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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ESCOLA DE BELAS ARTES


DESIGN DE MODA

ANIAH MENDONÇA BRAGA


LUIZ HENRIQUE DOS SANTOS SOUZA
THAIS COUTO

Greenwashing: É possível ser sustentável em um contexto capitalista?

BELO HORIZONTE
2022
1 - INTRODUÇÃO

Os consumidores dos produtos de moda, que estão acostumados a ver belas vitrines nas
lojas, muito luxo e glamour nas passarelas e nos próprios produtos que consomem,
provavelmente imaginam que o caminho que o produto percorre até chegar em suas mãos é da
mesma forma: belo e glamouroso; mas não é bem assim. A produção de uma peça de roupa,
por exemplo, passa por um longo caminho até chegar ao consumidor, causando, na maioria
dos casos, diversos impactos ambientais e sociais.
Com a demanda cada vez maior e a grande concorrência, o preço das roupas é um fator
decisivo para o consumidor. Considerando esse fato, as empresas vendem peças cada vez mais
baratas, mas para que isso ocorra, há muitas pessoas pagando um preço alto durante o
processo de produção. A maioria das empresas terceirizam sua produção, visando minimizar
os custos da mão de obra. Segundo a World Trade Statistical Review, a Ásia é a principal
exportadora e produtora do mercado têxtil, com destaque à China, Índia, Taiwan e Paquistão.
O crescimento da China gerou um pequeno aumento no nível salarial e isso fez com que
algumas marcas mudassem para países como Bangladesh, Vietnã e Camboja, onde a
competição por trabalho mantinha os salários baixos e as margens de lucro mais altas,
resultando em milhares de pessoas em países subdesenvolvidos expostas a condições de
trabalho análogas à escravidão.
No Brasil não é diferente, há milhares de pessoas trabalhando em oficinas clandestinas,
em condições subumanas e sem um salário digno. Desde 1995 ocorrem políticas públicas de
fiscalização e combate a essa situação, mas somente em 2003 o país firmou uma série de
compromissos perante entidades internacionais de Direitos Humanos e tipificou melhor o
crime. As operações no meio urbano eram bastante incomuns, por isso, o primeiro resgate de
um trabalhador no âmbito da moda, numa oficina de costura, ocorreu oficialmente apenas em
2010.
Além disso, as pessoas mais afetadas por essa situação são as pretas e pardas, que já
possuem um passado de exploração. Hoje, 134 anos após a abolição da escravidão no Brasil, a
cada cinco trabalhadores regatados de situações análogas à escravidão, entre 2016 e 2018,
quatro eram negros. Isso é somado ao fator de gênero. No âmbito nacional, a maioria dos
trabalhadores resgatados são homens, mas quando analisado apenas o setor têxtil e do
vestuário, as mulheres são a maioria. Muitas delas são mães, diversas vezes condicionadas a
deixarem seus filhos sob os pés das máquinas, o que aumenta a violação e afeta o
desenvolvimento pleno das crianças e adolescentes.
Além da questão social, há ainda o impacto ambiental causado pela indústria têxtil. Um
dos fatores que mais colaboram para isso é o fast fashion. Em uma economia em expansão,
impulsionada pelo consumo excessivo e individual, o fast fashion reproduz coleções de
grandes marcas de forma rápida, constante e com baixo custo. Segundo a Forbes, em média,
peças fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes e geram 400% mais emissões de
carbono do que roupas de marcas slow fashion, usadas aproximadamente cinquenta vezes. O
slow fashion é uma alternativa ao fast fashion, onde são feitas pequenas coleções, que
consideram a valorização maior da mão de obra de quem faz a peça, preços justos,
durabilidade da peça e uma preocupação com o meio ambiente e descarte de resíduos e
tecidos em sua produção.
De acordo com estudos da Ellen MacArthur Foundation, além do carbono emitido no
processo de produção, o descarte da indústria, dado o ciclo de vida curto das coleções, é
imenso e anualmente são perdidos em torno de 500 bilhões de dólares com o descarte de
roupas nos aterros sanitários. Na criação de peças, 25% de tudo que é produzido vira lixo e
praticamente nada é reaproveitado.
A indústria da moda é responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera,
ficando atrás apenas do setor petrolífero. De acordo com um estudo conduzido pela Boston
Consulting Group, chamado Pulse of the Fashion Industry, de 2019, até 2030 a indústria
global de vestuário e calçados terá crescido 81%, chegando a 102 milhões de toneladas de
roupas e acessórios, exercendo uma pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta.
Considerando esse fato somado a realidade de vivermos em sistema exploratório, que visa
apenas o crescimento e o lucro, e é subsidiado pelo privilégio de um grupo seleto de pessoas,
podemos perceber o quanto a maneira que consumimos e descartamos nosso lixo é
responsável por um cenário desastroso. O aquecimento global, a alta quantidade de emissão
de gases de efeito estufa, o aumento do desmatamento e a falta de políticas direcionadas para
conter esses desastres, nos leva para um futuro de poucas possibilidades, que resultará na
extinção da espécie humana caso nada seja feito a respeito.

2 - SUSTENTABILIDADE
No ano de 1988, foi publicado o documento conhecido como “Relatório Brundtland”.
Como resultado de uma comissão mundial sobre meio ambiente de 1987, proposta pela ONU,
este documento discute as relações “entre crescimento econômico e meio ambiente, aspectos
sociais e políticos”, e que foram “[...]impostas aos países pobres sem considerar os aspectos
locais e as características das regiões ou países onde tais políticas seriam implementadas”
(Dias, 2010). Ao discutir o desenvolvimento econômico destes países, o relatório colocava a
sustentabilidade enquanto preocupação. Segundo Dias:

O documento propôs o crescimento “sustentável” da produção, adotando


uma posição conciliadora (BRÜSEKE, 1996) entre os aspectos
econômicos, tecnológicos, sociais, políticos e ambientais deste
crescimento. Definiu sustentabilidade como sendo o “...que satisfaz as
necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras
gerações satisfazerem suas próprias necessidades" (COMISSÃO,
1988:235) Portanto, é neste documento que o conceito de
“sustentabilidade” é lançado oficialmente nas discussões mundiais. Para se
atingir esta sustentabilidade, o relatório propõe a execução de algumas
medidas: a) controle do crescimento populacional; b) produção e
distribuição de alimentos; c)preservação ambiental d) racionalização do
consumo de energia; e) produção industrial adaptada a tecnologias limpas
e de fontes renováveis; f) controle da urbanização e; g) satisfação das
necessidades básicas das populações mais pobres (BRÜSEKE, 1996).

O autor defende que o documento, apesar do “conceito de sustentabilidade propor a


idéia de um relacionamento pacífico entre sociedade e natureza, apresentava fragilidades em
relação à sua forma de implantação, pois permitia compreensões diversas e não indicava
claramente como alcançar os objetivos propostos”, não se preocupando em em entender a
complexidade, diversidade e intersecção dos aspectos sociais, ambientais, políticos e
econômicos dos países envolvidos. Para além destes pontos, no referido relatório não é
questionado o modo de produção no sistema capitalista, que é responsável pela” exploração
indiscriminada dos recursos naturais e da força de trabalho”.
Desta forma, tal definição de sustentabilidade “corresponde à característica que um
processo, grupo social ou situação possui de se manter perene por tempo indeterminado”
(DIAS, 2010). Ao se preocupar com a dimensão econômica, refere-se a capacidade que este
processo, grupo social ou situação possui de manter sua renda ou rendimento monetário, de
forma inalterada ao longo do tempo. Ao incluir a dimensão econômica como uma de suas
prioridades, esta concilia “[...] a obtenção constante de retornos monetários [...] com os
aspectos sociais e ambientais”, exigindo a “[...] manutenção ou melhoria das condições
sociais das pessoas envolvidas, de forma individual ou coletiva” (dimensão social) e a “[...]
utilização dos recursos naturais disponíveis de forma racional, considerando seu impacto
sobre a qualidade, a quantidade disponível e a capacidade de renovação destes recursos”
(dimensão ambiental) (DIAS, 2010). Centralizando seu foco “nas questões relacionadas ao
crescimento da produção de mercadorias, por meio da utilização eficiente dos recursos
disponíveis [..”] e um possível bem estar social decorrente disso. Sustentabilidade, segundo
essas definições, busca uma adequação do modo de produção capitalista “às limitações
estabelecidas pela quantidade de recursos disponíveis para a produção”, considerando o
crescimento da mesma “como algo natural e necessário”.
Entretanto, pode ser observado que a adoção e disseminação do conceito de
sustentabilidade promoveu um questionamento do consumismo como modo de vida atual, da
degradação do meio ambiente, da exploração de mão-de-obra e da desigualdade social que
são provenientes do modo de produção capitalista.

3 - FAST FASHION
A partir da década de 1980, o fast-fashion emerge na Europa como “um conceito
enleado pelo discurso da democratização da moda [...], que disseminou-se em escala mundial”
(SANTOS, 2017). Esse conceito significa “moda rápida” e foi cunhado na década de 90,
visando suprir a necessidade de um consumidor impaciente, ágil e conectado. Trata-se de um
sistema “cujo objetivo é prover o mercado com as novas tendências do mundo da moda de
forma extremamente rápida, potencializando a competitividade e a rotatividade na cadeia de
produção deste segmento” (SANTOS, 2017).
Atualmente, o consumo desenfreado desencadeado pelo fast-fashion “torna as peças do
vestuário obsoletas em um prazo ínfimo”, pois sua lógica é fundamentada no princípio de
produzir materiais efêmeros (FLEURY; OLIVEIRA, 2021). Assim, designers atuam sob uma
pressão mercadológica “de lançarem inúmeras coleções anualmente com vistas a uma única
perspectiva: atingir os mais altos faturamentos”(SANTOS, 2017).
Além disso, com o processo de globalização, o fast fashion marcou a entrada de grandes
empresas da moda mundiais em países estrangeiros, afetando a produção local” (SANTOS,
2017). Suas peças de roupa são geralmente produzidas por empresas terceirizadas em países
“de terceiro mundo”, geralmente na América Latina, Ásia e África, se beneficiando da mão
de-obra barata encontrada nestes países e pelos privilégios econômicos concedidos por seus
governos, através da isenção de impostos, da manutenção de empresas prestadoras de serviços
e da baixa fiscalização” (SANTOS, 2017).
Desta forma, é impossibilitado o de toda a trajetória percorrida no processo de
fabricação das peças de vestuário, desde a matéria-prima até o produto final, permitindo que
as atividades de exploração ilegais passem despercebidas. Promove o aumento do faturamento
para as grandes marcas da moda” enquanto “estimula o consumo exacerbado e o trabalho
escravo” (SANTOS, 2017).

4 - SLOW FASHION
Em contrapartida ao fast-fashion, foi criado pela inglesa Kate Fletcher o termo
slow-fashion. Cunhado em 2007 pela então consultora e professora de design sustentável, este
termo foi inspirado pelo movimento slow food e surge “em contrapartida ao consumo
desmedido, descartável e não sustentável e, ainda, defender a produção de peças duráveis e de
qualidade” (SANTOS, 2017), utilizando materiais recicláveis e se preocupando em “agir de
forma ética com os trabalhadores”, segundo a autora, sem recorrer

[...] a trabalhadores temporários ou subcontratados, nem tampouco


obriga-se trabalhadores a fazerem horas extras excessivas, a fim de
cumprirem a entrega de encomendas imprevisíveis, com prazos
impossíveis. Ao contrário, busca-se ofertar aos trabalhadores a
possibilidade de garantia de empregos estáveis, com horários regulares
e oportunidades de promoção. (SANTOS, 2017)
.
Segundo seus idealizadores, o slow-fashion tem como objetivo “a reflexão acerca de
todos os impactos da industrialização e do consumismo na vida contemporânea”, “[...] em um
processo de desaceleração do consumo, com produção de peças perenes e de qualidade [...]”,
buscando a “reestruturação do cenário têxtil-confecção-moda e de seus processos” para
oferecer aos consumidores produtos que sejam pensados de forma ambiental e socialmente
correta, “[...] passando pela escolha de materiais e métodos, como lavanderias, tinturaria,
estamparias, modelagem, corte e costura até chegar no ponto de venda [...], permitindo que o
indivíduo consuma de uma maneira mais ética.” (FLEURY; OLIVEIRA, 2021).
Há uma grande preocupação com o envolvimento daquele que consome com todo o
processo, conscientizando-o
[...] acerca dos impactos que um produto pode provocar no meio
ambiente, assim como os danos causados no setor econômico e social.
O principal aspecto do slow fashion é a compreensão do ciclo de vida
do produto, iniciado no processo criativo do designer, respeitando
todas as sucessivas cadeias até ser produzido, consumido e descartado
de volta para o meio ambiente (FLEURY; OLIVEIRA, 2021).

No ano de 2015, foi lançado o Manifesto anti-fashion pela pesquisadora holandesa de


tendências Li Edelkoort. Com o objetivo de criticar os valores e práticas do fast-fashion, eram
não só defendidas as ideias citadas acima como também

[...] a diversidade e exclusividade em oposição à produção de massa; a


permanência e a durabilidade em oposição à efemeridade e ao
descartável; o local/nacional em oposição ao global, como também
valorizava aspectos como: o trabalho manual e colaborativo; a busca
de conhecimentos sobre tecidos e criação têxtil; o prolongamento da
vida útil das peças de vestuário; o planejamento da redução e/ou
eliminação de resíduos sólidos; o uso de técnicas tradicionais de
confecção; e a utilização de matéria-prima com princípios ecológicos e
de materiais disponíveis na região local (SANTOS, 2017).

Os adeptos do slow-fashion enfatizavam a preocupação dos “designers, produtores,


compradores, varejistas e consumidores [...] com ações de sustentabilidade e com o impacto
de seus produtos [...], priorizando a variedade, a criatividade e a qualidade das roupas”,
focando então na criação de “peças artesanais e exclusivas feitas à mão, em pequenas
quantidades e com materiais diferenciados” (SANTOS, 2017). Porém, apesar de apresentarem
um discurso a favor da produção artesanal, da ética trabalhista, do preço justo e da
preservação ambiental, manteve-se “[...] a preocupação com a alta lucratividade e a
rentabilidade. Neste sentido, a moda pautada no slow fashion acaba apresentando um custo
elevado ao consumidor” (SANTOS, 2017), que por sua vez eram justificados pela “qualidade
dos materiais usados, a durabilidade das peças de roupas, a valorização dos trabalhadores e a
responsabilidade no processo de produção”, além da exclusividade.
Ao justificar os altos preços com a necessidade de serem rentáveis, competitivas e
adquirirem visibilidade no mercado, as poucas marcas brasileiras que “possuem projetos
alinhados aos valores do movimento slow fashion sob o slogan do consumo consciente e
sustentável e do relacionamento ético e justo, comercializam peças de roupas a preços
exorbitantes para os padrões econômicos da maioria da população do país. Nesta direção,
lojas de aluguéis de roupas e de artigos para customização do vestuário, brechós, bazares e
roupatecas, nas grandes cidades brasileiras, transformam-se em locais de luxo [...]”.
(SANTOS, 2017).
Ao pensar em um modo de produção que seja viável sócio e ambientalmente, deve ser
considerada a posição que a classe trabalhadora ocupa, suas condições econômicas e se o
sistema adotado, como o slow fashion seria acessível para esta que vivencia não apenas o
crescimento do desemprego estrutural e a baixa remuneração como também a exclusão social.
Se nestas iniciativas como “compra de roupas de brechós [...], produção de roupas com
materiais reciclados [...], o aluguel e a troca de roupas em feiras e a criação de Roupatecas”
(SANTOS, 2017) o foco incide na lucrabilidade, rentabilidade e competitividade em
detrimento da garantia de que toda e qualquer camada social possa acessá-los de forma
igualitária, este movimento continuará tendo característica elitista. Segundo a autora:

Portanto, apesar de o discurso a favor do slow fashion reiterar que é


possível produzir moda de forma consciente e denunciar as
deficiências de um sistema que explora o trabalho e destrói os recursos
naturais, depreende-se [...] que é preciso que os seus reais objetivos
sejam questionados, afinal para que as pessoas que vivem do trabalho
adotem esse novo sistema, faz-se necessário que elas tenham poder de
compra e possam consumir o slow fashion, o qual atualmente
apresenta-se restrito e com valor demasiadamente elevado. Com
efeito, se o slow fashion não é acessível a toda a população, então, o
referido sistema é elitista e representa apenas um ícone de status e não
uma mudança, de fato, no consumo da moda e no processo de
conscientização acerca do trabalho escravo. Portanto, faz-se necessário
questionar o valor das peças das roupas e o público para quem o
mercado do slow fashion está direcionado, uma vez que somente as
classes de alto poder aquisitivo podem aderir a esta nova filosofia e
participar das tendências da moda de forma consciente, conforme
sinaliza o sistema slow (SANTOS, 2017).
5 - GREENWASHING
Greenwashing é um termo em inglês, que em tradução literal significa “Lavagem verde”. É
uma estratégia praticada por empresas, indústrias públicas ou privadas, organizações não
governamentais e até governos. Na moda, especificamente, pode ser observada como uma
estratégia de marketing que promove discursos, ações e propagandas pseudo-ecológicas mas
que não se sustentam na prática. Depois que o termo sustentabilidade se popularizou, as
empresas perceberam que seus consumidores estão mais atentos ao que compram,
despertando um aparente interesse em mudar os prejuízos que há muito causaram ao
meio-ambiente e a sociedade no geral.

A indústria têxtil e do vestuário está entre as cinco que mais poluem o mundo, pois utiliza
excessivamente os recursos hídricos, do solo, e principalmente escraviza nossa saúde em prol
do “Glamour”. Utilizando o Greenwashing como viés, as marcas e indústrias da área da moda,
encontram diversas formas de passar uma imagem de amiga do mundo como forma de vender
mais. Um dos exemplos é a ZARA, que após um de seus maiores escândalos de manter mão
de obra escrava em sua produção, criou campanhas fajutas de greenwashing para tentar trazer
de volta os consumidores que perdeu por esse fato. Campanhas essas que mais tarde foram
investigadas e desmentidas acerca dos materiais usados para produzi-las. Isso acontece em
toda a indústria dentro e fora da moda, evidenciando que a preocupação com o meio ambiente
só se faz (ou finge estar) presente nestas empresas na busca pelo lucro.

Com o avanço tecnológico e informativo, a moda conquistou novas formas e se tornou cada
vez mais veloz. Desde de sua conceituação como objeto de desejo, vem se tornando
destrutível e massante. Estima-se que hoje, 80% dos têxteis produzidos no mundo são
descartados, sendo incinerados ou aterrados, somente 20% são reciclados ou voltam para a
cadeia de usabilidade. Vários questionamentos surgem, mas como lutar contra um vício
coletivo que demonstra cada vez mais autoridade sobre nossos desejos e anseios? Os esforços
para conter a destruição e desigualdade causadas por este modo de consumo e produção
infelizmente não são aderidos por toda a população, pois muitas vezes essas informações são
cooptadas pelo desejo de “se vestir melhor”, independente dos sacrifícios para produzir. O
glamour está acima da sobrevivência, da ética e principalmente, da humanidade. “Vestir
cascas e descartá-las”, é esse o conceito que devemos levantar sobre a indústria da moda.
A moda rápida já vitimizou muitos, desde aqueles que deram seu sangue para criar roupas
através de sua escravidão no setor têxtil, até aqueles que compram roupinhas baratas sem
imaginar que está consumindo um produto ao qual foi induzido pela alienação. E se esse
consumidor pudesse escolher se soubesse a verdade, e se ele tivesse escolha entre se vestir ou
comer? Mas como ativar esse gatilho de ser sustentável em uma massa social que não tem
acesso a coisas básicas para sobrevivência, é justo a maioria pagar por algo que poucos
causaram?

6 - CAPITALISMO
Além de questionar os valores e interesses que orientam as empresas que utilizam o
conceito de slow-fashion como forma de gestão de recursos e de pessoas, é necessário
entender quem o está propondo, quem o está seguindo, e quais são os interesses ocultos que
levaram a popularização da prática. O slow fashion explora as vertentes sustentáveis como
forma de obtenção de lucro, sem de fato promover uma mudança significativa. Assim
chega-se a conclusão de que o modelo segue diretrizes neoliberais e atende a um público
minoritário, que possui poder econômico, resultando em “mudanças ínfimas , uma vez que a
prioridade do capitalismo é o lucro e não a correção de distorções de seu próprio sistema.
Deste modo, [...] não basta refletir sobre a descartabilidade da moda e aderir ao slow fashion
como principal linha de ação [...]. A questão que prioritariamente se coloca é problematizar e
enfrentar veementemente as imposições de um sistema econômico que se reestrutura de modo
contínuo, [...] reengendrando novas formas de organização de trabalho extremamente injustas,
desiguais e desumanas (SANTOS, 2017)
Com isso não significa que a reflexão sobre “ciclos lineares de extração, produção e
descarte” não seja necessária. Pelo contrário, a substituição de cadeias lineares por sistemas
cíclicos e saudáveis é de extrema importância, mas em conjunto com estas ações deve se
combater as imposições deste sistema econômico que se reestrutura de modo incessante, se
apropriando de movimentos e estratégias alternativas e transformando-os em produtos
(FLEURY; OLIVEIRA, 2021).
Um termo utilizado para descrever esse processo de transformação de ideias e projetos
socioambientais em capital é o greenwashing, que, como descrito pelas autoras de
Greenwashing e o Mito da Sustentabilidade na Moda:
[...] vem ganhando espaço especialmente no mercado da moda, em
que diversas marcas reproduzem um discurso relacionado à sua gestão
ambiental que diverge de suas práticas ou políticas internas. O mito da
sustentabilidade, juntamente com o greenwashing, são ferramentas de
alienação utilizadas pelo mercado com o intuito de desviar a atenção
dos problemas centrais provocados pelo capitalismo e suas possíveis
soluções. (BENETTI; HELD, 2022)
As mesmas propõem uma abordagem crítica do tema sustentabilidade na moda, fugindo
da perspectiva mercadológica, “superando a lógica do valor” e que supere a narrativa da
natureza como sendo uma “mercadoria reificada que pode ser explorada [...] até seu
esgotamento com o único intuito de gerar mais-valor para acumulação” (BENETTI; HELD,
2022).
O ser humano, em uma lógica capitalista, cessou sua relação de aliança com a natureza,
tratando-a como um meio a ser explorado “em prol da acumulação. [...] Em decorrência disso,
plantas e animais não-humanos são deslocados do meio natural e passam a ser tratados como
meios de produção” (BENETTI; HELD, 2022). Em sua incessante busca por expansão, o
capital também gera sua própria crise, pois esse acúmulo se dá através do esgotamento de
recursos naturais.
A moda, em sua constante busca por inovação, é indissociável do capitalismo. Desde
seu surgimento no fim do século XIV, junto a ascensão da burguesia e surgimento deste
sistema econômico, opera através de sua própria superação. Ao longo dos séculos, com
possibilidades ocasionadas pelas transformações tecnológicas e aparecimento de novas formas
de comunicação e disseminação de imagens, a transformação do vestuário se tornou cada vez
mais rápida até chegar no que hoje convencionamos por tendências. Operando através deste
tipo de obsolescência programada, a moda:

Ao lançar cada vez mais rapidamente novos modelos, cores e


materiais no mercado, a necessidade pelo novo faz com que as peças
de roupa, mesmo em boas condições de uso, sejam substituídas por
outras que estejam “na moda” [...] A moda como movimento, que não
pode parar, desacelerar ou deixar de se reinventar, relaciona-se desta
forma ao próprio capital. Capital, segundo Marx (2013), é valor que se
valoriza, é valor em constante movimento - movimento este, que
também é cíclico. A moda, portanto, nada mais é, que uma forma de
expansão do capital, que busca acelerar seus ciclos através da
incansável busca pelo “novo”, refletida também na fetichização da
mercadoria, na alienação do consumidor – que também é produtor -
através de mecanismos criados especificamente para esse fim, acelerar
a rotação do capital [...] (BENETTI; HELD, 2022).

A sustentabilidade, movida para pensar tanto a industria têxtil atual, quanto outras
industrias, é utilizada como uma maneira de diferenciação de produtos através de uma lógica
mercadológica em que “a principal motivação para implementá-la, não a redução dos
materiais poluentes em si”, pois [...] caso a medida seja eficaz na redução dos resíduos, mas
não seja ao mesmo tempo poupadora de capital, não há motivo, com base na perspectiva da
valorização do capital, para colocá-la em prática” (BENETTI; HELD, 2022), submetendo-se a
possibilidade de perda de lucro ou de não competir com outras empresas do mesmo setor,
ocasionando sua falência. Desta forma, a preocupação e implantação de processos
sustentáveis na indústria têxtil “ficará restringido à sua viabilidade financeira e não à sua
capacidade de reduzir ou erradicar danos ambientais”. Segundo as autoras:

[...] Seu único motivo de adoção de práticas ecologicamente


sustentáveis seria se elas, prioritariamente, significarem redução de
custos e aumento da massa de mais-valor criado. O autor [Sá Barreto]
ainda ressalta que o capitalista não tem a liberdade de escolha. “Sua
vontade individual é constrangida pela concorrência entre capitais e,
por isso, desempenha um papel secundário”. Em outras palavras, o
capitalista, por melhor intencionado que seja, é sempre compelido
pelas leis do mercado a agir desta forma. Se ousar se posicionar de
maneira contrária, corre o risco de perder sua condição de capitalista
uma vez que seu capital pode ser tanto destruído quanto absorvido por
outros maiores. A racionalidade limitada do mercado capitalista, com
seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é intrinsecamente
contraditória com uma racionalidade ecológica, que leva em conta a
longa temporalidade dos ciclos naturais. (BENETTI; HELD, 2022)

A suposta relação de oposição entre capitalistas que aderem ou não a práticas


sustentáveis seria infundada, pois não consegue solucionar de fato os problemas sociais e
ecológicos sustentados pelo próprio modo de produção e funcionamento ideológico. Dessa
forma o “capitalismo verde” torna-se apenas uma etiqueta com impacto mínimo,
estrategicamente utilizada com fins de acúmulo de capital. Algumas das empresas de
fast-fashion ou altamente poluidoras no geral, acabam se aproveitando desse movimento
enquanto tendência para propor ações publicitárias que tentam vendê-las como marcas
ecologicamente corretas através da prática de greenwashing:

Empresas, grandes ou pequenas, ao serem cobradas por seus


consumidores, adotam discursos sustentáveis mudando pouco – ou
nada – suas práticas e políticas internas. O “mito da sustentabilidade”
propagado pelo sistema capitalista pouco contribui na regulação
metabólica da natureza. Sendo uma estratégia de marketing e vendas
e, consequentemente, de acumulação, não tem como objetivo a
produção dentro dos limites naturais, pelo contrário, seu objetivo é
acumular mais-valor através de um suposto cuidado com a natureza.
(BENETTI; HELD, 2022)

Através desta lógica de sustentabilidade através de um “consumo consiente”, o


capitalismo também tende “a individualizar problemas e soluções ecológicas transferindo o
impacto para o consumidor” (BENETTI; HELD, 2022). O indivíduo é responsabilizado pela
crise ambiental e passa a acreditar na ideia de que através de seus hábitos de consumo
individuais (redução do consumo e priorização de empresas ecofriendly) dentro do mesmo
sistema capitalista poderá solucioná-la. Os sujeitos são alienados pelo capitalismo verde para
que não repensem nem busquem alternativas para além do sistema político-econômico
vigente.

Se faz necessário lutar contra os descasos dessa indústria, buscar formas de driblar o
consumo de massa e pressionar nossos governantes para levantarem atitudes sobre as
empresas que fazem esse mal ao planeta. A moda deve ser intermediada e responsabilizada
sobre sua degradação. A disseminação de informações sobre questões ambientais e sociais,
desvinculada da práxis mercadológica também é necessária. Devemos buscar novas formas de
ensinar que a roupa não deve ser um objeto de descarte imediato, e sim de cuidado, recriação,
criatividade, troca e conexão, assim como o cuidado com meio ambiente não deve ser apenas
um discurso vazio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENETTI, L. P.; HELD, M. S. B. de. Greenwashing e o mito da sustentabilidade na moda:


alienação e fetichismo da mercadoria. Revista de Ensino em Artes, Moda e Design,
Florianópolis, v. 6, n. 1, p. 1-17, 2022. Disponível em:
https://www.revistas.udesc.br/index.php/ensinarmode/article/view/20131. Acesso em: 14 jul.
2022.

DIAS, Marcos de Carvalho. Participação, sustentabilidade e autiogestão: um caso da indústria


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SANTOS, S. D. M. dos. Entre Fios e Desafios: Indústria da Moda, Linguagem e Trabalho


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PESSOAS AINDA SÃO FORÇADAS A PRODUZIREM ROUPAS. O QUE PODEMOS


FAZER?. [S. l.], 28 jan. 2021. Disponível em:
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