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Revista

Reflexões e Práticas Geográficas

ESPAÇO E TEMPO: REFLEXÕES SOBRE OS AGENTES MODELADORES DO


URBANO RORAIMENSE

SPACE AND TIME: REFLECTIONS ON THE URBAN MODELING AGENTS


RORAIMENSE

ESPACIO Y TIEMPO: REFLEXIONES SOBRE LOS AGENTES MODELADORES DO


URBANO RORAIMENSE

RESUMO

Este trabalho se propõe a investigar a dinâmica territorial urbana da Amazônia brasileira, tendo
como suporte um estudo de caso apoiado no estado de Roraima, a fim de entender esse
movimento numa região de fronteira. Acrescentamos que essa análise busca verificar as
singularidades que se apresentam nessa fronteira, como um processo diferenciado de ocupação e
povoação do restante da região amazônica. Um estudo dessa natureza, em que se define a
necessidade de examinar a dinâmica territorial urbana de Roraima, apresenta-se com a seguinte
finalidade: buscar entender a origem e a constituição do urbano, através do principio de ocupação
nos séculos XVII e XVIII, da atividade pecuária nos séculos XVIII, XIX e XX e da formação do lugar
Boa Vista, que desencadeia a organização territorial do presente.

Palavras-chave: Amazônia, dinâmica, fronteira, Roraima.

ABSTRACT

This work examines the urban territorial dynamics of the brazilian amazon based on a case study in
the state of Roraima in order to understand this movement in a frontier region. Moreover, the
analysis shows the singularities that occur in this border as a distinctive process of occupation and
peopled in the remaining of the amazon region. Such study has the following aim: to search for the
urban origin and setting up through the occupation‟s assumptions in the 17th and 18th centuries,
the catlle breeing activities in the in the 18th, 19th and 20th centuries and also the formation of Boa
Vista place that unchains its present territorial organization.

Key-words: Amazon, dynamics, frontier, Roraima.

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo investigar la dinámica urbana en la Amazonía brasileña, con el
apoyo de un estudio de caso del estado de Roraima, con el fin de entender este movimiento en una
región fronteriza. Añadimos que este análisis tiene como objetivo verificar las singularidades que se
presentan en esta frontera como un proceso diferenciado de la ocupación y la colonización del resto
de la región amazónica. Un estudio de esta naturaleza, que define la necesidad de examinar la
dinámica del urbano de Roraima, se presenta con el siguiente propósito: tratar de entender el
origen y la formación de las zonas urbanas a través del principio de la ocupación en los siglos XVII y
Paulo Rogério de
XVIII, la actividades ganaderas en los siglos XVIII, XIX y XX y la formación de lugar Boa Vista, lo que
Freitas Silva desencadena la organización territorial de este.
Universidade Federal de
Alagoas Palabra-llave: Amazonas, dinámica, fronteras, Roraima.
paulgeografia@gmail.com

REVISTA REFLEXÕES E PRÁTICAS GEOGRÁFICAS (Online). Maceió/AL, v. 1, n. 1, p. 58-81, jul./dez. 2014.


ESPAÇO E TEMPO: REFLEXÕES SOBRE OS AGENTES MODELADORES DO URBANO RORAIMENSE
SILVA, P. R. F.

Introdução

Apontamos que para entendermos a dinâmica territorial urbana de Roraima, colocamos a


complexidade genética do urbano como ponto de partida, por favorecer o entendimento de parte
dessa dinâmica e da estrutura atual, considerando como diz CORRÊA (2001, p.95), „[a] rede
urbana brasileira é constituída por um conjunto de centros datados de diversos momentos.
Coexistem no mesmo espaço cidades criadas na primeira metade do século XVI, no início da
colonização, e cidades nascidas na década de 1980, enquanto outras mais são criadas no início
do século XXI, na ainda não esgotada “fronteira do capital”, a Amazônia. Além do mais, como
destaca CORRÊA (2001, p.96), complexidade genética, “(...) traduz-se também pela diferenciação
entre os centros urbanos no que se refere aos agentes e propósitos imediatos da criação”.
Sobre a criação de cidades, nos amparamos também em BEAUJEU-GARNIER (1997, p.73),
quando esta assinala que para a constituição das mesmas, correspondem três motivos possíveis:
econômicos, políticos e defensivos. Esse último sendo considerado como um sub-aspecto dos
políticos. Assim, cada cidade encontra-se marcada, desde a sua origem, - e por vezes de maneira
indelével – pela escolha inicial.
Esses vetores determinantes resultam do tempo histórico e produzem um arranjo territorial,
adquirindo uma feição e formalizando uma hierarquização entre os centros urbanos existentes a
partir da realidade imposta, como no contexto roraimense, quando esses três motivos, ressaltados
por BEAUJEU-GARNIER (1997), encontram-se claramente delimitados na realidade local,
integrando-se ao momento histórico que, por sua vez, pode ser um determinante econômico, tal
como os garimpos, ou político, a exemplo do evento rodoviário e dos projetos de colonização e dos
defensivos como os pelotões militares de fronteira.
Assim, a idéia de surgimento se compromete com formação, origem e constituição, sendo
essas condições o princípio da consolidação do urbano roraimense como lugar de concentração da
população, após essa ter permanecido nas aldeias, nas fazendas, nas corrutelas e nos povoados.
Para MUNFORD (1991, p.11):

Antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da


aldeia, o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e antes de
tudo isso, houve certa predisposição para a vida social que o homem compartilha,
evidentemente, com diversas outras espécies animais.

Da mesma forma, porém na visão de GUIMARÃES (2004, p.07), “Inicialmente aparecem o


bando de caça. Depois, surgiu a aldeia e finalmente, a cidade.”

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Observamos que os dois autores fazem um tipo de evolução, que em Roraima, pode-se
propor que se encontra em formação. Podemos considerar que ainda se integra à modernidade
urbana de Boa Vista com o que há de mais primitivo na aldeia indígena, como o simples hábito de
se vestir, ausente no grupo Yanomami, a uma relativa pequena distância de uma cidade que pode
ser considerada global.
São seres humanos que se integram pelas necessidades individuais. O índio vai à cidade, o
urbano vai à aldeia, condição comum, entre os índios Macuxis, Taurepang, Wapixana, Waimiri-
atroari, entre outros, que vivem o urbano e o rural numa correlação entre o moderno e o primitivo,
fazendo uma integração que formaliza uma sociedade num processo de urbanização no sentido do
impacto dos hábitos urbanos na aldeia.
Assim as cidades, como hoje se organizam em Roraima, é a modernização da “maloca”,
único tipo de aglomerado da região no passado. Tendo sido essas um adensamento onde se
concentravam os rituais de um povo que hoje se integra e se reúne na cidade a partir do
parentesco e não da impessoalidade do aglomerado moderno que tem expressão na cidade
cosmopolita.
Para se ter um exemplo dessa realidade, FERRI (1990), ressalta que, “Boa Vista é a maior
maloca de Roraima”. Porém, esta se distingue de uma aldeia não pela extensão, nem pelo
tamanho, mas como coloca GOITIA (1982, p.15), pela presença de uma alma de cidade, porque o
verdadeiro milagre ocorre quando nasce a alma de uma cidade.
Acrescentamos que essa alma pode ser definida através de diversas formas. Como para
CLARCK (1991, p.37), que coloca que “(...) a cidade é uma unidade de análise consistindo em um
conjunto de edifícios, atividades e população conjuntamente reunidos no espaço.”
Essa pode ser a forma que Clarck encontrou para definir essa alma oculta, pois ela pode
estar integrada a esse conjunto de artifícios onde se destaca o humano, transitando num processo
de relações que desencadeia na mais complexa forma de vida humana na terra, obrigando a uma
série de iniciativas e normas.
Seguindo essa lógica de reflexão, verificamos que SANTOS (2005, p.11) coloca que a
cidade é “(...) o teatro de conflitos crescentes como o lugar geográfico e político da possibilidade
de soluções”.
Propomos que cidade seja um aglomerado físico, com suas formas particulares, habitadas
por pessoas de diversas origens, onde interagem e almejam melhores condições de vida.
Mas, oficialmente, a cidade hoje no Brasil é simplesmente concebida, segundo o IBGE
(2000), como “localidade de mesmo nome do município a quem pertence (sede municipal) e onde
está sediada a respectiva prefeitura”.
Colaborando com essa discussão, GEIGER & DAVIDOVICH (1961, p.03), afirmam que os
“critérios oficiais de cidade variam de um país a outro: no Brasil, o conceito oficial de cidade é de
caráter político-administrativo: são as sedes de municípios (...)”.

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O que nos leva a questionar algumas cidades roraimenses, sobre o que pode significar
esses lugares com o status de sede municipal, já que algumas apresentam características mais
rurais que urbanas.
Mas, quem nos responde é FERREIRA et ali (1977, p. 55 e 56), quando coloca que

Numa região como a Amazônia, onde a rarefação populacional é um aspecto


predominante, qualquer aglomerado humano merece uma atenção especial pela
sua razão de ser. Assim, para existir concentração populacional numa região onde
o homem exerce atividades extrativas extensivas, é porque algum interesse maior
foi capaz de fixá-lo e agrupá-lo ali.

Assim, surge o nosso interesse em investigar os determinantes para o surgimento


das cidades de Roraima, desde o século XVII.

O advento do urbano no vale do rio Branco

A instituição do que seriam no futuro as cidades de Roraima se deu, em princípio, através,


de uma linha de penetração, utilizando os rios. O evento rodoviário reedita depois o mesmo trajeto
fluvial cortando o território de norte a sul e também, em parte, de leste a oeste.
Compreendemos que há na realidade roraimense, notáveis descontinuidades no front de
ocupação. Para BARROS (1995, p.25), existem,

Áreas que são extremas e são exploradas, e áreas mais próximas a vias de
transporte e centros populacionais, inexploradas. Não há uma expansão
concêntrica do front de ocupação, assim como antigos pontos de exploração
podem vir a desaparecer, talvez para sempre, como é o caso de garimpos.

Essa realidade é definida a partir de diferentes determinantes, porém caracterizamos como


os mais importantes o princípio da ocupação desde o século XVII, passando pela pecuária, pelo
garimpo, destacando a criação do território federal, com os primeiros esforços de colonização
dirigida com os períodos de planos de integração, concluindo com a instalação de pelotões
militares na fronteira.
Sendo assim, como destaca BARBOSA (1993 – 2, p.178), o processo se inicia.

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O princípio da ocupação nos séculos XVII e XVIII – célula-mater do urbano em Roraima

Nesse ínterim, em que se inicia uma análise sobre a ocupação e urbanização do estado de
Roraima, torna-se necessário realizar um apêndice entre essa categoria e os processos
determinantes, como forma de resgatar, através de uma periodização, essa complexidade. Há de
se ressaltar a realidade do lugar, região isolada e fronteiriça, em processo de ocupação
espontânea e induzida.
Nessa construção, destacamos que na conquista da região existem períodos obscuros, em
que as notícias são imprecisas e mesmo contraditórias. Dessa maneira, verificam-se algumas
lacunas e imprecisões em algumas informações.
Um aspecto singular referente a Roraima foi e é a sua posição excêntrica, analisada por
BARROS (1995, p.45), em relação aos sistemas de fluxos que prevaleceram no Brasil, pois este
território esteve sempre no limite da penetração na ampla bacia Amazônica.
As terras do rio Branco representavam a parte terminal da linha de penetração portuguesa
no decorrer dos séculos XVII e XVIII, com exceção de algumas expedições que se interiorizavam.
Alguns produtos eram coletados na região de florestas inundadas, na parte sul, mais
próxima ao rio Negro, e somente no final do século XVIII é que se inicia uma atividade pecuária
mais efetiva. No início do século XX, a atividade garimpeira começa a se instalar e a coleta da
borracha na região do rio Branco teve pouca importância, contrária a outras áreas da Amazônia.
Na região de floresta hoje roraimense, a planta produtora de látex era de inferior qualidade e se
distribuía de forma dispersa.
Sobre os fatores pretéritos e as rugosidades que incidem como agentes determinantes da
ocupação e urbanização de Roraima, BARBOSA (1993-1, p.131), assegura que:

Os episódios de revolta e as dificuldades de acesso a esta região favoreceram para


que estas terras (efetivamente em poder brasileiro a partir de 1822) ficassem à
revelia de uma pequena guarnição militar e alguns núcleos pouco habitados. Estes
surgiam (ou permaneciam) devido à criação de gado recentemente introduzido.

Para SILVEIRA & GATTI (1988, p.48), um “dos fatores que dificultaram a ocupação do
Território foi à inexistência de outra via de transporte que não a fluvial, que por sua vez sofria
limitações durante a vazante que ocorre no „verão‟, nos meses de outubro a abril.”
O rio Branco, entre maio e setembro, período de chuvas em Roraima, é francamente
navegável até Caracaraí, enquanto, no período de estiagem, a navegação só é acessível a
pequenas embarcações. No trecho compreendido entre Caracaraí e Boa Vista, mesmo no período
chuvoso, é difícil navegar devido à presença das cachoeiras de Bem-querer e de Cojubin,
agravando-se na estiagem com o surgimento de bancos de areia.

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Essa área, por muito tempo, apresentava uma drástica carência de infraestrutura social e
econômica necessária à estabilização do homem e desenvolvimento desse espaço, fato que
corrobora o argumento de que a ocupação, e mais do que tudo, sua urbanização é movimento
recente. Conforme CORRÊA1, “a urbanização de Roraima foi um processo que pode ser
classificado como tardio, incipiente e precário”.
O início do transitar nessa área se deu em meados do século XVII com as primeiras
expedições, que transitavam pelo leito do rio Branco, de natureza exploratória e de posse, bem
como as tropas de guerra e de resgate, com o intuito de capturar e convencer os indígenas a
servirem como força de trabalho nas atividades de coleta das drogas do sertão.
Segundo OLIVEIRA (2003, p.56), os “(...) poucos dados que dispomos e a construção
imaginária do colonizador do Brasil português na conquista da Amazônia deixaram dúvidas sobre
a presença de aldeamentos e postos militares portugueses nos dois primeiros séculos de
colonização na bacia do Rio Branco”.
Existem relatos históricos de que, em 1624, um grupo de funcionários coloniais, assim como
missionários e militares, perfazendo um total de 300 pessoas brancas, residiam em fortalezas e
aldeamentos indígenas (SERRÃO, 1968, p.167).
A primeira forma de ocupação ordenada se deu, possivelmente, a partir dos jesuítas,
religiosos da Ordem de Santo Inácio de Loyola. Para MIRANDA (2002, p.51) os jesuítas “(...) não
hesitaram em se internar pelo rio-mar e fundar, em 1657, uma aldeia „para lá do rio negro, Nossa
Senhora da Conceição, na bacia do Bóia-Açu‟ no rio Branco”.
Em outro momento, a Ordem dos Carmelitas se estabeleceu na bacia do rio Branco e teve a
tarefa de promover a catequese dos silvícolas, tendo seus missionários se fixado por volta do ano
de 1725 e dado logo início à sua obra. Segundo GUERRA (1957, p.125), nesse período, início do
século XVIII, eles fundaram a povoação de Santa Maria, a montante do igarapé Jarani, abaixo das
cachoeiras no rio Branco.
De acordo com SILVEIRA & GATTI (1988, p.45),

As primeiras notícias que se têm do Rio Branco são do século XVII, por ocasião da
viagem de Pedro Teixeira em 1639, com a tomada de posse do Amazonas pelos
portugueses, quando foi fundada a capitania de São José do Rio Negro. Dispersos
pelo Vale do Rio Branco, encontravam-se vários povos indígenas.

A capitania de São José do Rio Negro, fundada em 1755, originou a província e o atual
estado do Amazonas, tendo sido a base de penetração de tropas de resgate, implantação de
missões e prelazias no Rio Branco, que acarretou o contato interétnico e o início de um novo
processo de produção do espaço hoje tido como roraimense, quando os indígenas iniciaram um
processo de deslocamento, fugindo dos colonizadores que ali se instalavam ou circulavam, já que

1
Entrevista realizada com o Prof. Roberto Lobato Corrêa, em 16 de agosto de 2004, no Departamento de Geociências da UFRJ.

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através de um percurso inverso, isto é, a partir do norte da América do Sul, contrário a quem subia
pelo rio Negro e Branco, ocorreu diversos deslocamentos para as terras banhadas pela bacia do
Rio Branco.
Para a ocupação dessas áreas pelos portugueses, vários embates ocorreram entre diversos
grupos de colonizadores, com o fim de se apossarem dessas terras, com Portugal efetivando sua
posse. Presume-se que a estratégia de Portugal para dominação desse espaço relaciona-se ao rio
Branco que, sendo afluente do rio Negro e tendo sua foz próxima à antiga capital da Capitania de
São José do Rio Negro – Barcelos –, facilitava o deslocamento de Norte a Sul de possíveis invasores
que, oriundos das atuais Guianas e Venezuela, navegando pelos rios Uraricoera ou Tacutu e
desaguando no Branco, poderiam ocupar a região ou invadir a capital da Capitania.
Diante dessas questões, sugerimos que o Forte de São Joaquim significava uma espécie de
fronteira, implantada para a proteção de Barcelos, capital da Capitania de São José do Rio Negro,
atual estado do Amazonas, o que possivelmente explica a ocupação desse espaço roraimense
pelos portugueses, que passou a figurar como parte da referida capitania.
Assim, a partir da capital da Capitania de São José do Rio Negro, foram enviados
engenheiros para estudar e mapear a área do rio Branco, que fazia parte dessa capitania, já que
ocorriam relatos da entrada de estrangeiros na área.
Entre essas entradas, destacam-se as sucessivas “invasões” na região do Rio Branco, por
parte de ingleses e holandeses desde 1725, entre as quais a que ocasionou o encontro entre os
padres carmelitas que subiam o rio Branco, via rio Negro e os holandeses que, em 1750,
provenientes das Guianas, adentravam a região também pelo rio Branco. Para alguns
pesquisadores, esse encontro provocou a primeira discussão quanto à necessidade de fortificar a
área.
Amparados em FARAGE (1991:81), e a partir das datas citadas, percebemos que a ordem
régia de 1752, para a construção dessa fortaleza, ficou mais de vinte anos parada, tendo sido
patrulhada a região por soldados ou, como a pesquisadora afirma, por moradores da vizinhança.
Vale à pena ressaltar a presença dos espanhóis que, a partir de 1760, adentravam a
região. Segundo MIRANDA (2002, p.57), no mês de agosto de 1773, o espanhol Juan Marcos
Zapata, escoltado por soldados fundou o povoado de Santa Rosa no rio Uraricoera e descendo
esse rio durante sete dias, fixou-se num sítio conhecido por Caya Caya, o qual denominou de São
João Batista. O referido pesquisador também cita que eles fundaram o povoado de Santa Bárbara
no mesmo período.
Esse grupo tinha como objetivo encontrar a cidade pré-colombiana de Manoa que, de
acordo com GUERRA (1957, p.126), era uma lagoa dourada cobiçada por espanhóis, assim como
por outros povos europeus.

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Através de SILVA (1997, p.30 - 31), verificamos que, em torno do ano de 1770, os
portugueses já haviam constatado essa movimentação e a tentativa de estabelecimento na bacia do
Rio Branco, por parte de segmentos do Governo da Guiana Espanhola da Província de Angustura,
estabelecida na Bacia do rio Orinoco, hoje Venezuela.
Para VIEIRA (2003, p.20 - 21), “o próprio Rio Branco era uma fronteira frágil, pois já se
sabia como sair para o Caribe, ou chegar até ele, através dos Rios Negro e Caciquiari; esse último
comunica o Negro com o Orinoco.”
Para essas questões, concordamos com VIEIRA (2003, p.21), que afirma que o “(...) avanço
espanhol e holandês sobre o Rio Branco, com o objetivo também de capturar índios e de fazer
negócios com outras nações indígenas, forçaram a metrópole a pensar em estratégias políticas que
definissem a própria posse.”
A presença constante de europeus não lusitanos, na região, acabou chamando a atenção
dos portugueses que, em 1775, partiram em uma missão para expulsar os espanhóis das que
seriam as terras de Portugal, conquistando o então porto instalado pelos espanhóis, denominado
de São João Batista e ocupando o forte de Santa Rosa após ter sido abandonado pelos soldados
de Espanha, que fugiram após lutarem com os portugueses.
Com a conquista da região pelos portugueses, no mesmo ano, eles decidiram construir uma
fortaleza que teria o objetivo de proteger essa área, o que desencadeou a construção do Forte de
São Joaquim entre 1775 e 1778, marco administrativo e militar português na área, que fazia parte
da então Capitania de São José do Rio Negro.
Manuel Lobo D‟ Almada, um dos governadores dessa capitania, teve a iniciativa de
construir o forte e introduzir o gado bovino. Essa iniciativa era parte do projeto amazônico do
Marquês de Pombal, poderoso ministro português entre 1750 e 1777, em que se pregava a
necessidade de ocupação e domínio da região. As reformas instituídas nesse período incluíam
expulsão dos religiosos e a entrega da administração dos aldeamentos indígenas aos militares do
forte. A proposta do Marquês era de que medidas mais efetivas fossem tomadas para proteger de
invasões a Amazônia e de que desenvolvessem a região no sentido mercantilista.
Segundo FARAGE & AMOROSO (1994), a ocupação portuguesa do vale do rio Branco tem
sua efetivação em fins da década de setenta do século XVIII, com caráter marcadamente político-
administrativo em defesa dos seus domínios frente às possíveis invasões dos vizinhos holandeses e
espanhóis ao vale amazônico. Assim, a fortificação e o povoamento das terras conquistadas, em
particular das fronteiras, representavam uma prioridade para resguardar suas bases territoriais.
Para a análise dessas questões, nos amparamos em BARBOSA (1993-1, p.125), que,
analisando a construção do Forte de São Joaquim nesses limites, afirma que “a partir desse
momento da história, foi possível considerar o início de uma modesta, porém politicamente
determinada ação colonizadora nessa região.”

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Tais constatações podem ser amparadas em OLIVEIRA (2003, p.64) que, para analisar essa
ocupação, afirma que a colonização portuguesa das terras do rio Branco (e o interesse pelos índios
que habitam essa região), ocorrida a partir da segunda década do século XVIII, decorre,
conseqüentemente, do interesse português pela floresta e pelos campos amazônicos, causado pelas
notícias sobre a possibilidade de mineração, da prática mercantil holandesa, do incalculável
número de índios, que supriria de escravos o mercado colonial português, o que estimulou o desejo
de expansão e fixação da fronteira.
Esse interesse tipicamente mercantilista no início do referido século, apresentado por
OLIVEIRA (2003), difere da ação colonizadora, defendida por BARBOSA (1993-1), quando ele
aponta a instalação do Forte de São Joaquim como o marco inicial de ocupação lusitana.
Entretanto, apontamos o Forte de São Joaquim como um marco na história de ocupação de
Roraima e antecipamos que esse proporcionou o início da ocupação ordenada desse espaço,
quando a partir dele se fundou aldeamentos e fazendas, nacionais e particulares.
Em princípio, a permanência de soldados nessa área do forte constituiu o pioneiro núcleo
habitacional não indígena. E os aldeamentos indígenas estabelecidos se distribuíam ao longo dos
rios, Tacutu, Uraricoera e Branco.
Sendo assim, a construção desse forte entre 1775 e 1778, que objetivava defender o
sistema fluvial do Rio Branco, impedindo a entrada dos holandeses e dos espanhóis nos domínios
portugueses, na época, também proporcionou a ocupação efetiva e por assim dizer o povoamento
e aldeamento dos indígenas da região. Segundo GUERRA (1957, p.126), a partir de 1775, o
capitão de engenharia Filipe Sturm estabeleceu seis povoações, próximas à fortaleza, cuja
população indígena, em 1777, já atingia um total de mais de mil índios.
GUERRA (1957, p.126), ainda coloca que quando Manuel Lobo D‟Almada visitou a região
do Rio Branco em 1787, existiam cinco povoações: Carmo, Santa Maria, São Filipe, Conceição, e
São Martinhoho, contabilizando, em média, 931 índios aldeados.
Reforçando o exposto, LUCKMANN (1989, p.08), comenta que,

O Forte de São Joaquim, localizado em ponto estratégico, na confluência dos rios


Uraricoera e Itacutu, teve um papel de grande importância na ocupação da Região
do Alto Rio Branco (Campos Gerais). Já em 1777, antes mesmo de sua conclusão,
surgiram as primeiras povoações próximas ao Forte: São Filipe (na margem
esquerda do rio Itacutu); Nossa Senhora da Conceição (margem direita do rio
Uraricoera e a mais desenvolvida da época); Boa Vista (margem esquerda do rio
Uraricoera, próximo a Ilha de Maracá; São Felipe (margem direita do rio Branco,
próximo à desembocadura do rio Mucajaí e Conceição (margem esquerda do rio
Branco, próximo a São Felipe.

Agora baseados no IBGE (1951), destacamos que além do forte de São Joaquim, na foz do
rio Tacutu e Uraricoera, foram criados dois postos militares na zona do segundo rio citado.

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Conforme GUERRA (1957, p.127-128), “No tocante aos núcleos populacionais constituídos
em sua maioria de indígenas, no século XVIII, não podemos deixar de assinalar o fato do
desaparecimento de muitos dêles outrora existentes (...).”
Para entendermos essa questão, reproduzimos baseados em BARBOSA (1993-1, p.125),
quando este se refere aos militares e missionários no rio Branco, que:

Os povoamentos foram distribuídos nas principais entradas/saídas da região. No


rio Branco foram instaladas Santa Bárbara, Santa Izabel e Nossa Senhora do
Carmo. No rio Uraricoera o de Nossa Senhora da Conceição e, no rio Tacutú, o de
São Felipe. Este último localizado nas proximidades do forte construído (...). Outros
aldeamentos devem ter existido anteriormente em função das “tropas de resgate”,
muito atuantes desde o final do século XVII até meados do XVIII, mas
desaparecerem rapidamente.

Esses núcleos concentravam 1.019 indígenas vivendo em conjunto com os poucos militares
e religiosos e se diferenciavam dos aldeamentos religiosos anteriores (BARBOSA, 1993-1, p.126).
A instalação dessa base e desses povoados era um plano que previa a formação e
consolidação de núcleos populacionais constituídos por nativos indígenas, dirigidos por militares,
sediados no forte, princípio de um novo tipo de relação entre o colonizador português e os índios
habitantes da região, ou melhor, o início de um processo de colonização oficial por parte do
comando lusitano.
Para entender como seriam essas comunidades nessa distante história roraimense,
embasados em GUERRA (1957, p.126), verificamos que a classificação dada por Lobo D‟Almada 2,
quando em 1787 visitou o rio Branco, era de que constituíam cinco povoações, ou, como o mesmo
descreve, eram aldeias de índios.
Essa classificação demonstra a real fragilidade da urbanização da área nesse período e
reafirma a idéia de Roberto Lobato Corrêa, demonstrada anteriormente, de que a urbanização foi
tardia, incipiente e precária em Roraima. De forma comparativa, a cidade de Belém, que havia
surgido a partir do Forte do Presépio em 1616, na foz do rio Amazonas, já apresentava algumas
características urbanas, tais como traçado urbano, residências, prédios comerciais e
administrativos.
Dessa forma, repetimos que a partir de 1777, a região do Rio Branco foi ocupada por
aldeamentos indígenas planejados, onde se buscavam estabelecer regras de convívio e produção
diferentes das conhecidas e praticadas pelos nativos. Dentro dessa realidade, devido às imposições
severas dessas regras coloniais, os índios Saparás, que haviam sido aldeados pelos militares que
administravam tanto o forte como esses aldeamentos, se rebelaram entre os anos de 1780 e 1781.
Nessa rebelião, esses índios abandonaram e destruíram os aldeamentos, excetuando-se o de

2
Manoel da Gama Lobo D‟Almada foi o português que governou a Capitania de São José do Rio Negro, hoje estado do Amazonas.

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Nossa Senhora do Carmo3, que não aderiu ao levante.


Para FARAGE (1991, p.134), a não destruição do aldeamento Nossa Senhora do Carmo
decorre de sua localização geográfica ao sul do Forte. Os demais aldeamentos, posicionando-se
ao norte, estavam próximos dos territórios de origem dos índios, localização de difícil controle, pois
facilitava a fuga destes. Assim sendo, apenas o de Nossa Senhora do Carmo, localizando-se mais
ao sul, permaneceu sob controle dos portugueses.
Esse primeiro levante dos índios simbolizou apenas o início de outras revoltas que
ocorreram nesse espaço, à época em que se planejava ocupar e povoar através de aldeamentos
indígenas.
Nesse processo, após uma dispersão, nova tentativa de aldeamento ocorreu em 1784, a
partir de novas aldeias, algumas inclusive com outras denominações. Destaca-se Nossa Senhora
do Carmo, que havia permanecido; São Felipe, São Martinho, Santa Maria e Nossa Senhora da
Conceição, encontrando-se também algumas considerações sobre o povoado de Santo Antonio, às
margens do Uraricoera.
No ano de 1798, novamente os índios se rebelaram destruindo alguns desses povoados,
que haviam sido restabelecidos ou implantados. A partir daí, novo combate ocorreu, tendo uma
tropa de combate exterminado um grupo de índios das etnias Paravilhanas e Wapixanas, que
haviam sido aldeados. Essa revolta e conflito, ocorrido no rio Branco, denominou o lugar de “praia
do sangue”, devido à intensidade do conflito.
Com esse acontecimento, de acordo com BARBOSA (1993-1, p.131):

A experiência dos aldeamentos no Branco não se repetiria: ao fim do século,


somava-se às condições locais o declínio do sistema de aldeamentos seculares
instituídos pelo Direito Pombalino, que a Carta Régia de 8 de maio de 1798 viria
abolir. Do que fora essa experiência, adentraria apenas o século XIX o temor do
contato dos índios com os vizinhos, agora ingleses, a borrar a fronteira.

A atividade pecuária nos séculos XVIII, XIX e XX

No decorrer do processo de ocupação do espaço roraimense, onde se estabeleceu o forte e


os aldeamentos, se promoveu, também, o início de uma produção pecuária planejada. Como a
proposta era assegurar a área ao comando lusitano, verificando-se a pouca resistência da fortaleza
instalada, outros projetos foram sendo estabelecidos.
No final do século XVIII, via política colonizadora, foram igualmente instaladas as fazendas
reais, mais tarde denominadas de São Bento, São José e Nacional de São Marcos, todas próximas

3
Posteriormente, na área desse aldeamento se instalaram a Fazenda Boa Vista em 1830 e a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo em
1858.

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ao forte com o objetivo de ocupação da área através da criação de gado 4.


Nessa conjuntura, foi introduzido o gado nos campos próximos ao forte, assim como se
introduziu a agricultura do arroz na região, ambos para prover a Capitania de São José do Rio
Negro, mas, devido à carência de carne e de couro ser mais emblemática, os incentivos se
destinaram em maior quantidade para a pecuária, o que provocou o desaceleramento da
produção arrozeira.
Essas iniciativas, segundo SANTOS (2004, p.83), “(...) são responsáveis pela fixação do
homem branco, de cultura européia na região.”
Um aspecto destacado por BARROS (1995, p.28) é o de que o nacionalismo, com sua base
territorial, tem sido uma importante força no campo do povoamento, porque há um agudo
sentimento de territorialidade nessas áreas remotas, exercendo efeitos para os gastos públicos
nessas fronteiras.
Dessa maneira, o processo iniciou-se com a instalação de fazendas de forma a ocupar a
região efetivamente através da “pata do boi5”. Elas se restringiram à região do alto rio Branco,
subindo em direção aos rios Uraricoera e Tacutu, pois neste processo de estruturação e
planejamento, esse projeto se aplicava para evitar uma invasão coordenada por estrangeiros.
Em 1787, o Coronel Lobo D‟Almada já havia afirmado, segundo FREITAS (1996, p.91), que
“(...) uma das maiores vantagens que se pode tirar do rio Branco é povoá-la e colonizar toda essa
fronteira com a imensa gente que habita as montanhas do país.”
Dessa forma, há indícios de que o próprio Lobo D‟Almada teve a primazia de ter
introduzido o rebanho bovino nos campos do Rio Branco, com espécies trazidas da Ilha de Marajó
em sua expedição datada de 1787.
Como também há suposições de que foi ele, Lobo D‟ Almada, quem fundou as fazendas
nacionais com o rebanho comercializado ou resgatado dos espanhóis que haviam fugido, quando
os portugueses os expulsaram em 1775. Da mesma forma, relata-se que o gado trazido de Tefé,
Amazonas, foi usado para fundar a primeira fazenda denominada São Bento, fundada no ano de
1789, praticando a atividade pecuária num processo em que ocorreu expansão e ocupação. Em
1794, foi criada a segunda fazenda, denominada São José e, em 1799, fundado a terceira
fazenda chamada de São Marcos.

4
Percebemos que existem diferentes formas de tratamento dispensadas para essas fazendas. Para (BARROS, 1995, p.46), se instalaram
três fazendas estatais, denominadas de Fazendas Reais. Para (BARBOSA, 1993-1, p.129), fundaram-se as primeiras fazendas de gado
da região no final do século XVIII, denominadas Fazendas Nacionais. A oeste, entre o rio Uraricoera e o rio Branco, fundou-se a fazenda
do Rei, São Bento. Dessa criou-se a segunda e posteriormente criaram a terceira. Para (OLIVEIRA, 2003, p.100), em nota de rodapé,
“Essas fazendas eram de particulares, mas ficaram conhecidas na região como “Fazendas Reais” e depois “Nacionais”. Para
(MAGALHÃES, 1987, p.138): “Estabeleceu-se a Fazenda do Rei, a primeira a ser instalada nessa região”. “Sucessivamente, foram
fundadas outras fazendas, que mais tarde, vieram a formar as Fazendas Nacionais”. Para (VIEIRA, 2003, p.34 - 35), “(...) a Coroa
Portuguesa fundou três fazendas estatais na região, no final do século XVIII. As chamadas fazendas Reais (...).”
Frente às diferentes formas de tratamento, em nossa pesquisa, optamos pela designação de fazendas nacionais, como uma forma única
de tratamento.
5
Forma de ocupação a partir da introdução do gado bovino nesse espaço.

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Outra versão propõe que o Capitão José Antonio de Évora teria fundado a fazenda São
José e o Capitão Nicolau de Sá Sarmento a São Marcos. Da fazenda São Bento não haveria
notícia de quem a teria fundado. Argumenta-se, também, que essas fazendas teriam sido criadas
por três irmãos, (José, Bento e Marcos), que não teriam cumprido suas obrigações com a Coroa ou
teriam morrido sem deixar testamento, sendo, portanto, seus bens incorporados ao patrimônio da
coroa portuguesa.
A versão colocada por MACAGGI (1976, p.98) é a de que, após a expulsão dos espanhóis,
os irmãos portugueses, José, Joaquim e João trouxeram algumas reses do rio Solimões, situando-
as nas fazendas denominadas São João, São Joaquim e São Bento, que se localizavam duas no rio
Uraricoera e outra na foz do rio Tacutu. Depois do falecimento dos proprietários, o Governo
Federal apossou-se do rebanho por falta de herdeiros. Posteriormente essas fazendas foram
arrendadas ao Barão Pereira Bastos quando, conseqüentemente, o rebanho passou a ser de sua
propriedade e foi vendido a Sebastião Diniz que, com esse gado, fundou diversas fazendas ao
longo do rio Branco.
Essas fazendas nacionais tiveram seu tempo áureo, mas entraram em decadência, como é o
caso da fazenda São José, que foi anexada a fazenda São Marcos e tinha tido sua sede como a
povoação sede do forte de São Joaquim.
Assim, foram criadas fazendas particulares por militares do forte e por imigrantes que se
deslocavam de outras regiões do Norte e do Nordeste brasileiro, entre elas, a Fazenda Boa Vista,
fundada em 1830, às margens do Rio Branco.
Para entender esse processo, amparados em BARBOSA (1993-1, p.132), percebemos que

Ao mesmo tempo em que havia um discreto incremento nas atividades criatórias


particulares, as fazendas nacionais mostravam sinais de decadência. A de São José
foi incorporada a de São Marcos, em 1841, e a de São Bento perdeu lugar para os
poucos colonos que se utilizavam dessas terras.

Dessa forma, no ano de 1915, essas fazendas passaram para a administração do SPI -
Serviço de Proteção ao Índio, sendo que a de São Marcos, é a única existente até hoje, sendo a
reserva indígena São Marcos, demarcada e homologada em Roraima.
Particularmente, a instalação dessas fazendas, era uma forma de assegurar a posse
portuguesa nos espaços da periferia amazônica, através da atividade pecuária. Nessa conjuntura,
essa proposta geopolítica de proteção de fronteira tinha como forma, modelo e prática, abastecer
as áreas do rio Negro e do Amazonas de carne bovina.
O que se constatou é que as fazendas particulares se multiplicaram, inclusive com áreas das
fazendas nacionais, no decorrer do século XIX. As fazendas São Bento e São José foram ocupadas
por posseiros no início do referido século, tendo sido também usurpadas por seus antigos
administradores e arrendatários (BARBOSA, 1993-1).

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No ano de 1886, já se contavam oitenta fazendas particulares, tendo alterado esse número
no ano de 1906 para 142, com um rebanho bovino estimado em 2.000 cabeças de gado, como
atesta BARROS (1995, p.50).
SILVA (1997, p.39) comenta:

Não se tem registro ou mesmo testemunho físico de construção das sedes destes
estabelecimentos que pudessem ser identificados, como aconteceu em outras áreas
econômicas do País, a exemplo dos engenhos de cana-de-açúcar, no litoral oriental
do Nordeste brasileiro ou dos núcleos urbanos das Minas Gerais formados a partir
da mineração.

Constatamos, porém, que algumas poucas exceções ocorreram, tal como a sede da
fazenda Boa Vista, fundada no ano de 1830, às margens do rio Branco, que deu origem à
Freguesia de Nossa Senhora do Carmo, que originou a atual Boa Vista. Porém, essa gênese
compreende uma larga história.

O Lugar Boa Vista

Conforme FERREIRA et alli, (1977, p.77), a origem da cidade de Boa Vista está atrelada à
questão político-administrativo e militar, assegurando que esse tipo de penetração foi responsável
pelo surgimento dos fortins que se constituíram nos primeiros núcleos populacionais das cidades de
São Luiz, Belém, Macapá, Bragança, Manaus e Boa Vista.
Para J. SANTOS (2004, p.92), Boa Vista foi “(...) fundada nos idos de 1876, quando foi
transferida a pequena povoação de São Joaquim – que circundava o Forte do mesmo nome – (...)”.
Transferência, que também é analisada por outros pesquisadores como determinante da
gênese de Boa Vista, tal como BRASIL (2005, p.13), que afirma que próximo ao forte de São
Joaquim, “(...) formou-se uma VILA situada em uma estreita faixa de “terra alta”, uma vez que a
região é alagadiça em época das chuvas.”
O mesmo BRASIL (2005, p.14), destaca que:

Pela dificuldade de expansão, [da citada vila], procurou-se nova área onde a vila
pudesse crescer sem a preocupação de inundação. Cerca de 30 Km a jusante do
Forte havia duas fazendas fundadas por ex-comandantes do forte. A margem
esquerda do rio Branco a fazenda São Pedro de propriedade do capitão Bento
Ferreira Marques Brasil, onde hoje é a cidade Santa Cecília6; e a margem direita a
fazenda Boa Vista criada pelo capitão Inácio Lopes de Magalhães. Optou-se pela
margem direita, bem próximo à sede da fazenda Boa Vista onde começaram as
construções de moradias, formando a futura Freguesia de Nossa Senhora do
Carmo do Rio Branco, 1858.

6
Loteamento residencial, de propriedade de um grupo suíço.

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Sendo assim, existe uma forte relação entre a vila do forte, destacada por BRASIL (2005),
que foi a sede da fazenda São José, com a atual Boa Vista, pois se transferiu essa vila para o lugar
onde surgiu à sede da fazenda Boa Vista, a freguesia, a vila, a cidade e, a capital.
Quem colabora com essa discussão é AGOSTINHO7, que sugere que a localização de Boa
Vista na margem esquerda do Rio Branco ocorre por uma questão topográfica, pois é uma área
alta que não inunda, assim como o canal do rio é mais profundo, diferente da margem direita que
é inundada no período de chuvas. Para esse pesquisador, a mesma teoria pode ser aplicada para a
cidade de Caracaraí.
Para VICENTINI (2004, p.69 - 120), ao classificar como se originaram vilas e cidades da
Amazônia, destacando os aldeamentos, fazendas e missões, Boa Vista surgiu da parte da ordem
religiosa Carmelita, da missão Nossa Senhora do Carmo. A mesma pesquisadora, cita que em
1814, São Joaquim concentrava 103 pessoas, enquanto, Nossa Senhora do Carmo, concentrava
161 moradores.
De forma mais geral, destacamos que informações contidas no (IBGE, 1981), colocam que
as sementes de Boa Vista surgem no cenário amazônico quando os portugueses organizaram as
expedições para expulsar os invasores holandeses, ingleses, e em particular os espanhóis, que
buscavam a legendária vila de Manoa do El Dorado, rica em metais e pedras preciosas e que
Walter Raleygh e outros exploradores julgavam localizar-se nas bordas do Lago Parimé, próximo ao
rio do mesmo nome.
Assim, conforme o IBGE (1981),

Para tornar efetiva a posse da terra, chegaram em 1725, os primeiros missionários


carmelitas, vindos do rio Negro, e estabeleceram diversas missões ao longo do rio
Branco a que deram os nomes de Carmo, Santa Maria, São Felipe e Conceição.
Para defender o sistema fluvial do rio Branco, impedindo a entrada dos invasores,
foi construída em 1775, a fortaleza de São Joaquim à margem do Tacutu na
confluência com o rio Uraricoera. A missão coube ao Capitão de engenharia Felipe
Sturm de nacionalidade alemã, a serviço de Portugal. Nessa mesma ocasião foram
estabelecidas seis povoações ao redor da fortaleza: Santa Bárbara e Santa Isabel
ou São Martinho no rio Branco; São Felipe no rio Tacutu; Santo Antonio, Conceição
e Boa Vista no Uraricoera. Data dessa época a ocupação efetiva e, por
conseguinte, o povoamento e o aldeamento dos indígenas da região. [...] Em 1858
a Lei Provincial que designou as fronteiras do Amazonas estabeleceu a freguesia de
Nossa Senhora do Carmo, cuja sede seria “acima das cachoeiras do rio Branco no
lugar denominado Boa Vista” (...).

Repetindo a afirmação de OLIVEIRA (2003, p.01), Roraima surgiu da antiga fazenda Boa
Vista.

7
Professor do Departamento de Geografia da UFRR. Entrevista concedida em 14/08/2006.

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Diante dessas perspectivas, destacamos que a história da capital de Roraima confunde-se


com a história do próprio Estado. A área do município de Boa Vista pode ser considerada a gênese
do estado, de vez que foi nesses campos gerais, ao longo dos rios Branco, Tacutu e Uraricoera, que
se instalaram as missões religiosas e militares de aldeamento indígena, assim como o Forte de São
Joaquim e as primeiras fazendas nacionais e particulares. Posteriormente, se fundou a freguesia de
Nossa Senhora do Carmo, onde se instalou o município de Boa Vista.
Após a construção do referido forte de São Joaquim, dos aldeamentos e da instalação das
fazendas nacionais, fundaram-se as fazendas particulares, entre elas, no ano de 1830, pelo
Capitão Inácio Lopes de Magalhães, oficial do Forte de São Joaquim, cuja sede foi denominada
Boa Vista, inspirado pela boa visão do local escolhido, de onde o oficial podia apreciar as águas
prateadas do Rio Branco.
Por coincidência ou propositalmente, a localização da sede dessa fazenda se deu no lugar
onde antes se estabelecera o aldeamento indígena de Nossa Senhora do Carmo, na margem
ocidental do rio Branco.
Com base em MIRANDA (2002, p.105), reafirmamos que, dos aldeamentos estabelecidos
no decorrer do século XVIII, somente o de Nossa Senhora do Carmo, sobreviveu aos conflitos
indígenas e no mesmo lugar onde este se localizava foi instalada a sede da fazenda Boa Vista.
Porém, com a pecuária se desenvolvendo nessa fazenda e o mercado de Manaus
absorvendo o excedente dessa produção, ocorreu uma expansão da mesma, originando inclusive o
primeiro clã local, o dos Magalhães, que foram ocupando essas terras.
Ainda, de acordo com ANDRADE (1970, p.54):

Distante do resto do país e tendo dificuldades de transportes para a própria


Amazônia devido às corredeiras do rio Branco na época das águas baixas, formou-
se aí um pequeno e isolado núcleo de habitantes, dedicados a pecuária.

Não sem razão, a Lei Provincial número 92, de 09 de novembro de 1858, criou a Freguesia
de Nossa Senhora do Carmo do Rio Branco, na sede da fazenda Boa Vista. Nesse período,
segundo SILVA (1997, p.40), a “elevação do aldeamento de Nossa Senhora do Carmo a categoria
de Freguesia tinha como objetivo manter o controle administrativo nesse espaço, uma vez que era
constante a presença inglesa na região (...)”.
Destacamos que a instalação da freguesia nesse aglomerado visava um maior controle
administrativo da região, considerando a importância que a igreja católica tinha nas determinações
em conjunto com o estado quanto à organização de territórios, entre outras obrigações.
Para BARBOSA (1993-1, p.132), “As iniciativas provinciais vinham de encontro ao
desenrolar de uma disputa de terras que há algum tempo se arrastava entre Portugal (agora Brasil)
e Inglaterra”.

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Essa questão de delimitação de fronteiras ficou reconhecida como a “Questão do Pirara”


que, a partir de sua delimitação, ocasionou a perda de quase 20.000 km² do território brasileiro
em favor da então Guiana Inglesa. Dessa forma, as preocupações, por parte dos portugueses, se
deram com as expedições inglesas de reconhecimento e exploração ocorridas no início do século
XIX. Por isso, para obter maior controle da área, foi estabelecida essa Freguesia.
A província do Amazonas havia sido criada em 05 de setembro de 18508, ainda no regime
do Brasil imperial e oito anos depois, isto é, em 1858 se definia o local para se instalar a freguesia
devido à existência do povoado na sede da fazenda Boa Vista. Havia a necessidade de se criar
paliativos para o abandono da área setentrional da província e do Brasil.
Seguindo o rumo comum da história, a instalação da freguesia ocorre a partir da criação
da província do Amazonas, que reconhece oficialmente a existência e a importância de um
povoado organizado na região. Para MIRANDA (2002, p.77), foi, “a Lei n° 132, de 29 de julho de
1865, no entanto, que incorporou a região compreendida „das corredeiras do Rio Branco para o
Norte‟ à Freguesia de Nossa Senhora do Carmo.”
Entretanto, em torno das atividades desta fazenda e freguesia, foi crescendo o pequeno
aglomerado populacional, formando o embrião da Vila de Boa Vista do Rio Branco. Entre alguns
fluxos migratórios destinados a esse povoado, destacam-se os provenientes, principalmente, do
Nordeste brasileiro, para se dedicar à atividade pecuária e ao comércio. Um dos momentos de
maior fluxo, nesse período, se deu no ano de 1877, devido à grande seca naquela macro-região
brasileira, que acarretou um pequeno aumento na concentração populacional em Roraima.
Em 1889, ocorre a Proclamação da República, caindo às instituições monárquicas. As
províncias são transformadas em Estados. Dessa forma, a província do Amazonas passa a ser
denominada e institucionalizada como estado do Amazonas.
No ano de 1890, mais precisamente em 09 de julho, a freguesia foi transformada no
município de Boa Vista do Rio Branco, desmembrado do município de Moura do já então estado
do Amazonas, sendo a freguesia elevada à categoria de vila, com a denominação de Vila de Boa
Vista do Rio Branco, com os mesmos limites da freguesia, isto é, a partir da cachoeira do Bem-
Querer no rio Branco para o Norte até a fronteira com a Venezuela e Guiana, mas com o status de
vila sede de município. Fabio Barreto Leite foi quem instalou a vila de Boa Vista do Rio Branco, sede
do município de mesmo nome.

8
No que se refere à divisão política do Brasil ao longo de sua história, adiantamos, baseados em (FAUSTO, 2003, p.43), que a primeira
forma se denominou de Capitanias Hereditárias, instaladas ainda no início da colonização, no Governo de Dom João III, havendo
indícios de que foi no princípio da década de 1530. A Capitania de São José do Rio Negro, segundo (REZENDE, 2006, p.241), foi
criada através da Carta Régia de 03 de março de 1755.
No que se refere às Províncias, o segundo modelo de divisão do Brasil, ainda baseados em (FAUSTO, 2003, p.151), colocamos que
estas foram criadas com a Constituição de 1824, após a Proclamação da independência do Brasil e, a Província do Amazonas foi criada
em 1850.
No que se refere aos estados, segundo (OLIVEIRA, 2003, p.114), estes nasceram com a constituição de 1891, após a proclamação da
República, que ocorreu em 1890, quando as províncias passam a ser assim denominadas.

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Para MAIA (2005), “No Brasil colonial e imperial as vilas podiam também ser sedes de
municípios. Foi a partir do Decreto Lei n° 311 de 02 de março de 1937, que se decreta que a “sede
do município tem categoria de cidade e lhe dá o nome”.”
Assim, a divisão geopolítica do atual estado de Roraima iniciou-se, ainda como parte do
estado do Amazonas, através do decreto número 49, assinado pelo governador do referido estado
Augusto Ximenes de Ville Roy. Devido a sua situação geográfica, na zona limítrofe nacional, o
governo amazonense tomou essa decisão, tendo esse novo município sido relacionado na
enciclopédia dos municípios brasileiros como amazonense em 1892.
No ano de 1896, foi fixado o rio Anauá como limite entre os municípios de Boa Vista e
Moura, tendo outras delimitações sido estabelecidas, em Roraima, ao longo do século XX, a partir
das diversas emancipações políticas ocorridas.
Para BARBOSA (1993-1, p.135), “Com este ato, tentava-se dar certa autonomia
administrativa a esta localidade, proporcionando também, através de um sentimento regionalista,
proteção e maior desenvolvimento econômico”.
Uma questão importante a ser ressaltada é a de que a forma de governo, que se instalava a
partir da Proclamação da República em 1889, reestruturava o estado brasileiro seguindo as
determinações do novo regime vigente. Nesse processo, as antigas províncias foram transformadas
em estados da federação, constituídos de municípios.
Segundo OLIVEIRA (2003, p.114), “o município de Boa Vista do Rio Branco nasceu com a
constituição de 1891, transformando-se no núcleo político, administrativo e militar de maior
relevância na região. Estando subordinado ao estado do Amazonas tendo decisões de nível local
tomadas em Manaus”.
Nessa divisão política e administrativa, no ano de 1911, a área do município de Boa Vista
era composta apenas por sua sede, condição que permaneceu no recenseamento de 1920.
No ano de 1926, a vila, distrito sede do município, foi elevada à categoria de cidade,
tornando-se cidade-sede de município e, em 1938, ocorreu a simplificação do nome passando a
se denominar somente Boa Vista, sendo acrescido de dois distritos: Caracaraí e Murupu.

Considerações Finais

Propomos que a área que compõe o estado de Roraima teve um conjunto específico de
fatores econômicos e políticos que geraram a ocupação e a urbanização do seu espaço, integrado
a uma realidade de fronteira isolada e que ainda influencia na sua estrutura atual, como o estado
menos populoso e menos povoado do Brasil.

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Quem colabora com essa afirmação são SANTOS (2004, p.19) e ABERS & LOURENÇO
(1991), ao afirmarem que Roraima teve um processo histórico evolutivo diferente dos demais
estados da Amazônia e que possui um conjunto especifico de fatores econômicos e políticos, únicos
na história da Amazônia.
Roraima contrariou a vocação regional quando a extração da borracha marcou a região
amazônica, integrando parte da região à economia internacional, propiciando grandes mudanças
nos espaços que estavam integrados a esse ciclo. Essa contrariedade se explica porque o látex
extraído da seringueira nativa de Roraima era de qualidade inferior, se comparado a outras regiões
da Amazônia. Havia uma pequena concentração de árvores seringueiras, no extremo sul, região
do baixo Rio Branco, o que dificultava o trabalho de coleta. Além disso, o escoamento da produção
não era fácil de ser realizado pelos rios dessa área.
Contrariamente, nesse período, parte do território hoje roraimense permaneceu tendo como
principal base econômica a pecuária, que abastecia o mercado consumidor da cidade de Manaus,
núcleo urbano que tinha a borracha como impulsionadora de seu desenvolvimento.
A importância desse espaço no cenário fronteiriço amazônico ocorre como base de
consolidação do homem português na fronteira no século XVIII e XIX, assim como na década de
1940, quando o governo do Brasil consolidou sua permanência com a criação do Território Federal
do Rio Branco. Ao longo desse tempo, Boa Vista ganha a condição de vila , quando se criou o
município de Boa Vista do Rio Branco, em 1890. Posteriormente, alcança o status de cidade em
1926 e de capital, quando se cria esse Território em 1943 e o estado em 1988, em contexto e
programa político de defesa da fronteira, determinado pelo poder central, em função da
reorganização política brasileira do Estado Novo.
No princípio do século XX, há de se destacar ainda a situação de isolamento dessa área
com relação ao restante do território brasileiro, que promovia fortes restrições ao seu
desenvolvimento, principalmente devido ao alto custo dos transportes que eram realizados por vias
fluviais ou aéreas.
Nessa conjuntura de isolamento, há de se entender o baixo índice de ocupação desse
território, sem deixar de considerar que alguns pesquisadores apontam falta de interesses
econômicos para sua exploração.
A esses aspectos acrescentamos também que nessa fronteira, devido à localização
geográfica de Roraima, a distribuição dos centros urbanos e da população possui algumas
peculiaridades que as diferenciam de outras áreas amazônicas, interligadas a projetos políticos
tardios, ao difícil acesso por um longo tempo. A sua localização geográfica lhe proporcionou ser
considerada à periferia da periferia.

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No geral, o que se observa, de acordo com os números, é que os movimentos migratórios,


ocorridos na década de 1930 com os garimpos, a instalação do Território Federal em 1943,
conjuntamente com a abertura das rodovias e implantação dos projetos de colonização na década
de 1970, apesar do importante aumento, não surtiram efeitos tão grandes como o movimento
migratório que ocorreu nos anos de 1980, quando a nova frente garimpeira e a fronteira agrícola
motivaram grande deslocamento em direção a Roraima, promovendo o boom demográfico: a
população ultrapassou a casa dos 100.000 habitantes.
A distribuição dessa população, entre os quinze municípios, está relacionada aos diversos
determinantes que atuaram ao longo do século XX, provocando estagnação ou o fortalecimento
destes. Em muitos casos, ao mesmo tempo em que alguns lugares cresciam, outros retroagiam,
pois os fluxos migratórios estavam relacionados a determinantes econômicos e políticos, entre
outros, que não atuavam diretamente em todo o território.
Assim, ABERS & LOURENÇO (1991:07) asseguram que três mudanças trabalharam juntas
para criar um boom demográfico em Roraima – a corrida ao ouro, principalmente durante a
década de 80; a intensificação da presença militar com a introdução do Projeto Calha Norte em
1985, e a transformação de território em estado de Roraima em 1988. Além desses três fatos
históricos, acrescente-se que Boa Vista se encontrava mais preparada do que qualquer outra
cidade para absorver esse crescimento, recebendo, dessa forma, o volume quase total da expansão
econômica e demográfica em Roraima. Isso talvez defina sua exagerada concentração
demográfica.
Duas considerações podem ser feitas sobre essa questão: investimentos públicos deram
ênfase à construção de um centro burocrático e uma base militar na capital do estado; o
crescimento urbano de Roraima não surgiu da mobilização de excedentes econômicos, mas se deu
em um contexto geopolítico, no qual o processo de ocupação humana foi direcionado por um
estado absolutista, consumando um processo de afirmação territorial (ABERS & LORENÇO, 1991:
03 e 04).
A concentração da população nas cidades do estado deve-se, em parte, aos
empreendimentos dos governos federal e estadual que implementaram políticas de colonização e
incentivo à migração para a área rural. O problema é que, com a falta de resultados positivos
nessas políticas, a população migrou para as cidades, devido à ausência de condições de
permanência nessas áreas. Outros fatores foram a “corrida do ouro” na década de 1980, que
poderia ter suscitado efeitos contrários; no entanto, em razão da localização dos garimpos em
regiões distantes de centros urbanos, os garimpeiros tinham as cidades como referências e ponto
de comercialização e contato com a família. Em alguns casos, eles ficavam residindo nas cidades,
principalmente em Boa Vista. A capital também teve esse crescimento através do setor terciário,
com o deslocamento de funcionários públicos para ocupar cargos nessa cidade, que dispunha

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igualmente de uma melhor infraestrutura de serviços, comércio e lazer para os que para lá se
dirigiam.
Nessa conjuntura, há de se avaliar que o êxodo rural tem sido significativo para essa
cidade, por causa da precariedade dos assentamentos e da fixação do colono no campo,
associado ao baixo índice de produtividade da terra.
Dessa forma, apesar da pouca representatividade de Roraima, quando comparado ao
restante da região amazônica e ao Brasil, aponta-se que essa condição pode ser alterada, tendo
em vista a sua privilegiada situação geográfica, que hoje é interpretada por outro viés. Se antes foi
um determinante para um crescimento pequeno, apresenta-se na atualidade como um
impulsionador.
Esse privilégio ocorre principalmente dentro de uma conjuntura em que a Venezuela é
oficializada como integrante do Mercosul e quando se tem uma interligação rodoviária com esse
País, estendendo-se até o mar do Caribe, mais precisamente à cidade de Puerto La Cruz,
percorrendo 1.200 km e à cidade industrial de Puerto Ordaz, no estado Bolívar, localizada a 700
km de Boa Vista, através da BR-174 e da carretera panamericana.
Da mesma forma, o projeto de potencialização do Porto de Berbice na Guiana, nas águas
do Oceano Atlântico, e a interligação rodoviária com esse porto e com a capital Georgetown
representam um outro grande trunfo de crescimento para Roraima. Localizado a 641 km de Boa
Vista, Georgetown, com seu porto, terá potencial de implantação de serviço internacional de
contêiner padrão, o que facilitará o escoamento da produção agrícola roraimense e a importação
de mercadorias para esse estado. Além do mais, existem projetos para que o escoamento da
produção do pólo industrial de Manaus seja realizado por esse porto, o que torna Roraima,
obrigatoriamente, passagem da produção do maior polo industrial amazônico.
Essa localização geográfica também é vendida como potencialidade para a expansão da
atividade de turismo, quando os projetos destacam os traços geomorfológicos de rara beleza do
norte e nordeste do estado, os campos naturais formados por savanas, as florestas tropicais,
habitadas pelos indígenas, entre eles os Yanomamis, considerados os povos mais primitivos
contatados na terra, os seus rios, lagos, cachoeiras e o ponto mais setentrional do Brasil, o Monte
Caburaí.

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