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UM ESTUDO DOS MARCADORES CONVERSACIONAIS NA AULA

REMOTA DE LÍNGUA PORTUGUESA

Elinaldo Soares Silva/Universidade Federal do Ceará


elinaldo23@hotmail.com

RESUMO

Esta pesquisa aborda os marcadores conversacionais empregados na conversação entre


docente e discentes numa aula remota. Buscamos compreender quais os marcadores
conversacionais foram empregados durante a interação didática entre professor e alunos
em uma aula remota gravada no google meet. A pesquisa ancora-se em aportes teóricos
de Kerbrat-Orecchioni (2002), Marcuschi (2003), Sacks, et al (1974). Os resultados
evidenciam que, apesar dos entraves durante a interação na aula remota, em termos gerais,
os marcadores conversacionais analisados revelam-se muito semelhantes aos usados em
aulas presencias, o que por sua vez aponta para uma tentativa de reproduzir o contexto
presencial em ambientes virtuais.

Palavras-Chave: Aulas Remotas; Interação; Marcadores Conversacionais.

1 INTRODUÇÃO

A Análise da Conversação se consolidou como uma promissora linha de


pesquisa em várias áreas do conhecimento, sobretudo na Linguística. Frazão e Lima
(2017) demarcam que esse interesse pela sistematização dos elementos presentes nas
interações verbais é derivado da constatação da relação entre língua e sociedade, o que
por sua vez propiciou uma redefinição na concepção sobre a fala e sua função junto ao
homem e a sociedade.
A fala que antes era entendida como uma atividade caótica, individual e
espontânea passou a ser concebida como uma atividade que segue algumas regras de uso.
Na tentativa de estabelecer uma interação verbal satisfatória, o falante segue alguns
padrões durante a conversação, esses padrões não são rígidos, mas se adaptam de acordo
com a função e contexto comunicacional, assim a AC tem contribuído com vários estudos
que objetivam compreender os aspectos implícitos e explícitos que permeiam a interação
verbal humana.
Recentemente tivemos o grande desafio de compreender as interações
humanas e, especialmente, as interações didáticas nas aulas remotas, em virtude do
distanciamento social, medida sanitária de contenção do Novo Coronavírus. Vários
segmentos da sociedade tiveram suas atividades suspensas, dentre elas, as escolas que em
vista do prolongamento do isolamento tiveram que desenvolver estratégias para continuar
ofertando aulas aos discentes, ainda que em formato à distância. Assim, diversas
instituições optaram por oferecer aulas remotas por meio ferramentas online como
Google Meet, WhatsApp, You tube, dentre outros.
Essa mudança drástica acentuou a diferença entre aqueles que tinham mais
dificuldades de aprender e exigiu um “novo docente”, que precisou se reinventar, teve
que se adaptar ao uso de tecnologias, novas metodologias. Nesse contexto, Leurquin
(2020) defende que as novas situações interacionais provenientes das aulas remotas
exigem uma reestruturação dos métodos de ensino empreendidos, uma vez que esse novo
contexto de interação propicia novos mecanismos interativos entre o professor e aluno.
Entendemos que a AC oferece subsídios para o entendimento de que a
comunicação humana é contextualizada e se modifica conforme a situação, o público, o
contexto, etc., por isso decidimos realizar um estudo que objetivasse analisar e descrever
os marcadores conversacionais empregados durante as aulas remotas de Língua
Portuguesa.
Marcuschi (2003) afirma que a rigor, a AC é uma tentativa de responder a
questões do tipo: como é que as pessoas se entendem ao conversar? Como sabe que estão
se entendendo? Como sabem que estão agindo coordenada e cooperativamente? Como
usam seus conhecimentos linguísticos e outros para criar condições adequadas à
compreensão mútua? Como criam, desenvolvem e resolvem conflitos interacionais?
Assim, a AC tem como característica metodológica básica a indução, ou seja,
inexiste a priori, parte de dados empíricos em situações reais e analisadas através
categorias como turnos de fala, pares adjacentes, reparos, correções, assaltos,
sequencialidades e marcadores conversacionais.
Embora todas essas categorias analíticas sejam de suma importância para a
Análise da Conversação, este estudo se delimitará apenas na categoria denominada
marcadores conversacionais, uma vez que são específicos e com funções tanto
conversacionais quanto sintáticas, por isso existem relações estruturais e linguísticas entre
a organização da conversação em turnos (marcados pelas trocas de falantes) e a ligação
interna em unidades constitutivas de turnos.
Baseados nas categorias apontadas por Marchuschi (2003), selecionamos
turnos de fala de um professor e dois estudantes para identificar e analisar os marcadores
empregados. Sabemos que o ambiente virtual, embora possibilite uma espécie de
interação “face a face” apresenta outros aspectos e características, o que leva ao emprego
diferenciado dos marcadores em interações presenciais.

2 METODOLOGIA

A metodologia da pesquisa foi pautada em Paiva (2019) e suas considerações


sobre como desenvolver uma pesquisa, especificamente na área da Linguística. Conforme
a autora, a pesquisa é de natureza básica, pois, “tem por objetivo aumentar o
conhecimento científico [...]” (PAIVA, 2019, p. 11) sobre um determinado assunto, neste
caso, a conversação entre professor e aluno no contexto remoto.
A pesquisa é qualitativa pois se caracteriza por “compreender, descrever e,
algumas vezes, explicar fenômenos sociais [...]” (PAIVA, 2019, p.13). e exploratória,
já que o objetivo foi “ampliar o conhecimento sobre o tópico escolhido [...]” (PAIVA,
2019, p. 13-14).
O corpus da pesquisa é composto por fragmentos de conversas retiradas de
uma aula de língua portuguesa gravada, na qual selecionamos algumas falas do professor
e de dois alunos para destacarmos os marcadores conversacionais e realizarmos as
análises.
A aula em questão foi ministrada para alunos da rede pública estadual, em
uma Unidade Plena do IEMA, que assim como outras instituições de ensino ofertou aulas
remotas de modo a cumprir com as normas sanitárias, bem como de modo a garantir que
os discentes cumprissem os dias letivos.
Ciente das questões éticas sobre o tratamento dos dados, o corpus da pesquisa
foi coletado previamente mediante autorização dos participantes que consentiram em
disponibilizar suas falas para este estudo. Os participantes tiveram suas identidades
preservadas e serão referenciados apenas como Professor, Aluno 1 e Aluno 2.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O corpus desta pesquisa é composto por diversos turnos de falas selecionados
dos diálogos de um professor e de dois estudantes. O corpus foi retirado de uma aula de
língua portuguesa, online, gravada através da plataforma Google Meet, ministrada para
estudantes do IEMA São José de Ribamar.
Os participantes da pesquisa tiveram suas identidades preservadas e foram
referenciados nesta seção apenas como PROFESSOR, ALUNO 1 e ALUNO 2. A aula
teve duração de 33 minutos e 22 segundos e seu início foi marcado por uma série de
interrupções em vista de problemas técnicos, tais como ruídos e ecos resultantes do uso
inadequado dos microfones e de outros dispositivos usados pelos interlocutores.
A aula contou com 21 alunos, dos quais apenas 4 se manifestaram, o que
revela uma incipiente interação entre professor e alunos. A seguir apresentamos as
transcrições das Unidades Comunicativas - UCs selecionadas e os marcadores
conversacionais identificados pelo uso do negrito.

PROFESSOR: UC (a) “tá bom?”;


UC (b) “[...] se eu perguntar para vocês (pausa) Jonh, Jonh, Jonh, Jonh”1
UC (c) “[...] Tomates e azeitonas são frutos? (silêncio) Jonh tá me
ouvindo?”

Observamos nas UCs do professor cinco casos de marcadores


conversacionais. Na UC (a) temos o marcador conversacional “tá bom?” pós-
posicionado no final da UC que indica uma saída ou entrega de turno.
Já no caso (b), vemos dois marcadores conversacionais, a pausa curta que se
configura como um recurso não-verbal com uma pausa não sintática de hesitação, cuja
finalidade é o planejamento mental e tem uma motivação sobretudo cognitiva. Notamos,
ainda, a repetição do nome de um dos alunos, numa tentativa do professor de reestabelecer
a interação com os estudantes, entretanto, o aluno em questão não respondeu ao professor.
Na UC (c) temos mais dois marcadores conversacionais, o silêncio que marca
uma falha na conversação e em seguida a pergunta do professor: “Jonh tá me ouvindo?”
que consiste num recurso verbal pós-posicionado de orientação do falante para o ouvinte,
o qual demonstra a insistência do professor em dar sequência ao turno de fala.
Embora não destacado acima, ressaltamos que, após alguns segundos de
silêncio, um outro estudante assalta o turno de fala e responde ao professor. Na UC (c)
vemos que houve uma interação mal sucedida, aspecto característico das interações em
ambiente virtuais.

ALUNO 1 UC (a) “Então professor tá me escutando [...]


UC (b) “ééééééé, eu sinto um pouco de dificuldade na criação da intervenção
eeeeeeeee [...]”

Nesta UC, destacamos dois marcadores conversacionais. Antes de analisá-


los, destacamos que o turno de fala do estudante inicia-se com uma indagação: “tá me

1
O verdadeiro nome do estudante foi substituído para mantê-lo em anonimato.
escutando?”, ou seja, o aluno/falante pede a confirmação da atenção do ouvinte para que
possa iniciar seu turno de fala.
Quanto aos marcadores conversacionais, ambos classificam-se como recursos
verbais de orientação do falante para o ouvinte, os quais, dentro da dinâmica da
conversação, são entendidos como sinais produzidos pelos falantes, [...] que servem para
sustentar, preencher pausas, dar tempo à organização do pensamento [...]”
(MARCUSCHI, 2003, p. 73).

ALUNO 2 – UC (a) “Para mim não tá não [...]”


UC (b) “Professor, Professor, Professor, alôoooo [...]”
UC (c) “(pausa curta) então no caso é para eu sair da aula?

O aluno 2 assalta o turno de fala do professor para avisá-lo de que não


consegue ver os slides da aula que estão sendo exibidos, sem que o professor o escute, o
aluno 2 continua a tomar o turno de fala, como fica evidente na UC (b). 5 minutos depois
o professor entrega o turno de fala, o aluno 2 novamente alerta para sua impossibilidade
de ver na tela do seu dispositivo os slides, ao passo que o professor solicita, então, que o
aluno 2 “saia da sala e entre novamente”. A seguir as análises.
Na UC (a) temos em destaque, um caso de recurso verbal no qual o advérbio
não é repetido no fim da UC para dar ênfase à informação antes da entrega de turno. Na
UC (b) destacamos outro caso de recurso verbal pós-posicionado cuja sílaba tônica é
estendida foneticamente para dar ênfase ao fato do aluno 2 não conseguir a atenção do
professor e, também, para chamar atenção de que ele (o estudante) não está tendo acesso
aos slides.
Já a UC “c” é iniciada com uma pausa curta: recurso supra-segmentado/pausa
não sintática de hesitação idiossincrática, essa pausa curta revela uma espécie de mal-
estar entre os interlocutores mediante o pedido para que aluno se desconecte da aula e
entre novamente.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos por meio das análises demonstram que, embora sirva
como uma estratégia de prevenção de contaminação do Covid 19, as aulas remotas
apresentam aspectos que comprometem a interação docente/discentes: os problemas de
conexão, os ruídos, a variação da voz gerada por problemas no microfone, a
impossibilidade de interação visual durante a conversação entre interlocutores entre
outros fatores contribuíram para interação incipiente durante a aula assistida que serviu
de corpus analítico para esta pesquisa.
A impossibilidade de interação visual, proveniente da configuração da
plataforma Google Meet em que apenas o falante tem sua imagem exibida aos demais,
gera uma sensação desconfortante, ou frustação, uma vez que os interlocutores não
interagem, mas um deles permanece falando sozinho ou com o vazio. Isso fica claro
quando vemos que a maioria das UCs são iniciadas e encerradas com perguntas do tipo:
“o senhor me ouve?”, “está conseguindo me ouvir”, “está aí?”, dentre outras.
Especulamos que devido a esse fato, muitos dos alunos recusaram-se a interagir
na aula, em verdade, ao longo dos 33 min. de duração da aula, dos 21 alunos participantes,
somente 4 se manifestaram, alguns de forma muito tímida, com UCs compostas por
respostas simples como “sim!” “não!”; enquanto que o professor dominou a maior parte
dos turnos de fala.
Diferentemente das hipóteses iniciais, os dados revelaram um alto índice de
recursos não-verbais: gestos, maneios com a cabeça, etc., o que revela que mesmo em
um ambiente virtual tem-se a sensação de estar numa interação face-a-face. Constatamos,
ainda, um índice considerável de recursos suprassegmentais como as pausas curtas entre
as trocas de turnos.
Apesar dos entraves durante a interação entre interlocutores na aula remota, em
termos gerais, os marcadores conversacionais analisados revelam-se muito semelhantes
aos usados em salas presencias, o que por sua vez aponta para uma tentativa de reproduzir
o contexto presencial em ambientes virtuais.

REFERÊNCIAS

BEHAR, Patricia Alejandra. O Ensino Remoto Emergencial e a Educação a


Distância. (2020). In: https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remoto-
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LEITE, Marli Quadros; NEGREIROS, Gil. Análise da Conversação no Brasil: rumos e


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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação, São Paulo: Editora Ática, 2003.

PAIVA, Vera Lúcia de Oliveira e. Manual de pesquisa em estudos linguísticos. 1ª ed.


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SILVA, Ana Cristina Tarelo da. A cortesia na conversação informal. 2016. 68 f.


Dissertação (Mestrado) - Curso de Letras-Língua Portuguesa, Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em:
tede2.pucsp.br/handle/handle/19237. Acesso em: 23 out. 2010.

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