og Fernandes,
julgado em 27/11/2019 (Info 666).

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 142):


Tese 10: A pena de cassação de aposentadoria prevista nos art. 127, IV e art. 134 da Lei n. 8.112/1990 é
constitucional e legal, inobstante o caráter contributivo do regime previdenciário.

Veja como o tema já foi cobrado em prova:


++ (Delegado PC/DF 2015) Conforme entendimento do STF, diante do caráter contributivo do regime
próprio de previdência dos servidores públicos, é inconstitucional a penalidade de cassação de
aposentadoria. (errado)
++ (Analista Judiciário - Administrativa STJ 2018 CEBRASPE) Será cassada a aposentadoria voluntária do
servidor inativo que for condenado pela prática de ato de improbidade administrativa à época em que
ainda estava na atividade. (certo)

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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DIREITO CIVIL

DÍVIDAS CONDOMINIAIS
A proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no
cumprimento de sentença, mesmo não tendo figurado no polo passivo da ação de cobrança, que
tramitou apenas em face de seu ex-companheiro

O imóvel gerador dos débitos condominiais pode ser objeto de penhora em cumprimento de
sentença, ainda que somente o ex-companheiro tenha figurado no polo passivo da ação de
conhecimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.683.419-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética (com diferenças em relação ao caso concreto):


João e Regina viveram em união estável durante alguns anos e, em 2005, decidiram terminar a relação.
Foi feita uma escritura pública de dissolução de união estável e partilha de bens.
O casal tinha um único bem a partilhar: um apartamento localizado no condomínio Jardim Primavera, que
constava, no registro de imóvel, como sendo de propriedade de João e Regina, 50% para cada um.
Na escritura pública João aceitou ceder, em favor de Regina, sua metade sobre o imóvel. Isso constou na
escritura pública, mas não foi imediatamente levado ao registro de imóveis.
As cotas condominiais do apartamento ficaram atrasadas de 2006 a 2008.
Diante disso, em 2008, o condomínio ajuizou ação de cobrança unicamente contra João, que ainda
figurava no registro de imóveis como sendo proprietário de 50% do apartamento.
O juiz proferiu sentença de procedência determinando que João pague R$ 30 mil de dívidas em atraso.
Como não houve pagamento espontâneo, o condomínio requereu o cumprimento de sentença.
Na fase de cumprimento de sentença o juiz determinou a penhora do apartamento para pagamento da
dívida.
Ocorre que, nesse momento, já constava na matrícula do imóvel o registro da escritura pública de partilha
de bens entre João e Regina.
Ao tomar conhecimento disso, Regina, que não figurou no polo passivo da ação de cobrança, opôs
embargos de terceiro alegando que o imóvel não poderia ter sido penhorado considerando que ela
(embargante) também é proprietária do bem e não foi ré na ação de cobrança. Logo, para Regina, a
penhora feita viola o art. 506 do CPC:
Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Vamos verificar alguns aspectos sobre esse interessante caso.

Essa penhora é válida? A proprietária do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem
penhorado no cumprimento de sentença, mesmo não tendo figurado no polo passivo da ação de
cobrança, que tramitou apenas em face de seu ex-companheiro?
SIM.
O imóvel gerador dos débitos condominiais pode ser objeto de penhora em cumprimento de sentença,
ainda que somente o ex-companheiro tenha figurado no polo passivo da ação de conhecimento.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.683.419-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Obrigações propter rem


A obrigação de pagamento das despesas condominiais é de natureza propter rem, ou seja, é obrigação
“própria da coisa”, ou, melhor ainda, assumida “por causa da coisa”.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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Obrigações propter rem (também chamadas de obrigações ambulatórias) são aquelas que se vinculam à
titularidade de um direito real, independentemente da manifestação de vontade do titular, e, por isso,
são transmitidas a todos os que lhe sucederem em sua posição; são, pois, assumidas “por causa da coisa”
(propter rem).
As obrigações que os condôminos possuem em relação ao condomínio são ordinariamente qualificadas
como ambulatórias (propter rem). Como essas obrigações decorrem da mera titularidade do direito real
sobre o imóvel, elas incidem e acompanham a coisa em todas as suas mutações subjetivas (mudanças de
“dono”).
Diz-se, então, que a obrigação propter rem é dotada de ambulatoriedade, ou, ainda, que se trata, ela
mesma, de obrigação ambulatória. Assim, independentemente da vontade dos envolvidos, a obrigação de
satisfazer determinadas prestações acompanha a coisa em todas as suas mutações subjetivas.

Outro exemplo de obrigação propter rem


A obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o
sossego e a saúde dos vizinhos (art. 1.277 do CC).
Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel, é também denominada obrigação ambulatória
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 13ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2016, p. 27).

Responsabilidade pelas despesas condominiais


As despesas condominiais, compreendidas como obrigações propter rem, são de responsabilidade:
• daquele que detém a qualidade de proprietário da unidade imobiliária; ou
• do titular de um dos aspectos da propriedade, tais como a posse, o gozo, a fruição, desde que esse tenha
estabelecido relação jurídica direta com o condomínio.

No registro de imóveis constava o nome de João e Regina. Mesmo assim, o condomínio ajuizou a ação
apenas contra João. Isso é possível?
SIM. O credor (condomínio) pode escolher contra quem irá ajuizar a ação. Aquele que pagar poderá
eventualmente ter direito de regresso contra o outro coobrigado.
“A natureza das despesas condominiais permite, mais, que a ação de cobrança seja ajuizada diretamente
contra o locatário ou o comodatário, se assim for de interesse do condomínio (LOUREIRO, Eduardo. Código
Civil comentado : doutrina e jurisprudência : Lei n. 10.406, de 10.01.2002 / coordenador Cezar Peluso. 8
ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.277).

Não havia litisconsórcio passivo necessário entre João e Regina


Em havendo mais de um proprietário do imóvel, como ordinariamente ocorre entre cônjuges ou
companheiros, a responsabilidade pelo adimplemento das cotas condominiais é considerada solidária.
Essa responsabilidade solidária, contudo, não significa que exista litisconsórcio necessário entre os
coproprietários, podendo o condomínio, portanto, demandar contra qualquer um deles ou contra todos
em conjunto, conforme melhor lhe aprouver.

Regra do art. 506 do CPC/2015 não é absoluta


Realmente, o art. 506 do CPC/2015 afirma que os efeitos da coisa julgada apenas se operam inter partes,
não beneficiando nem prejudicando estranhos à relação processual em que se formou.
No entanto, essa regra não é absoluta e comporta exceções.
Em determinadas hipóteses, a coisa julgada pode atingir, além das partes, terceiros que não participaram
de sua formação.
É o que ocorre, por exemplo, na hipótese de alienação da coisa ou do direito litigioso.
Nesse sentido, o art. 109, § 3º, do CPC dispõe expressamente que:
Art. 109 (...)

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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§ 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou


cessionário.

Como Regina passou a ser a proprietária plena do imóvel, não há necessidade de o Condomínio promover
nova ação contra ela, na medida em que a sentença prolatada na fase de conhecimento lhe é eficaz.
Vale ressaltar, ainda, que não se vislumbra qualquer óbice na inclusão de Regina no polo passivo do
cumprimento de sentença em curso, em substituição a João, ex-proprietário considerando que, embora o
art. 109, § 3º do CPC não implique automática sucessão processual, é certo, por outro lado, que não
impede que ocorra essa sucessão.
Se a norma de direito material contida no art. 1.345 do Código Civil atribui ao débito condominial caráter
ambulatório, impondo o pagamento ao adquirente do bem, inclusive das parcelas vencidas, não faz
sentido impedir que, no âmbito processual, se considere o adquirente o sucessor do anterior proprietário,
com vistas à plena satisfação da dívida já consolidada. Não se pode esquecer que, em última análise, o
próprio imóvel gerador das despesas constitui garantia ao pagamento da dívida, dada a natureza propter
rem da obrigação.

Julgado correlato
O proprietário de imóvel gerador de débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado em ação de
cobrança ajuizada em face de locatário, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no
polo passivo
O proprietário do imóvel gerador dos débitos condominiais pode ter o seu bem penhorado no bojo de
ação de cobrança, já em fase de cumprimento de sentença, da qual não figurou no polo passivo, uma vez
que ajuizada, em verdade, em face da então locatária do imóvel.
Ex: o condomínio ajuizou ação de cobrança de cotas condominiais apenas contra o locatário; o pedido foi
julgado procedente determinando que o locatário pagasse os débitos condominiais; iniciou-se a fase de
cumprimento de sentença; o STJ afirmou que o juiz pode determinar a penhora do imóvel mesmo o
locador (proprietário) não tendo figurado no polo passivo da ação de cobrança.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.663-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660).

DOD Plus – informações complementares:


Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 68):
Tese 1: É possível a penhora do bem de família para assegurar o pagamento de dívidas oriundas de
despesas condominiais do próprio bem.
Tese 3: As cotas condominiais possuem natureza proptem rem, razão pela qual os compradores de imóveis
respondem pelos débitos anteriores à aquisição.

RESPONSABILIDADE CIVIL
O fato de ter havido prescrição da pretensão punitiva não impede
o ajuizamento ou a continuidade da ação civil ex delicto

A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado na ação penal não fulmina o


interesse processual no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo
mesmo fato.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.802.170-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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Imagine a seguinte situação hipotética:


Edson foi agredido por Carlos, tendo sofrido lesões corporais graves.
O Ministério Público denunciou Carlos pela prática do crime previsto no art. 129, § 1º, I, do Código Penal,
processo que tramitou na 5ª Vara Criminal.
O Juiz da 5ª Vara Criminal condenou Carlos, mas ele interpôs apelação criminal dirigida ao Tribunal de Justiça.
Logo em seguida, Edson ajuizou ação civil ex delicto contra Carlos, processo distribuído para a 1ª Vara Cível.
Na ação, o autor pediu a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.
Antes que o processo cível fosse julgado, o Tribunal de Justiça, ao analisar a apelação criminal, constatou
que houve prescrição retroativa e decretou a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, IV, do CP.
Ao ser informado sobre isso, o Juiz da 1ª Vara Cível extinguiu o processo cível sem resolução do mérito
sob o argumento de que, com a prescrição, houve perda superveniente do interesse processual.

Agiu corretamente o juiz da vara cível?


NÃO.
A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado na ação penal NÃO fulmina o interesse
processual no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.802.170-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Vamos verificar os argumentos.

Condenação criminal faz com que não se discuta mais que o condenado tem o dever de indenizar
O legislador, para facilitar o ressarcimento da vítima de um crime, estabeleceu que um dos efeitos da
condenação penal é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91, I, do CP),
constituindo-se a sentença irrecorrível título executivo judicial (art. 63 do CPP e art. 515, VI, do CPC):
Código Penal
Art. 91. São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

Código de Processo Penal


Art. 63. Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no
juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus
herdeiros.

Código de Processo Civil


Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos
previstos neste Título:
I - as decisões proferidas no processo civil que reconheçam a exigibilidade de obrigação de pagar
quantia, de fazer, de não fazer ou de entregar coisa;

Como se adota a independência relativa das instâncias, a vítima escolhe se aguarda a decisão criminal
Como o ordenamento jurídico adota, como regra, o princípio da relativa independência das instâncias (art.
935 do CC e art. 65 do CPP), a vítima que pretende ser ressarcida dos danos sofridos com a prática de um
delito pode escolher uma de duas opções:
1) ajuizar a ação cível de indenização (ação civil ex delicto); ou
2) aguardar o desfecho do processo penal, para, então, liquidar ou executar o título judicial eventualmente
constituído pela sentença penal condenatória transitada em julgado.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


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O que é a ação civil ex delicto?


A ação civil ex delicto é a ação ajuizada pela vítima, na esfera cível, para obter a indenização dos danos –
materiais e/ou morais – sofridos em virtude da prática de uma infração penal.
Trata-se, portanto, de uma ação cujo pedido está vinculado a um fato delituoso que causou danos, mas
que pode ser ajuizada mesmo que esse fato e a sua autoria ainda não tenham sido definitivamente
julgados no juízo criminal. Isso significa que o ofendido pode ajuizar a ação civil ex delicto antes mesmo
da propositura da ação penal correspondente.
A pretensão de pedir a indenização na ação civil ex delicto nasce no momento em que a vítima toma
conhecimento da autoria do crime.

Como já dito, o ofendido pode escolher esperar o desfecho criminal


Eventualmente, pode ser conveniente – ou até necessário – que o ofendido aguarde a instrução do
processo penal, a fim de transportar para o processo civil elementos de prova aptos a comprovar a autoria
e a materialidade do delito e/ou as circunstâncias que o envolvem.
Justamente por isso, o art. 315 do CPC estabelece que, se o conhecimento do mérito depender de
verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se
pronuncie a justiça criminal:
Art. 315. Se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o
juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal.
§ 1º Se a ação penal não for proposta no prazo de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de
suspensão, cessará o efeito desse, incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão
prévia.
§ 2º Proposta a ação penal, o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, ao final
do qual aplicar-se-á o disposto na parte final do § 1º.

Quais são as consequências do fato de a sentença criminal ter declarado a prescrição do réu?
• Se for prescrição da pretensão punitiva: isso impede a formação do título executivo judicial na esfera
penal. Logo, a vítima não poderá executar sentença penal condenatória no juízo cível. A vítima continuará,
contudo, com interesse processual para a ação civil ex delicto.
• Se for prescrição da pretensão executória: permanecem os efeitos secundários da sentença – como maus
antecedentes, a possibilidade de gerar reincidência, além da formação do título executivo judicial. Isso
significa que a vítima poderá executar a sentença condenatória no juízo cível.

DOD Plus – informações adicionais – aprofundando sobre a independência das instâncias


O julgamento criminal interfere na decisão cível?
REGRA GERAL: NÃO. Como regra, a responsabilidade civil é independente da criminal. Trata-se do princípio
da independência das instâncias (art. 935, primeira parte, CC).

EXCEÇÕES: Essa independência é relativa (não é absoluta). Assim, em algumas hipóteses, o julgamento
criminal irá influenciar na decisão cível.

1) Se a decisão for condenatória: irá influenciar na decisão cível.


Um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (art. 91,
I do CP). Logo, o juízo cível não poderá dizer que o fato não existiu ou que o condenado não foi o seu autor.
Transitada em julgado a sentença condenatória, ela poderá ser executada, no juízo cível, para o efeito da
reparação do dano (art. 63 do CPP).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18


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2) Se a decisão for absolutória: nem sempre irá influenciar na decisão cível.


Assim, mesmo o réu tendo sido absolvido no juízo penal, ele pode, em alguns casos, ser condenado no juízo
cível a indenizar a vítima. A absolvição criminal pode ocorrer por uma das hipóteses do art. 386 do CPP:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23,
26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua
existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.

• Incisos I e IV: a sentença penal absolutória faz coisa julgada no cível (vincula o juízo cível).
• Incisos II, III, V e VII: mesmo com a sentença penal absolutória, a pessoa pode ser condenada no juízo cível.
• Inciso VI: pode fazer coisa julgada no cível ou não, dependendo do caso (vide art. 188 do CC).

É muito importante você conhecer (e memorizar) essas hipóteses porque são constantemente cobradas
nas provas:
++ (Juiz TJ/CE 2018 CEBRASPE) A sentença absolutória do juízo criminal que declare a inexistência do fato
ou que o réu não tenha concorrido para o crime faz coisa julgada no juízo cível, obstando a reparação civil
ex delicto. (certo)

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19


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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE
Plano de saúde possui responsabilidade solidária por danos causados
pelos médicos e hospitais próprios ou credenciados

Importante!!!
A demora para a autorização da cirurgia indicada como urgente pela equipe médica do
hospital próprio ou credenciado, sem justificativa plausível, caracteriza defeito na prestação
do serviço da operadora do plano de saúde, resultando na sua responsabilização.
A operadora de plano de saúde tem responsabilidade solidária por defeito na prestação de
serviço médico, quando o presta por meio de hospital próprio e médicos contratados, ou por
meio de médicos e hospitais credenciados.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.414.776-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João era cliente do plano de saúde Unimed.
Após sofrer uma queda, João foi encaminhado ao Hospital Unimed de Guarulhos.
Os médicos que atendem no hospital diagnosticaram a existência de uma lesão grave na coluna cervical
com indicação de cirurgia de artrodese de urgência.
Ocorre que, em razão de entraves administrativos para a autorização do procedimento, a cirurgia somente
foi realizada 22 dias após sua admissão no hospital.
Como resultado, o estado do paciente, que era idoso e possuía outras enfermidades, agravou-se e, tendo
ele falecido no dia seguinte à realização da cirurgia.
Segundo a perícia realizada, houve nexo causal entre a demora na prestação do serviço hospitalar e o seu
falecimento.
Diante disso, o filho de João ajuizou ação de indenização contra a Unimed, que se defendeu afirmando
que não pode ser responsabilizada solidariamente com o hospital pelo óbito do paciente porque limitou-
se a prestar serviço de cobertura de plano de saúde, simplesmente emitindo autorização e custeando-o,
sem qualquer negativa, não podendo responder por erro médico praticado no âmbito das relações de
autorizações de procedimentos, uma vez que não houve nenhum defeito no serviço da operadora e
solidariedade não se presume.

O plano de saúde possui responsabilidade neste caso?


SIM.
A demora para a autorização da cirurgia indicada como urgente pela equipe médica do hospital próprio
ou credenciado, sem justificativa plausível, caracteriza defeito na prestação do serviço da operadora do
plano de saúde, resultando na sua responsabilização.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.414.776-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Além disso, mesmo que tivesse havido um “erro médico” ou uma “falha do hospital”, o plano também
teria que indenizar em razão de sua responsabilidade solidária:
A operadora de plano de saúde tem responsabilidade SOLIDÁRIA por defeito na prestação de serviço
médico, quando presta esse serviço:
• por meio de hospital próprio e médicos contratados; ou
• por meio de médicos e hospitais credenciados.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1.414.776-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20


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Se o contrato é fundado na prestação de serviços médicos e hospitalares próprios e/ou credenciados, no


qual a operadora de plano de saúde mantém hospitais e emprega médicos, ou indica um rol de
conveniados, não há como afastar sua responsabilidade solidária pela má prestação do serviço.
A operadora do plano de saúde, na condição de prestadora de serviço, responde perante o consumidor
pelos defeitos em sua prestação, seja quando os presta por meio de hospital próprio e médicos
contratados, seja quando por meio de médicos e hospitais credenciados, nos termos dos arts. 2º, 3º, 14 e
34 do CDC.
Pode-se mencionar, ainda, o art. 932, III, do Código Civil:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(...)
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

Outro precedente no mesmo sentido:


O plano de saúde é solidariamente responsável pelos danos causados aos associados pela sua rede
credenciada de médicos e hospitais. Assim, no caso de erro médico cometido por profissional credenciado,
a operadora responderá, solidariamente, com o médico, pelos danos causados ao paciente.
O plano de saúde possui responsabilidade objetiva perante o consumidor, podendo, em ação regressiva,
averiguar a culpa do médico ou do hospital.
STJ. 4ª Turma. REsp 866371-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 27/3/2012 (Info 494).

Cuidado com a seguinte distinção:

A OPERADORA DE PLANO OU SEGURO SAÚDE POSSUI


RESPONSABILIDADE POR DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MÉDICO?
Se o contrato prevê que o cliente do plano Se a prestação dos serviços é feita por meio
escolhe livremente o médico ou hospital: de rede própria ou conveniada:
NÃO SIM
Se o contrato for fundado na livre escolha Se o contrato for fundado na prestação de serviços
pelo beneficiário/segurado de médicos e médicos e hospitalares próprios e/ou credenciados, no
hospitais com reembolso das despesas no qual a operadora de plano de saúde mantém hospitais e
limite da apólice: não se poderá falar em emprega médicos ou indica um rol de conveniados: há
responsabilidade da seguradora pela má responsabilidade solidária da operadora do plano de
prestação do serviço. saúde pela má prestação do serviço.
Isso porque a eleição (escolha) dos médicos O plano de saúde é solidariamente responsável pelos
ou hospitais aqui é feita pelo próprio paciente danos causados aos associados pela sua rede
ou por pessoa de sua confiança, sem indicação credenciada de médicos e hospitais. Assim, no caso de
de profissionais credenciados ou diretamente erro médico cometido por profissional credenciado, a
vinculados à referida seguradora. operadora responderá, solidariamente, com o médico,
A responsabilidade será direta do médico pelos danos causados ao paciente.
e/ou hospital. O plano de saúde possui responsabilidade objetiva
É o que ocorre, em regra, nos chamados perante o consumidor, podendo, em ação regressiva,
seguros-saúde. averiguar a culpa do médico ou do hospital.

Jurisprudência em Teses (ed. 4):


Tese 2: A operadora de plano de saúde responde por falhas nos serviços prestados por profissional
credenciado.

++ (DPE/RN 2015 CESPE) Uma operadora de plano de saúde não responde perante o consumidor por falha
na prestação dos serviços médicos e hospitalares por ela credenciados. (errado)

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21


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PLANO DE SAÚDE
Se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde
não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro

Importante!!!
Não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de
fertilização in vitro, quando não houver previsão contratual expressa.
O art. 10, III, da Lei nº 9.656/98 estabelece que a “inseminação artificial” não é um
procedimento de cobertura obrigatória pelos planos de saúde. Em outras palavras, o contrato
pode ou não prever a cobertura desse tratamento. Se o contrato não cobrir expressamente e
o plano de saúde, em virtude disso, se recusar a custear, essa negativa não será abusiva.
Vale ressaltar que a fertilização in vitro não é mesmo que inseminação artificial. Mesmo assim,
a partir de uma interpretação sistemática e teleológica, que garanta o equilíbrio atuarial do
sistema, deve-se entender que o mesmo raciocínio se aplica para a fertilização in vitro e que
este tratamento também não é de cobertura obrigatória.
Nesse sentido, a Resolução Normativa nº 428/2017, da ANS permite que o plano de saúde não
ofereça inseminação artificial e outras técnicas de reprodução humana assistida. Assim, ao
falar em outras técnicas, pode-se incluir aí a fertilização in vitro.
STJ. 3ª Turma. REsp 1794629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi,
julgado em 18/02/2020.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.823.077-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Regina é cliente do plano de saúde AMIL.
Como não estava conseguindo engravidar, Regina consultou um médico e verificou que ela sofre de
endometriose e, portanto, possui dificuldades de engravidar.
Diante desse cenário, o profissional recomendou a realização de uma fertilização in vitro, que é uma
técnica na qual a fecundação do óvulo com o espermatozoide ocorre em um laboratório de embriologia,
sendo posteriormente transferido ao útero materno.
Ocorre que o plano de saúde de Regina recusou-se a custear este tratamento.
Inconformada, Regina ingressou com ação de obrigação de fazer contra o plano afirmando que a negativa
foi abusiva e que este tratamento deveria ser obrigatoriamente prestado.
Vale ressaltar que no contrato assinado entre a consumidora e o plano não existe previsão expressa de
cobertura deste tipo de tratamento.

O STJ concordou com os argumentos da autora? O plano de saúde é obrigado a custear o tratamento?
NÃO. O STJ entendeu que a recusa do plano de saúde não foi abusiva.
Vamos entender com calma.

Fertilização in vitro não era um tratamento para tratar a enfermidade que acomete a autora
A autora foi diagnosticada com endometriose, que é “uma doença caracterizada pela presença do
endométrio – tecido que reveste o interior do útero – fora da cavidade uterina, ou seja, em outros órgãos
da pelve: trompas, ovários, intestinos e bexiga.” (https://www.gineco.com.br/saude-feminina/doencas-
femininas/endometriose/)
Segundo o Ministério da Saúde, são indicados para essa enfermidade o tratamento clínico (com uso de
anticoncepcionais orais), o tratamento cirúrgico ou a combinação dos dois.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22


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Desse modo, a fertilização in vitro não é um tratamento indicado para o enfrentamento desta doença.
Esta técnica tem por objetivo, portanto, unicamente permitir que a autora consiga alcançar a gravidez
desejada.

Inseminação artificial e fertilização in vitro


A inseminação artificial e a fertilização in vitro são técnicas de fecundação, ou seja, tratamentos médicos
que objetivam a reprodução humana. As diferenças entre elas são as seguintes:
• Inseminação artificial: consiste no depósito do sêmen masculino diretamente na cavidade uterina, sendo
essa inserção feita artificialmente, mediante uma seringa, por via transabdominal, ou mediante um
cateter, por via transvaginal. Quando o sêmen é do marido/companheiro/namorado, trata-se de
inseminação homóloga; quando ocorre a infertilidade também do parceiro, a inseminação é feita com o
sêmen de outro homem, e se chama heteróloga.
• Fertilização in vitro: após a fertilização, o óvulo é mantido em uma estufa no laboratório, onde começa
a correr a divisão celular. Posteriormente, o embrião daí resultante é colocado no útero da mulher. É
aquilo que ficou conhecido popularmente como “bebê de proveta”.

Lei dos Planos de Saúde exclui a inseminação artificial do rol de procedimentos obrigatórios
A Lei nº 9.656/98 permite que que os planos de saúde neguem cobertura para inseminação artificial:
Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-
ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no
Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a
internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as
exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:
(...)
III - inseminação artificial;

Resoluções da ANS
A ANS possui também resoluções reafirmando que a inseminação artificial está excluída do rol de
procedimentos obrigatórios:
Resolução Normativa nº 192/2009
Art. 1º (...)
§ 2º A inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar, definidos nos
incisos III e VI do art. 13 da Resolução Normativa - RN nº 167, de 9 de janeiro de 2008, não são de
cobertura obrigatória de acordo com o disposto nos incisos III e VI do art. 10 da Lei nº 9.656, de
1998 e, não estão incluídos na abrangência desta Resolução.

Resolução Normativa nº 428/2017


Art. 20. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os
procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência, na
forma estabelecida no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998.
§ 1º São permitidas as seguintes exclusões assistenciais:
(...)
III - inseminação artificial, entendida como técnica de reprodução assistida que inclui a
manipulação de oócitos e esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma
intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de oócitos, indução da
ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou transferência intratubária do zigoto,
entre outras técnicas;

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23


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A Lei fala apenas em inseminação artificial e no caso concreto estava sendo pedido o custeio da
fertilização in vitro...
É verdade. No entanto, a Resolução Normativa nº 428/2017 afirma que é permitida a exclusão não apenas
da inseminação artificial, mas também de outras técnicas de reprodução assistida.
Vale ressaltar que não há qualquer razoabilidade em se entender que a inseminação artificial não precisa
ser oferecida pelo plano (cobertura facultativa) e, ao mesmo tempo, a fertilização in vitro, que é mais cara
e complexa, seja de cobertura obrigatória.
A ANS não extrapolou suas atribuições ao permitir a exclusão de outras técnicas de reprodução assistida.
Isso porque a Agência tem autorização expressa para disciplinar o tema, conforme o parágrafo único do
art. 35-C da Lei dos Planos:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
(...)
III - de planejamento familiar.
Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo,
observados os termos de adaptação previstos no art. 35.

Nesse mesmo sentido:


(...) 2. O propósito recursal consiste em dizer da interpretação do art. 10, III, da Lei 9.656/98, pontualmente
se ao excluir a inseminação artificial do plano-referência também deve ser compreendida, ou não, a
exclusão da técnica de fertilização in vitro.
3. Apesar de conhecida a distinção conceitual de diversos métodos de reprodução assistida, referida
diversificação de técnicas não importa redução do núcleo interpretativo do disposto no art. 10, III, da Lei
dos Planos de Saúde, ao autorizar a exclusão do plano-referência da inseminação artificial.
4. Ao exercer o poder regulamentar acerca das exclusões do plano-referência (Resolução Normativa
387/2015), a ANS atuou nos exatos termos do disposto no art. 10, § 1º, da Lei 9.656/98, não havendo,
portanto, inovação da ordem jurídica nem ampliação do rol taxativo, mas a sua materialização na linha do
disposto e autorizado expressamente pela lei de regência.
5. A inseminação artificial compreende a fertilização in vitro, bem como todas as técnicas médico-
científicas de reprodução assistida, sejam elas realizadas dentro ou fora do corpo feminino. (...)
STJ. 3ª Turma. REsp 1794629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado
em 18/02/2020.

Em suma:
Não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização
in vitro, quando não houver previsão contratual expressa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1794629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado
em 18/02/2020.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.823.077-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24


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DIREITO EMPRESARIAL

MARCA
A empresa que comercializa responde solidariamente com o fabricante
de produtos contrafeitos pelos danos causados pelo uso indevido da marca

A empresa que comercializa responde solidariamente com o fabricante de produtos


contrafeitos pelos danos causados pelo uso indevido da marca.
Ainda que a solidariedade não seja expressamente prevista na Lei nº 9.279/96, a
responsabilidade civil é solidária para todos os autores e coautores que adotem condutas
danosas ao direito protegido de outrem, conforme sistema geral de responsabilidade
estabelecido no art. 942 do Código Civil.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.719.131-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


A empresa Indústria Metalúrgica Ltda. ajuizou ação contra duas empresas em litisconsórcio passivo:
Metalkoch Ltda. e Tecnometal Ltda.
A autora alegou que:
• a primeira ré (Metalkoch Ltda.) utiliza marca semelhante à sua em materiais publicitários, veículos e
uniforme dos empregados. Isso estaria confundindo os consumidores;
• a segunda ré (Tecnometal Ltda.) divulga e comercializa os produtos da Metalkoch Ltda., sendo ambas
do mesmo grupo.

A autora pediu para que as rés:


• ficassem proibidas de utilizar, divulgar e vender produtos com a referida marca;
• fossem condenadas a pagar indenização pelos danos materiais causados.

O juiz julgou os pedidos procedentes, condenando as requeridas, sob o argumento de que elas devem
responder solidariamente.
A segunda ré recorreu afirmando que não caberia solidariedade nesse caso, sendo indevida a condenação.

A condenação foi mantida pelo STJ?


SIM.
A primeira ré foi condenada por ter praticado contrafação, que consiste na reprodução, no todo ou em
parte, de uma marca registrada, imitação essa que pode gerar confusão nos consumidores sobre quem
são os reais fornecedores do produto ou serviço. Nesse sentido:
Na contrafação, o consumidor é enganado e vê subtraída, de forma ardil, sua faculdade de escolha. O
consumidor não consegue perceber quem lhe fornece o produto e, como consequência, também o
fabricante não pode ser identificado por boa parte de seu público alvo. Assim, a contrafação é verdadeira
usurpação de parte da identidade do fabricante. O contrafator cria confusão de produtos e, nesse passo,
se faz passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado.
STJ. 3ª Turma. REsp 1032014/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/05/2009.

++ (Juiz TJ/SC 2015) Em matéria de direito do autor, contrafação significa


A) o ato de registro que garante ao autor exclusividade sobre a sua obra.
B) a elaboração de biografia sem autorização do biografado.
C) a reprodução não autorizada.
D) a reprodução de obra de domínio público.
E) a decadência do direito do autor sobre a sua obra.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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Gabarito: letra C

A colocação desses bens contrafeitos no mercado pode ser concretizada pelo próprio fabricante ou por
meio de terceiros, que aceitam comercializar os produtos, mesmo havendo essa violação da marca. Assim,
esse terceiro participa de forma decisiva na criação da confusão nos consumidores.
Desse modo, a violação do instituto marcário pode ser realizada não apenas pela fabricação de produto
similar e imitação da marca, mas também pelos atos subsequentes que efetivamente introduzem no
mercado a oferta dos bens contrafeitos. Foi o que aconteceu neste caso. Está presente uma causalidade
comum, em que ambas as empresas rés concorreram efetivamente para o abalo ao direito exclusivo da
exploração de marca registrada.

A Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) prevê essa hipótese de solidariedade?


NÃO. Não há na Lei nº 9.279/96 a previsão de hipóteses de solidariedade do dever de reparar decorrentes
de atos de contrafação. Entretanto, mesmo sem regra na Lei específica, é possível a sua aplicação com
base na norma geral do art. 942 do Código Civil:
Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à
reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão
solidariamente pela reparação.
Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas
designadas no art. 932.

Em suma:
A colocação no mercado de produtos identificados com marca objeto de direito exclusivo de terceiros é
ato de contrafação e acarreta para o usurpador o dever de indenizar os danos decorrentes.
A empresa que comercializa responde solidariamente com o fabricante de produtos contrafeitos pelos
danos causados pelo uso indevido da marca.
Ainda que a solidariedade não seja expressamente prevista na Lei nº 9.279/96, a responsabilidade civil
é solidária para todos os autores e coautores que adotem condutas danosas ao direito protegido de
outrem, conforme sistema geral de responsabilidade estabelecido no art. 942 do Código Civil.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.719.131-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

MARCA
A renúncia ao registro não enseja a perda do objeto da ação
que veicula pretensão de declaração de nulidade da marca

Importante!!!
Atenção! Concursos federais
A renúncia ao registro não enseja a perda do objeto da ação que veicula pretensão de
declaração de nulidade da marca.
Caso concreto: a empresa Goiás Refrigerantes S/A registro, no INPI a marca JOCA COLA. Ao
tomar conhecimento disso, a “The Coca Cola Company” ajuizou ação contra a empresa Goiás
Refrigerantes S/A e contra o INPI pedindo a nulidade desse registro. Na contestação
apresentada, a Goiás Refrigerantes pediu a extinção do processo sem resolução do mérito por
perda do objeto considerando que, logo após o ajuizamento da ação, ela (ré) renunciou ao
registro da marca JOCA COLA e isso já foi homologado administrativamente pelo INPI.
Mesmo com essa renúncia, o processo deverá prosseguir considerando que a renúncia opera
efeitos ex nunc e não implica reconhecimento de que o registro continha vícios. A declaração

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26


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de nulidade, por outro lado, produz efeitos ex tunc e significa o reconhecimento de que o
registro foi concedido em desacordo com as disposições da Lei. Logo, mesmo tendo havido
renúncia à marca impugnada, a continuidade da ação é necessária para proteção dos direitos
da autora relativos ao período em que a marca esteve em vigor.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.832.148-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação adaptada (com diferenças em relação ao caso concreto):


A empresa Goiás Refrigerantes S/A registro, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a marca
JOCA COLA (registro nº 825057680).
Ao tomar conhecimento disso, a “The Coca Cola Company” ajuizou ação contra a empresa Goiás
Refrigerantes S/A e contra o INPI pedindo a nulidade desse registro.
A autora alegou que a marca impugnada JOCA COLA causa confusão nos consumidores com a marca COCA-
COLA, registrada anteriormente.
Na contestação apresentada, a Goiás Refrigerantes pediu a extinção do processo sem resolução do mérito
por perda do objeto considerando que, logo após o ajuizamento da ação, ela (ré) renunciou ao registro da
marca JOCA COLA e isso já foi homologado administrativamente pelo INPI.
O Juízo de primeiro grau, contudo, rejeitou essa preliminar, pois entendeu necessário o prosseguimento
da ação para salvaguarda dos direitos da autora em eventuais litígios futuros, em homenagem à segurança
jurídica.
Quanto ao mérito, julgou procedente o pedido de nulidade e de abstenção de uso, pois são marcas
compostas por vocábulos muito semelhantes, gráfica e foneticamente, designativas de produtos idênticos
(refrigerantes), dispostos lado a lado em gôndolas de supermercados, o que revela, além da possibilidade
de confusão ou associação errônea por parte do público consumidor, risco de diluição da marca da autora.
A Goiás Refrigerantes recorreu reafirmando a sua tese no sentido de que o processo deveria ter sido
extinto sem resolução do mérito por perda do objeto.

A tese da ré foi acolhida pelo STJ?


NÃO.
A renúncia ao registro não enseja a perda do objeto da ação que veicula pretensão de declaração de
nulidade da marca.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.832.148-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Titular de uma marca registrada pode renunciar a ela


A renúncia total é uma das formas de extinção do registro marcário, conforme expressamente prevê o art.
142, II, da Lei nº 9.279/96:
Art. 142. O registro da marca extingue-se:
(...)
II - pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados
pela marca;

Renúncia é diferente de nulidade


RENÚNCIA da marca NULIDADE da marca
Produz efeitos prospectivos (efeitos ex nunc). Produz efeitos retroativos (efeitos ex tunc).
Art. 167. A declaração de nulidade produzirá
efeito a partir da data do depósito do pedido.
Não se discute a presença ou não de algum vício que Alega-se que houve um vício, uma ilegalidade.
macule a marca. Ao contrário, como o registro é um Art. 165. É nulo o registro que for concedido em
ato administrativo, possui presunção de legalidade. desacordo com as disposições desta Lei.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27


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Desse modo, mesmo tendo havido renúncia à marca impugnada, a continuidade da ação era necessária
para proteção dos direitos da autora relativos ao período em que a marca esteve em vigor.
Ex: para a autora ser ressarcida dos prejuízos que teve durante o período em que a marca impugnada
vigorou, é necessária a declaração de que esse registro foi nulo, ou seja, inválido desde o início.
Assim, os efeitos decorrentes da eventual procedência do pedido de nulidade deduzido na inicial não são
os mesmos daqueles advindos da renúncia ao registro correspondente.
Vale ressaltar, por fim, que o art. 172 da LPI afirma que:
Art. 172. O processo de nulidade prosseguirá ainda que extinto o registro.

Esse art. 172 trata do processo administrativo de nulidade, mas seu raciocínio pode ser aplicado também
para o processo judicial.

ECA

PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE


O art. 78 do ECA traz um dever que obriga todos os que integram a cadeia de consumo,
abrangendo o editor da revista ou publicação, o transportador, o distribuidor e o comerciante

O art. 78 do ECA prevê o seguinte:


Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e
adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu
conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens
pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Esse dever de zelar pela correta comercialização de revistas pornográficas, em embalagens
opacas, lacradas e com advertência de conteúdo, não se limita aos editores e comerciantes,
mas se estende a todos os integrantes da cadeia de consumo, inclusive aos transportadores e
distribuidores.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.584.134-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Prevenção contra revistas e publicações com material impróprio ou inadequado


A Lei nº 8.069/90 (ECA) prevê uma série de medidas para prevenir ameaça ou violação aos direitos das
crianças e dos adolescentes.
Uma dessas medidas de prevenção está no art. 78, que diz o seguinte:
Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e
adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu
conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas
ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.

Além disso, o art. 81, V, prevê que é proibida a venda à criança ou ao adolescente de “revistas e
publicações a que alude o art. 78”.

O que acontece em caso de descumprimento do art. 78 do ECA?


Trata-se de infração administrativa, punida na forma do art. 257 do ECA:

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28


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Art. 257. Descumprir obrigação constante dos arts. 78 e 79 desta Lei:


Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicando-se a pena em caso de reincidência,
sem prejuízo de apreensão da revista ou publicação.

De quem é esse dever?


De todos os que integram a cadeia de consumo, abrangendo:
• o editor da revista ou publicação;
• o transportador; e
• o distribuidor;
• o comerciante.

Foi o que decidiu o STJ:


O dever de zelar pela correta comercialização de revistas pornográficas, em embalagens opacas,
lacradas e com advertência de conteúdo, não se limita aos editores e comerciantes, mas se estende a
todos os integrantes da cadeia de consumo, inclusive aos transportadores e distribuidores.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.584.134-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

O ECA prevê princípios e regras próprios que asseguram à criança e ao adolescente múltiplos direitos
fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à dignidade e ao respeito.
O art. 6º afirma que, na interpretação do ECA deverão ser levados em consideração os fins sociais a que
ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição
peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Desse modo, a fim de se garantir a máxima eficácia das normas protetivas, não se pode fazer uma
interpretação literal do art. 78 para dizer que apenas os comerciantes e os editores é que teriam esse dever.

ADOÇÃO
O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode ser
alterado para a inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos

O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode
ser alterado para a inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos.
O ordenamento jurídico vigente ao tempo em que realizada a adoção simples da peticionante
por meio de escritura pública (natureza contratual), previa que o parentesco resultante da
adoção era meramente civil e limitava-se ao adotante e ao adotado, não se estendendo aos
familiares do adotante visto que mantidos os vínculos do adotado com a sua família biológica.
Não se aplica o regime jurídico de adoção do ECA para este caso.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.387-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi,
julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Em 1962, Cristina, então com 4 anos, foi adotada pelo casal João Ribeiro da Fonseca e Regina Silva da
Fonseca, casados entre si.
A criança passou a se chamar Cristina Silva da Fonseca. Em seus assentamentos civis, passou a constar os
nomes de João e Regina como sendo seus pais adotivos.
Vale ressaltar, no entanto, que o escrivão não inseriu no registro civil de Cristina os nomes dos pais de
João e Regina como sendo seus avós adotivos. Por que ocorreu isso?
Porque na época da adoção, em 30/3/1962, vigorava o Código Civil de 1916, que não previa essa
possibilidade de inclusão dos nomes dos pais adotivos como avós da criança adotada.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29


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No Código Civil de 1916 a adoção civil era restrita, ou seja, não integrava totalmente o adotado na família
do adotante, já que permaneciam os laços sanguíneos do parentesco natural, conforme dispunha o
revogado art. 378, daquele Código.

Ação de retificação de registro


Em 1992, quando Cristina já tinha 34 anos, ela ingressou com ação pedindo para corrigir isso, ou seja, para
que fosse alterado o seu registro de nascimento e que passasse a constar os nomes de seus avós adotivos
(os pais de João e Regina).
O juiz negou o pedido afirmando que a inclusão dos avós adotivos no registro civil de nascimento da autora
violaria ato jurídico perfeito, tendo em vista que a adoção foi feita sob a égide do Código Civil de 1916 e
antes da Constituição da República de 1988.
Assim, não foi acolhido o pedido de aplicação do ECA ao caso, que instituiu a adoção plena, em respeito
ao ato jurídico perfeito.
A sentença foi confirmada pelo TJ.

O STJ manteve a sentença e o acórdão?


SIM.
O registro civil de nascimento de pessoa adotada sob a égide do Código Civil/1916 não pode ser alterado
para a inclusão dos nomes dos ascendentes dos pais adotivos.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.232.387-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. Acd. Min. Marco Buzzi, julgado
em 11/02/2020 (Info 666).

Adoção no CC/1916
No Código Civil de 1916, vigorava o regime da adoção simples.
A adoção era realizada por escritura pública e o parentesco resultante da adoção limitava-se ao adotante
e ao adotado, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais.
O parentesco natural (biológico) não se extinguia pela adoção, exceto o “pátrio poder” (atualmente, poder
familiar), que seria transferido do pai natural para o adotivo.

Lei nº 4.655/65
A Lei nº 4.655/65 trouxe algumas mudanças no regime da adoção e uma delas foi a possibilidade do vínculo
da adoção se estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes.
Esta Lei também previu o rompimento dos direitos e obrigações oriundos da relação do adotado com a
família de origem.

Código de Menores (Lei nº 6.697/79)


Somente com o advento da Lei nº 6.697/79, conhecida como o “Código de Menores” é que passou a
vigorar no país a adoção plena.
Essa lei admitiu a coexistência das duas formas de adoção, a simples e a plena.
A adoção plena, contudo, era endereçada apenas aos menores “em situação irregular” e extinguia todos
os vínculos do adotado com a sua família natural, estendendo o vínculo adotivo aos parentes do adotante
independentemente da concordância destes.
A adoção simples não ensejava tal rompimento, tanto que essa modalidade podia ser revogada pela
vontade das partes a qualquer tempo, pois constituída por intermédio de um contrato assinado expresso
em escritura pública.

CF/88, ECA e CC/2002


A Constituição Federal de 1988 proibiu o tratamento desigual entre os filhos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que entrou em vigor no biênio seguinte, revogou
os dispositivos do Código Civil de 1916 e das demais leis ordinárias relativamente aos menores de 18 anos.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30


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Manteve, no entanto, os anteriores preceitos normativos para as adoções dos maiores de idade, haja vista
que a referida legislação se volta às crianças e adolescentes.
O Código Civil de 2002 (arts. 1.618 e 1619), no entanto, promoveu a unificação do instituto passando a
admitir apenas a adoção plena, impondo novo e completo vínculo familiar, com a efetiva participação do
Poder Público no processo de adoção de crianças, adolescentes ou maiores de 18 anos.

Lei Nacional de Adoção e ECA


Atualmente, a adoção de crianças e adolescente é regida pela Lei Nacional da Adoção (Lei nº 12.010/2009)
e pelo ECA (Lei nº 8.069/90).
Esses atos normativos fazem menção apenas à adoção plena, ou seja, se referem à adoção estatutária,
outrora também chamada de plena, tendo em vista a sua característica de irrevogabilidade e pelo fato de
integrar completamente o adotado na família do adotante, trazendo vínculos para todos os envolvidos.

Voltando ao caso concreto


A adoção foi realizada em 1962. Não existia a modalidade de “adoção plena”. Nessa época, o vínculo
decorrente da adoção ficava limitado às figuras do adotado e adotante, não se estendendo à família deste.
Conforme vimos, foi somente com a Lei nº 4.655/65 que houve a possibilidade do vínculo da adoção se
estender aos ascendentes do adotante, desde que com expressa anuência destes.
Para o STJ, o pedido da autora está relacionado com a possibilidade de modificação do ato jurídico perfeito
para nele agregar valores e requisitos legalmente inconcebíveis ao tempo em que formulado e também
para afastar outros que permaneciam hígidos por força da lei.
Vale ressaltar que não se está tratando aqui de efeitos sucessórios.
O objetivo aqui da autora era o de afastar o parentesco para com os avós biológicos e estabelecer vínculo
com a família dos adotantes (ascendentes), ou seja, objetiva modificar a substância do ato adotivo.
A reivindicação é, portanto, a de excluir a parentalidade biológica dos avós (mantida por força de expressa
disposição legal) e agregar parentalidade adotiva relacionada aos ascendentes dos adotantes, ao tempo
inadmissível em razão da manutenção não apenas dos vínculos mas também dos direitos e deveres
decorrentes do parentesco natural dada a expressa e clara disposição constante do art. 378 do Código
Civil/1916.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31


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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

RECURSOS
É possível afastar a intempestividade do recurso quando isso decorreu do fato de o site do
Tribunal ter disponibilizado informação equivocada, que induziu a parte em erro

Importante!!!
A tempestividade recursal pode ser aferida, excepcionalmente, por meio de informação
constante em andamento processual disponibilizado no sítio eletrônico, quando informação
equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal de origem induz a parte em erro.
Caso concreto: o TJ/MS negou provimento a uma apelação que havia sido interposta pela
parte; na movimentação processual existente no site do TJ/MS, constou a informação de que o
vencimento do prazo recursal para a interposição de recurso ao STJ contra o acórdão do TJ se
daria no dia 10/12; assim, no dia 10/12, a parte apresentou recurso especial contra o acórdão
do TJ; ocorre que essa informação estava errada; o termo final do prazo era dia 09/12; isso
significa que parte interpôs o recurso especial intempestivamente; vale ressaltar, contudo,
que a parte foi induzida em erro pela informação constante no sítio oficial do TJ; o STJ,
excepcionalmente, considerou tempestivo o recurso.
STJ. Corte Especial. EAREsp 688.615-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/03/2020
(Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


O TJ/MS negou provimento a uma apelação que havia sido interposta por João.
Na movimentação processual existente no site do TJ/MS, constou a informação de que o vencimento do
prazo recursal para a interposição de recurso ao STJ e STF contra o acórdão do TJ se daria no dia
10/12/2012.
Assim, no dia 10/12/2012, João apresentou recurso especial contra o acórdão do TJ.
Ocorre que essa informação estava errada. O termo final do prazo era dia 09/12/2012. Isso significa que
João interpôs o recurso especial intempestivamente.
Vale ressaltar, contudo, que a parte foi induzida em erro pela informação constante no sítio oficial do TJ.

Diante dessa peculiaridade, é possível considerar que o recurso foi tempestivo?


SIM.
Se houve um erro na informação do andamento processual divulgada no sítio eletrônico do Tribunal e, em
razão disso, a parte perdeu o prazo do recurso, essa circunstância pode ser utilizada como justa causa para
prorrogação do prazo, aplicando-se a regra prevista no art. 223 do CPC/2015 (art. 183 do CPC/1973):
Art. 223. Decorrido o prazo, extingue-se o direito de praticar ou de emendar o ato processual,
independentemente de declaração judicial, ficando assegurado, porém, à parte provar que não o
realizou por justa causa.
§ 1º Considera-se justa causa o evento alheio à vontade da parte e que a impediu de praticar o
ato por si ou por mandatário.
§ 2º Verificada a justa causa, o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que lhe assinar.

Essa conclusão atende aos princípios da boa-fé e da confiança.


A disponibilização do andamento processual pelos Tribunais, por meio da internet, passou a representar
a principal fonte de informação dos advogados em relação aos trâmites do processo.
A jurisprudência, coerentemente, deve acompanhar a realidade em que se insere, sendo impensável punir
a parte que confiou nos dados assim fornecidos pelo próprio Judiciário.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32


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Assim, se o sítio oficial do Tribunal publicou uma informação incorreta, pode-se concluir que o
descumprimento do prazo foi um evento alheio à vontade da parte, tendo decorrido diretamente do erro
cometido pelo Judiciário.
No caso concreto, a informação equivocadamente disponibilizada pelo Tribunal induziu em erro a parte,
não sendo razoável que seja prejudicada por fato alheio à sua vontade.
Logo, deve ser admitido, de forma excepcional, a informação constante do andamento processual
disponibilizado pelo Tribunal de origem para aferição da tempestividade do recurso, em homenagem aos
princípios da boa-fé e da confiança.

A tempestividade recursal pode ser aferida, excepcionalmente, por meio de informação constante em
andamento processual disponibilizado no sítio eletrônico, quando informação equivocadamente
disponibilizada pelo Tribunal de origem induz a parte em erro.
STJ. Corte Especial. EAREsp 688.615-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 04/03/2020 (Info 666).

Obs: os fatos que foram analisados pelo STJ ocorreram antes do CPC/2015. Vale ressaltar que o novo
diploma reforça a conclusão a que chegou o STJ porque o art. 197 previu o seguinte:
Art. 197. Os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em
página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de
veracidade e confiabilidade.
Parágrafo único. Nos casos de problema técnico do sistema e de erro ou omissão do auxiliar da
justiça responsável pelo registro dos andamentos, poderá ser configurada a justa causa prevista
no art. 223, caput e § 1º.

RECURSOS
A tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP
é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval

Atualize o Info 660-STJ


A parte, ao apresentar recurso especial ou recurso extraordinário, tem o ônus de explicar e
comprovar que, na instância de origem, era feriado local ou dia sem expediente forense?
SIM. O art. 1.003, § 6º, do CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a
comprovação do feriado local deverá ser feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do
recurso: “O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do
recurso.”
Assim, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita no ato da interposição do
recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo previsto na lei processual civil.
Esse entendimento acima explicado está sujeito a alguma modulação de efeitos?
Em regra: não. Depois da entrada em vigor do CPC/2015, a comprovação da ocorrência de
feriado local deve ser feita no ato da interposição do recurso, sendo intempestivo quando
interposto fora do prazo previsto na lei processual civil. Esse entendimento está em vigor
desde o início da vigência do CPC/2015 e não se submete a modulação de efeitos.
Exceção: no caso do feriado de segunda-feira de carnaval, há uma modulação dos efeitos.
Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No entanto, em diversos Estados, trata-
se de feriado local.
• Se o recurso especial foi interposto antes de 18/11/2019 (data de publicação do REsp
1.813.684-SP) e a parte não comprovou que segunda-feira de carnaval era feriado no Tribunal

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33


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de origem: é possível a abertura de vista para que a parte comprove isso mesmo após a
interposição do recurso, sanando o vício.
• Se o recurso especial foi interposto depois de 18/11/2019 (data de publicação do REsp
1.813.684-SP) e a parte não comprovou que segunda-feira de carnaval era feriado no Tribunal
de origem: não é possível a abertura de vista para que a parte comprove esse feriado, ou seja,
o vício não pode mais ser sanado.
STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado improcedente.
O autor interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a sentença.
Ainda inconformado, João interpôs recurso especial contra o acórdão do TJ.
Como se sabe, o recurso especial é interposto no Tribunal de origem, ou seja, no juízo a quo (recorrido) e
não diretamente no juízo ad quem (STJ). Isso está previsto no art. 1.029 do CPC:
Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição
Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em
petições distintas que conterão:
(...)

A parte recorrida (em nosso exemplo, Pedro) será intimada para apresentar suas contrarrazões.
Após, o Presidente ou Vice-Presidente do Tribunal (isso vai depender do regimento interno), em decisão
monocrática, irá fazer um juízo de admissibilidade do recurso especial:
Se o juízo de admissibilidade for POSITIVO Se o juízo de admissibilidade for NEGATIVO
Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal
entendeu que os pressupostos do REsp estavam entendeu que algum pressuposto do REsp não
preenchidos e, então, remeterá o recurso para o STJ. estava presente e, então, não admitirá o recurso.
Contra esta decisão, não cabe recurso, Contra esta decisão, a parte prejudicada poderá
considerando que o STJ ainda irá examinar interpor recurso.
novamente esta admissibilidade.

Voltando ao nosso caso concreto:


O prazo para interpor recurso especial é de 15 dias úteis.
João interpôs o recurso especial no último dia do prazo.
Na conferência para verificar se João interpôs o recurso dentro do prazo, pode-se cair em uma armadilha
e achar que ele perdeu o prazo. Isso porque no período entre a intimação do acórdão e a interposição do
recurso, um dos dias foi feriado estadual (ou seja, dia não útil). Assim, se a pessoa que está conferindo a
tempestividade não desconsiderar esse dia, achará que João perdeu o prazo e que interpôs o REsp no 16º
dia útil. No entanto, conforme expliquei, um desses dias era feriado local (feriado estadual) e, dessa forma,
esse dia tem que ser excluído da contagem do prazo.
Repetindo: tirando sábados e domingos, João interpôs o recurso no 16º dia. Ocorre que um desses dias
foi feriado estadual. Logo, esse dia tem que ser excluído da contagem (porque não é dia útil). Isso significa
que João interpôs o recurso no 15º dia útil e, portanto, o REsp é tempestivo.

João, ao apresentar o REsp, tem o ônus de explicar e comprovar que, na instância de origem, era feriado
local ou dia sem expediente forense? Em outras palavras, João tem o ônus de comprovar que houve um
feriado local e, portanto, o recurso é tempestivo?

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34


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Na vigência do CPC/1973:
A parte, mesmo que não demonstrasse no momento da interposição do recurso que havia esse feriado
local, poderia comprovar depois. Assim, era possível a comprovação posterior da tempestividade de
recurso no STJ ou no STF quando o recurso houvesse sido julgado intempestivo em virtude de feriados
locais ou de suspensão de expediente forense no tribunal a quo.
Esse era o entendimento do STJ: AgRg no AREsp 137.141-SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em
19/9/2012.

Na égide do CPC/2015:
O cenário acima mudou.
O CPC/2015 trouxe expressamente um dispositivo dizendo que a comprovação do feriado local deverá ser
feita, obrigatoriamente, no ato de interposição do recurso. Veja:
Art. 1.003 (...)
§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

O que o STJ decidiu sobre esse dispositivo?


A Corte Especial do STJ, no dia 02/10/2019, ao julgar o REsp 1.813.684-SP, decidiu que:
- realmente, o CPC/2015 exige, de forma muito clara, a comprovação do feriado local no ato de
interposição do recurso.
- ocorre que, durante muitos anos, não foi assim. Houve, portanto, uma radical mudança e, em virtude
disso, seria razoável fixar uma modulação dos efeitos desse entendimento, considerando os princípios da
segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da decisão de mérito. Assim, foi
estabelecida a seguinte regra de transição:
• Para os recursos especiais interpostos antes de 18/11/2019 (data de publicação do REsp 1.813.684-SP):
é possível a abertura de vista para que a parte comprove a suspensão do prazo em virtude de feriado local
após a interposição do recurso, sanando o vício.
• Para recursos interpostos depois de 18/11/2019: prevalece a necessidade de comprovar o feriado no
momento da interposição do recurso, sendo impossível a sua posterior comprovação em razão de ser vício
insanável.
STJ. Corte Especial. REsp 1.813.684-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Min. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 02/10/2019.

Foi isso que constou na ementa oficial do julgado:


(...) 1. O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, de forma expressa, no § 6º do art. 1.003
que “o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”. A
interpretação sistemática do CPC/2015, notadamente do § 3º do art. 1.029 e do § 2º do art. 1.036, conduz
à conclusão de que o novo diploma atribuiu à intempestividade o epíteto de vício grave, não havendo se
falar, portanto, em possibilidade de saná-lo por meio da incidência do disposto no parágrafo único do art.
932 do mesmo Código.
2. Assim, sob a vigência do CPC/2015, é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de
documento idôneo no ato de interposição do recurso.
3. Não se pode ignorar, todavia, o elastecido período em que vigorou, no âmbito do Supremo Tribunal
Federal e desta Corte Superior, o entendimento de que seria possível a comprovação posterior do feriado
local, de modo que não parece razoável alterar-se a jurisprudência já consolidada deste Superior Tribunal,
sem se atentar para a necessidade de garantir a segurança das relações jurídicas e as expectativas
legítimas dos jurisdicionados.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35


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4. É bem de ver que há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões em casos excepcionais,
como instrumento vocacionado, eminentemente, a garantir a segurança indispensável das relações
jurídicas, sejam materiais, sejam processuais.
5. Destarte, é necessário e razoável, ante o amplo debate sobre o tema instalado nesta Corte Especial e
considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da isonomia e da primazia da
decisão de mérito, que sejam modulados os efeitos da presente decisão, de modo que seja aplicada, tão
somente, aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo, a teor do § 3º do art. 927 do
CPC/2015. (...)
STJ. Corte Especial. REsp 1.813.684-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 02/10/2019 (Info 660).

No informativo oficial 660 do STJ também constou essa mesma conclusão:


“É necessária a comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso, sendo aplicável os efeitos
desta decisão tão somente aos recursos interpostos após a publicação do REsp 1.813.684/SP.”

ATENÇÃO AGORA. O julgado acima foi alterado em questão de ordem


No dia 03/02/2020, a Corte Especial apreciou uma questão de ordem envolvendo este mesmo processo acima.
O STJ afirmou que a ementa do julgado ficou mais ampla do que aquilo que foi decidido. Isso porque o STJ
havia decidido apenas sobre um caso específico: o feriado de segunda-feira de carnaval.
Segunda-feira de carnaval não é um feriado nacional. No entanto, em diversos Estados, trata-se de feriado
local.
Assim, a modulação de efeitos prevista no REsp 1.813.684-SP só vale para o feriado de segunda-feira de
carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais.
Veja a ementa da questão de ordem:
(...) 1- O propósito da presente questão de ordem é definir, diante da contradição entre as notas
taquigráficas e o acórdão publicado no DJe de 18/11/2019, se a modulação de efeitos deliberada na sessão
de julgamento do recurso especial, ocasião em que se permitiu a posterior comprovação da
tempestividade de recursos dirigidos a esta Corte, abrange especificamente o feriado da segunda-feira de
carnaval ou se diz respeito a todos e quaisquer feriados.
2- Havendo contradição entre as notas taquigráficas e o voto elaborado pelo relator, deverão prevalecer
as notas, pois refletem a convicção manifestada pelo órgão colegiado que apreciou a controvérsia.
Precedentes.
3- Consoante revelam as notas taquigráficas, os debates estabelecidos no âmbito da Corte Especial, bem
como a sua respectiva deliberação colegiada nas sessões de julgamento realizadas em 21/08/2019 e
02/10/2019, limitaram-se exclusivamente à possibilidade, ou não, de comprovação posterior do feriado
da segunda-feira de carnaval, motivada por circunstâncias excepcionais que modificariam a sua natureza
jurídica de feriado local para feriado nacional notório.
4- Tendo o relator interpretado que a tese firmada por ocasião do julgamento colegiado do recurso
especial também permitiria a comprovação posterior de todo e qualquer feriado, é admissível, em questão
de ordem, reduzir a abrangência do acórdão.
5- Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento
do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais
feriados, inclusive aos feriados locais.
STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020.

Desse modo, o que vale é o seguinte:


• depois da entrada em vigor do CPC/2015, a comprovação da ocorrência de feriado local deve ser feita
no ato da interposição do recurso, sendo intempestivo quando interposto fora do prazo previsto na lei
processual civil. Esse entendimento está em vigor desde o início da vigência do CPC/2015 e não se
submete a modulação de efeitos.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36


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• no caso do feriado de segunda-feira de carnaval (e apenas neste), aplica-se a modulação dos efeitos
prevista no REsp 1813684/SP.
STJ. Corte Especial. QO no REsp 1813684/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/02/2020 (Info 666).

(...) 1. Preceitua o art. 1.003, § 6º do Código Fux que o recorrente comprovará a ocorrência de feriado local
no ato de interposição do recurso. Interpretar a norma de forma restritiva acabaria por imprimir
retrocesso ao justo entendimento já consolidado nesta Corte, que é o de oportunizar à parte a
comprovação do feriado local, de forma a afastar a intempestividade de seu recurso, mesmo depois de
aforada a petição recursal.
2. Entretanto, considerando a função constitucional desta Corte de uniformização da jurisprudência pátria,
ressalvo meu ponto de vista, para acompanhar o entendimento firmado por este Tribunal no AREsp.
957.821/MS, julgado pela Corte Especial, de que a comprovação da existência de feriado local deve
ocorrer no ato de interposição do respectivo recurso, nos termos do art. 1.003, § 6º do Código Fux, não
se admitindo a comprovação posterior.
(...)
4. No julgamento do REsp. 1.813.684/SP, em 2.10.2019, a Corte Especial reafirmou o entendimento
segundo o qual é necessária a comprovação nos autos de feriado local por meio de documento idôneo no
ato de interposição do recurso. Contudo, decidiu-se modular os efeitos da decisão, de modo que a tese
firmada seja aplicada tão somente aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo.
Assim, para os recursos interpostos anteriormente deve ser oportunizada à parte recorrente a
possibilidade de regularização do pleito recursal. Destaca-se ainda que, em Questão de Ordem no aludido
REsp., a Corte Especial estabeleceu que a modulação de efeitos e a possibilidade de comprovação
posterior da tempestividade dos recursos não se aplicaria a todos feriados locais, mas apenas à segunda-
feira de Carnaval, o que não é o caso dos autos. (...)
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1526342/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 30/03/2020.

AGRAVO
“Despacho” que intima o advogado para que o devedor cumpra obrigação de fazer, sob pena de multa,
possui aptidão para gerar prejuízo à parte e, portanto, pode ser impugnado por meio de recurso

Cabe agravo de instrumento contra o pronunciamento judicial que, na fase de cumprimento


de sentença, determinou a intimação do executado, na pessoa do advogado, para cumprir
obrigação de fazer, sob pena de multa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.758.800-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética:


João ajuizou ação de obrigação de fazer contra entidade fechada de previdência privada pedindo para que
a ré fosse condenada a implementar uma revisão nos benefícios pagos mensalmente.
O pedido foi julgado procedente e a sentença transitou em julgado.
O autor ingressou com pedido de cumprimento de sentença.
O juiz determinou a intimação da executada, na pessoa do advogado, para cumprir a obrigação de fazer,
ou seja, implementar a revisão no prazo de 15 dias.
A entidade de previdência interpôs agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça contra esse
pronunciamento judicial.
O TJ, contudo, não conheceu do agravo de instrumento afirmando que o ato judicial impugnado não tinha
conteúdo decisório, considerando que apenas determinou a intimação da parte para cumprimento
voluntário da obrigação de fazer. Para o TJ, o que o magistrado proferiu foi um despacho de mero
expediente, não podendo, portanto, ser objeto de recurso, a teor do disposto no art. 1.001 do CPC:
Art. 1.001. Dos despachos não cabe recurso.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37


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Essa discussão chegou até o STJ. E, então, cabe recurso contra essa manifestação judicial?
SIM.
Cabe agravo de instrumento contra o pronunciamento judicial que, na fase de cumprimento de
sentença, determinou a intimação do executado, na pessoa do advogado, para cumprir obrigação de
fazer, sob pena de multa.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.758.800-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020 (Info 666).

Para saber se uma manifestação judicial é passível de recurso, não basta analisar apenas o nome dado ao
ato judicial, mas sim o seu conteúdo. Assim, para ser irrecorrível o ato judicial, além de formalmente ser
enquadrada como “despacho”, essa manifestação não pode ter conteúdo decisório.
Nas palavras da Ministra Relatora:
“A irrecorribilidade de um pronunciamento judicial advém, não só da circunstância de se tratar,
formalmente, de despacho, mas também do fato de que seu conteúdo não é apto a causar
gravame às partes.”

No exemplo concreto acima narrado, o “despacho” proferido pelo juiz é apto a causar prejuízo à parte
executada considerando que a jurisprudência afirma que é necessária a intimação pessoal do devedor e o
magistrado determinou a intimação por meio do advogado. Logo, essa manifestação está em confronto
com o que decidiu o STJ:
É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos
da Súmula n. 410 do STJ.
Súmula 410-STJ: A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de
multa pelo descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer.
STJ. Corte Especial. EREsp 1360577-MG, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 19/12/2018 (Info 643).

A ordem judicial, ainda que contrária ao entendimento do STJ, produz plenamente seus efeitos até que
seja invalidada. Então, num primeiro momento, revela-se o prejuízo causado à entidade devedora, que
poderá ser compelida ao pagamento da multa, se não cumprir a obrigação no prazo estipulado pelo Juízo
de primeiro grau, ainda que não tenha sido, para tanto, devidamente comunicada por meio da sua
intimação pessoal.
Em um segundo momento verifica-se que o despacho proferido pode causar prejuízo ao autor tendo em
vista que, no futuro, essa multa poderá ser invalidada pela ausência de intimação pessoal.

AGRAVO
A multa em caso de agravo interno declarado manifestamente inadmissível ou improcedente
em votação unânime é revertida em prol da parte contrária (art. 1.021, § 4º)

A multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 tem como destinatário a parte contrária e não o Fundo
de Aparelhamento do Poder Judiciário.
Art. 1.021 (...) § 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou
improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará
o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado
da causa.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.846.734-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38


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Multa do art. 1.021, § 4º do CPC/2015


Irei analisar com vocês um julgamento que trata sobre a multa do § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Para
isso, no entanto, veja as seguintes etapas até chegarmos à decisão que aplica a multa:
1) João ajuizou ação contra Pedro e requereu uma tutela provisória.
2) Após ouvir a ré, o juiz proferiu decisão interlocutória denegando a tutela.
3) Qual recurso cabível contra esta decisão?
Agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, I, do CPC/2015:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
(...)

4) Qual é o prazo para a interposição do agravo de instrumento?


15 dias.
5) A parte prejudicada (João) interpôs o agravo de instrumento. Para isso, teve que dar entrada no recurso
diretamente no Tribunal, conforme determina o art. 1.016 do CPC/2015:
Art. 1.016. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio
de petição com os seguintes requisitos:
(...)

6) No Tribunal, o agravo de instrumento foi distribuído imediatamente, sendo sorteado um


Desembargador Relator (art. 1.019 do CPC/2015).
7) O Desembargador Relator poderá, de forma monocrática, considerar o recurso inadmissível, desde que,
antes disso, conceda o prazo de 5 dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a
documentação exigível. Veja:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado
especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
(...)
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5
(cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

8) E se a parte não concordar com essa decisão monocrática do Relator, o que ela poderá fazer?
A parte poderá, neste caso, interpor um agravo interno para o órgão colegiado do Tribunal questionando
a decisão monocrática do Relator.

9) Qual é o prazo desse agravo interno?


15 dias (art. 1.021, § 2º):
Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão
colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.
(...)
§ 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso
no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a
julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta.

10) Imaginemos que o Relator negou seguimento ao agravo de instrumento e João interpôs um agravo
interno manifestamente infundado (“abusivo”) contra a decisão que negou seguimento ao agravo de
instrumento.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39


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11) Se o órgão colegiado do Tribunal considerar que o agravo interno interposto é manifestamente
inadmissível ou improcedente, ele aplicará ao recorrente duas sanções:
a) condenará o agravante a pagar ao agravado uma multa;
b) condicionará o depósito do valor da multa em juízo para que futuros recursos sejam recebidos.
12) Qual é o valor dessa multa?
Entre 1% e 5% do valor atualizado da causa.
13) Para a aplicação da multa, exige-se que a decisão do Tribunal tenha sido unânime?
SIM. A aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º do CPC/2015 exige votação unânime.
Veja o dispositivo legal:
Art. 1.021 (...)
§ 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em
votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar
ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.
§ 5º A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da
multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça,
que farão o pagamento ao final.

É importante salientar que, em regra, a mera rejeição do agravo interno por votação unânime do colegiado
não acarreta a imposição da multa do art. 1.021, § 4º, sendo necessária a configuração da manifesta
inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação (STJ. 1ª Seção. AgInt na Rcl
37.960/RJ, Rel. Ministra Regina Helena Costa, julgado em 17/09/2019).

Quem é o destinatário dessa multa? Quem fica com o valor dela?


A parte contrária (parte recorrida). Em nosso exemplo: Pedro. Essa é a redação literal do § 4º do art. 1.021:
“Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime,
o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa (...)”

Não confundir
Multas destinadas à União ou aos Estados
Multas destinadas à parte contrária
(Fundo de Aparelhamento do Poder Judiciário)
Multa em caso de ato atentatório à dignidade da Multa em caso de litigância de má-fé (1ª parte do
justiça (art. 77, § 3º). art. 96).
Multa imposta aos serventuários (2ª parte do art. Multa em caso de agravo interno declarado
96). manifestamente inadmissível ou improcedente
em votação unânime (art. 1.021, § 4º).

Em suma:
Multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 tem como destinatário a parte contrária e não o Fundo de
Aparelhamento do Poder Judiciário.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.846.734-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40


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SUSPENSÃO DE SEGURANÇA
Excepcionalmente, cabe recurso especial contra
decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão se estiverem
em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana

Em regra, o STJ afirma que não cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do
pedido de suspensão. O recurso especial se destina a combater argumentos que digam
respeito a exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político.
Caso excepcional no qual o STJ admitiu o recurso especial: juiz concedeu liminar
determinando que o Estado de SP fornecesse banho quente aos presos; Presidente do TJ/SP
suspendeu a liminar; contra esta decisão foi interposto agravo; a Corte Especial do TJ manteve
a suspensão da liminar; o STJ admitiu recurso especial contra esta decisão tendo em vista que
estavam em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.530-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/04/2017 (Info 666).

Suspensão de liminar
O pedido de suspensão é
- um instrumento processual (incidente processual)
- por meio do qual as pessoas jurídicas de direito público ou o Ministério Público
- requerem ao Presidente do Tribunal que for competente para o julgamento do recurso
- que suspenda a execução de uma decisão, sentença ou acórdão proferidos,
- sob o argumento de que esse provimento jurisdicional prolatado causa grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança e à economia públicas.

Nomenclatura
Comumente, esse instituto é chamado de pedido de “suspensão de segurança”. Isso porque ele foi
previsto originalmente na lei apenas para suspender as decisões liminares ou sentenças proferidas em
mandados de segurança.
Ocorre que, com o tempo, foram editadas novas leis trazendo a possibilidade de suspensão para
praticamente toda e qualquer decisão judicial prolatada contra a Fazenda Pública.
Por essa razão, atualmente, além de “suspensão de segurança”, pode-se falar em “suspensão de liminar”,
“suspensão de sentença”, “suspensão de acórdão” etc. Alguns julgados também falam em “pedido de
contracautela”.

Previsão legal
Há cinco diferentes dispositivos legais prevendo pedido de suspensão:
• art. 12, § 1º da Lei nº 7.347/85 (suspensão de liminar em ACP);
• art. 4º da Lei nº 8.437/92 (suspensão de liminar ou sentença em ação cautelar, em ação popular ou em
ACP). É considerada pela doutrina como a previsão mais geral sobre o pedido de suspensão;
• art. 1º da Lei nº 9.494/97 (suspensão de tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública);
• art. 16 da Lei nº 9.507/97 (suspensão da execução de sentença concessiva de habeas data);
• art. 15 da Lei nº 12.016/09 (suspensão de liminar e sentença no mandado de segurança).

O que se examina no pedido de suspensão?


Na análise do pedido de suspensão, é vedado o exame do mérito da demanda principal. O que será
examinado pelo Tribunal é se a decisão prolatada acarreta risco de grave lesão à:
a) ordem;
b) saúde;
c) segurança; ou
d) economia públicas.
Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41
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De quem é a competência para decidir o pedido de suspensão de liminar?


A competência para apreciar o pedido de suspensão é do Presidente do
Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra a decisão.
Decisão prolatada
Ex: concedida liminar por juiz federal do AM, o pedido de suspensão será
por juiz de 1ª
julgado pelo Presidente do TRF1.
instância:
Ex2: concedida liminar por juiz de direito do AM, o pedido de suspensão será
julgado pelo Presidente do TJAM.
O pedido de suspensão será decidido pelo:
• Presidente do STF: se a matéria for constitucional.
Decisão prolatada por • Presidente do STJ: se a matéria for infraconstitucional.
membro de TJ ou TRF: Ex: concedida liminar pelo Desembargador do TJ/AM, o pedido de suspensão
será dirigido ao Presidente do STF ou do STJ, e não ao Presidente do TJ/AM (art.
25 da Lei nº 8.038/90).
Se a causa tiver fundamento constitucional, é possível o ajuizamento de pedido de
Decisão prolatada por
suspensão dirigido ao Presidente do STF.
membro de Tribunal
Se a causa não tiver fundamento constitucional, não há possibilidade de pedido
Superior:
de suspensão.

Recurso contra a decisão proferida no pedido de suspensão


Da decisão do Presidente do Tribunal que conceder ou negar a suspensão cabe algum recurso?
SIM. Caberá agravo interno para o Plenário ou Corte Especial do Tribunal.

Cabe recurso especial da decisão do Plenário ou da Corte Especial que julga esse agravo?
• Segundo o STJ: Em regra, NÃO. Não cabe Recurso Especial de decisões proferidas no âmbito do pedido
de suspensão. O recurso especial se destina a combater argumentos que digam respeito a exame de
legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político. Nesse sentido:
Este Superior Tribunal firmou o entendimento de não ser cabível o recurso especial contra decisões
proferidas no âmbito do pedido de suspensão, na medida em que a via especial reporta-se a argumentos
que digam respeito à exame de legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostenta juízo político.
STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 957.825/CE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 27/08/2013.

• Segundo a 1ª Turma do STF: SIM. A 1ª Turma do STF entendeu que a decisão em sede de suspensão de
segurança não é estritamente política, possuindo conteúdo jurisdicional. Com base nisso, decidiu que é
cabível, em tese, recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão de
segurança (RE 798740 AgR/DF).

Caso concreto no qual o STJ admitiu, excecionalmente, o recurso especial:


A Defensoria Pública do Estado de São Paulo ajuizou ação civil pública contra o Estado de São Paulo
pedindo para que a Administração Pública fosse condenada a disponibilizar, em suas unidades prisionais,
equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada (“chuveiro quente”).
O juízo de 1ª instância deferiu a tutela provisória.
Contra esta decisão, o Estado ingressou com pedido de suspensão de liminar no TJ/SP.
O Presidente do TJ/SP suspendeu os efeitos da liminar afirmando que “a ordem judicial representa ameaça
de grave lesão de difícil reparação”, ao exigir obras e dispêndios financeiros da Fazenda Pública.
Contra a decisão do Presidente, a Defensoria Pública ingressou com agravo, mas a Corte Especial do TJ/SP
negou provimento, mantendo a suspensão.
Diante disso, a Defensoria Pública interpôs recurso especial.
O STJ entendeu que era uma situação excepcional e, por isso, conheceu e deu provimento ao recurso
especial restaurando a integralidade da decisão de 1ª instância.
Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42
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O caso concreto é peculiar, por ferir aspectos existenciais da textura íntima de direitos humanos
substantivos.
Primeiro, porque se refere à dignidade da pessoa humana, naquilo que concerne à integridade física e
mental a todos garantida.
Segundo, porque versa sobre obrigação inafastável e imprescritível do Estado de tratar prisioneiros como
pessoas, e não como animais.
Terceiro, porque o encarceramento configura pena de restrição do direito de liberdade, e não salvo-
conduto para a aplicação de sanções extralegais e extrajudiciais, diretas ou indiretas.
Quarto, porque, em presídios e lugares similares de confinamento, ampliam-se os deveres estatais de
proteção da saúde pública e de exercício de medidas de assepsia pessoal e do ambiente, em razão do risco
agravado de enfermidades, consequência da natureza fechada dos estabelecimentos, propícia à
disseminação de patologias.

Assim, ofende os alicerces do sistema democrático de prestação jurisdicional admitir que decisão judicial,
relacionada à essência dos direitos humanos fundamentais, não possa ser examinada pelo STJ sob o
argumento de se tratar de juízo político.
Quando estão em jogo aspectos mais elementares da dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos
do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República Federativa do Brasil, expressamente
enunciado na Constituição, logo em seu art. 1º) impossível subjugar direitos indisponíveis a critérios outros
que não sejam os constitucionais e legais.

Em suma:
Em regra, o STJ afirma que não cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido
de suspensão. O recurso especial se destina a combater argumentos que digam respeito a exame de
legalidade, ao passo que o pedido de suspensão ostentaria juízo político.
Caso excepcional no qual o STJ admitiu o recurso especial: juiz concedeu liminar determinando que o
Estado de SP fornecesse banho quente aos presos; Presidente do TJ/SP suspendeu a liminar; contra esta
decisão foi interposto agravo; a Corte Especial do TJ manteve a suspensão da liminar; o STJ admitiu
recurso especial contra esta decisão tendo em vista que estavam em jogo aspectos elementares da
dignidade da pessoa humana.
STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.530-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/04/2017 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43


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DIREITO PENAL

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por
Governador de Estado com o patrimônio de empresas estatais

Importante!!!
Governador do Estado que desvia grande soma de recursos públicos de empresas estatais,
utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição, pratica o crime de peculato-
desvio.
As empresas estatais gozam de autonomia administrativa e financeira. Mesmo assim, pode-se
dizer que o Governador tem a posse do dinheiro neste caso?
É possível. Isso porque a posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser
compreendida não só como a disponibilidade direta, mas também como disponibilidade
jurídica, exercida por meio de ordens.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação adaptada:


Eduardo, na condição de Governador do Estado, desviou grande soma de recursos públicos de sociedades
de economia mista, utilizando esse dinheiro para custear sua campanha de reeleição.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Eduardo afirmando que esta conduta configurou a prática
do crime de peculato-desvio, previsto no art. 312, segunda parte, do Código Penal:
Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel,
público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou
alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

A defesa argumentou que não houve peculato-desvio. Isso porque, no seu entendimento, o réu, na
condição de Governador do Estado, não tinha a posse direta ou indireta dos valores pertencentes às
empresas estatais.
Alegou que as entidades da administração indireta, dotadas de personalidade e de patrimônios próprios,
eram geridas de forma autônoma e desvinculada das ordens emanadas pelo Governo do Estado.

O STJ concordou com a tese da defesa?


NÃO. O STJ refutou os argumentos da defesa e entendeu que a conduta configura sim peculato-desvio.

Posse, para fins de peculato, pode abranger a mera disponibilidade jurídica


A posse necessária para configuração do crime de peculato deve ser compreendida não só como a
disponibilidade direta, mas também como disponibilidade jurídica, exercida por meio de ordens.
Essa conclusão está amparada na lição da doutrina, segundo a qual a “posse, a que se refere o texto legal,
deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo a simples detenção, bem como a posse indireta
(disponibilidade jurídica sem detenção material, ou poder de disposição exercível mediante ordens,
requisições ou mandados” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 9, p. 339, apud NUCCI,
Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Parte Especial: arts. 213 a 361 do Código Penal. Vol. 3. Rio de
Janeiro: Forense, 2017, p. 467).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44


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Existem outros julgados do STJ no mesmo sentido:


O conceito de ‘posse’ de que cuida o artigo 312 do Código Penal tem sentido amplo e abrange a
disponibilidade jurídica do bem, de modo que resta configurado o delito de peculato na hipótese em que
o funcionário público apropria-se de bem ou valor, mesmo que não detenha a sua posse direta.
Pratica o delito de peculato o Delegado da Polícia Federal que obtém em proveito próprio quantia em
espécie em posto de combustível com o qual a Superintendência Regional havia celebrado convênio para
abastecimento de viaturas, sendo irrelevante que o réu não detivesse a posse direta do valor apropriado se
possuía a disponibilidade jurídica do valor, dado que era ele que emitia as requisições de abastecimento.
STJ. 6ª Turma. REsp 1695736/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 08/05/2018.

Também é o entendimento do STF:


No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta ou
indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica.
STF. Plenário. Inq 2966, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 15/05/2014.

Voltando ao caso concreto


Ficou comprovado nos autos que o réu, enquanto Governador, exercia plena ingerência nas empresas do
Estado, impondo a autoridade de seu cargo sobre os respectivos dirigentes. Assim, a autonomia gerencial
que existia, em tese, nas entidades da administração indireta não representava óbice para que o
Governador tivesse, na prática, acesso e o controle fático sobre os recursos das estatais.
Desse modo, ficou comprovado que o réu tinha a disponibilidade jurídica dos valores, a qual era exercida
por meio de ordens, já que possuía concreta autoridade sobre os dirigentes das estatais, os quais acatavam
as determinações dele advindas, demonstrado está que ele, na condição de funcionário público, tinha a
posse do dinheiro desviado, o que configura o delito de peculato-desvio.

Em suma:
Configura o crime de peculato-desvio o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador
de Estado com o patrimônio de empresas estatais.
STJ. 5ª Turma. REsp 1.776.680-MG, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 11/02/2020 (Info 666).

CRIMES DO ECA
Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento
e compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil

Se o sujeito armazena (art. 241-B) arquivos digitais contendo cena de sexo explícito e
pornográfica envolvendo crianças e adolescentes e depois disponibiliza (art. 241-A), pela
internet, esses arquivos para outra pessoa, esse indivíduo terá praticado dois crimes ou
haverá consunção e ele responderá por apenas um dos delitos?
Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e
compartilhamento de material pornográfico infanto-juvenil. Isso porque o cometimento de
um dos crimes não perpassa, necessariamente, pela prática do outro.
No entanto, é possível a absorção a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas
condutas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.
O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos.
Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem
relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material.
A distinção se dá em cada caso, de acordo com suas especificidades.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45


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O julgado a seguir comentado envolve dois crimes previstos nos arts. 241-A e 241-B do ECA.
Antes de comentar o que foi decidido, importante relembramos quais são esses crimes:

Art. 241-A do ECA (distribuição)


Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio,
inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que
contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa

Em que consiste o delito:


O sujeito ativo do crime...
- oferece, troca, disponibiliza, transmite, distribui, publica ou divulga (pratica ato de compartilhamento,
permitindo que mais pessoas visualizem)
- por qualquer meio, inclusive pela internet
- fotografia, vídeo ou outro registro
- que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

Art. 241-B do ECA (armazenamento)


Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro
que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Em que consiste o delito:


O sujeito ativo do crime...
- adquire (compra ou obtém de outra forma)
- possui (tem em seu poder)
- ou armazena (guarda)
- por qualquer meio (físico ou virtual)
- fotografia, vídeo ou outra forma de registro
- que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.

Com essa figura típica, o legislador proibiu que qualquer pessoa tenha arquivo contendo imagens de
crianças e adolescentes em cenas de sexo explícito ou pornográficas.
O armazenamento pode ser:
• físico (ex: fotografia impressa); ou
• virtual (em arquivos de computador).

Se o sujeito armazena (art. 241-B) arquivos digitais contendo cena de sexo explícito e pornográfica
envolvendo crianças e adolescentes e depois disponibiliza (art. 241-A), pela internet, esses arquivos para
outra pessoa, esse indivíduo terá praticado dois crimes ou haverá consunção e ele responderá por
apenas um dos delitos?
Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de
material pornográfico infanto-juvenil. Isso porque o cometimento de um dos crimes não perpassa,
necessariamente, pela prática do outro.
No entanto, é possível a absorção a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas
guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas.
O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 46


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Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem relação
de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material.
A distinção se dá em cada caso, de acordo com suas especificidades.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).

Assim, a depender do caso concreto, é possível o reconhecimento de concurso material de crimes entre
os arts. 241-A e 241-B do ECA:
(...) 2. A tese de consunção do crime previsto no art. 241-A por aquele descrito no art. 241-B não se
sustenta, na hipótese, por se tratar de delito de tipo misto alternativo, o qual abarca todas as condutas
que tenham por objeto fotografias ou vídeos contendo menores em cenas de sexo explícito ou
pornográficas.
3. Quando o agente adquire ou baixa arquivos de imagens pornográficas (fotos e vídeos) envolvendo
crianças e adolescentes e os armazena no próprio HD - como no caso dos autos -, é perfeitamente possível
o concurso material das condutas de “possuir” e “armazenar” (art. 241-B do ECA) com as condutas de
“publicar” ou “disponibilizar” e “transmitir” (art. 241 -A), o que autoriza a aplicação da regra do art. 69 do
Código Penal.
4. Como o tipo incriminador capitulado no art. 241-A não constitui fase normal ou meio de execução para
o delito do art. 241-B, o agente possuía a livre determinação de somente baixar, arquivar e/ou armazenar
o material pornográfico infantil, para satisfazer sua lascívia pessoal, mas poderia se abster de divulgá-lo,
sobretudo a adolescentes - o que não ocorreu na espécie.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no Resp 1330974/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Dje 19/02/2019.

CRIMES DO ECA
Juiz não pode aumentar a pena-base do crime do art. 241-A do ECA alegando que a conduta
social ou a personalidade são desfavoráveis, sob o argumento de que o réu manifestou grande
interesse por material pornográfico

O grande interesse por material que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo criança ou adolescente é ínsito ao crime descrito no art. 241-A da Lei nº 8.069/90,
não sendo justificável a exasperação da pena-base a título de conduta social ou personalidade.
Caso concreto: na 1ª fase da dosimetria da pena (art. 59 do CP), o juiz aumentou a pena-base
de 3 para 4 anos afirmando que a conduta social e a personalidade do agente eram
desfavoráveis: “Com base nos elementos constantes dos autos, percebo que a conduta social e
a personalidade do acusado demonstram certa periculosidade pelo grande interesse em
pornografia infantil. Fixo a pena-base privativa de liberdade em 4 (quatro) anos de reclusão
nesta fase.”
STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).

Sistema trifásico
A etapa judicial adotou o sistema trifásico da dosimetria, conforme explicitado no item 51 da Exposição
de Motivos da Parte Geral do Código Penal e delineado no art. 68 do Código Penal.
Assim, a dosimetria da pena na sentença obedece a um critério trifásico:
1º passo: o juiz calcula a pena-base de acordo com as circunstâncias judiciais do art. 59, CP;
2º passo: o juiz aplica as agravantes e atenuantes;
3º passo: o juiz aplica as causas de aumento e de diminuição.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47


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Este critério trifásico, elaborado por Nelson Hungria, foi adotado pelo Código Penal, sendo consagrado
pela jurisprudência pátria: STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1021796/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães,
julgado em 19/03/2013.

Primeira fase (circunstâncias judiciais)


Na primeira fase, as chamadas circunstâncias judiciais analisadas pelo juiz são as seguintes:
a) culpabilidade, b) antecedentes, c) conduta social, d) personalidade do agente, e) motivos do crime, f)
circunstâncias do crime, g) consequências do crime, h) comportamento da vítima.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O réu foi condenado pela prática do crime previsto no art. 241-A do ECA:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer
meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro
registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa

Na 1ª fase da dosimetria da pena (art. 59 do CP), o juiz aumentou a pena-base de 3 para 4 anos afirmando
que a conduta social e a personalidade do agente eram desfavoráveis:
“Com base nos elementos constantes dos autos, percebo que a conduta social e a personalidade do
acusado demonstram certa periculosidade pelo grande interesse em pornografia infantil.
Fixo a pena-base privativa de liberdade em 4 (quatro) anos de reclusão nesta fase.”

Agiu corretamente o magistrado?


NÃO.
O grande interesse por material que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
criança ou adolescente é ínsito ao crime descrito no art. 241-A da Lei nº 8.069/90, não sendo justificável
a exasperação da pena-base a título de conduta social ou personalidade.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 04/02/2020 (Info 666).

O juiz aumentou a pena-base argumentando que o grande interesse em pornografia infantil revelaria
conduta social desfavorável e alta periculosidade do réu. Ocorre que o “grande interesse em pornografia
infantil” é ínsito (próprio) ao tipo penal em questão, já tendo sido levado em consideração pelo legislador
ao fixar a pena.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 48


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DIREITO PROCESSUAL PENAL

INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM AUTORIZAÇÃO


Não é permitido o ingresso na residência do indivíduo pelo simples fato
de haver denúncias anônimas e ele ter fugido da polícia

Importante!!!
A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado
ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial
no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial.
STJ. 5ª Turma. RHC 89.853-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/02/2020 (Info 666).
STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

Imagine a seguinte situação hipotética:


Os policiais se deslocaram para o bairro Bom Jesus para verificar “denúncias anônimas”, recebidas pelo
“disque denúncia”, de que estaria sendo praticado tráfico de drogas.
Ao chegarem no local, viram que João correu quando avistou a polícia.
Os policiais perseguiram João e entraram na casa para onde ele correu.
Ao revistarem a residência, encontraram grande quantidade de drogas no interior da na casa.
João foi preso em flagrante pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).
O Ministério Público ofereceu denúncia na qual sustentou que a prisão foi legal considerando que três
aspectos:
1) a natureza permanente do crime de tráfico de drogas, quando praticado nas modalidades “ter em
depósito” e “guardar”;
2) a denúncia anônima; e
3) a fuga do investigado ao avistar a Polícia.

Dessa forma, João estava em flagrante delito sendo permitido o ingresso na residência sem autorização,
conforme previsto no art. 5º, XI, da CF/88.

No presente caso acima narrado, o ingresso dos policiais na casa foi legal?
NÃO. Vamos entender com calma.

Inviolabilidade de domicílio
A CF/88 prevê, em seu art. 5º, a seguinte garantia:
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o
dia, por determinação judicial;

Entendendo o inciso XI:


Só se pode entrar na casa de alguém sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses:
Durante o DIA Durante a NOITE
• Em caso de flagrante delito; • Em caso de flagrante delito;
• Em caso de desastre; • Em caso de desastre;
• Para prestar socorro; • Para prestar socorro.
• Para cumprir determinação judicial (ex: busca e
apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 49


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Assim, guarde isso: não se pode invadir a casa de alguém durante a noite para cumprir ordem judicial.

O que é considerado "dia"?


Não há uma unanimidade.
Há os que defendem o critério físico-astronômico, ou seja, dia é o período de tempo que fica entre o
crepúsculo e a aurora.
Outros sustentam um critério cronológico: dia vai das 6h às 18h.
Existem, ainda, os que sustentam aplicar o parâmetro previsto no CPC, que fala que os atos processuais
serão realizados em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.
O mais seguro é só cumprir a determinação judicial após as 6h e até as 18h.

O que se entender por "casa"?


O conceito é amplo e abrange:
a) a casa, incluindo toda a sua estrutura, como o quintal, a garagem, o porão, a quadra etc.
b) os compartimentos de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral, como
escritórios, gabinetes, consultórios etc.
c) os aposentos de habitação coletiva, ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, motel,
pensão, pousada etc.

Veículo é considerado casa?


Em regra não. Assim, o veículo, em regra, pode ser examinado mesmo sem mandado judicial.
Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo, como ocorre com trailers, cabines de
caminhão, barcos etc.

Flagrante delito
Vimos acima que, havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do
morador, seja de dia ou de noite.
Um exemplo comum no cotidiano é o caso do tráfico de drogas. Diversos verbos do art. 33 da Lei nº
11.343/2006 fazem com que este delito seja permanente:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

Assim, se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a todo
momento estará ocorrendo o crime, considerando que ele está praticando os verbos “ter em depósito” e
“guardar”.

Diante disso, havendo suspeitas de que existe droga em determinada casa, será possível que os policiais
invadam a residência mesmo sem ordem judicial e ainda que contra o consentimento do morador?
SIM. No entanto, no caso concreto, devem existir fundadas razões que indiquem que ali está sendo
cometido um crime (flagrante delito). Essas razões que motivaram a invasão forçada deverão ser
posteriormente expostas pela autoridade, sob pena de ela responder nos âmbitos disciplinar, civil e penal.
Além disso, os atos praticados poderão ser anulados.

O STF possui uma tese fixada sobre o tema:


A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando
amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”, que indiquem que dentro da casa

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50


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ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da
autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4 e 5/11/2015 (repercussão geral – Tema 280)
(Info 806).

Voltando ao nosso exemplo:


O STJ, ao analisar um caso semelhante ao que foi narrado como exemplo, entendeu que o ingresso na
residência de João foi ilegal.
Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais,
que justificassem a invasão de domicílio.
Os policiais procederam à abordagem de João tão somente com base em denúncias anônimas recebidas
por meio de canal telefônico. Não havia, contudo, referência a prévia investigação policial para verificar a
possível veracidade das informações recebidas. Também não se tratava de averiguação de denúncia
robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não
legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa
causa para a medida.
STJ. 6ª Turma. HC 512.418/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/11/2019.

Vale ressaltar que o STJ afirmou que “não se está a exigir diligências profundas, mas sim breve averiguação,
como, por exemplo, ‘campana’ próxima à residência para verificar a movimentação na casa e outros
elementos de informação que possam ratificar à notícia anônima.”

O fato de haverem avistado o investigado João empreender fuga não poderia, de igual forma, justificar a
invasão da residência considerando que os policiais não viram se ele estava na posse de substância
entorpecente, tendo havido a perseguição pelo simples fato de ele ter corrido. Nesse sentido:
(...) Hipótese em que a invasão de domicílio pelos policiais se fundou tão somente no fato de o paciente
ter adentrado rapidamente a sua residência quando avistou a viatura, o que não caracteriza elemento
objetivo, seguro e racional apto a justificar a medida.
STJ. 6ª Turma. HC 435.465/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 09/10/2018.

Dessa forma, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que
decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI,
da CF/88, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão da droga após a invasão
desautorizada do domicílio do réu.

Resumindo:
A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar
a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do
acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial.
STJ. 5ª Turma. RHC 89.853-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 18/02/2020 (Info 666).
STJ. 6ª Turma. RHC 83.501-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 06/03/2018 (Info 623).

Abuso de autoridade
Veja o novo crime inserido pela Lei nº 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade):
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante,
imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51


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§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:


I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas
dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes
das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios
que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.

Vale ressaltar, no entanto, que, para a configuração do delito, é indispensável a presença do dolo acrescido
de elemento subjetivo especial, nos termos do art. 1º, § 1º da Lei nº 13.869/2019:
Art. 1º (...)
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas
pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a
terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS
Sacolas plásticas fornecidas aos clientes para o transporte ou acondicionamento de produtos,
bem como bandejas, não são insumos essenciais à atividade dos supermercados, de modo que
não geram creditamento de ICMS

Os insumos que geram direito ao creditamento são aqueles que, extrapolando a condição de
mera facilidade, se incorporam ao produto final, de forma a modificar a maneira como esse se
apresenta e configurar parte essencial do processo produtivo.
Sacos e filmes plásticos utilizados exclusivamente para o fornecimento de produtos de
natureza perecível são insumos indispensáveis à atividade desenvolvida pelos
supermercados, de modo que a sua aquisição gera direito ao creditamento do ICMS.
Sacolas plásticas fornecidas aos clientes para o transporte ou acondicionamento de produtos,
bem como bandejas, não são insumos essenciais à atividade dos supermercados, de modo que
não geram creditamento de ICMS.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.830.894-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 03/03/2020 (Info 666).

ICMS
O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior;

Principais características do imposto:


• plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade;
• real: as condições da pessoa são irrelevantes;

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52


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• proporcional: não é progressivo;


• fiscal: tem como função principal a arrecadação.

Fatos geradores
Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de
Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061):
• circulação de mercadorias;
• prestação de serviços de transporte intermunicipal;
• prestação de serviços de transporte interestadual;
• prestação de serviços de comunicação.

Regra da não cumulatividade


O art. 155, § 2º, I, da CF/88 determina que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado
nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
Ricardo Alexandre explica a regra da não cumulatividade:
“A cada aquisição tributada de mercadoria, o adquirente registra como crédito o valor incidente
na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte (“ICMS a recuperar”), que pode ser abatido
do montante incidente nas operações subsequentes.
A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor incidente na
operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor
devido aos cofres públicos estaduais (ou distritais) ou compensá-los com os créditos obtidos nas
operações anteriores (trata-se do “ICMS a recolher”).
Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam
superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os
créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos
determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (Direito Tributário. Salvador: Juspodivm,
2019, p. 721).

A regra da não-cumulatividade também foi expressamente prevista no art. 19 da Lei Complementar nº


87/96, que trata sobre ICMS (Lei Kandir):
Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa
à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal
e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


O Carrefour compra, todos os meses, milhares de sacolas plásticas, bandejas (de isopor ou plástico), sacos
e filmes plásticos, que utiliza em suas unidades. Vou explicar como cada uma delas é empregada:
a) sacolas plásticas: são colocadas à disposição dos consumidores para que possam acondicionar as
compras feitas após o pagamento no caixa, facilitando o carregamento dos produtos.
b) bandeja (de isopor ou plástico): usadas para acomodar alguns produtos perecíveis como carnes, queijos,
presuntos, bolos e tortas.
c) sacos e filmes plásticos: plástico transparente e de leve espessura que envolve os produtos
confeccionados pela padaria (bolo, torta e demais), açougue, e pelo setor de hortifrutigranjeiros. É a
embalagem plástica que reveste e protege o alimento.

Quando o Carrefour adquire da indústria essas sacolas, bandejas, sacos e filmes, uma parte do valor que
ele paga é referente ao ICMS.

Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 53


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Suponhamos que, no mês de março/2018, ao comprar esses produtos, ele pagou o equivalente a R$ 100
mil de ICMS.
O Carrefour alegou que essas sacolas, bandejas, sacos e filmes são considerados como insumos essenciais
à atividade dos supermercados e, portanto, o valor pago a título de ICMS deveria ser classificado como
crédito de ICMS, podendo ser deduzido na operação seguinte, nos termos do art. 20 da LC 87/96:
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o
direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a
entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso
ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal ou de comunicação.

Em outras palavras, o supermercado afirmou que tem direito ao creditamento do ICMS recolhido na
compra das sacolas, bandejas, sacos e filmes, que se caracterizariam como insumos essenciais. Logo, o
supermercado poderia descontar R$ 100 mil do valor que ele tem a pagar de ICMS.
Assim, o supermercado pediu para quando comprar sacolas, bandejas, sacos e filmes registrar como
crédito o valor pago a título de ICMS, que poderá ser abatido na próxima operação que fizer.

O STJ concordou com a tese do supermercado?


Em parte.
• No que tange às sacolas plásticas e bandejas: NÃO. Isso porque não são insumos essenciais.
• No que se refere aos sacos e filmes plásticos: SIM, considerando que são insumos essenciais.

Em primeiro lugar, é importante deixar claro que só geram direito ao creditamento de ICMS os insumos
essenciais à atividade da empresa. Nesse sentido:
(...) O entendimento da Primeira Turma do STJ é no sentido de reconhecer o direito ao creditamento de
ICMS no que concerne à aquisição de combustível e lubrificantes por sociedade empresária prestadora de
serviço de transporte, uma vez que tais produtos são essenciais para o exercício de sua atividade
produtiva, devendo ser considerados como insumos. (...)
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 424.110/PA, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 19/2/2019.

Assim, os insumos que geram direito ao creditamento são aqueles que, extrapolando a condição de mera
facilidade, se incorporam ao produto final, de forma a modificar a maneira como esse se apresenta e
configurar parte essencial do processo produtivo (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.802.032/RS, Rel. Min.
Mauro Campbell Marques, julgado em 20/8/2019).

Sacolas plásticas
O Brasil, segundo estudo do Banco Mundial e da WWF, é o 4º maior produtor de lixo plástico no mundo
(Fonte: WWF / Banco Mundial - What a Waste 2.0: A Global Snapshot of Solid Waste Management to
2050).
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, as sacolinhas plásticas têm um alto custo ambiental. Para
sua produção são consumidos petróleo ou gás natural (ambos recursos naturais não-renováveis), água e
energia, e liberados efluentes (rejeitos líquidos) e emissões de gases tóxicos e do efeito estufa. Além disso,
depois de usadas, muitas são descartadas de maneira incorreta, aumentando a poluição e ajudando a
entupir bueiros que escoam as águas das chuvas ou indo parar nas matas e oceanos, sendo ingeridas por
animais que morrem sufocados ou presos nelas (<https://www.mma.gov.br/responsabilidade-
socioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/saco-e-um-saco/saiba-mais.html>).
Justamente por isso, alguns Estados, como o Rio de Janeiro, além do Distrito Federal, já editaram leis
proibindo a distribuição de sacolas plásticas.
Para o STJ, o direito tributário não pode ficar alheio às políticas públicas de desestímulo à utilização da
sacolas plásticas. Se o Poder Judiciário afirmar que é permitido o creditamento de ICMS pela aquisição das
Informativo 666-STJ (27/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 54
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sacolas plásticas, isso acabará por caracaterizá-las como insumos essenciais e que se incorporam à
atividade desenvolvida pelos supermercados, o que vai na contramão de todas as políticas públicas de
estímulo ao uso de sacolas reutilizáveis por parte dos consumidores.
Ademais, o fornecimento das sacolas plásticas, para acomodação e transporte de mercadorias pelos
consumidores, não é essencial à comercialização dos produtos por parte dos supermercados. Prova isso o
fato de que diversos supermercados já excluem, voluntariamente, o fornecimento das sacolas com a
finalidade de transporte ou acomodação de produtos.
Portanto, especificamente quanto às sacolas plásticas, que são colocadas à disposição dos clientes, para
acomodar e facilitar o carregamento dos produtos, não há direito ao creditamento do ICMS.

Filmes ou sacos plásticos


A sacola plástica fornecida para acomodação e transporte de produtos pelos consumidores é diferente do
filtro ou saco plástico utilizados para embalar produtos de natureza perecível.
Os filmes ou sacos plásticos utilizados exclusivamente com o propósito de comercialização de produtos de
natureza perecível devem sim ser considerado como insumos essenciais à atividade desenvolvida pelo
supermercado. Isso porque não há como fornecer um peixe ou uma carne sem o indispensável filme ou
saco plástico que cubra o produto de natureza perecível, como forma de isolar a mercadoria e protegê-la
de agentes externos capazes de causar contaminação. No mesmo sentido, o fornecimento de presuntos,
queijos ou outros produtos perecíveis, deve se fazer acompanhar de filme ou saco plástico fornecido com
a mesma finalidade.
Do contrário, o consumidor seria obrigado a adquirir os produtos conforme entregues diretamente pelos
fornecedores aos supermercados; ou seja, seria impossível a aquisição fracionada de tais produtos.

Bandejas
Por fim, as bandejas, feitas de isopor ou plástico, não são indispensáveis ao isolamento do produto
perecível, sendo uma mera comodidade entregue ao consumidor.
Os filmes e sacos plásticos são suficientes para o isolamento do produto perecível.

Em suma:
Sacos e filmes plásticos utilizados exclusivamente para o fornecimento de produtos de natureza
perecível são insumos indispensáveis à atividade desenvolvida pelos supermercados, de modo que a
sua aquisição gera direito ao creditamento do ICMS.
Sacolas plásticas fornecidas aos clientes para o transporte ou acondicionamento de produtos, bem
como bandejas, não são insumos essenciais à atividade dos supermercados, de modo que não geram
creditamento de ICMS.
STJ. 1ª Turma. REsp 1.830.894-RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 03/03/2020 (Info 666).

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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) A omissão injustificada da Administração em providenciar a disponibilização de banho quente nos
estabelecimentos prisionais fere a dignidade de presos sob sua custódia. ( )
2) Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, não remanesce ao servidor exonerado o direito de
reingresso no cargo, tendo em vista que o atual ordenamento constitucional impõe a prévia aprovação
em concurso público como condição para o provimento em cargo efetivo da Administração Pública. ( )
3) A readmissão na carreira da Magistratura não encontra amparo na Lei Orgânica da Magistratura Nacional
nem na Constituição Federal de 1988. ( )
4) A exclusão do candidato, que concorre à vaga reservada em concurso público, pelo critério da
heteroidentificação, seja pela constatação de fraude, seja pela aferição do fenótipo ou por qualquer
outro fundamento, não exige o franqueamento do contraditório e da ampla defesa. ( )
5) Em situações excepcionais, é possível, para efeito de estabilidade, a contagem do tempo de serviço
prestado por força de decisão liminar. ( )
6) (Promotor MP/GO 2019 – adaptada) De acordo com a jurisprudência do STF, viola a Constituição Federal
a manutenção no cargo, sob o fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele
tomou posse em virtude de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária,
supervenientemente revogado ou modificado. ( )
7) A pena de cassação de aposentadoria é compatível com a Constituição Federal, a despeito do caráter
contributivo conferido àquela, especialmente porque nada impede que, na seara própria, haja o
acertamento de contas entre a administração e o servidor aposentado punido. ( )
8) (Delegado PC/DF 2015) Conforme entendimento do STF, diante do caráter contributivo do regime
próprio de previdência dos servidores públicos, é inconstitucional a penalidade de cassação de
aposentadoria. ( )
9) (Analista Judiciário - Administrativa STJ 2018 CEBRASPE) Será cassada a aposentadoria voluntária do
servidor inativo que for condenado pela prática de ato de improbidade administrativa à época em que
ainda estava na atividade. ( )
10) O imóvel gerador dos débitos condominiais pode ser objeto de penhora em cumprimento de sentença,
ainda que somente o ex-companheiro tenha figurado no polo passivo da ação de conhecimento. ( )
11) A decretação da prescrição da pretensão punitiva do Estado na ação penal fulmina o interesse processual
no exercício da pretensão indenizatória a ser deduzida no juízo cível pelo mesmo fato. ( )
12) (Juiz TJ/CE 2018 CEBRASPE) A sentença absolutória do juízo criminal que declare a inexistência do fato
ou que o réu não tenha concorrido para o crime faz coisa julgada no juízo cível, obstando a reparação
civil ex delicto. ( )
13) A demora para a autorização da cirurgia indicada como urgente pela equipe médica do hospital próprio
ou credenciado, sem justificativa plausível, caracteriza defeito na prestação do serviço da operadora do
plano de saúde, resultando na sua responsabilização. ( )
14) A operadora de plano de saúde tem responsabilidade solidária por defeito na prestação de serviço
médico, quando o presta por meio de hospital próprio e médicos contratados, ou por meio de médicos
e hospitais credenciados. ( )
15) (DPE/RN 2015 CESPE) Uma operadora de plano de saúde não responde perante o consumidor por falha
na prestação dos serviços médicos e hospitalares por ela credenciados. ( )
16) É abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização in vitro.
( )
17) Não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização in
vitro, mesmo que haja previsão contratual expressa. ( )
18) A empresa que comercializa responde solidariamente com o fabricante de produtos contrafeitos pelos
danos causados pelo uso indevido da marca. ( )
19) (Juiz TJ/SC 2015) Em matéria de direito do autor, contrafação significa

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A) o ato de registro que garante ao autor exclusividade sobre a sua obra.


B) a elaboração de biografia sem autorização do biografado.
C) a reprodução não autorizada.
D) a reprodução de obra de domínio público.
E) a decadência do direito do autor sobre a sua obra.

20) A renúncia ao registro enseja a perda do objeto da ação que veicula pretensão de declaração de nulidade
da marca. ( )
21) As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão
ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo. ( )
22) As editoras cuidarão para que as capas das revistas e publicações que contenham mensagens
pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca. ( )
23) O dever de zelar pela correta comercialização de revistas pornográficas, em embalagens opacas, lacradas
e com advertência de conteúdo, não se limita aos editores e comerciantes, mas se estende a todos os
integrantes da cadeia de consumo, inclusive aos transportadores e distribuidores. ( )
24) A tempestividade recursal não pode ser aferida por meio de informação constante em andamento
processual disponibilizado no sítio eletrônico, mesmo que a informação disponibilizada pelo Tribunal de
origem tenha sido equivocada. ( )
25) Não cabe agravo de instrumento contra o pronunciamento judicial que, na fase de cumprimento de
sentença, determinou a intimação do executado, na pessoa do advogado, para cumprir obrigação de
fazer, sob pena de multa. ( )
26) A multa do art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 tem como destinatário a parte contrária e não o Fundo de
Aparelhamento do Poder Judiciário. ( )
27) Excepcionalmente, cabe recurso especial contra decisões proferidas no âmbito do pedido de suspensão
se estiverem em jogo aspectos elementares da dignidade da pessoa humana. ( )
28) Configura o crime de peculato-furto o fomento econômico de candidatura à reeleição por Governador
de Estado com o patrimônio de empresas estatais. ( )
29) No peculato-desvio, exige-se que o servidor público se aproprie de dinheiro do qual tenha posse direta
ou indireta, ainda que mediante mera disponibilidade jurídica. ( )
30) Em regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento e compartilhamento de
material pornográfico infanto-juvenil. ( )
31) O grande interesse por material que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança
ou adolescente é ínsito ao crime descrito no art. 241-A da Lei n. 8.069/1990, não sendo justificável a
exasperação da pena-base a título de conduta social ou personalidade. ( )
32) A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a
polícia configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu
consentimento ou sem determinação judicial. ( )
33) Os insumos que geram direito ao creditamento são aqueles que, extrapolando a condição de mera
facilidade, se incorporam ao produto final, de forma a modificar a maneira como esse se apresenta e
configurar parte essencial do processo produtivo. ( )
34) Sacolas plásticas fornecidas aos clientes para o transporte ou acondicionamento de produtos, bem como
bandejas, são insumos essenciais à atividade dos supermercados, de modo que geram creditamento de
ICMS. ( )

Gabarito
1. C 2. C 3. C 4. E 5. C 6. C 7. C 8. E 9. C 10. C
11. E 12. C 13. C 14. C 15. E 16. E 17. E 18. C 19. Letra C 20. E
21. C 22. C 23. C 24. E 25. E 26. C 27. C 28. E 29. C 30. C
31. C 32. E 33. C 34. E

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