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Volume 1
Lisboa
2008
Vera Cláudia Pires Bento
Orientador:
Prof.ª Doutora Adelaide Fernandes Pires Malainho
Lisboa
2008
Ficha Técnica
LCSH
A elaboração de uma Dissertação de Mestrado reúne, na maioria das vezes, grandes e preciosos
contributos de várias pessoas, nesta secção tenho a oportunidade de lhes fazer um pequeno
agradecimento por escrito, demonstrando assim um pouco do sentimento de gratidão que nutro por
elas.
Um especial obrigado aos utentes da Associação em estudo e às suas famílias pelo carinho com que
me acolheram e por toda a sinceridade que me confiaram.
Ao Dr. António Martins, por ter autorizado a realização desta investigação na Associação e a toda a
sua equipa de profissionais que prescindiram de algum do seu precioso tempo no acompanhamento a
esta investigação, em especial ao Dr. Ricardo e à Dr.ª Gabriela pelo enorme interesse e disposição
em colaborar sempre que solicitada a sua ajuda.
À minha grande amiga Elsa, que apesar da sua distância, partilha comigo o ‘amor’ pela causa das
pessoas portadoras de deficiência mental, um grande obrigado por todos os seus contributos e
reflexões.
À minha irmã Andreia, pelas suas palavras de coragem e incentivo sempre presentes e aos restantes
familiares pela compreensão, apoio e estímulo, que contribuiu de forma indiscutível para o final
desta longa e árdua etapa.
Ao meu grande amor... Gonçalo, tu foste a motivação e a força para acabar esta tese quando as perdi;
tu foste o porto que me abrigou nos dias de tempestade e o vento que me levou ao fim do percurso
nos dias de sol; tu foste tudo e muito mais. Jamais terei palavras para te agradecer.
O meu profundo e sentido agradecimento a todas as pessoas que contribuíram para a concretização
desta dissertação, estimulando-me intelectual e emocionalmente.
"Consegues imaginar-nos daqui a uns anos, partilhando tranquilamente um banco de jardim?
É tão estranho ter setenta anos..."
Resumo: A presente dissertação é uma pesquisa qualitativa que pretende reflectir sobre as
questões relacionadas com o envelhecimento do indivíduo portador de deficiência
mental e o seu bem-estar nesse processo evolutivo, promovido pelas repostas
sociais existentes. Procurámos perceber qual ou quais as respostas sociais
promotoras de bem-estar para o envelhecimento das pessoas portadoras de
deficiência mental. Realizámos um Estudo de Caso exploratório e descritivo, de
casos múltiplos, numa Associação geograficamente situada em Lisboa que dá
resposta a pessoas portadoras de deficiência mental jovens e adultas. Os
instrumentos utilizados para alcançar os objectivos delineados foram a
observação participante do campo empírico, entrevistas exploratórias a
testemunhas privilegiadas e entrevistas semi-directivas às pessoas portadoras de
deficiência mental moderada com idade superior a 45 anos, aos seus familiares e
aos profissionais que trabalham na Associação.
Title: Social Responses to the aging of the Individual bearer of Mental Disabilities
Abstract: This dissertation is a qualitative research that aims to reflect on issues related
to the aging of the individual bearer of mental disabilities and its well-being in
this evolutionary process, promoted by the existing social responses. We tried to
understand which are the social answers to promote well-being to the aging of
people with Mental Disabilities. We performed an exploratory and descriptive
case Study, of multiple cases in an Association geographically situated in Lisbon
which gives a support to young and adult people with Mental Disabilities. The
instruments used to achieve the objectives outlined were the participant
observation of the empirical field, exploratory interviews with distinct witnesses
and semi-directive interviews with people, aged over 45 years, bearing
moderate mental disabilities, their families and professionals working in the
Association.
For the construction of theoretical referential system about the aging problem
of people with Mental Disabilities, we appealed for contributions from authors
such as: Maria Albuquerque, Pedro Morato, Sunday Rosa, Nancy Breitenbach,
Matthew Janicki, Marcelo Medeiros and Debora Diniz, Gert-Jan Vreeke and
Robert Shalock, as well as the contributions of Marilda Iamamoto, Sara Banks,
Veras Baptista, Queiroz & Henríquez, Jean Weisshaupt, Vincent P. Faleiros,
Alcina Martins, Idilia Fernandes and Josefina - Mc Donough, who revealed to be
important for the deepening of the importance of Social Service in the planning
and implementation of social policies more suitable for the individual needs of
these people.
We conclude that the aging is not yet fully perceived by the individual bearer of
mental disabilities in the ageing process, but have begun to show some physical
and psychological signs. The planning of new responses aimed at older people
with mental disabilities should provide another underlying problem which is the
ageing of their main carers who are already at the 3rd age stage. We perceived
that the wishes of parents and professionals fall into a typical table of possible
answers planned by the institution under study, however the person bearer of
mental disabilities believes that to grow old with quality and well-being the
design of answers should be based on each individual wishes, allowing its
independence. These people have shown that they like to age lively and with
health, maintaining family bonding and friendships.
INTRODUÇÃO 14
CAPITULO I 18
CONCLUSÃO 186
BIBLIOGRAFIA 187
VOLUME 2
ÍNDICE DE APÊNDICES
LISTA DE GRÁFICOS
INTRODUÇÃO
Este facto levantará grandes questões futuras à sociedade, aos políticos, às instituições e às
famílias, caso não se invista na prevenção com planos e estratégias de resposta (António,
2003: 170).
Citando Rosa, pode afirmar-se que o tema do envelhecimento da pessoa com deficiência
mental constitui uma matéria pouco estudada. “ (…) o tema do envelhecimento da pessoa
com deficiência deveria ser obrigatoriamente introduzido em estudos e investigações a
realizar pelas universidades. Tem-se estudado exaustivamente as crianças, os jovens e os
adultos, mas esta nova “realidade emergente” ainda está a dar os seus primeiros passos
ao nível da investigação” (2004: 9).
A forte motivação pessoal surge da curiosidade e interesse pelo futuro incerto e pouco
pensado para estas pessoas. O apelido de “jovens” parece ser eterno, como conclui
Maffezoli (2004) na sua tese de Mestrado, destaca a infantilização e a dependência
excessiva imposta pelo grupo social à pessoa com deficiência mental, vista como eterna
criança. Deste modo, surgiram-nos sérias questões relativamente ao seu futuro, pois ao
observarmos a terminologia das instituições existentes, repara-se que a sua maioria destina-
se a jovens e adultos, onde as respostas institucionais foram pensadas e implementadas
1
Domingos Rosa é Presidente da Direcção da AFID – Associação Nacional de Famílias para a Integração da
Pessoa Deficiente
para essa faixa etária, contudo alguns dos seus utentes estão a entrar numa idade mais
avançada e é aquela casa que reconhecem como sua.
Pretendemos perceber o que é que as pessoas com deficiência mental que se encontram em
processo de envelhecimento, entendem como condições necessárias para o seu bem-estar e
melhoria da sua qualidade de vida. Por outro lado, interessou-nos entender quais as
respostas sociais que existem para atender esta população e quais destas podem ser as mais
eficazes na promoção de bem-estar e nas respostas às necessidades específicas do
indivíduo portador de deficiência mental.
2
Com o intuito de preservarmos a identidade dos participantes optámos por não revelar o nome da
Associação
objectivo promover a integração das pessoas com deficiência mental na idade jovem e
adulta, vocacionada ao apoio nos vectores da formação, emprego, apoio ocupacional e
apoio residencial. Onde concretizámos um Estudo de Caso dirigido aos seus utentes com
idade igual ou superior a 45 anos, portadores de deficiência mental moderada, alguns dos
seus familiares e aos profissionais da mesma.
Realizámos uma pesquisa qualitativa, para através dela, percebermos de que forma é que
se pode proporcionar respostas sociais com qualidade e adequadas às necessidades desta
população na sua etapa mais avançada.
Tendo por base o tema em estudo construiu-se a seguinte pergunta de partida: “Em que
medida as respostas sociais e/ou familiares promovem o bem-estar da pessoa portadora de
deficiência mental em processo de envelhecimento?”
- Contribuir para uma diminuição dos mitos e preconceitos existentes sobre esta
problemática.
Do ponto de vista estrutural este documento está dividido em três partes fundamentais que
se encontram interligadas entre si.
A terceira e última parte, destina-se à apresentação e análise dos dados recolhidos na fase
empírica, sistematiza-se os principais resultados que estiveram presentes nesta investigação
e apresentamos uma reflexão da problemática com base na triangulação dos diferentes
pontos de vista dos participantes, bem como a relevância do papel do Assistente Social nas
instituições de apoio a pessoas portadoras de deficiência mental.
CAPITULO I
Esta opção advém do facto da temática ainda não ter sido muito explorada. Tem-se
registado investigações aprofundadas sobre estes temas em separado contudo, por esta ser
uma nova realidade, são escassos os estudos nesta área.
1 – ENVELHECIMENTO E DEFICIÊNCIA
No Ocidente, o termo idoso é usado para caracterizar as pessoas de idade igual ou superior
a 65 anos. A Organização das Nações Unidas prefere utilizar o termo Terceira Idade para
se referir a este período da vida. A União Europeia optou pela expressão sénior para
mencionar a população com mais de 50 anos, contudo, para muitos autores o termo idoso é
visto como o que melhor identifica a pessoa no seu estado de velhice, etapa em que é
acumulado no indivíduo diversas desvantagens sociais, físicas e psicológicas (Bize e
Vallier, 1995, in Jacob3, 2001).
3
Luís Jacob, Presidente da Direcção da Associação Rede de Universidades da Terceira Idade - RUTIS;
Fundador e director da Universidade Sénior de Almeirim, desde 2001...
valoriza tanto esta fase da vida, o que coloca sérios problemas ao nível do seu
acompanhamento e apoio, designadamente na resolução de problemas como a solidão, o
isolamento, a carência afectiva e económica a que muitas destas pessoas estão votadas,
(Rosa, 2004: 8).
4
A autora refere que à velhice, está vulgarmente associada a ideia de pobreza, escassez de meios materiais,
de solidão, de doença e de alguma forma de segregação social.
5
Este processo representou uma verdadeira revolução demográfica, sendo que há a tendência para um
desequilíbrio considerável entre as gerações, ou seja, o aumento dos mais velhos é relativamente empolado
pela redução dos mais novos, contribuindo, desse modo, para o agravamento do desequilíbrio intergeracional.
vez que este é cada vez mais uma pessoa capaz, activa, empenhada em participar na vida
familiar e na comunidade, ocupando um lugar que lhe compete (Fernandes, 1997: 33).
No entanto, Moragas (1997), refere que os velhos configuram-se como uma categoria
independente do resto da sociedade, como um grupo com características próprias, que
supõe maior separação do resto da sociedade do que outros grupos como as crianças,
adultos e operários. Pois a velhice suscita reacções negativas, não somente variáveis
descritivas da condição pessoal da pessoa, como a aparência física, o estado de saúde e o
sexo.
Do ponto de vista da velhice, como objectividade social e para que o conceito represente a
totalidade e não somente aquela dimensão que impressione o observador, o enfoque
objectivo da velhice levará em conta a idade cronológica, as condições psíquicas,
económicas e sociais da pessoa. Uma condição pessoal a mais que proporcione informação
sobre a pessoa, deve ser considerada objectivamente como quaisquer outras variáveis sobre
as quais o indivíduo não exerce influência como: sexo, raça, nacionalidade, família de
origem etc., que a sociologia denomina de atribuídas ou originárias (Moragas, 1997).
Os idosos são alvo de uma forte “rejeição social”, pois o facto das suas faculdades
intelectuais e físicas de adaptação sofrerem uma certa decadência é desvalorizado pelas
sociedades pós-industriais em que vivemos actualmente. (Moragas, 1997)
Segundo esta corrente, “é deficiente mental, todo o indivíduo que apresenta um défice ou
diminuição das suas capacidades intelectuais.” (Bautista & Valência, 1997: 210)
Segundo afirma Zazzo (1979), a deficiência mental confundiu-se com os limiares de QI,
cuja origem social e arbitrariedade não foram tidas em conta, e que revestiram um valor
absoluto e universal que nunca poderiam ou pretenderam ter.
De acordo com a primeira definição, que se manteve em vigor entre 1972 e 1992, a
“deficiência mental refere-se a um funcionamento intelectual significativamente inferior à
média, acompanhado de défices no comportamento adaptativo, manifestado durante o
período de desenvolvimento” (Grossman, 1983 in Bautista & Valência, 1997: 210). Para
além destes três critérios essenciais, especifica-se que o termo deficiência mental, descreve
o comportamento actual, e não implica um prognóstico. O critério “funcionamento
intelectual significativamente inferior à média” foi operacionalizado como correspondendo
a um QI igual ou inferior a 70 num ou mais testes estandardizados de inteligência. Um QI
de 70 foi, no entanto, considerado como uma linha directriz, uma aproximação sujeita a
uma avaliação clínica e não como um valor fixo (Albuquerque, 2000: 19).
A leitura desta definição permite verificar que os três critérios fundamentais de diagnóstico
da deficiência mental se mantêm e pode, mesmo, levar-nos a pensar que comporta simples
alterações de pormenor em relação à definição precedente. Assim, no que respeita ao
critério de funcionamento intelectual, o limiar superior da deficiência mental corresponde,
agora, a um QI de aproximadamente 70 a 75. Nenhum valor de QI pode ser entendido de
forma rígida e inflexível, mas antes como uma estimativa imprecisa e complementar com
diversos outros elementos do processo de avaliação psicológica (MacMillan , Gresham &
Siperstein, 1993 in Albuquerque, 2000: 21).
- Constructo Social: Esta corrente defende que o deficiente mental é aquele que apresenta,
em maior ou menor medida, dificuldade para se adaptar ao meio social em que vive e para
levar a cabo uma vida autónoma (Bautista & Valência, 1997: 210). Ou seja, a deficiência
mental comporta uma dimensão social e, por isso, não pode ser entendida sem referência a
variáveis socioculturais. A investigação reforça a noção de que a identificação dos
deficientes mentais apoia-se em critérios socioculturais particulares (Barnett, 1986 in
Albuquerque, 2000: 29).
A radicalização dos factos assinalados levou Mercer (1973, in Albuquerque, 2000: 29) a
propôr uma “perspectiva de sistema social” na definição da deficiência mental. De acordo
com esta abordagem, exclusivamente sociológica, a deficiência mental ligeira não é uma
característica, fenómeno ou condição individual, mas antes um estatuto e um papel
desempenhados por um indivíduo num ou nalguns sistemas sociais específicos e não
necessariamente em todos. Esta perspectiva é, no entanto, demasiado extrema, e reúne
maior aceitação numa perspectiva mais moderada, em que a identificação da deficiência
mental ligeira emerge da interacção entre os vários contextos ecológicos e as
características individuais.
Tratando-se de pessoas com deficiência, esta realidade exige ainda mais atenção, tal como
acontece em outras fases da vida deste tipo de população (Rosa, 2004: 8), pois alia-se ao
envelhecimento o preconceito e o desespero técnico e social (Rosa, 2004: 3).
6
Artigo do Jornal da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Entrevista a Dr.ª Sónia Fortuna –
psicóloga, mestre e doutoranda em Gerontologia pela Unicamp, Brasil).
Contudo, e apesar dos avanços técnicos e científicos que a era moderna nos tem prendado
principalmente os avanços na medicina que traduzem o aumento da esperança de vida, o
certo é que este desenvolvimento não tem tido idêntica correspondência no respeito pelos
direitos cívicos e garantias das pessoas com idade avançada em todas as áreas, incluindo as
pessoas com deficiência (Rosa, 2004: 8).
Como reflexo destas transformações societárias, esta geração pioneira, enfrenta o novo
desafio do envelhecimento (Perri, 2004: 1). Pode dizer-se que nos últimos 20 anos, as
pessoas com deficiência mental viram a sua esperança média de vida aumentada, em
proporções finalmente consideráveis, quase para o dobro (Coquebert, 2004: 10).
Estamos perante uma nova realidade social, que constitui uma emergência silenciosa7,
sobretudo porque ainda não há conhecimento suficiente sobre os programas, recursos e
serviços que são mais apropriados para responder às necessidades que apresenta esta
população (Rodríguez, 2002: 20). Por outro lado, à medida que as pessoas com deficiência
vão envelhecendo, envelhecem paralelamente as suas famílias, que são quem geralmente
cuida deles e não estão preparados para esta nova problemática. (Rosa, 2004: 8).
Apesar da questão do envelhecimento ser bem familiar para os especialistas que trabalham
com idosos, é um terreno misterioso para os profissionais que trabalham com deficientes
mentais (Breitenbach, 1999: 23). Ou seja, há um grande desencontro entre os diferentes
agentes que trabalham no âmbito da gerontologia ou em torno da deficiência. Ao actuarem
em pólos separados, existe um grande desconhecimento tanto teórico como prático nos
estudos produzidos por ambos (Rodríguez, 2002: 21).
É neste sentido que, o envelhecimento das pessoas com deficiência, deverá ser uma das
prioridades das políticas sociais dos próximos anos8 (Cuesta, 2002: 18).
7
Denominado pelo Comité de Reabilitação e Integração das pessoas com deficiência do conselho da Europa.
8
Referiu Manuel Sancho, subdirector geral do plano de acção e programas para pessoas com deficiências de IMSERSO,
durante o acto de inauguração do Congresso Internacional celebrado em Oviedo, sobre deficiência e envelhecimento
pessoas. Esse envelhecimento individual que caracteriza todos os seres humanos, na pessoa
portadora de deficiência mental, toma outra dimensão na medida em que durante a sua vida
pode ter tido atitudes que a longo prazo, podem levar a um envelhecimento individual mais
acentuado, nomeadamente: no uso de medicamentos específicos; quedas devido a crises de
epilepsia; condições de trabalho nos centros de emprego protegido; uma alimentação
desequilibrada; uma actividade física insuficiente ou mesmo a necessitar de cuidados
paliativos.
Contudo, para além destes três conceitos de envelhecimento, este autor também refere que,
ainda hoje, os dados científicos são divergentes e paradoxos. Por exemplo, logo que uns
confirmem o aumento da esperança de vida dos deficientes mentais, outros debruçam-se
sobre o seu envelhecimento precoce. Este debate sobre o envelhecimento precoce nos
deficientes mentais, vai mais adiante que as perguntas de morbidade e de mortalidade.
Trata-se de um olhar muito relativo sobre as pessoas, e de um julgamento adiantado sobre
a sua (in) utilidade social. Levantando-se questões como: Se uma pessoa é velha a partir
dos 60 anos, em que idade estas pessoas começam a ser "velhas"?; Em que momento se
pode qualificar este envelhecimento de "prematuro"?
Não é evidente que o handicap por si só, seja factor de um envelhecimento precoce. Porém
é evidente que os diferentes problemas de saúde e os diferentes graus da deficiência podem
ser factores a ter em conta (Coquebert, 2004: 10).
Dentro deste campo, os estudos indicam que, em muitos casos, os efeitos biológicos,
psicológicos e sociais do envelhecimento podem aparecer antes da idade, provocando
assim uma disparidade entre os critérios de admissão dos serviços para idosos e as
necessidades individuais desta população (Janicki, 1987: 36).
psicológico à velhice. Posto isto, muitos profissionais, reconhecem esta idade como a
época em que se deve prestar consideração a um ajuste das actividades vitais que reflectem
condutas, interesses e capacidades físicas próprias da idade. Contudo, alguns estudos
demonstraram que só aos 75 anos é que começa a ocorrer uma importante degradação das
funções (Janicki, 1987: 37).
O uso de uma definição que combine a presença da deficiência mental com o facto de
encontrar-se no último período da própria vida, pode ajudar a definir que tipos de serviços
são necessários (Janicki, 1987: 64).
9
Artigo Técnico sobre Envelhecimento e Deficiência Mental, no Jornal da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais – APAE de Jundiai. Maria Arantes é psicóloga do centro de tratamento profissionalizante da
Apae de Jundiai.
início do século XX, a esperança de vida das pessoas era em geral, de cerca de 40/50 anos
e das pessoas com deficiência de 20/30 anos. Na década de 60/70, viram-se estes
indicadores subir para 50/60 anos na população em geral e nas pessoas com deficiência
para 30/40 anos (Rosa, 2004: 8).
A mesma autora, refere que hoje, as expectativas cifram-se numa esperança de vida para a
população em geral entre os 70/80anos e para as pessoas com deficiência mental para
60/70 anos. O que traduz um aumento maior do que o verificado para a população em
geral.
Esta nova realidade, começa a chamar a atenção da sociedade, na medida em que surgiu
com a emergência das grandes mudanças ao nível das políticas sociais destinadas aos mais
desfavorecidos. Acredita-se que a melhoria das respostas sociais destinadas a todas as
faixas etárias e a especial atenção dos técnicos que acompanharam o seu crescimento e
promoveram a sua integração e bem-estar, sejam também factores importantes para o
aumento da esperança de vida desta população.
10
Destaque do INE de 4 de Fevereiro de 2002, p.1-11 – Informação à Comunicação Social. www.ine.pt
uma influência mais ou menos universal. Estamos a entrar num momento em que as
consequências da modernidade se tornam mais radicalizadas e universalizadas do que antes
(1992).
O debate sobre o envelhecimento e a deficiência tem ocupado cada vez mais espaço nas
políticas públicas. Isso ocorre, por um lado, como resultado do envelhecimento
populacional, que força o reconhecimento de que a experiência da deficiência não pertence
apenas ao universo do inesperado e, sim, é algo que faz parte da vida de uma grande
quantidade de pessoas. Por outro lado, resulta de mudanças no que se define por
deficiência e na forma de entender, como é que a sociedade é responsável por ela. A
combinação destes factores tem implicações directas na determinação do conteúdo das
políticas e do seu público-alvo (Medeiros & Diniz, 2004: 1).
O Modelo Social da deficiência é uma corrente política e teórica iniciada no Reino Unidos
nos anos 1960, como reacção às abordagens biomédicas. Provocou uma reviravolta nos
modelos tradicionais de compreensão da deficiência ao retirar do indivíduo a origem da
desigualdade e devolvê-la ao social. É uma discussão extensa sobre políticas de bem-estar
Para o Modelo Médico, a lesão levava à deficiência, contudo para o modelo social são os
sistemas sociais excludentes que levavam pessoas com lesões à experiência da deficiência.
Em síntese, o modelo médico identifica a pessoa deficiente como uma pessoa com algum
tipo de inadequação para a sociedade; o modelo social por sua vez inverte o argumento e
identifica a deficiência na inadequação da sociedade para incluir todos, sem excepção.
11
É uma discussão extensa sobre políticas de bem-estar e de justiça social, em que a explicação médica para
a exclusão não é mais considerada suficiente
12
Por exemplo: uma pessoa que usa cadeira de rodas para se recuperar de fracturas nas pernas, necessita dos mesmos
ajustes no sistema de transportes que uma pessoa permanentemente incapacitada de andar.
públicas hostis das pessoas que não têm lesões visíveis” (Oliver, 1990, cit por Medeiros &
Diniz, 2004: 2).
No final da década de 1990, alguns argumentos do modelo social passam a ser revisados.
As feministas mostraram que as políticas públicas não devem apenas debruçar-se na
independência dos deficientes, mas devem também criar condições favoráveis para que o
cuidado seja exercido. E que para a experiência da deficiência convergiam outras
desigualdades, tais como a raça, género, orientação sexual ou idade (Medeiros & Diniz,
2004: 3).
Este tema constitui um desafio à imaginação em torno dos modelos de sociedade que
formam uma dicotomia entre Modernidade vs Vulnerabilidade na sobrevivência de grupos
vulneráveis face às exigências da modernidade. Para compreender melhor a problemática
2 – Relação da sociedade com os perigos e problemas que produziu, que por sua vez se
desdobra nas bases do conceito de segurança social.
No caminhar para o fim da vida, surgem alguns “domínios” geralmente associados à ideia
de risco acrescido na modernidade (Capucha, 2003/4: 19), que podem ser mais bem
caracterizados como os “desafios da transição”. Estes problemas da transição colocam
algumas mudanças na manutenção do estilo de vida e reflectem-se nos interesses de bem-
estar e qualidade de vida para a fase mais avançada do indivíduo portador de deficiência
mental (Janicki, 1997: 110).
Apesar dos enormes avanços científicos, tecnológicos, políticos e culturais, que as nossas
sociedades alcançaram, o imaginário colectivo acerca da velhice ainda está carregado de
preconceitos, mitos ou ideias erróneas acerca desta última etapa do desenvolvimento
humano (António, 2003: 75), tal com temos vindo a demonstrar ao longo deste trabalho.
“A pessoa idosa dobra-se ao ideal convencional que lhe é proposto. Teme o escândalo ou
simplesmente o ridículo. Torna-se escrava “do que vão dizer”. Interioriza as obrigações
de decência e de castidade impostas pela sociedade. Os seus próprios desejos a
envergonham e ela os nega...” (Simone de Beauvoir, in António, 2003: 75).
Em suma, continuam a existir muitos mitos relativamente à pessoa idosa e à pessoa com
deficiência, que nem sempre se comprovam com os factos (Moragas, 1997). Segundo a
OMS, alguns dos mitos ou preconceitos acerca da deficiência mental e do processo de
envelhecimento nas pessoas com deficiência mental, são: “As deficiências são resultado de
comportamentos errados ou negligentes por parte dos pais”; “os adultos com deficiência
mental apenas podem ser cuidados e acompanhados em instituições”; “os adultos com
deficiência mental são incapazes de aprender tarefas do dia-a-dia, de ser educados ou de
trabalhar” (OMS, 2000: 4 in António, 2003: 171-172).
Contudo, estes, não são mais do que grandes mitos errados, que advém da primeira ideia de
que quando nascia uma criança com deficiência era um castigo divino, sendo muitas vezes
escondidos de toda a sociedade. Contudo actualmente muitas pessoas com deficiência
mental participam activamente na comunidade, vindo assim contrariar a maioria dos mitos
existentes sem fundamento.
A mesma autora, refere que se trata de procurar no “monstro” o que poderíamos ser e não o
que somos, na intensa procura de responder às questões: até que grau de deformação
permaneceremos humanos? (Tucherman, 1999, in Lourenço, 2001: 138).
Surge como norma social a beleza juvenil. Através dos rótulos, a totalidade das pessoas
idosas enquadra-se como fisicamente limitada, visualmente pouco agradáveis e
funcionalmente dependentes. De acordo com os meios de comunicação, são características
da velhice como as rugas, os cabelos brancos e a postura encurvada que se opõem às da
juventude. Contudo nem sempre assim foi, há menos de dois séculos, nos países
actualmente industrializados, valorizavam-se e respeitavam-se estas características, que
hoje são evitadas com uma grande quantidade de artificiosos cosméticos (Moragas, 1997).
Esta rotulagem estética negativa dos idosos constitui um processo semelhante ao que
experimentam outros grupos diferentes, tais como os deficientes que também se viram
marginalizados porque não se encaixam no ideal estético promovido pela sociedade de
massas, que não passa de um padrão de beleza que somente caracteriza somente uma
pequena parte dos cidadãos (Moragas, 1997).
Com o surgimento das novas tecnologias, concorre a problemática da relação destas com o
trabalho e as suas repercussões na vida social, que se deve ao facto das sociedades situarem
no centro do processo produtivo o trabalho e fazerem convergir a figura do trabalhador
com a figura do cidadão de pleno direito. Por outro, a actividade produtiva passou a ter um
carácter estruturador na construção do carácter individual (Amaro, 2005: 5).
A privatização das funções sociais é outra face da individualização da resposta aos riscos
(Capucha, 2003/4: 19).
2.4 - Reforma
“As pessoas idosas, ou seja os cidadãos mais velhos, são cidadãos de corpo inteiro, aos
quais deve ser garantido o acesso aos direitos económicos e sociais comuns a todos os
cidadãos.” (Quaresma, 1999: p.103)
Por outro lado, muitos pensionistas, quando são forçados a deixar o trabalho pensam no
que podem fazer para substituir o trabalho, e em todos os benefícios sociais e psicológicos
que a ele estão associados, como também as amizades, um sítio para ir todos os dias e a sua
própria identidade pessoal. Isto nem sempre é o caso dos indivíduos portadores deficiência
mental que atingem a idade de reforma (Janicki, 1997: 112).
Por outro lado, no que diz respeito à etapa da reforma nas pessoas com deficiência mental
que fizeram um percurso pela vida activa, em que estiveram parte da sua vida integrados
em centros de emprego protegidos ou mesmo no mercado normal de trabalho, cada caso
terá sempre de ser avaliado individualmente nas seguintes dimensões: o estado de saúde
física e psicológica; o enquadramento sócio-familiar; o suporte habitacional e os recursos
económicos; a capacidade de autonomia e de auto-determinação; a capacidade de inserção
social e de ocupação em actividades de lazer e tempos livres (António, 2003: 205).
Não é tão remoto assim o tempo em que grande parte da população se dedicava à
agricultura ou ao artesanato; a pessoa nascia numa família, trabalhava na propriedade ou
oficina da família e, conforme ia envelhecendo as actividades iam sendo adaptadas para
que o idoso se mantivesse uma ajuda útil dentro do grupo familiar. Dentro desta teia
relacional, o idoso terminava os seus dias num ambiente de segurança e confiança,
mantendo uma segurança estável e desproblematizada. “Mas eis que a vida moderna vem
romper com o passado, fazendo imperar um paradigma da racionalidade que quebra a
unidade tradicional e a deixa sem respostas para as questões existenciais, fazendo emergir
uma ansiedade ladeada pela liberdade humana.” (Quaresma, 1999: 105)
sociedade, bem como da concepção e repartição dos papéis e funções dos diferentes
membros da família. A nuclearização da família, a actividade profissional da mulher e o
trabalho profissional como eixo da organização familiar, são sinais das mudanças em
curso, sendo também significativos do sentido das mesmas, (Quaresma, 1999: 105).
O risco não se encontra, apenas, na maneira como as pessoas decidem organizar as suas
famílias. O risco é o de se registarem recuos nos apoios e serviços que permitam às
famílias combinar esforços com o Estado, a Sociedade Civil e as Empresas, para fazer com
que os seus membros mais vulneráveis aprendam a deixar de sê-lo (Capucha, 2003/4: 21).
Tal sucede ainda, pela excessiva subordinação às exigências do mercado de trabalho, que
diminuem muitos direitos de cidadania como sejam o da assistência ao idoso.
A família é um espaço privilegiado para o contacto entre gerações. Nela, os idosos deverão
sentir-se apoiados, mesmo quando de todo não seja possível partilharem o mesmo tecto. Os
laços afectivos são muito mais importantes do que a partilha do espaço físico. Porém,
verifica-se que a família assegura, ainda, aos idosos a prestação de cuidados informais
adequados à satisfação das suas necessidades, mesmo que em muitos casos o faça com
dificuldades de vária ordem e com maior ou menor grau de eficácia. Esta situação exige ser
sustentada por serviços médico-sociais e de formação adequada às necessidades dos
idosos, de forma a completar eficazmente as capacidades das famílias (Quaresma, 1999).
Para além das mudanças na estrutura familiar, ocorreram também mudanças a outros
níveis, designadamente mudanças resultantes das alterações demográficas, dos
movimentos migratórios, que devido à distância física e cultural que se criou levou à
existência de percursos de vida diferentes entre gerações, cavando-se assim um fosso
geracional. Segundo Quaresma (1999), “estes fenómenos interagindo sobre os modos de
vida das famílias, repercutem-se ao nível do sistema de relações e de apoios inter
familiares, bem como da dimensão e estrutura do núcleo familiar que o coabita, com
consequente aumento do número de pessoas idosas, designadamente as mulheres muito
idosas.” (Quaresma, 1999: 104)
No que se refere, aos indivíduos adultos portadores de deficiência mental, Janicki (1997)
explica que “older adults with mental retardation generally do not have children or a
spouse on whom they can depend for aid and support”13 (Janicki, 1997: 111). Em alguns
casos, vivem com os pais, também já com idade avançada que continuam a cuidar dos
apoios e suportes necessários do seu dia-a-dia, sendo esta situação considerada como “duas
gerações de idosos”. Contudo, devido ao avançar da idade, esta situação deteorizada pode
levar a várias preocupações relativamente ao bem-estar de ambos, principalmente quando é
da responsabilidade do familiar, já envelhecido, cuidar do seu filho portador de deficiência
mental, durante seu processo de envelhecimento. No entanto, ainda pode surgir a situação
de que é outro filho não deficiente que com o envelhecer dos próprios pais fica responsável
quer por estes quer pelo irmão. Na inexistência de familiares próximos, também pode ser o
próprio adulto com deficiência mental o cuidador dos seus pais envelhecidos. Isto coloca
um dilema: Será que o adulto deficiente mental, com essa responsabilidade como cuidador
sentirá a necessita de ser independente, e talvez adoptar um novo estilo de vida? (Janicki,
1997: 111)
Consequentemente, outro dos grandes problemas que as pessoas com deficiência mental se
deparam, é o envelhecimento e a morte dos seus pais. Esta é por sua vez um destino da
vida, nem sempre fácil de assimilar, verificando-se nestas famílias que habitualmente a
ideia de preparação do futuro é evitada ou não tem prioridade face às exigências do dia-a-
13
Tradução: “(...) frequentemente não têm filhos ou esposa de que possam depender mais tarde para cuidados
e suporte.” Esta situação que cada vez mais se vai alterando com a defesa dos direitos dos deficientes mentais
relativamente à sua sexualidade.”
dia (Dowling & Hollins, 2003 in António, 2003: 187). Geralmente não dizem à pessoa com
deficiência mental que alguém morreu, por vezes uma realidade alternativa é inventada
para esconder a verdade da morte. Da mesma forma, não comparecem, na sua maioria, em
funerais, sendo tratados à semelhança das crianças (Fernandes, 2003: 14).
A globalização, é feita por todos nós. Todos nós que vivemos estes tempos de mudança
constante, em que se avança a uma velocidade desigual, lutando para tornar igual o que é
naturalmente diferente.
Promover a inclusão social das pessoas com deficiência, é sem dúvida um dos grandes
objectivos que tem acompanhado o trajecto das Instituições em Portugal. Desta forma, só
teremos uma sociedade mais solidária, quando todos os cidadãos com deficiência tiverem
lugar à participação plena do exercício dos seus direitos e dos seus deveres, ou seja, ao
exercício pleno de cidadania.
Rodrigues (2004: 7), refere que nesta perspectiva é importante lançar o debate a todos os
pais, técnicos e familiares de modo geral, o tema dos regimes Tutelares – Interdição ou
Inabilitação, como forma de salvaguardar dos direitos e defesa dos interesses dos jovens
/adultos com deficiência.
(Código Civil: artigos 138º e ss, artigos 1927º e ss e Código de Processo Civil: artigos 944º
e ss) definem que: “a interdição consiste na coarctação do exercício de direitos de
determinadas pessoas que demonstrem incapacidade para poder governar a sua pessoa e
os seus bens enquanto que a inabilitação traduz-se apenas na incapacidade de uma pessoa
reger o seu património, podendo ser interditos todas as pessoas que possuam uma
anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira.”
Quando se atinge a maioridade, com todos os direitos, deveres e obrigações a que estão
implicados todos os indivíduos, independentemente de serem ou não portadores de
deficiência mental, terão sempre que ser responsabilizados pelos seus actos (art.º 130º do
Código Civil). Desta forma, qualquer acto ilícito e/ou punível por lei, será imputável à
pessoa deficiente, caso não tenha sido dado encaminhamento aos referidos processos de
Interdição ou Inabilitação.
A pessoa Interdita, não pode casar, perfilhar, fazer testamento, está inibido do poder
paternal, não pode ser tutor ou vogal, nem administrador de bens. Depois da sentença, os
negócios jurídicos celebrados são sempre anulados.
É aconselhável a inabilitação, nos casos de deficiência mental não muito grave, mas que
impossibilite a gestão do património, isto é, em pessoas com autonomia própria mas que
não sejam capazes de gerir o seu dinheiro e os seus bens. (SNRPD: 2002)
Na interdição, o Conselho de Família deverá ser composto por três elementos, um Tutor,
um Protutor e um Vogal. Estes cargos poderão ser ocupados pelos pais, irmãos, familiares,
amigos, ou outras pessoas idóneas que possam assumir a responsabilidade de zelar pelos
interesses e salvaguarda dos direitos de um cidadão portador de deficiência.
O Tutor, será a pessoa de referência, tendo como função cuidar do bem-estar, saúde,
educação do interdito, assumindo os direitos e obrigações dos pais. No entanto, só pode
utilizar os rendimentos do interdito no sustento da educação/reabilitação do mesmo, bem
como na administração dos seus bens, isto é, sempre em prol da pessoa deficiente. O
Curador, assiste ao inabilitado na administração do seu património. (SNRPD: 2002)
Deverá a família tomar a responsabilidade de dar início a este processo.
É neste contexto que urge perspectivar algumas mudanças e reformulações, como por
exemplo, na própria lei aqui apresentada, pelo facto de esta se basear quase exclusivamente
em aspectos patrimoniais e sucessórios, revelando-se inadequada e desajustada à realidade
das pessoas com deficiência e suas famílias. Seria pois fundamental, simplificar o processo
legal, flexibilizar os mecanismos e a respectiva celeridade no decurso da acção. Não menos
importante, e à luz daquilo que é já realizado noutros países da Europa, seria também
benéfico a criação de Fundações Tutelares, com o apoio de tutores profissionais e um
investimento na qualificação dos representantes legais.
A forma como a sociedade encara a pessoa com deficiência tem variado no tempo e, hoje o
princípio da igualdade de oportunidades é um princípio essencial da política social relativa
às pessoas com deficiência (Pereira, 2003/04: 29). Dentro do quadro normativo da
Reabilitação, com base na Lei 38/2004, o princípio da igualdade de oportunidades
pressupõe o respeito pelo princípio da singularidade de cada caso e das medidas
especificamente a ela apropriadas (DGEEP/MTSS, 2006: 17).
14
Professora Coordenadora da Escola Superior de Saúde do Instituto Superior Politécnico de Viseu
centrada em preocupações clínicas evolui para uma abordagem social, iniciada com o
regresso à comunidade, a procura de respostas no ambiente natural e o progressivo
reconhecimento dos seus direitos, sobretudo o direito à diferença. (Pereira, 2003/04: 29)
No caso das respostas sociais na área da reabilitação e integração das pessoas com
deficiência em Portugal, existem domínios de intervenção institucional cuja visibilidade é
menor do que a importância efectiva que possuem. (DGEEP/MTSS, 2006: 1)
Uma das metas do Plano Nacional de Acção para a Inclusão, refere a importância de uma
rede de serviços a nível nacional que contemple todas as áreas de intervenção que as
pessoas com deficiência carecem, incluindo a criação de uma rede de centros de apoio a
pessoas com deficiência, para responder às necessidades de informação, encaminhamento e
acompanhamento das pessoas com deficiência, nas áreas da saúde, educação, segurança
social, emprego, habitação, transportes tempos livros e outros sectores de administração
pública. (DGEEP/MTSS, 2006: 17)
A intervenção da segurança social acompanha todas as fases do ciclo de vida das pessoas
com deficiência e suas famílias, embora com maior incidência no apoio e
acompanhamento durante a idade adulta. (Pereira, 2003/04: 30)
Outra das dimensões essenciais relaciona-se com a multiplicidade de actores que intervêm
no apoio prestado aos indivíduos e famílias. Nesta perspectiva tem confluído a acção de
15
GEP/MTSS (2007). Rede de Serviços e Equipamentos Sociais – relatório 2006
16
Decreto-Lei n.º141/89, de 28 de Abril; Despacho Normativo n.º 62/99, de 12 de Novembro, Guião
Técnico aprovado por despacho do SEIS de 29/11/1996. Obs.: Resposta comum à prevista para a população
adulta com deficiência.
17
Guião Técnico aprovado por Despacho do SEIS em 29/11/1996, Despacho do MESS de 03/08/1993.
Acolhimento Familiar para Pessoas Idosas19 - Resposta social que consiste em integrar,
temporária ou permanentemente, em famílias consideradas idóneas, pessoas idosas quando,
por ausência ou falta de condições de familiares e / ou inexistência ou insuficiência de
respostas sociais, não possam permanecer no seu domicílio. Os Destinatários deste serviço
são pessoas com 65 e mais anos. Tem como objectivos: acolher pessoas idosas (no máximo
de três), que se encontrem em situação de dependência ou de perda de autonomia, vivam
isoladas e sem apoio de natureza sócio-familiar e/ou em situação de insegurança; garantir à
pessoa acolhida um ambiente sócio-familiar e afectivo propício à satisfação das suas
necessidades e ao respeito pela sua identidade, personalidade e privacidade; evitar ou
retardar o recurso à institucionalização. (Chichorro et al, 2006: 37)
18
Orientação Técnica, Circular n.º12, de 25.06.2004 - Guião técnico, aprovado por Despacho de 19 de Maio
de 2004 do Ministro da Segurança Social e do Trabalho.
19
Decreto-Lei n.º 391/91, de 10 de Outubro; Despacho Conjunto n.º 727/99, de 23 de Agosto; Despacho 15
032/2004, de 27 de Julho Obs.: Resposta comum à prevista para a população adulta com deficiência.
21
Decreto-Lei n.º 18/89, de 11 de Janeiro e Despacho n.º 52/SESS/90, de 16 de Julho.
grave. Os Destinatários deste serviço são pessoas com deficiência grave, com idade igual
ou superior a 16 anos, cujas capacidades não permitam, temporária ou permanentemente, o
exercício de uma actividade produtiva; pessoas com deficiência cuja situação não se
enquadre no âmbito do regime de emprego protegido, nos termos da respectiva legislação e
careçam de apoios específicos. Tem como objectivos: estimular e facilitar o
desenvolvimento das capacidades; promover estratégias de reforço de auto-estima e de
autonomia pessoal e social; privilegiar a inter-acção com a família e com a comunidade, no
sentido da integração social das pessoas com deficiência; promover o encaminhamento,
sempre que possível, para programas adequados de integração sócio-profissional
(Chichorro et al, 2006: 43). Os CAO, destinam-se a promover a ocupação das pessoas com
deficiência mental em uma fase da vida paralela e equiparada ao que representa para as
pessoas ditas normais o período em que se encontram em actividade produtiva.
Acolhimento Familiar para Pessoas Adultas com Deficiência22 - Resposta social, que
consiste em integrar, temporária ou permanentemente, em famílias consideradas idóneas,
pessoas com deficiência, a partir da idade adulta. Os Destinatários deste serviço são
pessoas com deficiência, a partir da idade adulta, em situação de dependência e sem apoio
sócio-familiar. Tem como objectivos: acolher pessoas com deficiência; garantir à pessoa
acolhida um ambiente sócio-familiar e afectivo propício à satisfação das suas necessidades
básicas e ao respeito pela sua identidade, personalidade e privacidade; facilitar a interacção
com a comunidade, no sentido da integração social das pessoas com deficiência; promover
estratégias de reforço de auto-estima e de autonomia pessoal e social; evitar ou retardar a
institucionalização.
22
Decreto-Lei n.º 391/91, de 10 de Outubro; Despacho Conjunto n.º 727/99, de 23 de Agosto – Estabelece as
condições de formação para as famílias de acolhimento para pessoas idosas e adultas com deficiência. Obs.:
Resposta comum à prevista para as pessoas idosas.
O conjunto de serviços e equipamentos que cada sociedade oferece aos seus idosos, tem
como objectivo melhorar as condições de vida. (Martins, 2005: 137)
Relativamente à distribuição espacial das respostas sociais, esta não é uniforme por todo o
território continental, acompanha geralmente a densidade populacional de cada área
geográfica. Em 2006, cerca de metade da totalidade das respostas sociais (46,4%) elegem
como público-alvo a população idosa, facto que por si só reflecte o significativo peso desta
área no investimento social. As repostas dirigidas à Reabilitação e Integração de Pessoas
com Deficiência também apresentam um grande ritmo de crescimento (43,4%)
(GEP/MTSS, 2007: 15).
Com o aumento da esperança média de vida das pessoas portadoras de deficiência mental,
as instituições destinadas a acompanhar esta população, tendem a investir neste tipo de
respostas para responder às necessidades dos seus utentes que iniciam o seu processo de
envelhecimento. A promoção de bem-estar no processo de envelhecimento do indivíduo
portador de deficiência mental é uma tarefa da responsabilidade de todos os que estão à sua
volta, partindo da responsabilidade da instituição que muitas vezes conhecem desde a
infância e que se faz representar pela sua equipa técnica, ao apoio familiar e à política
social instituída.
A satisfação das necessidades por parte dos serviços sociais, é o que permite falar de níveis
de satisfação. São os usuários como «consumidores» de serviços os que estarão mais
motivados para se aproximar deles.
23
“Os serviços Sociais, em definitivo, tratam de satisfazer o que reside de mais permanente no ser humano.”
24
Usuário provém do latin “usus” que significa usar, fazer uso de, servir-se de, utilizar
- Necessidades Sanitárias: Com o aumentar dos anos de vida, surge um aumento das
enfermidades e a necessidade de prestar uma maior atenção à saúde, que podem ir
- Necessidades de Habitação: O melhor para cada pessoa é envelhecer na sua própria casa,
dentro da sua comunidade, cobrindo as suas necessidades para realizar as actividades
diárias com a ajuda ao domicílio. Contudo, às vezes o aumento da dependência é tão alto,
que as ajudas habituais que se prestam são insuficientes para compensar as carências,
sendo necessário pensar noutra alternativa como ingresso numa residência. Esta mudança
deve ser realizada com muita cautela, tentando que se produzam as mínimas consequências
negativas, sobretudo a nível mental. Cada caso deve ser analisado individualmente,
surgindo também como outra solução, a criação de residências em que podem viver as
pessoas portadoras de deficiência mental que envelheceram precocemente e os seus pais.
único meio que promove a sua independência por mais tempo. Estes apoios devem ser
proporcionados sem pressionar a pessoa a deixar a sua fonte de rendimentos e tendo
sempre em conta a individualidade de cada um.
Por o envelhecimento ser uma fase da vida das pessoas, de maior dependência e
vulnerabilidade, implica a criação de estruturas de apoio, em articulação com os Serviços
Públicos, nomeadamente os serviços de saúde. Estamos a falar de pessoas com idade
avançada, na sua maioria sem pais, apenas com irmãos e alguns familiares de 2.º e 3.º grau,
sem vidas interligadas que permitam um fácil desenvolvimento de laços familiares e do
apoio que é necessário, quer ao nível de resposta de enquadramento, quer a nível afectivo.
Deste modo, é imprescindível repensar as respostas existentes, adaptando-as a esta nova
realidade e dotando-as de meios e recursos ajustáveis à nova realidade e às novas
exigências, referindo que é urgente repensar o Apoio Domiciliário enquanto modelo de
intervenção e de apoio, como um serviço imprescindível para um número significativo de
pessoas nesta fase da vida. A articulação entre as áreas sociais de apoio e de saúde deverá
ser melhorada e extensiva a outras intervenções especializadas com as inerentes
consequências financeiras. (Rosa, 2005: 8)
Nestes cenários, o ideal seria que as pessoas idosas e suas famílias pudessem exercer uma
escolha livre e esclarecida dos apoios e equipamentos que necessitam. No entanto, o que
tem acontecido é que o factor “escolha” toma, para algumas situações, foros de privilégio,
quando o aceso a respostas diversificadas e capacitadas para atender adequadamente as
pessoas que delas necessitam deveria ser um direito (Cadete, 2001, in Martins, 2005: 139)
A organização e gestão das políticas sociais devem ser efectuadas no sentido da atender as
múltiplas especificidades postas a cada área/sector (saúde, habitação, assistência social,
trabalho, etc.). Porém, mesmo que uma rede de política social atenda à “completude” das
especificidades que lhe são devidas, mesmo que tenha um trabalho articulado e
complementar entre entidades, serviços, programas e projectos, a mesma não dá conta do
atendimento pleno, integral das necessidades da população (Pereira, 2002).
Com base no exposto, é possível afirmar que as várias redes de políticas sociais,
articuladas entre si, formando a rede sócio-assistencial, podem objectivar o atendimento às
necessidades humanas básicas na perspectiva da garantia dos direitos sociais dos usuários
das organizações. O estabelecimento desta rede permite instituir formas de integralidade da
assistência aos vários grupos sociais.
Garantir aos cidadãos o acesso a serviços de qualidade adequados à satisfação das suas
necessidades e expectativas é um desafio que implicará o envolvimento e empenho de
todas as partes interessadas. (Claro, 2006: 6).
Os termos bem-estar e bem-estar social, têm estado muito na moda nos últimos tempos. A
sua efectiva introdução, no nosso vocabulário, operou-se na sombra da enorme e universal
expansão dos conceitos ingleses de “welfare” e “social welfare”.
O significado da palavra welfare deriva da sua originária acepção etimológica que deriva
de um termo alemão. Num sentido mais rígido significa “ter boa viagem”, implicando a
idéia de viajar comodamente pelo caminho da vida. O Webste’s New International
Dictionary, define o vocábulo welfare como estado ou condição relativa ao Bem-estar,
O conceito welfare, no seu aspecto individual, faz referência aos requisitos básicos
necessários para o bem-estar do homem em geral, incluindo principalmente os elementos
relativos às condições mínimas de saúde e de propriedade económica indispensáveis para
aquele (Martínez, 1986).
A felicidade não se identifica com o bem-estar, nem constituiu um dos seus elementos,
contudo é sim o objectivo final do bem-estar. Por outras palavras, um homem que foi
presenteado com bem-estar, há-de estar próximo da felicidade, por ter a posse dos
elementos considerados essenciais para uma vida feliz. Contudo, o vasto e complexo
mundo das relações interpessoais, as relações pessoais estritas ou íntimas como as relações
familiares profissionais, de amizade ou de outro tipo, também constituem aspectos chave
para o bem-estar pessoal, porque a relação social também é importante para a satisfação
das necessidades (Martínez, 1986).
Não devemos esquecer, por último de que o homem normalmente não pode alcançar o seu
bem-estar com absoluta independência do bem-estar dos outros, visto que, como animal
social que é, o seu próprio bem-estar está ligado ao bem-estar daqueles que estão próximos
e que constituem as pessoas do percurso da sua vida, pessoas do seu círculo mais íntimo
(Martínez, 1986).
O bem-estar não se esgota apenas no seu aspecto individual, tem claramente uma
componente social, e por isso fala-se de bem-estar social (Martínez, 1986).
Para a obtenção de felicidade o homem precisa, para além das necessidades individuais,
necessidades sociais relativamente ao estabelecimento de uma ordem social que conduza à
consecução daqueles supostos requisitos básicos para a felicidade que são comuns a todos
os cidadãos. Assim o bem-estar social refere-se, por um lado, de forma geral, à ordem
social como instrumento para promover a satisfação das necessidades de bem-estar
individual que são comuns, partilhadas e experimentadas em conjunto pelos diversos
membros da sociedade, e por outro, mais particular à ordem social como promotor
daqueles aspectos de bem-estar pessoal, em diversos campos, desde a criação de recursos
Daí que o bem-estar social não pode ser identificado simplesmente como uma componente
social do bem-estar individual, sobretudo porque pressupõe e implica inter-relações
sistemáticas que só podem produzir-se através da interacção dos indivíduos, (Martínez,
1986).
Nos actuais pontos de vista sobre bem-estar social, predominam duas concepções deste
conceito: a residual e a desenvolvimentista (Martínez, 1986):
Concepção “residual” em que o bem-estar social é entendido como uma função residual, a
de controlar os indivíduos “desviados ou dependentes” e/ou aliviar a sua penosa situação
de algum modo mínimo, como acto de caridade pública ou privada. Esta foi a forma
tradicional como a sociedade tem tratado de assistir os necessitados: a comunidade
intervém com meios públicos ou privados para assegurar um nível mínimo de bem-estar
pessoal e de funcionamento social, tendo como destinatários, os pobres, as crianças a cargo
de outros, os idosos e os deficientes. A concepção residual pressupõe que os seus
programas existem para fazer frente às necessidades mais precárias dos indivíduos que são
incapazes de dar resposta às suas necessidades, por meio das instituições normais de
família e mercado. Ou seja, defende que as instituições de bem-estar social deveriam entrar
em jogo só quando as estruturas normais da família e mercado falham, baseando-se na
noção de que há dois canais naturais que satisfazem as necessidades do indivíduo, a família
e a economia de mercado, e só quando esta não funciona, como por exemplo na velhice ou
doença é que entra em acção uma terceira estrutura que é a estrutura do bem-estar social
(Martínez, 1986).
necessitados, partindo da base de que numa sociedade industrial todos os cidadãos podem
requerer diversos serviços sociais, para poderem desenvolver a sua capacidade produtiva e
alcançar e manter um nível de bem-estar desejável (Martínez, 1986). É um ponto de vista
muito mais prometedor, pois contempla os serviços de bem-estar como funções normais de
vanguarda, da sociedade moderna industrial, que consiste em ajudar os indivíduos a
alcançar a sua auto-realização. Não implica nenhum estigma, nenhuma emergência,
nenhuma anormalidade.
Neste novo século, uma das maiores preocupações das pessoas tem sido a busca por
melhor qualidade de vida e bem-estar querendo dizer “promover a saúde” (Arantes, 2004:
4).
Felce (1997), define qualidade de vida como um “bem-estar geral que comporta
descritores objectivos e avaliações subjectivas de bem-estar físico, material, social,
produtivo, emocional e cívico, todos medidos por um conjunto de valores pessoais” (Felce
(1997: 127). Esta definição é considerada, não apenas para a deficiência mental, mas
também é utilizada noutros grupos desde a população em geral a subgrupos sociais.
A qualidade de vida emergiu, como uma potencialidade para definir as metas dos serviços
e para induzir o seu impacto na condição das pessoas no seu dia-a-dia. (Felce, 1997: 126).
De acordo com Nahas (2001)25, QV pode ser considerada como a condição humana
resultante de um conjunto de parâmetros individuais, socioculturais e ambientais, que
determinam como vive o ser humano.
“ (...) a velhice não é uma variável fixa, que podemos analisar antes e depois da
modernização, mas uma realidade culturalmente construída, inclusive pelas disciplinas
científicas que a tomaram como alvo” (Groisman, 1999: 48 in Prado, 2002: 4). Desta
forma, o bem-estar desta população, não pode ser entendido à margem e com
independência, da sociedade em que se desenvolve, dos seus recursos materiais, científicos
e humanos, do seu sistema de valores e da sua estrutura de poder (Martínez, 1986).
25
In: R. Bras. Ci. e Mov. Brasília, v.11 (2), 55-61, Junho 2003, p.56.
Na nossa cultura damos muito valor à possibilidade de podermos tomar as nossas escolhas
de forma independente. O nosso rendimento define as nossas opções na maneira como
vivemos, as nossas experiências e oportunidades definem o que podemos fazer e o nosso
emprego define a nossa vida social. Pessoas que viveram muitos anos com uma deficiência
e que estão “velhas”, podem ter diminuídas as suas opções sociais e financeiras, o que vai
influenciar as suas decisões e escolhas (Janicki, 1997: 106).
Por outro lado, são enumeradas seis dimensões de bem-estar consideradas necessárias e
fundamentais para a qualidade de vida no processo de envelhecimento da pessoa portadora
de deficiência mental, baseadas (Bluden, 1988 in Shalock, 1996; Felce, 1997):
Bem-estar Físico - é a habilidade para usar um corpo o mais eficazmente possível. Para as
pessoas idosas com deficiência mental, é importante estarem libertos dos efeitos
debilitativos da doença ou deficiência. As limitações da idade avançada ou de uma vida
longa com deficiência física pode reduzir a independência do indivíduo e levar a grandes
impedimentos no estilo de vida. Pois, na verdade alguns estudiosos denotaram que o valor
pessoal da saúde e da actividade social está associado a valores muito elevados de
satisfação de vida (Janicki, 1997: 106). O bem-estar físico está relacionado com, saúde,
Bem-estar Social – esta dimensão, tal como abordado anteriormente, oferece um elemento
vital para a vida da maioria das pessoas. Os ingredientes mais importantes do bem-estar
social são: fazer parte da comunidade, ter amizades, ser capaz de fazer escolhas, estar
competente no funcionamento (ao nível da comunicação, mobilidade, auto-ajuda e
habilidade social e de lazer), e ser objecto de respeito. De facto, a diferença de classes pode
afectar o envolvimento social e consequentemente afectar o bem-estar subjectivo. No
entanto, no indicador de “satisfação da vida”, o poder de escolha é um factor que está
condicionado pelo status económico e social, fazendo com que as opções de escolha sejam
delimitadas (Janicki, 1997: 107). Para Schalock (1996 in Felce, 1997: 131) bem-estar
social inclui duas dimensões: (1) a qualidade e dimensão das relações interpessoais –
intimidade e afeição recíproca com a vida familiar, com a família, parentes, amigos ou
pessoas conhecidas; (2) envolvimento na comunidade ou inclusão social –
comprometimento nas actividades comunitárias e o nível de aceitação ou suporte dado pela
comunidade. Ambas as dimensões podem ser assumidas como status social ou papel social.
Bem-estar Cognitivo - esta dimensão envolve uma percepção pessoal de qualidade de vida
e de “life satisfaction”. Muitas pesquisas demonstraram que a percepção pessoal de bem-
estar, está fortemente relacionada com factores socio-económicos, com o grau de interação
26
A segurança pessoal também pode ser considerada como um aspecto do bem-estar emocional, como
classificou Schalock (1996 in Felce, 1997, p.130), ou como um direito cívico.
Bem-estar Emocional - está relacionado com a felicidade, não possuir stress, estado
mental, auto-estima, crenças espirituais ou religiosas, sexualidade e contentamento
(satisfação). O grau de stress reflecte as condições sob, as quais, as actividades sociais e
funcionais são induzidas e pode afectar o grau de divertimento destas actividades. A auto-
estima e a satisfação com o status pessoal, crenças religiosas e sexualidade pessoal, são
outros factores que influenciam o estado psicológico ou emocional do indivíduo (Felce,
1997: 131).
Bem-estar Cívico - está relacionado com a privacidade, protecção sob a lei, direito de
votar, responsabilidades cívicas (Schalock, 1996 in Felce, 1997: 132).
Ao longo dos tempos, os seres humanos têm aspirado e lutado para realizar as suas
necessidades da melhor forma possível, criando estruturas de relações que lhes sejam úteis
na busca da satisfação. A preocupação com o bem-estar não é de hoje, pois o desejo de
manter uma vida melhor e mais saudável é tão antigo como a civilização (Setién, 1993:
56). Na sua instintiva luta pela vida, o ser humano adapta-se e modifica-se, procurando
outros valores a cada limitação que lhe é apresentada. Isto acontece a todas as pessoas
independentemente das suas limitações.
Não obstante, a relação entre a idade e a deficiência ainda associa outras variáveis
contextuais, das quais se elaboram três premissas, sobre as quais reflectimos anteriormente,
nomeadamente: (A) a atitude da sociedade afecta a qualidade de vida e o bem-estar no
envelhecimento do indivíduo portador deficiência mental, (B) os factores associados à QV
dos idosos com deficiência mental são qualitativamente idênticos àqueles associados a
outros idosos, (C) as transições ocorridas no processo de envelhecimento, apresentam
mudanças que afectam o estilo de vida dos deficientes mentais com idade avançada,
nomeadamente o envelhecimento da própria família, o seu próprio envelhecimento, a
mudança de casa e a reforma.
“En Europa, (...) se considera que la prevención y el retraso del envejecimiento deben
constituir acciones prioritarias si se pretende conseguir una mayor calidad de vida de los
ciudadanos.”27 (Gaspar Casado, do Comité para a Reabilitação e Integração das pessoas
com deficiência do conselho da Europa in Cuesta, 2002: 19). Ou seja, para se conseguir
proporcionar uma velhice com melhor qualidade, começa com um melhor funcionamento
dos mecanismos de prevenção, desde os primeiros períodos de vida da pessoa com
deficiência (Rosa, 2004: 9). Neste sentido, é importante preparar a família para as questões
do envelhecimento do deficiente e isto deve começar quando ele nasce. Neste processo
também se deve mentalizar a família para o seu próprio envelhecimento (Gaia, 2004)28,
ressaltando de imediato a necessidade de participação das famílias em todo o processo de
desenvolvimento da pessoa (Rosa, 2004: 9).
27
Na Europa, considera-se que a prevenção e o retardar do envelhecimento devem constituir acções
prioritárias para se conseguir uma maior qualidade de vida dos cidadãos.
28
Seminário organizado pela Associação Nacional de Famílias para a Integração da pessoa deficiente
(AFID). Suporte audiovisual do seminário, fornecido pela própria Associação.
Pode afirmar-se que em Portugal, estas duas últimas décadas têm sido as mais ricas da
história do Serviço Social Português pelo percurso desenvolvido e pelas suas conquistas.
Na explicação deste percurso, deve ter-se em conta, para além do quadro da formação
académica ou no campo da profissão, a análise e compreensão do processo histórico e
O Serviço Social está, “ (...) situado no jogo e na malha das relações sociais, está sujeito
às influências e determinações que se exercem no campo de estruturação dessas mesmas
relações. Bem como, através das articulações que estabelece, da mobilização e luta que
desenvolve nesse mesmo campo, e da construção e análise que elabora através da
explicitação dos saberes e das práticas, vai como categoria social que é, tornar-se também
“sujeito” da sua própria trajectória.” (Negreiros, 1999: 31-32).
29
Disponível na internet em: www.apross.pt/etica.php
Esta definição sublinha os princípios dos direitos humanos e justiça social, base
fundamental da profissão, na medida em que permitem desenvolver a liberdade individual
da acção e dos recursos dos indivíduos na sociedade. Faz referência às várias declarações e
convenções sobre direitos humanos que são relevantes para o Serviço Social, seguidas de
uma declaração de princípios éticos gerais assentes nos dois princípios de direitos
humanos: dignidade e justiça social. E introduz ainda uma orientação básica da conduta
ética no Serviço Social.
Entende-se por ética, o estudo da moral (normas de comportamento que as pessoas seguem
como referência do que é correcto ou incorrecto, bom ou mal). O termo de ética pode usar-
se de maneira equivalente a “moral”, para referir-se a regras/normas de conduta no que
concerne ao que é correcto/incorrecto e bom/mau, (Banks, 1997).
Não obstante, considera-se esta definição de Serviço Social importante, na medida em que
faz referência a aspectos relevantes para a profissão dos Assistentes Sociais explicitando as
finalidades da profissão, a sua relação com a mudança social e empowerment, fazendo
menção de que o Serviço Social não se encontra unicamente direccionado para ajudar as
pessoas a ajustarem-se ao seu meio, mas também a instruir e habilitar as mesmas a serem
autónomas, responsáveis, adquirindo competências e habilidades indispensáveis para a sua
autonomia.
Para a autora Marília Andrade (2001) “Serviço Social é uma área de conhecimento no
domínio do social que fornece contributos para a compreensão das realidades e
necessidades societárias e para a concepção e compreensão de políticas sociais. Constrói
propostas efectivas de intervenção, no âmbito do social, considerando-as inscritas em
projectos societários mais amplos nem sempre coincidentes.” (Andrade, 2001: 165)
Neste sentido, a prática profissional quotidiana, exprime não apenas a capacidade técnico-
operativa de quem a realiza, mas também, a sua posição existencial, política, ideológica
face às relações da sociedade em que vive. É essa posição que particulariza a intervenção
profissional, dando-lhe uma qualidade e imprimindo-lhe uma direcção. (Baptista, 2001:
17)
“O Serviço Social tem sido, desde a sua criação, uma actividade de defesa dos Direitos
Humanos, tendo por princípio base o valor intrínseco de cada ser humano e como um dos
seus principais objectivos a promoção de estruturas sociais equitativas, capazes de
oferecer às pessoas segurança e desenvolvimento, ao mesmo tempo que defendem a sua
dignidade” (ONU, 1999: 19). Graça André (2002) considera o conceito Direitos Humanos,
directamente ligado à satisfação de necessidades, ou seja, são a resposta local e global às
necessidades básicas.
30
Deputado da Assembleia da Republica
um trabalho de activação dos beneficiários, das instituições e por último são agentes de
desenvolvimento local (Pedroso, 2002: 152-157).
Nas instituições prestadoras de serviço sem fins lucrativos o cliente do Serviço social
também é cliente em relação à instituição, neste caso, a relação assistente social/cliente
identifica-se sob todos os aspectos com a situação que será descrita nas empresas. O que
precisa de ser ressaltado é que a organização institucional presta um único serviço
específico, e que esse serviço determinado é determinante de tudo e de todos que se
relacionam com este serviço no espaço interno da organização institucional. (Weisshaupt,
1988: 57)
Esse controlo sobre os problemas, objectivam a diminuição das tensões e conflitos sociais.
Talvez seja este também o objectivo do Serviço Social: pela escuta, pela paciência, pelo
estudo, pela comunicação pessoal, o problema é diminuído e uma solução dentro da ordem
pode ser visualizada e a desagregação social é evitada. (Faleiros, 1991: 36)
Constata-se que o Serviço Social é uma instituição, que tem consequentemente um objecto,
um âmbito e agentes determinados; e desenvolve a sua prática no quadro organizacional
das mais diversas instituições que por sua vez, têm objecto, âmbito e agentes próprios. Os
objectivos profissionais articulam-se com os objectivos dessas organizações, fazendo com
que o Assistente Social expresse os objectivos da prática num duplo quadro de referência:
o discurso profissional e o discurso da organização institucional onde trabalha
(Weisshaupt, 1988: 31).
Nesta perspectiva, o papel dos profissionais comprometidos com os interesses dos utentes,
consistirá na adopção de uma estratégia que vise a alteração da correlação de forças
institucionais, estratégia essa que implica o estabelecimento de uma aliança entre os
profissionais e o grupo dos utilizadores, ou potenciais utilizadores, da instituição. O
desafio do profissional consiste justamente na reorientação do seu quotidiano de acordo
com a correlação de forças existente, para facilitar acesso da população ao saber sobre elas
mesmas, aos recursos disponíveis e ao poder de decisão. (Faleiros, 1991: 55)
Sendo uma actividade de mediação interpessoal, o Serviço Social exige consciência dos
valores e sólidos conhecimentos de base, nomeadamente na área dos Direitos Humanos,
que lhe possam servir de orientação nas múltiplas situações de conflito que surgem na
prática. Se, por um lado, os assistentes sociais podem, através da sua actividade, reforçar
os direitos dos respectivos utentes, por outro uma análise deficiente pode levá-los a pôr
esses direitos em risco. A visão do respectivo trabalho a partir de uma perspectiva global
de Direitos Humanos auxilia os profissionais, conferindo-lhes um sentido de unidade e
solidariedade, sem perder de vista as perspectivas, condições e necessidades locais, que
constituem o quadro de actuação destes profissionais. (ONU, 1999: 22)
cidadãos são portadores” (Weisshaupt, 1988: 70). Assim, as práticas profissionais que
aparecem como evidentes, são na verdade complexas e pouco claras, na medida em que
são uma expressão da diversidade e dinâmica das relações sociais mais amplas e
determinadas no quadro normativo das políticas institucionais.
“A questão é que, para dotar o cliente de uma organização social capaz de resolver os
seus problemas, o assistente social precisa estabelecer fluxos de conhecimentos não
apenas no sentido de tornar o cliente e sua situação conhecidos na instituição, mas
também no sentido de fazer a instituição conhecida na comunidade, em particular pelo
cliente” (Weisshaupt, 1988: 123).
Assim a prestação de determinados recursos dos quais dispõe a instituição pode variar de
formas, de acordo com a perspectiva pela qual a população encara a questão. (Faleiros,
1991: 115)
“Os profissionais devem ser capazes de ordenar os recursos, elaborar meios eficazes,
alcançar os objectivos propostos pelas instituições” (Faleiros, 1991: 42).
No que diz respeito à legitimidade das investigações sobre a prática profissional, a autora
Myrian Veras Baptista (2001) diz que a investigação científica voltada para a acção sobre a
realidade tem as suas exigências próprias ao nível da lógica, da epistemologia e das
técnicas, pois assumir como postulado para a intervenção a associação fundamental entre
teoria e prática, implica a construção de um caminho científico para a investigação da sua
acção, no quadro da intervenção. Exige a dialéctica intrínseca entre o processo cognitivo e
a acção.
A sugestão expressa pela autora é que o profissional desenvolva uma reflexão num sentido
histórico, social, político e técnico, de questionamento dos saberes instituídos, a fim de
produzir um saber e uma prática consequentes. A prática tem condições de ser fonte de
teoria, de ser espaço de elaboração científica, desde que problematizada e apreendida na
sua concretização, de uma perspectiva crítica, proporcionada por uma teoria social. O
pensamento ganha conteúdo através da sua interlocução com o real. Isto exige que a
relação entre conhecimento e acção se desenvolva num triplo movimento: crítica,
construção de um conhecimento novo e síntese no plano do conhecimento e da acção.
(Baptista, 200: 21)
A partir dos objectivos principais desta pesquisa, que passam por perceber e caracterizar
quais as respostas para o envelhecimento da pessoa portadora de Deficiência Mental,
foram aprofundados no Capitulo I desta investigação os temas principais que enquadram
teoricamente esta pesquisa. Em virtude desta problemática ser considerada pouco
aprofundada, foi necessário delinear estratégias metodológicas exequíveis e viáveis que
permitissem a sua análise.
Este ponto do documento tem como objectivo apresentar e justificar a opção metodológica
que se considera viável para analisar a problemática em estudo, sendo também definido o
problema em estudo, a estratégia da investigação adoptada, o universo e objecto empírico,
os métodos e técnicas usadas para a concretização deste trabalho.
Neste sentido, o problema subjacente a este trabalho prende-se com os seguintes vectores
de análise: as questões relacionadas com o envelhecimento do indivíduo portador de
deficiência mental e o seu bem-estar nesse processo evolutivo, promovido pelas repostas
sociais existentes.
muitas situações de transição que também colocam novos desafios aos técnicos e
familiares que os rodeiam, na procura de novas respostas.
Para a concretização deste estudo, tendo em atenção a pergunta de partida: “Em que
medida as respostas sociais e/ou familiares promovem o bem-estar da pessoa portadora de
deficiência mental em processo de envelhecimento?”, realizámos um Estudo de Caso de
casos múltiplos numa Associação de resposta a pessoas portadoras de deficiência mental.
Esta Associação é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, situada
geograficamente em Lisboa, e tem como objectivo promover a integração das pessoas com
deficiência mental na idade jovem e adulta, vocacionada ao apoio nos vectores da
formação, emprego, apoio ocupacional e apoio residencial.
Gráfico n.º 1 – Género dos utentes Gráfico n.º 2 – Idade dos utentes
Idades
Género
40
35
30
n.º utentes
25
36%
Masculino 20
15
Feminino 10
5
0
64% 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54
Es calão etário
Escalão Etário
Resposta Institucional Género
<15 15-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 Total
M 5 9 7 1 22
CEP
F 2 5 7
M 4 2 5 14 10 6 3 44
CAO
F 3 3 4 6 7 5 2 30
M
Apoio Residencial31 90
F
M 4 2 10 23 17 6 4 66
Total
F 3 3 6 11 7 5 2 37
Fonte: Dados fornecidos pela Assistente Social da Associação
31
Todos os utentes têm direito a beneficiar de apoio residencial. Apenas 90 famílias recebem este apoio por
opção da família, tendo sempre em conta o projecto de vida de cada utente.
Ligeira
Moderada
17%
P rofunda / Severa
19%
64%
Tendo por base esta classificação, concluiu-se que a maioria dos utentes possui uma
deficiência mental de grau ligeiro (64%), 19% dos utentes apresentam uma deficiência
mental moderada e 17% têm deficiência mental profunda, como se pode verificar no
gráfico n.º 3. Para além da deficiência mental alguns dos utentes apresentam outros
problemas associados como Doença Mental, Paralisia Cerebral, Trissomia 21, Síndrome de
Ruben Stine entre outras.
32
Associação Americana de Deficiência Mental
Este modelo de apoio assenta num patamar básico em que a família nunca é dispensada do
seu papel fundamental na vida das pessoas com deficiência, desde que exista e funcione
minimamente.
Formação e Emprego:
Os serviços prestados são coordenados por profissionais competentes em cada uma das
áreas e distribuem-se pela: lavandaria industrial; estofamento e decoração; jardinagem e
outros serviços como embalagem de talheres, selecção e embalamento de auscultadores
para uma empresa de catering de aviões, bem como o serviço de acompanhamento às
viaturas do Departamento da Acção Social da C.M.L, através dos Ajudantes de Carrinha.
A Direcção da Associação é composta por Pais ou Sócios efectivos e são efectuadas novas
eleições de 3 em três anos. O suporte financeiro da instituição advém da cota paga pelos
sócios efectivos e sócios contribuintes, como também do apoio e contributo de muitas
entidades da comunidade.
Estratégia metodológica:
Yin (1988) in Carmo & Ferreira (1998: 216) define Estudo de Caso, como: “uma
abordagem empírica que investiga um fenómeno actual no seu contexto real; quando, os
limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não são claramente evidentes; e no
qual são utilizadas muitas fontes de dados.”
Quer isto dizer que foi desenvolvido numa metodologia própria dos estudos exploratórios e
que estava longe do nosso propósito a recolha de dados estatísticos, de carácter oficial.
Esta escolha surgiu após um contacto inicial com o Director da Associação, seguido de um
pedido oficial solicitando autorização para realizarmos o nosso trabalho de investigação
naquela Associação, o qual foi bem aceite. Em seguida, foi-nos apresentada a instituição,
os utentes, as suas actividades e os seus colaboradores, onde tivemos oportunidade de
perceber o seu funcionamento, apresentarmos o nosso projecto e expormos os objectivos
do nosso trabalho de forma geral. Nesta primeira aproximação à instituição, fomos muito
bem recebidos quer pelos técnicos quer pelos utentes.
Neste sentido, tendo em conta a necessidade de abranger este universo, foi constituída uma
amostra não probabilística, utilizando-se a técnica de amostragem de conveniência.
As amostras não probabilísticas “podem ser seleccionadas tendo como base critérios de
escolha intencional sistematicamente utilizados com a finalidade de determinar as
unidades da população que fazem parte da amostra.” (Carmo & Ferreira, 1998: 197).
Assim, para a selecção dos participantes, tivemos em conta as variáveis idade, grau de
deficiência e capacidades comunicacionais. Os restantes participantes têm uma ligação
directa familiar e profissional com os utentes seleccionados. Desta forma a amostra é
constituída por: 4 Utentes da Associação, portadores de deficiência mental moderada, com
idade superior a 45 anos que frequentam o Centro de Actividades Ocupacionais; 4
Familiares pertencentes ao agregado das pessoas com deficiência mental em questão (três
Mães e um Pai) e 4 Profissionais da Associação, nomeadamente 1 Assistente Social, 1
Psicólogo, 1 Auxiliar de Acção Educativa e 1 Ajudante de Lar. De forma a preservar o
sigilo e confidencialidade dos participantes não serão revelados os seus nomes.
A partir do discurso da pessoa com deficiência mental, dos seus familiares e profissionais
que consigo trabalham todo o dia, estudámos as suas percepções e expectativas acerca do
processo de envelhecimento da pessoa com deficiência mental, bem como compreendemos
quais as respostas sociais e institucionais, que melhor se adequam às suas necessidades
para poderem envelhecer com qualidade.
A estratégia de pesquisa pela qual se optou é a estratégia indutiva, própria dos estudos
qualitativos. Esta tem essencialmente um carácter exploratório e descritivo.
Segundo alguns autores, a estratégia indutiva consiste em quatro principais etapas, as quais
foram tomadas em consideração neste estudo, nomeadamente: (1) Todos os factos são
observados e registados sem qualquer selecção ou conjecturas acerca da sua importância
relativa. (2) Estes factos são analisados, comparados e classificados, sem usar hipóteses.
(3) Desta análise, retiram-se indutivamente as generalizações respeitantes às relações entre
os factos. (4) Estas generalizações são testadas.
Através de entrevistas, recolhemos contributos das percepções das pessoas com deficiência
mental que se encontram no seu processo de envelhecimento, da sua família e dos
profissionais que acompanham o seu processo, para se perceber de que forma é que se
pode proporcionar respostas sociais com qualidade e adequadas às necessidades desta
população na sua etapa mais avançada.
2 - Técnicas de Investigação
O instrumento mais adequado, deve permitir conhecer a opinião que as pessoas com
deficiência mental têm relativamente à sua vida e também as suas condições de vida
objectivas (Arostegi, 1999: 408).
Assim tendo em conta as características individuais das pessoas com deficiência mental,
foram utilizadas as seguintes técnicas:
33
Vide Apêndice n.º 1 (Volume 2) – Diários de Campo
34
Vide Apêndice n.º 2 (Volume 2) - Guião da Entrevista Exploratória
35
Vide Apêndice n.º 3 (Volume 2) – Entrevistas Exploratórias
36
Vide Apêndice n.º 4 (Volume 2) – Guião de entrevista aos familiares
Registe-se que as entrevistas dirigidas às pessoas com deficiência mental, devido às suas
características individuais, ao nível da compreensão e capacidade de desenvolvimento mais
restrito de resposta, impelem que a escolha do método seja flexível, mas não demasiado
amplo, neste sentido sentimos necessidade de recorrer na maioria a perguntas fechadas.
Os temas propostos nas entrevistas, incidiram nas questões consideradas mais importantes
a abordar tendo em vista a resposta às questões de investigação, debruçámo-nos por isso
em três grandes temas, nomeadamente a problemática da deficiência mental, a
problemática do envelhecimento e as respostas sociais adequadas ao envelhecimento das
pessoas portadoras de deficiência mental.
37
Vide Apêndice n.º 5 (Volume 2) - Guião de entrevista aos profissionais
38
Vide Apêndice n.º 6 (Volume 2) - Guião de entrevista às pessoas portadoras de deficiência mental
cada um. Esta caracterização teve como objectivo a possibilidade de interpretação dos
dados partindo da contextualização histórica, social e cultural de cada participante.
39
Vide Apêndice n.º 7 (Volume 2) – Pré-teste dos guiões de entrevista
40
Vide Apêndice n.º 8 (Volume 2) – Transcrição das entrevistas realizadas aos familiares
41
Vide Apêndice n.º 9 (Volume 2) – Transcrição das entrevistas realizadas aos profissionais
As entrevistas aos utentes43 tiveram como objectivo ouvir na primeira pessoa a opinião
sobre as questões que temos vindo a aprofundar. Constitui-se essencialmente por um
conjunto de perguntas directas e fechadas que abordaram as questões da identidade da
pessoa com deficiência mental, na tentativa de posicionarmos os entrevistados num
contexto pessoal, levando-os a falar sobre eles mesmos. Após as perguntas sobre a sua
família pedimos para falarem sobre eles esperando que abordassem os temas que
consideram mais importantes na vida deles e a partir daí fomos colocando questões sobre a
vinda deles para a Associação, tentando sempre situar a pessoa no espaço e no tempo.
Introduzimos, deste modo, o tema do envelhecimento com perguntas referentes à sua idade
e sobre a noção que têm relativamente à idade dos pais e suas dificuldades inerentes ao
avançar da idade, para posteriormente entendermos se os participantes sentem os sinais de
42
Vide Apêndice n.º 10 (Volume 2) – Planificação e transcrição da dinâmica de grupo
43
Vide Apêndice n.º 11 (Volume 2) – Transcrição das entrevistas realizadas às pessoas portadoras de DM
envelhecimento e qual a sua opinião acerca do seu futuro, onde e com quem querem viver
e que actividades querem desenvolver.
Há que ter em conta que a mensagem não vem escrita apenas nas letras ou palavras, mas
sim que se faz também anunciar por um vasto recurso de comunicados simbólicos
(terminologias; vocabulários, códigos de linguagem próprios e por outras formas de
comunicação não verbal), indispensáveis para uma compreensão da mensagem.
Esta técnica tem “a vantagem de em muitos casos funcionar como uma técnica «não-
obstrutiva»” (Vala, 1986: 106), ou seja, não implica constrangimentos entre entrevistador
e entrevistado, dado que é aplicado a posteriori sobre o material empírico recolhido.
Segundo Bardin (1979: 95), esta técnica passa por algumas etapas no seu processo de
tratamento de dados, as quais foram tomadas em conta. A primeira fase, consistiu numa
pré-análise, “é a fase de organização propriamente dita”. Na segunda fase procedemos a
uma exploração do material, “(...) não é mais do que a administração sistemática das
decisões tomadas.” Esta “consiste essencialmente em operações de descodificação,
desconto ou enumeração, em função de regras previamente formuladas.” Neste sentido a
análise de conteúdo realizada seguiu a organização sugerida por Yin (1984) in Boutin
(1990: 173) em que a análise foi dividida por três grupos nomeadamente os familiares, os
profissionais e os utentes, construindo-se para isso um quadro de análise para cada grupo
de entrevistas, baseado em categorias temáticas e dimensões a analisar.
Numa terceira etapa procedemos ao tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação,
“os resultados brutos são tratados de maneira a serem significativos e válidos (…) o
analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor
inferências e adiantar interpretações a propósito dos objectivos previstos.” Bardin (1979:
95)
Por fim procedemos a uma triangulação dos dados obtidos, e apresentamos as conclusões
apreendidas.
Importa referir que os dados recolhidos foram tratados com os necessários cuidados éticos
e respeitada a confidencialidade dos participantes que aceitaram participar neste estudo.
1 - Análise das entrevistas realizadas aos familiares: visão dos pais sobre o
envelhecimento dos filhos portadores de deficiência Mental
Tendo em conta o tema em estudo, e procurando conhecer a visão dos pais sobre o
envelhecimento dos seus filhos portadores de deficiência mental, numa primeira parte da
entrevista procurámos conhecer melhor os pais através de questões gerais de identificação
que nos permitiu realizar a caracterização deste grupo de entrevistados. Numa segunda
parte aprofundámos questões relativas à situação da deficiência mental e todas as suas
implicações ao nível familiar. Numa terceira parte colocámos questões referentes ao
envelhecimento dos seus filhos onde procurámos percepcionar qual a opinião dos pais
sobre o processo de envelhecimento destes, as suas preocupações e necessidades nesta
etapa da vida. Por fim questionámos os pais sobre as suas vontades relativamente ao futuro
dos seus filhos dirigindo as nossas questões para o tema das respostas sociais. Neste
sentido, esta análise debruça-se sobre três grandes temas, nomeadamente: a problemática
da deficiência mental, a problemática do envelhecimento e respostas sociais.
Familiar 1 – Mãe, tem 72 anos está viúva há 4 anos, vive com a filha e uma terceira
pessoa já considerada da família, tem o 4.º ano de escolaridade e trabalhou como
empregada auxiliar na APPACDM em Lisboa. Actualmente está reformada.
Familiar 2 – Mãe, tem 76 anos, é casada, vive com o marido e o filho portador de
Deficiência Mental, é Licenciada em Engenharia Química, exerceu apenas por duas vezes
a sua profissão e devido à criação dos filhos acabou por trabalhar como explicadora de
44
Vide Apêndice n.º 12 (Volume 2) – Análise de conteúdo das entrevistas aos familiares
matemática e físico-química dando explicações em casa, tem feito parte de todos os órgãos
sociais do Associação e no último mandato foi presidente da Direcção. Actualmente está
reformada.
Familiar 3 – Mãe, tem 71 anos, está viúva há dois anos, Vive sozinha com a filha
portadora de Deficiência Mental, tem o 8.º ano de escolaridade, durante a maior parte da
sua vida foi dona de casa à excepção de um pequeno período da sua vida que foi
mediadora de seguros. Actualmente está reformada.
Familiar 4 – Pai, tem 80 anos, é casado, vive com a esposa e o filho portador de
deficiência mental, tem o 4.º ano de escolaridade, trabalhou inicialmente no campo e
depois foi trabalhar para a Fundação Calouste Gulbenkian como auxiliar administrativo.
Actualmente está reformado.
Principal cuidador da É a mãe, apenas uma família referiu ser o pai e a mãe
pessoa com DM
Processo demorado; retira a autoridade da pessoa; desconhecimento do processo de
interdição; necessidade de esclarecimentos por parte da Associação; processo
Processo de Interdição / concluído; o tutor deve ser um familiar próximo; na inexistência de familiares deverá
Tutoria
ser a instituição a responsável pelos seus filhos; o Tutor é uma garantia para o futuro
dos filhos
A associação; existência de uma pessoa que cuide do filho; manutenção dos laços
Melhor resposta para o
futuro familiares; lar para pais e filhos
Respostas Adaptação das actividades existentes; pretendem que o filho se mantenha activo; não
Actividades promotoras
Sociais de bem-estar no sabem quais as actividades indicadas; actividades físicas; actividades de relaxamento;
envelhecimento da
pessoa portadora DM actividades que mantenham as capacidades dos filhos
Para estes pais o nascimento do seu filho veio acompanhado de muitas dúvidas e incertezas
“quando a menina nasceu eu não soube logo que ela era deficiente, só passado uns dias é
que eu comecei a ver que havia alguma coisa de diferente” (F1).
Há 40 anos atrás as questões relativas à deficiência mental ainda não tinham sido
exploradas com profundidade, o que fez com que estes pais demorassem anos para
saberem qual o real problema do seu filho. “ (…) os médicos disseram sempre que o …
não tinha nada. O pediatra (…) tinha dito aos meus pais que realmente era possível que
houvesse ali realmente uma deficiência mas isto ao fim de 6 anos.” (F2)
Quando se apercebem que algo está errado, surge o momento de difícil adaptação àquela
nova realidade, chamado por alguns autores a fase do luto, “bem a princípio foi um choque
muito grande (…) foi mesmo difícil para mim e para o meu marido (F1)
45
Legenda para todos os quadros apresentados: Resposta dada pelo entrevistado
A existência de outros filhos sem deficiência ajudou a atenuar a dor destes pais, que a certo
momento da sua vida revelam um grande cansaço emocional, “em certas alturas da vida
precisei de sair um pouco de casa até por causa da …” (F3) promovido pela procura
constante de respostas adequadas às necessidades dos seus filhos. (…) o … deu muito
trabalho e cansou-me muito, “(…) sem grandes apoios de ninguém porque os médicos não
acreditavam” (…F2); “ (…) quando eu tive o outro filho então já se atenuou um bocado a
dor” (…F1) Os pais referiram que existe um bom relacionamento entre os irmãos.
Nenhuma família entrevistada possuía familiares próximos que possuíssem qualquer tipo
de deficiência, excluindo por isso a hipótese da causa da deficiência dos seus filhos ser
hereditária.
Como se pode perceber pelo quadro anterior cada um destes pais apresenta uma causa
diferente, como razão para o seu filho ser portador de deficiência mental. No entanto as
principais causas apontadas pelos pais prendem-se com causas Peri-Natais que incidiram
desde o inicio do trabalho de parto até ao 30º dia de vida do bebé, tais como má assistência
e trauma de parto, “ela foi tirada a forcep a ferros e deram-lhe cabo da cabecita” (F1) e
prematuridade “quase que tenho a certeza que foi devido ao parto, prematuro, muito
fraquinho (…F4) e causas Pós-Natais que incidiram do 30º dia de vida até o final da
adolescência, tais como infecções ou outras doenças, “nasceu normal teve foi uma
meningite mingocócita aos 17 meses e foi a desgraça dela ficou sem andar sem ver e
devagarinho lá foi recuperando” (F3), “uma deficiência num cromossoma que é mais
pequeno que os outros que é o Syndrome de Williams”. (F2)
Passada a fase de luto, revelam toda uma vida de luta, como podemos perceber pelas
palavras destas mães que tiveram que procurar professores especiais e escolas também
especiais numa procura constante do que era melhor para os seus filhos. “Eu andava
sempre a procurar coisas não é mas não havia grandes recursos” (F3); “ (…) há 40 e tais
anos não havia nada absolutamente nada” (F1). Nessa procura, viram-se forçadas a
reorganizar a vida, como por exemplo mudar de local de residência46 “comecei outra vez
com a luta, vim para Lisboa por causa da …” (F1). Os pais que na época viviam fora de
Portugal, viveram divididos com a dúvida se cá existiriam mais respostas, tendo mesmo
um deles, enviado a filha para ser internada num colégio cá em Portugal. “ (…) Em Lisboa
há colégios tão bons para ela (…) não havia nada de especial, mas (…) não descansei
enquanto ela não veio”. (F3)
Todos eles explicaram que os seus filhos passaram por vários colégios como o Clapared ou
a CERCI de Lisboa, mas que ao atingirem uma idade adulta esses locais deixaram de ser
adequados para as suas necessidades e aí surge a integração dos seus filhos na Associação.
“na altura era fraquinho tudo (…) porque foi comigo que ele aprendeu”. (F2)
Respostas F1 F2 F3 F4
É uma pessoa especial
Não é uma pessoa normal
Pessoa inocente
Problema monstruoso
Pessoa que nos limita
É difícil viver com ele
Caminho muito difícil
Preocupação
Deixamos de ser donos de nós mesmos
Pessoa que precisa de carinho e compreensão
Fonte: Entrevistas realizadas aos familiares, 2007
46
Vide Diário de campo de 13 de Abril 2007
Como revelam estes pais, ser pai ou mãe de uma pessoa portadora de deficiência mental,
pode revelar-se uma tarefa difícil, principalmente porque os filhos não têm uma
perspectiva de percurso de vida idêntico à generalidade das pessoas. “ (…) É especial (…),
não é uma pessoa normal, que tenha um futuro risonho, que pudesse vir a constituir um
lar, (…) não dá bem para descrever bem a monstruosidade do problema.” (F4)
O facto de a pessoa com deficiência mental necessitar de acompanhamento diário nas suas
tarefas conduz a uma responsabilidade máxima por parte dos pais que dura toda a vida.
“ (…) Nunca somos muito, donos de nós mesmos (…) há toda uma série de coisas que nós
deixamos de fazer não numa perspectiva de os esconder (…) houve um bocadinho de nós
que morreu e sobretudo o futuro (…) é sempre uma pessoa que nos limita em muita coisa”
(…F2)
Esse destino “pesado” que a vida lhes reservou, “ (…) acho que não é bênção para
ninguém (…F2); “(…) é um bocado complicado viver com ele” (F4), é superado pelo
sentimento de amor entre pais e filhos. Apesar do desgaste diário ao nível físico e
emocional que estes pais descrevem nas suas palavras, a pessoa com deficiência mental é
geralmente uma pessoa afectiva. “Uma pessoa com deficiência mental é uma pessoa
especial.” (F3) Os pais descrevem que ao longo da vida foram aprendendo estratégias de
como lidar com as características dos próprios filhos, tentando na medida do possível
exigir-lhes as mesmas regras de comportamento generalizadas na sociedade.
“É um caminho muito difícil mas a gente aprende a viver com isso, o melhor possível e até
a ter momentos de alegria porque são sempre inocentes.” (F3)
“Acho que é uma pessoa, (…) devemos ter tanto ou mais carinho e mais compreensão do
que por uma pessoa que não tenha problemas, não é!” (F1)
“Eu lido com ela como nada fosse (…) às vezes eu é que já não tenho paciência” (…F3)
Contudo podemos concluir que ter um filho portador de deficiência mental é sobretudo
“uma preocupação essencialmente do dia e do amanhã.” (F2)
Todos estes pais contam ainda com o apoio da Associação para cuidar dos seus filhos
adultos e portadores de deficiência intelectual. “Sou só eu, e o … (…) foi a melhor coisa
que me apareceu na vida foi o … e toda esta família (…) sinto muito apoio aqui” (…F1)
Segundo o Regime da Interdição e Inabilitação e da Tutela (Código Civil: artigos 138º e ss,
artigos 1927º e ss e Código de Processo Civil: artigos 944º e ss) em Portugal todos os
cidadãos que atinjam a maioridade, podem garantir a total gestão dos seus próprios bens/
actos, desde que capazes para tal. O processo de interdição e inabilitação aparece como um
instrumento jurídico destinado a impedir essa mesma gestão, tendo em consideração um
determinado grau de incapacidade da pessoa com deficiência para o fazer. Uma vez
decretada a inabilitação, a gestão passará a ser exercida por terceiros, nos termos da
decisão proferida em tribunal. “A … não tem autoridade.” (F1)
Com o objectivo de esclarecer os pais sobre este processo, foi realizada na Associação uma
sessão de esclarecimento, “nós tivemos aqui no … um esclarecimento muito valioso com
um advogado, (…) e ele disse que apesar de eu ser mãe se não tivesse nomeado a tutora,
oficialmente não tinha direito de decidir certas coisas sobre a vida dela” (F3) que teve
como resultado a iniciação do processo de interdição de alguns utentes com o apoio
efectivo da Associação. Destes quatro pais apenas uma família já tinha esse processo
concluído, “o … já está interditado” (F2), os outros pais apesar de se considerarem
responsáveis pelos actos dos seus filhos ainda não concluíram o processo de interdição e
atribuição de um tutor legal para os seus filhos, “ (…) por enquanto sou mãe, ainda não
sou responsável legal” (…F1); “já tenho tudo encaminhado da interdição dela, foi um
bocadinho mais tarde do que devia ser (…), mas de qualquer forma a responsável pela …
sou eu” (F3); “eu nunca entrei com os papéis para ser nomeado um tutor” (…F4)
Todos os pais encontram-se recentemente preocupados com a protecção dos seus filhos
que não conseguem responder pelos seus próprios actos, isto porque, por um lado eles
próprios já começam a apresentar bastante idade e por outro a nomeação de um tutor para
além de ser uma forma de salvaguardar os bens dos seus filhos é também uma forma de
prevenir a ausência dos principais cuidadores, “agora é que comecei a pensar porque a
idade já começa a pesar um bocadinho e de um momento para outro posso ir-me embora e
ela ficar.” (F1)
Demonstram que foi muito difícil enquanto pais assumirem que o próprio filho não tem
capacidades suficientes para gerir a própria vida, mas conseguiram controlar essas
emoções por considerarem que estavam a protegê-lo.
“Indiscutivelmente é um choque (…) mas o perigo que seria o … não estar interditado é de
longe muito maior do que qualquer sentimento pessoal de frustração (…) a falha maior de
todas do …, a mais pronunciada uma ausência completa da noção de quantidades” (…F2)
“Por exemplo a … vai às compras mas não sabe fazer um troco (…) na higiene na roupa,
(…) eu é que tenho que tratar de tudo (…) ela ainda nem sabe, e eu ainda não sei como é
que lhe hei-de dizer, porque ela vai ficar!” (…F1)
“Deveria ser o meu filho mas se ele não estiver cá! (…) tem primas, não sei se um dia se
elas estarão dispostas a vir visitá-la ou a levá-la para casa” (…F1)
“Possivelmente o meu filho mais novo (…) acredito que (…) os irmãos o acompanharão
sempre” (F2)
“Eu pedi à Dona … para ficar responsável pelo … pelo facto do irmão ter muitos
problemas e não ser a pessoa mais indicada”. “nós gostávamos que ela fosse uma
garantia para o futuro dele. (…) Ela e a Associação” (…F4)
“Acho que a ideia do … é criar um grupo de colaboradores que vão ocupar-se só disso
porque eu ainda tenho mais filhos mas há muitos casos aqui que são filhos únicos” (F3)
“Falta-me fazer é no notário, fazer uma declaração de que por minha morte a tutoria dela
fica entregue à Associação (…) acho que a justiça é entregar a parte da minha filha ao …
uma vez que ela esteja aqui e embora o protutor possa sempre ver se as coisas estão bem
geridas porque isso é exigência do tribunal.” (F3)
1.3 – O Envelhecimento
Respostas F1 F2 F3 F4
Problemática recente
Não pensa muito sobre isso
Envelhecimento precoce
Preocupação
Fonte: Entrevistas realizadas aos familiares, 2007
Ver um filho portador de deficiência mental envelhecer é uma situação que se verifica há
poucos anos devido ao aumento da esperança média de vida transposto também a esta
população, promovido pelos avanços médicos e científicos que se têm observado, como
revela a mãe de um dos utentes da Associação, “ (…) eles antes morriam todos antes dos
pais, era muito raro passarem antes dos 20, 21, claro que hoje o meu filho já vai fazer
quase 50” (F2).
Os pais têm-se deparado com esta nova situação verificando que demoram mais tempo a
aparecer os sinais de envelhecimento mas que apesar disso os seus filhos têm envelhecido
precocemente. “Eles demoram muito mais tempo a envelhecer (…) mas também quando
começam caiem um bocadinho mais depressa.” (…F3);“ (…) Isso se aproxima cada vez
mais rápido (…) está a envelhecer precocemente.” (F4); “ (…) É uma preocupação (…)
eles envelhecem muito mais cedo.” (F2)
Os pais demonstram grande preocupação com este novo futuro dos filhos, tão pouco
estudado e aprofundado, é um problema sem solução, nós vamos embora e o que será a
partir daí? (F4), e por isso eles próprios no dia-a-dia deparam-se com pequenas alterações
significativas reveladoras do aumento da idade. “ (…) Faz sempre impressão olhar para os
nossos filhos e pensar neles como velhos” (F2).
Apesar da inquietação surgem sempre palavras optimistas no discurso dos pais, “eu estou
mais do que preparada não é, nós também não melhoramos com a idade e eles muito
menos.” (F3)
Com o passar dos anos os pais consideram que os seus filhos amadureceram e que a
Associação em estudo, tem sido um grande contributo na aquisição e manutenção das
aprendizagens e comportamentos. “Há para melhor (…) ela está mais calma” (F1)
“Ao nível físico, ela de facto tem dificuldades, coitada, nas pernas e também tem má
circulação (…) está muito pesada. Às vezes fala: ‘ai as minhas pernas já é o peso da
idade!’” (…F1).
“ (…) Embora não se note grandes regressões em muitas coisas, há coisas que o … já não
dá a mesma resposta, embora nunca fosse uma resposta brilhante, essa resposta já
começa a apresentar algumas falhas (…) há mais vezes em que se esquece” (…F2)
“Até há poucos anos ela vinha e ia sozinha para o … só que depois ai há uns 5 anos mais
ou menos começou a cair com facilidade, tropeçava (…) noto no andar dela (…) mexia-se
bastante mais (…) rabugenta às vezes, (…) há usa óculos.” (F3)
Outro sinal de envelhecimento apontado pelos pais é a falta de energia, “ (…) ela quer é
estar sossegadinha” (F3), começam a demorar mais tempo a realizar as mesmas tarefas,
sentem as pernas cansadas e por vezes esquecem-se de pequenas coisas. “ (…) Está cada
vez mais lento, pergunta tudo (…) muito confuso, começa a fazer uma coisa e não a
termina (…) é muito instável. (F4)
Este ponto tem que ser analisado, tendo em conta a heterogeneidade das pessoas com
deficiência mental e principalmente, é importante não nos esquecermos, que estas pessoas
atingiram patamares mais baixos de aprendizagem e daí não ser tão notável as percas de
capacidades. Os problemas associados à deficiência que foram identificados, na sua
globalidade são idênticos a qualquer outra pessoa e não específicos das pessoas com
deficiência mental, como por exemplo diabetes e problemas no estômago, “a deterioração
há-de ser mais rápida (…) a diabetes também não ajuda é um factor negativo” (…F2)
“ (…) Ele (…) para além da deficiência mental que tem, carece de outros problemas de
saúde, tais como um problema hemorroidal (…) e problemas no estômago” (…F4)
Respostas F1 F2 F3 F4
O seu envelhecimento
O seu estado de saúde
Vislumbrar a própria morte
Futuro dos filhos
Duplo envelhecimento
Tutor dos filhos
Fonte: Entrevistas realizadas aos familiares, 2007
Relativamente às preocupações dos pais, estas têm surgido ao logo da análise das
categorias apresentadas anteriormente, contudo referem expressamente que se encontram
muito preocupados essencialmente com o futuro dos filhos e com o seu próprio futuro,
receando a velhice, a diminuição de saúde e a morte. “As maiores preocupações seja talvez
a minha velhice (…) por enquanto eu vou resolvendo as coisas, até quando não sei!” (F1)
“ (…) Pessoalmente o que mais me afecta e preocupa é o futuro (…) porque começamos a
perder a saúde, começam a aparecer problemas e no … vão com certeza começar a
aparecer mais cedo e isso é uma preocupação” (F2)
“Preocupa-me um bocadinho com a minha saúde, (…) porque se fosse só por mim eu
morria já hoje (…) não posso falhar por causa dela, não tem mais ninguém para tomar
conta dela” (F3)
“ (…) nós vamos embora e o que será a partir daí? Mesmo a nível da permanência dele
aqui no … o que é que pode acontecer? Eu morro deixa de haver rendimentos (…) as
finanças vão apanhar tudo, como é que é! Vai viver na rua! (…) É eu ir para o outro lado,
e como é que eu vou, e deixo-o cá?” (F4)
Essa preocupação com o futuro revelou-se tão intensa ao ponto de existirem pais que
“estavam num pessimismo uma coisa, ai queriam que os filhos morressem à frente deles!”
(F3). Os pais entrevistados abordam esta ideia contudo não partilham da mesma vontade.
“ (…) mas não penso nada assim.” (F3)
“ (…) Mas dizer que me preocupa muito o que será a vida dele não me preocupa (…)
resolvi pensar sobre isso e conclui que não tenho o direito sequer de sentir angústia.” (F2)
“Tenho uma grande confiança no … e nas pessoas que cá estão (…) sinceramente neste
momento não tenho grande preocupação.” (F3)
Os pais apresentam essencialmente sinais de cansaço e uma saúde um pouco frágil devido
ao avançar da idade. “Tenho três hérnias discais” (F1); “ (…) vou dizer a verdade eu
muitos dias com ela sempre ao pé de mim também não fico muito bem, começo a fazer a
minha vida normal com dificuldades, fico com a minha saúde mental afectada!” (F3)
Neste sentido referem que sentem necessidades de apoio ao nível dos cuidados pessoais
diários quer para o seu filho quer para eles mesmos, porque se eles estão a envelhecer e
consequentemente a perder capacidades em breve irão deixar de conseguir cuidar
permanentemente dos seus filhos que por sua vez também começam a necessitar de
cuidados mais alargados. Assim mantém o apoio máximo aos filhos enquanto conseguirem
com o objectivo de reservarem o lugar do filho na Associação quando falecerem.
“ (…) Às vezes é muito difícil estar sempre a vir buscá-la e trazê-la porque ainda é longe,
mas temos que fazer um bocadinho de sacrifício porque não quero perder o lugar dela
aqui no … para quando eu falecer ela ter quem lhe dê apoio” (F3)
“As minhas necessidades, era ter alguém que tomasse conta de mim, do … e da minha
mulher e do filho. (…) porque (…) não temos ninguém” (…F4)
A única família que considera não ter necessidades de apoio, refere que apesar da idade é
bastante saudável e que tem outro tipo de apoios que ajudam nas tarefas diárias “por
enquanto estou bem (…), não tenho grande necessidade de apoios. Tenho uma mulher-a-
dias (...) que é uma ajuda preciosa, tenho saúde, sou bastante saudável” (…F2).
Respostas F1 F2 F3 F4
A Associação
Existência de uma pessoa que cuide do filho
Manutenção dos laços familiares
Lar para pais e filhos
Fonte: Entrevistas realizadas aos familiares, 2007
“Há 40 e tais anos não havia nada absolutamente nada” (F1); “Tanto que eu lutei muito
para arranjar assim uma coisa onde ela pudesse ficar depois de eu partir!” (F3)
Percebe-se que a procura de uma resposta para o futuro, tem sido a busca diária destes pais
desde o momento que perceberam que os seus filhos se tinham tornado adultos e que eles
próprios se encontram a envelhecer. Explicam que essa procura por uma resposta social e
institucional que satisfaça as necessidades actuais e futuras dos seus filhos não foi fácil.
“O futuro é este, é ela ficar aqui! (…) estou mesmo já a tratar de certas coisas para ver se
ela fica cá mesmo.” (F1)
“ (…) Embora não seja o ideal ter os nossos filhos numa instituição a tempo inteiro (…) o
nosso fim será num lar e ele acabará aqui possivelmente. Eu estou convencida que ele
aqui no … será acompanhado e acarinhado que terá aqui tanto quanto é possível fora de
casa uma casa.” (F2)
“O que penso fazer é quando eu falecer ela ficar aqui, e o meu marido antes de falecer já
estava a par. Se não fosse aqui aonde é que ela devia ficar?!” (F3)
“A Associação (…) alguém se responsabilizasse por ele, queria que alguém tomasse conta
dele até aos últimos anos dele, que ele fosse uma pessoa cuidada por alguém e estimado
enquanto fosse vivo.” (F4)
Percebemos desta forma que todos os pais acreditam que a melhor resposta para o futuro
dos filhos, é a instituição que frequentam actualmente. Reafirmam novamente a grande
confiança que depositam na Associação e nos seus colaboradores, crendo que estes já se
Assim, para os pais, o modelo desta instituição apresenta-se como uma resposta ao
envelhecimento dos seus filhos por ser específica e adaptada à realidade da problemática
da deficiência mental à semelhança da resposta social tipo Lar de Idosos existente para a
população em geral. Analisamos pelas suas palavras que não pretendem que os seus filhos
integrem nenhuma resposta tipificada para a problemática do envelhecimento, preferindo
uma resposta destinada à população portadora de deficiência mental mesmo que esta ainda
não tenha sido testada e implementada para as pessoas com deficiência mental que
envelhecem. “Acho que é realmente o melhor para ela, estar aqui com pessoas que são
especializadas, estão preparadas para lidar com eles e que a tratam bem e ela é feliz.”
(F3)
No entanto, admitem que têm começado a introduzir, com alguma prudência, aos seus
filhos este assunto do duplo envelhecimento e sobre qual será o melhor lugar para viverem
quando falecerem, iniciando o processo de adaptação e integração nas residências da
Associação. “Ela já fica cá todos os meses pelo menos uma semana por mês, para
adaptação. (F1);
“E tenho preparado a … devagarinho brincando com humor, sem dramas (…) e digo-lhe,
olha já sabes que quando eu for para o céu, ficas no …, e ela está farta de saber isso que é
a casa dela.” (F3)
Na opinião dos pais, os filhos já têm consciência do que irá acontecer após o falecimento
destes e aceitam com relativa naturalidade essa nova casa.
“Ela tem a noção que um dia vai ficar aqui, tem… mesmo ela às vezes diz: viver com (…)
não antes quero ficar no …. (…) quer dizer quando vem não! Diz sempre não é lá a minha
casa, aqui é que eu tenho o meu quartinho… mas quando está cá está satisfeita.” (F1; F3)
Surge ainda outro tipo de resposta apontada por um dos pais que consideramos inovadora
por identificar-se como resposta para o problema de duplo envelhecimento, pois apresenta
um carácter de resposta dupla, podendo satisfazer as necessidades quer dos pais quer dos
filhos, que destaca a manutenção dos laços de proximidade entre as duas gerações até ao
final da vida dos pais. “O ideal seria um lar onde pudéssemos estar os três” (…F4)
Respostas F1 F2 F3 F4
Adaptação das actividades existentes
Pretendem que o filho se mantenha activo
Não sabe quais as actividades indicadas
Actividades físicas
Actividades de relaxamento
Actividades que mantenham as capacidades dos filhos
Fonte: Entrevistas realizadas aos familiares, 2007
Os pais durante o seu discurso demonstram que estão satisfeitos com as actividades que
são propostas pela Associação, “têm aqui muitas actividades, tem ginástica tem remo (…)
tem artesanato” (…F1), “sei que faz umas coisas manuais” (F4), no entanto ressalvam
que devido ao envelhecimento dos seus filhos existe uma necessidade absoluta de
reformular e reorganizar as actividades propostas pela Associação devido às
transformações físicas que as pessoas possam vir a sofrer, tendo em atenção que vão
começar a surgir diferenças entre as necessidades de actividades dos utentes mais jovens e
dos utentes mais velhos.
“Há coisas que os nossos filhos já não podem fazer dentro de três quatro anos (…)
Teremos que fazer aqui dentro uma adaptação, que eu não sei qual é (…) seguramente
uma evolução que será parcial, porque temos jovens que não podem ser sacrificados pelo
envelhecimento de alguns, mas temos também que perceber que esses mais velhos não
podem continuar a acompanhar as mesmas valências que fazem os mais novos. É uma
necessidade absoluta (…) quereria que eles continuassem a ter actividades mas acho que
essas actividades vão ter que ser estudadas e adaptadas em função da idade que eles têm.
Quais são? Não me peça!” (F2)
A maioria dos pais refere que gostaria que o seu filho se mantivesse activo, mas não
souberam enumerar em concreto quais as actividades que consideram necessárias, Apesar
disso, de acordo com os pais entrevistados, a actividade física é muito importante para a
sustentação do bem-estar psicológico e físico das pessoas com deficiência mental que
envelhecem, de forma a prevenir o envelhecimento precoce. “ (…) Enquanto ela puder
movimentar-se (…) é muito bom para ela porque senão ela acomoda-se” (…F1)
“Espero que continuem sempre a ter um apoio de ginástica de fisioterapia (…) que
continuem com o seu jacuzzi têm lá em cima a sala de relaxe (…) usufruírem mais desse
tipo de apoios para que o seu organismo não se vá deteriorando tão rapidamente” (…F2)
Síntese Conclusiva
Por fim, podemos concluir que os pais gostariam que o seu filho quando envelhecer
usufrua de uma resposta social, que promova a sua qualidade de vida principalmente ao
nível do bem-estar físico, psicológico, emocional e social.
“Porque eu julgo horrível o sistema dos lares em que as pessoas estão em muitos deles
(…) à espera que o dia chegue (…) queria que eles tivessem alguma qualidade de vida e
não se sentissem uns trapos uns monos que estão ali à espera que acabe o dia.” (F2)
Uma resposta que tenha uma equipa de profissionais atenta às mudanças e necessidades
dos seus utentes, com actividades adequadas às características individuais de cada pessoa
com deficiência mental.
Pelo facto de conhecerem a Associação em estudo, todos os pais acreditam que esta
instituição, é essa resposta que eles tanto procuraram para suprir o anseio e o medo da
morte e do envelhecimento e principalmente o desconhecimento de um futuro ainda
incerto. “Tem cá quem a vá avaliando enquanto ela puder” (…F1)
Assim, expõem nas suas palavras a extrema confiança que depositam na Associação e em
toda a sua equipa de profissionais. “Penso que o … (…) está desde já a estruturar (acho
eu) a resposta para os nossos filhos mais velhos” (…F2).
Neste sentido, percepcionamos, que os pais ambicionam para o envelhecimento dos seus
filhos um modelo de resposta formal, como a associação que frequentam actualmente.
Neste sentido, procedemos a uma breve caracterização dos mesmos, para em seguida nos
debruçarmos sobre a descrição dos dados obtidos.
Profissional 3 (P3): Auxiliar de Acção Educativa, tem 55 anos, possui o 8.º ano de
escolaridade, é responsável por uma Sala de Actividades Ocupacionais dirigida a pessoas
portadoras de deficiência mental moderada e trabalha com pessoas portadoras de
deficiência mental há 18 anos, na Associação.
Profissional 4 (P4): Ajudante de Lar, tem 42 anos, possui o 9.º ano de escolaridade,
representa o Departamento Residencial da Associação e trabalha com pessoas portadoras
de deficiência mental há 3 anos, na Associação.
Motivações para trabalhar 2.ª escolha profissional; desemprego / oportunidade de emprego; gosto pela
com pessoas portadoras de reabilitação; área atractiva; aprofundar os conhecimentos na área da deficiência
DM
Constrangimentos ao vir Desconhecimento da DM; falta de experiência; 1.º impacto: medos / receios; não
trabalhar para a Associação houve grandes constrangimentos
- O papel da Assistente Interligação da Associação com o exterior; apoio ao utente e seus familiares;
Social coordenadora das Residências; participa em projectos Europeus
Avaliação do trabalho que Gostam do trabalho que realizam; corresponde às necessidades dos utentes;
desenvolvem na Associação sentem-se apoiados pela direcção
Valores Éticos dos Respeito pela diferença; respeito pelos direitos e deveres; igualdade de tratamento;
profissionais dignidade humana; respeito pelos utentes
Ética
e os Profissionais Respeito e honestidade para com os utentes e colegas de trabalho; igualdade de
Valores Éticos da Assistente
Social tratamento
Potencialidades:
Fragilidades:
Pessoa válida
Pessoa com limitações
Conhecedora dos seus
Tem um défice no funcionamento
direitos e deveres
Deficiência da inteligência
Definição de Pessoa Sensível
Mental Maior dificuldade de adaptação ao
portadora de DM Carinhoso / afectuoso
meio
(DM) Amigo
Maior dependência
Verdadeiro
Precisa de apoio mais personalizado
Trabalhador
Podem ter vários níveis de
Responsável
deficiência
2.2 - A Associação
A Associação foi fundada por um grupo de pais que se encontravam preocupados com o
futuro dos seus filhos e de acordo com os profissionais de serviço social e psicologia o
grande objectivo geral desde o seu início é o apoio e a integração da pessoa com
deficiência mental jovem e adulta. “O grande objectivo dos pais foi criar uma Instituição
que desse apoio aos seus filhos.” (P1); “a Associação tem como objectivo geral o apoio e
a integração da pessoa com deficiência mental jovem e adulta” (P2)
Por outro lado assumem-se também como objectivos específicos da Associação: o apoio
social e psicológico às famílias, a manutenção da responsabilização das famílias pelo seu
familiar, a promoção de sessões de aconselhamento às famílias sobre o processo de
inabilitação e tutoria, com o grande objectivo de dar aos pais poder de decisão sobre a vida
dos seus filhos e principalmente promover e incentivar a não institucionalização destas
pessoas.
Trabalhar com pessoas e para pessoas nem sempre é uma tarefa fácil. As características
individuais da pessoa portadora de deficiência mental exigem de qualquer profissional
atenção e compreensão e principalmente respeito pela diferença através de uma postura
ética assente nos direitos humanos e de cidadania.
Apesar da sinceridade dos profissionais ao revelarem que trabalhavam noutra área e que a
principal motivação foi a aquisição de um emprego novo, sendo que estavam
desempregados ou queriam mudar de emprego, todos na sua globalidade revelaram que já
conheciam a Associação e o trabalho que desenvolvia, sendo este um elemento facilitador
de integração. “Já conhecia a Instituição” (P1); “conhecia, num contacto esporádico com
pessoas com deficiência mental” (P2); “eu vinha cá muitas vezes às galas, e portanto já
tinha assim um certo contacto com os utentes.” (P4)
O trabalho diário com pessoas portadoras de deficiência mental pode acarretar um grande
desgaste emocional, contudo devido ao facto de geralmente serem pessoas muito
afectuosas rapidamente conquistaram estes profissionais, fazendo desta 2.ª escolha uma
escolha para a vida inteira. Sendo este outro factor importante para adaptação destes
profissionais.
“ (…) Primeiro vim porque não tinha emprego mas depois gostei, comecei a interessar-me
por tudo o que diz respeito a estas pessoas e a viver cada vez mais esta realidade.” (P3)
Respostas P1 P2 P3 P4
Desconhecimento da DM
Falta de experiência
1.º impacto: medos / receios
Não houve grandes constrangimentos
Não respondeu
Fonte: Entrevistas realizadas aos profissionais da Associação, 2007
“Eu no meu tempo, não havia pessoas com deficiência, ou eu não me apercebia delas mas
o facto é que eu não estava nem eu nem a generalidade das pessoas estava habituada a
contactar com pessoas com deficiência (…) Eu sou sincera o primeiro impacto tive-o! Foi
mau, foi os medos os receios mas isto tudo passa depois é uma questão de hábito.” (P1)
Quando perguntámos aos profissionais quais foram as mais-valias na sua vida por terem
vindo trabalhar para a Associação, surgiram de imediato os elogios à própria Instituição, a
forma como se organiza, como tem melhorado as suas infra-estruturas, como dinamiza as
actividades para os seus utentes, a qualidade da equipa técnica. “A instituição em si, acho
que essa é a maior potencialidade” (P1)
“Tem óptimas instalações (…) é uma instituição muito bem organizada (…) tem uma
grande qualidade a nível de competências técnicas.” (P2)
Não podemos analisar este ponto sem nos debruçarmos sobre algumas circunstâncias como
o facto de dois destes profissionais trabalharem na Associação desde a sua abertura e
portanto têm sido também um pouco imagem do trabalho que ali se desenvolve. Por outro
lado os outros dois profissionais antes de irem trabalhar para a Associação mantinham uma
ligação familiar de forma directa ou indirecta com alguém ligado ao Associação. Podendo
assim parecer que as observações apresentadas foram condicionadas por estas
circunstâncias, a verdade é que durante a observação participante pudemos observar que
estes profissionais sentem a Associação como uma obra que também lhes pertence
parecendo uma “grande família”, tornando-se um local de trabalho de eleição para estes
profissionais principalmente pelas características dos utentes e da própria instituição. “se
hoje houvesse oportunidade de ir trabalhar com outra problemática eu por minha vontade
não escolhia outra ficava na deficiência” (P1)
“Criam-se amizades a sério entre eles e entre nós e nós (…) ninguém consegue, pelo
menos eu não consigo dissociar a minha vida em relação a esta população.” (P3)
A Ajudante de Lar está afecta a todo o trabalho existente nas residências da Associação,
sendo que é responsável pelo bem-estar dos utentes quando estão na residência. As suas
funções reportam-se à satisfação das necessidades básicas dos utentes nomeadamente ao
tratamento da alimentação e higiene.
Por outro lado também mantém um papel activo junto dos utentes no seu apoio directo,
para que eles adquiram comportamentos sociais adequados e uma maior integração e
adaptação ao meio, realizando para isso acções pontuais que facilitem a inserção dos
utentes no seu ambiente familiar e institucional.
“Já estudei faz tanto tempo! (…) estou tão absorvida que às vezes falta-me tempo para
poder fazer outro tipo de trabalho. (…) Eu trabalho no directo, numa equipa
pluridisciplinar com o utente com a família e com a comunidade”. (P1)
Partindo do discurso da Assistente Social percebemos que as suas acções têm por base uma
perspectiva sistémica, em que não vê o utente como uma pessoa individual mas sim como
alguém no centro de um sistema, sistema esse familiar a instituição e a comunidade em que
está inserido.
Neste jogo de poderes, como explica Vicente Paula Faleiros (1991: 42) o Assistente Social
deverá ser capaz “de ordenar os recursos, elaborar meios eficazes, alcançar os objectivos
propostos pelas instituições” sem nunca esquecer dos objectivos também a atingir com os
usuários. Constatamos que a Assistente Social entrevistada, conhece nitidamente quais os
objectivos do Serviço Social, pois apesar de não enunciar claramente os objectivos
referentes à sua profissão, coloca em prática os conhecimentos teóricos aprendidos na
formação apesar de não apresentar uma consciência de que os pratica, traduzindo-se essa
expressão na sua dificuldade em responder quais os objectivos de intervenção e qual o
quadro teórico em que baseia a sua acção. Contudo, pratica uma actividade de mediação
interpessoal entre os vários elementos envolvidos no processo de envelhecimento da
pessoa portadora de deficiência mental, trabalhando para além do ajustamento desta
população ao seu meio mas também, procura intervir numa mudança social dotando as
pessoas de “empowerment” no sentido de as dotar de competências e habilidades sociais
indispensáveis para a sua autonomia. Por outro lado, acompanha a sua prática profissional
de valores sólidos na área dos Direitos Humanos que funcionam como orientação das suas
acções.
Neste sentido, acreditamos que o profissional de Serviço Social pode ter um papel
preponderante no desenho de novas respostas para o envelhecimento da pessoa portadora
de deficiência mental.
“Faço uma avaliação positiva, porque penso que fiz tudo o que estava ao meu alcance,
tenho vivido experiências que nunca pensei vir a viver, mas também tenho tido sempre o
acompanhamento dos meus chefes de toda a direcção” (P3)
“Acho que é um trabalho bom, pelo menos eu tenho dado o meu melhor e a minha entrega
em relação aos utentes” (P4).
Por fim a Auxiliar de Acção Educativa explana a sua satisfação referindo que “estes 17
anos tornaram-me mais mulher, um ser humano mais elevado, mais alto e vejo o resultado
e sinto-me feliz!” (P3)
Entende-se por ética, o estudo da moral (normas de comportamento que as pessoas seguem
como referência do que é correcto ou incorrecto, bom ou mal). O termo de ética pode usar-
se de maneira equivalente a “moral”, para referir-se a regras/normas de conduta no que
concerne ao que é correcto/incorrecto e bom/mau, (Banks, 1997).
As questões sobre ética e valores profissionais apenas foram questionados aos profissionais
de Serviço Social e Psicologia, contudo podemos perceber que os direitos das pessoas
portadoras de deficiência estão presentes no quotidiano dos trabalhadores da Associação.
Por essa razão, vamos apenas debruçar-nos numa análise global destes valores presentes no
discurso do profissional de psicologia e iremos proceder a uma análise mais aprofundada
dos valores éticos da profissional de Serviço Social, tendo em atenção a importância do
papel do Assistente Social na concepção e desenvolvimento de respostas sociais
promotoras de bem-estar no processo de envelhecimento das pessoas portadoras de
deficiência mental.
Os valores éticos dos profissionais questionados, estão presentes durante todo o seu
discurso, sem excepção de nenhum deles. Mantém uma postura de respeito pela diferença,
demonstrando que estão diariamente atentos às vontades e decisões dos utentes, tendo
sempre como meta de trabalho a melhoria das condições de vida da pessoa portadora de
deficiência mental. “Temos que ter em atenção a auto determinação de cada um deles o
direito de poder escolher e se eles não se sentirem capazes de fazer ginástica naturalmente
que deve ser respeitado.” (P2)
Este facto pode ter a ver com a existência de um código de ética criado pela Associação
que tem como objectivo orientar as acções dos profissionais. “Nós próprios aqui no …
temos um código ético e nesse código também temos identificado os valores que devem
nortear as acções dos profissionais do ….” (P2)
“Temos um código de ética que vai pelo respeito pelos direitos e deveres e a partir daí
criámos um manual de utilização de CAO, e moradias.” (P1)
O Psicólogo, considera que enquanto profissional que trabalha com pessoas portadoras de
deficiência, deve estar consciente dos seguintes valores: igualdade de tratamento;
dignidade humana, respeito pelos utentes bem como pelos direitos e deveres destas
pessoas. Apontando que estes são os principais princípios éticos essenciais no
desenvolvimento de actividades com um maior rigor ético possível.
“O Serviço Social tem sido, desde a sua criação, uma actividade de defesa dos Direitos
Humanos” (ONU, 1999). Podemos perceber pelo discurso da Assistente Social que a
defesa pelos direitos humanos, também tem sido a sua preocupação, baseando o seu
exercício profissional no respeito e honestidade para com os utentes e colegas de trabalho,
mantendo um papel activo na mudança de comportamentos destes profissionais com base
na defesa pelos Direitos Humanos das pessoas que usam os serviços da Associação.
“É o respeito pelas pessoas com quem trabalho. Honestidade, sou sincera com as pessoas
(…) respeito as funções das pessoas (…) exijo que me respeitem a mim. Em relação aos
utentes, tenho muito carinho por eles e respeito-os nas suas exigências (…) junto da
equipa exijo que exista esse respeito.” (P1)
A Assistente Social, confessou que se tem debatido pelo cumprimento desses princípios
éticos por parte de todos os profissionais, que tem sido uma grande luta mas que já vai
havendo resultados positivos. “Tem sido uma luta que temos levado a cabo há alguns
anos, que é fazer com que a generalidade dos trabalhadores os respeitem.” (P1)
“Estou sempre muito atenta a este aspecto e se nós os tratarmos com o devido respeito
(…) e com carinho (…) não devemos deixar que esta situação passe estes limites, porque
elas aqui têm o trabalhos delas com estes utentes e não devem estreitar muito as ligações,
não deixar que deixe de ser profissional, porque depois começa-se a confundir tudo (…)
exijo que elas os tratem com igualdade. Exijo que elas respeitem os “miúdos”. (P1)
“Nós (…) temos que lhes prestar um serviço com uma maior qualidade, temos que fazer
avaliações do serviço para melhorarmos as nossas respostas de outra maneira não vamos
conseguir fazer melhoramentos e modificações.” (P1)
Por outro lado, estes profissionais no seu discurso passaram a barreira da definição
preconcebida para esta população e explicaram que cada pessoa é uma pessoa diferente
com características distintas e necessidades individuais, ressalvando também as
potencialidades desta população. Assim, apontaram outras características, descrevendo que
são habitualmente pessoas sensíveis, carinhosas, amigas e verdadeiras, sendo por isso
gratificante trabalhar com esta população. “Acho uma população bastante calorosa,
bastante afectuosa” (P2); “são pessoas sensíveis, amigos, muito verdadeiros, são
extremamente verdadeiros (…) não são hipócritas.” (P3)
“Eles sabem que têm deveres e direitos, sabem perfeitamente que têm o dever de ser e
trabalhar para o futuro e programar e fazer o seu projecto de vida e pensar e exigir que
sejam dadas todas as condições (…) são trabalhadores, são responsáveis” (…P3)
Actualmente a pessoa mais velha da instituição tem 54 anos, o que não pode ser
considerada idosa se nos regermos pelas definições impostas pela sociedade no geral. “Os
mais velhos que eu tenho aqui têm 54, 55 anos não são assim propriamente idosas não é!”
(P1) “tenho na minha sala a mulher mais velha da instituição com 53 anos” (P3), contudo
segundo a pesquisa bibliográfica referenciada no Capitulo 1, ponto 3, “na maioria das
pessoas com deficiência mental, parece que os 45 anos marcam um período no
desenvolvimento da vida em que se manifesta a diminuição de algumas reservas físicas e o
aparecimento do ajuste psicológico à velhice (…) os estudos indicam que, em muitos
“Eu noto já algumas diferenças (…) porque eles vão perdendo certas capacidades (…) ou
seja a autonomia, (…) todas as coisas que eles aprenderam e que até tinham uma certa
potencialidade para fazer, com a idade vão desaprendendo” (…P4)
“Nós vamos notando que todas as aprendizagens que eles fizeram (…) já se nota que
chegaram ali e quase que estagnaram (…) pronto já faz as coisas mais devagar.” (P3)
Por outro lado nota-se também a perca de algumas capacidades intelectuais adquiridas, tais
como a capacidade de leitura e escrita, “estão a perder a capacidade da leitura, estão a
perder a capacidade da escrita, aqueles que adquiriram.” (P1)
Estes sinais de envelhecimento são transpostos pelos profissionais na voz dos utentes
quando fazem referência que os utentes já falam sobre as suas dificuldades inerentes da
idade, “a da minha sala diz: ‘ai já estou velha e cansada’, outra que diz: ‘já estou cansada
estou a precisar de ir para a reforma.” (P3)
Por outro lado referem também que a idade avançada trouxe a estes utentes a sabedoria
tantas vezes associada aos idosos, isto é, estão mais maduros e conhecedores das regras da
instituição.
“O factor idade permite-lhes ter uma maior experiência a todos os níveis (…) procuram
dar conselhos (…) e isso até nos ajuda.” (P2)
“ (…) Têm muito mais experiência a tudo, (…) como é que isto funciona, já têm a noção
da avaliação, já sabem às vezes controlar-se mais.” (P4)
“A mim parece-me que em termos de evolução de uma pessoa dita normal e de uma
pessoa com deficiência mental o processo de envelhecimento parece-me ser bastante
similar exceptuando casos como o Syndrome de Down, o Syndrome de Ruben Stain ou o
Syndrome de Williams.” (P2)
“ (…) Eles têm um conjunto de actividades que uma pessoa dita normal não tinha, esta
instituição possibilita-lhes uma mais fácil preparação do futuro e do envelhecimento” (P2)
Respostas P1 P2 P3 P4
Acompanhamento personalizado
Similares a qualquer outra pessoa
Estimulação a vários níveis
Integração social
Preparação para o futuro
Descansar
Apoio para os pais
Fonte: Entrevistas realizadas aos profissionais da Associação, 2007
Os profissionais acham que as necessidades dos utentes mais velhos são similares às
necessidades de qualquer pessoa que inicie esta nova fase da vida, tendo em atenção todas
as transformações inerentes ao envelhecimento como as mudanças físicas, a reforma a
diminuição de capacidades de locomoção e autonomia entre outras. “ São muito similares
a uma pessoa dita normal” (P2); “as necessidades que qualquer pessoa tem quando deixa
de trabalhar e que deixa de fazer as coisas que fazia.” (P3)
Assim consideram que as principais necessidades das pessoas com deficiência mental em
processo de envelhecimento são acima de tudo o acompanhamento personalizado por parte
dos profissionais, estimulação física, sensorial e intelectual, apoio na preparação para as
48
Ver diário de campo de 22 de Maio de 2007, p.231
mudanças do futuro, tais como um novo tutor, uma nova casa etc. e a promoção da
integração social destas pessoas.
“Teremos que trabalhar acima de tudo o máximo a estimulação a todos os níveis, (…)
integração social e prepará-los para um futuro enquanto pessoas mais envelhecidas na
questão da tutoria e depois uma preocupação essencial ao nível do bem-estar físico.” (P2)
“Apoio a todos os níveis, igual ao que os ditos normais vão precisar quando chegam à
velhice, isto pode ter a certeza!” (P3).
Emerge uma necessidade que claramente não pode ser comparada com a realidade da
população em geral. Pelo facto da pessoa portadora de deficiência mental não possuir
condições para cuidar de si na totalidade, dificilmente vai conseguir dar resposta às
necessidades dos pais que também estão envelhecidos. Verificando-se a existência de duas
gerações envelhecidas, surge a necessidade de acompanhamento para ambos, tendo em
conta que todos os utentes questionados neste estudo vivem com os seus pais e que estes já
têm entre 70-80 anos.
“Aqueles que já têm pais que têm quase 80 anos já estamos quase a falar duma 3.ª e 4.ª
idade em que ambos necessitam de ser acompanhados pelos técnicos (…) nalguns casos já
estamos a colocar monitoras a acompanhar os utentes aos médicos a fazerem exames
clínicos para apoiarem as famílias” (…P1)
“Na maior parte deles daqui a uns anos não têm família, tirando aqueles que têm irmãos e
que muitas vezes os irmãos não são as pessoas que mais os acompanham.” (P4)
Respostas P1 P2 P3 P4
Sentem-se satisfeitos por estarem na Associação
Sentem que a Associação é a casa deles
Estão satisfeitos com as actividades da Associação
Sentem-se bem
Não se sentem velhos
São felizes
Não se preocupam com o envelhecimento
Gostam de estar na moradia
No que diz respeito ao tema em causa, os profissionais consideram que os utentes não se
sentem velhos, ainda não se preocupam com os problemas do envelhecimento, sentindo-se
por isso felizes. Referem também que eles não têm a noção do que é ser velho neste país.
“Eles ainda não se sentem velhos (…) ainda vivem tão felizes que ainda não se preocupam
com isso.” (P3)
Os principais problemas dos pais, referidos pelos profissionais, são essencialmente o seu
próprio envelhecimento e as consequências que daí advêm, “ (…) é uma angústia para a
grande maioria dos pais pensarem que eles vão e ficam cá os filhos.” (P1)
“Cada vez mais os utentes ficam cá, (…) os pais cada vez mais precisam de ter um
bocadinho de descanso, porque já são muitos anos.” (P4)
“Nós temos por exemplo uma mãe que pelo facto de já ter 80 anos, problemas de coração
e mesmo as condições sócio económicas não são as desejáveis nós já estamos a dar
resposta ao filho quase a tempo inteiro” (…P2)
“A instituição tem trabalhado nesse sentido há muito tempo, temos feito sensibilização às
famílias, temos orientado as famílias muito no processo de interdição.” (P1)
No Capítulo I ponto 2.6, sobre o processo de inabilitação e interdição das pessoas com
deficiência, percebemos que “a interdição consiste na coarctação do exercício de direitos
de determinadas pessoas que demonstrem incapacidade para poder governar a sua pessoa
e os seus bens” (Código Civil: artigos 138º e ss, artigos 1927º e ss e Código de Processo
Civil: artigos 944º e ss), “é retirar a capacidade que qualquer pessoa tem como cidadão a
partir dos 18 anos.” (P1)
A Assistente Social explica-nos que este apoio revela-se extremamente importante nas
escolhas para o futuro das pessoas portadoras de deficiência mental no sentido de
consciencializar os pais para os perigos que estas pessoas podem enfrentar se não tiverem
quem responda por elas. Este processo deve ser solicitado pelos pais, cônjuge ou outro
parente sucessível aquando a inexistência dos anteriores familiares, a partir da idade adulta
da pessoa com deficiência e tem como principal objectivo, salvaguardar os direitos e bens
das pessoas com deficiência mental.
“ (…) Eles não têm capacidade para ter o seu cuidado pessoal, gerir os seus dinheiros,
gerir os seus bens, (…) e por isso têm que ter alguém a representá-los (…) salvaguarda
também os bens que lhe pertencem” (…P1)
Estes profissionais consideram que é importante que sejam os pais a escolher o tutor do seu
filho, “estamos a orientar os pais para o processo de tutoria para eles em vida poderem
escolher o tutor do seu filho” (P1) que eles aconselham que seja sempre um familiar
próximo e de preferência jovem para poder continuar a dar apoio à pessoa. “(…)
Percebermos se há ou não há a resposta em termos dos tutores no âmbito familiar” (P2);
“aconselhamos sempre que sejam pessoas mais novas para poderem continuar o apoio
aquela pessoa.” (P1)
Procuram ser cuidadosos nesse aconselhamento com o intuito dos pais escolherem a pessoa
mais indicada, pensando no bem-estar emocional e integração social desta pessoa, “deve
ser feito com muita consciência do que se está a fazer.” (P1)
“Procurar (…) em termos dos tutores (…) responsabilidades (…) de lhes prestar o maior
nível de afecto possível e nível de integração possível” (P2)
Concluem que no caso de não existir nenhum familiar que possa assegurar o compromisso
de ser tutor da pessoa com deficiência, o desejável é que não seja a Instituição a Tutora,
mas sim tentar-se encontrar alguém independente e externo à instituição, como por
exemplo tutores voluntários, para que avaliação dos serviços seja sempre a mais justa
possível.
Partindo da auscultação às famílias sobre a satisfação dos serviços que a Associação presta
aos seus filhos, os profissionais de Serviço Social e Psicologia sentem-se confiantes ao
afirmarem que os pais fazem uma avaliação positiva dos diferentes serviços que a
instituição presta aos seus filhos. Novamente a Instituição revela preocupação em manter
serviços de qualidade que respondam às necessidades dos utentes e dos seus familiares.
“Temos pedido às famílias que façam uma avaliação dos diversos serviços que nós
prestamos aqui aos seus filhos e tem sido uma avaliação sempre positiva” (P1; P2).
Respostas P1 P2 P3 P4
Lar para as famílias
Lugar onde sejam satisfeitas as necessidades básicas
Resposta residencial
Resposta promotora de bem-estar e qualidade de vida
Não internato
Resposta com apoio médico e de enfermagem
Resposta sem barreiras arquitectónicas
Nova valência com pessoas de diferentes idades
Resposta tipo lar para pessoas idosas
Resposta promotora de laços familiares
Fonte: Entrevistas realizadas aos profissionais da Associação, 2007
Todos os profissionais deixaram transparecer nas suas palavras que este tema é assunto em
debate nas reuniões da equipa técnica, sendo o envelhecimento dos seus utentes também
uma grande preocupação para a instituição, pela inexistência de respostas. “ (…) Ou a
instituição ou o Estado tem que criar (…) para as pessoas de idade com deficiência, que
não há, nós aqui também não temos” (…P3)
Devido ao envelhecimento dos pais e dos filhos a Associação não mantém um olhar
reducionista sobre esta problemática e na voz dos profissionais percebemos que há uma
grande preocupação em satisfazer as necessidades dos pais dos utentes. Assim, configura-
se como necessária uma resposta que abarque necessidades distintas dos pais e dos filhos.
Nesse sentido os profissionais perspectivam que a solução de futuro irá passar por uma
(A) - Resposta residencial diferenciada da resposta dos pais, “Isto com um objectivo de
não fazermos uma separação entre os nossos utentes e as famílias (…) quando eles
necessitarem (…) serem integrados na mesma instituição e conviverem também, cada um
no seu sector (…) dar atendimento aos pais num lar, e os filhos têm que ter outro
atendimento com outras funcionárias e juntá-los em espaços comuns para estarem mais
próximos” (P1)
(B) - O utente mantém-se no seio da família (tutor), vem passar o dia à instituição e
resposta tipo Lar para os pais, “gostaríamos de manter uma filosofia de não internato na
instituição (…) sobre o nosso ponto de vista é fundamental que haja o afecto familiar (…)
se traduz ao nível do bem-estar emocional (…) outra preocupação são os pais destas
pessoas (…) para isso estamos a pensar fazer aqui um lar (…) no sentido de termos como
prioridade os próprios pais para que eles estejam mais próximos possíveis e que não haja
uma perda de laços.” (P2)
(C) - Nova valência com pessoas de diferentes idades e actividades adaptadas, “se
calhar Lar não seria nome indicado, mas sim uma nova valência (…) durante o dia
enquanto poderem, junto com os mais jovens e não estivessem segregados (…) mas com
actividades dentro das possibilidades de cada um” (P3)
(D) - Resposta tipo Lar 3.ª Idade, tipificada para pessoas portadoras de deficiência
envelhecidas, “a melhor resposta era fazer género de uma divisão tipo lar (…) porque já
todos tinham as mesmas actividades, dentro das capacidades deles, porque eram todos
mais ou menos da mesma idade” (…P4)
Ressalta novamente a ideia de que a pessoa portadora de deficiência mental não é muito
exigente, necessitando apenas de um lugar onde o tratem com respeito e dignidade e onde
lhe sejam satisfeitas as suas necessidades básicas. “Desde que sejam satisfeitas as
necessidades básicas deles e dos seus interesses eles vivem felizes, eles não são muito
exigentes.” (P1)
“Reforçar os cuidados de enfermagem (…), porque (…) já identificámos como sendo algo
importante e a rever são as questões do apoio médico e de enfermagem (…) temos que
rever as nossas condições em termos das acessibilidades.” (P2)
Concluímos assim que a maioria dos profissionais não gostaria que a Associação se torna-
se um Lar de 3.ª idade, pelas suas características segregadoras e pela ideia estereotipada em
que a pessoa permanece lá inactiva à espera que o tempo passe. “Não vamos fazer igual
aos lares da 3.ª idade” (…P3)
“Nós até já temos uma família que está a ser acompanhada, totalmente, pela instituição,
em que o apartamento foi cedido pela câmara (…) vêem à instituição quando querem e
sempre que podem, fazem a visita ao filho, o filho (…) também vai com a nossa
empregada, à hora do almoço, visitá-los (…) dois em dois dias, de três em três dias. Ele
reside aqui, é um dos utentes que já cá vive, permanentemente (…) quando fechamos a
instituição vêem aqui para dentro da instituição (…) ficam cá com o guarda e ficam mais
apoiadas.” (P1)
Através desta explicação dada pela Assistente Social podemos perceber que, o apoio dado
a esta família poderá necessitar de alguns ajustes. Importa reflectir sobre, a capacidade da
instituição promover o mesmo tipo de resposta, em larga escala. No entanto, já é um
princípio positivo de actuação que pode servir como modelo a reflectir e reformular para
outros pais que venham a necessitar desse apoio, dirigido às duas gerações de pais e filhos.
Este modelo de apoio tenta dar resposta quer às necessidades da pessoa portadora de
deficiência mental, quer à sua família que, por ser carenciada e possuir outros membros do
agregado também com outras problemáticas tenta dar apoio a cada um, de forma separada
e em locais separados, privilegiando a proximidade desses locais de forma a manter uma
relação familiar de proximidade. Aqui observamos, essencialmente, dois tipos de respostas
sociais, nomeadamente o apoio domiciliário e residencial à família e um apoio residencial
à pessoa com deficiência. Assim, concluímos que emerge a necessidade de interligação
entre as várias respostas existentes de forma a responder, também, aos diferentes tipos de
necessidades.
verdade, este é o trabalho deles em que também têm uma gratificação no final do mês”
(P1).
“Eles não vêem para a escola, vêem para o trabalho eles sabem que são adultos
trabalhadores, uns dizem-se electricistas outros dizem-se sei lá (…) eles têm capacidade
de ver que já não são crianças” (P3)
“Iremos procurar acima de tudo manter as actividades que são desenvolvidas por todos
(…) e adaptá-las (…) termos o cuidado obviamente através de indicações médicas, da
própria família, de prepararmos as pessoas um pouco mais envelhecidas (…) no sentido
de melhorar e dar a maior qualidade de vida possível.” (P2)
“ (…) Eu não sei se estas actividades ocupacionais que eles elaboram aqui, em sala, não
se adaptam a uma terceira idade, se calhar até se adaptam! ” (P1)
“Acho que enquanto eles puderem e tiverem capacidades nem que sejam as mínimas,
faziam 50 peças agora fazem 20 ou 10, corriam um ginásio inteiro, correm metade do
ginásio, mas correm, ainda trabalham.” (P3)
Neste sentido, e procurando não fazer uma diferenciação entre os utentes mais jovens e os
mais velhos, o profissional de Psicologia considera que a melhor filosofia será a existência
de pessoas de diferentes idades na mesma sala de actividades com o objectivo de estimular
a partilha de aprendizagens e experiências.
“Uma das filosofias que nós temos e que me parece que iremos manter é procurar que não
haja uma diferenciação de tratamento entre as pessoas com diferentes idades (…) até é
desejável que haja numa mesma sala, pessoas com diferentes faixas etárias no sentido de
que haja uma estimulação mútua e uma aprendizagem contínua.” (P1)
Não obstante, o objectivo dos profissionais é não deixarem os utentes parar nem caírem
num comodismo, “nós iremos procurar o máximo possível não ter pessoas envelhecidas
estagnadas, sentadas à espera que o dia passe (…) porque parar é morrer” (P2);
“enquanto puderem vão sempre trabalhar e nós estamos cá precisamente para não os
deixar parar.” (P3)
“Actividades, no sentido de procurarmos que estejam mais aptas possível ao nível físico,
fazer mais fisioterapia (…) um pouco mais de remo, de natação, jacuzzi, ginástica, no
sentido (…) que o bem-estar físico seja um bem maior possível.” (P2)
Síntese conclusiva
“Eles que são pessoas que não sabem escolher e não sabe exigir, mas nós sabemos o que
lhes pode dar qualidade de vida e a nossa função é essa, contribuir para que estas pessoas
tenham uma qualidade de vida.” (P1)
A primeira proposta surgirá no caso de não existir outro familiar que passe a ser o cuidador
da pessoa com deficiência, sendo por essas razões forçada a institucionalização. Contudo,
propõe-se o desenvolvimento de mecanismos que permitam a manutenção dos laços
familiares, e actividades de ocupação, reabilitação e integração, fomentando o apoio
intergeracional.
A segunda proposta centrada na perspectiva do apoio familiar, quando este existe, na nossa
perspectiva pode vir a ser a “melhor resposta” pois permite ao utente manter o seu estilo de
vida, facilitando a proximidade com os pais, despreocupando-o da tarefa de cuidarem
deles, fomentado deste modo a integração na comunidade e numa resposta social já
existente nessa comunidade. Através de actividades de ocupação, reabilitação e integração,
conjuntas com outros utentes de diferentes idades, perspectiva-se que se desenvolva um
trabalho de inter-ajuda e partilha de experiências. Logicamente que nesta resposta devem
estar também contemplados os apoios médicos geralmente necessários na terceira idade,
bem como uma adequação das actividades propostas às capacidades e necessidades destes
utentes mais velhos.
Pessoa
Familiar
portadora Idade Causa da deficiência Associação Sector
entrevistado
de DM
Utente 1 Familiar 1 49 Encefalite 1990 CAO
Utente 2 Familiar 2 51 Febre asiática durante a gravidez 1990 CAO
Utente 3 Familiar 3 50 Meningite 1990 CAO
Utente 4 Familiar 4 50 Anóxia 1990 CAO
Fonte: Entrevistas realizadas aos utentes da Associação, 2007
49
Vide Apêndice n.º 14 (volume 2) – Análise de conteúdo das entrevistas realizadas às pessoas portadoras de
deficiência mental
Não obstante, conscientes da dificuldade em aprofundar este tema a partir das respostas
dadas pelas pessoas portadoras de deficiência mental, considerámos que por serem os
actores principais do processo que envolve o envelhecimento desta população, seria uma
Assim, introduzimos esta análise com um excerto de uma das entrevistas, que reflecte o
direito à liberdade de escolha e expressão que assiste a todos os seres humanos.
“Eu tenho que falar, tenho que desabafar, tenho que pôr a conversa em dia! Nós os
deficientes temos que nos apresentar tal e qual como nós somos, nós temos que mostrar ao
mundo o que somos e o que é que estamos aqui a fazer neste mundo! Porque muitas
pessoas não nos conhecem porque têm medo de nós, têm medo que a gente sejamos
tímidos e não é assim! Nós temos que dizer tudo o que vai dentro da alma, tudo o que vai
dentro do nosso coração, o que é que está mal e o que é que está certo e o que é que está
errado, a gente tem que dizer que a gente existe! Nós temos que dizer o que é que a gente
está cá a fazer, temos que dizer o que é que a gente faz!” (U1)
Quadro 32 - Sistematização da análise das entrevistas realizadas às pessoas portadoras de deficiência mental
Problemática da
Características pessoais, idade, percurso escolar, família e
Deficiência A minha identidade
problemas de saúde.
Mental
Mudança positiva; entraram na instituição há 14 anos a quando a
Entrada na Associação
sua abertura
Instituição Necessidade de um acompanhamento personalizado; conhecia o
Associação Razão pelo qual estão na Associação
director, a mãe já não consegue tomar conta dela
Avaliação da sua permanência na
Estão satisfeitos por estarem na associação
Associação
3 utentes sabem que estão mais velhos apenas 1 considera que está
Noção da idade
mais novo desde que veio para a instituição
Problemática do
Envelhecimento Definição de envelhecimento Associam o envelhecimento a características físicas
A entrevista aplicada aos utentes, teve início com uma pergunta aberta em que pedimos à
pessoa para falar um pouco sobre ela mesma, que teve como principal objectivo
descontrair a pessoa fazendo-a esquecer que estava numa entrevista e introduzir as
questões sobre a sua identidade pessoal, levando-os a abordar os assuntos considerados por
eles mais importantes e para percebermos como é que a pessoa portadora de deficiência
mental se vê a si própria e como vê a sua família. Devido às características específicas de
cada um dos entrevistados, durante esta análise não podemos descuidar de que cada caso
deve ser analisado de forma individual.
Eu: (…), hoje em vez de falarmos no global vamos falar um bocadinho sobre ti, queres
começar por onde? Utente 1: Evidentemente, então cada caso é um caso! (U1)
“Eu sou uma jóia de pessoa, ai sou sou! (…) Estou quase com 50 anos e já andei em
vários colégios, não é brincadeira nenhuma” (…) Eu fiz a minha 4.ª classe tinha 15 anos
(…)Escovo sempre os dentes antes de deitar e levei a vacina a BCG.” (U1)
“Eu sou o …, sou um rapaz com 49 anos, vou para os 50, sou um rapaz com uma certa,
como é que hei-de dizer, com uma certa vontade de falar com as pessoas, consigo por
exemplo (…) Sou do signo escorpião, nasci em Novembro de 1957 no dia de Todos os
Santos. Tenho dois irmãos, um irmão divorciado e uma irmã casada. O meu irmão tem um
filho e eu sou tio do filho dele, gosto muito dele é muito simpático (…) Eu disse à minha
mãe que eu queria ser tio dele e a minha mãe disse que eu podia ser tio dele. (…) Tenho
diabetes como sabe (…) Foi horrível, nunca pensei vir a ter diabetes nunca pensei nisso,
uma situação que eu não estava à espera que acontecesse.” (U2)
“Eu sou uma menina que tenho 50 anos, vou fazer 51 para a semana (…) Eu quando
estava em Angola, uma vez fui para a escola que era lá ao pé de casa e fui atropelada foi
um tio meu que estava lá a trabalhar e que foi comigo para o hospital, levei pontos aqui
quer ver.
“Eu sou um rapaz, jovem e bom rapaz. Tenho 48 anos, 49” (U4)
Como podemos observar no quadro n.º 33, os utentes um e dois foram mais comunicativos.
Ao pedirmos para se apresentarem, estes foram os temas que sobressaíram do seu discurso.
Neste sentido consideramos que estes são as principais temáticas que envolvem a vida
destes participantes. Assim partindo destes temas introduzidos pelos utentes, elaborámos a
sua caracterização, já realizada anteriormente e aprofundámos estas questões com vista à
exploração das suas vontades relativamente ao seu próprio envelhecimento.
3.3 – A Associação
A vinda destas pessoas para a Associação revelou-se uma mudança positiva nas suas vidas
e na vida dos seus pais, como já aprofundámos anteriormente na análise das entrevistas aos
familiares e na caracterização do percurso escolar destes utentes, na medida em que
durante anos tiveram que mudar constantemente de escola na procura da escola adequada
às suas necessidades.
Todos estes utentes vieram para a Associação, quando já adultos e no momento do início
da sua actividade. Os entrevistados têm a noção que já estão naquela instituição desde essa
data, contudo nem todos conseguem percepcionar há quantos anos estão na Associação.
“Vim quando fiz a minha 4.ª classe, tinha 17 anos”. (U1); “Desde que isto abriu (…) devia
ter para ai uns 20 ou 20 e pouco. Ainda nem existia isto aqui nem nada. Não existia o
ginásio nem isto aqui.” (U2)
A terceira entrevistada revelou que apesar de saber que veio para a Associação quando a
sua abertura, não tem a noção de há quanto tempo lá está, pois na realidade foi para o
Associação há 14 anos e pensa que está lá há apenas 4 anos, como se pode observar no
excerto da entrevista apresentada em seguida.
Eu: lembras-te com quantos anos vieste para o …?
Utente 3: Há, há, foi quando isto abriu, foi quando o … abriu.
Eu: Lembras-te quantos anos é que tinhas?
Utente 3: Era novinha ainda não tinha 50
Eu: Eras novinha?
Utente 3: Era
Eu: Então e quantos anos tens agora?
Utente 3: 50
Eu: Então e há quantos anos é que cá estás? Pensa lá comigo, se ainda não tinhas 50, 50 tens agora…
Utente 3: é, é
Eu: se já vieste há muitos anos atrás, tinhas que ter menos de 50 anos. Então quantos anos tinhas,
assim mais ou menos, pensa lá?
Utente 3: 48 ou 49
Eu: Há então estás cá ai há três anos?
Utente 3: Há 4 anos
Eu: Então, mas o … não abriu há 4 anos! O … abriu há 15 anos mais ou menos.
Utente 3: Eu vim logo, assim que fiz os testes com o Dr…., até eu e a minha mãe fomos a Almada
fazer os testes e depois passei e depois fiquei logo, vim logo quando isto abriu, vim logo.
Eu: Eras nova?
Utente 3: Era
Eu: Já foi há muitos anos?
Utente 3: Foi
Eu: Então não tinhas quase 50, eras mais nova
Utente 3: Era
Eu: Bem me parecia (risos)
Apenas três dos quatro entrevistados explicaram as razões pelas quais se encontram numa
instituição com as características da Associação em estudo. Como podemos observar pelo
quadro 33, todos os utentes acreditam que estão naquela Associação por razões diferentes.
Contudo parece-nos que a utente 1 é a que mais se aproxima das razões reais que explicam
a sua permanência na instituição, sendo que tem a perfeita noção de que ela tem um
problema que não lhe permite gerir a sua própria vida de forma independente, pois
necessita sempre de apoio.
Eu: E porque é que achas que estás no …?
Utente 1: Porque eu não conseguia orientar-me sozinha. Não não conseguia.
Eu: O que é que isso significa?
(…)
Utente 1: Então pois não, nem eu nem ninguém! Nós precisamos de alguém que ajude a gente a
organizar-se. Que o nosso futuro seja se casar ou outra coisa, nós temos que ter alguém que nos oriente
na vida, porque a nossa vida não é brincadeira.
A utente 3, associa o envelhecimento da mãe à sua estadia na Associação, isto porque ela
começou por vir para a instituição apenas durante o dia, e neste momento, já fica toda a
semana na residência, por ter começado a perder autonomia e por forma da instituição
apoiar a sua família que também já se encontra envelhecida. Apesar desta não ter sido a
razão que fez com que a utente 3 fosse para uma instituição com as características desta
Associação, a verdade é que já começa a ser um dos motivos que levam à sua permanência.
Contudo, ela não identifica que está numa instituição devido às suas próprias
características e necessidades mas sim devido às necessidades da sua família.
Eu: E sabes porque é que estás no …? Pensa lá um bocadinho! Eu acho que tu sabes!
Utente 3: Sei!
Eu: Então será porquê?
Utente 3: Porque a minha mãe já está com muita…
Eu: O que é que tem a tua mãe! Já tem muita idade é isso!
Utente 3: Já!
Eu: E mais?
Utente 3: E já não me pode aturar!
O utente 2, desconhece a razão pela qual veio e permanece na Associação, sendo que
acredita que está lá porque conheceu o Director, não explicitando as verdadeiras razões
pelas quais está numa instituição. Por outro lado, associa a Associação ao seu local de
trabalho, revelando que não tem consciência da sua real problemática.
Eu: Sabes porque é que estás no …?
Utente 2: Eu estou cá por uma simples razão, por causa do Dr., eu conheço o Dr. há uma data de anos
Estou cá para aprender coisas novas, para ter um futuro melhor, uma vida melhor, para ter um trabalho
qualquer, se o Dr. me desse essa oportunidade eu até gostava imenso, gostava imenso de ir trabalhar lá
para fora.
Eu: Porque é que achas que nunca foste trabalhar para fora do …?
Utente 2: Porque nunca me chamaram para ir lá para fora trabalhar.
Concluímos assim que, apenas um dos três utentes que manifestaram a razão porque estão
na Associação, conhece a verdadeira razão pela qual permanece no seu dia-a-dia numa
Instituição.
Não obstante, demonstram satisfação por estarem num lugar como aquela Associação,
chegando mesmo a preferir estar lá do que em casa. É importante referir que estes utentes
associam a sua vinda para a Instituição como quem vem para o trabalho todos os dias, e
desse modo quando questionámos se gostam de estar na Associação, a sua resposta refere-
se essencialmente às actividades que ali desenvolvem e aos colegas. “Gosto, gosto não é
uma seca” (U2); “Eu adoro, gosto mais de estar no … do que em casa. Em casa aborrece-
me, não tenho colegas lá nem nada, aborrece-me” (U3); “Eu prefiro estar aqui do que em
casa.” (U4)
utentes se identificassem com uma das etapas da vida reconstituída nas imagens50. Ao
apresentarmos uma imagem com quatro fotos da mesma pessoa nas diferentes fases do seu
desenvolvimento, em que a 1.ª era uma criança e a última já era idosa. Todos os
entrevistados se reviram na 4.ª imagem revelando que já se sentem a envelhecer. Quando
confrontados com esta escolha, explicaram que apesar de ainda não apresentarem todos os
sinais do envelhecimento, tais como rugas ou o uso de bengala, sentem-se mais próximos
desta etapa da vida do que da etapa anterior relativa aos 40-50 anos. Este resultado,
surpreendeu-nos na medida em que todos os utentes encontram-se na fase anterior à
seleccionada.
A maioria dos utentes sabem que todos os anos comemoram um aniversário e por isso
estão mais velhos, apesar de anteriormente na sua globalidade não terem revelado saber há
quantos anos estão na Associação. “Então estou mais velhinha. Então pois estou, faço
anos todos os anos e vou crescendo mais depressa vou ficando mais velhinha” (U1),
“mais velha! (…) olha, porque tenho mais idade”. (U3).
Eu: Já passaram alguns anos! E agora sentes-te mais novo ou mais velho do que quando entras-te
para o …?
Utente 4: Sentia-me mais novo!
Eu: Quando vieste para cá sentias-te mais novo! Significa que agora sentes-te mais velho?
Utente 4: Pois a idade não perdoa? (U4)
50
Vide Apêndice n.º 11 (volume2) – análise da 1ª imagem
realidade física de momento, percebendo que nem sempre possuiu cabelos brancos. Desta
forma, conseguimos que o utente 2 percebesse que está mais velho.
Eu: Então e tu achas que estás mais novo do que quando tinhas 20 anos?
Utente 2: Não sei, talvez, mas ainda não tinha cabelos brancos!
Eu: Então? E os cabelos brancos podem ser reflexo de quê?
Utente 2: Velhice.
Eu: Hum, então se calhar não estás mais novo!
Utente 2: Pois não, estou a ficar um bocadinho mais velho.
“É uma pessoa que já tem muita idade para se mexer porque lhe custa muito a andar (…)
muitos que andam com bengala outros com cadeirinhas de rodas há outros que andam
também com andarilhos e há ai muita gente com esses problemas, eu até já tenho visto
muita gente a cegar por causa disso.” (U2)
Deste modo, são mais visíveis as mudanças físicas do que as mudanças psicológicas,
nomeadamente no aparecimento de cabelos brancos, pequenas rugas e dificuldades em
realizar as tarefas com a mesma rapidez de anteriormente.
A utente 1 refere que se sente cansada da vida agitada e rotineira que leva, revelando que
sente necessidade de ajustar os hábitos e tarefas do dia-a-dia à sua condição actual.
Em função dos problemas apresentados pelos utentes com idades compreendidas entre os
49-50 anos, podemos concluir que pouco diferem dos problemas manifestados por uma
pessoa dita normal, da mesma idade.
Contudo se nos focarmos na realidade da pessoa com deficiência mental, em que o seu
percurso e as transições por que passou são totalmente díspares de qualquer outra pessoa
que não possui uma deficiência, necessitando toda a sua vida de diferentes apoios, estes
problemas adquirem uma dimensão superior na medida em que, se podem tornar mais
intensos, fazendo com que estas pessoas necessitem de respostas adequadas às suas
necessidades independentemente da sua idade. Assim, partindo deste ponto de vista
podemos dizer que os utentes falam de um envelhecimento precoce.
3.5 – Família
O envelhecimento dos seus pais, é um assunto muito delicado, pois ao abordarmos esta
questão, surgem muitas outras relativas às preocupações sobre o seu futuro. Os pais são
para estes adultos o seu grande “porto de abrigo”, são eles que cuidam, alimentam, dão
carinho e responsabilizam-se pelos seus filhos portadores de deficiência mental. São, sem
dúvida as pessoas em quem mais confiam.
Arriscamo-nos a comparar que mantém uma relação de pais em idade activa e filhos
crianças em idade escolar. Pois por muito que esta comparação pareça anti-ética, afinal
estamos a falar de pessoas adultas a entrar numa fase de envelhecimento, a realidade
observada foi essa a ideia que nos transmitiu. A total dependência económica, habitacional
e até de certo modo física dos pais, faz-nos entender esta situação como algo lógico.
Assim, a pessoa portadora de deficiência mental, apesar de no seu discurso revelar que
entende que os seus pais também estão a envelhecer, quando questionados directamente
sobre essa situação, identificam a idade avançada dos pais mas recusam-se a perceber que
os seus pais também se encontram a perder capacidades, isto porque, visualizam que as
cuidadoras, neste caso as mães, ainda mantém as mesmas tarefas em casa e para com eles.
Eu: E as pessoas com quem vives, achas que já estão velhas?
Utente 2: “Estão assim um bocadinho, o meu pai já está, ele agora custa-lhe a andar um bocado, já
tem a ver com a idade (…) não, acho que ela (a mãe) ainda está nova. Ainda faz o jantar o almoço e
essas coisas”.
Utente 3: Não! Ainda está nova! A minha mãe tem 70 e ainda é nova! Faz a comida, faz a cama
dela, lava a loiça passa a ferro, faz tudo em casa.
Para a utente 3, apesar da abordagem inicial sobre o envelhecimento, considera que uma
pessoa só é velha aos 100 anos, logo a sua mãe ainda não é velha.
O utente 4 associa o envelhecimento apenas à idade e por isso considerando que a mãe e o
pai já têm muita idade considera-os um pouco envelhecidos. Apesar de não saber enunciar
o que é que nota de diferente nos pais nos últimos anos, constata que a mãe tem vários
problemas de saúde e tal como os outros utentes considera que a mãe apesar disso não
perdeu capacidades físicas pois realiza as mesmas tarefas em casa.
Eu: E o que é uma pessoa idosa?
Utente 4: Tem muitos anos de vida. Como o meu pai pronto, que vai fazer 79 anos.
Eu: Tu achas que o teu pai já está velho?
Utente 4: Ele não está assim muito velho. (…)
Utente 4: A minha mãe com a idade que ela tem! O que é que se espera!
Eu: Quais são as diferenças que tu tens notado neles há uns anos para cá?
Utente 4: Muita coisa, mas o que é que se há-de fazer, eu nem sei a metade!
Eu: Achas que a tua mãe faz as mesmas tarefas como dantes?
Utente 4: Faz!
Eu: E achas que ela se cansa mais ou menos?
Utente 4: Cansaço, não, nunca vi!
Eu: E ela tem alguma doença?
Utente 4: Hó tem bem poucas!
A morte é um tema difícil de abordar para qualquer pessoa, pois é associada à tristeza e à
dor. Este é por sua vez um destino da vida, nem sempre fácil de assimilar, verificando-se
nas famílias que habitualmente a ideia de preparação do futuro é evitada ou não tem
prioridade face às exigências do dia-a-dia (Dowling & Hollins, 2003 in António, 2003:
187). Geralmente não dizem à pessoa com deficiência mental que alguém morreu, por
vezes uma realidade alternativa é inventada para esconder a verdade da morte. Da mesma
forma, não comparecem, na sua maioria, em funerais, sendo tratados à semelhança das
crianças (Fernandes, 2003: 14). Em consonância com o que estes autores defendem, todos
estes utentes referem já ter vivido uma situação de morte por parte de alguém conhecido.
Contudo apenas dois deles perderam um familiar directo, neste caso o pai. “O meu pai
morreu há quatro anos! Mulher não me fales do meu pai! (…) Vai fazer 5 anos para o ano
que ele vive no cemitério de Benfica!” (U1)
“Quando ele morreu eu estava aqui, eu não soube que ele tinha morrido. Quando o Dr.
me disse que ele tinha morrido eu chorei, chorei, chorei tanto, fartei-me de chorar, era
meu pai e eu fartei-me de chorar. Fiquei com pena de não ir ao funeral dele.” (U3)
Estas utentes, mostraram-se muito impacientes e nervosas ao falarem sobre a morte dos
pais, ambas estavam na Associação no momento e só tiveram conhecimento mais tarde,
não lhes tendo sido dada oportunidade de ir ao funeral. Apesar de demonstrarem tristeza
por não terem participado no funeral, explicam que foi-lhes explicado que a situação podia
não lhes fazer bem devido ao problema que têm e por isso aceitaram que seria melhor para
elas.
Todos os utentes percebem que com o envelhecimento pode vir a morte, e dependendo da
sua situação individual vivenciam essa angustia e temor de forma diferente. No caso destas
duas utentes, actualmente já só têm mãe e o medo de perderem esse “porto de abrigo” já
existe. “E quando os pais fecharem os olhos? Quando os pais deixarem de existir, pois é
essa é que é a minha preocupação, é por isso é que eu não durmo de noite!” (U1)
“Ela outro dia disse-me; eu quero é morrer, quero é morrer. E eu disse a ela: nem pense,
tu nem penses nisso, ainda há-de viver muitos anos cá!” (U3)
Deste modo, confirmam, já pensar sobre a possibilidade dos pais morrerem antes deles,
contudo têm consciência que são mais novos e não querem morrer ao mesmo tempo que os
pais. “Vou para o céu, mas não vou agora!” (U4)
Com o contacto estabelecido com a utente 1 percebemos que as questões relativas ao seu
futuro são uma das suas grandes preocupações. Sempre que se tentou abordar esta temática
a utente ficou muito instável, pois sente que devido aos seus problemas a família não a
deixa tomar o rumo que ela tanto ambiciona. No entanto, partilhou com muita facilidade
que se sente uma mulher adulta e gostava de casar e ter filhos, mesmo tendo consciência
das suas limitações.
“Pois é só que o tempo vai passando (...) E eu quero-me casar! Queria ter um futuro e
aqui não tenho futuro! (…) Eu começo a estar muito cansada desta vida. Sou uma mulher!
Então! Se uma pessoa já está cansada deseja de ir para um sítio mais calmo, mais
tranquilo, não é! Mas eu gostava de falar sobre o futuro. O que é que o futuro nos
reserva?” (U1)
Apesar de já demonstrarem que sentem mudanças na sua vida e na vida da sua família, os
outros utentes expressaram que ainda não pensaram sobre o futuro. “Sei lá o que é que vai
ser daqui a uns anos. Não sei, eu não sei, hó! Dr.ª não sei o que me pode acontecer não
faço ideia não tenho assim ideia nenhuma” (U2); “Não… e o que é que o hei-de fazer?”
(U4)
Este facto advém dos pais na sua maioria não terem abordado o tema do envelhecimento e
as suas consequências com os filhos, de forma espontânea e aberta de forma a permitirem
que estes participem na construção do seu projecto de vida. No decorrer da dinâmica de
grupo os utentes afirmaram que os pais se preocupam com o seu envelhecimento, mas
apenas um utente confirmou que o pai já tinha conversado com ele sobre o seu futuro,
como podemos observar no quadro seguinte.
Psicólogo: Então e acham que os vossos pais se preocupam com o vosso futuro?
Utente 4: Exactamente!
Utente 3: A minha mãe preocupa-se com o meu futuro.
Utente 2: A minha mãe também!
Eu: E como é que ela demonstra essa preocupação? Já falou convosco sobre isso, já teve uma
conversa convosco a explicar que irá envelhecer e se já tem previsto o que irá acontecer com
vocês? Ou nunca falaram sobre este tema do envelhecimento ou já?
Utente 3: Ela não nunca falou.
Psicólogo: E o pai do Sr….? O Sr. …, já falou?
Utente 4: Já.
Psicólogo: E o que é que disse?
Utente 4: Que qualquer dia ele ia para o Céu.
Psicólogo: E a …, a Dona … nunca falou contigo sobre o tema do envelhecimento?
Utente 1: (abanou a cabeça indicando que não)
Psicólogo: Não nunca disse nada.
Eu: E o …?
Utente 2: A minha mãe também nunca me falou nisso.
Psicólogo: Mas vocês acham que eles se preocupam?
Utente 1: Eles preocupam-se porque nos amam. Não há maior amor no mundo que o amor de
pai e de mãe.
Olhar para o dia de amanhã, implica pensarem o que pretendem para o próprio futuro.
Durante toda a vida estes utentes foram apoiados por terceiros, como a família e a
Associação, no percurso da sua vida. Ou seja, devido à problemática da deficiência mental,
nunca possuíram autonomia nem independência na tomada de decisões.
Não obstante, lhes ter sido transmitido pela Associação, que são pessoas com direitos e
deveres, e sempre que necessário responsabilizados pelas suas acções. Porque, apesar de
não lhes ser conferida a capacidade de gestão da sua própria vida, são acima de tudo
pessoas com vontades próprias e mesmo que essas vontades não possam ser concretizáveis
nesta sociedade, não lhes pode ser retirado o direito de ‘Sonhar’.
Para a pessoa com deficiência mental, não existiram limites na expressão das suas
vontades. Na tentativa de entendermos os sonhos e desejos destas pessoas a quando os seus
pais deixarem de poder cuidar deles, e considerando as características individuais de cada,
passamos a expor qual a melhor resposta para o envelhecimento partindo do ponto de vista
das mesmas.
Utente 1:
A utente 1 revela algum cansaço em passar os seus dias na Associação. Eu queria que
fosse alternado, não vir sempre para o …!. Sempre que falámos no envelhecimento e sobre
o seu futuro, demonstrou uma grande revolta por não poder levar uma vida considerada
‘normal’.
Explicou-nos que este sonho só é possível de se realizar se tiverem apoio nas suas tarefas
domésticas por parte da Associação.
“Pois evidentemente que preciso de alguém que me oriente, eu e todos! Porque se a gente
não tiver isso, é que é mesmo impossível que a gente faça alguma coisa desta vida! (…)
Então mas eu falava com o chefe e o chefe arranjava alguém para me lá ir apoiar em
casa, está a perceber”.
“A gente não tem a culpa de cá estar neste mundo, meu amor! Nem eu nem ele! Então!”
Na sua perspectiva, tudo seria muito simples se a Associação e ambas as famílias o
permitissem, pois sempre que a confrontámos com alguns obstáculos ela revelou ser
conhecedora dos seus direitos, defendendo assim as suas ideias sobre o assunto.
“Então vou à Assembleia da República e exponho o meu caso! (…) Que remédio têm eles,
então eles têm dinheiro para os almoços e para os jantares e não têm dinheiro para ajudar
os deficientes, porquê? Os deficientes não são mais importantes que os almoços e os
jantares! Os deficientes deviam vir em primeiro lugar, então! Tem que ser assim, não
devemos ser marginalizados eles têm que ajudar, então!”
Partindo do exposto, percebemos que a utente 1 não conseguiu pensar sobre o seu
envelhecimento, pois necessita da oportunidade de experimentar o que é ser uma mulher
adulta e dona de si. Esta situação bloqueia o seu pensamento, não permitindo a projecção
de mais expectativas futuras.
própria com o seu namorado, recebendo apoio institucional na realização das suas tarefas
diárias e na resposta às necessidades pessoais que possam surgir com o envelhecimento.
Utente 2:
Ao questionarmos o utente 2 sobre o que queria para o seu futuro, afirmou que queria ter
“um futuro bom e um futuro agradável”. Na ausência dos pais gostaria de viver fora da
Associação, numa casa com outros colegas, com recurso ao apoio que necessita nas tarefas
da vida diária. “Talvez numa casa lá fora. Aqui não gostava, por exemplo. Ter pessoas que
me dessem uma ajuda”.
O utente 2 tem consciência de que não conseguiria viver sozinho, mas não deixa de sonhar
com essa possibilidade. Para fazer face às suas necessidades, considera que necessita de ser
apoiado, “para me dar um certo apoio (…) em várias coisas como arranjar-me como
lavar-me como vestir-me.”
Utente 3:
Ao perguntarmos à utente 3, se já tinha pensado sobre o seu futuro quando a sua mãe já
não pudesse cuidar dela, referiu que sim já tinha pensado sobre isso e que gostava de ir
viver com o namorado fora da Associação. “Já! Eu já lhe disse, quando ela não estiver por
perto sabe o que é que eu vou fazer? Sabe onde é que eu vou ficar? Em casa do, do, do…,
pois vou para lá! (…) Aliás adorava ir viver com ele e deixar o ….”
Durante a nossa conversa, constatamos que a utente 3 não tem noção das suas verdadeiras
dificuldades de autonomia, pois considera que não necessita de apoio e que podia trabalhar
para fazer face às suas necessidades económicas. “Não! Eu, eu não, não preciso! A gente
trabalhava.”
Em seguida referiu que se isso não pudesse vir a acontecer gostava de ir viver com a irmã
para outro país, no entanto rapidamente percebeu que isso iria trazer uma grande mudança
na vida dela e acabou por nos explicar que não pode sair da Associação porque é lá que
tem os seus amigos e se sente bem. “Ia viver para ao pé da minha irmã. Para a Suiça. (…)
Era, era isso que eu queria. Mas não posso deixar o …, porque tenho cá os meus colegas,
tenho cá a minha vida o que é que eu ia fazer para lá?”
A utente 3 tem quatro irmãos e apesar de sentir que seria difícil ir viver com os irmãos
porque ou vivem noutro país ou não existe um entendimento do seu problema, ou
simplesmente não têm disponibilidade total para atender às suas necessidades específicas,
continuou a nomear cada um deles como a melhor resposta para o seu futuro. Ou ia para
Macau para ao pé do meu irmão (…) eu gostava já de ir, sabe para onde para ao pé do
meu irmão ….
Após algum tempo de reflexão sobre o assunto a utente 3 referiu que gosta mais de estar no
Associação do que em casa, “eu gosto, eu gosto do meu quarto aqui no …, adoro mais
viver aqui do que em casa, pois aí tem colegas e actividades que ocupam o seu tempo,
aceitando que esta poderá ser a resposta para o seu futuro.
Eu: E um dia se tivesses que viver aqui, o que é que tu achavas?
Margarida: Eu achava bem! Eu achava! Os meu irmão … não tem paciência para mim, nãããão,
nem o meu irmão …, mais paciência tem o meu irmão … e a minha irmã …. Ela já disse, disse-me
assim: porque é que não vens cá para casa uns dias comigo. (…) Gostava de lá ir passar uns dias,
uns dias só! Só uns dias!
Utente 4
O utente 4 gostava de ter uma vida calma e sossegada, com saúde. “Quero muita saúde e
paz e sossego!” Acha que só é possível obter uma vida sossegada na sua casa onde se
identifica com o espaço, onde tem os seus objectos pessoais e os seus pais. “Em casa! Que
é onde eu posso ter tudo. Quem me tira o meu quarto tira-me tudo, com certeza que sim.”
Na inexistência dos seus pais, em primeiro lugar disse que gostava de viver com a vizinha,
pessoa sua amiga em quem deposita confiança para cuidar dele. “Posso ficar com a minha
vizinha que é muito minha amiga.”
No entanto, quando ficar velhinho sabe que vai ter que ir para um lar, “ir para um lar (…)
hó, como há muitos, há muitos lares mas custam muito dinheiro.” Por fim, apesar de
demonstrar que vir para a Associação não é a sua escolha preferencial, revelou que se esse
lar fosse na Associação, poderia existir vantagens, pois seria mais barato e poderia obter
ajuda por parte dos profissionais. “Pronto se for aqui no…, ainda assim, em vez de estar a
pagar por exemplo 650 € lá fora, o … ajudava-me.”
Pela descrição dos utentes, constatamos que vir para a Associação quando envelhecerem é
a última hipótese de todos os entrevistados. O sonho de uma vida independente é bem
evidente nas suas palavras, mesmo que para isso tenham que continuar a ter apoio por parte
da Associação. Em seguida percebemos que a família foi em segunda instância
privilegiada como uma solução para o seu futuro. Por fim, apenas dois dos utentes
aceitaram a hipótese de virem viver para a Associação, apenas na impossibilidade de
concretizar as suas vontades iniciais.
No entanto, como pessoas que vivem numa sociedade de direitos, temos que respeitar as
suas ideias e vontades.
Apesar dessa vontade de mudança, os utentes não conseguem nomear com precisão quais
as actividades que promovem bem-estar no seu envelhecimento, fazendo referência apenas
ao global, dizendo que “são quase todas” (U4) importantes. Assim, apenas dois utentes
fazem referência a actividades que de momento não têm mas que já tiveram, tais como
hipoterapia, cozinhar e passear. “Andar de cavalo que é o que eu gosto, gostava de poder
sair de casa e isso assim” (U2), “hum, hum, ir para a cozinha” (U3).
Deste modo, concluímos que os utentes para o seu envelhecimento consideram importante
manterem actividades físicas, desde que, adaptadas às suas condições no momento, tais
como natação, ginástica e remo, actividades psicológicas como o treino do computador o
treino das suas competências pessoais e actividades de carácter social que mantenham o
contacto com a sua comunidade e lhes proporcionem momentos de lazer.
Os entrevistados na sua maioria consideram que são pessoas felizes à excepção do utente 4
referindo que devido aos seus problemas de saúde não se sente feliz. “Eu não posso ser
feliz, (…) nunca, porque o que eu tenho é tão grave tão grave” (U4).
Cada um deles sente-se feliz por razões diferentes. A utente 1 diz que desenvolver uma
actividade diária e sentir-se útil é o que a faz ser uma pessoa feliz. “Oh mulher é caminhar
todos os dias para aqui! Faz-me bem, porque me sinto ocupada, gosto de me sentir útil e
ocupada, evidentemente” (U1). O utente 2 sente-se bem a conversar com os colegas e
familiares. “Se calhar é eu conversar com os meus colegas, estar com os meus irmãos os
meus pais o meu sobrinho” (U2) e a utente 3 ressalva que é uma pessoa alegre e que para
ela o mais importante é ter saúde. “A primeira coisa é ter saúde (…) e ser alegre” (U3)
Há pequenas coisas que podem trazer uma grande felicidade. Como podemos observar a
pessoa com deficiência mental confere às coisas mais simples da vida a causa para a sua
felicidade.
Síntese conclusiva
Partindo da análise do discurso dos utentes, concluímos que o desenho das respostas para o
envelhecimento da pessoa com deficiência mental, devem fundamentalmente basear-se nas
vontades individuais de cada um. Para os entrevistados essa resposta deve promover a sua
independência, incluindo actividades físicas e sociais por forma a prevenir os sinais do
envelhecimento e permitir a manutenção das suas competências sociais e pessoais.
A pessoa com deficiência mental gostaria, através das actividades que já desenvolve e
através de novas actividades que respondam às suas necessidades, envelhecer com
actividade e saúde, mantendo os laços familiares e de amizade.
Com o intuito de respondermos à nossa pergunta de partida: “Em que medida as respostas
sociais e/ou familiares promovem o bem-estar da pessoa portadora de deficiência mental
em processo de envelhecimento?”, partindo da análise do discurso dos intervenientes
directos deste processo, apresentamos uma reflexão sobre alguns elementos desta
problemática, de forma a respondermos a esta e a outras perguntas iniciais que serviram de
orientação para a nossa pesquisa.
Da análise do discurso da pessoa com deficiência mental, percebemos que estes na sua
maioria reconhecem que têm limitações ao nível intelectual que se reflectem na diminuição
da sua autonomia em determinadas áreas do seu quotidiano, que são diferentes em cada um
dos utentes entrevistados, dependendo da capacidade individual de adaptação ao meio de
cada um.
Na maioria das pessoas com deficiência mental, parece que os 45 anos marcam um
período no desenvolvimento da vida em que se manifesta a diminuição de algumas
reservas físicas e o aparecimento do ajuste psicológico à velhice” (Janicki, 1987: 37). Esta
definição apresenta-se como ambivalente e apenas cronológica não sendo consensual para
todos os autores que estudam esta matéria.
O mesmo autor refere que muitos profissionais, reconhecem esta idade como a época em
que se deve ter em consideração um ajuste das actividades vitais que reflectem condutas,
interesses e capacidades físicas próprias da idade. Os profissionais da Associação em
estudo, também referem que alguns utentes já revelam alguma diminuição de capacidades
principalmente ao nível físico, nomeadamente ao nível da autonomia e da locomoção,
realizando as tarefas que lhe são propostas mais devagar, notando-se também a redução de
algumas capacidades intelectuais adquiridas, tais como a capacidade de leitura e escrita o
que faz com que necessitem de maior apoio por parte dos profissionais, da instituição e da
família. No entanto, consideram que o envelhecimento das pessoas portadoras de
deficiência mental apresenta um quadro bastante idêntico do ponto de vista físico a
qualquer outra pessoa à excepção das pessoas que apresentam outras patologias devido a
malformações congénitas.
A pessoa com deficiência mental, sente-se envelhecida e identifica-se com as pessoas mais
velhas. No entanto apenas associaram o envelhecimento às suas mudanças físicas,
revelando que se sentem mais cansados, com problemas de saúde que não tinham
anteriormente e com sinais físicos identificativos do avançar da idade como cabelos
brancos e rugas. Contudo, não demonstraram ter esta percepção acerca do envelhecimento
dos seus progenitores, pois para a maioria dos utentes entrevistados, os seus pais ainda não
estão “velhos”, pois ainda realizam as mesmas tarefas quotidianas
Pelo descrito, estamos perante uma forma de envelhecimento clássico. Como explica
Breitenbach (1999), remete-se “às diminuições e disfuncionamentos progressivos
associados à idade: modificação de aspecto, problemas visuais, fragilidade óssea etc. A
maioria das pessoas que apresentam uma deficiência mental manifestará, os mesmos
sintomas da idade que aqueles que se caracterizam como “idosos válidos”. A sua
esperança de vida aproximar-se-á da população em geral e os seus problemas de saúde
serão semelhantes”. (Breitenbach, 1999: 24-25)
física como qualquer outra pessoa na sua generalidade, à excepção daquelas pessoas que
apresentam outros síndromes associados, contudo os sinais de envelhecimento e a
diminuição de autonomia parecem surgir nesta população mais cedo do que na população
em geral.
Algo que caracteriza esta população é o facto de não terem a noção tão acentuada de que
estão a perder capacidades como a população de um modo geral possui. No entanto
apresentam outros handicaps provenientes da sua dependência durante parte da sua vida,
pois com o avançar da idade essa dependência começa a acentuar-se à medida que vão
perdendo as suas faculdades físicas e mentais.
Ao longo da vida estas pessoas tiveram suporte de terceiras pessoas, como a família e as
instituições, no final da vida existem maiores constrangimentos motivados pela
fragilização progressiva das estruturas familiares.
Assim, muitas destas pessoas com o processo de envelhecimento irão apresentar como
principais necessidades, o acompanhamento personalizado por parte dos profissionais,
estimulação física, sensorial e intelectual, maiores níveis de cuidados de medicina e de
enfermagem, apoio na preparação para as mudanças do futuro, tais como um novo tutor e
uma nova casa, bem como a continuação da promoção da integração social destas pessoas.
Ao longo dos últimos anos o delinear das respostas sociais destinadas à população
portadora de deficiência mental têm sofrido grandes alterações acompanhando os
princípios de igualdade de direitos e de dignidade humana tão vincados na nossa época.
Esta realidade, leva-nos a pensar que este grupo fica à mercê da ‘boa vontade’ das
Instituições de resposta a pessoas idosas ou vai permanecendo em Instituições que não
estão ainda adaptadas às suas necessidades inerentes ao processo de envelhecimento, pois
apesar desta realidade ainda não ser vivenciada em larga escala, já começam a surgir
necessidades de respostas por parte das famílias destas pessoas.
Na perspectiva dos pais, a resposta social que melhor atenderia o seu filho nesta fase mais
avançada da idade, seria aquela que contemplasse a promoção da qualidade de vida destas
pessoas principalmente ao nível do bem-estar físico, psicológico, emocional e social.
Precisariam sempre de um suporte formal, equipado de profissionais qualificados na área
da deficiência mental, e que promovesse a manutenção dos laços familiares dos utentes.
Deste modo, em unanimidade, referem que preferem que seja a Associação a casa do seu
filho, com o objectivo de não sobrecarregar os outros filhos, no entanto consideram muito
importante que se continue a incentivar a ligação à família.
Os pais referem ainda que, os seus filhos estão conscientes e preparados, para mudarem da
residência familiar para a institucional após o falecimento dos mesmos. Um dos pais,
preocupado com o duplo envelhecimento, sugere que o ideal seria uma resposta residencial
que atendesse às necessidades de pais e filhos.
No entanto nesta pesquisa, foram sugeridas por parte dos entrevistados dois tipos de
resposta para atender a pessoa portadora de deficiência mental e sua família que merecem a
nossa reflexão:
Esta proposta surge como resposta às famílias que não têm outro familiar que cuide do seu
filho na sua ausência. Por estas razões é forçada a institucionalização. Contudo, propõe-se
o desenvolvimento de mecanismos que permitam a manutenção dos laços familiares, e
actividades de ocupação, reabilitação e integração, fomentando o apoio intergeracional.
Por outro lado, nesta resposta devem ser reforçados os apoios médicos e de enfermagem
habitualmente fundamentais na terceira idade.
seus dias numa instituição e os outros dois entrevistados apenas consideram a hipótese da
institucionalização na impossibilidade de concretização das suas vontades.
Consideram que essa resposta deve promover a sua independência, incluindo actividades
físicas e sociais com o objectivo de prevenir os sinais do envelhecimento e permitir a
manutenção das suas competências sociais e pessoais. Através das actividades que já
desenvolvem e através de novas actividades que respondam às suas necessidades,
gostariam de envelhecer com actividade e saúde, mantendo os laços familiares e de
amizade.
Partindo da análise do discurso dos utentes, concluímos que o desenho das respostas para o
envelhecimento da pessoa com deficiência mental, deve ser a mais personalizada possível
e basear-se fundamentalmente nas vontades individuais de cada um.
Partindo dos contributos dos pais, dos profissionais e dos próprios utentes propomos que se
repense o Apoio Domiciliário como modelo de intervenção, enquanto estas pessoas
tiverem condições para poderem viver na sua casa, respondendo de forma individualizada
às dificuldades de cada um. Este apoio domiciliário deve ir além de suprir as suas
necessidades básicas e enfrentar as exigências de afecto, carinho e compreensão que estas,
bem como todas as pessoas merecem obter nesta fase vulnerável do seu percurso de vida.
A criação de estruturas residências específicas para esta população, semelhantes aos lares
para idosos, incentivam respostas uniformes, que os distanciam do seu meio ambiente e
facilitam a desresponsabilização da família, contudo em situações de duplo
envelhecimento e de grande dependência poderá vir a ser uma solução de futuro desde que
se tenham os devidos cuidados em tornar essa residência o mais próxima possível de uma
‘casa’. Os seus profissionais não devem esquecer as vontades individuais de cada um dos
seus clientes e a família deve ser incentivada a participar nas actividades dessa residência.
Acima de tudo esta resposta deve ajudar, em todos os sentidos, estas pessoas a realizarem o
seu sonho de viverem de forma independente e contribuir para um mundo mais justo.
51
Testemunho da Dra. Kathleen Donnely (Capability Scotland), Dra. Caroline Glendinning (Inglaterra) e
Dra. Charlotte Holmberg e Per Holmberg (Suécia) durante a sua intervenção no seminário internacional
“Novas idades Velhas – Envelhecimento das pessoas com deficiência”, 12 e 13 de Outubro de 2007,
organizado pela Associação do Porto de Paralisia Cerebral (APPC)
Pela análise do discurso da Assistente Social percebemos que, apesar de ter presente nas
suas acções uma conduta ética profissional, vincada por valores de respeito pelos direitos
da pessoa com deficiência, quando confrontada com a questão da melhor resposta para o
envelhecimento da pessoa portadora de deficiência mental, adoptou uma postura
institucional reveladora dos projectos institucionais, procurando uma solução para o
problema na perspectiva da instituição, ao invés de mediar o ponto de vista das pessoas
portadoras de deficiência, da instituição e propor vínculos políticos para fortalecer a
autonomia dos próprios utentes e da instituição52. Este facto, faz-nos percepcionar que a
Assistente Social orienta a sua prática segundo o paradigma da regulação proposto por
Vicente Paula Faleiros (1991)
52
Este facto também foi percepcionado no discurso dos outros profissionais.
respondam às situações estudadas, ainda que essas propostas impliquem a alteração das
medidas de políticas públicas e institucionais.
Como explica Josefina Mc-Donough (1999: 103) a presença do serviço social ao nível do
desenvolvimento das políticas e da liderança de programas sociais, quase não existe, o que
subordina o exercício da profissão a propósitos e regulações que não são moldadas nem
consistentes com os objectivos e os valores do Serviço Social. Esta ausência dos assistentes
sociais nas práticas de políticas sociais não só põe em perigo a identidade da profissão mas
também os interesses dos clientes que deveriam respeitar e defender.
Historicamente o Assistente Social tem sido o grande executor de políticas sociais mas
actualmente não se deve limitar apenas a executar as medidas de política social, pode
inclusive, se assim o entender, propor medidas que melhor se ajustem às situações que o
profissional muito bem conhece. E se possível participar na concepção dessas mesmas
políticas.
O objectivo do profissional político é ajudar não apenas um caso individual, mas toda uma
classe de indivíduos. A estratégia de análise política pode conduzir o profissional ao
elemento específico da política que precisa de reformulação através do uso de critérios de
suficiência, adequação, autodeterminação e eficiência. Tal análise, torna-se a base para a
advocacia legislativa ou simplesmente para a reforma organizacional no processo de
implementação da política. (Mc-Donough, 1999: 116)
A realidade das pessoas portadoras de deficiência mental está a mudar, com o aumento da
esperança de vida, também as respostas têm que mudar. O Assistente Social necessita de
identificar e compreender estas novas condições para assumirem papéis dinâmicos e
inovadores na promoção da justiça social.
Conclusão
Não nos foi possível ficarmos indiferentes, às características afectivas das pessoas
portadoras de deficiência mental que contribuíram, para que, o desenvolvimento desta tese
se traduzisse em preciosos momentos de prazer. Sentimos por isso que crescemos a nível
pessoal, profissional e humano, sabendo no entanto, que muito ficou por aprofundar.
Neste sentido, apontamos como principal característica deste estudo o facto de ser um
Estudo de Caso. Assim os resultados obtidos revelam apenas a realidade institucional do
nosso campo empírico, não permitindo a generalização dos resultados.
Pois, podemos perceber, que apesar dos profissionais e familiares demonstrarem que lutam
pela obtenção da melhor resposta para a população em estudo, na verdade, a mesma, foi
construída para um destinatário que é a pessoa portadora de deficiência mental, sem que o
mesmo fosse ouvido e implicado nesse processo.
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Apêndices
Apêndice 1
Titulo: Diários de Campo
DIÁRIOS DE CAMPO
Desde Setembro de 2005 que mantenho contacto com a Associação e em Especial
com o Director. Nesse momento solicitei autorização para realizar a minha parte empírica
na instituição que desde logo foi abem aceite.
Durante o processo de construção e mudança de tema e objectivos, afastei-me um
pouco da Instituição mantendo apenas contacto telefónico.
Em Outubro de 2006 voltei a fazer um pedido formal pois o meu tema tinha
mudado. Só em finais de Dezembro é que obtive resposta positiva. Com as comemorações
do natal combinámos em Janeiro eu iniciar a minha aproximação à instituição e aos
utentes.
Assim, desde Janeiro 2007, tenho mantido contacto regular e de forma presencial
com o director e com a Assistente Social, na caracterização institucional. Em Fevereiro
terminei a caracterização e iniciei uma fase exploratória sobre o tema. Em Março iniciei a
minha observação - participação na Associação.
Desde sempre que o meu projecto tem sido muito bem recebido com todo apoio e
atenção necessária.
Pretende-se através da observação – participação na Associação, atingir os
seguintes objectivos:
- Conhecer a dinâmica institucional
- Integrar as actividades desenvolvidas
- Estabelecer aproximação com os utentes do Centro de Actividades
Ocupacionais
- Definir o objecto de estudo
- Estabelecer uma relação de proximidade com o objecto de estudo
- Conhecer as actividades desenvolvidas pelo objecto de estudo
- Conhecer as ideias que o objecto de estudo tem relativamente à própria família.
Associação…
13 de Abril de 2007
14h:30m às16:30h
Sexta-feira
ACTIVIDADE MUSICAL
53
É o grupo musical da Associação que tem já no seu curriculum inúmeras actuações em Portugal e
2 em Espanha e a edição de um CD de temas de música Portuguesa
barulho e a sua dificuldade em expressar-se verbalmente não consegui perceber tudo o que
me quis transmitir.
Outros vieram e apresentaram-se e quiseram saber como é que eu me chamava,
contudo outros apenas continuavam a dançar e a olhar-me.
O Márcio aproximou-se e apresentou-se, como não tinha comunicação verbal tive
muita dificuldade em entender os seus gestos, mas ele ao perceber a minha dificuldade
chamou a monitora para a tradução. Apesar das suas grandes limitações físicas ele
apresenta uma deficiência mental ligeira. Transmite com um grande sorriso e um olhar
esbugalhado uma grande felicidade. Disse que o meu nome era muito bonito e perguntou-
me se eu era nova monitora.
A Erica voltou, quis saber de onde é que eu era, e eu disse-lhe que sou de Torres
Novas e ela disse-me que era de Leiria, que era perto e sentou-se ao pé de mim a
descansar. A música estava animada e ela puxou-me para dançar e aí tivemos oportunidade
para conversar mais calmamente.
Ela comentou que eu era muito bonita e perguntou-me quantos anos eu tinha e aí eu
questionei quantos ela tinha. Com o desenvolvimento da nossa conversa informal, fiquei a
saber que a Erica vai fazer 48 anos daqui a dois meses, que nasceu em Leiria, porque os
pais viviam nas Caldas da Rainha e que veio viver para Lisboa quando era pequena porque
lá não havia instituições para o problema dela. Actualmente vive com os pais num andar
perto do marquês de pombal, mas o seu sonho é ir viver para as Caldas da Rainha. Desde a
infância que anda em instituições que dão apoio a pessoas com deficiência mental,
referindo que já estava na Associação há muitos anos.
Voltou a perguntar-me o que é que eu estava ali a fazer? Voltei a explicar-lhe que
estava a estudar o envelhecimento, fez um ar de surpreendida e eu perguntei-lhe se ela
achava mal e ela disse-me NÂO, até acho magnifico, estudarem muitas coisas. E disse-me:
“mas os deficientes não envelhecem, porque têm um espírito muito jovem” e rimos.
À nossa volta, o baile decorria com normalidade, as monitoras mostraram-se
satisfeitas por eu estar a dançar com a Erica e sorriram com tantas perguntas.
Enquanto dancei, pude observar que as monitoras estabelecem uma relação muito
afectiva com os utentes, mas têm que estar com permanente atenção para qualquer
acontecimento, pois podem tentar fugir ou criar alguma confusão.
Durante o baile um utente fugiu para o exterior e enquanto a monitora o foi buscar,
outros me diziam que ele era “mau”. Noutro momento um utente tentou baixar as calças no
meu da pista de dança, foi imediatamente repreendido por uma monitora e os colegas
começaram a fazer gestos de que ele era maluco, pronunciando mesmo esse comentário.
C.O.: De facto é uma realidade à margem de tudo o que podemos considerar normalizado e o mais
curioso é que entre eles também fazem distinções de quem é mais coerente no seu
comportamento, apesar de todos possuírem uma deficiência que muitas vezes os rotula de
“malucos”.54
54
Goffman (1988), ao discutir questões relacionadas ao estigma, aponta que a característica que estigmatiza
alguém é o que pode confirmar a “normalidade de outrem”. O estigma não existe, sumariamente, a partir de
características como a cor da pele, um defeito físico, etc., mas sim num sistema de relações. O que importa é
o fato de não ser o esperado por um grupo social. Para o autor, há alguns atributos, como a deficiência
mental, que em quase toda a sociedade ocidental levam ao descrédito.
Argumenta que o estigma não se realiza por dois grupos estanques de indivíduos, os “normais” e os
“estigmatizados”, mas sim por um processo social de dois papéis, dos quais cada um pode participar, em
algum momento de sua vida ou em alguma situação. Por isso, aquele que é estigmatizado em uma
circunstância determinada, exibe todos os preconceitos em relação a outros estigmatizados em outros
aspectos. Isso pode ser observado entre os próprios jovens com deficiência mental que, algumas vezes,
também discriminam seus pares ou outras pessoas com diferentes características estigmatizantes.
Porque o espaço não é muito grande, o baile tem início às 14h:30m e dura até às
17h, mas os grupos não vão todos ao mesmo tempo, vão entrando e saindo para não se
concentrarem todos na mesma sala. Por volta das 15h:45m estes grupos voltam para as
suas salas e começam a arranjar-se para irem para casa e outros grupos iniciam o baile.
Quando foram embora a Erica despediu-se e perguntou quando é que eu voltava.
O último grupo foi muito pouco interventivo e a monitora precisou de indicar-lhes
como é que deviam organiza-se para dançar uns com os outros.
C.O.: Pareceu-me que a monitora estava muito saturada do baile e impunha que todos dançassem uns
com os outros o que nem sempre era muito bem aceite.
Dirigi-me ao gabinete da Assistente Social para, como tem sido hábito, ela me
indicar qual seria a melhor sala para observar tendo em conta que já decidimos o meu
objecto de estudo.
Referiu que hoje a dinâmica institucional estava um pouco alterada, na medida em
que algumas monitoras trocaram de sala, porque durante a tarde irá decorrer na Associação
GOFFMAN, E. (1988). Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara Koogan S.A.
C.O.:A palavra Snoezelen provem do holandês e foi criada nos anos 60 por Hulseggee e Verheul,
para designar certas actividades desenvolvidas no trabalho com indivíduos sofrendo de
deficiência mental profunda.
Com o Snoezelen pretende-se “tocar” os indivíduos através da estimulação dos cinco sentidos
e das emoções que desperta. Requer a criação de um ambiente agradável e isolado das
atracções exteriores, bem como de uma relação empática e securizante entre o utente e o
técnico que o acompanha. A duração e qualidade do estímulo varia de indivíduo para
indivíduo e tem de ser permanentemente monitorizada. Neste ambiente é possível verificar
que o indivíduo com demência se acalma, demonstrando menos receios em relação ao que o
rodeia. Tal como em todas as actividades desenvolvidas com pessoas com demência, a
história de cada um, os seus interesses, o seu percurso, são extremamente importantes, não só
para a relação terapêutica que se estabelece, mas também para a selecção dos estímulos
adequados ao longo de cada sessão.
Deste modo podemos definir Snoezelen como uma metodologia de trabalho que se destina a
providenciar um ambiente multisensorialmente estimulante, onde os utentes podem relaxar,
interagir uns com os outros, passar algum tempo isolados, experimentar sensações e objectos,
no seu ritmo, consoante a sua vontade e curiosidade.
Sala de Snoezelen
O Psicólogo pediu para se sentarem à volta da mesa, e eu pensei mas não existe
nenhuma mesa, rapidamente percebi que todos sabiam o que era. No meio dos colchões
está desenhado um círculo que faz de mesa. Como se eu fosse parte do grupo segui as
mesmas instruções. A primeira actividade consistiu em mandar a bola ao melhor amigo e
explicar para o grupo o porquê da escolha. Um utente começou a perguntar se eu também
jogava e foi tão insistente que não deu oportunidade para dizer que não. Eu disse ao grupo
que ninguém sabia quem eu era à excepção do Márcio que já me tinha conhecido no Baile
de sexta-feira e por isso não me podiam escolher. Assim o Psicólogo disse que sim que nós
(eu e ele) também participávamos, isto porque o grupo era composto por 8 pessoas e só
comigo o número de participantes ia ficar impar. Introduziu também outra componente ao
jogo para que este também permiti-se conhecermo-nos, então pediu-lhes que à medida que
iam jogando aproveitassem para se apresentarem. E assim foi, começaram a mandar a bola
uns para os outros e a explicar porque é que são amigos e cada um disse o seu nome.
Este grupo apresenta muitas dificuldades comunicativas e um grau de deficiência
grave, tendo sido necessária a ajuda do psicólogo para entender o que eles me queriam
dizer.
Quando me passaram a bola, apresentei-me e expliquei o que estava ali a fazer.
Alguém apressou-se a perguntar-me a idade, o que levou o Psicólogo a pedir a todos que
também me dissessem a idade para percebermos se podiam participar no meu estudo. A
pessoa mais velha era a Dora que tem 54 anos contudo ela apresenta uma deficiência
mental profunda não sendo por isso possível aplicar-lhe uma entrevista. Ela fisicamente já
apresenta algumas rugas e o seu cabelo já está todo branco. Os outros eram todos mais
jovens tinham idades entre os 25-40 anos.
Apesar da Dora ser mais velha que os seus colegas de grupo, podendo mesmo já ser
considerada por alguns autores que já é idosa. As actividades desenvolvidas foram iguais
para todos, e não foram desajustadas à necessidade da Dora, isto porque o objectivo desta
actividade é promover uma relação de proximidade entre todos, controlo visual e controlo
dos movimentos bem como promover o desenvolvimento da oralidade. Necessidades que
apesar da idade a Dora continua a ter.
Após conhecer a idade de todos, percebi que nenhum deles poderia fazer parte do
meu objecto de estudo, contudo a experiência estava a ser tão enriquecedora, tão forte
emocionalmente que já não importava as idades, embrenhei-me no grupo e esperei para ver
o que é que eu podia aprender mais com eles.
Em seguida foi a minha vez de lançar a bola, lancei ao Márcio, porque ele é mesmo
especial, não fala e tem muitas limitações nos membros inferiores e superiores, mas em
compensação tem um sorriso esbugalhado e um olhar forte que consegue transmitir muita
felicidade em pequenas coisas.
C.O.: Quando o conheci no baile, tive um certo receio dele, porque abraçou-me e eu não sabia nada
sobre ele, agora depois de o conhecer já me sinto mais segura.
55
VIEIRA e CALHEIROS (1999). (Des)dramatizar na Doença Mental – Psicodrama e Psicopatologia:
como lidar em drama com indivíduos com deficiência mental. Cap.11.
Associação…
20 de Abril de 2007
14h:30m às 16h:30m
Sexta-feira
ACTIVIDADE MUSICAL (Sala de Convívio)
Afastei-me e voltei para a entrada da porta para conversar um pouco com uma
monitora. Perguntei-lhe se aquele baile já existia há muito tempo, e ela respondeu-me “eu
já participo há 15 anos, todas as sextas-feiras”. E eu apontei para o facto de serem quase
sempre os mesmos utentes. Ela referiu: “eles são muito especiais, é um mundo à parte e
para trabalhar com esta população é também preciso ser-se um pouco maluco”.
Posteriormente foram embora para as suas salas. A Maria e o Renato, vieram
prontamente despedir-se de mim e perguntaram quando é que eu ia à sala deles e eu
respondi-lhes que um dia destes aparecia por lá.
A Erica ia-se embora sem me dizer nada mas eu chamei-a e disse-lhe adeus, ela
esboçou um pequeno sorriso e deu-me um abraço.
Permaneci por ali, até o Francisco voltar dentro do salão para comentar comigo
uma notícia que estava no jornal. Senti progressos na nossa aproximação contudo percebi
que ele tem um perfil muito especial e independente, tem muitas dificuldades na oralidade
o que compromete a participação dele no estudo.
Quando ele foi embora, já não permaneci no baile por muito mais tempo, pois o
grupo seguinte novamente ignorou a minha presença ali, a monitora voltou a ter que
organizar os pares para dançarem e quase todos ainda são muito jovens.
Por fim, fui despedir-me da Assistente Social, referi que tinha tido alguma
dificuldade em interagir com o Francisco, ela disse-me que ele era um pouco complicado e
que já estava à espera disso. Combinámos que eu viria novamente na terça-feira seguinte e
que iria para a sala da Maria e do Renato.
Com o objectivo de me aproximar do Carlos, que por ser trabalhador do CEP e
trabalhar no exterior, combinámos observá-lo na semana que ele vai ficar na residência.
Associação…
24 de Abril de 2007
14h:30m
Associação…
3 de Maio de 2007
14h:30m às 16h:45m
Hoje cheguei à Associação às 14h:30m, dirigi-me para a recepção e pedi para ser
anunciada à Assistente Social. O telefonista esboçou um sorriso e já não perguntou como é
que eu me chamava. E disse: “Dona Vera pode subir”.
Ele é funcionário da Associação, é um rapaz que aparenta ter vinte e poucos anos e
é portador de deficiência mental ligeira. Já me conhece devido aos meus telefonemas e
porque sempre que eu chego tenho que passar ali pela recepção.
Inicialmente eu e a Assistente Social elaborámos o ponto de situação da minha
presença ali na Associação, referi que estava a correr tudo bem e disse-lhe que tinha visto
na página deles na Internet que neste mês de Abril iriam realizar uma actividade. Ela
respondeu-me que sim, que no dia 10 de Maio iriam decorrer os Jogos da Primavera, que
era uma festa com muitas instituições e que por isso estava tudo num alvoroço. E
convidou-me a participar, referiu que era um dia diferente em que eu ia ter possibilidade de
observar vários contextos.
As pessoas estavam todas atarefadas com o planeamento da festa e isso sentia-se
por todo o lado, o parque de estacionamento estava cheio, a entrada também tinha várias
pessoas à espera e via-se as pessoas a andarem de um lado para ou outro.
Disse-lhe que não queria incomodar e sugeri que hoje gostava de colaborar com as
actividades da sala onde se encontra a Maria, ela disse-me que não era possível porque a
Maria estava a faltar esta semana. Sugeriu que eu fosse para a sala 1 do CAO 1 com o
objectivo de conhecer o Duarte e o Renato.
Acompanhou-me à sala e disse à monitora que eu iria passar a tarde com eles.
A sala é idêntica à sala 3, composta por mesas dispostas em U, as paredes estão
cobertas com cartazes com as normas de cidadania, na parede do fundo existe um placar
com o mapa da avaliação, um cartaz com a fotografia dos utentes da sala e a data do seu
aniversário, um mapa de actividades diário, novamente com recurso à fotografia e à
colagem de símbolos referentes a cada actividade. Ao fundo da sala existe também uma
secretária da monitora e duas mesas de apoio com jogos e material didáctico. Ainda na
parede do lado direito podemos encontrar dois posters da equipa portuguesa de futebol.
Existe uma janela que acompanha toda a parede do lado esquerdo e que dá visibilidade
para um pequeno jardim e espaço de actividades exteriores. Pode também ver-se dali as
três residências que ficam situadas do outro lado da estrada.
Por toda a sala haviam grandes caixas de cartão cheias de caixas de plástico para
embalar cabos USB e sacos de plástico pretos cheios de tampas de plástico cor de laranja.
Na sala os utentes estavam dispostos em U nos seus lugares a trabalhar. Estavam
presentes 6 utentes. Todos tinham à frente dois cestos, um com peças de plástico cor de
laranja abertas e outro onde colocavam as mesmas peças já fechadas. Essas peças são
tampas de garrafas de lixívia ou de outros detergentes que chegam a Associação abertas e o
objectivo é serem devolvidas ao fabricante prontas para serem colocadas na garrafa. Para o
desenvolvimento desta tarefa todos os utentes usam um bloco de madeira como apoio,
martelam com o bloco na tampa para que esta fique selada.
Hoje já não foram necessárias apresentações.
Naquele momento alguns utentes destabilizaram com a nossa presença, requerendo
a minha atenção e a da Assistente Social. O utente mais novo da sala, disse à Assistente
Social que queria ficar uma semana inteira no Lar. Ele teve que recorrer aos gestos e à
escrita para manifestar o seu interesse, porque para além da deficiência mental também é
portador de deficiência auditiva. Ela respondeu-lhe com uma pergunta: Há! Agora já
queres! Já gostas de ficar no lar. E da comida gostas? Ele disse que sim e com muita
dificuldade explicou que comeu bacalhau no forno e que gostou muito. Disse também que
agora gosta de tudo.
A Assistente Social e a monitora (Lina) explicaram-me que aquele utente quando
veio para a Associação, só comia carne com batatas fritas e foi uma grande luta para ele
mudar esses hábitos bem como convencê-lo a ficar no lar. Agora gostou de tal maneira da
estadia cá na Associação que está sempre a pedir para ficar mais vezes.
Em seguida a Assistente Social apresentou-me o Renato, disse-lhe: Renato esta
senhora é a Dr.ª Vera. Ele olhou para mim como se já me tivesse visto em algum sítio.
Eu dirigi-me a ele e disse: Olá Renato não se recorda de mim? Ele respondeu:
Parece-me que sim. E eu disse-lhe pois conhecemo-nos no outro dia, até estava com a
Maria. Ele disse: Há parece-me que já estou a ver!
Naquele momento, penso que o Renato não estava bem a ver quem eu era mas
entretanto a Assistente Social referiu: “Parece-me que aqui o João também já tem mais de
40 anos”. Perguntou-lhe a idade, ele disse que tinha ali o bilhete de identidade. Tirou do
bolso uma miniatura do bilhete e deu à Assistente Social, que verificou que ele nasceu em
1960 e por isso tem… e pensou em voz alta, fazendo com que o Renato se adianta-se e
disse-se: tem 47 anos o João. E eu disse: “isso é que foi uma rapidez, já vi que o Renato é
bom a matemática. Olhou para mim com um olhar simpático.
A Assistente Social expressou que pensava que o João fosse mais novo, mas que
sendo assim ele tem as características indicadas para ser integrado no estudo. Perguntou à
monitora pelo Duarte. Ela explicou que ele está na sala 2 ao lado daquela sala.
Perguntou-me se eu queria ir lá conhecê-lo, eu respondi que sim.
Os utentes na sua generalidade observavam-me e dois ou três tentavam chamar a
minha atenção. O Márcio (daquela sala) levantou-se e tentou ganhar a minha atenção
conversando comigo sobre a sua preocupação do momento, no entanto ele tem muitas
dificuldades na linguagem oral e foi muito difícil eu entendê-lo. A monitora mandou que
ele se sentasse imediatamente e ele desistiu.
Eu trazia um caderno pequeno na mão, perguntei se podia lá deixar o caderno, pois
pretendia voltar, a monitora referiu que sim sem problema. Dirigi-me ao grupo e disse:
“Vou deixar aqui as minhas coisas mas ainda não vou embora, vou só aqui conhecer os
colegas da sala ao lado, volto já”. E alguns disseram, até já.
Desloquei-me com a Assistente Social à sala ao lado para conhecer o Duarte.
Elogiei também o trabalho do Duarte que estava a separar as peças cor-de-rosa. Ele
estava a trabalhar em silêncio e muito concentrado, sendo-lhe um pouco indiferente o
barulho ou confusão da sala. Perguntei-lhe se gostava de fazer aquele trabalho? Ele
mostrou-se afável, e respondeu: “Sim, é um trabalho muito importante!” Explicou-me que
aquelas chapas servem para colocar o nome e pôr num porta-chaves.
Todas as peças eram cor-de-rosas, e por isso explanei que era giro se as peças
tivessem muitas cores ao mesmo tempo que mexi num dos cestos, que me parecia não estar
certo, pois tinha os paus que prendiam as peças e algumas peças. Foi nesse momento que o
Duarte me mostrou que aquelas peças eram as que tinham defeito e que o trabalho dele era
separar as peças boas das com defeito. Este é de facto um trabalho minucioso pois é
necessário ter muita atenção para se perceber os pequenos defeitos das peças. Este trabalho
estava a ser desenvolvido pelo Duarte e por uma colega que nunca levantou a cabeça para
integrar a nossa conversa. Também estava a ajudar outra utente, contudo ela apenas
separava as peças, devido às suas dificuldades motoras.
Fui passeando pela sala e conversando com todos.
A monitora, voltou a perguntar-me qual era o meu objectivo. Eu expliquei que
estava a fazer um estudo sobre o envelhecimento lá na Associação. Ela demonstrou
interesse através de um olhar entusiástico. Perguntei-lhe quantos anos tem o Duarte, ela
respondeu que isso era simples, dirigimo-nos ao placar dos aniversários e verificou que ele
nasceu em 1962, e contou-me que ele talvez conseguisse falar comigo neste momento,
porque ele passou o último mês internado no Hospital Júlio de Matos na Unidade de
Isolados, devido ao facto de possuir esquizofrenia e que de tempos em tempos ele
descompensa e fica descontrolado.
O tempo estava a passar, já eram 15:30 e eu ainda tinha prometido ir à sala 1.
Perguntei a que horas saíam. A monitora disse-me que a partir das 16h começavam a
organizar-se para a avaliação e para irem apanhar as carrinhas.
Foi nesse momento que me despedi de todos para ir à sala 1. Perguntaram se eu
voltava no dia seguinte. Eu respondi que talvez não, mas voltava na semana seguinte.
Nesse momento entrou o Psicólogo, cumprimentou-me de fugida. Perguntou se estava a
correr tudo bem. Vinha trazer informações sobre uma festa que ia acontecer na semana
seguinte. Eu referi que já tinha tido conhecimento e que ia tentar estar presente, mostrando
disponibilidade para ajudar no que fosse preciso. Respondeu-me que toda a ajuda era
necessária, pois tinham sido convidadas à volta de 30 instituições num total de
aproximadamente 300 pessoas.
Veio também informar a monitora que iam lá umas raparigas à sala. Explicou que
elas estão a fazer uma prospecção de mercado sobre o emprego para as pessoas com
deficiência e pediu à monitora para responder às perguntas que lhe forem colocadas. A
monitora disse ao Psicólogo que não sabia nada sobre os custos do trabalho, sobre quanto é
que as empresas pagam por aquele trabalho desenvolvido ali na Associação.
O Psicólogo retirou-se despedindo-se dizendo que estava à espera de me ver nos
Jogos da Primavera.
SALA 1 (15h:35m)
Dirigi-me para a sala 1. Quando voltei a entrar na sala todos permaneciam nos
mesmos lugares a trabalhar e a monitora estava a fazer uns trabalhos manuais para a festa.
Eram umas medalhas para entregar a todos os participantes. Perguntei-lhe se me podia
sentar junto dela e se precisava de ajuda. Ela referiu que estava a cortar o papel em forma
de medalha que já estava colado numa tábua redonda com os rebordos pintados de branco
e que só faltava fazer trezentos. Num dos lados da medalha estava o
símbolo da festa, o desenho de crianças de mãos dadas a azul por
cima da imagem do mundo e escrito Jogos da Primavera, 10 de
Maio de 2007, Jogos Pró-Igualdade (ver imagem), e no outro lado
estava a identificação da Associação através do seu símbolo e nome.
Naquele momento sentei-me e peguei numa tesoura e comecei a
cortar as medalhas.
Aquele lugar era perfeito, pois sentados à minha frente estava o João e o Renato e
por isso podia ir conversando com eles e observando a sala à medida em que ia dando uma
ajuda.
O Renato disse-me que o ano passado tinham ganho um prémio.
O João observava-me mas manteve-se em silêncio a trabalhar.
Alguns dos restantes utentes, tentavam interagir comigo chamando a minha
atenção. Na sala existem duas pessoas portadoras de deficiência auditiva e por isso a
monitora e eles utilizam uma linguagem com gestos.
O Renato o João e o Márcio, saíram para ir buscar mais peças a outra sala. O
Renato disse-me: Até já! Não vai já embora pois não! Eu respondi-lhe que ainda ficava
mais um pouco.
Entretanto entrou na sala o Director da Associação que veio dar a informação sobre
as raparigas que iam lá passar para o estudo de prospecção de mercado. Cumprimentou-
me, eu transmiti-lhe os meus sentimentos pela morte de sua mãe. Quando estava para se
retirar, perguntou-me se estava a correr tudo bem, e disponibilizou-se para apoiar o meu
trabalho no que fosse preciso. Explanou também: “Há já sabe da festa quinta-feira, vejo
que está a ajudar!” Respondi-lhe que sim, que a Assistente Social me tinha convidado, e
que eu iria fazer os possíveis para estar presente. Respondeu: “Teremos todo o gosto em
vê-la por cá”. Em seguida apresentei a minha disponibilidade para ajudar no que fosse
preciso.
O Director retirou-se da sala e eu continuei a recortar as medalhas e observando
tudo o que se ia passando à minha volta.
Entretanto entrou na sala a monitora da sala 2 com a Carina e pediu à monitora da
sala se podia deixá-la lá um pouco porque tinha que se ausentar da sala por um instante.
Assim a monitora da sala 2 saiu e a Carina ficou sentada ao lado da monitora daquela sala
a construir um puzzle.
Um utente que estava sentado ao fundo da sala, portador de deficiência mental e
motora começou a conversar com o Renato. Pela agressividade percebi que a conversa não
era amigável. Esse rapaz ao tentar sair do lugar caiu no chão. A monitora e outro colega
que estava ao lado correram para o ajudar. A monitora perguntou-lhe onde é que ele ia? Os
colegas disseram que ele queria ir meter-se com o Renato. A monitora disse, “há! Então se
ias fazer maldades, foi por isso é que caíste!” O João e o Márcio olharam para mim e
disseram: “ele às vezes é mau”. Esse rapaz, disse à monitora que queria ir à casa de banho.
A monitora ajudou-o a sentar-se na cadeira de rodas e ele saiu da sala. Neste momento o
Renato olha para mim e diz-me: “ele que cá venha que eu sei defender-me ou ele pensa
que só ele é que sabe bater! Eu não tenho medo dele!”
A monitora aproximou-se e referiu baixinho: “é preciso ter alguma atenção com
este utente porque se permitirmos até a nós nos bate!” E em seguida tentou acalmar os
ânimos e disse ao Renato: “vamos continuar a trabalhar!”
Na tentativa de mudança de assunto, perguntei ao Renato se gostava do trabalho
que estava a fazer. Ele respondeu-me que sim, mas que têm tido pouco trabalho. Referiu
que agora estavam a fechar as tampas para as garrafas que se vendem nos supermercados
mas que já tem feito outros trabalhos para a Tap e apontou para os sacos que estavam
espalhados pela sala.
Perguntei ao João se ele também gostava do que estava a fazer. Olhou para mim
acenou com a cabeça que sim e sorriu.
O Renato solicitou a minha atenção, perguntando: “Mora lá na minha Rua?”
Respondi: “Não Renato! Não está recordado de mim? Conhecemo-nos na sexta
feira na música, estava a dançar com a Maria”.
“Há!” Respondeu ele, “já me estou a lembrar, está cá para nos conhecer. É que
pareceu-me uma moça que vive lá ao pé de mim, é parecida com ela, e eu estava a fazer
confusão. E está cá na Associação a fazer o quê?” Eu expliquei que estava a estudar o
envelhecimento lá na Associação. Ele disse-me, “o meu pai já está muito velho, já tem 79
anos e a minha mãe vai fazer 76 em Julho. Mas já têm muitas doenças”. Perguntei-lhe “que
doenças é que tem?”. Disse-me: “as doenças da idade, é que ela não perdoa. E eu já tenho
49 anos”. Disse-lhe, então ainda é um homem novo, e ele abanou a cabeça e encolheu os
ombros.
Perguntei-lhe se vivia com os pais. Respondeu-me “sim a minha casa é aqui perto,
vou e venho a pé todos os dias”, começando a explicar-me onde ficava em concreto.
Perguntei: “E os seus pais costumam vir buscá-lo?” O Renato respondeu: “Não! Eu vou
sozinho! Mas quer falar com a minha mãe? Ela vem cá para a semana buscar-me à
residência”.
O João disse, “eu também vivo para esses lados”. Argumentei, “sim João! E
também vive com os seus pais”. Ele respondeu: “Sim e também vou a pé sozinho”.
O Renato disse: “a minha mãe está sempre a dizer que eu sou um bebé grande”.
Questionei: “E tu o que pensas disso?” Ele respondeu: “É por causa dos problemas
que eu tenho, sabe como é”.
O João interrompeu dizendo que também vivia com os pais. Exclamei: “Sim,
João!” E ele disse: “moro aqui perto!”
O Renato disse: “Nunca mais é hora de ir embora para casa”. Perguntei: “Então
porquê Renato, não gosta de estar aqui?” Ele respondeu: “Gosto, mas já cá estou desde as
9h da manhã”.
Por volta das 16h a monitora pediu para começarem a organizar-se para a avaliação.
Começaram todos a arrumar as suas coisas.
56
Em todas as salas observadas, verifica-se uma maioria de pessoas adultas com idades compreendidas entre
os 30-50 anos. Parece-me que esta é uma forma de prevenir a existência de salas ocupacionais apenas com
pessoas mais velhas.
Associação…
10 de Maio de 2007
10h:00m às 17h:00m
JOGOS DA PRIMAVERA
Cheguei à Associação por volta das 10h da manhã. Já tinham chegado algumas
instituições que se agrupavam dispersas pelo pátio. Procurei a Assistente Social, que me
disse que os utentes da Associação ainda estavam todos dentro das suas salas até que
cheguem a maioria das instituições, pois o movimento era muito grande. Verifiquei a
existência de Escolas Secundárias, Infantários e várias instituições na área da deficiência
mental e motora. A Dr.ª acompanhou-me às salas de CAO1. Dirigi-me à sala 2, quando
entrei os formandos fizeram uma grande festa, estavam muito excitados com a festa.
Estava presente um rapaz que eu ainda não tinha conhecido. Os utentes cumprimentaram-
me, por isso ele apercebeu-se que eles me conheciam, dirigi-me a ele e perguntei: “Deve
ser o estagiário que costuma cá estar de manhã?” Ele respondeu que sim. Apresentei-me,
conversámos um pouco e ele disse: “eles estão muito irrequietos, não sei o que é que
estamos à espera para ir para a rua”. O Duarte veio cumprimentar-me e perguntou: “È a
minha psicóloga?” Eu sorri e disse-lhe: “Não Duarte é a Vera, estive cá na sala a semana
passada”. Ele disse: “Há já me lembro, vem cá falar connosco, já sei!” E sorriu.
Retirei-me, quando vinha a sair da sala encontrei a monitora que me disse: “Boa
conseguiu vir!”
Desloquei-me até à sala 1. Quando entrei na sala, cumprimentei todos e a Maria
apressou-se a cumprimentar-me com dois beijinhos. E disse: “Olá veio, à nossa festa!”.
Respondi: “sim! Estive cá a semana passada mas a Maria fez ronha e não veio!” Ela riu e
disse, “estive em casa. Mas já cá estou para a festa”. “Hum! E o Renato ainda não veio?”
Ela disse: “Pois estou a estranhar já devia cá estar”.
A monitora ofereceu-me um queque da Dan Cake57, pois estavam todos a comer,
recusei e outra utente que não se recordava de mim começou a fazer-me perguntas. Ela tem
mais ou menos 40 e tal anos e é portadora de deficiência mental grave, por esse motivo
continuava a questionar o meu nome e apesar de eu lhe responder passado um minuto
voltava a questionar-me.
A maioria dos utentes estava debruçado na janela a ver chegar os convidados.
A Maria disse: “Ai a tua camisola é tão linda! Tu vens tão bonita, vens mesmo
bonita! É nova?” Eu agradeci o elogio e disse: “Tu é que estás bonita, tens uma ti-shirt
igual a todos58”. Perguntou-me: “A sua mãe e o seu pai também vieram?” Eu tive que
explicar que eles viviam em Torres Novas e estavam a trabalhar. Ela disse-me “pois a
minha mãe também não pode vir, porque... e o meu pai que, Deus o tenha, já morreu!”
Vim até ao exterior, pude observar uma multidão de pessoas todas com a ti-shirt
igual e a identificação da Instituição a que pertencem nas costas. As instituições juntavam-
se por grupos ao longo do recinto. Em frente do CAO1, podia ver-se os preparativos para
os jogos e duas carrinhas com o equipamento de som. Muita música e movimento. Ao
fundo pude avistar por cima da porta do ginásio um placar que dizia “Igualdade de
Oportunidades”, e outro a indicar a exposição. Questionei uma monitora, se a exposição já
estava aberta, ela disse que sim que se eu quisesse podia ir visitar.
Ao movimentar-me por entre os diferentes grupos pude verificar o grande número
de instituições presentes e principalmente a diversidade de problemáticas, desde os mais
pequenos até aos seniores todos apresentavam uma grande boa disposição.
57
Um dos patrocinadores dos Jogos da Primavera
58
Todas as pessoas tinham vestido uma camisola de manga curta branca com o símbolo da festa da parte da
frente.
Dirigi-me à exposição, esta era composta por trabalhos identificativos de cada uma
das instituições participantes. Os trabalhos retratavam o tema da “Igualdade de
oportunidades” sob o ponto de vista de cada instituição, retratando também a sua
população alvo. Os trabalhos demonstravam muita criatividade e empenho, todos
realizados de forma artesanal.
Estavam várias pessoas das diferentes instituições também a visitar a exposição.
À saída encontrei-me com o Psicólogo que me explicou que em consonância com o
Ano Europeu sobre a “Igualdade de Oportunidades para todos”, esta era a 15ª edição dos
Jogos da Primavera que foi dedicada a este tema e por isso denominaram-nos de “Jogos
Pró-Igualdade”. Referiu também que com esta iniciativa, querem mais uma vez chamar a
atenção para a opinião pública para o tratamento ainda tão desigual dado à população com
deficiência. Trazer à participação nestes jogos outros públicos também desfavorecidos e
assinalar igualmente as evidências do seu tratamento desigual. Promover a integração
social entre todos os grupos em presença, salientado as suas diferenças e riqueza
individual. Que também pretendem proporcionar a todos os participantes um dia cheio de
animação, boa disposição, alegria e vivências enriquecedoras. “Divirta-se Dr.ª Vera!”.
Regressei para a entrada do CAO1. Os utentes e as monitoras estavam todos ali à
entrada a observar as movimentações das instituições presentes. A formadora da sala 1
ofereceu-me uma ti-shirt e disse: “Vá lá para não se sentir diferente!” Vesti a camisola e de
facto senti-me parte integrante do grupo.
Entretanto chegou o Francisco e perguntou, “está boa?” Perguntei: “sim e o
Francisco? Respondeu sem olhar para mim, “sim, sim, sim, estou bom, estou bom!”
A Maria que estava sentada num banco à entrada da porta, chamou-me e disse-me
esta é a mãe do Francisco e apresentou-me uma senhora que aparentava ter mais ou menos
68 anos. Cumprimentei-a, perguntou-me se eu era nova monitora, respondi que não que
estava a fazer um estudo lá na Associação. O Francisco aproximou-se e eu brinquei com
ele: “Então Francisco nem me apresentava a sua mãe”, mas ele afastou-se.
Estava previsto o desfile das instituições para as 10:45, mas com tantas pessoas era
impossível cumprir horários. Por volta das 11h foi pedido ao microfone que as instituições
se dispusessem em fila por grupos, sem uma ordem definida. Conseguiu-se criar um
comboio gigante de pessoas todas de várias idades, raças, com e sem deficiências. A
Associação era a última instituição a juntar-se por isso tivemos que esperar um pouco pela
nossa vez. À medida que as diferentes salas se foram juntando ao comboio, vi a Erica.
Cumprimentei-a, estava muito extrovertida por causa da festa agarrou-se a mim e deu-me
dois beijos na cara e seguiu no desfile.
Ao som da música as instituições desfilaram pelo pátio da Associação até a um
jardim onde estava montado um palco e um centro preparado para a realização de
actividades. Ao longo do desfile estavam várias pessoas a assistir, pareceu-me técnicos e
alguns familiares.
Na chegada ao jardim as instituições foram cada uma ocupando um lugar à volta do
centro do Jardim. Os mais idosos e os utentes da Associação (por serem um número mais
elevado quer de utentes quer de familiares) sentaram-se numas cadeiras debaixo de uma
tenda.
Ás 11:30 deu-se início à cerimónia de Abertura. No palco uma senhora agradeceu
aos patrocinadores, revelando que sem eles a festa não se poderia concretizar, em seguida
agradeceu a todos os participantes, explicou que há 15 anos que aquela festa se realiza e
introduziu o que iria acontecer durante aquele dia.
Em seguida, encontravam-se dispostos no centro do jardim alguns utentes da
Associação preparados para dar início à primeira apresentação de abertura dos Jogos.
Acompanhados com música, alguns utentes iniciaram uma dança. Quatro rapazes vestidos
de fato e gravata estavam em cima de uma roda que simbolizava o mundo. Estes
retratavam o mundo dos políticos, surge alguém vestido de branco que, um a um os
empurra para fora do mundo, retirando o poder aos políticos e devolvendo o poder a toda a
população, entretanto entra em cena um conjunto de pessoas mascaradas que representam
várias culturas, vários países várias religiões e várias problemáticas, deambulando pelo
mundo. Essa pessoa de branco (penso que retracta um ser superior) vem juntando um a um,
fazendo com que dêem as mãos e circulem num círculo de mãos dadas, em seguida
percorrem o mundo espalhando a “igualdade na diversidade”, por fim levantaram um
cartaz com o tema da Igualdade de Oportunidades.
C.O.: Esta coreografia foi muito bem realizada para a temática em questão.
Chegou a ser comovente o carisma da diversidade tão presente quer na peça que em tudo o
que rodeava aquela cerimónia. Os actores encararam a actividade com muita
responsabilidade.
Seguiu-se o início dos jogos, os participantes do 1.º jogo deslocaram-se para a área
já preparada para o efeito. O jogo chamava-se “Bingo das Oportunidades”, o seu objectivo
era preencher o cartão Bingo da sua equipa, com bolas numeradas, no menor tempo
possível. Consistia em três equipas constituídas por 5 elementos (4 utentes + 1 técnico),
que jogaram em simultâneo.
Os 5 jogadores colocaram-se na posição inicial indicada no esquema. O primeiro
elemento (A) simula ser invisual colocando uma venda nos olhos (caso não fosse cego) e
acompanhado com um guia (B) que pode ser técnico ou colega. Outro jogador simula ser
portador de deficiência motora (C) e encontra-se em cadeira de rodas, tendo junto de si um
condutor (D). O 5º elemento da equipa (E) é um jogador sem dificuldades de mobilidade.
A um sinal sonoro, o jogador que “simula ser portador de cegueira” retira de uma
caixa junto de si, uma bola numerada que deverá entregar ao jogador que simula ser
“portador de deficiência motora”, que apoiado pelo guia deverá seguir o percurso
assinalado no chão. O jogador C recebe a bola e deverá ir entregá-la ao jogador sem
dificuldades (E), sendo conduzido por D. Imediatamente estes 4 jogadores devem regressar
às suas posições iniciais para repetir a tarefa até terminar as bolas. O jogador E ao receber
cada bola deve correr até ao seu cartão Bingo, subi-lo e ai colocar a bola na casa do mesmo
número, regressando à posição inicial para recolher mais uma.
As três equipas tinham um percurso distinto e ganhava quem conseguisse preencher
o cartão bingo em primeiro lugar. O jogo repetiu-se pelo número de vezes das instituições
participantes, pois todas participaram com três elementos. Durante o jogo, existia uma
pessoa que estava a relatar os acontecimentos outra a cronometrar o tempo e ainda um
grupo de rapazes e raparigas com idades entre os 12-16 anos da escola secundária da
comunidade local que foram denominados de “Juízes dos Jogos”, estavam identificados
com uma faixa cor de laranja no braço e tinham a função de regular e apoiar o decorrer dos
jogos.
No decorrer do jogo aproximei-me da equipa da Associação, em que participava o
Carlos. Ainda não tínhamos tido oportunidade de nos conhecermos, mas mesmo assim ele
cumprimentou-me e eu desejei-lhe boa sorte para o jogo. Permaneci durante algum tempo
a observar a dinâmica estabelecida e percebi que as pessoas se estavam a divertir imenso e
que naquele momento as diferenças entre todos diluíam-se pois independentemente da
problemática associada, todos participaram num jogo em comum.
C.O.: Considero de extrema importância a integração nestas actividades de jovens sem deficiência,
pois permitiu-lhes conhecer realidades diferentes incentivando para um futuro vazio de
exclusões.
Em seguida fui para o outro espaço onde ficaram os restantes dos participantes. O
recinto já estava organizado para o 2.º jogo que se chamou “Igual Acesso”. Eu aproximei-
me do grupo de utentes da Associação. Alguns utentes ainda estavam a acabar de almoçar
bem como alguns grupos de visitantes (cada instituição trouxe o seu almoço). Uma
monitora pediu-me se eu tomava conta da Carina enquanto ela ia apoiar outra utente que
ainda não tinha terminado de almoçar, porque estava uma grande confusão e a Carina
podia desaparecer. Fiquei então a observar a Carina e o restante grupo que estava sentado
numas cadeiras para verem o decorrer do jogo. A verdade é que daqueles lugares não dava
para ver muito bem e por isso não consegui observar a totalidade da sua dinâmica. Contudo
por todo o recinto estavam cartazes que identificavam alguns serviços da sociedade como o
ensino, a saúde etc. e o objectivo era chamar a atenção para o direito ao igual acesso a
todos os serviços públicos. Novamente participaram todas as instituições colaborando com
4 elementos de cada.
Estavam 4 equipas a jogar em simultâneo. Existiam quatro áreas – Educação,
Saúde, Trabalho e Cultura, devendo no início do jogo, cada uma ser ocupada por uma das
4 equipas. A um sinal sonoro os jogadores iniciaram a realização das tarefas inerentes à sua
área, devendo depois rodar para a área que se segue no sentido indicado.
Entre as 4 áreas existiam obstáculos que tinham que ser transpostos pelos
jogadores: Ponte móvel, Escada, Túnel e Pneus.
Cada equipa terminou na área onde começou, colocando então uma placa com o
respectivo nome de área, concluindo assim o jogo.
Em seguida, decorreu a entrega dos prémios aos vencedores dos jogos. Em que as
instituições vencedoras receberam um azulejo com o símbolo da Associação e todos os
participantes receberam uma medalha de participação.
Seguiu-se o momento da animação musical, que contou com a colaboração em
primeiro lugar do cantor Bonga. Quando ele entrou no recinto os utentes das várias
instituições entraram numa grande euforia, assobiando e chamando por ele. Ele subiu ao
palco e as pessoas invadiram a relva e começaram a dançar. Parecia uma discoteca em
plena tarde, não importava a idade ou a deficiência porque a maioria gostava do cantor. Ele
cantou duas músicas, chamou uma criança ao palco de origem africana para dançar com
ele e depois desceu para a relva para o meio do público e dançou juntamente com todos.
Seguiram-se mais alguns cantores como a Mónica Sintra e outros cantores de música
tradicional portuguesa menos conhecidos. Todos eles interagiram com o público.
Durante o momento musical a monitora deixou de ver a Carina, perguntou-me
muito preocupada se eu a tinha visto, disse-lhe que não e fui ajudar a procurá-la. No meio
daquela multidão de gente avistei a Carina num canto a sentada a brincar com duas
senhoras que parecia monitoras de alguma instituição. Chamei a monitora, e fomos ter com
ela. As monitoras que estavam com ela explicaram que forma monitoras da Carina noutro
colégio durante 18 anos e por isso ela estava ali tão confortável parecendo estar no seu
ambiente natural.
Apesar da grande energia geral, houve um grupo de idosos provenientes do Centro
Comunitário de Reformados e Pensionistas de Camarate que a sua maioria permaneceu
todo o tempo do momento musical sentado, apenas rindo e batendo palmas.59
O Renato veio cumprimentar-me, eu perguntei-lhe: “então Renato por onde tem
andado que eu ainda não o tinha visto?” Ele respondeu: “Não me viu a mim, mas eu via a
si?” Perguntei: “Aonde?” Ele respondeu: “Nem me conheceu porque eu estava de fato! Eu
era o Político e via-a muito bem”. Eu: “Ai Renato, estava bem disfarçado e representou
muito bem!”.
59
Talvez devido ao piso ser um pouco instável, este grupo de pessoas mais idosas não se sentiram seguras
para dançar em cima da relva.
Ele retirou-se e foi dar o seu casaco a uma senhora dos seus 70 e poucos anos que
estava sentada na última fila, talvez seja a sua mãe.
Por volta das 15h:30m procedeu-se à entrega do prémio do “Melhor Placard”, e o
vencedor foi mesmo a Instituição organizadora, isto é a Associação.
A partir das 16h as instituições começaram a despedir-se e ir embora. Tendo sido
dados por encerrados os jogos por volta das 17h.
Associação…
15 de Maio de 2007
17h:30m às 21h
VISITA À RESIDÊNCIA 2
Cheguei à Associação e encontrei-me com o Psicólogo no pátio. Hoje foi ele a fazer
a minha integração na residência porque a Assistente Social me tinha dito que não podia
estar presente porque ia haver uma acção de formação para alguns funcionários e ela teria
que participar não tendo disponibilidade para me acompanhar.
O psicólogo acompanhou-me à Residência 2, explicou-me que devido à ausência de
alguns monitores (por causa de uma acção de formação interna) alguns utentes das outras
residências tinham actividade musical. Assim quando chegámos à residência apresentou-
me a duas ajudantes de lar, explicando os objectivos da minha presença e pediu a
colaboração delas no que eu precisasse. A Maria estava a limpar o pó na sala e quando me
viu veio espontaneamente cumprimentar-me e perguntou se eu ia lá ficar na residência. O
psicólogo disse para eu o acompanhar à sala da música para me apresentar os restantes
utentes das outras residências. No caminho para a sala de música, eu estava a explicar ao
Dr. que o meu objecto de estudo são as pessoas com mais de 45 anos e que com as visitas
tenho conseguido conhecer melhor as pessoas que vão participar no estudo, à excepção do
Fernando com quem não consegui estabelecer uma relação de proximidade, entretanto o
Fernando vinha a sair da sala e disse-nos alguma coisa, que eu não consegui entender, mas
nem para nós dirigiu o olhar. O Dr. referiu: “sim o Fernando tem uma personalidade
complexa ele não consegue olhar para as pessoas quando fala com elas, não reparou?”
Chegámos à sala onde se costuma realizar o baile à sexta-feira à tarde. A música era
da autoria de uma parte do grupo dos “Panteras Negras”, todos os utentes e as monitoras
estavam dispostos em U à volta da pista de dança. O Dr. apresentou-me e disse que eu ia lá
estar um bocado a observar e a conviver com os utentes. Eu disse olá e retirei-me com o
psicólogo referindo que era provável que voltasse. Fui até à residência 2, quando entrei a
Maria continuava a limpar o pó. As Ajudantes de Lar estavam a começar a fazer o jantar.
A sala é grande tem duas janelas que deixam entrar a claridade e está decorada com
todo o conforto de uma casa onde vive uma família. Tinha ao centro uma mesa de jantar
comprida e rectangular e uma mesa mais pequena redonda, um aparador, um móvel com
uma televisão e uma aparelhagem, e vários quadros nas paredes, bem como diversos
objectos decorativos por cima da mesa e dos móveis. Ao fundo da sala via-se uma pequena
cozinha e uma entrada que dava para um pequeno hall com três quartos e uma casa de
banho. Ao lado dessa entrada existe umas escadas que dão acesso ao primeiro andar da
residência. Numa das paredes da cozinha existe um placar com o registo das actividades
semanais de cada utente da residência.
Uma das monitoras explicou-me que no início de cada semana fazem uma reunião
com os utentes onde cada um se compromete a cumprir determinadas tarefas domésticas.
Referiu que há alguma flexibilidade na execução de tarefas que gostam mais, mas que o
objectivo é que aprendam a ser independentes nas suas actividades de vida diária, bem
como aprendam a viver em grupo partilhando o espaço, aprendendo a gerir as suas regras e
os seus direitos. Disse também que nessa reunião os utentes podem sugerir uma refeição à
sua escolha, novamente tendo que entrar em acordo na decisão do grupo. Após a divisão de
tarefas é afixado no placar uma tabela com os dias e as funções de cada um, que serve para
os utentes se organizarem diariamente.
Entretanto a Maria já tinha regressado e veio rapidamente mostrar-me a avaliação
diária dela, mostrou que teve sempre 10, o que corresponde à soma da nota máxima diária.
O Renato dirige-se à cozinha com o balde da água na mão dizendo que já tinha
terminado de lavar a casa de banho. Entretanto entram na sala da residência o Fábio e o
Carlos. As monitoras apresentaram-nos, o Carlos disse que já me conhecia. Expliquei-lhes
que estava lá para os conhecer porque estava a estudar o envelhecimento. Disse-me “eu
ajudo no que for preciso e respondo às perguntas que quiser”. O Carlos mostrou um olhar
cansado e talvez um pouco de indiferença pela minha presença.
A monitora indicou ao Carlos as tarefas que ele tinha que realizar. Ele agarrou no
balde com o detergente e o esfregão e convidou-me a acompanhá-lo para conversarmos.
Subimos ao 1.º andar, acompanhou-me ao seu quarto e disse que aquela era a sua
cama e a outra era de outro colega. Perguntou-me: “o que é que queria perguntar-me? Pode
perguntar que eu respondo!” Respondi-lhe: “Hoje apenas quero conversar um pouco
consigo e conhecê-lo melhor e depois de nos conhecermos melhor, combinamos um outro
dia, pode ser?” Ele respondeu: “Pode, quando quiser? E se quiser conhecer a minha mãe
ela vem buscar-me na sexta-feira. Disse-me que trabalhava em quê?” Respondi: “Sou
Assistente Social e trabalho com pessoas cegas”. Ele: “A minha mãe é professora de
química dos alunos do Instituto Superior Técnico e o meu pai é oftalmologista. É colega da
Assistente Social, da Drª…?” Respondi: “Sim, mais ou menos!” Ele: “Ás vezes começo a
pensar o que é isso do social umas vezes sei outras fico confuso”. Eu ia para começar a
tentar explicar de uma forma simplificada a minha noção de social, mas o Carlos disse:
“foi o veneno da cobra que os fez ficar cegos?” Ele regrediu na nossa conversa e pensava
que as pessoas ficavam cegas porque foram mordidas por uma cobra. Expliquei-lhe que
isso não era verdade e que as pessoas cegas eram um grupo de pessoas que não vêem e que
têm características parecidas como eles lá na Associação. Carlos: “Há estou a ver!” E
disse-lhe: “Eu não quero atrapalhar as suas tarefas, o melhor é ir depois quando terminar
continuamos a conversar”. Entretanto chega o Francisco e pediu um esfregão e detergente
ao Carlos, dirigiu-se à casa de banho do Hall do 1º andar e começou a lavá-la. O Carlos
começou a limpar a casa de banho do próprio quarto.
No primeiro andar existem três quartos, uma casa de banho e uma pequena sala.
Desci para o rés-do-chão, o Fábio estava a lanchar. Olhou para mim e sorriu. Eu
aproximei-me e perguntei se estava tudo bem com ele, ele respondeu-me que colaborava
no fosse preciso, apesar de eu não lhe ter perguntado. Os sinais físicos do envelhecimento
são bastante visíveis no Carlos, já tem cabelos brancos, muitas rugas e não tem a dentição
completa. Tem um olhar um pouco triste e com reflexo de cansado. Segundo informação
fornecida pela a Assistente Social o Fábio é o utente/trabalhador mais velho do Elo, ou
seja, ele está a trabalhar no centro de emprego protegido mas continua a ser utente da
residência pois já não tem pais. Devido à sua idade também já avançada e devido à sua
deficiência mental o Fábio reside na residência da Associação e vai alguns fins-de-semana
a casa de um irmão.
A Maria continuava a limpar o pó e o Renato chegou e convidou-me para jogar às
Damas com ele. Eu aceitei mas disse-lhe que não sabia jogar muito bem, ele disse que não
fazia mal porque ele explicava-me. Foi buscar o jogo e sentámo-nos numa mesa redonda
na sala. Quando começámos a jogar, a Maria veio conversar comigo impedindo que o jogo
se desenvolvesse. Debruçou-se sobre a mesa e começou a fazer perguntas sobre mim. Se a
minha mãe e o meu pai estavam bons, se eu tinha irmãos, onde é que eu morava se eu era
casada, se eu tinha fotografias na carteira para lhe mostrar... Um rol de perguntas sem fim.
Fui tentado responder-lhe, com a pressão do Renato a querer que eu joga-se. Disse-lhe que
os meus pais estavam em Torres Novas e que eu só lá ia ao fim de semana. O Renato não
queria acreditar pois disse que o pai dele também é de Torres Novas, mas já vivem em
Lisboa há muitos anos. A Maria disse, “sim, é como eu também só vou a casa ao fim de
semana, mas o meu pai já morreu coitadinho”. Perguntei-lhe porque é que ficava lá na
residência sempre, ela respondeu que morava longe, em Miratejo e que está na Associação
desde a sua abertura. Disse também que a mãe já tem 70 anos e que tem outros irmãos e
sobrinhos, um que já está casado.
O Renato voltou a contar-me que a mãe tem 76 anos e o pai tem 79, mas já têm
muitos problemas.
Perguntaram-me quantos anos têm os meus pais. Disse-lhes que tinham 50 e poucos
anos, e que ainda eram novos. O Renato franziu os olhos e abanou a cabeça, dizendo que
ele também fazia 50 anos. Perguntei-lhe, que cara tinha sido aquela. Ele disse-me: eu
também tenho quase 50 mas já vou durar pouco”. Perguntei-lhe: porque é que pensa isso”,
disse-me: “eu estou muito doente, já nada é como era dantes”. Em determinado momento
confessou-me que tinha problemas no ânus e que o médico não faz nada, que o que eles
querem é que ele vá pagar para ir a outro médico privado. Contou-me que tinha dois
irmãos, porque um morreu. Esse irmão tinha problemas crónicos, esteve internado no Júlio
de Matos, ele referiu que gostava muito dele mas que tinha medo dele porque ele batia ao
pai. Perguntei-lhe quais foram as causas da morte, disse-me que foi da doença.
Entretanto o Carlos sentou-se na mesa. Perguntei-lhe se já tinha realizado todas as
tarefas, respondeu-me que por hoje já estava e que estava à espera de vez para ir tomar
banho. O Renato disse: “já tomei banho de manhã”. E o Carlos disse-lhe: “mas não é de
manhã é antes do jantar que se toma banho”. Permaneceu ali entretido a lançar uns dados
pertencentes a outro jogo e a contar os números.
O Carlos é um rapaz baixo, moreno e muito magro. Usa uns óculos de sol
desportivos com lentes espelhadas. Tem uma atitude formal e educada.
C.O: Todas as vezes que vi o Carlos ele trazia os óculos postos. Em determinado momento ouvi
alguém a comentar que eram novos e ele a mostrar os óculos com muito orgulho. Usar óculos
de sol pode ser uma forma de se esconder, por outro lado o facto dos óculos serem futuristas
podem fazê-lo sentir-se mais jovem.
A Maria sentou-se ao meu lado e entre nós ficou a minha mala entreaberta.
Ela demonstrou uma grande curiosidade com as minhas coisas e voltou a pedir para
ver a fotografia do meu namorado. Mostrei-lha e ela referiu: “há fazem um lindo par, é tão
bonito o seu namorado!” Ela viu o meu caderno dentro da mala e quis ver. Retirei o
caderno da mala, abri numa página em branco e pedi-lhe para me dizer os nomes das
pessoas que estavam naquele dia na residência. Ela o Renato e o Carlos ajudaram dizendo:
“Então escreva aí, os nossos nomes, Carlos, Renato, Maria, Francisco, Fábio, e falta cá os
que estão na música que são o Bruno, a Maria João, a Cláudia e o Pedro. Depois de escrita
a lista a Maria puxou o caderno para ela e começou a ler. Brinquei com ela e disse-lhe:
“Sabe ler muito bem!” O Renato retorquiu: “eu também sei ler tenho o 6.º ano”.
C.O: Naquele momento a Maria também me disse o grau de escolaridade que ela tinha, mas não me
recordo ao certo. Tentar saber na próxima visita à Associação. Ela tem uma maneira própria
de falar. Fala com uma entoação forte no final das frases e muitas vezes fala como se
estivesse a cantar, sempre que tento reproduzir as suas falas quase que consigo ouvi-la a
pronunciá-las. Manteve uma relação de proximidade imediata comigo, está sempre a tentar
tocar nos meus cabelos e na minha roupa. Observa muito bem o que trago vestido e quase
sempre tenho recebido elogios da parte dela. Se por um lado foi positivo essa aproximação e
relação de empatia, em alguns momentos ela exige em demasia a minha atenção permanente.
C.O: Demonstrou que era mais importante ensinar-me do que ganhar. Penso que o fez sentir-se numa
posição superior.
C.O: Penso que ele estava confundido com o dia e talvez por isso estivesse a dizer que tinha tomado
banho de manhã. Ou então queria escapar-se desse cuidado de higiene pessoal, o que não me
pareceu pois ele costuma aparecer sempre limpo e com a roupa lavada.
Levantei-me e fui até à cozinha, uma das ajudantes de lar estava a fazer o jantar e
explicou-me que o primeiro grupo a tomar banho é o das raparigas e que depois vão os
rapazes, o último a tomar banho tem que arrumar a casa de banho. As restantes tarefas da
casa são distribuídas por todos e em cada dia têm uma avaliação. Dirigiu-se para um quarto
no rés-do-chão onde havia um armário onde guardam um dossier com a ficha diária de
cada utente. Mostrou-me a ficha de avaliação diária, que era igual à do CAO e explicou-me
que cada um dos factores de avaliação (descritos num dos diários anteriores) tem uma
escala de avaliação compreendida entre 0-2 à excepção do factor rendimento no trabalho
que vai de 1-4.
A Maria entrou no quarto. Vestia um fato de treino e um robe. Apressou-se a buscar
a sua ficha de avaliação para me mostrar que tinha tido sempre 10 na sua avaliação diária,
o que corresponde à avaliação máxima em todos os itens da avaliação. Referiu que queria
ganhar o prémio. Questionei: “Qual é o prémio?” Disse: “o prémio de bom
comportamento, se ganhar mais pontos ganho mais dinheiro”. A monitora interviu dizendo
que a avaliação é efectuada diariamente mas no final de cada mês, é efectuado um balanço
da avaliação, como forma de contabilização para o rendimento mensal de cada utente.
C.O.: O dinheiro que recebem é simbólico, mas funciona como reforço positivo no incentivo à
aquisição de regras comportamentais. Tendo em conta que a avaliação do grau de deficiência
mental contempla a forte interacção entre o sujeito e o ambiente é importante que os sujeitos
aprendam as regras da sociedade em que estão inseridos e consigam ser o mais autónomos
possível. Percebi que estes sujeitos necessitam de um acompanhamento constante na
manutenção competências sociais, sendo que algumas das pessoas estão na instituição há
muitos anos e ainda necessitam de supervisão.
Factores Pontuação 1 2 3 4 5 6 7 8 9 19 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31
TOTAL
Observações:____________________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________
C.O.: Não consegui entrar em diálogo, porque naquele momento ela começou a contar-me como
tinha sido e não foi possível perceber se ela associava a idade da morte do pai com a idade da
mãe e se isso de algum modo a preocupa.
C.O.: Acho que vai ser muito difícil conversar com o Francisco de forma formal, pois ele não
estabelece contacto visual com ninguém, não olha as pessoas nos olhos e normalmente foge
ao diálogo.
C.O.: Foi muito importante sentir que o ambiente na residência era muito calmo, que as monitoras
transmitiam muito carinho aos utentes. Foi também uma experiência interessante verificar
como as tarefas da vida diária fazem parte da organização da casa e da vida de todos os
utentes. Penso que a Maria identifica-se com o espaço, bem como o Carlos se identifica
com o quarto. O Renato aceita com normalidade que tem que ficar na residência de vez em
quando.
Associação…
22 de Maio de 2007
14h:30m às 15h:15m
também tem praia” disse eu. Ela: “Evidentemente, que não é a mesma coisa! A Associação
tem lá em Albufeira uma casa, muito boa, nunca foi lá?” Respondi, “não ainda não tive
oportunidade”. Ela: “Hó mulher peça ao Dr. Martins ou ao sobrinho, o Dr. Ricardo, ou à
Assistente Social se preferir e venha com agente”. Respondi: “E depois quem é que ficava
lá no meu trabalho?” Ela riu-se e perguntou: “Quando é que me leva a conhecer o seu
trabalho? Tem que pedir à Assistente Social que ela leva-nos lá no carro!” Disse-lhe que
quando quisesse lá ir seria bem vinda. Erica: “Quando? Olhe que tem que ser antes de eu ir
de férias! E eu vou para Albufeira e depois em Agosto vou para a Costa da Caparica com a
minha mãe e as pessoas da junta da freguesia.”
C.O.: Mais tarde percebi que a casa que a Erica se refere não é outro pólo da Associação, mas sim a
colónia de férias para onde vão com os profissionais e monitores todos os anos.
Ela tem a clara noção de hierarquia e sabe que não pode ausentar-se da Associação sem
autorização. A Erica monopolizou a minha atenção.
Eu: “Já percebi que gosta muito de passear, e da festa da primavera, gostou?” Erica:
“Eu gostei muito, foi uma grande festa, a minha mãe não pode vir não sabe o que perdeu!”
Perguntei: “Porquê, estava a trabalhar?” Erica: “Não (olhou para mim com espanto) a
minha mãe já não trabalha há muitos anos por causa da idade e porque já não pode por
causa das doenças.” Eu: “Ela tem quantos anos?” Erica: “Já tem 74 anos, mas já não pode
trabalhar por causa da saúde”. Eu: “E o seu pai?” Erica: “Então não sabe! O meu pai vive
no cemitério de Benfica, morreu há uns anos por causa da doença do Alzeimer. E eu não
posso ir lá vê-lo à casa dele.” Eu: “Então e porquê?” Erica: “Por causa da Epilepsia,
evidentemente, se não ainda tinha lá um ataque! Quando isso aconteceu (quando o pai
morreu), eu e o director achámos melhor assim.”
Continuou a dobrar guardanapos e abanando a cabeça, referiu: “com este trabalho
ganha-se muito mal, nem dá para comprar um par de sapatos. A minha mãe tem que ter 3
hóspedes lá em casa para vivermos melhor, para ganharmos dinheirinho (fez o gesto de
dinheiro com a mão)”. A monitora riu-se e disse: “Ai a Erica é tão pobrezinha coitadinha,
está sempre a chorar-se! E piscou-me o olho. A Erica olhou para ela, sorriu e disse: “pois a
vida está muito difícil”.
Mudando de assunto perguntei: “E o casamento quando é?” Ela irritada disse:
“Ainda não é porque a minha mãe não me deixa casar, mas eu um dia ainda fujo!”
A certo momento queixou-se de uma dor por baixo do peito esquerdo referindo que
tinha muitas vezes “cãibras” naquele sítio.
Entretanto entraram na sala duas utentes. Uma rapariga jovem, morena, baixa e
forte sentou-se ao meu lado, equipou-se com a bata e touca branca na cabeça e começou a
dobrar guardanapos. A outra sentou-se a ler uma revista.
Despedi-me de todos, explicando que ia até à sala ao lado cumprimentar outros
colegas.
Ao sair da sala sentei-me um pouco num banco que existe no hall, para tirar
algumas notas. Abri o meu caderno e comecei a escrever, quando de repente aparece a
Erica. Pergunta: “O que está aqui a fazer? Está a escrever no seu caderno?” Respondi
atrapalhada: “sim estou a tirar umas notas sobre algumas coisas importantes para não me
esquecer”. Erica: “Posso ver?” Respondi: “Sim claro que podes!”. Ela sentou-se ao meu
lado para poder olhar para a folha do meu caderno, e eu perguntei: “Então o que é que
estás a fazer aqui fora?” Ela levantou-se e dirigindo-se para a casa de banho disse: “vim à
casa de banho, porque estava a dar-me novamente uma cãibra” aproximou-se novamente e
sussurrou ao meu ouvido: “sabes como é! É o PDI! Dantes quando era mais nova não tinha
nada disto.” Riu-se à gargalhada e saiu.
Continuei a tirar as minhas notas. Á minha frente estava um placar com vários
documentos institucionais, como o regulamento, o horário de funcionamento a distribuição
dos monitores por sala, um cronograma do Centro de Actividades ocupacionais e o Plano
de Intervenção de cada utente para o mês de Maio.
CAO
CAO 1 CAO 2 Área
Centro de Actividades Centro de Actividades Pedagógica / Terapêutica
Ocupacionais úteis Estritamente Ocupacionais
Expressões Educação
Natação / Remo adaptado
Artesanato
60
Utente 1
61
Utente 2
62
Utente 3
63
Utente 4
Associação…
22 de Maio de 2007
15h:15m às 16h
Já estava no final do dia, a sala estava num reboliço. Quando entrei na sala, o
Renato Teixeira e um colega estavam a jogar ao computador, a Maria estava a fazer um
puzzle em que através da introdução de pinos de várias cores ia construir um desenho.
Perguntei à monitora pelos outros colegas, ela disse-me que dois deles tinham ido para o
Artesanato e que outros, o Psicólogo tinha ido buscar para a realização de uma actividade,
mas que não sabia ao certo do que se tratava.
Cumprimentei a Maria, veio prontamente dar-me dois beijinhos e disse: “Vem tão
bonita, a Vera, vem sempre tão bonita”. “A sua mãe e o seu paizinho estão bons?”
Respondi que sim que estavam em Torres Novas. Ela: “Eu também fui a casa no fim-de-
semana”. Eu: “Sim! E correu bem o fim-de-semana?” Maria: “Sim correu bem, foi bom.
Quem me dera morar aqui perto!” Eu: “Então porquê?” Maria: “Para poder ir a casa todos
os dias”.
Aproximei-me do computador e perguntei que é que estavam a jogar, o colega do
Renato disse: “É a tua amiga!” O Renato perguntou: “sim é minha amiga, mas também é
tua amiga”. Ele disse: “mas é mais tua amiga”. A monitora interviu e perguntou-lhe porque
é que estava a dizer aquilo. Ele respondeu que era porque eu falava mais vezes com o
Renato. Eu interrompi o diálogo e expliquei-lhe: “Sim é verdade eu tenho conversado com
o Renato porque tem calhado assim, mas sou amiga dos dois”. A monitora disse: “vamos lá
deixar os ciúmes de lado a Vera é amiga de todos”.
A Maria chamou-me para eu ver o puzzle que ela tinha concluído. Dirigi-me a ela e
elogiei o seu esforço e disse a todos que já voltava que ia só ver a actividade de artesanato
ali ao lado.
Quando entrei na sala de artesanato estava uma monitora a ensinar dois utentes, o
João e outro utente mais jovem portador de deficiência mental e auditiva. A monitora
estava a ensinar-lhe a fazer um laço, recorrendo à demonstração e acompanhamento do
movimento manual efectuado pelo utente. Ele estava a apresentar muitas dificuldades,
tendo sido necessário repetir várias vezes a explicação. A monitora sentiu necessidade de
explicar, “às vezes é mais importante batalharmos nestas pequenas coisas do que fazerem
trabalhos muito bonitos”.
C.O.: A importância de saber fazer um laço está relacionado com o controlo da destreza
manual e com o treino do movimento manual. É também importante na autonomia de
uma pessoa, pois saber atar os sapatos é uma das competências pessoais que se adquire
em criança.
O João estava a observar o colega, a monitora referiu: “o João já fez o seu trabalho
é aquele que ali está exposto”. Perguntei: “Posso ver a exposição dos trabalhos
realizados?” Monitora: “sim claro!”
Percorri a sala do artesanato, observando alguns dos trabalhos expostos. Usam
pasta de papel, papel, gesso entre outros materiais com recurso à pintura na realização dos
trabalhos. Por toda a sala estavam espalhados desenhos e trabalhos manuais realizados
pelos utentes.
Na sala ao lado ouvia-se o psicólogo a realizar uma sessão de grupo com alguns
utentes. Pareceu-me que o tema era sobre a sexualidade, pois conversavam sobre o facto de
terem namorado(a) e porque é que uns tinham namorado(a) e outros não.
Precisava de conversar com o psicólogo, quando senti que estava a terminar a sua
sessão, agradeci à monitora a sua atenção, despedi-me dos dois utentes e ausentei-me da
sala. Quando cheguei ao corredor já não consegui encontrar o psicólogo e por isso
regressei à sala de CAO1 para ir me despedir. A Maria e o Renato perguntaram quando é
que eu voltava.
Quando vinha a sair do CAO 1 encontrei no pátio o Francisco e o Duarte, que
vinham de uma sala de formação que existe ao fundo do jardim. Aproximaram-se, e o
Fernando cumprimentou-me com dois beijos na cara e disse: “ Olha a minha amiga!” Dei-
lhe um aperto de mão e perguntei: “Está tudo bem contigo? Respondeu: “Sim, venho ali de
uma actividade.” E continuou o seu caminho.
Seguiu-se o Diamantino, sorriu e deu-me um aperto de mão. Perguntei em que
actividade estiveram, respondeu: Estivemos nas “competências emocionais”. Perguntei: “e
gostaram?” Fez sinal que sim com a cabeça ao mesmo tempo que encolheu os ombros e
dirigiu-se à sala de CAO.
Ao caminhar para o carro encontro o Fábio que estava a cuidar do jardim. Ao
avistar-me ao longe identificou-me de imediato e sorriu-me. Aproximei-me para o
cumprimentar, perguntou-me se estava boa, disse-lhe que sim e retribui a pergunta, ao
fazer-lhe a mesma pergunta, apresentou-me um sorriso pouco expressivo encolheu os
ombros e disse: “ Vai-se andando”. Elogiei a Buganvília que estava no jardim e perguntei
se era ele quem cuidava dela, disse-me que sim e que se eu quisesse ele pedia ao superior
dele e dava-me um pezinho para eu plantar no jardim.
C.O.: Apenas tinha estado uma vez com o Fábio, na residência. Nesse momento senti alguma
indiferença da parte dele em relação à minha presença. Hoje foi bom sentir o contrário na
simpatia transmitida por ele.
Associação…
30 de Maio de 2007
15h:00m às 16h
REUNIÃO COM O PSICÓLOGO
Associação…
1 de Junho de 2007
14h:00m às 15h
REUNIÃO COM O DIRECTOR
O encontro com o director teve como objectivo, dar a conhecer o teor das
entrevistas; pedir a sua opinião sobre as mesmas e solicitar a sua colaboração na
aproximação às famílias.
Apresentei ao director as minhas entrevistas e referi o grupo de utentes escolhidos
para participar no meu estudo. Ele referiu que tinha sido uma boa escolha e que as
entrevistas estavam muito bem. Referi que seriam bem aceites sugestões de reformulação
mas ele não achou necessidade de reformular nenhuma questão. Combinámos quais dos
profissionais da Associação iriam ser os participantes e combinámos uma estratégia de
participação dos pais. Mostrei a minha disponibilidade para me deslocar a casa dos
familiares a fim de realizar a entrevista, mas o Director achou que após a aceitação dos
pais na participação neste trabalho, seria mais indicado solicitar aos pais para se
deslocarem a Associação.
Durante a nossa conversa, entrou na sala a Presidente da Associação, que é mãe de
um utente. O Director apresentou-me e eu apresentei o trabalho que me encontro a
desenvolver. O director referiu que eu poderia realizar o pré-teste da entrevista à Presidente
porque ela é mãe e funcionária, contudo reflectiu e achou que ela por desempenhar dois
papeis, a de mãe e a de funcionária, poderia não conseguir colocar-se de forma neutra na
entrevista.
A Presidente foi muito simpática comigo, e revelou-me verbalmente a sua
disponibilidade para colaborar comigo.
Em seguida entrou a mãe do utente Carlos. O director apresentou-nos, explicou que
ela pertence à direcção e que vai muitas vezes a Associação, pedindo assim a sua
colaboração. Ela disponibilizou-se de imediato, contudo referiu não poder adiantar com
uma data porque andava com alguns problemas de saúde.
Sentia-me um pouco a atrapalhar o trabalho, por isso tendo já resolvido os meus
assuntos despedi-me e retirei-me.
Quando vinha a sair da sala do Director estava a Maria e a sua mãe à saída,
aproximei-me e a mãe da Maria dirigiu-se para a sala do director. Cumprimentei a Maria,
perguntei-lhe se ia para casa, ela disse: “sim, sexta, sábado e domingo, perguntei, vejo que
vai fazer fim-de-semana grande!” Mas ela não me estava a dar muita atenção.
Associação…
1 de Junho de 2007
15h:00m às 16h
C.O.: Este cartão é um substituto do B.I., aparentemente foi realizado manualmente e serve para
prevenir uma eventual perca do verdadeiro. Apresenta uma versão simplificada com recurso
ao desenho. Apesar da sua simplicidade serve como identificação da pessoa caso necessário.
Disse-me que daqui a uns dias ia de férias para Albufeira. Perguntei quando ao
certo e se ainda podíamos conversar antes de ela ir de férias?
Ela respondeu: “Hó mulher! È que eu vou já dia 18!, vou no dia antes dos meus anos, faço
anos a 19”. Abraçou-se a mim e disse: “Gostava tanto que me telefonasse nesse dia.”
Respondi-lhe: “Mesmo que eu não te telefone, prometo que me vou lembrar de ti”. Ela
continuou a agarrar na minha mão e a colocá-la na sua cabeça para eu lhe dar carinho.
Perguntei: “O que se passa Erica, estás muito triste hoje, queres contar-me?” Ela:
“Evidentemente, estou aqui fechada à uma semana!” Eu: “O que quer dizer com isso?”
Ela: “Hó mulher tive na moradia, já viu 5 dias na Associação de dia e de noite”. Eu: “Então
a quase todos gostam de ficar na moradia e tu não gostas porquê? É por causa das tarefas?”
Ela: “Ninguém pode gostar, Isto é de uma mulher dar em louca!” “Não, é que me sinto
sufocada uma semana inteira sem ir passear”. Eu: “Hum estou a ver! Quando estás em casa
costumas ir passear depois do jantar?” Ela: “Evidentemente, quase todos os dias vou dar
uma volta, para arejar!
Ao mesmo tempo que íamos conversando ela continuava a solicitar o contacto
físico entre nós. Pegava-me na mão e dava-me festas, abraçava-me, solicitava que eu a
abraça-se e ao mesmo tempo ia pegando no cartão que tinha à sua frente.
E disse: “O pior é o que eu tenho para fazer depois das férias!” Perguntei porquê.
Mostrou-se pensativa, e disse: “vou dar uma palestra!” Eu: “Sobre o quê?” “Sobre a
Eternidade, ali na minha Igreja!” Perguntei-lhe o que é que ela ia falar em concreto? Mas
ela não me quis dizer porque era surpresa e disse: “ Depois vê a cassete”. “Aiiiii, custa-me
muito falar sobre estas coisas!” A verdade é que é a nossa última morada, todos lá vamos
parar!”
C.O.: A Erica associa a Eternidade à morte e principalmente associa o tema à morte do pai, disse-lhe
que queria falar com ela sobre o envelhecimento ela rapidamente associou-o à morte e referiu
que não gostava de falar sobre isso!
Entretanto entrou na sala outro utente que possuía uma deficiência profunda. O seu
pai veio buscá-lo, pude observar que já aparentava uma idade bastante avançada. Em
seguida chegou o pai do Victor também vinha buscá-lo. Igualmente ao outro pai, os sinais
visíveis do envelhecimento já se faziam notar.
Despedi-me e desejei boas férias a todos.
Apêndice 2
Titulo: Guião de Entrevista Exploratória
Tendo em conta a pergunta de partida “Quais são as respostas sociais e/ou familiares que
promovem bem-estar no processo de envelhecimento da pessoa com deficiência mental?”
responda às seguintes perguntas:
Tem uma ideia de quais são os motivos que levam a família ou a pessoa com
deficiência mental a procurar apoio nas instituições?
Sabe quais são as respostas sociais que existem destinadas a esta população, mesmo
ao nível residencial e de acompanhamento?
Quais lhe parecem ser os objectivos das instituições que apoiam esta franja
populacional?
Qual será o destino da população que está na instituição? (perguntar a quem for pertinente)
Apêndice 3
Titulo: Transcrição das Entrevistas Exploratórias
Entrevista exploratória 1
(Director de instituição de apoio a pessoas com deficiência mental)64
Eu: Antes de mais nada, como o Dr. António Martins já conhece, o meu trabalho insere-se
no âmbito do Mestrado em Serviço Social, sobre o tema “Respostas Sociais para o bem-
estar do indivíduo adulto portador de Deficiência Mental no seu processo de
envelhecimento”.
Os objectivos principais deste trabalho vão de encontro a um aprofundamento sobre esta
temática e preferencialmente conhecer quais são as respostas sociais mais eficazes para a
promoção de bem-estar e na resposta específica às suas necessidades também específicas,
sempre com um objectivo principal que é planificar e melhorar a qualidade das respostas
destinadas a este grupo populacional.
Tendo em conta o tema e uma pergunta de partida, sob a qual eu me estou a basear, que é
“Quais são as respostas sociais, institucionais e/ou familiares que promovem bem-estar no
processo de envelhecimento da pessoa com deficiência mental?” pedia-lhe que reflectisse
um pouco comigo sobre estas temáticas, começando talvez por lhe perguntar o que é que é
para si, ou o que é que acha que é uma pessoa com deficiência mental?
Dr. António Martins: Ora muito bem dito, o que é uma pessoa com deficiência mental,
vamos lá ver para mim uma pessoa com deficiência mental trata-se de um ser humano
como qualquer outro que tem algumas dificuldades no âmbito do seu comportamento
adaptativo e que advêm das dificuldades intelectuais que obviamente tem a ver com
aspectos ideológicos dos mais diversos que acontecem no período de desenvolvimento
normalmente pois para como patamar o período de desenvolvimento dos 18 anos, mas do
ponto de vista visível e funcional aquilo que é mais visível é que têm dificuldades no seu
comportamento adaptativo, ao nível social, ao nível da sua vida pessoal, ao nível da sua
vida familiar, ao nível da integração profissional, do ponto de vista cognitivo ou aos mais
diferentes níveis de desenvolvimento a que estas pessoas estão sujeitas para cumprimento
do que são expectativas da sociedade ao longo de toda a sua vida. Tanto que eu sublinho
muito este aspecto funcional e do comportamento adaptativo que segundo aquilo que é a
orientação e ali mais digamos actual que advém da Associação Americana para o Estudo
da Deficiência Mental, tendo em conta sempre também que esse comportamento
adaptativo e as dificuldades que daí advêm têm muito a ver com os contextos, os meios em
que as pessoas se integram, maior ou menor em função da capacidade do meio também se
adaptar à deficiência destas pessoas.
Eu: Tendo em conta que este trabalho vai ligar a pessoa com deficiência e a pessoa idosa,
perguntava-lhe agora o que é que é para si uma pessoa idosa, visto que já me deu a sua
opinião sobre a pessoa com deficiência mental?
Dr. António Martins: A pessoa idosa tem elementos que são inexoráveis e que estão
presentes que têm a ver com a idade, obviamente o nível etário, mas depois a sua tradução
do ponto de vista sintomatológico ao nível físico psicológico, mental, obviamente, mais
geral e …pronto, e depois tudo aquilo que são também a sua tradução do ponto de vista
social, as características sociais, perdas dos seus papeis dos seus estatutos que
desempenhou ao longo da vida e portanto que pouco a pouco perde. Há o processo
evolutivo e o involutivo e portanto o processo de envelhecimento é algo que ocorre ao
64
Psicólogo, Director da Associação em estudo. Participou em conferências e encontros sobre a temática.
Autor de artigos apresentados na Revista da Associação, sobre o tema do envelhecimento da pessoa
deficiente mental.
Dr. António Martins: Trata-se de um quadro bastante idêntico do ponto de vista físico, eu
direi logo que a nível físico não há grandes diferenças a não ser em algumas patologias que
ocorrem designadamente no Síndrome de Down devido às malformações congénitas que
determinam logo à partida uma esperança de vida pelo menos tradicionalmente menor,
apesar de neste momento ter havido um salto qualitativo e quantitativo do ponto de vista da
longevidade destas pessoas e a esperança de vida continua a ter repercussões do ponto de
vista da esperança de vida. Portanto a nível físico eu diria que as pessoas com deficiência
mental em geral com excepção de alguns síndromes têm do ponto de vista físico um
desenvolvimento dito normalizado, isto é dentro daquilo que são as bitolas da nossa
sociedade, desenvolve e crescem do ponto de vista biológico e físico e têm o mesmo
processo de involução de regressão do ponto de vista físico como qualquer outra pessoa na
generalidade. Depois já não acontece a mesma coisa do ponto de vista psicológico e
mental, das faculdades mentais, portanto não há duvida nenhuma que estas pessoas pelas
contingências a eles associadas e devido às dificuldades que têm do ponto de vista
intelectual, cresceram menos, digamos assim do ponto de vista mental, a nível psicológico,
também a nível social não desempenharam os papéis que, ou muitos deles não
conseguiram ascender aos mesmos papeis aos mesmos estatutos que outras pessoas têm,
daí que digamos que as perdas são menos notórias, perdas do ponto de vista visível e social
também percebidas por si e pelos outros, porquê? Porque quanto mais se sobe maior é a
queda e portanto eles subiram muito pouco e a queda é muito pequenina, temos aqui
pessoas que têm 50, 54(5) anos em que não há e não verifico qualquer perda do ponto de
vista mental, porquê, porque eles tiveram num patamar tão baixo do ponto de vista do seu
desenvolvimento que permaneceram pelo nível sensório motor, por exemplo casos de
deficiência profunda, portanto isto não é notório nestas pessoas, manter-se-ão os meninos
que foram toda a vida até à morte. Noutros já é mais notório no caso das deficiências
ligeiras, por exemplo, que actualmente temos ao nível do nosso Centro de Emprego
Protegido ou integrados profissionalmente no mercado aberto de trabalho, aí começam a
repercutir-se de forma mais visível, por exemplo, as suas percas do ponto de vista das suas
faculdades intelectuais, elas já não eram muito altas mas começa a verificar-se que
começam a perder faculdades, a capacidade por exemplo ao nível da atenção, de memória,
também neles são notórios essas perdas como na população em geral, não tão notórios
porque eles também não foram muito dotados digamos assim do ponto de vista destas
faculdades. Do ponto de vista social, a mesma coisa, porquê? Porque grande parte deles, os
estatutos que eles tiveram, ao nível por exemplo do nosso Centro de Actividades
Ocupacionais que caracteriza a maior parte da nossa população, esses aí por exemplo,
nunca desempenharam uma função profissional, portanto a perda de estatuto que advém
das reformas, etc... também não são visíveis para eles nem para os outros, nem é
percepcionado por eles, portanto, digamos que são privilegiados. Esta população é
privilegiada porque de facto não há tantos custos nem tantas perdas, tantos lutos sociais e a
outros níveis de faculdades e a noção de que estão a perder capacidades como na
população em geral, ou seja é algo que caracteriza positivamente esta população. Têm
outros problemas, outros handicaps, eles que durante parte da vida foram pessoas
dependentes, continuarão ou acentuar-se-ão essa dependência à medida que vão perdendo
as suas faculdades, nomeadamente do ponto de vista físico, que muitos deles conseguiram
ter uma certa autonomia, locomoverem-se, ganharem a sua autonomia social,
autonomamente, é evidente que as dependências que até ali houve por motivações, em
relação das suas dificuldades intelectuais, agora também se acentuam no domínio da
autonomia a estes níveis. Portanto as limitações são visíveis e as dependências são maiores
de terceiros. Se ao longo da vida se tratou de uma grande parte deles terem uma vida
suportada por terceiras pessoas, a família em primeiro lugar, instituições, depois em
suporte à família e a ele próprio, no final da vida maiores fragilidades existem, motivado
por fragilização progressiva das estruturas familiares, os pais que partem porque
envelhecem, como a lei natural da vida, estas pessoas ficam mais desprotegidas, por outro
lado colocam-se aqui questões do ponto vista legal, do ponto de vista da
representatividade, do suporte das pessoas após os pilares fundamentais que são as figuras
familiares, portanto outras especificidades existem em torno desta população
comparativamente com a generalidade da população, que em alguns casos também atingem
níveis de incapacitação que obriga que haja de facto depois um apoio maior e até terceiras
pessoas para os representarem porque ficam em quadros psicológicos e demenciais que por
exemplo não são capazes de ter uma auto-representação, sendo que à partida, e aliás o que
prevê a lei é que após atingirem a maioridade sejam sempre representados, a maioria,
representados por terceiras pessoas seja numa interdição total seja através da figura de
inabilitação em áreas especificas.
Eu: O que é que lhe parece, que tipo de apoios é que estas pessoas quando chegarem a
uma idade mais avançada vão necessitar, quer dizer, quando eu digo isto, digo todo o tipo
de apoios, fazendo um paralelismo entre as suas necessidades e o apoio que poderão
requerer para responder a todas estas necessidades?
Agora esta realidade não existe e portanto, qual é a realidade actual? e nos termos mais
próximos sem duvida nenhuma, são as instituições vocacionadas já ao longo da vida para
apoiar estas pessoas, na idade jovem adulta através dos centros de actividades
ocupacionais, centro de emprego protegido e outras respostas que também no final da vida,
e estão neste momento já a preparar-se para responder às especificidades que advém nesta
população do seu processo de envelhecimento, e portanto estou convencido, e a
Associação em concreto está a preparar-se para responder às necessidades das pessoas com
deficiência grave e profunda das pessoas com nível de deficiência moderado e também
aqueles que têm nível de deficiência mais ligeira. Será a resposta ideal? Eu diria que não, o
desejável era também que partíssemos para o trabalho de inclusão na reposta mais
normalizada possível.
A família, dizia eu à pouco, é um elemento para nós imprescindível, que continue a ter o
papel de apoio a estas pessoas até ao final da vida, seja os pais se existirem, muitos na
maior parte dos casos já não existem nos processo de envelhecimento do seus filhos, já não
assistem a essa fase, mas sobretudo através dos tutores, e portanto os tutores do nosso
ponto de vista não devem de maneira nenhuma demitirem-se do papel de suporte social,
afectivo presencial, directo não devem ser meras figuras de gestão patrimonial daquilo que
são os bens do seu tutelado, mas devem ser figuras presentes efectivas no apoio a estas
pessoas tuteladas por eles, e portanto a nossa filosofia, à semelhança com daquilo que
acontece actualmente com as famílias, vai no sentido de continuar a valorizar imenso o seu
papel (...)
A motivação dos pais, das famílias tem muito a ver com a preocupação com o futuro e com
o envelhecimento dos filhos, com o seu próprio envelhecimento dos pais que é um
processo também para eles extremamente doloroso do ponto de vista psicológico verem-se
progressivamente a ficar sem capacidade de uma resposta e a terem obrigatoriamente de ....
pois a instituição vir a substitui-los em vida ainda e isso sem dúvida nenhuma que é uma
das preocupações. Nós assistimos em muitas situações ao envelhecimento dos pais e ao
envelhecimento dos filhos em simultâneo, aliás como sabe há um processo de
envelhecimento mais precoce da parte da maioria destas pessoas sobretudo em alguns
síndromes, nesse sentido pois as próprias famílias muitas vezes, para além de serem os
filhos precisarem de apoio também elas próprias pedem muito apoio. Nós por exemplo,
uma das preocupações da instituição actualmente é criar uma resposta também para o
apoio às famílias aos pais designadamente que vão ficando progressivamente incapacitados
e que a grande preocupação é “o que será de mim quando ficar se eventualmente ficar
completamente incapacitado em vida, eventualmente ir para um lar não sei aonde e o meu
filho ficar aqui na Associação e em vida ver esta roptura, e nesse sentido a Associação, por
exemplo está a preparar uma resposta de lar residencial também para a terceira idade, no
sentido de que em vida não haja este sofrimento, mais um sofrimento destes pais e mantê-
los o mais possível próximos uns dos outros.
Eu: Eu vou pedir-lhe imensa desculpa para me fazer um resumo muito breve, para eu não
perder tudo, eu penso que a parte que se perdeu foi relativa às principais necessidades e
principais respostas que uma instituição poderá dar a uma pessoa com deficiência mental
que envelhece.
Dr. António Martins: Pronto, não há duvida nenhuma que nos parece que muitas destas
pessoas com o processo de envelhecimento vão ter uma necessidade muito maior e de
maior suporte da parte da instituição do ponto de vista físico, no sentido de preservar o seu
bem-estar físico portanto maiores níveis de cuidados da medicina e da enfermagem haverá
Eu: Quais são as principais medidas políticas para dar a esta população. Será que
existem ou será que ainda não existem. Quer dizer de conhecimento pessoal, eu sei que
existem para a pessoa com deficiência e para a pessoa idosa em separado, mas será que
alguma contempla uma abertura?
Dr. António Martins: Eu falei-lhe um bocadinho nessa dupla resposta aos idosos e às
pessoas com deficiência, a necessidade de haver algum entrosamento numa filosofia de
política inclusiva de respostas que me parece que seriam desejável para determinado tipo
de população com deficiência que tenham uma capacidade também de inserção e inclusão
quase acontece actualmente na educação, na vida profissional etc.. e portanto também na
terceira idade será desejável apostar nisto.
Agora as políticas a este nível, o que é que acontece? Pois continua ainda a haver uma
separação muito grande entre aquilo que são repostas da área da deficiência, terceira idade,
deficiência e os idosos separado de uma forma ainda muito dicotómica e em separado.
Portanto e aquilo que acontece na área da deficiência em particular pois as instituições
estão neste momento a dotar-se de recursos e de estruturas que possam responder a essa
fase do envelhecimento e designadamente das respostas residenciais. Temos de em
conjunto com a segurança social e com o poder político procurar que evoluam, as repostas,
ou pelo menos os desenho das respostas conforme estão neste momento estruturados no
âmbito da Segurança Social, eu digo isso e não me canso de dizer à Segurança Social que
há uma rigidez, digamos assim, da parte da Segurança Social em ajustar na lei e do ponto
de vista político as experiências que estão no terreno e se actualmente existem centros de
actividade ocupacionais que têm uma determinada filosofia, vamos chamar a mesma coisa
para aqueles que estão na terceira idade? Centros de actividades Ocupacionais, qual é e
conforme está consignado na lei, qual a essência das actividades ocupacionais, é a
ocupação! Nessa altura que as pessoas já estão mais dependentes faz sentido falar nisso?
Não fará mais sentido falar num centro de dia, à semelhança daquilo que acontece, em que
basicamente as actividades que são desenvolvidas são de origem lúdicas recreativas, de
algumas actividades culturais etc... portanto a ocupação deixa de ser, digamos assim, o
cerne dessa resposta, ou que deveria ser, dessa fase de envelhecimento. A área residencial
tal e qual neste momento também está, haveria que do meu ponto de vista, evoluir porque
continua a estar a figura do lar residencial enquanto resposta política e legislada ainda algo
também muito fechado, com uma reposta digamos quase de dormitório, e ali estão durante
o dia, porque tudo aquilo que está previsto em torno da residência é que haja serviços
médicos e de enfermagem, que haja cuidados de higiene saúde e mais nada... e estas
pessoas por ali ficam e mais nada a vegetar digamos assim.... Isto é aquilo que terão muitos
deles, necessidade e terão necessidade de continuar a ter estímulos sociais culturais
sensoriais a todos os níveis depois não está previsto que o lar residencial possa ser dotado
de recursos que possa desenvolver este tipo de actividades tão importantes a esta
população enquanto vivem. Portanto há que modificar essas respostas, mas actualmente
politicamente e legislativamente, não há dúvida nenhuma que o que está mais consignado
para estas pessoas em fase de envelhecimento é a resposta lar residencial.
Dr. António Martins: Só para pessoas idosas com deficiência mental não conheço, e do
meu ponto de vista seria uma má prática se começássemos a segregar níveis etários
também na área da deficiência, isto é quando falamos de lares residenciais deve do meu
ponto de vista incluir todos os níveis etários e não apenas as pessoas idosas, eu vi por acaso
uma experiência que me arrepiou em Sevilha que tinham apenas idosos era uma câmara da
morte, pessoas altamente dependentes, que já o eram, mas depois com o processo de
envelhecimento muito mais dependentes, por ali vegetavam velhinhos deambulando de um
lado para o outro sem estímulos sem nada, e aquelas figuras exclusivamente daquela idade
era algo que arrepiava.
Eu: Portanto considera que a pessoa com deficiência mental a esse nível terá algumas
diferenças da pessoa idosa? ou à semelhança das respostas que existem segregadas só
para uma determinada idade?
Dr. António Martins: Eu entendo que há toda a vantagem, isto é que não sejam as
respostas de lar residencial criadas do ponto de vista da inserção só com pessoas pelo
motivo de terem um nível etário já bastante avançado, conforme acontece na população em
geral. Como a resposta residencial na área da deficiência por razões várias sobretudo e
basicamente é esta a primeira razão, não terem uma estrutura familiar de suporte adequada
e portanto, falta do pai e da mãe, estão desprotegidos há que criar uma resposta residencial
sejam crianças, nós por acaso não estamos vocacionados para crianças, mas jovens por
exemplo 17, 18 anos etc que começam a ter contingências várias da vida familiar que não
tem um suporte adequado e portanto essas pessoas necessitam de um apoio residencial
adequado, gente de 18, 19 anos devem conviver com pessoas de 50, 60, 70 anos.
Eu: No fundo, parece-me que já me respondeu a quase a tudo aquilo que eu precisava
saber, mas talvez ainda vá um bocadinho mais fundo, perguntando-lhe, qual será o destino
destas pessoas que estão aqui agora, quer dizer temos algumas pessoas bastante jovens
mas também há outras que já estão a atingir uma idade que para nós talvez seja o topo de
uma carreira profissional, digamos sociedade no geral, mas se calhar para eles talvez já
seja o caminhar para o fim de uma carreira profissional.
Dr. António Martins: Agora temos, como sabe, umas pessoas que estão inseridas
profissionalmente no mercado aberto de trabalho cujo as famílias e também elas aspiram a
uma resposta na fase do envelhecimento de apoio residencial, havemos de ver se temos
essa capacidade de resposta ou pelo menos se não a tivermos procuraremos depois apoiá-
los no sentido de encontrarem uma resposta inclusiva, que é o que é desejável se eles
forem capazes e tiverem características isto é se estiverem fisicamente e psicologicamente
capazes para isso, temos outros que estão em emprego protegido em que neste momento
interrogamos se também devemos apostar numa resposta inclusiva, e se calhar alguns vão
nesse sentido, aliás algumas famílias que sabendo que a Associação tem neste momento e
está a preparar o futuro desta população, na fase de pós-reforma, entenderam por bem nem
se interessarem grandemente até ao momento, dado o sector residencial, porque entendem
que o futuro do seu filho e o processo de envelhecimento pode passar por uma resposta
inclusiva como qualquer outra, ou por o suporte familiar etc, portanto há alguns que a
família por opção decidiram que “não se viver, vai para o centro de dia” “se tiver
necessidade vai para um lar” em geral etc. Há outros que pelo contrário, também tem a ver
com o percurso de vida que a pessoa teve, claro com certeza, de certa forma têm uma rede
quer familiar quer de vizinhança, exactamente, e o nível de capacidades que eles têm
actualmente, não havendo assim perdas adultas, faz prever que também o processo de
envelhecimento não seja tão complicado como aqueles que têm um grau de dependência
maior, portanto e nesse sentido, também não é tão problemático digamos assim, temos
outros que ao nível de emprego protegido mesmo e alguns do centro de actividades
ocupacionais que têm melhores competências que por exemplo aquilo que se aposta vai no
sentido de virmos a criar estruturas residenciais disseminadas aqui pela comunidade o mais
próximo possível onde possam exercer a sua autonomia e vida independente, e portanto,
seja ainda durante o período activo da sua vida profissional em emprego protegido, ou até
algum que esteja inserido no exterior, seja alguns do centro de actividades ocupacionais
que também desenvolvam competências de autonomia e vida independente pretendemos
vir a criar esses núcleos familiares inseridos na comunidade e mantê-los e geri-los sempre
com supervisão da instituição naturalmente, mas com a maior autonomia e de forma mais
integrada possível. Há aqueles que terão uma maior dependência e mesmo estes que
estando inseridos já em estruturas residenciais na comunidade que venhamos a constatar o
processo involutivo forte pois nós reservamos para esses as respostas residenciais que
temos aqui no interior da instituição, e portanto constam actualmente 35 lugares onde
digamos ficaram os casos com maior dependência e aqui serão assistidos do ponto de vista
médico de enfermagem e de outros cuidados que careçam.
Entrevista exploratória 2
(Directora de lar residencial para pessoas com deficiência mental)65
Eu: Irmã Maria João, tendo em conta o tema e os objectivos do meu trabalho, baseio-me
na seguinte pergunta de partida: Quais são as respostas sociais, institucionais e/ou
familiares que promovem bem-estar no processo de envelhecimento da pessoa com
deficiência mental?”
Partindo de todo este contexto esta entrevista exploratória tem como objectivo pensar
sobre estas questões, começando por lhe perguntar em primeiro lugar o que é para si uma
pessoa com deficiência mental?
Irmã MJ: Perguntou-me em primeiro lugar o que é que eu pensava o que era a deficiência
mental? Para já eu considero que a deficiência é intelectual, não é portanto, porque para
mim é o que é verdadeiramente a deficiência mental. Novamente devido às circunstâncias
de vida das pessoas, que mais tarde juntamente com a deficiência mental vêm associar-se
qualquer problemática da doença mental, dependendo da altura em que ela começa a
revelar-se. Aquilo que me pedia, portanto para o bem – estar da pessoa com deficiência
mental, eu quase que lhe digo que é necessário aquilo que é também necessário a qualquer
pessoa dita normal sem qualquer deficiência, em relação ao envelhecimento ou em relação
à vida adulta ou de criança, ou seja recriar de qualquer forma um ambiente o mais familiar
possível e um ambiente familiar que tenha em conta não só ter de facto uma vida familiar
boa e com atenção mas simultaneamente uma vida com o exterior portanto de relação com
a sociedade normal, de contacto com juntas de freguesia diferentes associações, com a
paróquia no caso das pessoas quererem integrarem-se, é um pouco isso que nós fazemos
actualmente, com quase todas as pessoas, que é estarem integradas no seu trabalho e aí têm
uma actividade laboral ou ainda estão em formação de acordo com a sua idade, após o
trabalho nós fazemos com eles que têm esse défice intelectual, um apoio escolar, até aqui
temos tido um ensino recorrente agora o ensino recorrente sofreu uma reforma o que vai
ser uma exigência para nós portanto dado que aquilo que hoje se faz como substituto do
ensino recorrente é bastante lento daquilo que se vê nesta hora, hora e meia duas horas
conforme, porque eles só a partir das cinco seis é que começam a chegar a casa, às sete
jantam, portanto o tempo é muito limitado, e começam a sair de casa às 6horas o que eu
acho que de facto na formação é uma violência muito grande em relação às pessoas com
deficiência intelectual.
Portanto eu penso que há que dar em relação à pessoa com deficiência promover aquilo
que me diz o melhor bem-estar, e o bem-estar passa de acordo com a faixa etária em que se
encontra dar-lhe o mais semelhante ao que numa família a pessoa naquela fase etária tem.
Sabendo que, uma grande parte deles, já não têm família, já não têm pais, os irmãos não se
podem ocupar deles, outros foram retirados à família por alguma razão pelo tribunal, logo
há que criar outro tipo de situações. Aqui nós tentamos, como lhe dizia criar uma situação
de formação escolar pré profissional ou profissional em que simultaneamente tentamos
encontrar outras actividades, ou em tempo de férias ou fins-de-semana prolongados, em
que eles possam como toda a gente participar noutro tipo de actividades como por exemplo
na praia no campo, no estrangeiro até com intercâmbios internacionais e simultaneamente
ir acompanhando no campo da saúde através de apoios vindos da sociedade, cada um têm o
seu médico de família que irá indicando o que é que aquela pessoa precisa para estar
65
Irmã Maria João Vieira Neves, da Congregação das Irmãs de Santa Doroteia, fundadora e directora da
Associação “A Casa de Betânia” (IPSS de utilidade Pública e Superior Interesse Social, cuja finalidade é a
integração familiar, social e profissional de jovens e adultos com deficiência intelectual).
melhor na vida, portanto eu penso que é uma situação tão semelhante à de qualquer pessoa
normal, que eu creio que é assim que se cresce na vida.
O problema da deficiência mental na terceira idade ou já na velhice, é um problema que se
começa a pôr a todas as instituições inclusivamente a nós temos por exemplo um caso de
54 anos, dois de 44, portanto são só três, à partida ainda não são casos de terceira idade,
mas que nos quais nós notamos já um decréscimo das suas capacidades para isso nós
preparámos, embora ainda não esteja em funcionamento, uma residência diferente com
outro tipo de condições em que existam elevadores, dado que aqui as nossa pessoas têm
uma mobilidade como qualquer outra não é, portanto o problema situa-se na sua mente e
não no resto do seu corpo, ou no resto do seu corpo como qualquer pessoa normal, eles
também têm essas problemáticas. Para promover do ponto de vista familiar daqueles… nós
aqui somos residências não temos muito o problema de uma grande ligação à família para
que lhes dêem resposta, eles já estão aqui porque a família não há-de dar resposta, então
cabe-nos a nós criar essas condições, e para criar essas condições eu não vejo outra forma
do que a mesma instituição criar residências próprias, que exijam outro tipo de actividades
ocupacionais de saídas como se faz num lar de terceira idade se ele de facto estiver bem
organizado. Só que devemos saber que aquelas pessoas de terceira idade têm deficiência
mental, portanto irão com certeza desenvolver outro tipo de problemas para os quais nós
que já os conhecemos desde o inicio devemos estar mais preparados do que se eles
entrarem num lar de terceira idade normal, portanto eu penso que onde igualmente pessoas
sem deficiência vivem e estão com eles, que é esse o nosso objectivo, não apenas pessoas
que vêm cá trabalhar há de facto técnicos e pessoas que os acompanham dentro da
instituição, (de forma a criar um ambiente) mas pessoas que vivem e que dormem com eles
que estão não rotativamente com eles mas que vivem e os conhecem desde o princípio.
Esta é de facto uma dificuldade que temos mas que nós temos tentado superar, se vamos
conseguir superá-la ou se tem que entrar noutra via é reposta à qual não lhe posso dar.
Estamos a tentar superá-la, tínhamos um projecto para o Algueirão, portanto que era a
construção de raiz de uma residência, não para muita gente, mas para 12 / 14 pessoas no
máximo e tendo simultaneamente uma área para actividades ocupacionais, onde estariam
os residentes e mais, portanto poderiam ser cerca de 30 que poderiam estar nessas
actividades ocupacionais ou mesmo preparatórias para entrarem numa actividade de
formação posteriormente, podendo depois serem integrados se forem daquela zona numa
outra residência nossa no caso da família não se situar na zona e ser um ambiente mais
jovem.
Eu: Queria perguntar-lhe, por me ter falado ainda à pouco que já têm dois utentes que
talvez ainda não tivessem entrado na idade mais avançada dita envelhecimento, há alguns
autores que defendem que a partir dos 50 anos algumas pessoas com deficiência mental já
poderiam ser consideradas idosas, o que é que pensa sobre isso?
Irmã MJ: O que eu penso sobre isso, isso é muito variável, portanto não há pelo menos,
da experiência que temos aqui de facto aquele que tem 54 anos é uma rapaz com uma
grande capacidade de mobilidade que ia a Lisboa ia ao trabalho pintava, eu penso que a
partir de facto dos 50 anos ele largou a sua pintura deixou de ira até ao Alentejo onde ia
sozinho e agora situa-se mais aqui em Queijas e volta e meia vai a casa do irmão que
também neste momento vive em Queijas até à data não, mas foi por causa dele que tentou
encontrar aqui um apartamento e gerimos as duas coisas, não é, os outros eu de facto noto
um decréscimo nas suas capacidades, mas naturalmente qualquer um deles se falar com
eles não vêem outra hipótese senão continuar aqui, penso eu, mas isso falando com eles
poderá ver isso porque nunca lhes fiz essa pergunta. Até porque as nossas residências são
para dar resposta a partir dos 16 anos até aos 40 anos, idade de entrada, mas para depois
permanecerem aqui, a não ser que alguma coisa aconteça, mas não há a questão de que aos
60 têm que sair. Nós queremos é de facto encontrar outro espaço onde com
acompanhamento de enfermagem médico mais continuado e tudo isso como essas pessoas
precisam e onde é difícil viverem pessoas de 60 anos juntamente com as de 20 penso que
ter um é como ter um avozinho mas ter vários já é diferente, portanto, eu tenho experiência
de uma instituição em Barcelona onde estive durante um tempo onde haviam utentes já
com 70 e tal anos e que estava bastante debilitado e ele era querido entre todos e todos
colaboravam com ele, eu penso que se não forem muitos que isso é possível estarem no
mesmo local mas se forem muitos já não, não penso que é benéfico nem para eles nem
portanto aqui no nosso caso as condições das próprias casas não é porque aquele andava
em cadeira de rodas e as nossas casas de facto não têm condições para isso.
Eu: Ia perguntar-lhe, apesar de já me ter referido que actualmente ainda não têm
residentes de facto com características já de envelhecimento, o que é que possam ser as
características de uma pessoa com deficiência mental e já com idade avançada, e quais
serão os principais problemas que eles possam enfrentar.
Irmã Mj: Neste momento quer dizer pela experiência que tenho eu penso que é a mesma
coisa que acontece na sociedade, uma pessoa com deficiência mental, intelectual mas que
entra numa fase de envelhecimento com Alzaimer, Parkinson, tem que ter um tratamento
adequado a essa doença, normalmente é o que deve acontecer, qualquer pessoa muito
idosa, como há tantos com 80 anos e que são uns bons avozinhos com quem os outros
todos gostam de estar, portanto terão um tratamento. Portanto eu acho que a mesma coisa
que se põe quando eles têm 18 ou 19 anos em que o tratamento é tão individualizado
porque cada um têm a mesma problemática, justo a mesma coisa vai acontecer quando eles
tirem uma idade mais avançada e portanto como se habituaram é como uma pessoa de
terceira idade, no fundo ela não deveria ser retirada da família e eles quer estejam nesta
residência quer estejam em qualquer outra das nossas residências eles não sentem que
estão em residências diferentes podem escolher ou podemos ser nós a escolher um local
diferente por causa do grupo que não se entende tão bem, nesta idade, não é, mas não por
outra razão qualquer, eu espero que estas pessoas, até porque muitos deles, temos agora o
caso da Inês que será uma que poderá até entrar, porque ela está a trabalhar num lar com
irmãs de terceira idade, umas em cadeiras de rodas outras não, mas portanto ela está lá
feliz, portanto como é que nós podemos preparar estas pessoas para um dia mais tarde
quando um envelhece e a gente vê isso que eles têm um bom acolhimento se forem
orientados, em relação aqueles que já são como eles dizem um pouco mais chatinhos,
porque já têm os 40 anos, e que dizem sempre a mesma coisa e perguntam a mesma coisa
muitas vezes.
Eu: Penso que também talvez já tenha respondido a esta pergunta, um pouco aqui e ali,
mas assim nomeando, podendo dizer que se tivesse que nomear, que tipo de apoios
considera serem mais necessários na fase avançada da pessoa com deficiência mental?
Irmã Mj: Cada um pode precisar de uma apoio diferente, mas em primeiro lugar temos
que ter condições para que se a pessoa já não consiga cuidar da sua higiene, se é preciso
tratar-se portanto tudo isto obriga a uma modificação das condições da casa ou levá-la para
uma outra casa que pertença à mesma instituição, eu não penso que isso seja ir colocá-la
num lar de terceira idade, a não ser que a pessoa tenha uma doença em que já não tem
consciência da sua problemática então o que importa é que seja bem tratada e então poderá
entrar num lar de terceira idade q2ue trata daquele tipo de doença, porque eu acho que é
um tratamento como para qualquer outra pessoa, na nossa perspectiva é esse, embora
tentamos que deixam de ter a mesma mobilidade, portanto se é uma casa para subir
escadas, com certeza temos que encontrar uma casa onde isso não aconteça, aliás nós
temos a residência de Carnaxide que dá para 5 pessoas e que é nos rés do chão portanto
onde não há de facto falta de acessibilidade, a não ser também em cadeira de rodas já não é
acessível, mas quer dizer, para poder tratar de uma pessoa com mais idade é uma casa
indicada para isso. Outra, de futuro, eu penso que nós temos muito que preparar esse
futuro! Eu acho que é uma casa para pessoas, como temos estas quatro que nasceram e as
pessoas que estavam aqui foram para outra, quer dizer como é que podemos
progressivamente começar a pôr num local pessoas que até pode ter também mais jovens,
mas onde têm os demais idade, onde tem um acompanhamento de enfermagem diferente.
Eu: A casa de Betânia é essencialmente uma casa que dá apoio a pessoas com deficiência
mental em várias idades e gostava de saber qual o seu parecer, ou o que é que pensa que
leva a pessoa com deficiência ou a sua família a procurar uma instituição deste género?
Já me disse à pouco que por vezes podem ser retirados às famílias pelo tribunal, mas fora
esses casos em que de certa forma são obrigados a ser institucionalizados, que outro tipo
de causas podem levar uma família a entregar o seu filho a uma instituição?
Irmã MJ: Só temos um caso que eu veja, agora de repente, de alguém que tenha pais, pais
muito idosos e que portanto os irmãos não podendo tomar conta dessa jovem, procuraram
que ela estivesse aqui, mas ela continua a ir aos fins-de-semana ver os pais, mas os pais já
não têm condições para estar a tomar conta dela. Temos uma outra que também tem mãe,
mas a mãe está num lar de terceira idade, portanto os familiares já a puseram aqui desde
que ela deixou a mãe, portanto os familiares recorrem à casa de Betânia precisamente
quando já não podem dar resposta eles, precisamente porque nós atendendemos as pessoas
24 horas por dia e 365 dias por ano, a maioria dos lares residenciais para pessoas com
deficiência fecham durante um mês, não quer dizer que, temos alguns que fecham durante
o ano, mas há outros que somos nós que nos ocupamos, a estrutura da Casa de Betânia é
sobretudo para pessoas que não têm família que os possa apoiar ou que já não exista
família ou que tenham sido retirados à família. Mas a maior parte, a excepção que existe é
apenas uma porque a outra nem se pode considerar dado que a mãe está num lar de terceira
idade, e a sobrinha é que é responsável dela, é uma sobrinha que é responsável porque não
podia ficar com ela de nenhuma maneira e lá soube da nossa existência. O outro caso que é
de facto uma jovem sem pai e mãe que está uma senhora completamente diferente desde
que cá está, porque já nem tem capacidades nem domina porque ela em casa é que
mandava em todos, ela precisava de facto de um local em que cuidassem dela.
Eu: Perguntava-lhe agora, ao nível das políticas sociais que existem, se tem conhecimento
de que políticas sociais existem ou se existem algumas políticas específicas relativamente
à questão do envelhecimento das pessoas com deficiência?
Irmã MJ: Não conheço nada, acho que o nosso país, não está preparado para isso e penso
também que são as próprias instituições que estão a pensar nisso, não é a política.
Relativamente à política acabou de sair recentemente, em Maio passado o documento que
faz a legislação relativamente aos Lares para as pessoas com deficiência, portanto até aqui
não existia, só desde Maio 2006, existe uma legislação, que nem sequer contempla os
diferentes tipos de deficiência, que são muito diferentes uns dos outros, a pessoa com
deficiência mental é muito diferente por exemplo de uma pessoa em cadeira de rodas, a
legislação é para qualquer tipo de deficiência, eu acho que aí à que adaptar ou dar
condições para que a segurança social verifique se as residências estão adaptadas às
pessoas e às suas realidades concretas, claro! com distinções do tipo de deficiência.
Eu: Eu fiz uma procura, tendo em conta as respostas que a sociedade têm para a pessoa
com deficiência, e tive muita dificuldade em encontrar qualquer reposta especifica para a
pessoa deficiente envelhecida, encontrei sempre separadamente, ou seja para a pessoa
idosa no global, mesmo que essa população, algumas delas tenham adquirido deficiências
entretanto, ou então para a população com deficiência no global também, verificando que
as respostas existentes, quase nunca contemplam a questão do envelhecimento, no que diz
respeito às pessoas com deficiência, quase sempre são centros de actividades
ocupacionais dirigidos normalmente a jovens dos 16 aos 40, portanto …. Daí a minha
questão!
Irmã MJ: Eu por um lado compreendo essa atitude, porque acho que uma pessoa com
deficiência intelectual mas que está na sua família e se aos 50 e tal anos começa a ter
marcas que precisa de apoio de um lar para pessoas de terceira idade, eu acho que ele
estará melhor, porque nunca viveu em instituição, num lar de terceira idade onde se
encontra com outras pessoas não é tão grande o choque para ele. Portanto eu penso que
isso é possível, mas há casos em que isso não é possível, eu penso que esse problema se
começa a por nas instituições, portanto pessoas que sempre viveram em instituições para
pessoas com deficiência mental, temos que pensar neles porque eles podem viver mais do
que nós, como é que nós vamos fazer, porque eles de facto não têm família, e aqueles que
hoje têm amanhã podem não ter, portanto temos que pensar também nisso.
Conto-lhe o caso de uma jovem que aqui temos, com Trissomia 21 e tem a mãe num lar de
terceira idade, mas a mãe já não podia fazer nada por ela, por isso é necessário encontrar
uma resposta.
Eu acho que as respostas têm que ser muito viradas para as situações, nós devíamos ter a
nível da nossa política social uma organização que tenta-se nas pessoas em concreto
perceber quais são as instituições adaptadas a estas pessoas? Muitas das vezes o que
importa é arranjar um lugar e não ver se o lugar se adopta aquela pessoa, nós temos tido
várias dificuldades na integração de alguns jovens porque eles não têm características dos
jovens com deficiência intelectual, tiveram foi dificuldades a na sua vida, uma família
disfuncional, jovens com problemas de outro tipo por isso é que não estudaram e não
sabem ler, não porque não tiveram capacidade mas porque andaram…. Não se integram
nestes lares não é porque não são adequadas às situações das pessoas que a sociedade vai
criando, no fundo, porque dantes nós não tínhamos determinados problemas…
Eu: A verdade é que as condições de saúde melhoraram muito, e uma das principais
causas que encontrei na pesquisa bibliográfica que tenho feito, foi mesmo isso, que é pelo
facto de haver uma maior preocupação com a saúde das pessoas com deficiência
intelectual, também essas vivem mais tempo, porque se tem muito mais cuidado com isso
(claro), talvez se há 50 anos atrás também se tivesse cuidado com isso talvez se calhar já
hoje em dia tínhamos muitas pessoas com 90 anos (sim), acontece que há 50 anos atrás
ninguém se preocupava muito com isso, as pessoas não iam tanto ao médico como vão
agora.
Irmã MJ: Nós próprios morríamos mais cedo. E com as pessoas com deficiência mental
está a acontecer o mesmo eles vão chegar perfeitamente aos 60 anos ou mais.
Eu: Sabe se existe ou conhece alguma resposta ou seja que já um lar, especificamente ou
uma resposta residencial ou qualquer outro tipo de resposta já instituída em Portugal com
essas características? Eu sei que existe em França, sei que existe noutros países, mas em
Portugal!
Irmã MJ: Eu também desconheço completamente, mas gostava que de conhecer e gostava
de saber que existe. Eu acho que aí cabe ao estado ajudar as organizações que têm pessoas
com deficiência intelectual criarem uma resposta para essas suas pessoas, a segurança
social, também tem lá as suas respostas….
Eu: Eu penso que já me respondeu a muitas curiosidades que eu tinha sobre o tema, no
fundo, e por fim, ia pedir-lhe que me deixa-se uma reflexão sua sobre o destino desta
população, ou seja qual poderá ser o destino destas pessoas que estão aqui a viver e se
calhar nunca pensaram que vão chegar a “velhos” (porque de facto nos também nunca
pensamos sobre isso)!
Irmã MJ: Em primeiro lugar aqueles que são mais velhos que já têm 40 e tal anos e
manifestam algumas marcas de um maior envelhecimento, esses não pensam que estão
velhos, eles são sempre jovens, os números não contam muito para eles, eles ficam de facto
muito espantados quando se diz, eles a mim dizem que eu não estou velha e eu já tenho 54
anos, e de facto eu já estou a entrar no que se chama a terceira idade apesar de já estar
aposentada da escola. Mas portanto eles têm uma visão diferente, eu penso que cabe-nos a
nós também termos essa visão diferente, que nós enquanto vivemos de facto somos seres
vivos, temos sempre capacidades, aliás é a ideia que nós lhes incutimos desde o principio,
que de facto não têm muitas capacidades intelectuais, por vezes não têm tantas, mas têm
outras que por vezes as pessoas não têm como por exemplo, eles faltarem ao trabalho para
eles é uma dor, é um sofrimento, nós gostamos de vez em quando faltar um dia ao trabalho,
para eles é um castigo portanto nós temos que ir descobrindo, vamos aprendendo com eles
… outra realidade, que nós podemos ser úteis que podemos sempre fazer alguma coisa
pelos outros, eu acho que quando eles chegarem a uma idade que já não podem estar
integrados no meio laboral, têm que estar integrados nas residências mas com actividades
ocupacionais, estas duas residências vão-nos permitir naturalmente criar alguma coisa para
essas pessoas que necessitam apoio e portanto eu penso que se eles fizerem pequenos
trabalhinhos, eu penso que eles irão encontrar e continuar com uma vida feliz como
tiveram até agora, agora compete-nos a nós como o coração juntar as duas coisas para
darmos as respostas que eles necessitam.
Eu: Vou só terminar, fazendo-lhe uma pergunta um pouco mais pessoal, que é: enquanto
profissional e também familiar, qual é a sua preocupação máxima, tendo em conta que
estão ambos a caminhar para o envelhecimento?
Irmã MJ: Sim, a minha preocupação com ele é praticamente a mesma da com os outros,
daí que de facto foi ao criar juntamente com outras pessoas a Casa de Betânia, penso que a
razão fundamental foi a existência do meu Manel, se o Manel não existisse naturalmente
nunca me tinha passado pela cabeça qualquer coisa destas, eu penso que nós por vezes
passamos por pequenas dificuldades, para sermos criativos nas respostas, a minha
preocupação com ele pois penso que eu posso ir primeiro que ele, mas acredito que a
associação e todas as pessoas que aqui trabalham, com mais capacidade até do que eu
porque ele não gosta de se dar com a irmã, portanto lhe dar a resposta que ele necessita, até
morrer. Eu: Obrigado irmã, pela sua atenção!
Entrevista exploratória 3
(Médica psiquiatra do hospital Júlio de Matos)66
Eu: Em primeiro lugar, peço-lhe para reflectir um pouco sobre as questões que existem à
volta do envelhecimento da pessoa com deficiência mental, e talvez, o que é para si, uma
pessoa com deficiência mental.
Dra. Paula Nunes: Uma pessoa com deficiência mental, pode ser de várias origens, quer
cognitiva quer meramente afectiva, eu conheço pessoas com deficiência mental que são
débeis funcionais, que não são débeis cognitivos, mas que de facto não conseguem ter uma
vida dentro dos parâmetros normais e com autonomia que é exigida a cada idade e a
pergunta era… estou a dizer que há vários tipos de deficiências mentais. Há algumas que
são mesmo apenas funcionais.
Eu: A pergunta era: o que é para si uma pessoa com deficiência mental?
Dra. Paula Nunes: No fundo, é basicamente uma pessoa que não é capaz de cumprir as
normas estabelecidas para a sua idade e para a sua cultura. É isso que é uma pessoa com
deficiência mental.
Eu: E, pensando agora na diferença entre o que é uma pessoa com deficiência mental e
uma pessoa idosa?
Dra. Paula Nunes: Uma pessoa idosa, sem deficiência mental consegue cumprir o papel
que lhe está atribuída na sua cultura e dentro do seu grupo etário. Os avós são avós, e os
avôs são avôs, conseguem ir buscar os netos à escola, conseguem apesar de tudo manter a
sua autonomia, não vejo o paralelo aí, não. Entre o idoso e o deficiente mental não vejo o
paralelo. O idoso tem o seu lugar e mantém, desde que saudável, mantém capacidade de
cumprir o seu papel segundo as normas vigentes. Claro que, na Polinésia, se calhar é
diferente. Não estou a dizer o contrário. Estou a dizer, em cada sítio… portanto, não é para
mim sobreponível.
Eu: E se pensarmos então, numa pessoa com deficiência mental, como a que me estava a
descrever, mas já com um idade avançada?
Os autores divergem, há quem diga que a pessoa com deficiência mental pode ser
considerada já envelhecida a partir dos seus 50 anos, e há quem diga que não, que esse
envelhecimento precoce não existe nas pessoas com deficiência mental.
66
Médica Psiquiatra e Psicanalista do Hospital Júlio de Matos, com larga experiência nas problemáticas das
pessoas portadoras de deficiência mental em contexto hospitalar.
Dra. Paula Nunes: Varia com a deficiência mental. Há deficiência mental, nomeadamente
as de cariz genético, que inclusivamente têm um risco muito maior de Alzheimer que o
resto da população, portanto, eu penso que a etiologia da deficiência mental aí é
importante. Uma deficiência mental ligeira, já tenho visto aguentar-se sem grandes
alterações até idades muito avançadas. Agora, de facto, há certos tipos de deficiência
mental (o mongolóidismo é típico) em que de facto começa a haver doenças de pessoas
idosas muito mais precocemente. É habitual isso. O que penso é que a etiologia da
deficiência é importante. Outras não. Outras pessoas com outras etiologias mantém-se
relativamente iguais a elas próprias a vida toda.
Eu: O que é que pensa que serão os principais problemas de uma pessoa com deficiência
mental que atinge já uma idade já avançada. A todos os níveis.
Dra. Paula Nunes: Eu penso, pelo que sei, que acaba por ser cumulativo: são as
dificuldades da deficiência mental, acumulado com a incapacidade de abotoar o botão da
camisa, que não vem da deficiência mental, vem da idade. Portanto, o que eu tenho visto, e
conheço muitos casos, um deficiente mental idoso é um deficiente mental, pode
desenvolver patologias de envelhecimento, imaginemos que não, e depois acumula
dificuldades de uma pessoa idosa: anda menos bem, começa a ter reumatismo… mesmo
sem evolução da deterioração psíquica, precisa de mais apoio, a nível logístico, que um
deficiente mental jovem, que pode manter mais autonomia, e mantém. Portanto, eu penso
que é cumulativo. Não penso que haja um contínuo, nem nada disso. Conheço pessoas com
deficiência mental que funcionam muito bem até determinada etapa, chega uma
determinada idade e, sei lá, já não têm agilidade para vestir as calças sozinhos. Precisam
que os ajudem a vestir e esse tipo de coisas. Que não vêm da deficiência mental, vêm da
idade. Até aí vestiam-se sozinhos, mas chega uma altura e precisam de mais, de quê? De
cuidados apropriados a idosos. Mais do que outra coisa qualquer. Estamos a falar de
pessoas de debilidade mentais ligeiras, e não de debilidades mentais profundas, que são
agitados.
Dra. Paula Nunes: São específicas à idade, por exemplo, eu trabalho num pavilhão de
doentes crónicos, tenho cerca de 40 doentes, uns são débeis mais ligeiros, que colaboram
nas tarefas da enfermaria, põem as mesas, ajudam a limpar o chão, ajudam a vestir outros
doentes, fazem coisas simples, não estou a dizer que fazem coisas complicadas, mas
pronto, chega a uma altura, as pessoas viveram lá a vida toda, quando têm 70 anos já não
se podem pôr a lavar o chão nem a fazer as camas. Já não podem, por causa da idade, não é
por causa da deficiência mental. A deficiência mental muitas vezes está lá estabilizada
desde o início. Conheço vários casos assim.
Eu: E, vocês aqui no hospital, também dão algum apoio à família, ou normalmente os
casos de deficiência mental que têm apoiado ao longo da vida são casos que vêm através
das instituições ou por eles próprios.
Dra. Paula Nunes: Não, não… nós tentamos sempre dar apoio à família. Sempre que
possível. Os casos mais antigos que cá estão já não têm família. Já nem sequer há qualquer
contacto com a família, não se sabe o paradeiro nem se existe família. Sempre que existe,
sim. Tenta-se fazer um trabalho com a família. Tenho aqui no pavilhão uma doente que
tem uma deficiência mental ligeira, ainda é jovem, é a Francelina. Tentamos trabalhar com
a mãe, com a família.
Eu: Para mim, a questão da família é um pouco importante porque uma das principais
realidades interligadas com o envelhecimento é que, tal e qual como nos acontece a nós,
os nossos pais vão envelhecendo há medida que nós também vamos envelhecendo, e se nós
duramos mais anos, os nossos pais vão durar certamente menos. E no caso da pessoa com
deficiência mental, que muitas vezes possa ter sido apoiada toda uma vida, pela família,
exaustivamente, quando a família deixa de existir, o que é que vai acontecer?
Dra. Paula Nunes: O que vai acontecer é que a pessoa vai ser institucionalizada. É o que
vai acontecer.
Eu: E parece-lhe que essa seja a resposta mais adequada? Ou, ao nível das políticas
sociais, o nosso país esteja preparado para responder às necessidades destas pessoas?
Dra. Paula Nunes: É mesmo essa a única resposta que há. Poderia haver outras, penso eu.
Poderia haver por ex., para debilidades ligeiras, residências protegidas, ou residências
vigiadas, podia haver outro tipo de resposta para essas situações. Para já, cá, o que há é a
institucionalização. Não há mais nada a funcionar cá. Não é que isso seja o mais adequado,
as pessoas ficam separadas completamente do mundo, mas para doentes mentais começa
agora a haver umas tentativas de residências integradas na comunidade, mas para
debilidades mentais, por enquanto, não conheço outras medidas políticas.
(A Dr.ª Paula refere-se ao seu conhecimento da realidade hospitalar)
Eu: Pela pesquisa bibliográfica que eu fiz, as respostas actuais que existem actualmente
dividem-se pelas pessoas idosas e pelas pessoas adultas portadoras de deficiência. No
global, não falando só especificamente nas pessoas com deficiência mental. O que
acontece é que segrega-se, e mesmo as instituições para pessoas com deficiência mental só
agora é que estão a começar a pensar que pode existir o envelhecimento e que pode existir
outra etapa e outro tipo de respostas.
Dra. Paula Nunes: Eu não conheço respostas específicas para débeis idosos. O que
conheço são algumas instituições, nomeadamente, as ordens religiosas que aceitam um
débil idoso, aceitando a debilidade e as consequências da idade em simultâneo. Onde é que
vê essa segregação?
Eu: Eu referi-me relativamente às instituições que existem, por ex., da segurança social ou
apoiadas por ela, em que, eles próprios quando fazem uma listagem das respostas que
existem, por ex, dos hospitais, IPSS, dividem-nas automaticamente por respostas a pessoas
idosas, no global, e a pessoas com deficiência, também no global.
Dra. Paula Nunes: Sim, isso sim. E há outra coisa, de origem na sociedade civil
implantada no terreno. As CERCI, a APPACDM, que fazem um excelente trabalho para
crianças e adultos. Agora, o Ministério só apoia (risos…) Na prática, o que eu vejo, e
apoiam, até certo ponto, até poderem… porque depois chega uma altura que não podem. E
aí, a resposta continua a ser a mesma, que não conheço outra, é a institucionalização. Ou a
tentativa de institucionalização. E se a segurança social sabe de outra olhe eu não dei por
nada! (risos)
Eu: E existem instituições para pessoas idosas, os lares de idosos os centros de dia (…)
que nos seus estatutos têm uma cláusula dizendo que não aceitam pessoas com
determinadas incapacidades!
Eu: Logo aí existe um factor de exclusão. Relativamente às respostas que já existem para
pessoas adultas, na minha perspectiva, e gostava de saber a sua, não sei se terão as
respostas mais indicadas para depois, a posteriori, porque se a pessoa passou 10 anos
num centro de actividades ocupacionais ou num centro de emprego protegido, esse
emprego vai terminar e chegando aos 55 ou que seja aos 65 anos, e a pessoa conseguir
manter as suas capacidades de trabalho mais ou menos estáveis, vai chegar a uma fase em
que vai ter que terminar aquela realidade, e que mudar. Se a própria instituição mantém a
pessoa no mesmo local ou se deve criar novas respostas?
Dra. Paula Nunes: Sim. Eu também conheço um sítio onde há isso, que são as ordens
religiosas, que têm de facto também emprego protegido, a esse nível. Como esses doentes
vivem lá, a questão não se põe. Quando eles deixam de trabalhar, continuam lá, não têm
problemas. A Associação não sei como é que faz?
Eu: Na Associação é diferente. As pessoas todas residem em casa, com a família, faz um
trabalho permanente de apoio à família, dão o apoio por exemplo uma vez por mês, para a
pessoa ficar no Elo e para a família poder descansar, mas é a família quem é responsável
pelo utente e eles simplesmente passam o dia na instituição. Quer seja a trabalhar, quer
seja no sector de actividades ocupacionais.
Eu: E quando a família desaparecer! Pela sua experiência, gostava que reflectisse um
pouco sobre isso.
Dra. Paula Nunes: Eu não acho que eles devessem ser institucionalizados: acho que
deviam manter a socialização possível. O que eu digo é que eu não conheço onde isso
aconteça. Não acho a institucionalização uma boa solução, mas não conheço outra, para já.
Penso que deveria haver residências protegidas, residências vigiadas, onde as pessoas
pudessem estar integradas num ambiente comunitário. Para já, não tenho é visto outra
coisa. E é muito frequente ver-se isso.
Eu: Eu penso que actualmente, as instituições estão, algumas delas, as IPSS estão de certa
forma preocupadas com isso, e a tentar criar alguma resposta dirigida a essas pessoas,
nem que seja de encaminhamento para a comunidade local, onde aquela pessoa reside,
isto porque a realidade hospitalar é um pouco diferente, tendo em conta que foi a primeira
resposta de apoio às pessoas com deficiência mental.
Dra. Paula Nunes: Mas ainda não a criaram. Sabe o que é que a Misericórdia faz? Tenta
institucionalizar os doentes. A Misericórdia, quando as pessoas começam a dar muitos
problemas, estão velhotes, precisam de ser algaliados, colostomias, etc., têm as coisas da
idade, não é nada mais do que qualquer um de nós pode vir a ter, tentam institucionalizar.
Não tentam minimamente qualquer coisa nenhuma. E isto é a Misericórdia, que tem
séculos de experiência. Portanto, as IPSSs espero que surjam com soluções mais criativas.
Porque o que há agora, tem sido isto. E mesmo, em determinadas situações, pessoas que
estão integradas em CERCIs, ou em IPSSs, por acaso da Associação nunca apanhei, a
determinada altura, quando consideram que a pessoa ultrapassa a capacidade de resposta
deles, tentam institucionalizá-los. Também vês isso nos bancos de urgência psiquiátrica
(dirigindo-se ao Dr. Marco, também presente).
Dra. Paula Nunes: Hospitais, como primeira escolha. Mas os hospitais não têm
capacidade para isso. A primeira tentativa é no hospital. Mesmo a família. Tem um débil
em casa, já está velhote, incontinente urinário, dirige-se com frequência à urgência do
hospital. Mas isto quando começam a aparecer problemas que têm a ver com a idade, e não
com a debilidade. É infelizmente a realidade que nós vimos.
Eu: E falando, utopicamente, do que é que poderia ser uma instituição com respostas
adequadas para estas pessoas, duma experiência diferente daquela que eu trago, porque
nós temos um trabalho diário diferente da psiquiatria, e por isso eu considero importante
conhecer o seu ponto de vista
Eu: O que lhe parece que poderiam ser as valências ou as actividades a desenvolver com
essa população?
Dra. Paula Nunes: Esta população habitualmente dá-se bem com actividades
relativamente simples e repetitivas. Com supervisão e com tolerância para a falta de
frustração que habitualmente têm e para a falta de controlo de instintos que habitualmente
têm também. Portanto, nós aqui temos boas experiências em lavandaria, em cozinha, com
supervisão, temos conseguido boa aceitação em vários débeis jovens como ajudantes de
cozinha, penso que há uma série de coisas que é possível (jardinagem, mas para jovens)
Dra. Paula Nunes: Muita, muita, muita! Vá ali ao pavilhão 21, ou ao pavilhão 30, e tem
ali uma secção asilar, em que as pessoas eram internadas aos 10 ou aos 11 anos e ficaram
lá o resto da vida. O tempo vai passando, e agora têm 70. E porque também não têm razão
para morrer antes. Tivemos aqui um débil, até ligeiro, internado em 1956. Portanto, estava
internado há 50 anos. E estava bem. Morreu de velho.
Eu: Isso era caso para dizer que se o tirassem do internamento seria mais prejudicial
para ele.
Dra. Paula Nunes: Num caso destes, seria muito difícil. Eu não sei o que seria dele se não
estivesse lá. E esta tem sido a resposta tradicional. Esta não é boa, espero que apareçam
outras.
Eu: Ia pedir-lhe só para reflectir em voz alta quais as respostas que possam promover
bem-estar no envelhecimento da pessoa com deficiência mental
Dra. Paula Nunes: Ocupação protegida, não necessariamente trabalho, porque isso
permite organizar o dia, levantar de manhã, deitar à noite, permite às pessoas não andarem
completamente perdidas, azamboadas, sem saberem se é terça ou quarta. Ocupação, com
fins-de-semana, uma estrutura temporal através da ocupação. E depois penso que
residências devidamente vigiadas, na comunidade. Devidamente vigiadas, conforme a
necessidade, naturalmente. Acho a ocupação muito importante, porque as pessoas sem
ocupação perdem-se às quantas andas. Para todas as pessoas, e para os débeis mais ainda,
porque já têm alguma dificuldade em de facto organizar-se.
Eu: Dr. Marco, tem estado a assistir à nossa conversa, quer debruçar-se sobre algum
assunto discutido? Convidava-o também a reflectir sobre esta questão.
(O Dr. Marco optou por colocar uma questão à Dra. Paula sobre o tema)
Dr. Marco: Não vê a possibilidade de um portador de deficiência mental que viveu com a
família desde a infância, e que agora os pais faleceram e que ele possa continuar na sua
casa, com essa tal ocupação?
Dra. Paula Nunes: Vejo, sim. Desde que haja apoio domiciliário. Só que não costuma
haver. Mas, sozinho, à noite!? Era preferível procurar uma solução mais protectora. Tem
que se investir bastante na reabilitação funcional dos débeis. É possível e fazem grandes
trabalhos, para que eles possam de facto gerir o mais autonomamente possível a sua vida.
Eu: Qual é a vossa opinião sobre a integração de uma pessoa débil, já com uma idade
avançada, numa resposta destinada a pessoas idosas, até que ponto consideram que
aquelas equipas estão preparadas para as receber?
Dra. Paula Nunes: Não estão. As equipas não estão. Não estão preparadas para dar
medicação, para assegurar um seguimento psiquiátrico regular, não estão preparadas para
fazer nada disso. A ideia é logo “ele está maluco, institucionaliza-se”. É a primeira ideia
que lhes vem à cabeça. Quer seja débil, quer seja demente. Não estão preparados.
Dra. Paula Nunes: Acho interessante, porque é preciso criar novas respostas, vai sempre
haver débeis, não vai sempre haver hospitais psiquiátricos com funções asilares, isso é um
dado adquirido, e os débeis vão precisar de respostas à mesma. No entanto, foi assim que
as coisas começarem, com a institucionalização muito precoce dos débeis, especialmente
dos profundos. Mas não tão profundos também. Internados aos 8, aos 9, aos 10… Não foi
há tanto tempo assim. A resposta hospitalar está fora de causa, a médio prazo. Mais para o
curto do que para o médio. Portanto, é bom que comecem surgir novas respostas noutros
sítios. Nós próprios, hoje em dia, já não internamos um débil assim de qualquer maneira.
Dra. Paula Nunes: Esperamos que entretanto surjam respostas que consigam conter, dar
resposta, a estas situações, que não vão desaparecer. Pelo contrário: dantes, os débeis
morriam cedo. Agora já não morrem assim tão cedo. Tenho um internado com 83 anos. E
está tão débil hoje como estava débil, seguramente, há 60 anos, quando foi internado. As
Apêndice 4
Titulo: Guião de entrevista aos familiares
1. Como se chama?
2. Qual a sua data de nascimento?
3. Qual o seu estado civil?
4. Quais são as suas habilitações literárias?
5. Qual a sua profissão?
6. Qual a sua situação actual face ao emprego?
7. Qual a sua relação de parentesco com o utente?
8. Quem é o principal cuidador da pessoa com deficiência mental? E porquê?
9. Quantas pessoas moram regularmente em casa?
10. Qual o grau de parentesco de cada um com a pessoa portadora de deficiência
mental?
11. Existe mais algum familiar portador de deficiência mental? Pode falar-me um
pouco sobre ele?
12. O que é para si ter um filho portador de deficiência mental?
13. Como se processa o quotidiano do seu filho?
14. O que significa para si vê-lo envelhecer?
15. À medida que o seu filho vai envelhecendo que alterações tem observado?
16. Quais as suas preocupações em relação ao futuro do seu filho?
17. Enquanto mãe, quais as suas necessidades?
18. Quem é o responsável legal do seu filho?
19. Na sua ausência, quem pensa vir a ser o responsável legal mais adequado para o seu
filho?
20. E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades do seu filho no
futuro?
Apêndice 5
Titulo: Guião de entrevista aos profissionais da Associação
1. Como se chama?
2. Qual a sua data de nascimento?
3. Quais são as suas habilitações literárias?
4. Há quanto tempo exerce a profissão de Psicólogo?
5. Em que áreas já exerceu a sua actividade profissional?
6. Há quanto tempo trabalha com pessoas portadoras de deficiência mental?
7. E há quanto tempo trabalha na Associação?
8. Quais os motivos que o conduziram a vir trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental?
9. O que é que sentiu quando veio trabalhar para esta instituição?
10. Quais foram os constrangimentos e as potencialidade com que se debateu quando
veio trabalhar para esta Instituição?
11. Quais são os objectivos desta Instituição?
12. Quais são as funções que desempenha na Associação?
13. Concretamente, em que é que consiste o seu trabalho?
14. Quais são os seus objectivos enquanto profissional?
15. Quais são os valores que norteiam as suas acções? (quais são os princípios que o
acompanham enquanto profissional)
16. O que é para si uma pessoa portadora de deficiência mental?
17. Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
18. Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
19. Quais são as necessidades dos utentes mais velhos da Associação?
20. E quais são as suas potencialidades?
21. Na sua perspectiva quais são os problemas que os familiares dos utentes mais
velhos enfrentam neste processo?
22. Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas que se encontram em
processo de envelhecimento?
23. No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos aqui?
24. Qual lhe parece ser a avaliação que as famílias fazem do trabalho que aqui
desenvolvem?
25. E qual a avaliação que faz do seu trabalho?
1. Como se chama?
11. Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
12. Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
15. Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas quando envelhecerem?
16. No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos na Associação?
1. Como se chama?
11. Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
12. Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
15. Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas quando envelhecerem?
16. No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos na Associação?
Apêndice 6
Titulo: Guião de entrevista às pessoas portadoras de Deficiência Mental
Hoje vamos falar um bocadinho sobre ti, queres começar por onde?
Quem é que tu pensas que és? Quem és tu? Como é que tu achas que és? Fala-me
sobre ti?
Quantos anos tens?
Onde vives? E sempre viveste aí?
Com quem vives?
Tens irmãos?
Sabes quantos anos têm os teus pais? (as pessoas com quem tu vives)
Lembras-te quantos anos tinhas quando vieste para a Associação?
E porque é que achas que estás cá na Associação?
E agora sentes-te mais novo ou mais velho? (porquê, quais as razões)
Então vamos lá falar sobre isso. Olha para ti e para mim, quem é que tu achas que é
mais velho sou eu ou és tu? (trabalhar a imagem do corpo)
E o que é que tu achas que é uma pessoa velha? O que é para ti a velhice?
As pessoas com quem vives, achas que já estão velhas? E porquê?
E o que é que tu achas que acontece às pessoas bem velhas? Às pessoas idosas
àquelas que são muito mais velhas do que tu?
E quando a tua “mãe” não estiver por perto? Já pensaste sobre isso? O que é que
achas que vai acontecer? Já pensaste que ela pode morrer e um dia ir-se embora?
Já faleceu alguém que tu gostavas muito, ou alguém que tu conhecias?
E agora pensando em ti, já pensaste no teu dia de amanhã?
O que é que queres para o teu futuro? Fala-me sobre isso?
Aonde é que gostavas de viver? (com quem e onde)
E na Associação, gostas de estar na Associação?
Gostas dos trabalhos que fazes?
Quais é que são os trabalhos que tu gostas mais de fazer?
E quais é que tu achas que são os mais importantes para ti?
E imagina daqui a uns anos, gostavas de continuar a fazer o mesmo ou gostavas de
fazer outras coisas?
De tudo o que falámos aqui hoje neste bocadinho, achas que te sentes uma pessoa
feliz? E quais são as coisas que te fazem feliz?
Obrigado!
Apêndice 7
Título: Pré-teste dos guiões de entrevista:
(Pré-teste aplicado a um Familiar e a um Profissional)
PRÉ-TESTE
ENTREVISTA AO FAMILIAR
eu disse e agora como é que vai ser, e eu disse-lhe assim, hó filho tu sabes o que é que tens
que fazer hoje, não sabes, depois de jantar antes de ires para a cama, hó filho tu sabes o que
é que tens que fazer, tens que tomar banhinho. Pois, muito bem não disse mais nada, nem
ele abriu a boca ficou assim a olhar para mim, e disse eu vou tomar banho. Foi tomar
banho, tudo muito bem, no outro dia, isto na segunda ou na terça, eu tinha lavado a toalha e
não tinha toalha na casa de banho, e diz-me ele assim, hó mãe a minha toalha? Disse, hó
filho a mãe lavou vai ao gavetão e tira uma. Qual é mãe? A que o filho quiser! Lá foi, lá
tirou a toalha e disse-me ou mãe é esta, e eu disse-lhe é a que o filho quiser, a que o filho
gostar mais, essa é que é. Lá foi todo contente para a casa de banho. E daí a diante foi aos
poucos, quando falava do pai era como se o pai tivesse ido ali e já viesse. Quando vem o
dia dos anos do pai, diz-me sempre, hó mãe o pai fazia hoje anos, e eu assim, fazia e faz
filho, não é, é ao pé de nós, está lá no céu ao pé de Nosso Senhor. Aceitou, foi uma coisa
que eu até fiquei…, para mim foi um milagre. Sempre bem, sempre bem disposto com a
mãe, adora a mãe, só que quando o meu marido faleceu, ele tem que estar sempre no
supermercado, e ele nessa altura de cinco em cinco minutos ía a casa, ia a casa ver como é
que eu estava. Ligava-me televisão, e eu assim que ele saía desligava-a logo, via-me e ia
logo para o supermercado.
Eu: É a pessoa que na sua ausência gostava que viesse a ser tutora dele?
Familiar: Pois sim, já falei nisso e já está tudo falado, já está tudo acordado entre eles.
Mas posso dizer-lhe que mesmo que não fossem eles os tutores, eu tenho a certeza que eles
faziam esse papel, mesmo não sendo, são de facto, gostam muito dele e claro o Fernando é
tudo com as primas e com as primas e com a tia a tia adora-o. Tive sorte neste ponto de
vista com a minha cunhada. Eu digo se não fosse ela, eu já cá não estava, tive uma
depressão que tive de facto muito mal, teve dois meses na minha casa, deixou a casa dela e
foi para a minha tratar de mim. Se não a tenho a ela eu não tinha saído daquela depressão.
Ela tem menos um ano do que eu, mas parece que tem menos 20 anos que eu, cheia de
vida e genica e enquanto eu já não tenho nada disso.
Eu: E diga-me uma coisa Dona …, quantas pessoas moram regularmente em casa?
Familiar: Só moramos os dois. Éramos três, agora somos dois.
Eu: Com a mesma deficiência que o Fernando ou outra? Pode falar-me um pouco sobre
eles?
Familiar: Não, o da minha irmã era mais ou menos mas era muito pior, esse era profundo,
deficiente profundo. O da parte do meu cunhado seria como o Fernando, também pior um
bocadinho. Isto já veio certamente de família, da parte do meu marido e da minha, os dois
tínhamos. A avó do meu marido enlouqueceu, desorientou-se, sem a família.
Eu: Já me disse ainda há pouco que o Fernando tem que fazer umas tarefas lá em casa,
como faz aqui na Associação… pode contar-me como é o quotidiano do Fernando?
Familiar: O quotidiano do Fernando é ir para o supermercado.
Eu: E depois…
Familiar: Depois vem passar o dia a Associação, chega cá à tarde e está ali um bocadinho
e diz à mãe o que é que se passou, o que é que comeu, eu gosto sempre de perguntar o que
é que comeu (risos), que é para saber o que é que lhe dou ao jantar, se comeu carne à noite
come peixe, ao contrário, e então diz e pronto lá vai ele ao supermercado. Adora o
supermercado, ele adora ir ao supermercado, o supermercado é o segundo emprego, a
Associação é o primeiro.
Eu: À medida que o seu filho vai envelhecendo que alterações tem observado?
Familiar: Mais calmo, mais compreensível, quer dizer mais parado, claro, são os anos.
Dantes não podia estar sossegado estava sempre a mexer agora não está mais parado, já
são os 47 que estão a pesar, é natural. Deste ponto de vista está melhor, mais
compreensível das coisas, mas quando ele não quer não quer mesmo nada, pois e eu
procuro sempre arranjar uma maneira com que ele não se enerve, agora descobri uma!
Quando se zanga, porque quando se zanga o Fernando é um caso sério dá murros na mesa
e faz trinta por uma linha e se eu falo ainda é pior, ele já faz aquilo para que eu me revolte.
E então o que eu faço, choro, choro, ele assim que me vê com as lágrimas nos olhos,
pronto o Fernando não está cá. Cala-se logo, não diz nem mais uma nada, olha que rico
truque que eu arranjei! (risos)
Eu: E ele? Acha que ele também se preocupa e repara no seu próprio envelhecimento?
Familiar: Acho que não, não… a mãe é a mãe, e ele esteja como estiver nunca está doente
nunca lhe dói nada e a mãe para ele é a mesma coisa, eu só lhe digo tens que ajudar a mãe
a mãe já está velhinha não pode. Eu acho que ele não gosta de ouvir que eu lhe diga…,
para ele a mãe está sempre boa, nunca está doente, como ele. Ia ser um problema com ele.
Ele caiu, andava aqui a descarregar umas caixas da camioneta e torceu um pé, o tornozelo
era uma coisa enorme, fez uns exames e depois deram-lhe uma pomada, foi pôr a pomada
fez-lhe uma alergia, chegou a ter a perna mas toda era um tambor e toda em ferida, nunca
disse ai, nunca disse nada, eu não tenho nada, não me dói nada, de maneira nenhuma,
chegou a ter urticária por todo o corpo, tinha o corpo cheio isso é uma coisa que afronta, lá
foi à médica, lá tratou veio para casa e corou-se mas da perna nunca mais se curou. Aqui à
dias fui ao hospital com ele mas nunca mais curou porque ele no princípio nunca mais lhe
deu o que a perna precisava de descanso, ele não compreende isso que tinha que estar com
a perna no ar e não andar, não compreende isso, ele tem que fazer doer, doa ou não doa ele
tem que fazer tudo como fazia, tenha o que tiver. Eu às vezes digo-lhe, estás a ver filho, o
Sr. doutor disse que tinhas que estar sentado com a perninha no ar, mas não tu tinhas que ir
para a Associação, e tu tinhas que ir para o supermercado e depois no supermercado está lá
sempre em pé, lá tanto tempo. Claro, aquilo não melhorou, e de vez em quando lá lhe
incha a perna, aquilo deve doer-lhe com certeza mas lá queixar-se ele não se queixa está
tudo bem.
Eu: E quer contar-me um bocadinho quais são as suas preocupações em relação ao futuro
do seu filho?
Familiar: Eu nem sei o que pensar, eu nem quero pensar sequer que lhe diga, eu não quero
pensar (silêncio). Eu estou esperançada que eu ainda hei-de chorar pelo meu filho essa é a
esperança que me dá forças. Que hei-de ser eu a chorar por ele não há-de ser ele a chorar
por mim.
Eu: E porque é que tem essa esperança, o Fernando tem mais algum problema físico para
além da deficiência mental?
Familiar: Não, não, o que é que o Fernando pode morrer de ataque e ninguém sabe o que
é que ele tem, é preciso, lidar com ele de facto uma pessoa que esteja sempre atenta aos
problemas dele e esteja sempre sobre ele, porque o Fernando se lhe picas qualquer mosca
ou mosquito ele arranha até fazer uma ferida. E nunca tem nada! Esconde procura
esconder, anda sempre com feridas, essas feridas não, e se eu não estiver todos os dias
atenta com o Fernando é um problema, é que ele esconde, de facto tem que ser uma pessoa
só para ele a bem dizer, uma pessoa só para ele para estar sempre sobre ele. Toma banho
ou assim, lá vou eu ver se ele não tem nenhuma feridazita, às vezes vejo nas toalhas se há
sangue ou assim, ele esconde, e eu digo ou filho… agora tem uma aqui no braço diz que no
outro dia já está curado, se ponho o penso de manhã á noite já vai sem ele, tenho impressão
que lhe dá comichão ou qualquer coisa. Ele tira. Outra coisa é as unhas trá-las sempre
rentinhas porque eu todos os sábados lhe corto as unhas, mesmo rentinhas, está a ver põe-
se assim a esgravatar, enquanto não fizer sangue não deixa de esgravatar, faz feridas, dá
impressão que não lhe dói as feridas a ele, e é um problema, e ele e ele e a mãe ele pela
mãe, eu acho que não está certo que seja assim, não está certo que seja assim já chega
(silêncio) quer dizer o meu filho devia ter ficado com o pai, que ele não ficava melhor com
o pai ficava melhor com a mãe, mas o pai aceitava melhor que eu, eu não, mas sou uma
revoltada com a vida, acho que não está certo porque infeliz desses que percam o pai e a
mãe. Uma vida triste. Eu tenho fé, é o que eu digo é a minha sorte, é a minha sorte eu ter
fé, porque o meu filho não vai sofrer o desgosto de ter perdido o pai e sofrer o de perder a
mãe, eu tenho fé grande, e deus não ma leve porque senão é um problema, mas então
agente não sabe, mas de facto não está certo que seja assim, ficarem sem o pai e mãe
porque é quem têm é o pai e a mãe, claro a família e todos eles, mas não são pai nem são
mãe, principalmente mãe, e não pode ser mesmo, felizes daqueles que aceitam.
Eu: E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades do seu filho no
futuro? Não vamos pensar que vai falecer primeiro que ele, vamos pensar que os dois
estão a perder capacidades e que estão juntos e pensar qual será a melhor resposta para
essa situação?
Familiar: è isso mesmo, é o que todas a s mães desejavam, não é! Quando agente pensa
em ir para qualquer outro e ele viva aqui, isso então para o Fernando, eu ir para um lar e
ele vir para aqui isso seria o fim para o Fernando agora um sítio onde estejam os dois isso
sim encantados da vida, estamos os dois no mesmo sitio, isso era muito bom, mas já não é
do meu tempo, para o meu tempo já não é, vamos lá ver. Eu estou em baixo, estou
cansada, cansada da vida, estou só bem a dormir, por qualquer coisa me canso isso é
mesmo que eu estou de dia para ano acho uma diferença enorme, de ano para ano, não pelo
meu filho porque ele não me dá trabalho nenhum, não me dá trabalho nenhum acata tudo o
que eu digo faz tudo o que eu disser, tudo bem tem lá os deveres dele…
Eu: Às vezes é importante conversarmos sobre estas coisas, e saber o que é que a família
acha que é melhor para ela.
Familiar: Para nós o importante é estamos ao pé deles! Enquanto nós podermos ir estando
ao pé deles ele tem alguém que está a viver só para ele, não pelo que faça, mas está ali e
para ele é muito bom
Eu: E acha que como ele tentou superar a morte do pai, talvez com o apoio da família
também…
Familiar: Não supera a da mãe, a mãe não é a mesma coisa, a mãe estava sempre ali
presente, e o Fernando é muito comunicativo ele fala, claro mas ele gosta muito que
conversem com ele e que falem, eu tive um sobrinho meu um ano lá na minha casa, o
Fernando melhorou tanto que nem queira saber porque quando saíam, claro eles iam
sempre dar uma volta lá com os amigos do primo, ele era mais um no grupo deles ele
melhorou na fala e em tudo, quer dizer ao Fernando faz-lhe falta companhia, mas
companhia que tenha alguma coisa para lhe ensinar a ele, não é ele precisar de ensinar aos
outros, porque o Fernando adora a Associação e os colegas e assim mas não dá confiança,
porque ele mesmo aqui, com os monitores e professores é com eles que ele conversa,
porque se vierem os colegas e é vai vai vai! Gosta, e se apanha as pessoas conhecidas, fala,
fala e gosta que lhe façam perguntas, isso fica todo contente, toda a gente adora o
Fernando e ele conhece toda a gente, vá para o hospital vá para qualquer lado há sempre
gente conhecida que fala ao Fernando, ai meu deus e pergunto-lhe quem, ele diz é lá do
bairro, pronto conhece tudo, tudo, tudo, porque ele é comunicativo e gosta de falar e as
pessoas gostam dele, ele de facto é uma pessoa extraordinária, ele gosta muito de pode
falar. O vizinho mora por baixo no rés-do-chão estava lá fora ele tem cães, e ele foi daqui
do elo e disse-lhe então senhor … e ele não respondeu, não lhe ligou e ele vem a subir as
escadas e diz ele é burro não fala, é burro não fala, e eu disse então filho o que é que vens a
dizer, há o Sr. Carlos não fala! E se as pessoas são as primeiras a dirigirem-se a ele fica
tonto fica doido de contente. E ele agora já não sabe falar está sempre gago, mas tenho a
impressão que também é aqui o ambiente da Associação, como vê os outros a não saberem
falar a maior parte deles, aquilo está a comunicar com ele, está a interferir com ele porque
eu vi quando foi disto do primo ele tinha os outros rapazes conversava, ia para a cama
passava ele e o primo no mesmo quarto a conversar até ás tantas da noite, coisas sem
importância mas que ele gostava. Eu penso que ele há-de sentir-se muito só não terem
alguém com quem ir a qualquer lado ou assim, mas cá com a gente da Associação não!
Não vai! Já quando ele estava na outra Associação, tinha lá uns melhorzitos que até se
empregaram depois cá fora, e aos domingos ou assim, iam lá a casa para irem dar uma
volta, para irem todos dar uma volta, não senhor, foi uma vez e nunca mais, quando eles
tocavam a campainha e ele via quem eram, dizia logo: “não estou cá, eu não estou cá, eu
não quero ir.” Quer e ía se fossem outros, mas daqui não, não gosta…
Eu: Muito obrigado Dona … pela sua disponibilidade e contributo, foi gratificante para
mim poder conversar consigo e conhecer um pouco melhor o Fernando.
Familiar: Ora essa, de nada, quando for preciso alguma coisa é só dizer! Pois o Fernando
é preciso calma, deixá-lo falar e não o contrariar porque o que ele diz não se escreve,
porque se escreve-se ele logo se calava, porque ele sente prazer em fazer arreliar as
pessoas, eu noto isso nele que ele às vezes faz coisas para eu me zangar, pois eu em vez de
me zangar eu rio-me, e ele fica assim… como quem diz não era isto que eu esperava! Fica
assim a olhar para mim. Quer saber eu acertei com ele. Estou sempre do lado dele, não o
quero contrariar, já com a tia, que eles se adoram estão sempre pegados, ela diz uma coisa,
pois ele diz uma coisa, pois ela contraria-o, pois estão ali os dois a teimar. Eu na frente
dela não lhe digo nada mas por trás olha lá tanto faz o que ele diz seja pau ou seja pedra!
Não interessa nada estares a teimar, porque o que ele diz não se escreve! Larga-o porque se
estás a teimar ele vai acabar por fazer trinta por uma linha é preciso é largá-lo da mão, o
que ele diz é que está bem, pronto!
Nós agora podíamos ir para a praia porque temos casa na Costa, mas qual quê não vai, só
no mês de Agosto porque é só no mês de Agosto que tem férias, isso vir para a Associação
é um compromisso uma responsabilidade para ele, o trabalho! E quando não há trabalho?
Não há trabalho vai todo preocupado porque não há trabalho, isto é o trabalho dele é uma
responsabilidade, bem como o supermercado. Quando é Inverno as pequenas que fecham o
supermercado, pedem para ele ir com elas até à camioneta, e ele vai, é outro encargo que
ele tem, ele vai acompanhá-las, pensam que estão muito bem acompanhadas com o
Fernando mas isto é só figura, se vier alguém que queira fazer mal faz à mesma. Mas
pronto ele lá vai muito contente e enquanto elas não entrarem o autocarro ele não vai para
casa. Às vezes fica até mais tarde porque o autocarro atrasou, lá vou eu ver dele então mas
o supermercado já fechou e ele não aparece! Pronto ainda lá estava porque o autocarro
atrasou-se, e pronto.
PRÉ-TESTE
ENTREVISTA AO PROFISSIONAL
Eu: E portanto, há quanto tempo trabalha com pessoas portadoras de deficiência mental?
Profissional: Há 8 anos (risos)…
Eu: Quais foram os motivos que a conduziram a vir trabalhar para a Associação e com
pessoas portadoras de deficiência mental?
Profissional: É o seguinte o meu curso foi de quatro anos e ao longo do curso fizemos
estágios, todos os anos fizemos um ano de estágio. No primeiro ano fiz na área dos idosos,
o segundo ano na área da doença mental e no quarto ano, aliás só começámos a estagiar no
segundo ano, o segundo ano na área dos idosos, o terceiro na área da doença mental e o
quarto na Associação. Fiz aqui o estágio e depois a partir dessa data nunca mais consegui
desligar-me da Associação.
Eu: Quando diz, que não se conseguiu desligar, pode contar-me um pouco quais foram os
constrangimentos e as potencialidades com que se debateu quando veio trabalhar para a
Associação?
Profissional: O primeiro impacto? É o que pretende saber!
O primeiro impacto, não tive assim nenhuma reacção negativa, pelo contrário, quando
entrei na Associação, senti logo (pensativa), senti um vinculo muito forte a esta instituição,
desde logo do inicio, de maneira que depois não fui capaz de me desligar quando acabei o
estágio, quando acabei o curso, pois acabei por fazer voluntariado e acabei por ficar,
apresentei um projecto de intervenção na área do DPS, e depois acabei por ficar. O que é
que quer dizer com DPS? Desenvolvimento Pessoal e Social e Desenvolvimento Cultural
que é essa a minha área, que me compete.
Eu: Estava há pouco a dizer-me que desenvolve duas actividades. Concretamente em que
é que consiste o seu trabalho?
Profissional: É assim, o meu trabalho consiste em trabalhar dificuldades de
Aprendizagem. Na área do Desenvolvimento cultural tento trabalhar, portanto
competências que eles (gaguejou e disse: ai desculpe) têm na área das dificuldades de
aprendizagem que são muito comuns neste tipo de população, trabalho essencialmente a
parte de competências ao nível da leitura, da escrita, introduzi agora uma nova área da
informática que é uma área que eles estão muito motivados, aprendem imensas coisas
através do computador, pronto essencialmente é manter algumas competências que eles
têm, ou os que não têm, adquirir algumas noções como aprender a escrever o nome,
introduzir os dados pessoais deles no computador, para eles é gratificante.
O DPS é mais trabalhar ao nível de competências como saber estar, saber fazer, trabalho
muito as dinâmicas de grupo, essencialmente é nisto que consiste o meu trabalho.
Eu: Refiro-me aos princípios em que cada profissão se baseia. Quais são os princípios
que a acompanham enquanto profissional?
Profissional: O meu trabalho é feito no espaço de uma sala, quando entro na sala distribuo
trabalho pelos diferentes utentes, diferentes grupos e é assim, a partir daí eles têm que fazer
um trabalho, agora não sei muito bem o que é que hei-de responder nesta questão!
Eu: Quais os princípios éticos em que baseia a sua acção quando desenvolve essas
actividades de grupo, por exemplo?
Profissional: Princípios éticos, … deixe-me pensar um bocadinho……. Confidencialidade,
sem dúvida, mas são questões … é assim, eu sei quais são os meus princípios de ética
profissional, mas eu não faço trabalho individualizado, é mais trabalho grupal….
Eu: E pensando nesses princípios que considera que mantém, eles são transpostos para o
grupo, portanto que princípios são esses?
Profissional: Meu Deus, deu-me uma branca!
Eu: Não faz mal….
Profissional: Sem dúvida que as minhas acções se regem pela igualdade, o saber escutar
nesta área é muito importante, porque é uma população que gosta muito de se fazer ouvir,
são pessoas muito comunicativas, às vezes costumam falar todos ao mesmo tempo, na sala
de formação, e de facto o meu trabalho que acaba por seu grupal, mas tento na medida do
possível saber escutá-los, tento muitas vezes colocar-me no lugar deles, acho que isso é
muito importante para um profissional, é um dos valores importantes sabermos colocar-nos
no lugar deles, e pronto dar oportunidade que todos participem de uma forma activa, …
essencialmente acho que é isso Vera.
Eu: Já falámos um pouco sobre o sua experiência profissional ao longo destes oito anos a
trabalhar com esta população e por isso pergunto-lhe: O que é para si uma pessoa
portadora de deficiência mental?
Profissional: É uma pessoa. É uma pessoa, com dificuldades, mas nós também temos
dificuldades e é a tal coisa que eu estava a dizer à Vera no inicio, eu trato-os como pessoas,
apesar de às vezes eu sei, não sei se devia estar a dizer isto, mas tenho noção que às vezes
eu acho que os trato com alguma infantilidade, mas tento na medida do possível falar com
eles como pessoas, de pessoas para pessoas, essencialmente é esse o objectivo do meu
trabalho.
Eu: Mas olhando para todos os utentes, na sua perspectiva, como define uma pessoa com
deficiência mental?
Profissional: Uma pessoa com deficiência mental, é uma pessoa que tem limitações a nível
físico como a nível cognitivo. Quer uma definição mais elaborada?
Eu: Não. É aquilo que a Patrícia sente como o que é uma pessoa portadora de deficiência
mental, baseando-se na sua experiência.
Profissional: Sim, sem dúvida, a experiência, apesar do meu percurso profissional aqui na
Associação, estou cá há oito anos, fiz o meu último ano de estágio, só um pequeno
parênteses, comecei como estagiária, depois como voluntária e depois passei a parte time e
só desde o ano passado é que estou mesmo a contrato. Pronto, tive muitos, é assim não
estou cá à oito anos a tempo inteiro tive algumas interrupções, foi a minha vida
profissional que não se organizou logo de inicio. Mas dá para ter uma ideia do que é uma
pessoa com deficiência mental. Acho que ainda não lhe respondi por concreto.
É uma pessoa com alguns handicaps em diferentes áreas, ao nível cognitivo, aliás todos
eles têm muitas dificuldades ao nível cognitivo e outros mais a nível físico. Espero que
tenha respondido à sua questão.
Eu: E qual é a noção que tem de uma pessoa portadora de deficiência mental em processo
de envelhecimento?
Profissional: Eu noto ao longo destes últimos oito anos que muitos deles têm, aliás os
objectivos que eu tratei de inicio não são bem os mesmos, porque noto que tem havido
muita deteorização ao nível mental, estão mais apáticos, sinto que já não têm aquela
dinâmica que tinham aqui há uns anos, estão a caminhar para velhos! E nós também (risos)
Eu: Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
Profissional: Temos aí alguns casos, mas tentamos na medida do possível que tenham o
mesmo ritmo, o mesmo dia a dia que tinham há uns anos atrás. Havendo respeito de facto
com as limitações que em alguns casos já estão evidentes, mas tentar de forma que tenham
um dia a dia normal, continuam a ter as mesmas actividades de educação física, DPS, todas
as actividades que temos aqui na Associação, nós tentamos… o factor idade ainda não é
um factor, que determine, está a caminhar para velho se calhar é melhor não ter este tipo de
actividades. Porque é assim se estão a caminhar para velhos convém haver movimento e
movimentarem-se de forma a que eles não entrem numa inércia total.
Eu: Quando me diz que frequentam as mesmas actividades, por exemplo como é um dia de
um utente?
Profissional: É assim, estou a tentar lembrar-me de algum caso, com mais de 45 anos, a
Vera tem essa indicação?
natação, vão almoçar, da parte da tarde também têm algumas actividades, depois é hora do
lanche e depois vão para casa. Se estiverem na moradia, vão para a moradia e aí continuam
com as actividades até à hora do jantar. (Queria que eu fosse mais específica?)
Eu: Se for mais fácil para si, pensar num caso individual...
Profissional: Estou a pensar no caso da Eunice, que tem perto de 50 anos, é uma pessoa
que tem muita sabedoria, é a mãezinha aqui de todos (risos), ainda é uma jovem mas se
calhar quando for mais idosa vai ser a nossa avozinha (risos), porque já agora é nossa mãe,
ela é uma pessoa que de facto sabe muito gosta muito de cuidar dos outros é muito
protectora dos jovens que aqui trabalham na Associação. Estava a lembrar-me das
potencialidades, ela é uma fala-barato, tem histórias de vida fantásticas para nos dar e que
nos conta.
Eu: E pensando um pouco na família...na sua perspectiva quais são os problemas que os
familiares dos utentes mais velhos enfrentam neste processo?
Profissional: As dificuldades, sentidas da parte dos pais é a morte dos pais, tem a ver com,
portanto ficarem com a aquela sensação de não saberem... tendo a Associação como um
espaço que de certeza vai tratar dos filhos com todo o respeito que eles merecem, mas de
facto eu penso que a maior preocupação é com a morte que se aproxima, principalmente.
Eu: Qual lhe parece ser a melhor resposta para responder às necessidades das pessoas
que aqui se encontram e estão a ficar envelhecidas?
Profissional: Qual o tipo de intervenção que poderíamos ter? Se calhar vou repetir-me um
bocadinho, eu acho que devemos tentar fazer com que eles continuem a manter os mesmos
hábitos, as mesmas rotinas, apostar mais em actividades para que eles não fiquem com uma
vida sedentária. É isso que me preocupa que eles se acomodem ao factor idade e é isso
tentar apostar nas diferentes actividades que já têm e se calhar acrescentar mais algumas, é
isso.
Eu: No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos aqui?
Profissional: Eu acho que a idade passa por eles e eles não se apercebem disso. Pensando
um bocadinho no grupo de pessoas mais velhas, pronto eu acho que há muitas alterações
em termos de sua capacidade de resposta desde à oito anos atrás é diferente, mas eu acho
que eles não dão pelo tempo a passar. Mas sim penso que se sentem bem.
Eu: Qual lhe parece ser a avaliação que as famílias fazem do trabalho que aqui
desenvolvem?
Profissional: Eu acho que as famílias estão satisfeitas com o trabalho que eles
desenvolvem, e sentem-se felizes com isso, os filhos está bem eles também está bem de
certeza.
outros técnicos também vão partilhar desta opinião que não estão sensibilizados, vemos os
nossos jovens como os nossos meninos e de facto temos que pensar neles como pessoas
que estão a envelhecer e que, há bocado estávamos a falar dos valores, têm que ser
respeitados por isso.
Observação:
Antes de iniciar a entrevista apresentei-me e expus o tema do trabalho e os seus objectivos.
Comprometi-me a tratar os dados com confidencialidade e rigor ético.
A entrevista com a Dr.ª …, decorreu dentro da normalidade, contudo ela mostrou-se muito
nervosa desde o inicio, senti que ela se estava a sentir avaliada com o conjunto de
perguntas que eu lhe estava a fazer sobre o seu trabalho, o que veio a dificultar o decorrer
da entrevista e principalmente demonstrou ter dificuldade em responder às questões sobre
o envelhecimento, não conseguindo pensar no global dos utentes, tendo sido por isso
necessário nomear alguns utentes com mais de 45 anos.
Na maioria das questões não aprofundou o tema solicitado e não conseguiu responder à
questão “Quais são os valores que norteiam as suas acções”, referindo que não estava a
entender a pergunta, tentei questionar sobre os seus princípios éticos enquanto profissional
mas também não conseguiu responder. Apesar de eu ter tentado desconstruir a pergunta
(talvez eu não o tenha feito da melhor maneira) ela não estava a entender o fundamento da
questão. Confesso que me surpreendeu, pois numa conversa informal com o Psicólogo este
disse que na Associação está a tentar construir um Referencial de Ética para as IPSS que
irá ser submetido à avaliação da Segurança Social como instrumento a ser usado por todas
as IPSS. Ainda acrescentou que a própria Associação tem um quadro de referência ético
para os funcionários e para os utentes.
Este estado nervoso da entrevistada pode ter sido por ser a primeira vez que foi
entrevistada ou devido ao seu vinculo precário com a instituição.
Apêndice 8
Título: Transcrição das entrevistas realizadas aos familiares
FAMILIAR 1
Associação…
18 de Junho de 2007, 9h
Eu: Em Lisboa?
Mãe: Sim, sim, sim. Era costureira, mas trabalhava só em casa e depois surgiu aquela
oportunidade de me empregar, em casa não descontava, não tinha descontos não era uma
coisa certa e então aproveitei, o que foi muito bom.
Eu: E quais foram os motivos que a levaram a pedir a reforma por invalidez?
Mãe: Tenho três hérnias discais, por isso é que não posso carregar com grandes sacos e
grandes pesos.
já pronto eu também estava com ele, a princípio era só com a Eunice, era só a Eunice, a
Eunice, pois já tinha outra responsabilidade já me passou mais.
Mas depois comecei outra vez com a luta, vim para Lisboa por causa da Eunice, nessa
altura eu morava nas Caldas da Rainha porque foi onde eu fui sempre criada desde
pequenina foi nas Caldas, depois casei fui para Leiria e depois voltei para as Caldas para
tomar conta de quem me criou que eu não fui criada com os meus pais fui criada com uns
padrinhos e a minha madrinha já tinha 80 e tal anos e sozinha e eu pedi ao meu marido
para virmos porque ela criou-me e a minha obrigação era tomar conta dela dada a idade
que ela tinha não é! Então lá conseguimos, vimos para as Caldas. Chegámos mas não tive
facilidades nenhumas porque não havia uma escola especial, não havia nada nessa altura,
há 40 e tais anos não havia nada absolutamente nada. E então vim para Lisboa por causa
dela para conseguir alguma coisa mas também foi muito difícil só depois do 25 de Abril,
bem quer dizer ela já estava na escola ela teve na escola normal mas com classe especial,
de manhã estava na classe especial e à tarde estava com os normais, era uma associação
nem sei bem como é que se chamava, e então aquilo naquela altura ainda havia o Instituto
Aurélio da Costa Ferreira onde nós a íamos inscrever e eu consegui, acho que isso já não
existe…
Eu: Sim eu penso que ainda existe, é um colégio de ensino especial não é?
Mãe: Tinha vários departamentos ela estava no campo de Santana. Depois lá consegui
metê-la aí mas com muitas dificuldades. Tive que escrever ao Ministro da Educação, isto
ainda antes do 25 de Abril, a expor a minha situação que deixei a minha casa e onde tinha
muito mais facilidades porque foi sempre onde vivi, que tinha deixado a minha casa e não
conseguia arranjar escola para a miúda, e nessa altura ele mandou-me logo uma carta
passados uns dias para eu ir ter à direcção escolar e lá consegui. Se é preciso temos que
lutar…
Depois quando foi o 25 de Abril, começaram reuniões porque eu já a tinha inscrito na
Segurança Social, de maneira que nessa altura ainda não havia nada para assim para darem
subsídios para colégios nem nada. E então depois do 25 de Abril é que começaram as
reuniões para a CERCI, portanto ela ainda esteve na CERCI, ainda esteve uns anitos na
CERCI, até que o Dr. …, a Dona … e não me recordo agora mais quem era que esteja aqui
dentro, começaram a pensar em organizar esta associação, portanto lá se conseguiu, e ela
veio para cá desde o principio ela é o n.º 6, tem graça que já na CERCI foi das primeiras
estive à espera até que abrisse em Chelas para ela ir para lá e depois aqui também foi das
primeiras, eu também pertenço à comissão instaladora.
Eu: Voltando à questão que lhe coloquei, o que é para si ter uma filha portadora de
deficiência mental?
Mãe: Acho que é uma pessoa, acho que é tão importante e devemos ter tanto ou mais
carinho e mais compreensão do que por uma pessoa que não tenha problemas, não é!
Eu: E se associarmos a uma pessoa com deficiência mental ao envelhecimento o que é que
pensa que poderá ser uma pessoa com deficiência mental já envelhecida?
Mãe: Pela minha Eunice penso que será o mesmo que ela tem sido toda a vida a mesma
coisa sempre ela que … desde que a tratem bem e lhe dêem carinho, ela gosta (risos)
sozinha tenho pensado mais, mas também estou descansada porque eu seu que um dia que
me vá embora, que Deus me leve ela fica cá na Associação, estou mesmo já a tratar de
certas coisas para ver se ela fica cá mesmo, porque isto… eu não sei se o irmão ficará em
Inglaterra ou não ficará se virá para cá novamente, não sei, mas de qualquer das maneiras
ela fica melhor cá do que com a família. Porque a família, o irmão é rapaz ele gosta imenso
dela e … a cunhada também gosta dela mas não tem paciência, não, não tem paciência e eu
sei e eu compreendo até compreendo porque isto não é, quer dizer, não é pêra doce, não é
difícil mas é muito teimosa… se soubermos levá-la não é difícil mas quem não está
habituada a lidar com ela é um bocado complicado, porque, como já deve ter tido
oportunidade de apreciar, ela em certas coisas parece suma pessoa normal, não é! Ela
conversa, mantém uma conversa como uma pessoa normal e depois à uma coisa a minha
nora não compreende e não aceita muitas coisas de que a Eunice faça porque se ela tem
esperteza para uma coisa também ter para a outra é o que ela diz! Por isso é muito mais
difícil ela ficar lá, para ela seria muito pior porque aquilo a vida é um grande choque e
então eu prefiro que ela fique cá na Associação.
Eu: À medida que a Eunice vai envelhecendo que alterações tem observado?
Mãe: Há para melhor, começamos logo por dizer que talvez não se nota, ela está mais
calma, muito melhor, então desde que está aqui na Associação então não tem comparação!
Eu: E acha que ela tem notado que também está a envelhecer?
Mãe: Às vezes diz, às vezes fala ai isto já é o peso da idade (risos), ai as minhas pernas já
é o peso da idade!
elevador (risos), já não é para a minha idade e para quem tem asma ainda mais difícil!
Eu: Quais as suas preocupações em relação ao futuro da sua filha? E do seu próprio
futuro?
Mãe: As maiores preocupações seja talvez a minha velhice, como é que eu hei-de subir a
escada e fazer a limpeza à casa que é grande, e os recursos financeiros são muito poucos
porque estas pensões são uma desgraça, mas olhe eu também não sou das pessoas que
muito me preocupo, porque eu sou crente e confio muito em Deus e sei que Deus não nos
vai desamparar, por isso entrego nas mãos de Deus todas as coisas e sei que ele vai
resolver o problema aquilo que eu não poder fazer ele faz! Eu não sou católica sou crente
evangélica sou da igreja Baptista, e então creio em Deus e sei que ele nunca me vai
desamparar! (silêncio)
Eu: E quando diz que o futuro dela é a Associação… quem é no momento o responsável
legal da sua filha?
Mãe: Sou eu a tutora e o meu filho é o pró-tutor.
Eu: Independentemente de a Eunice vir para a Associação, na sua ausência, quem pensa
vir a ser o responsável legal mais adequado para o seu filho?
Mãe: Deveria ser o meu filho mas se ele não estiver cá! Ele está para o norte de Inglaterra!
É difícil, ela tem primas, não sei se um dia se elas estarão dispostas a vir visitá-la ou a
levá-la para casa isso não sei, porque cada uma está nas suas casas são casadas cada uma
tem os seus filhos algumas até já têm netos. E também tenho aqui uma irmã muito
próximo, mas, nunca, como eu nunca fui criada com ela, com eles, não fui criada com os
meus irmãos agora já não tenho mais nenhum a não ser a minha irmã, já morreram 4
irmãos, a mas a minha irmã não liga muito, gosta da sobrinha se lá for mas não é pessoa
que venha, não sei se eu faltar se ela tinha a lucidez de vir visitar a sobrinha, não sei!
Eu: E para além do que já tratou, que outras coisas vão ser necessárias no processo de
interditação?
Mãe: Eu também não sei bem, porque ainda não chegou a essa altura mas bem tendo esses
papéis na mão estando tudo arranjado, pois venho aqui falar com a Associação para ver o
que é preciso mais.
Eu: E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades da Eunice no
futuro?
Mãe: Eu acho que enquanto ela puder movimentar-se e andar nestes trabalhos e nestas
coisas é muito bom para ela porque senão ela acomoda-se, porque estas moças assim
acomodam-se muito e se ela não tiver estas actividades fica catética. Eu acho que é muito
bom enquanto ela puder tem cá quem a vá avaliando enquanto ela puder, ela tem aqui
muitas actividades tem ginástica tem remo tem várias coisas, tem artesanato tem muita
coisa e o principal trabalho dela e que ela gosta muito de fazer é dobrar guardanapos, é a
profissão dela (risos).
Eu: Quer acrescentar mais alguma coisa sobre o que estivemos a conversar?
Mãe: Acho que não, não tenho.
Eu: Quero agradecer-lhe a sua disponibilidade, este é uma situação com que me preocupo
em especial e é importante para mim conhecer o que pensão os pais e os filhos…
Mãe: Ela tem a noção que um dia vai ficar aqui, tem… mesmo ela às vezes diz viver com
a minha cunhada, não antes quero ficar na Associação. Mas ainda bem que ela tem essa
noção porque a cunhada não a compreende muito bem ia haver um grande choque e assim
seria muito melhor ficar aqui!
FAMILIAR 2
Associação…
Julho de 2007, 14h:30m
Em primeiro lugar vou explicar-lhe, apesar de saber que de certa forma já o fizeram, mas
quero eu fazê-lo como forma de entendimento e introdução à nossa conversa. Expliquei o
tema, objectivos …. Os procedimentos….
Mãe: A esperança média de vida das pessoas com deficiência aumentou muito e no outro
dia eu estava a falar com a Dr.ª … que tem estado aqui, aquela advogada que tem estado
aqui a trabalhar, não sei se já a encontrou… ela estava a dizer-me em relação às tutelas,
não sei há tão pouca força não há isto é um problema que não existia dantes, e eu disse-lhe
pois não porque eles antes, não se punha o problema porque eles antes morriam todos antes
dos pais, morriam todos muito cedo era muito raro passarem antes dos 20, 21, claro que
hoje o meu filho já vai fazer quase 50…
Luanda e fui visitar as pessoas com quem tinha trabalhado e perguntaram-me se eu não
queria voltar porque havia um trabalho que se calhar seria a pessoa indicada para fazer e
voltei a trabalhar nessa altura já com os meus filhos lá, de resto tenho dado sempre
explicações de matemática e físico-química e mais ou menos o que fiz na minha vida
profissional foi isso mais do que outra coisa.
Eu: Eu tive conhecimento que também tem tido um papel activo aqui na Associação…
Mãe: Tenho feito parte de todos os órgãos sociais, sempre, excepto o primeiro e agora de
resto tenho sempre feito parte dos órgãos sociais, cuidava disto, cuidava daquilo, fui
secretária da direcção, acho que fui secretária do conselho fiscal, presidente do conselho
fiscal e no último mandato tive como presidente da Direcção porque a dona … não queria
fazer outro mandato a seguir e como tínhamos feito uma alteração de funcionamento
pensámos que seria bom haver uma transição embora eu não gostasse de mandar, porque
não gosto, eu gosto mais de trabalhar não à frente mas num papel de apoio, estar presente
quando é preciso mas não gosto de dar a cara por tudo, não tenho assim uma facilidade,
como é que hei-de dizer não tenho desejo de estar em público e falar e a comunicar e ser
realmente a pessoa que a parece, não é realmente a minha maneira de ser, foi mais uma
questão de voluntariado, de boa vontade de querer ajudar uma transição e pronto quando
foram agora estas eleições eu achei que era altura de parar, eu estou com 74 anos faço este
ano 75 um mandato são três anos e ia acabar a quase com 78 eu acho que nesta posição é
preciso uma pessoa com vontade de trabalhar, com ideias e com vontade de ir para a frente
que aos 74 anos não se tem. Eu: Mas está muito bem conservada! (risos) Mãe: Eu sinto
que ainda tenho capacidade e sei que seria capaz, mas acho que já não estou com idade
para continuar, eu sei que em qualquer idade pode acontecer mas na minha idade mais
facilmente a pessoa tem fragilidades, o meu marido está com 82 anos, portanto também me
custa não estar com ele mais tempo. Por outro lado em relação à idade, nestes três anos que
eu estive à frente da Instituição eu acho que é sempre tudo muito relativo havendo uma
dona … que esteve toda uma vida inteira à frente desta casa e o Dr. …, a pessoa ainda que
não queira prefere dar o valor de oportunidade de decidir porque eles estão mais, estão cá o
dia inteiro e eu estava cá aos bocadinhos e nesta casa a pessoa que está à frente tem que
estar aqui porque todos os dias tem que se decidir algo.
disser que 9 e 5 são 18 para ele é a mesma coisa, eu costumo a dizer que a única vez que o
… se apercebeu da diferença e por causa de cores ou contas não me recordo porque os
médicos disseram sempre que o … não tinha nada, já quando o … veio onde Luanda em 63
portanto no ano em que o … fez 6 anos e nessa altura que o médico que o acompanhava
pediatra que o acompanhava nessa altura tinha dito aos meus pais que realmente era
possível que houvesse ali realmente uma deficiência mas isto ao fim de 6 anos, e pronto de
facto nessa altura ele foi a médicos e etc. e confirmou-se embora não se sabendo ao certo o
que era e o … portanto como o médico dizia que era mania e que era preguiça eu insistia e
exigia. Eu: Podia ter sido logo apoiado. Mãe: Era a mesma coisa, a diferença não seria
muita mas de qualquer maneira. E num último dia já de cabeça perdida, porque de facto ele
não consegue ter a noção de quantidade, e disse: mas oh … tu queres! Queres dois estalos
ou queres quatro? Filho: Não quero nenhum! (risos) Foi de facto a única vez que ele
desenvolveu assim um raciocínio de quantidade lógica, foi dessa vez. Porque para ele dois
quatro e um, a ordem dos números ou o valor das coisas não existe, está completamente…
uma facilidade de expressão relativamente grande uma linguagem rica, tem um
vocabulário rico o … pode-se dizer consegue falar com as pessoas tem realmente muito
mais, não sei a quem é que lhe sai nem a mim nem ao meu marido somos assim pessoas
com grandes facilidades de relacionamento.
Eu: O … de uma primeira vez falou para mim muito educado, e a segunda vez penso que
foi a Dra. … que lhe deve ter dito que eu gostava de conversar com ele um dia e ele
prontamente chamou-me apresentou-me o quarto dele ali na residência e disse-me e o que
é que queria falar comigo, (risos) e eu disse-lhe não … não é hoje hoje só vim conhecê-lo,
depois de nos conhecermos um bocadinho melhor depois conversamos e ele disse mas
pode perguntar, pode perguntar! (risos)
D. Manuela: Nos colégios não sei como é que está agora, mas na altura era fraquinho
tudo, o Clapared talvez mesmo a assim tenha sido o melhor, mas o … já não tinha vaga no
Clapared, quando fui para Africa já me tinham dito que ele não podia entrar no ano
seguinte, pois foi-se mantendo por ali, quando viemos ou nas Descobertas ou em África, as
Descobertas foi um caos completo de facto foi um desastre, mas na Cerci de facto, o Dr. …
era quem lá estava já lá na altura e foi quem o orientou e o habituou até foi lá que o
habituaram andar sozinho no autocarro o … anda sozinho daqui para casa vai e vem
sozinho, apanha dois ou três autocarros conforme o caminho que resolve fazer o que a mim
me dá uma certa preocupação não saber o caminho que ele está fazer, mas eu também não
o posso manter com a rédea curta completamente, já com os outros a ansiedade é sempre a
mesma não se justifica também…
Eu: E porquê?
Mãe: Porque o meu marido não estava em casa praticamente e eu tive os filhos quase
todos seguidos. O … faz um anos e meio, não chega 14 meses de diferença da irmã e
depois o João José faz diferença 25 meses de diferença do …, graças a deus que foi um
bocadinho mais afastado porque o … deu muito trabalho e cansou-me muito, era
permanente sem grandes apoios de ninguém porque os médicos não acreditavam e então
aquilo era assim um desbravar de terreno, o meu marido na altura era oficial de exército, já
no fim de casado fez o curso de estado maior… e portanto tinha trabalho todo o dia e para
além do trabalho do exército tinha mais alguma coisa por fazer, porque trabalhava em
electrónica porque tinha um amigo que tinha duas firmas e ele trabalhava umas horas, ele
praticamente não estava em casa e eu tive sempre em casa, porque o... que é uma pessoa
que se relaciona extremamente bem com todos ele com o pessoal de casa nem brincando,
na altura ainda tínhamos criadas, na altura eram criadas que se chamavam criadas internas,
portanto eu tinha uma criada e uma mulher-a-dias, mas o … e elas nunca se entenderam,
nunca, nunca, nunca, portanto não era muito fácil nas horas que ele não estivesse na
escolas ele estar entregue a criadas e suponho que isso talvez tivesse agravado se ele
estivesse estado entregue a pessoal doméstico chamemos-lhe assim são sempre pessoas
com pouca preparação, tem menos capacidade em ultrapassar certas dificuldades.
Naturalmente fui sempre eu que fui tomando conta do....
Eu: Existe mais algum familiar portador de deficiência mental? Pode falar-me um pouco
sobre ele?
Mãe: Não, não foi diagnosticado ao... nenhuma doença digamos assim com um nome há
uns anos surgiu ou detectaram uma deficiência num cromossoma que é mais pequeno que
os outros que é o Syndrome de Williams, não fizemos nenhuma despistagem, não fizemos.
As características, até foi o meu filho mais novo que me levou um artigo do Cientific
American, que possivelmente terá sido, aliás até o trouxe para o Dr. … sobre o Syndrome
de Williams, e que ele me disse à mãe olhe para este artigo veja lá se não é o..., o facto
destes problemas desde sempre, problemas actuais parecia, as qualidades e os defeitos
digamos assim, parecia um retrato do... se é ou não é, é como lhe digo nunca fiz a
verificação, se tivesse remédio para isso, talvez o faria. Eu: O... é o mais velho? Mãe: É o
do meio, como sempre os problemas surgem no segundo, não sei porque, mas com muita
frequência, não sei não faço ideia às vezes nós só vemos o que queremos ver, muitos
também são filhos únicos e portanto foi logo no primeiro mas muitos deles também foi
acidente de parto. Do... não porque nem sei se tive três horas à espera do..., foi assim, senti
contracções às 9 da noite e ele nasceu antes da meia-noite (risos) ele era pequenino não
tinha problema nenhum tinha dois quilos e 800g.
Eu: Numa perspectiva de mãe, o que é para si ter um filho portador de deficiência
mental?
Mãe: Uma preocupação essencialmente do dia e do amanhã, o dia a dia vive-se com mais
ou com menos satisfação. Quando me dizem que é uma bênção ter um filho deficiente,
acho que não é bênção para ninguém, deu-me a possibilidade de conhecer pessoas
excepcionais que não teria conhecido de outra maneira, deu-me possibilidade de tomar
conhecimento e contacto com problemas que de outro lado ignoraria mas que se calhar
vivia feliz sem os conhecer, pessoalmente o que mais me afecta e preocupa é o futuro, o
dia-a-dia dá-se resposta com mais paciência nuns dias com menos noutros às vezes com
algum cansaço porque nunca somos muito donos de nós mesmos quando temos um filho
com deficiência, à toda uma série de coisas que nós deixamos de fazer não numa
perspectiva de os esconder ou de … mas perdemos um bocado a vontade de fazer as coisas
houve um bocadinho de nós que morreu e sobretudo o futuro, muito embora a Associação
é uma bênção isso sim, é uma resposta que a maioria dos pais com filhos com deficiência
não terão disponível, os meus outros filhos, quer a minha filha quer o meu filho darão
seguramente apoio ao... no dia que nós faltarmos mas é uma carga que eu lhes deixo é uma
herança pesada é isso essencialmente aquilo que e depois o... ainda tem mais um agravo
coitado, o... gostava tanto de comer doces dessas coisas, está com diabetes já faz dez anos,
portanto aquele único prazer que ele tinha deixou de ter muito embora hoje em dia já haja
alguns alimentos preparados para eles mas nunca pode ser à vontade porque mas mesmo
aqueles que são ditos para diabéticos têm sempre uma parte de açúcar. Portanto tem que
haver cuidado, portanto o... é sempre uma pessoa que nos limita em muita coisa.
Evidentemente que os outros meus filhos têm a sua vida organizada tem a sua casa têm a
possibilidade de ganhar a sua vida têm a sua vida toda estruturada, tanto quanto hoje em
dia alguém tem a sua vida estruturada, o... não, o... é sempre um peso que fica a alguém
ainda que fique aqui, os irmãos têm que o vir buscar ou têm que se ocupar dele ou
preocupar com ele, é uma preocupação muito grande essa.
Eu: À medida que o seu filho vai envelhecendo que alterações tem observado?
Mãe: O... em casa faz muita coisa, desde sempre eu e o meu marido somos uns pais muito
exigentes, fomos sempre e os outros filhos talvez tenham sofrido um bocadinho do muito
que eu tinha que exigir ao... para conseguir um bocadinho e claro se exigia a um exigia a
todos, eles às vezes queixam-se a mãe exigiu tanto que nós somos pessoas extremamente
exigentes no nosso trabalho queixam-se que somos exigentes, lamento muito não saber
educar de outra maneira, portanto o... foi habituado a não ser o coitadinho mas sim mais
uma pessoa da casa e portanto tem as suas obrigações, ele faz a sua cama, põe a roupa a
lavar, arruma a roupa dele quando se pões no quarto dele ele é que a arruma nas gavetas
melhor ou pior de vez em quando temos as nossas discussões pessoais (risos) porque as
gavetas quando lá vou nem sempre estão bem, mas melhor ou pior fica feito, o... é que põe
a mesa é que tira a louça da máquina e arruma-a toda nos armários, põe a mesa e sabe
perfeitamente o que é o almoço hoje se é peixe se é carne o que é a fruta, ele é que trata
disso tudo dos talheres dos guardanapos de lavar a fruta ele é que faz isso tudo, quando
está em casa ele faz isso tudo, essas coisas começam a falhar há mais vezes em que se
esquece do pão ou há mais vezes em que os talheres não estão propriamente como deve
ser, são coisinhas pequeninas que nós vamos sentindo que já não é bem da mesma
maneira, há esquecimentos mais que não havia, são coisinhas pequeninas do dia-a-dia não
é nada estritamente.
para fazer grandes asneiras. Cumpre rigorosamente os horários não há uma falha aquela
hora está a tocar-me à porta mas também sabe que se não tiver na próxima vez não vai,
mas é a única maneira de eu conseguir ter algum controlo e exigir também aqui, de
maneira que de manhã sai pelas dez horas ao meio dia vai a casa e almoçar à tarde saia
pelas 13:30m e às 15 está em casa. E é a vida dele!
Na praia quando estamos lá em baixo no Algarve, temos casa em Ferragudo, sai cedo eu já
estou sempre a pé mas ele sai cedo, faz uns caminhos compridos para ir até à praia,
percorre meio mundo para ir à praia de Ferragudo, vai visitando as pessoas todas ele foi
para ali desde que nasceu e a família do meu marido é de lá portanto toda a gente o
conhece e depois eu vou à praia a quase todas as manhas anda por ali fala com as pessoas
toma banho vagamente, ele nada bem mas não gosta muito de água fria e vem almoçar
depois de almoço está um bocadito deitado, sai vai fazer as visitas todas que lhe interessa
até às seis, hora do lanche vem lanchar e vai para a praia, depois a fim da tarde toma banho
e janta e depois vai novamente à rua ver os amigos um bocadito até às 10h e volta a casa,
tem uma certa independência! No Algarve tem imensos amigos estrangeiros casais
ingleses sobretudo ingleses. Há um casal que tem casa lá durante o tempo que está em
Inglaterra escrevem e mandam emails manda revistas de automóveis, são amigos dele.
Eu tenho a sorte que o... tem alguma capacidade e sentido de orientação formidável e claro
o que é também importante para eu o poder largar um bocadinho e nunca se agarra muito
tempo às pessoas portanto eu sei que ele está com muitas pessoas mas nunca se pega a uma
pessoa de maneira a incomodá-la durante muito tempo e ele está ali diz duas ou três coisas
e segue, mata muita gente mas poucochinho de cada vez (risos). No Algarve tem a
vantagem como à muita gente conhecida eu sei sempre por onde é que ele foi e por onde é
que ele passou de maneira que está sempre vigiado. E se ele for a algum sítio que não deve
eu depois falo com ele, de maneira que ele tem o cuidado de não sair dos parâmetros
estabelecidos.
quem está com ele todos os dias ou todas as manhãs na praia não se apercebe disso, mas
nem sabia como era a vida do ..., vai todos os dias para o trabalho.
Eu: Na sua ausência, quem pensa vir a ser o responsável legal mais adequado para o seu
filho?
Mãe: Possivelmente o meu filho mais novo, ele já é assim aqui sócio efectivo, ele vem
muito aqui ao Elo, aliás neste momento faz parte do conselho fiscal e já o foi nos últimos
órgãos sociais. Tem uma disponibilidade de tempo maior que a minha filha, a minha filha
é médica, não guia porque tem uma deficiência de visão portanto o guiar seria sempre um
risco e como médica tem o tempo muito mais ocupado e com menos possibilidade de ser
ela a dizer o que quer porque ela é médica em São José não faz clínica particular, com
menos possibilidade de alteração de horários. O João José é informático tem uma horário
livre e portanto uma possibilidade maior de jogar com o seu tempo embora tendo uma
situação, a sua vida não é tão bem arrumada como a da irmã, casou-se, divorciou-se, ficou
com um filho voltou a juntar-se com outra é assim uma vida moderna, mas por ter menos
prisões e ser dono de si próprio tem mais possibilidade de certo modo de se deslocar e
estar mais presente. O... dá-se lindamente com a... e o cunhado mas realmente eles têm
uma vida desgastada.
Eu: E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades do seu filho no
futuro?
Mãe: A Associação porque tem o Dr. … que já anda a algum tempo preocupado com o
problema do envelhecimento que é o problema que para mim está presente há muito
tempo, já tenho falado sobre ele com o Dr. … aliás já temos falado nisso muitas vezes, eu
sei que há muitos pais que não querem falar sobre isso, não sei se não se apercebem se
estão também a não querer aperceber-se da necessidade de se ir alterando dentro da
instituição alguma coisa, há coisas que os nosso filhos já não podem fazer dentro de três
quatro anos, mas eu penso que a Associação, o Dr. … já está a orientar as coisas de
maneira a dar resposta àqueles que estão a ficar mais velhos porque eles aos poucos vão
deixar de poder fazer uma série de coisas que fazem hoje não há possibilidade. A minha
confiança na Associação é na Associação porque tem por trás um Dr. … porque está desde
já a estruturar (acho eu) a resposta que os nossos filhos mais velhos… agora temos aí
alguns mais novinhos, mas terá de haver uma evolução pelo menos parcial para essa
resposta aos nossos filhos mais velhos. Eu acho que isso vai ser uma resposta que vai
existir, em que eu colaborarei no que for necessário porque estou disponível para esta casa
enquanto for viva, mas acho que vai haver essa resposta!
Teremos que fazer aqui dentro uma adaptação, que eu não sei qual é, espero que
continuem sempre a ter um apoio de ginástica de fisioterapia para que não fiquem com as
juntas todas perras, que continuem com o seu jacuzzi têm lá em cima a sala de relaxe,
possivelmente terão que se virar mais para estas actividades mesmo aqueles que hoje não
fazem uso destas valências, possivelmente terão que alterar a sua vida no sentido de
usufruírem mais desse tipo de apoios para que o seu organismo não se vá deteriorando tão
rapidamente, mas temos que pôr de parte outras coisas, não podemos estar a pensar que
eles vão continuar a manter o mesmo numero de exercícios que fazem hoje, mesmo o ir
àqueles encontros inter-centros tudo isso, aos poucos com certeza vão deixar de ir, porque
nós temos aqui os centros de terceira idade para os jogos, qualquer dia são os nossos que
são da terceira idade aqui dentro (risos). Tem que haver seguramente uma evolução que
será parcial, porque temos jovens que não podem ser sacrificados pelo envelhecimento de
alguns, mas temos também que perceber que esses mais velhos não podem continuar a
acompanhar as mesmas valências que fazem os mais novos. Como é que isso se resolve?
Há eu isso não sou capaz de lhe responder! Acho que tem que se resolver, acho que é uma
necessidade absoluta, mas não lhe sei dizer… Já tenho falado com o Dr. … se calhar os
nossos CAOS têm que ser alterados de maneira a eles terem outras actividades que sejam
mais adequadas a pessoas com maiores dificuldades que estes já têm…
Eu: Obrigado pelo seu contributo! Não sei se quer acrescentar alguma coisa!
Mãe: Estarei sempre disponível se necessitar de mais alguma coisa, conta comigo e
obrigada eu.
FAMILIAR 3
Associação…
7 de Julho de 2007, 15h
aconselhou-me, mas isto depois se se tira sente-se muita falta e graças a Deus é o que me
vale. (Silêncio, momento de tensão e a dona Mãe começou a chorar) Mas depois realmente
eu achei que era o melhor para ela, houve um médico que me disse em certa altura que ela
podia ter filhos perfeitamente normal e a senhora o criar e eu fiquei assim a olhar para ele.
Eu achei que aquele traumatismo de parto ia ser horrível para ela, ela não tem muita
paciência as crianças gostam muito de brincar com ela mas ela não tem paciência e eu
achei que ela era completamente incapaz de criar um filho e mesmo com o meu marido
isso eram coisas que não se punham, de maneira que acabei por tomar a decisão e depois
vim a saber que podia ser presa por isso. Eu não lhe expliquei tim tim por tim tim o que ia
fazer. Mas o processo de interdição já está em andamento, mas de qualquer forma a
responsável pela... sou eu.
Eu: Na sua ausência, quem pensa vir a ser o responsável legal mais adequado para o seu
filho?
Mãe: Este meu filho que vive cá é o protutor e uma sobrinha minha do lado do meu
marido que se ofereceu que já está aposentada, ai meu deus agora não me lembro quem é a
outra pessoa. MAS havia ideia, isso por acaso falta-me fazer é no notário fazer uma
declaração de que por minha morte a tutoria dela fica entregue a Associação, porque por
exemplo o protutor o que faz é levá-lo ao médico e acompanhá-la e se ela tem uma doença
vai para casa e o meu filho é bancário e tem muita responsabilidade lá no banco não tinha
tempo para fazer isso só se ele já tivesse uma certa idade e já estivesse aposentado mas ele
ainda tem 40 anos e de maneira acho que a ideia do elo é criar um grupo de colaboradores
que vão ocupar-se só disso porque eu ainda tenho mais filhos mas há muitos casos aqui que
são filhos únicos. Quer dizer já têm deixado a Associação. De maneira que eu o que penso
fazer é quando eu falecer ela ficar aqui, e o meu marido antes de falecer já estava a par e
foi ele que coitado que… Mesmo eu já disse aos meus filhos e a quem quisesse ouvir que
acho que a justiça é entregar a parte da minha filha a Associação uma vez que ela esteja
aqui e embora o protutor possa sempre seguir as coisas e ver se as coisas estão bem geridas
porque isso é exigência do tribunal embora da minha parte já fiz só falta isso, mas dizem:
não tem pressa nenhuma Dona Mãe porque também não vai morrer já e eu digo há não sei
às vezes sou tão distraída a atravessar a estrada agora já estou um bocadinho mais atenta
depois dos sustos que já apanhei, estou um bocado mais atenta, agora tenho um bocadinho
de mais cuidado com a minha saúde porque não posso falhar por causa dela não é, não tem
mais ninguém agora para tomar conta dela.
coitada e às vezes vai lá visitá-la lá a casa mas ela não gosta muito de a ver assim e eu
digo-lhe que está assim mas precisa de ti, sempre foi uma grande amizade entre as duas
mas como ela agora não sai está ali em casa. Mas é engraçado quando vai diz ai a Preciosa
estava tão contente ajudei-a a fazer a cama ou a passar a ferro ou qualquer coisa assim, ela
passa muito bem a ferro. Nós tínhamos uma lavadeira africana e ela gostava imenso de ir
para a garagem ao fundo do jardim e ela então adorava porque os africanos têm um carinho
muito especial pelos deficientes e então adorava lá estar ao pé dela sentava-se lá numa
cadeirinha e aprendeu de tanto ver passar que passa uma camisa de homem muito bem. E
depois aqui na Associação fez a 4.º classe, logo ao princípio aqui na Associação ainda era
ali um barracão era o Dr. … já nessa altura e outro professor e ele disse a ... fez a 4.ª classe
mas sem favor, porque há muitos normais que fazem pior figura do que ela, gosta de ler e
tal é um bocadinho preguiçosa para escrever, gosta de ler revistas porque o livro depois
perde o interesse, a televisão é que ela gosta.
Uma pessoa com deficiência mental é uma pessoa especial. Normalmente eu ligo como ela
como nada fosse, mas ela em casa é tramada para fazer qualquer coisa, diz que faz e ajuda
e tal mas depois e eu às vezes se eu mandar ela faz mas claro eu é que tenho que ir fazendo
as coisas devagarinho às vezes eu é que já não tenho paciência para estar sempre a dizer-
lhe para fazer alguma coisa. Mas ela gosta de cozinhar e assim, eu é que agora já vou
almoçar à associação dos reformados e a reforma também não é muito grande mas também
não pago assim nada por ali além, de maneira que tenho assim a vida um bocadinho mais
livre e orientada.
Eu: À medida que a sua filha vai envelhecendo que alterações tem observado?
Mãe: Está um bocadinho rabugenta às vezes e tal, e ela saúde realmente é saudável ela
nem teve as doenças que os irmão tiveram em pequeninos como o sarampo por exemplo. O
que eu noto mais é o andar, eles até têm cá fisioterapia e ela deixou de ir à natação porque
uma vez cortou lá um pé e como estávamos a quase no fim do ano… não disse nada, mas
agora para o ano vou ver se ela continua ir à natação porque lhe faz bem, mas ela não se
importa ela quer é estar sossegadinha e às vezes é assim um bocadinho impaciente aqui
com os colegas por aquilo que eu sei, havia ai um então que tiveram que ser separados,
eles são todos doentes agente não pode dar razão nem a um nem a outro. De maneira que o
que eu noto mais nela é o andar assim um bocadinho inclinada para a frente, e eu digo-lhe:
hó ... endireita as costas! De resto falar fala bem, há usa óculos, foi no ano passado em
Agosto, não sei que é que ela se queixou, teve dificuldade em ler qualquer coisa, e disse-
lhe mas então tu não consegues ler as coisas, e tu não dizes nada, às vezes é aquela coisa
de eles não dizerem nada do que sentem, e agente nem sempre estamos as ver as coisas, de
maneira que agora usa óculos, já há um ano, numa das quedas ficaram todos tortos, mas
adaptou-se lindamente, eu quando tive que me adaptar a estas lentes progressivas sai e
voltei para trás a chorar porque o chão parecia um buraco, ela foram logo progressivos e
não teve o mais pequenino problema.
morressem à frente deles! Eu não sou capaz dizia eu, porque ela é muito alegre e gosta de
viver e pronto é feliz com pouco eu também sei isso. Desde que tenha pessoas que a
estimem a levem à Mariete que ela adora e a Preciosa e a uma outra senhora que é nossa
vizinha que se chama Dona Ermelinda. Em casa aguenta-se assim um dia, mas agora em
Agosto já sei que ela não vai parar em casa e eu também vou dizer a verdade eu muitos
dias com ela sempre ao pé de mim também não fico muito bem, começo a fazer a minha
vida normal com dificuldades, fico com a minha saúde mental afectada! Sempre lutei
muito por ela, mas sinto que quando ela faz sempre as mesmas coisas as mesmas tolices e
principalmente eu como já estou muito escaldada que ela está longe de mim eu não estou a
ver, não é que a casa seja muito grande…
Mas não penso nada assim como outros pais acho que ela ainda pode viver muitos e anos e
como tenho uma grande confiança na Associação e nas pessoas que cá estão e as que
também vão ser escolhidas futuramente, porque o meu filho também é sócio efectivo, na
minha falta é ele que a vem buscar e essas coisas todas, quando é preciso vem às reuniões
quase sempre não é, e isso também me foi logo dito pela Associação, não havia mais
nenhum sócio efectivo porque há muitos sócios, uns são só sócios outros são sócios
efectivos que têm obrigação de vir às reuniões para tomar as decisões e votar. E portanto
nós temos que confiar, de maneira que todos têm mesmo que confiar. E tenho preparado a
... devagarinho brincando com humor, sem dramas e coisas e digo-lhe olha já sabes que
quando eu for para o céu ficas na Associação, e ela está farta de saber isso que é a casa
dela, de maneira que sinceramente neste momento não tenho grande preocupação, isso sim
tive essa preocupação quando sei lá há uns 20 anos ou 20 e tal já ela tinha uns trinta anos,
viemos de Angola em 1975 e depois fomos para a aquela casa em 1979, e andava à procura
de qualquer coisa até que foi construído a Associação, acho que já conhece o Dr. … isto
para ele é um sacerdócio, ele é aplicado a eles de corpo e alma, e agora tem o sobrinho que
é exactamente a mesma figura dele, é mais novo mas também é uma óptima pessoa e de
maneira que não vivo preocupada com isso, preocupa-me um bocadinho com a minha
saúde, tenho os meus cuidados porque a ... precisa de mim, porque se fosse só por mim eu
morria já hoje (momento de grande tensão, a dona … começou a chorar abruptamente,
perguntei se ela queria fazer uma pausa, desliguei o gravador e respeitei o seu sofrimento)
Mas era um gesto inconsciente, por ela claro, porque se eu ficasse sem andar ou assim ela
tinha que ficar cá na Associação sempre. Aqui há um anos, dois anos, foi logo a seguir ao
meu marido falecer, dei uma queda tremenda foi distracção havia um degrau e eu pensei
que era a direito e fiquei estendida no chão, e fiquei um bocado atrapalhada da coluna
andei em médico e tal até que vi que tinha que recorrer a outra coisa para me curar por
causa dela e claro tinha recebido o dinheiro da segurança social que é um bom dinheirinho
mas de que me serve o dinheiro se não tiver saúde para cuidar da minha filha. Durante dois
meses era o meu filho que vinha cá, era o protutor que a vinha trazer e levar, eu não podia
custava-me andar. E perdi o amor ao dinheiro e gastei e fui a um médico muito bom que eu
recomendo, fazia fisioterapia e depois voltava ao mesmo, ou eu ficava inutilizada ou então
não sei.
Mãe: A saúde, o pão nosso de cada dia, não peço mais do que isso e a graça de Deus acima
de tudo porque ela depende só de mim, agora a saúde também depende de nós mas nem
sempre controlamos o que possa aparecer, faço análises todos os anos, tenho um bocadinho
de cuidado continuo a ir uma vez por mês ao médico da coluna.
Eu: E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades da sua filha no
futuro?
Mãe: Se não fosse aqui aonde é que ela devia ficar, ao fim de semana acredito que os
irmãos a venham buscar, este que vive mais perto porque o outro vive em Setúbal e os
outros estão no estrangeiro e o único que vive cá é aquele que é pró-tutor dela, de maneira
que não é viável ela ir viver com os irmãos, podem eventualmente vir buscá-la ao fim de
semana dar um passeio, acho que é realmente o melhor para ela estar aqui com pessoas que
são especializadas e estão preparadas para lidar com eles e que a tratam bem e ela é feliz,
passeia também, ela conhece melhor Lisboa do que eu saiem ao fim de semana, saem
menos mas mesmo assim antigamente saiam todos os domingos.
FAMILIAR 4
Associação…
21 de Junho de 2007, 15h:20m
Pai: Posso só fazer-lhe uma pergunta! Esta Investigação que a Dr.ª está a fazer foi pedida
por quem?
Eu: Expliquei o contexto e os objectivos do trabalho…
Pai: Vamos ter aqui uma óptima colaboradora! Tem objectivos bem fundamentados,
porque só explorando este assunto é que se pode obter bons resultados.
Eu: Introduzi a entrevista.
Eu: O Sr. … é pai do …, como já me tinha dito, e quem é o principal cuidador do seu
filho?
Pai: Eu e a minha mulher.
Nós tínhamos outro filho que morreu e o outro nosso filho tem um menino mas há certas
características nas pessoas e eu pedi à Dona … para ficar responsável pelo … pelo facto do
irmão Pedro ter muitos problemas e não ser a pessoa mais indicada. (o Sr. … emocionou-
se e o facto de ter algum problema na voz, o gravador não conseguiu captar a totalidade do
discurso, …)
Eu: As questões relacionadas com a legalidade e com quem gostaria que o … ficasse, era
uma pergunta que eu preparei mais para o fim mas já que está a falar sobre isso, quando
diz que a Dona …. é a outra pessoa que ficou também responsável isso significa que vai
ser na vossa ausência tutora do …?
Pai: Eu nunca entrei com os papéis para ser nomeado um tutor, para isso tenho que ir ao
tribunal para que isso aconteça, de facto nós gostávamos que ela fosse responsável pelo ...
e quer dizer que fosse uma garantia para o futuro dele, não lhe sei responder sinceramente,
isto está tudo em stand by, mas em todo o caso ele já foi ele já está praticamente quer dizer
interditado, está interditado já desde, eu sinceramente nem sei bem. Ela e a Associação,
vamos supor, alguém que se possa responsabilizar pelo futuro do …, porque é o problema
de todos os pais, o meu filho quando eu morrer…o que é que há-de ser do meu filho
quando eu morrer, eu morro eu sei que vou morrer e depois vou ter imensas dificuldades,
eu não mas quem cá fica. É um problema vamos ter grandes dificuldades em arranjar ou
nomear um novo tutor. Não temos ninguém na família não temos ninguém e isso vai criar
problemas penso que nos próprios pais.
Eu: Ainda há pouco falou-me que o … tem um irmão com alguns problemas, mas existe
mais algum familiar portador de deficiência mental?
Pai: Não, havia uma pessoa com deficiência na família mas já há muitos anos que morreu,
era irmã do meu pai…
Eu: À medida que o seu filho vai envelhecendo que alterações tem observado?
Pai: O … é um bocado complicado viver com ele porque ele é difícil as características da
doença dele são muito difíceis, nós pais tentamos sempre levar a água ao moinho da
melhor maneira, mas por vezes acabamos por nos calar, ou fazê-lo sentir um bocadinho por
nós, não achas …? mas quem é que trata de ti não é o pai e a mãe, temos carinho e…
depois ele reconhece que … mas por sistema ele é um bocado refilão, não é fácil haver um
bom entendimento se não houver boa compreensão da parte dos pais e isso é que faz
diminuir a água na fervura. Parece-me que ele está a ser mais, para ser franco, a demorar
mais tempo a fazer as coisas que fazia já em certo tempo, muito confuso, começa a fazer
uma coisa e não a termina, se limpar o quintal deixa ficar o lixo deixa ficar aquilo assim,
quando dantes não. Pois outra coisa agente tem que insistir para ele o ir tirar ou então… é
muito instável, muito instável. Ele sempre foi assim instável desde pequenino que a mãe se
via em trabalhos com ele, porque ele carece de muitos cuidados para além da deficiência
mental que tem carece de outros problemas de saúde tais como um problema hemorroidal
bastante agravado e problemas no estômago, de maneira que… se eu tivesse feito um
apanhado das perguntas que me iam ser feitas podia realmente ter feito uma reflexão mais
profunda e ser mais esclarecedor!
Eu: Eu vou tomar em consideração a sua proposta, e se o Sr. … achar que quer reflectir
um pouco sobre o que estamos a conversar e voltar noutra ocasião para conversarmos
melhor, sinta-se à vontade para isso.
Pai: Mas a Dr.ª não tem dificuldade em perceber o problema que existe eu sei que não tem
dificuldade por isso quero responder-lhe que não vale a pena eu ir para casa e pensar falta-
me dizer isto ou aquilo, porque eu penso, penso não! tenho a certeza absoluta que a Dr.ª
está a aperceber-se de todo este problema e será fácil chegar a uma conclusão, por isso
penso que podemos continuar.
outros com o mesmo problema dele, mas pronto. E então tive que o tirar de lá. Entretanto
trouxe-o para casa e pronto pois veio para aqui. A segurança social exigia 25 utentes para
dar inicio ao Elo, e havia ai uma senhora que é sogra da Paula … aqui da secretaria que
acaba por me dizer que tinha uma menina em casa numa cadeira de rodas e essa senhora
como fazia a cobrança das cotas da Associação, e o … já estava inscrito, e essa senhora
disse ai não me diga que o … não vai entrar, depois houve pessoas que me influenciaram
para pedir a alguém da junta que pudesse influenciar, bem conclusão Ele foi chamado! Um
dia tive coragem de perguntar ao Dr. … se alguém da junta tinha influenciado a vinda do
… para aqui. O Dr. … disse-me abertamente que não, era só para saber se devia agradecer
a alguém, o Dr. … disse que não, então devo-o à Sr.ª dona Carlota e à tal menina Paula e
ao Dr. …. Ele veio para cá, não me recordo bem se ele veio, é porque houve alguns que
foram transferidos da CERCI para aqui, mas agora não sei bem se ele veio logo, a minha
mulher sabe de certeza ela lá nisso é fantástica, se ele veio logo para aqui no inicio quando
abriram a Associação ou se foi logo um pouco depois, ele está cá desde 1991, mais ou
menos.
Eu: E, qual pensa ser o melhor lugar para responder às necessidades do seu filho no
futuro?
Pai: é uma pergunta muito difícil, não é fácil responder! Eu queria para o …porque já se
sabe que ele não tem capacidade para se orientar. O que é que eu desejava para ele, que
alguém se responsabilizasse por ele, mas queria que alguém tomasse conta dele até aos
últimos anos dele, que ele fosse uma pessoa cuidada por alguém e estimado enquanto fosse
vivo. O ideal seria um lar onde pudéssemos estar os três, pois como já lhe disse não temos
mais ninguém.
Apêndice 9
Título: Transcrição das entrevistas aos profissionais da Associação
Associação…
1.ª - 5 de Julho de 2007, 17h
2.ª – 9 de Julho de 2007 – 14h
Eu: Quais os motivos que a conduziram a vir trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental?
A.S.: (risos) Foi o próprio emprego, eu sou sincera estava acabar a formação vi um
anúncio que a Associação precisava de uma técnica de Serviço Social, calhou estar afixado
no placar da escola que foram lá afixar à espera de encontrarem alguém recém-licenciado.
Tirei a licenciatura no Instituto, concorri e cá fiquei.
Eu: O que é que sentiu quando veio trabalhar para esta instituição?
A.S.: É assim para mim não era novidade a Associação, eu já conhecia a Instituição até
porque eu já tinha feito estágio na área da deficiência, já me sentia um pouco mais à
vontade na área da deficiência que não foi a minha escolha inicial. Estagiei no Centro São
Vicente Paulo porque o Centro queria iniciar uma valência de CAO para dar resposta a
pessoas com deficiência ali do bairro da Serafina e da Liberdade e nós agarrámos esse
projecto e foi o nosso estágio. Foi fazer um levantamento das pessoas com deficiência
desses bairros, não sei se conhece a zona, mas dá resposta aos idosos já dava na altura às
crianças até ao Atl e faltava a área da deficiência, tinham aberto à pouco tempo um lar
terminal para pessoas já em fase terminal faltava dar resposta às pessoas com deficiência e
nessa altura a promotora do apoio domiciliário, deu-nos essa oportunidade que foi muito
boa porque foi um estágio muito rico porque tivemos também algumas facilidades a nível
da instituição para obtermos o levantamento que já estava a ser feito pela técnica de
serviço social para abrir um CAO.
Eu: E não falando apenas das coisas más, quais foram as potencialidades com que se
debateu quando veio trabalhar para a Associação?
A.S.: (risos) A instituição em si, acho que essa é a maior potencialidade. E se hoje
houvesse oportunidade de ir trabalhar com outra problemática eu por minha vontade não
escolhia outra ficava na deficiência porque quando andava no estágio e tive que escolher a
área em que ia estagiar eu gostava muito de ter estagiado com crianças, por ser mais fácil o
estágio não ter tanta burocracia e de mais fácil acesso até à própria instituição e depois fiz
aquele estágio onde ganhei um traquejo muito grande e depois vim para aqui porque
completamente diferente porque eu vejo agora estagiárias que não têm o à vontade que eu
tinha lá dentro da instituição, mas eu gostava muito de trabalhar com crianças e depois
acabei por ter essa oportunidade mas como na altura era um contrato temporário para
substituição de uma licença de parto para a Casa de Apoio de Carcavelos, eu confrontei
aqui a instituição, fui lá a uma entrevista depois ligaram-me logo de seguida a dizer que
tinha sido admitida, mas depois dessa entrevista eu esclareci logo a minha situação e
acabei por deixar para trás aquela grande opção que eu queria que era trabalhar com
crianças e crianças desprotegidas, porque realmente queria logo no inicio e acabei por
escolher trabalhar com as pessoas com deficiência.
Eu: Tenho conhecimento que é coordenadora das Residências mas concretamente quais
são as funções que desempenha?
A.S.: Á minha responsabilidade está tudo o que seja relacionado com o contacto com as
famílias. Em relação ao meu trabalho é assim, as famílias também não há uma rotatividade
nas famílias porque como sabe, utentes que não transitam para outras instituições não há
entradas e saídas conforme acaba o ano, não é! São utentes fixos na instituição, o que me
ajuda muito porque também vamos tendo uma relação com as famílias muito mais
próxima, já nos vamos conhecendo. É o contacto com as famílias, é o apoio aos utentes
sempre que seja necessário, na área da saúde sou eu quem faz o contacto com o médico da
nossa instituição na articulação médico família e instituição, faço a articulação entre a
família e a monitora se necessário. Também sou eu quem mantém o contacto com algumas
instituições no exterior, na solicitação de apoios diversos e por diversos motivos.
Nos projectos, eu faço parte de alguns projectos, eu faço parte de alguns projectos aqui na
Instituição mas isso a coordenação dos projectos é do Director Técnico.
2.ª Entrevista:
utente tem um plano de trabalho, são definidos semestralmente, seis em seis meses os
objectivos de trabalho para cada utente. Muitos desses objectivos ficam durante um ano e
até mais do que um ano, mas de seis em seis meses é feita uma avaliação dos objectivos
para aquele utente. E delineamos se continuamos ou não esses objectivos. Todos os utentes
têm objectivos de trabalho devido também porque muitas pessoas só transitam pela
residência mais ou menos 44 dias por ano, o que dificulta mantermos um trabalho continuo
com eles, dai muitos deles termos um objectivo quase que anual. Tenho como
responsabilidade elaborar e coordenar a definição de actividades para as diferentes áreas de
intervenção de cada utente individualmente, isto especificamente só na residência, tenho
como responsabilidade também coordenar a definição dos planos individuais de trabalho,
os tais objectivos de trabalho que é feito com cada utente em cada semestre.
Responsabilidade pelo acompanhamento e avaliação dos programas de trabalho da
residência, sou em quem tem que providenciar os meios necessários para o
desenvolvimento das actividades programadas, coordenar e liderar a equipa do pessoal das
moradias, participar na direcção técnica do centro e participar nas reuniões do concelho
executivo, sempre convocada para o efeito.
Acrescido às funções de Técnica de Serviço Social tenho estas funções, é assim têm a ver
com o Serviço Social mas também são muito inerentes à coordenação, à chefia de um
sector.
Eu: Tem estado a contar-me um pouco quais são as suas funções, mas concretamente, em
que é que consiste o seu trabalho?
A.S.: É assim eu sou responsável, é assim tudo o que são assuntos relacionados com as
famílias é a mim que vêm ter e sou eu que sou responsável sou eu que falo com as famílias.
Quem mantém o contacto com as famílias sou eu, muitas vezes para eles sou eu quem sou
responsável e esquecem que há assuntos que me ultrapassam e que deve ser já tratado ou a
situação complica-se e deve ser tratado a nível da direcção.
coisas, junto tudo, muitas vezes falo como coordenadora com as famílias e estou a falar
como técnica de serviço social e junta-se aqui um pouco as coisas. Muitas pessoas até
acham que eu sou só coordenadora da residência e nem sou técnica de serviço social, e
faço parte da residência, como todos os utentes passam pela residência eles acham que aqui
a técnica de serviço social aqui fica assim um bocadinho parece que sou mais, como é que
eu vou explicar eu sou mais conhecida como coordenadora das residências (risos).
Eu: Desculpe por ter modificado o rumo da nossa conversa, mas estávamos a falar sobre
o que é que no seu entender são os objectivos do Serviço Social?
A.S.: No meu trabalho aqui está claro, até porque cada profissional tem as suas tarefas e eu
tenho o meu papel e normalmente os meus colegas também não se metem nos meus
assuntos. Há uma definição de objectivos que até está um pouco desactualizado mas que
tem a ver com o apoio às famílias. Eu apoio as famílias inicialmente e apoio
individualmente.
Eu: Quais são os valores que norteiam as suas acções? (quais são os princípios que o
acompanham enquanto profissional)
A.S.: É fazer com que e isto tem sido uma luta que temos levado a cabo há alguns anos que
é fazer com que a generalidade dos trabalhadores os respeitem. Normalmente as pessoas se
calhar porque não têm autoridade sob as pessoas com deficiência então uma das maneira
de manterem a autoridade é a afirmação. Temos um código de ética que vai pelo respeito
pelos direitos e deveres e a partir daí criámos um manual de utilização de CAO, manual de
utilização também das moradias. Aqui foi traduzida para um caderninho do cliente. Os
nossos direitos e os nossos deveres. Este caderno é da residência mas temos assim um
semelhante para o CAO. Esta caderneta do utente serve de ponte entre a instituição e a
família.
Eu: Após o recapitular das suas funções, quais são os princípios que a acompanham
enquanto profissional?
A.S.: É o respeito pelas pessoas com quem trabalho. Honestidade, sou sincera com as
pessoas digo o que tenho a dizer quando tenho a dizer, respeito as funções das pessoas,
tanto respeito uma pessoa que está no sector da limpeza como uma encarregada e também
exijo que me respeitem a mim. Em relação aos utentes, tenho muito carinho por eles e
respeito-os nas suas exigências e faço que junto da equipa exijo que exista esse respeito.
Um dos valores da Associação é que nós estamos aqui para lhes prestar um serviço, na
óptica do cliente, eles estão aqui, pagam para lhes prestarmos um serviço por isso temos
que lhes prestar um serviço com uma maior qualidade, temos que fazer avaliações do
serviço para melhorarmos as nossas respostas de outra maneira não vamos conseguir fazer
melhoramentos e modificações, isto para não estagnarmos porque a tendência é as pessoas
ficarem quietinhas no mesmo canto e que ninguém as incomode e depois todos nós
criamos vícios que temos que combate-los e às vezes umas modificações são importantes.
Isto exige na óptica do cliente, elas estão aqui para prestar um serviço ao cliente que são os
utentes, eles não são os meninos delas que podem tratar por aquele diminutivo que eu não
gosto que elas os tratem pelo diminutivo, porque depois dá um ar mais familiar e estreito
na ligação também o carinho se pode passar para a forma autoritária e de manipulação e
isso nós tentamos, eu estou sempre muito atenta a este aspecto e se nós os tratarmos com o
devido respeito dentro das capacidades deles e com carinho e não devemos deixar que esta
situação que passe estes limites, porque elas aqui têm o trabalhos delas com estes utentes e
não devem estreitar muito as ligações, não deixar que deixe de ser profissional porque
depois começa-se a confundir tudo. Não quer dizer que não se sinta amizade, sente-se
amizade sim! Temos amizade temos mais simpatia por uns do que por outros porque todos
nós somos assim, mas temos que saber distinguir que estamos no nosso local de trabalho.
Não nos podemos concentrar só em B ou C porque são mais simpáticos, e depois os outros
são os antipáticos os que chateiam, isso não pode acontecer, estou sempre muito atenta a
estes pormenores e exijo que elas os tratem com igualdade. Exijo que elas respeitem os
“miúdos”, (risos) isto de dizer miúdos é incorrecto mas de facto eles para nós são miúdos,
se calhar é uma forma mais carinhosa de os tratarmos.
Eu: Quais as referências teórico metodológicas que orientam a sua acção? Ou seja em
que teorias e metodologias baseia a sua acção?
A.S.: (risos) Esta pergunta! Eu sinceramente não lhe sei responder, já estudei faz tanto
tempo que não lhe sei dizer os nomes. Eu trabalho no directo numa equipa pluridisciplinar
com o utente com a família e com a comunidade.
Eu: Não há problema eu compreendo! Penso que desenvolve a sua acção baseando-se no
modelo sistémico, em que não vê o utente como uma pessoa individual mas sim como
alguém no centro de um sistema, sistema esse familiar a instituição e a comunidade em
que está inserido.
A.S.: Agora que fala no modelo sistémico, parece que me estou a lembrar de algumas
coisas.
Eu: Segundo a sua experiência, o que é para si uma pessoa portadora de deficiência
mental?
A.S.: É uma pessoa com algumas limitações, têm algumas limitações, alguns têm
limitações mais acentuadas que outros. Todos temos limitações, a diferença é que nós
conseguimos disfarçar as nossas limitações e eles não conseguem disfarçar as deles porque
não têm essa capacidade! Ás vezes é assim, eles sabem que fazem mal e quando eles
sabem que fizeram alguma coisa que não foi correcto são os primeiros a virem dizer
mesmo sabendo que depois vou chamá-los a atenção e vou dizer-lhes exactamente aquilo
que eles já sabem (risos) que não foi correcto. Mas eles vêm aqui logo dizer-me, chegam
ali e dizem-me aconteceu isto e isto e isto.
Eu: Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
A.S.: Estamos a aprender com eles, porque aí o objectivo é que eles consigam manter
algumas aquisições que conseguiram aprender até à idade adulta, ao nível da leitura por
exemplo, em inúmeras aquisições. E mesmo em relação a alguns, coisas que não
aconteciam e agora... por exemplo a ... cai desamparada, o … também já tem as suas
limitações, vão-se notando no envelhecimento deles, eu acho que é mais notório quanto
mais capacidades eles adquiriram torna-se mais notório o envelhecimento, as pessoas com
deficiência profunda não é tão notória. Se calhar conhece o Fernando Fonseca, o Fernando
de há 15 anos atrás e o Fernando de hoje sinceramente não lhe noto nada de diferente. Ele
está no CAO 2, eu não noto diferenças a não ser no aspecto físico talvez. Daí que é mais
notório naqueles que conseguiram adquirir algumas capacidades pois é como se costuma
dizer quanto mais alto se chega maior é a queda. E neles também, quanto mais capacidades
têm mais notório é o envelhecimento. No futuro é assim, eles também já estão a cumprir
um programa ocupacional em actividades ocupacionais e eles não têm capacidades para
mais, eu não sei se estas actividades ocupacionais que eles elaboram aqui em sala não se
adaptam a uma terceira idade, se calhar até se adaptam! Algumas adaptam-se! Algumas
vão adaptando-se ao longo dos anos e quando eles tiverem idades dos 60 e tais desde que
tenham essas capacidades de trabalho...
Eu: Parece-lhe que os utentes mais velhos vão querer mudar de actividades ou manter as
actividades que já desenvolvem?
A.S.: Nós tentamos sempre que haja uma rotatividade dessas actividades e mudar as
actividades de preferência só que às vezes não é fácil.
Eu: Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
A.S.: É igual ao dos outros utentes. A educação física, a animação musical se houver
animação musical, têm trabalho de sala que é um trabalho de base e depois dali vão para as
outras áreas, desenvolvimento pessoal, representação, têm educação física natação. Às
cinco horas os que ficam aqui na residência têm as actividades ali no bar que normalmente
têm Karaoke ou animação musical, ou simplesmente jogar e conversar por volta das 20:30
é o jantar, entre as 20h e pouco e as 21:30/22h é tempo de lazer ou para fazerem aquilo que
quiserem, verem televisão, jogarem, há aqueles que trazem as consolas e ligam à televisão
e vão jogando, pronto cada um ocupa o tempo como gosta mais.
Eu: Apesar de hoje termos voltado um pouco atrás, tínhamos terminado a nossa conversa
anterior numa questão que me parece muito importante para a planificação de novas
respostas que são as necessidades dos utentes. Não se importa de voltar a abordar esta
questão, ou seja, quais lhe parecem ser as necessidades dos utentes mais velhos da
Associação?
A.S.: Neste momento começam a precisar de um acompanhamento mais personalizado por
parte das monitoras também porque estão um pouco mais dependentes e necessitam de
mais orientação das monitoras dentro e fora da instituição, porque se eles estão
Eu: Qual lhe parece ser a longo prazo o modelo de apoio a estas famílias?
A.S.: Este projecto de apoiar as famílias surgiu logo quando a Associação iniciou
funcionamento em que a principal preocupação é as famílias e algumas famílias precisarem
de apoio.
Eu: Falando um pouco sobre as famílias, na sua perspectiva quais são os problemas que
os familiares dos utentes mais velhos enfrentam neste processo?
A.S.: É a ausência deles, é a morte da parte deles, a morte dos pais, é uma angustia para a
grande maioria dos pais é uma angustia pensarem que eles vão e ficam cá os filhos e a
instituição surgiu exactamente para dar essa resposta é após a morte dos pais estamos a
orientar os pais para os processo de tutória para eles em vida poderem escolher o tutor do
seu filho após a sua morte, normalmente enquanto os pais estão vivos são os pais os seus
tutores, após a morte dos pais fica um conselho de família e depois segue o conselho de
família que são familiares, primos ou irmãos, são pessoas próximas que nós aconselhamos
sempre que sejam pessoas mais novas para poderem continuar o apoio aquela pessoa. E aí
sim a instituição tem trabalhado nesse sentido à muito tempo, temos feito sensibilização às
famílias, temos orientado as famílias muito no processo de interdição e mesmo assim à
muitas que por opção ainda não avançaram com o processo de interdição e temos que
continuar a informar e a esclarecer as famílias porque nós falamos até já cá vieram por
duas vezes a Associação advogados para esclarecer questões e esclarecimentos, para as
famílias colocaremos as suas duvidas porque há muitas duvidas que devem ser colocadas e
negociar o que se deve ser feito com muita consciência do que se está a fazer.
Eu: Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas que se encontram em
processo de envelhecimento?
A.S.: Desde que sejam satisfeitas as necessidades básicas deles e dos seus interesses eles
vivem felizes, eles não são muito exigentes. É verdade eles não têm grandes exigências.
Essa resposta de lar é mais para os pais porque para os filhos nos já temos as residências. A
nossa realidade também nos mostra que quando temos aqui pais e filhos misturados no
mesmo sector, na mesma casa é muito complicado, temos que separá-los em respostas mas
não temos que separá-los a eles, podem estar em espaços comuns mas as suas áreas têm
que ser separadas, penso eu, se não é terrível. As famílias entre elas também não é fácil e
nós temos aqui várias famílias e várias situações porque entre elas não é fácil e depois o
filho da outra é que incomoda o meu filho, é assim temos que separar, dar atendimento aos
pais num lar, e os filhos têm que ter outro atendimento com outras funcionárias e juntá-los
em espaços comuns para estarem mais próximos. Como temos que separar os deficientes
profundos dos deficiente ligeiros ou moderados se queremos manter um funcionamento
dentro do normal, porque não podemos deixar que um deficiente profundo esteja
constantemente a incomodar outro colega que queira trabalhar e esteja sempre a ser
incomodado porque queremos fazer integração! Fazemos integração em espaço adequados
para estarem juntos, inter-ajuda entre eles, promovemos isso muito, agora há espaços em
que têm que estar mesmo separados.
Em relação à família e aos filhos também tem que ser assim, posso mudar de ideias, mas
neste momento é assim que eu penso.
Eu: No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos aqui?
A.S.: Bem! Eles sentem que a Associação é a casa deles, não sei se algum lhe expressou
que quando não puderem estar em casa que podem vir aqui para as residências, alguns
dizem isso e já conseguem transportar que a residência é a segunda casa deles, outros
dizem que este é o meu segundo quarto, e isso é importante é importante que eles se sinta
aqui bem porque para alguns poderá vir a ser a futura casa deles.
Eu: Qual lhe parece ser a avaliação que as famílias fazem do trabalho que aqui
desenvolvem?
A.S.: Muito positiva, temos feito algumas auscultações às famílias, temos pedido às
famílias que façam uma avaliação dos diversos serviços que nós prestamos aqui aos seus
filhos e tem sido uma avaliação sempre positiva. Também recebemos com muito agrado
algumas críticas para podermos melhorar os serviços seja eles de CAO ou residências, mas
fazemos com alguma frequência uma auscultação às famílias.
pode dar qualidade de vida e a nossa função é essa contribuir para que estas pessoas
tenham uma qualidade de vida.
Eu: Quais os motivos que o conduziram a vir trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental?
Psicólogo: Já falei um bocadinho acerca da razão mas se calhar vou aprofundar um pouco
mais. Como lhe disse, inicialmente estive numa empresa de comércio de automóveis em
que tive como funções entre outras a avaliação de desempenho que levava ao
despedimento das pessoas, fazia a avaliação dos trabalhadores e portanto estávamos numa
fase de crise e saturação em que havia a redução de trabalhadores. Nós fazíamos a
avaliação de desempenho e coube-me a mim essa tarefa em virtude de ter essa qualificação
e tive que despedir famílias, marido e mulher e não é uma situação nada agradável e eu não
perspectivo o psicólogo como sendo uma pessoa que destabiliza emocionalmente as
pessoas mas como estabilizador emocional e nesse sentido não gostei, podia lá ter ficado
mas não gostei, apresentaram-me depois uma proposta para vir aqui fazer um estágio
profissional, agarrei essa oportunidade e gostei imenso e estou aqui. As motivações foram
numa certa parte a vontade de conhecer mais profundamente a área da reabilitação porque
só conhecia num contacto esporádico com pessoas com deficiência mental numa segunda
vertente foi também pensar na possibilidade de integração profissional porque não é fácil
na área dos psicólogos, e havia essa possibilidade através de inicialmente um estágio
profissional e a possibilidade de fazer uma coisa diversificada, diferentes tipos de
intervenções visto que já tinha uma noção mínima do que é que podia fazer aqui na
Associação, e sei que é uma instituição que com o seu carácter pró-activo e dinâmico
poderia ter vários tipos de desempenhos nesta área da reabilitação e não só.
Eu: O que é que sentiu quando veio trabalhar para esta instituição?
Psicólogo: Eu nunca cá tinha vindo e sinceramente fiquei extremamente bem
impressionado quer ao nível das infra-estruturas necessariamente e aí a Associação tem
óptimas instalações construídas de raiz e isso facilita necessariamente todo o
desenvolvimento dos programas que a Associação desenvolve, como também em termos
organizativos, é uma instituição muito bem organizada que em termos técnicos tem uma
grande qualidade a nível de competências técnicas e nesse sentido obviamente que facilita
toda a integração de um profissional como eu. Isso foi um aspecto facilitador e
necessariamente fiquei muito bem impressionado.
Eu: Tendo em conta estes objectivos quais são as funções que desempenha aqui na
Associação?
Psicólogo: Então vamos por partes, eu tenho várias funções, eu para além de ter a
responsabilidade na área da qualidade visto ser psicólogo organizacional, isto ao nível do
departamento de qualidade da Associação. Também tenho funções de recrutamento e
selecção de pessoal, tenho funções de avaliação e desempenho dos colaboradores que
depois levam gratificações ao final de cada ano. Depois tenho a responsabilidade ao nível
da formação quer seja a formação interna ou externa sou formador certificado e a
Associação enquanto entidade formadora que é também tem que necessariamente
rentabilizar os formadores internos e eu sou um deles, para além disso também trabalho em
projectos Europeus, estou neste momento a participar em dois projectos Europeus o
projecto Equal - Rumo à Qualidade em que procurei construir com outros agentes do
processo, instrumentos de avaliação da qualidade, também estou no projecto Leonardo da
Vinci em que também estamos a trabalhar um conjunto de programas de E-learning e de
Mentoring no sentido de, mais na área da deficiência mental necessariamente. Depois
também tenho a responsabilidade de gestão do Estofamento na área do Centro de Emprego
Protegido tenho responsabilidade ao nível das actividades de psicoterapia, sou o
responsável tal como faço avaliação psicológica seja aos nossos clientes seja aos pais,
também faço formação e apoio aos familiares, tenho a responsabilidade também ao nível
de orientação de várias alunas no âmbito de estágios académicos e depois todas as outras
actividades desde revistas.
Como se pode perceber uma pessoa que vem aqui para a Associação não pode ter muitas
rotinas porque senão depois conciliar tudo isto mas é preferível a não se ter nada para
fazer! Procuro ter um papel activo o máximo possível. Obviamente que quando temos
tantas responsabilidades algumas que temos que ter a noção de prioridade relativamente a
outras. Mas parece-me mesmo assim que o meu desempenho não tem sido mau avaliado.
Parece-me! Pelo menos fizemos agora recentemente a avaliação de desempenho e estão
satisfeitos com o rendimento.
Eu: Mas concretamente, em que é que consiste o trabalho que desenvolve com os utentes?
Psicólogo: Eu tenho responsabilidade acima de tudo da gestão de emoções que passa por
um contacto diário materializado um pouco na actividade que eu desenvolvo que é a
psicoterapia em que procuramos trabalhar um pouco através de rolle playings e dinâmicas
de grupo no sentido de analisarmos qual o estado emocional de cada um deles e procurar
soluções de equilíbrio a esse nível. Para além disso também tenho a responsabilidade de
orientar os grupos de auto representação que é um espaço organizado por eles próprios
reivindicarem e procurarem a melhoria dos serviços da Associação e é assim um espaço
em que eles dizem o que é que acham que está mal como é que nós podemos corrigir e eu
não sou um elemento animador mas procuro ser o mais passível possível no sentido de eles
próprios organizarem essa reunião e procuro depois ser o elemento de transferência da
informação que é discutida ali para as entidades que são responsáveis para resolverem
essas questões e esses problemas que ali são debatidos. Como por exemplo ao nível da
alimentação que é uma questão crónica ao nível das organizações e nesse sentido eu
obviamente oiço e passo a informação à responsável que gere a alimentação no sentido de
melhorar alguns aspectos. Este é um exemplo como outros.
um curso que me parece que me há-de dar as bases necessárias para conseguir trabalhar
melhor esta área da qualidade aqui na Associação e além disso a médio prazo perspectivo
um doutoramento nesta área. Depois, outros objectivos em termos profissionais, uma
estabilização da minha vida profissional mas sempre nesta área se for possível. Porque não
chegam só as competências teóricas nesta área também tem que haver alguma vocação e eu
sinto-me bem com eles e nesse sentido acho que esta é a minha vocação.
Eu: Quais são os valores que norteiam as suas acções? (quais são os princípios que o
acompanham enquanto profissional)
Psicólogo: Os valores! Se for recorrer ao código deontológico da psicologia que ele existe,
mas nós próprios aqui na Associação o temos um código ético e nesse código também
temos identificado os valores que devem nortear as acções dos profissionais da
Associação. Necessariamente quais é que são os valores que me parecem serem
importantes quando estamos a trabalhar com esta população e enquanto profissionais? O
valor da igualdade penso que é o valor da igualdade, a igualdade a todos os níveis
igualdade de tratamento que é fundamental não diferenciarmos, a sociedade já tem estas
pessoas tão estigmatizadas que se nós próprios não os tratarmos de igual forma não é nada
bom para eles, o valor da dignidade da pessoa enquanto pessoa humana também me parece
ser um valor fundamental tratarmos como seres humanos toda e qualquer pessoa, sendo
conscientes dos direitos e deveres que lhes assistem também é importante. Um dos outros
valores é o respeito o valor do respeito que eu apoio muito porque também me parece
muito importante nesta área e outros valores que necessariamente eu podia aqui começar a
debitar mas parece-me que estes são os essenciais são os de base para que depois sejam
desenvolvidas actividades com um maior rigor ético possível.
Eu: Enquanto profissional o que é para si uma pessoa portadora de deficiência mental do
ponto de vista técnico e pessoal?
Psicólogo: Em termos técnicos uma pessoa com deficiência mental é uma pessoa que em
termos do funcionamento da inteligência tem um défice e isso traduz-se em termos de
adaptação ao meio. Obviamente que quando falamos de uma pessoa com deficiência
mental tendo e segundo aquilo que são os critérios, para ser considerado portador de
deficiência mental deverá pelo menos ter défice a nível de 2 competências adaptativas. Em
termos daquele palavreado do dia-a-dia a mim parece-me que são pessoas que têm
limitações que essas limitações se traduzem numa dependência um pouco maior do que
aquelas pessoas ditas normais, que precisa de um apoio mais personalizado e nós
procuramos fazer isso a nível desta instituição nós procuramos tendo em conta as
limitações de cada um porque depois quando falamos de deficiência mental existem vários
níveis de deficiência mental nomeadamente ligeira moderada grave e profunda,
naturalmente que as pessoas com deficiência mental profunda e grave necessariamente
precisam de mais apoio um apoio mais personalizado e mais directo do que as outras, mas
obviamente que o facto de terem este tipo de défice em termos intelectuais não os pode
condicionar a desenvolver qualquer tipo de actividade que outra pessoa dita normal poderá
fazer, necessariamente terá que ter o apoio extra, especialmente as pessoas com deficiência
mental ligeira e as que temos no centro de emprego protegido conseguem desenvolver um
conjunto de actividades de trabalho perfeitamente que outra pessoa normal conseguirá
fazer.
Eu: Quais as diferenças entre uma pessoa com deficiência mental ligeira e uma pessoa
com deficiência mental moderada?
Psicólogo: Entre a ligeira e a moderada naturalmente que há diferenças, mas não são tão
visíveis como uma pessoa com deficiência ligeira e profunda aí sim claramente há
diferenças visíveis e por isso nós próprios temos trabalhos diferentes para cada um deles,
enquanto que, as pessoas com deficiência mental profunda têm um trabalho estritamente
ocupacional é um trabalho mais lúdico pedagógico as pessoas que têm deficiência ligeira
têm um trabalho muito mais exigente que tem um cariz de produção e produtividade, tem
essa diferença. As pessoas que têm deficiência moderada têm um trabalho ocupacional útil
em que desenvolvem um conjunto de actividades mas que não são um conjunto de
actividades que são obrigados a produzir com prazos com quantidades tudo isso,
necessariamente tem que haver essas diferenças.
Eu: Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
Psicólogo: Vejamos, eu não sou um “experte” na matéria mas por aquilo que já li e por
aquilo que conheço a mim parece-me que em termos de evolução de uma pessoa dita
normal e de uma pessoa com deficiência mental o processo de envelhecimento parece-me
ser bastante similar exceptuando casos como o Syndrome de Down, o Syndrome de Ruben
Stain ou o Syndrome de Williams parece-me que o processo será semelhante. Obviamente
que segundo aquilo que é informação teórica parece-me haver uma diferenciação de dois
três quatro cinco anos para as pessoas com Syndrome de Down obviamente pelo menos
pelo que é informação há um processo de degeneração mais rápido e há uma mortalidade
em termos de faixas etárias à volta dos 60 65 anos tenho ideia e ao nível do homem da
mulher um pouco mais, e o Syndrome de Williams e o Syndrome de Ruben Stain os
processos de degeneração são mais visíveis em termos físicos necessariamente. Nós temos
aqui o caso da Cristina Dias enquanto Ruben Stain e um ... Zuquede em termos de
Syndrome de Williams em que há uma perda um pouco mais acentuada de algumas das
competências que eles desenvolvem, no Syndrome de Williams isso é visível em termos do
Syndrome Ruben Stain é mais visível a nível físico. Parece-me que paralelamente a um
outro processo de envelhecimento, seja paralisia cerebral seja outro tipo de deficiência é
bastante similar, pelo menos foi que o que recebi enquanto informação. E eu ainda não sei
porque se formos a fazer uma comparação entre um por exemplo “Pina Bastos” que anda
na casa dos 35 anos e outra pessoa na casa dos 35 / 40 ainda não se vê traduzido o processo
de envelhecimento, ainda não se consegue ver.
Depois, eu tenho aqui alguns exemplos, por exemplo olhar para uma pessoa como
Fernando Fonseca e mas aí já é profundo. Ao nível dos casos moderados temos o Carlos
Braga que já é um caso ligeiro, mas uma Eunice que já caminha para os 50 anos,
comparando com uma pessoa dita normal, eles têm um conjunto de actividades que uma
pessoa dita normal não tinha, porque esta instituição possibilita-lhes uma mais fácil
preparação do futuro e do envelhecimento, procura através de um conjunto de actividades
físicas pelo menos prepará-los para isso, para esse processo de envelhecimento pelo menos
para que esse processo de envelhecimento se atenue o máximo possível em termos de
perda de capacidade física naturalmente. Mas parece-me que nós estamos a ver um bocado,
porque uma pessoa com 50 anos ainda estará a trabalhar no processo normal de trabalho
enquanto que estas pessoas institucionalizadas como estão têm um conjunto de actividades
um pouco diferentes, mas apesar disso parece-me que não vejo assim uma diferença tão
nítida quanto isso. É que depois não podemos generalizar o tipo de casos que aqui temos,
por exemplo uma Eunice daquilo que vejo de há três anos para agora vejo uma Eunice um
pouco mais acomodada um pouco mais, apesar de ela ser muito reivindicativa e nunca
gostar de estar onde está porque é uma característica da personalidade dela obviamente que
ela teve perdas. Perdas a nível físico que é um caso específico da Eunice porque há outras
pessoas com 50 anos e mesmo com deficiência mental e não têm os problemas de saúde
que tem a Eunice. Bem que me parece que seja um processo bem similar ao nosso.
Eu: Ainda há pouco falava-me das actividades que a Associação desenvolve. Neste
contexto, em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
Psicólogo: Uma das filosofias que nós temos e que me parece que iremos manter é
procurar que não haja uma diferenciação de tratamento entre as pessoas com diferentes
idades, ou seja diferenciar as pessoas com sei lá 40 / 45 anos das pessoas com 18 anos. Até
é desejável que haja numa mesma sala pessoas com diferentes faixas etárias no sentido de
que haja uma estimulação mútua e uma aprendizagem contínua por parte de todos esses
elementos. Nós próprios temos como filosofia procurar fazer isso porque senão se nós
colocarmos pessoas com 50 anos todas numa sala necessariamente que o estimulo e as
actividades são diferentes do que uma pessoa mais nova com mais capacidade com
interesses diferentes e é importante conseguirmos conciliar tudo isso. E por isso nós iremos
procurar acima de tudo manter as actividades que são desenvolvidas por todos eles e
obviamente termos o cuidado obviamente através de indicações médicas através da própria
família de prepararmos as pessoas um pouco mais envelhecidas agora denomina-se de um
nome muito interessante agora em vez de idosos é como é que é há pessoas maduras. O
que também é muito interessante este novo termo mas não vale a pena agora fugir ao tema,
porque não convém muito.
Nós iremos procurar acima de tudo é que estas pessoas com um pouco mais de idade
desenvolvam um conjunto de actividades no sentido de procurarmos que estejam mais
aptas possível ao nível físico, fazer mais fisioterapia procuramos que eles façam um pouco
mais de remo de natação, jacuzzi ginástica, interessa fazerem trabalhos mais de cariz físico
no sentido de os prepararmos pelo menos que o bem estar físico seja um bem mais e maior
possível. Mas obviamente que outros com 19 / 20 anos necessitem também destas
actividades mas se calhar não de uma forma tão frequente. Eu estou a lembrar-me no caso
do Aníbal que devido ao facto ele ter alguns problemas ao nível motor e físico procuramos
dar-lhe o máximo possível de horas em termos de actividade semanal de fisioterapia no
sentido de que ele recupere e que melhore.
Nós quando fazemos um plano de intervenção individual nós temos em conta as
necessidades individuais de cada um, e para além do plano de intervenção que fazemos
anualmente também temos o cuidado de fazer um projecto de vida. Esse projecto de vida
obviamente que não é de curto prazo mas sim de médio e longo prazo e nesse projecto de
vida procuramos olhar um pouco para essas questões do envelhecimento e ver que
respostas ele necessitará no futuro a médio e alongo prazo e precavermos e delinearmos
um projecto de vida consoante as necessidades que iram ter daqui por cinco dez anos nós
temos sempre esse cuidado.
viram a cara para o lado nós iremos procurar desde o primeiro dia que estão na instituição
até ao ultimo dia procuramos integrá-los na sociedade que é o que é fundamental e
obviamente prepará-los para um futuro, isso é feito ao nível das moradias procuramos
prepará-los em termos de maior autonomia possível, e para isso fazemos essa formação,
vamos procurar ter um cuidado especial em termos dos tutores em termos de
responsabilidades que o tutor tem em termos de função de lhes prestar o maior nível de
afecto possível ao nível de integração possível e nesse sentido necessariamente temos que
trabalhar ai para com a família no sentido de percebermos se há ou não há a resposta em
termos dos tutores nessa família no âmbito familiar e se não houver procuramos outro tipo
de respostas que não seria desejável que passa-se pela instituição e que fosse a instituição a
tutora dessa pessoa, devemos sempre ver se há alguém mais independente e externa à
instituição para que pessoa mais rapidamente fazer uma avaliação independente. Parece-
me que são duas ideias essenciais a integração, o preparar o futuro deles enquanto pessoa
mais envelhecidas na questão da tutória e depois uma preocupação essencial ao nível do
bem-estar físico necessariamente é uma preocupação que todos nós iremos ter na nossa
vida e que eles também deverão ter.
Eu: Na sua perspectiva quais são os problemas que os familiares dos utentes mais velhos
enfrentam neste processo?
Psicólogo: É a dificuldade de saberem o futuro por parte dos filhos. Dificuldades! Bem há
dificuldades distintas dependendo das famílias, de famílias para famílias há variações, por
exemplo nós temos famílias que pelo facto do filho estar a envelhecer obviamente que se
traduz em termos de menor autonomia ao nível da própria locomoção e em termos da
própria medicação e têm dificuldades ao nível do apoio. Porque quando nós falamos que
um filho ou sobrinho ou irmão está a envelhecer naturalmente que os familiares também
envelhecem e isso traduz-se também em termos de perdas do próprio familiar e a
dificuldade que ele sente em dar-lhe respostas, nós temos por exemplo uma mãe que pelo
facto de já ter 80 anos problemas de coração e mesmos as condições sócio económicas não
são as desejáveis nós já estamos a dar resposta ao filho quase a tempo inteiro, nesse sentido
a preocupação da mãe é que felizmente que ele tem esta instituição que lhe consegue dar
este apoio, imagine que não havia uma instituição que lhe desse esse apoio porque ela já
não tem capacidade para o fazer, isso também se reflecte nos outros familiares obviamente
que há pessoas que tem um apoio maior por parte dos filhos dos primos mas neste caso
especifico não há esse apoio e essa é uma das grandes dificuldades por parte dos pais.
Obviamente que outro aspecto é a questão do futuro, há uma grande dificuldade e grande
preocupação em obter o máximo de resposta possível para o futuro dos filhos, ter alguém
que os trate condignamente é uma das grandes preocupações deles enquanto familiares.
Eu: Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas que se encontram em
processo de envelhecimento?
Psicólogo: Nós gostaríamos de manter uma filosofia de não internato na instituição porque
seria importante, sobre o nosso ponto de vista é fundamental que haja o afecto familiar no
sentido que o afecto se traduz ao nível do bem-estar emocional e isso nós avaliamos no
dia-a-dia quando há pessoas que, obviamente que varia de pessoa para pessoa, mas quando
há pessoas que estão aqui 10/15 dias sem ver a família, naturalmente que têm o
destabilização em termos comportamentais que é visível, nesse sentido nós gostaríamos
acima de tudo que o afecto e principalmente o afecto da família não se perdesse, mas
naturalmente em que essa situação não se consegue resolver por que não existe mais
nenhum familiar e nesse sentido iremos procurar manter as nossas respostas, como lhe
disse respostas que procuram acima de tudo dar o maior bem-estar e qualidade de vida
possível a estas pessoas. Uma outra preocupação são os pais destas pessoas e de que forma
é que depois os pais, para isso estamos a pensar fazer aqui um lar, aqui mesmo próximo
aqui ao lado no sentido de termos como prioridade os próprios pais para que eles estejam
mais próximos possíveis e que não haja uma perda de laços. Neste sentido iremos tentar
priorizar os pais dos nossos utentes e procurar que não se perca a ligação. Para além disso
obviamente que iremos reforçar os cuidados de enfermagem, em termos de saúde
obviamente que não iremos poder manter as respostas de saúde que temos presentemente,
porque agora temos uma ida ao médico penso que duas vezes por ano e análises também
duas três vezes por ano e uma das coisas que nós já identificámos como sendo algo
importante e a rever é as questões do apoio médico e de enfermagem, necessitamos de ter
um apoio mais presente para eles e por isso iremos procurar melhorar em termos das
próprias acessibilidades das nossas residências, porque temos apenas 6 / 7 quartos no rés-
do-chão, já temos 3 / 4 cadeiras de rodas mais umas ou outras dificuldades que surjam no
futuro ao nível da mobilidade, necessariamente também temos que rever as nossas
condições em termos das acessibilidades quer seja através da implementação de um
elevador que eu acho que seria o ideal. Para além disso em termos de tradução prática do
envelhecimento e de precavermos o envelhecimento depois iremos procurar acima de tudo,
baseando-nos na boa experiência já existente em Espanha relativamente às delegações
tutelares, procurarmos uma resposta através de tutores voluntários para aqueles que não
tenham nenhuma resposta ao nível familiar, nenhum suporte familiar, iremos procurar que
tutores voluntários façam um trabalho a esse nível.
Nós iremos procurar o máximo possível não ter pessoas envelhecidas estagnadas, sentadas
à espera que o dia passe. É uma filosofia que nós iremos procurar manter. E nós temos a
possibilidade de ver alguns lares em que as pessoas estão lá sentadas sem fazer nada.
Iremos procurar acima de tudo ter, claro que também depende deles, mas dentro das
capacidades de cada um iremos procurar que eles não entrem num conformismo num
comodismo, mas procurar desenvolver um conjunto de actividades, manter o máximo
possível as actividades que estamos a desenvolver e adaptá-las mas nunca parar com
nenhuma actividade, porque parar é morrer e porque para eles também não é desejável que
Eu: No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos aqui?
Psicólogo: Os utentes mais velhos da Associação sentem-se como os utentes mais novos
da Associação. Eu acho que aparentemente, pelo menos pelo que oiço! Nós também
fazemos uma avaliação da satisfação dos nossos clientes e obviamente que essa avaliação
traduz-se em termos quantitativos e a grande generalidade a maioria das pessoas que estão
na Associação, seja através dessa resposta quer seja através da observação directa, porque
nós também temos oportunidade de fazer isso, parece-me que são pessoas bastante
satisfeitas por estarem nesta instituição. Naturalmente que há umas que estão um pouco
mais renitentes ao nível das residências não gostam tanto mas obviamente que isso é algo
que nos ultrapassa ao nível das responsabilidades os pais, e eu acho bastante importante a
formação aqui nas residências, isto é muitas vezes em casa fazem-lhe as vontades todas
não colaboram com as tarefas e depois aqui na residência já trabalham e fazem o dia a dia
daquilo que uma pessoa dita normal fará dentro de uma casa, limpezas fazer uma cama e
tudo isso, e procuramos que eles aprendam, por isso é que me parece que há aquelas
pequenas coisas de irem para a residência. Para além disso no geral parecem-me bastante
satisfeitos e satisfeitos por fazerem um conjunto de actividades que eles gostam muito de
fazer, eles gostam muito de passear essencialmente tudo o que tenha a haver com os
passeios as colónias de férias e a fins eles adoram.
Eu: Qual lhe parece ser a avaliação que as famílias fazem do trabalho que aqui
desenvolvem?
Psicólogo: A grande maioria das famílias também faz uma avaliação bastante boa,
naturalmente que há umas famílias mais exigentes que outras, há famílias que têm uma
bitola completamente diferente, outras que não conhecem mais nenhuma instituição para
além da Associação, não sabem o que é que acontece noutras instituições e por isso não
têm um padrão de comparação para que possam ser mais ou menos exigentes e neste caso
gostam de tudo o que é feito na instituição, mas a grande maioria deles parecem satisfeitos.
Mas obviamente melhor que eu serão as famílias para responder a esta questão, e eu acho
que já fez uma pequena análise a esse nível (risos).
Eu: E agora pergunto-lhe a si, qual a avaliação que faz do seu trabalho?
Psicólogo: essa é uma pergunta mais complicada, porque quando nos avaliamos a nós…
MAS eu acho que melhor que nós são as outras pessoas avaliar o nosso trabalho e
obviamente que à prestações e exigências completamente diferentes, há pessoas que têm
um nível de exigência em termos do desempenho profissional uns mais elevados do que
outros e nesse sentido acho que é muito subjectivo a avaliação que faço do meu
desempenho. Mas obviamente que dentro do que me é pedido e exigido parece-me que
tento responder ao máximo.
A repercussão do meu trabalho parece-me bastante positiva, porque quando nós criamos e
desenvolvemos um conjunto de actividades, essas actividades respondem àquilo que é o
diagnóstico das necessidades que fazemos com os nossos clientes e famílias e um dos
aspectos que foram identificados como sendo importantes para eles foi a procura de bem-
estar emocional e de controlo em termos comportamentais e nesse sentido e como eu tenho
essa responsabilidade parece-me bastante positivo o trabalho desenvolvido. Obviamente
que de uma forma menos directa através de um conjunto de instrumentos de avaliação que
nós estamos a procurar construir ao nível do projecto “Rumo à qualidade” ao nível do
Centro de Actividades Ocupacionais através de uma identificação que deverão existir e não
existem por exemplo e obviamente que isso depois se materializará depois na melhoria da
prestação de um serviço num serviço com mais qualidade e nesse sentido parece-me que há
um conjunto de actividades que nós podemos desenvolver e não o estamos a fazer, uma
delas e que é muito pedida por eles é a hipoterapia. É uma actividade importante em
termos de correcção postural autoconfiança em termos do próprio relaxamento através do
contacto com o animal, tudo isso tem tradução também a esse nível e é uma actividade em
que iremos tentar contornar as dificuldades que nos forem colocadas no sentido de
voltarmos a fazê-lo. Claro que gostaríamos de desenvolver outras actividades mas também
temos contingências que nem sempre são possíveis de controlar e que limitam o nosso
desempenho.
Eu: Por fim, quer acrescentar alguma coisa a esta temática, alguma sugestão para o
desenvolvimento deste trabalho?
Psicólogo: Eu acho, por aquilo que eu vi, está um trabalho muito completo é uma vertente
diferente às abordagens normalmente realizadas sobre as pessoas com deficiência mental,
porque não é habitual abordarem as respostas em termos institucionais e o envelhecimento
da pessoa com deficiência metal e aí o trabalho acrescido que a Vera teve em termos de
leitura bibliográfica e tudo mais, em termos de questões parece-me que percorreu aquilo
que é o mais importante necessariamente. Não vejo assim mais nada que tenha a
acrescentar, tentei dar o meu melhor nas respostas no sentido de tentar ser uma mais-valia
para o seu trabalho, agora se isso se traduz numa mais-valia, obviamente que o que eu
tentei fazer foi com base no meu conhecimento e baseando-me nesta instituição
especificamente. Pois pode haver outras respostas outras realidades mas que eu não
conheço.
Associação…,
5 de Julho de 2007, 15h
Eu: Enquanto Auxiliar de Acção Educativa quais são as funções que desempenha aqui na
Associação?
Aux. Acção Educativa: As minhas funções enquanto monitora é ajudá-los em todos os
aspectos, quer no aspecto cognitivo, físico, motor pronto trabalhar as capacidades e
conseguir uma mudança de comportamentos e até conseguirmos, eu há 17 anos e meio não
os conhecia tinha que explorar todas as potencialidades que eles podiam ter, algo que
tivemos bastante jeito, considero que tivemos muito êxito com alguns, uns quase não
falavam outros não tinham hábitos de trabalho não tinha hábitos com comportamentos
bastante …! È bastante complicado! Mas a nossa tarefa é precisamente essa é mantê-los
ocupados mas também trabalhar toda esta parte de mudança de comportamentos e
essencialmente ajudá-los o mais possível a todos os níveis, agente tem que os ajudar a
todos os níveis, não é estarmos numa sala com 8 ou 9 e eles estarem a olhar uns para os
outros, não… dá sempre para a prender, eles aprendem mas nós também aprendemos,
aprendemos junto com eles, nestes 17 anos e meio podia ter ensinado e ensinei mas
também aprendi muito! O que é muito gratificante, eu nunca pensei a priori quando vim
trabalhar com esta população que eles me iam ensinar alguma coisa, antes pelo contrário.
Eu: Quais os motivos que a conduziram a vir trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental?
Aux. Acção Educativa: As motivações, eu vou ser muito sincera, na altura quando me
falaram deste curso porque há um casal amigo que tem uma filha portadora de deficiência,
este casal meu amigo já era sócio disto e disse-me olha vai abrir este curso assim assim, eu
na altura estava sem emprego e eu vim naquela de vir, estava sem emprego e muito
sinceramente conhecia aquele caso na altura criança mas não tinha assim muito a haver,
não conhecia muito a realidade, trabalhava noutra área que não tinha nada a ver,
completamente diferente e na altura sinceramente vim porque não tinha trabalho mas
depois embrenhei-me de tal maneira durante o curso, as vivências e fui conhecendo e ao
nível do curso fomos fazendo visitas e alguns hoje clientes da Associação fizeram com que
nós os conhecêssemos e às famílias e fiz um estágio de um mês e portanto foi-me
cativando, primeiro vim porque não tinha emprego mas depois gostei comecei a interessar
por tudo o que diz respeito a estas pessoas e a viver cada vez mais esta realidade.
Eu: Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
Aux. Acção Educativa: Pois eu inclusive tenho na minha sala a mulher mais velha da
instituição com 53 anos. Claro que agente nota, às vezes não queremos mas, dizemos ela
ainda consegue, está óptima mas nós vamos notando que todas as aprendizagens que eles
fizeram ao longo destes anos que tiveram que aprender desde o ABC, já se nota que
chegaram ali e quase que estagnaram, mas não quer dizer que parem porque não param! Eu
mesmo assim penso às vezes surpreendem-nos porque agente pensa: ai daqui a uns anos já
não fazem, “flana” já não faz metade do que fazia porque isto da idade também
envelhecem, mas não, ou somos nós com os nossos olhos que não queremos ver ou não sei,
mas acho que ainda não se nota muito, aliás se fosse uma pessoa dita normal já se notavam
o peso dos anos e nota-se claro que se nota e pronto já faz as coisas mais devagar e não sê
quê mas por enquanto ainda não noto aquela diferença neles apesar de terem idade e eles
todos como deve saber são todos já com por volta dos trintas e muitos quarentas, pronto a
nossa população já tem toda estas idades, já se vai notando diferenças é lógico que se
notam algumas diferenças, mas continuam a trabalhar e a fazer tudo o que faziam até aqui
enquanto eles conseguirem nós vamos tentar sempre que eles não parem… continuam a
fazer tudo na mesma como fazia à 17 anos e meio, claro que vão para a educação física e
vem a professora e diz: ai … fulano já não está já tem… Claro nós também temos que ver
que alguns já têm 50 e tal anos, pois está bem mas nós vemo-los sempre jovens, alguns já
se nota pronto já têm, a da minha sala diz: ai já estou velha e cansada, pronto já há este tipo
de respostas. Pois temos aí uma outra que diz: já estou cansada estou a precisar de ir para a
reforma, como ouvem falar tanto da reforma eles dizem-me isso tudo: então já viu a nossa
idade estamos na idade da reforma, você também se vai reformar e nós também queremos,
alguns têm essa noção!
Eu: Reflectindo um pouco sobre isso, sobre o que é para eles a idade da reforma será que
isso se traduz numa mudança de actividades?
Aux. Acção Educativa: Temos algumas que sim, mas acho que dizem aquilo da boca para
fora temos outros que enquanto puderem vão sempre trabalhar e nós estamos cá
precisamente para não os deixar parar. Porque o que é que vai acontecer a esta população,
se não houvesse uma instituição estavam todos metidos se calhar num lar de terceira idade,
mas nem todos…Enquanto cá estiverem isso não vai acontecer a priori têm um lugar aqui a
segurado, senão o que é que faziam a esta gente, lar de terceira idade nem todos é a tal
cláusula que há em alguns e então o que é que as pessoa faziam a partir dos trinta e que há
muitos com 40 com dificuldades e certas coisas, morriam ali parados, acho que não acho
que enquanto eles puderem e tiverem capacidades nem que sejam as mínimas capacidades
faziam 50 peças agora fazem 20 ou 10, corriam um ginásio inteiro correm metade do
ginásio, mas correm ainda trabalham ainda levantam-se todos os dias a dizer que vêm para
o trabalho é que eles não vêm para a escola, vêm para o trabalho eles sabem que são
adultos trabalhadores, uns dizem-se electricistas outros dizem-se sei lá, eles sabem que
vêem para o trabalho não vêm para a escola nem vêm para brincar, por isso é que isto
ainda os move, eles têm capacidade de ver que já não são crianças. Nós temos que manter
isto até o mais tarde possível, mesmo aqui dentro do elo há uns poucos que já não
trabalham, pronto mesmo esses que já não conseguem vir a pé tem que haver uma
cadeirinha de rodas e têm que vir a andar vamos supor… temos que manter a actividade
deles.
Pronto eles envelhecem mais cedo do que os ditos normais, eu acho que haverá alguns que
sim os outros não acho que envelheçam mais depressa do que eu por exemplo, tenho lá
uma utente da minha idade, não acho que ela seja mais velha do que eu claro que tem as
suas dificuldades é a tal relação entre as dificuldades dela e das minhas, ela continua activa
e extremamente bem disposta é daquelas que não tem capacidade de prever o futuro não
sabe o que vai ser o futuro dela.
É a realidade deles, claro que nós fazemos uma pergunta, dizem-nos coisas que nós
sabemos a priori que não vai acontecer, mas porque é que eles não hão-de poder ter as
ideias deles, só quando é que são coisas sérias é que nós temos que lhes pôr um travão não
é, mas temos que os deixar acreditar, agora vamos só castrá-los logo e dizer: ai tu não
podes fazer isso, nem penses, nem penses nem penses! Isso é estar a castrar as ideias, eles
já têm tantas limitações e nós ainda vamos promover a limitação do pensamento e dos
sonhos?
Os profundos precisam de ajuda para tudo, não respondem a estímulos, agarrarem num
dedo ficamos todas contentes, um pequeno sorriso, um apertar de mão ou de um dedo, eles
têm dificuldades diferentes das pessoas portadoras de uma deficiência moderada. Alguns
têm a noção das incapacidades que têm mas continuam a sonhar! Se estivermos a fazer
uma sessão de pensar daqui a uns tempos, uns abrem um restaurante, outros… porque não!
Agente não lhe pode dizer que é impossível, é o sonho dele é o projecto de vida que ele
tem, realizável ou não depende.
Eu: Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
Aux. Acção Educativa: O quotidiano! Ainda não temos ninguém que fuja do quotidiano
normal da instituição. Os que vêm de casa fazem a vida normal ou vêm de transportes
alguns ainda vem de transportes públicos vem nas carrinha outras são os pais que os
trazem, chegam aqui têm a sala de trabalho onde se dirigem e continuam ainda a ter todas
as actividades, ainda não temos nenhum de dizer assim aquele tem mais idade deixou de ir
à educação física, ainda não temos isso por enquanto, os que vêm fazem a sua vida normal,
normal dentro da instituição, chamada normal porque para eles esta é a sua vida normal,
continuam por enquanto a fazer tudo, toda a população está activa, dentro deste contexto
não temos ninguém reformado. De segunda a sexta, temos, não sei se sabe alguns estão cá
de segunda a sexta só vão a casa ao fim de semana por opção dos pais ou por opção
própria, depois temos os outros que vão passando pela moradia periodicamente, mas por
enquanto ainda não temos ninguém que por causa da idade já não faz, já não pode ir já não
pode fazer. É a tal coisa a mais velha tem 54 anos, mas eu aqui há uns anos tinha a noção
de que eles morriam novos, mas hoje chegamos à conclusão que não os pais estão todos a
morrer, concluo que eles terão a quase a mesma vida quase que nós temos, aqui ainda não
temos ninguém que tenha ficar ali todo o dia a ver televisão ou que tenha uma vida mais
moderada por causa da idade. Notamos algumas dificuldades como já lhe tinha dito
anteriormente. Daqui a algum tempo poderemos vir a ter alguns problemas, como já lhe
disse os pais estão morrer, a maior parte, se eles já têm 50 e tal anos os pais também já não
são jovens não é. A instituição dará sempre o apoio a eles. Como é que vai ser esse apoio?
Coisas como nós hoje já falamos o que é que será desta nossa população daqui a uns anos?
O que é que vão fazer? Tentar isto, é a tal coisa, às vezes só se fazem as coisas quando se
chega à altura, mas nós pensamos quando temos reuniões, temos que estar preparados,
acho que se vai tentar manter até mais tarde possível com alguma actividade, vamos supor
que eles conseguem fazer alguma coisa manualmente e não conseguem fazer ginástica,
esse tipo de coisas. Eu sei que cada vez precisam mais de ajudas porque entretanto vão
perdendo as coisas que tinham adquirido, o saber comer o vestir e despir que aprenderam
ao longo dos anos e conseguem muitas vezes fazer autonomamente mas que se calhar
daqui a alguns anos… E temos aí alguns casos que já vão regredindo já tem mais
dificuldade em fazer as coisas é natural que daqui a uns anos isso tendencialmente vai
acontecer, porque nós os ditos normais também passamos por essa fase, então ai vão ter
que ser muito mais ajudados sempre mais acompanhados, pronto tem que se ter outro
trabalho, pronto vamos recomeçar se calhar um trabalho todo novamente deles aprenderem
a viver com as dificuldades que vão ter novamente. Se calhar eles próprios vão ter a noção
que já não conseguem, mas o objectivo da instituição é nunca aos deixar parar. Se eles
ainda puderem nem que seja ir ver a rua, ir à avenida porque não? Não vamos fazer igual
aos lares da 3.ª idade! Não queremos abrir um lar de 3.ª idade aqui dentro, claro que um dia
vai acontecer, mas entretanto…
Eu: Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas quando envelhecerem?
Aux. Acção Educativa: Vamos supor que a instituição não tivesse condições físicas de
abrir uma nova coisa, mas se calhar Lar não seria nome indicado, mas sim uma nova
valência, porque não? Eu por exemplo aqui há uns anos fui a Sevilha e agora não sei dizer
o termo espanhol da valência, mas era uma valência para pessoas já com uma certa idade,
então as pessoas de idade estavam lá todas, como nós temos uma moradia lá fora, havia
uma moradia para as pessoas já com uma certa idade, com deficiência mas já com uma
certa idade, elas estavam ali todas juntas mas eu não gostei muito do modelo digo-lhe já
não gostei, estavam ali muito segregadas ali coitadinhas todas as velhinhas ali fechadas
naquela casa sem actividades, cheguei a essa conclusão. Eu acho que a Associação não vai
seguir esse exemplo, espero que não siga! Mas alguma coisa tem que ser criada, não estou
a vê-los a vir para um CAO, mas se calhar uma valência porque não misturá-los durante o
dia enquanto puderem junto com os mais jovens que fossem entrar para o CAO e não
estivessem segregados, novos para um lado velhos para outro. Pronto ali aqueles coitados
têm uma reforma deixem-nos estar sossegadinhos a ver televisão ninguém lhes mexe, não
acho que não, espero que não e acho que não é isso que vai acontecer.
Criar uma valência que sim senhor mas com actividades dentro das possibilidades de cada
um, porque nós vemos que há pessoas que estão na reforma mas ainda são válidas, estes
talvez com as suas dificuldades físicas que é o que os vai deitar abaixo muito mais cedo, é
o que vai fazer com que deixem de estar activos, são muitas vezes associados à deficiência
mental e que vai de certeza fazê-los parar mais cedo! Porque não é o problema que tem de
cabeça mas fisicamente já se nota. E é isso que não deve acontecer, não andam a pé, vêm
de cadeiras de rodas não podem é parar porque se eles estiverem dentro da capacidade
deles mentalmente bem é o físico que vai piorar primeiro.
Aux. Acção Educativa: Eles também têm potencialidades, eles sabem que têm deveres e
direitos, sabem perfeitamente que têm o dever de ser e trabalhar para o futuro e programar
e fazer os eu projecto de vida e pensar e exigir que sejam dadas todas as condições, eles
têm essa noção não são muitos os que têm mas alguns têm essa noção. E eles vão pensando
que têm que preservar o que têm e que têm que cuidar e que se a instituição foi cuidada
para eles próprios têm que ajudar a preservar a ajudar a construir em que tudo o que for
preciso para que as coisas continuem e que melhorem se possível.
As características positivas, posso dizer-lhe tanta coisa, são pessoas sensíveis, amigos,
muito verdadeiros, são extremamente verdadeiros se gostam, gostam, se não gostam dizem
logo que não gostam não são hipócritas e são trabalhadores, são responsáveis coisa que às
vezes as pessoas não acreditam, quando falamos às vezes lá fora “fulano” assim assim
chegou atrasado e está doente, há eles ligam lá a essas coisas, não eles são responsáveis
eles são muito mais responsáveis e directos do que as pessoas ditas normais, então
sensíveis amigos do amigo, criam-se amizades a sério entre eles e entre nós e eles coisas
que nós já não conseguimos dizer pronto ali ficou o emprego e agora vamos para casa,
ninguém consegue pelo menos eu não consigo dissociar a minha vida em relação a esta
população.
Eu: No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos na Associação?
Aux. Acção Educativa: Acho que eles sentem-se bem, eles ainda não se sentem velhos,
ainda não atingiram essa, sim há um ou outro que diz que já está velho mas eles são felizes
à maneira deles, ainda não sentem o peso ainda não sabem o que é ser velho neste país, não
têm a noção do que é entrar na velhice neste pais, porque nós sabemos que às vezes é
muito triste chegar-se à velhice. Se calhar nunca vão ter essa noção tirando alguns que
tenham mais capacidade se calhar daqui a uns anos sentem se não forem cuidados e
tratados como deve ser, mas a maioria actualmente não sente. Há uns ou outros que dizem,
há se não fosse o elo não sei o que seria de mim daqui a uns anos, mas pronto claro que
entendem e sabem mas ainda vivem tão felizes que ainda não se preocupam com isso.
Eu: Quer acrescentar alguma coisa que considere importante para este tema?
Aux. Acção Educativa: Não, eu só lhe queria dizer que eu louvo e fico contente que ainda
hajam pessoas como a Vera que faz estes trabalhos porque eu há 17 anos não via ninguém,
porque este tema é importante, ao longo do tempo vão aparecendo ai pessoas umas mais
assim outras, mas fico contente e fico satisfeita que à pessoas que vem ver o que é na
realidade, é a tal coisa o teórico, vir à realidade e vir falar com as pessoas que realmente
trabalham porque a teoria quando se chaga à realidade não tem nada a ver. È de louvar
quem se interessa por este tema e eu só tenho a desejar-lhe as melhores felicidades. Só dou
os parabéns à Vera porque fiquei muito contente e muito sensibilizada por me ter escolhido
e espero ter ajudado no seu trabalho. E estou sempre cá, se depois da entrevista precisar de
mais alguma coisa, estou sempre à disposição.
Eu: Muito obrigado pela sua colaboração, eu é que tenho muito a agradecer todos os seus
contributos
Eu: Há quanto tempo exerce a profissão de ajudante de lar? È essa a sua profissão aqui
na Associação?
Ajudante de Lar: Sim sim é essa, agora é portanto ajudante de acção directa, o nome
mudou chama-se auxiliar de acção directa. Sensivelmente vai fazer 3 anos aqui na
Associação. Antes não tinha nada a ver com esta profissão. Trabalhava na fábrica da
pólvora ali em Moscavide que fechou, trabalhei lá durante 11 anos.
Eu: Quais os motivos que a conduziram a vir trabalhar com pessoas portadoras de
deficiência mental?
Ajudante de Lar: Porque eu tenho uma ex-cunhada que trabalha aqui e eu vinha cá muitas
vezes às galas, vinha cá buscá-la e portanto já tinha assim um certo contacto com os
utentes, aqueles dos talheres da lavandaria, pronto com os mais profundos não porque não
ia às salas, mas pronto já tinha uma ideia disto mais ou menos e depois como fiquei
desempregada surgiu a oportunidade de vir para aqui e eu vim.
Eu: Partindo da sua experiência enquanto profissional, o que é para si uma pessoa
portadora de deficiência mental?
Ajudante de Lar: É uma pessoa com menos capacidades que precisa de mais auxílio.
Precisa sempre de ser auxiliada praticamente em todas as suas funções, porque até mesmo
aqueles que nós consideramos autónomos são autónomos até um certo ponto, podem ser
autónomos no comer no vestir no calçar no andarem aqui até apanharem transportes mas
têm que ter sempre um acompanhamento porque a cabeça deles há-de ter sempre uma
falhazinha e portanto precisam sempre, são pessoas que precisam sempre de uma de um
auxílio uns mais do que outros, de uma ajuda.
Eu: Qual a noção que tem de pessoa portadora de deficiência mental em processo de
envelhecimento?
Ajudante de Lar: Eu noto já algumas diferenças, porque nesta população até mesmo sei lá
com trintas e tais neste espaço dos três anos que eu cá estou já vou notando porque eles vão
perdendo certas capacidades, vão andando para trás ou seja tudo aquilo que as minhas
colegas que já cá estavam lhes ensinaram e eles tinham aprendido que agora começam a
andar para traz. E eu também noto isso neles que vão perdendo algumas capacidades ou
seja a autonomia, aquilo que eles aprenderam não quer dizer que tenham desaprendido mas
já tem mais dificuldade em pôr em prática aquilo que aprenderam e não precisam de ser
muito velhos, porque isto é uma população que eu acho, na minha opinião e por aquilo que
tenho visto aqui que envelhece mais cedo do que uma pessoa dita normal, digamos assim.
Eu: Em que é que consiste o quotidiano dos utentes mais velhos que frequentam esta
instituição?
Ajudante de Lar: Vamos imaginar que estamos a começar de manhã, tomam o banho o
pequeno-almoço durante a semana vão para o CAO onde têm várias actividades, os que
não vão, mas mesmo os mais profundos têm várias actividades, as natações e tudo isso, e
depois há aqueles que têm as actividades laborais como estar nos talheres outros estão nas
salas a embalar, pronto têm o seu trabalho. Quando saem, alguns vão para casa, os que
ficam na residência estamos até às sete horas ali no bar a conviver a ouvir música, ver
televisão ou vídeos, e depois vêm para as moradias, eu estou a reportar-me ao geral, porque
por exemplo eles na moradia 2 eles não vão para o bar porque vêm fazer as tarefas aqui,
mas nas outras residências não são eles que fazem as tarefas, porque eles não têm
capacidades para o fazer, a moradia 2 é onde estão os ditos autónomos. Apesar de nas
outras moradias também lá está à mesma quem saiba lavar que sabe comer sozinho que faz
esse tipo de coisas, mas não tem tanta autonomia como estes têm. Pronto aqui é diferente,
eles saiem vêm para aqui fazer as tarefas como já viu, cada um tem uma tarefa estipulada
ou lavar a casa de banho, aspirar o quarto cada um faz a sua tarefa. Nas outras moradias
está lá a conviver até às sete horas que é a hora que depois vem para dentro porque o jantar
é às 7 e meia e dentro das capacidades deles eles também ajudam a pôr a mesa a levantar a
mesa, nas outras moradias os que têm mais capacidade também ajudam. Depois acabando
o jantar é hora do lazer, vêm televisão ou jogam e depois às 10 e meia é hora de se
deitarem e portanto têm este ciclo.
canto também para poderem descansar mais um bocadinho, porque às vezes eles têm ali as
tarefas e trabalham ali e depois chegam aqui e eu noto que eles coitados já dizem “ai estou
tão cansado hoje”, pronto já não lhes apetecia tanto terem ainda mais outras tarefas para
fazer sempre. Por exemplo ao fim de semana o levantar que é sempre praticamente à
mesma hora tanto faz durante a semana como ao fim de semana, portanto eu acho que
devido À idade deles já devia haver uma diferençazinha, na minha opinião, por exemplo
aqui a instituição acha que…
Eu: Quais são as actividades que os utentes mais velhos têm ao fim de semana?
Ajudante de Lar: Aqui ao fim de semana às vezes temos passeio, vem uma carrinha e
vamos passear, portanto lá está também tem a ver com o grupo que cá está, porque às
vezes são grupos muito complicados e não dá muito jeito para sair mas quando são grupos
que eles sejam mais autónomos vamos sair. Quando não temos carrinha e agora que vem ai
o tempo bom, temos uma saída de manhã e outra à tarde, geralmente vamos ali até à
Portela ou à Encarnação pronto aqui por perto.
Eu: Qual lhe parece ser a melhor resposta para estas pessoas quando envelhecerem?
Ajudante de Lar: Eu para mim a melhor resposta era fazer género de uma divisão tipo lar,
pronto porque já todos tinham as mesmas actividades dentro das capacidades deles porque
eram todos mais ou mesmos da mesma idade, porque por exemplo aqui como ainda estão
todos misturados os de 50 com os de 22 não é, acabam por os de 50 fazer os que de 22
fazem não é! E eu penso que era importante haver uma divisão, havendo um género de um
lar e depois haver actividades mais apropriadas pronto, não é ficarem parados, mas terem
uma vida um bocadinho mais calma, visto que eles envelhecem devido às medicações e
todos os problemas que levam a envelhecer mais precocemente. Ter assim um bocadinho
mais de sossego. Mas isto já se nota hoje porque alguns já é complicado, este mais jovens
acabam por desestabilizar um bocadinho aqueles que já não têm tanta paciência para saltos
para gritos para movimentos não é! Porque isso até acaba por acontecer com a população
em geral em relação às pessoas com mais idade e os jovens que agente às vezes vê podem
gostar muito às vezes de ir lá para os bailaricos dos lares dos reformados mas também
gostam do seu momento de sossego e aqui penso que é a mesma coisa apesar de ser um
bocadinho mais cedo.
Eu: No seu entender, como é que se sentem os utentes mais velhos na Associação?
Ajudante de Lar: Os utentes mais velhos, eu penso por exemplo estamos a falar do
autónomos. Eu penso que eles aqui, por exemplo na moraria aqui nesta moradia onde estão
os mais autónomos sentem-se assim às vezes que sabem mais um bocadinho até que os
outros não é, e então metem-se com aqueles que não sabem fazer é assim o tipo de
situações que surgem aqui. Mas em relação, porque aqui na moradia dois os que cá estão
são todos praticamente das mesmas idades não difere assim muito, são todos com mais
idade os mais novos são os últimos utentes que entraram com 20 e poucos anos porque
todos os que já cá estavam os mais novos têm 40 e tais e depois é tudo dai para a frente.
Eu: Como é que os utentes mantém ligação com a família quando cá estão?
Ajudante de Lar: É geralmente os pais que telefonam e nós quando temos alguma coisa a
transmitir fora do normal falamos com os pais.
Eu: Quer acrescentar alguma coisa sobre o que temos estado a conversar?
Ajudante de Lar: Não quer dizer, a única coisa que eu tenho a dizer em relação a isto é
que muitas vezes as minhas colegas perguntam-me onde é que trabalhas e eu respondo que
já conhecia a instituição pelo menos os mais autónomos mas os profundos não, mas
quando comecei a lidar com os mais profundos é que eu própria comecei a ter uma ideia
diferente das pessoas com deficiência, porque apesar de agente dizer há mas hoje em dia já
é muito diferente de antigamente, não é bem assim, não é assim tão diferente do
antigamente um deficiente é sempre um deficiente eu digo isso porque eu trabalhei 11 anos
num sitio diferente em que as pessoas hoje me dizem ai que horror como é que tu és capaz,
há e as babas e eles quando se passam há e todo esse tipo de coisas que as pessoas ainda..
não sei, o deficiente ainda continua a ser o deficiente por muito que agente lute, talvez por
desconhecimento não sei! Não é que eu tivesse esse tipo de problemas porque se tivesse
também não tinha vindo para cá porque há pessoas que mesmo que quisessem não se
conseguem adaptar, mas eu própria reconheço que fiquei com uma ideia totalmente
diferente de um deficiente mesmo do deficiente mais profundo aquele que nós vemos ali
numa cadeira de rodas e que não fala que não se mexe e que nós temos a ideia de ser um
ser que está ali e depois quando começamos a lidar com este tipo de população vemos que
é totalmente diferente na realidade não é assim.
A sugestão que eu tenho a fazer é que eu acho importantes todos os trabalhos que falam
sobre a deficiência sejam eles profundos ou não seja porque deficiência, cá deficiente até é
aquele que é coxo até aquele que é cego de uma vista aquele que não tem uma mão para as
pessoas é sempre alguém que é diferente, fala-se de todos diferentes todos iguais, mas as
pessoas vêm sempre as diferenças.
Aquilo que nós sentimos é que cada vez mais os utentes ficam cá portanto aqueles que até
há um tempo era raro ficarem cá ao fim de semana, os pais cada vez vão tendo mais,
precisam cada vez mais de terem um bocadinho de descanso, porque já são muitos anos,
por exemplo há aqui utentes que já têm 50 e tal anos e não são os filhos mais velhos
portanto logo ai os pais já terão uma idade muito avançada.
Eles é um caso diferente dos idosos no geral, por isso eu digo aqui por exemplo, pronto
existe esta instituição, que houvessem muito mais assim em que eles tivessem a sua
evolução faz de conta como um colégio que vão para lá para a pré primária da pré vão para
a primária e até saírem da escola e aqui eu acho e havia de haver instituições ou a maioria
devia ser assim sem eles saírem à mesma do seu ambiente das pessoas que conhecem
terem aquela evolução ficaram jovens forma independentes e não saíram dali pronto têm o
seu cantinho na mesma com as mesmas pessoas que conhecem com os mesmos colegas
tudo sem ser assim uma mudança brusca mas terem um sitio onde ficarem! Porque de hoje
para amanhã nós sabemos muitos têm irmãos mas é complicado porque nós também temos
que ver o lado da família que têm os seus filhos e a sua vida e é um bocado complicado
porque é o que eu digo eles há dias que agente é quase só para um, porque requerem muita
atenção basta qualquer desequilibro que tenham e é um bocado difícil para a família no
dia-a-dia do corre corre terem essa disponibilidade toda para com eles, e então um sitio
assim sem haver à mesma o corte com a família como agora existe não é fins de semana
virem buscá-los, levar virem visitar porque há pais que quando os filhos ficam cá de fim de
semana vêm cá à mesma passar um bocado com eles, mas aqui é diferente estão com ele
aquele bocado mas depois também têm o seu bocado para descansar.
Apêndice 10
Titulo: Planificação e transcrição da dinâmica de grupo
Objectivos Gerais:
Introduzir o tema do envelhecimento
Informar e Sensibilizar para o processo de envelhecimento destes utentes
Objectivos Específicos:
Reflectir em grupo sobre as questões relativas ao envelhecimento
Identificar mudanças individuais físicas e psicológicas
Reflectir sobre a Associação e as actividades aí propostas
Consciencializar para o envelhecimento da família
Conteúdo programático:
O que é o envelhecimento
Envelhecimento físico e psicológico
Actividades promotoras de bem-estar no processo de envelhecimento
Duplo envelhecimento: Envelhecimento da pessoa com deficiência e da sua família.
Estratégia a utilizar:
Sessão semi-dirigida com recurso à projecção de imagens de pessoas com diferentes idades e incentivo ao
debate sobre o tema.
Planificação:
Hoje vamos falar sobre o “envelhecimento”
É um grande palavrão:
Sabem o que é o envelhecimento? O que é que quer dizer? O que é para vocês o
envelhecimento?
Desde que chegaram a Associação, o que é que mudou em vocês? (em termos físicos e
psicológicos) – introduzir a questão com a projecção de imagens
Quais as actividades desenvolvidas pela Associação que permitem que o vosso
envelhecimento se faça o mais saudável possível?
E a vossa família mostra preocupação com o envelhecimento? (explorar o envelhecimento de
ambos)
Transcrição da actividade:
Psicólogo: Vamos fazer uma dinâmica de grupo em conjunto. Aquilo que a Vera aqui está a fazer
connosco é um trabalho para o mestrado dela como vocês sabem. Ela anda a procurar melhorar as suas
qualificações.
Erica: Como as estagiárias que cá estiveram?
Psicólogo: É um pouco diferente as estagiárias procuraram apenas saber o que é que vocês pensam sobre
o envelhecimento em geral.
Erica: Eu não quero falar sobre a eternidade, eu não falo! Por amor da Santa! Elas são loucas virem falar-
nos disso! (estava bastante agitada e a falar em voz alta)
Eu: Eunice, nós apenas queremos falar um pouco sobre o tema do envelhecimento e temos algumas
perguntas estruturadas, nós não vamos falar sobre a morte vamos falar sobre o envelhecimento.
Normalmente um dos erros que acontece é que vocês associam muito o envelhecimento à morte!
Erica: Então pois é!
Psicólogo: Mas não tem que ser assim, nós vamos falar apenas sobre o envelhecimento e o
envelhecimento é um percurso normal, todos nós envelhecemos e nós estamos conscientes disso. Temos
aqui algumas perguntas que a Dr.ª Vera vos vai colocar no sentido de percebermos um bocadinho melhor
o que é que vocês acham e a vossa opinião sobre isso, estão a perceber. Para isso trouxemos umas
imagens de apoio para que vocês percebam um bocadinho qual é que é o percurso evolutivo, a evolução
que ouve.
(projectámos a 1.ª imagem)
Psicólogo: O que é que vocês acham? Parece-vos a mesma pessoa ou são pessoas diferentes?
Maria: É a mesma pessoa!
Psicólogo: De certeza?
Maria: Ééééé.
Psicólogo: E como é que vocês percebem isso?
Maria: Porque têm a mesma cara.
Carlos: Porque são parecidas só que esta aqui já tem rugas ali na cara.
Erica: Então não se vê que têm a mesma fisionomia!
Psicólogo: Fisionomia! É um bocadinho discutível, porque aquela criança ali não tem a mesma
fisionomia que aquela primeira senhora.
Maria: Pois claro, porque é mais velha. Agente ainda não chegou lá mas quando lá chegarmos vai ver se
não ficamos igual a elas.
Renato: Exactamente, então qualquer um vê! Aquela está mais como nós!
Carlos: Claro que uma é diferente da outra porque uma ali está mais nova e esta aqui já está mais velha.
Eu: O Renato já está a ficar assim?
Renato: Para lá caminho! E os outros também! Mas para lá caminho!
Psicólogo: Muito bem, mais alguma questão relativamente a esta imagem?
Maria: Já tenho meio século e vou fazer mais anos.
Renato: Hás-de fazer, hás-de!
Psicólogo: Reparem que o objectivo destas imagens é no sentido de vocês pensarem um bocadinho que
também já foram crianças, não é, como aquela criança ali. Já foram jovens, adolescentes, já passaram por
uma idade mais adulta até chegarmos à velhice.
Eu: Em que fase da vossa vida é que vocês estão? Olhando para aquela imagem, qual das quatro pessoas
é que está na mesma fase que vocês?
Carlos: Estamos na fase da adolescência.
Psicólogo: Na 1.ª, 2.ª, 3.ª ou 4.ª pessoa? A 1.ª é a criança e a 4.ª é esta senhora!
Carlos: Na primeira.
Maria: Na quarta!
Carlos: Na quarta não, primeira se faz favor!
Psicólogo: Achas que estás nesta ...? (apontou para a imagem da criança e começou a subir)
Maria: Não!
Psicólogo: e nesta?
Maria: Não!
Psicólogo: também não, e nesta?
Maria: Não!
Psicólogo: Também não, e nesta?
Maria: Sim!
Renato: Sim!
Eu: Então se calhar o melhor é ouvirmos um de cada vez. Está bem? Para percebermos se todos vocês se
encontram na mesma fase ou não. Então vamos começar pela Maria. A Maria diz que se encontra na
última fase.
Maria: Sim!
Eu: E a Erica identifica-se com quem?
Erica: Na 4.ª.
Carlos: Eu também me identifico na 4.ª imagem.
Eu: E o Renato?
Renato: Eu também!
Psicólogo: E porque é que se identificam na quarta imagem já agora?
Maria: (risos) porque sim!
Psicólogo: É muito fácil dizermos que nos identificamos na 4.ª fase!
Erica: Está a ver o que é ser velho, é assim ir de bengala a subir as escadas!
Eu: E o que é que a outra senhora de azul vos transmite? Ela também tem uma bengala, mas a cara dela
está triste ou contente?
Maria: Contente!
Carlos: Contente.
Renato: Não.
Psicólogo: Não está contente?
Maria: Está contente está!
Renato: Está contente assim de bengala!
Maria: Está!
Renato: Ela não pode estar contente assim de bengala!
Erica: Porque tem dores na coluna.
Eu: Tem dores de coluna! Mas mesmo assim uma pessoa pode sorrir, mesmo estando velho e com
algumas limitações também consegue sorrir, não é?
Maria: É!
Eu: E o outro senhor?
Carlos: Já está com as mãos agarradas à bengala para subir as escadas.
Renato: Exactamente é isso mesmo ou Carlos!
Eu: E parecem umas escadas...
Carlos: Muito altas, lá de cima até cá a baixo, vai lá vai, até que as escadas abanão.
Psicólogo: O que vocês dizem é que naturalmente há algumas dificuldades pelo facto de sermos mais
velhos a nível físico como disseram, a nível emocional a nível intelectual, perdemos algumas
capacidades…
Erica: Perdemos e de que maneira!
Psicólogo: E porque é que será que as perdemos?
Maria: Vamos enfraquecendo e perdemos as capacidades
Carlos: O enfraquecimento nas pessoas é muito grande também às vezes.
Eu: E desde que vocês vieram para a Associação que mudanças é que vocês têm notado?
Maria: Eu estou cá desde que a Associação abriu, desde que a Associação abriu entrei logo.
Eu: Então e o que é que mudou em ti Maria, conta-me lá?
Maria: Em mim? (silêncio)
Eu: Lembra-te da imagem anterior e em todas as mudanças que se vêem lá e pensa em ti.
Psicólogo: Antes de mais, por exemplo, com que idade vieram para a Associação? Já cá estão há muitos
anos!
Renato: Já!
Eu: Há quantos anos é que já cá estão?
Renato: Eu entrei em 93.
Psicólogo: 93, 14 anos.
Maria: Eu entrei pelo menos em 83 ou 84.
Renato: Eu entrei no dia dois de Fevereiro 1993, acho que sim.
Psicólogo: Então já cá estão há muito tempo!
Renato: Pois já.
Maria: Quando abriu, eu vim logo para cá!
Psicólogo: Eu acho que cada um de vocês veio logo quando a Associação abriu, só o Renato Teixeira é
que acho que não.
Erica: Pois porque não havia vaga.
Psicólogo: Então e desde aquela altura em que entraram até agora o que é que vocês sentiram que mudou
em vocês? Não notam diferenças? Que diferenças é que notam?
Renato: Eu prefiro estar aqui do que em casa.
Maria: Eu também prefiro estar aqui do que em casa, em casa não tenho nada para fazer e aqui tenho.
Renato: Eu tenho sempre que fazer em casa, pôr a mesa tirar a mesa…
Psicólogo: Quer dizer que gosta mais de estar na instituição?
Renato: Exactamente, mas de longe!
Psicólogo: Mas eu gostava era de vos ouvir dizer algumas diferenças, desde que vocês entraram para cá o
que é que vocês sentem de diferente em vós?
Maria: Em nós?
Erica: Pergunte aos nossos pais, que eles sabem!
Psicólogo: Mas eu estou a perguntar é a vocês? O que é que vocês sentem de diferente? Olhem para
vocês quando vieram e agora que diferenças é que há?
Erica: Éramos mais novos e agora estamos mais velhitos, é óbvio!
Psicólogo: E sentiram que perderam alguma coisa, alguma coisa que já não consigam fazer?
Erica: Eu dantes dormia melhor do que agora. A sério! E começam a aparecer-me problemas nas artroses
o que é muito chato.
Renato: É chato e de que maneira!
Psicólogo: E mais?
Erica: Eu no outro dia fui ao pingo doce e quando cheguei tive que me deitar na cama da minha mãe e
esfregar as pernas com álcool.
Psicólogo: E dantes já tinhas esses problemas físicos?
Erica: Eu não! Alguma vez com 20 anos tinha estes problemas!
Psicólogo: Então quer dizer que com esses problemas físicos foi-se um bocadinho a baixo?
Erica: Então pois foi!
Renato: E de que maneira!
Psicólogo: A Erica é a nível dos joelhos, e vocês é a nível de quê?
Maria: Então é resultado da velhice!
Psicólogo: Mas o que é que vocês sentem que mudou a nível físico? A forma como vocês trabalhavam,
será que não tinham mais força à 14, 15 anos do têm agora?
Renato: Sim, sim, sim.
Psicólogo: E psicologicamente notam algumas diferenças? O que é isto de psicologicamente? Tem a ver
com os aspectos a nível intelectual, a nossa capacidade de pensarmos de tomarmos decisões, com o
passar da idade será…
Carlos: Com a nossa alegria também, a nossa emoção!
Psicólogo: E houve melhoras ou piorou?
Carlos: Um bocadinho de melhoras e de pioras. A nível de idade. O meu caso é este, sou diabético já há
muitos anos. Começaram a aparecer-me os diabetes e depois apareceram ao meu pai, o meu pai também
tem e eu também tenho. E estas coisas, nunca me tinha acontecido isto Dr.
Psicólogo: Com a idade surgiram os diabetes.
Carlos: O problema é que eu tive dois meses na CUF por causa disso.
Psicólogo: Mais uma expressão respeitante a uma alteração ao nível físico, no caso do Carlos ao nível da
saúde. E capacidade para resolver problemas? Vocês dantes tinham mais facilidade ou não em resolver os
problemas?
Maria: Eu tinha.
Carlos: Eu nunca me tinha acontecido nada disto, e já vou para os 50 anos.
Renato: Eu vou para os 51
Psicólogo: “Cambada de velhos que eu aqui tenho!”
Todos: (Risada geral)
Psicólogo: Outro aspecto positivo que vocês ainda não referiram que tem a ver com as emoções e com a
gestão das emoções.
Carlos: o que é isso da gestão de emoções?
Psicólogo: Eu explicar-vos, tem a haver com a nossa capacidade de nos controlarmos a nós próprios.
Com o avançar da idade vocês acham que se controlam melhor ou pior? Em termos de comportamentos e
tudo mais.
Carlos: Penso que tenho um comportamento muito melhor do que aqueles que às vezes andam para aí a
portar-se mal e a meterem-se uns com os outros.
Psicólogo: Então no inicio vocês portavam-se melhor ou pior do que agora, por exemplo?
Renato: Portava-me pior!
Psicólogo: Se calhar o Renato melhorou!
Renato: Muito.
Psicólogo: Agora portas-te muito melhor! Mas aposto que a Maria piorou! Quando chegou a Associação
era uma menina muito certinha e depois com o passar dos anos começou a piorar.
Maria: (risos) Pois.
Psicólogo: “Ora bolas”! É que se nós formos a ver, com o evoluir dos anos nós vamos tendo experiências
novas e teoricamente devíamos controlarmo-nos mais, não é?
Maria: É!
Erica: Claro!
Psicólogo: Porque já passamos por muito mais experiências, já sabemos como funciona a Associação e
temos que ter um maior controlo sobre aquilo que fazemos, teoricamente, agora na prática parece que há
diferenças, não é! E a Erica qual é que foi o percurso da Erica? Melhorou ou piorou o controlo de si
própria?
Erica: Melhorei!
Psicólogo: Óptimo! E o Carlos?
Carlos: Ao nível dos movimentos as coisas, isso para mim também às vezes me faz ficar um bocado mal
também, porque eu dos movimentos muitas vezes eu exagero em certas coisas, eu não devia exagerar mas
eu exagero naquilo que não devo comer e depois a minha mãe dá-me uma descasca a mim, e já fui aqui
também chamado à atenção por causa disso também.
Psicólogo: Falta de controlo.
Carlos: Falta de controlo e por causa...
Erica: Então mas o que é isso, tens que ter mais cuidado, por causa da tua saúde, então!
Psicólogo: Pois é a sua saúde que está em causa.
Maria: Pois é depois os diabetes sobem!
Carlos: E depois no outro dia eu estava tão aflito que fui lá à sua sala falar consigo e desabafei tudo
consigo o que tinha a desabafar, quando foi aquela coisa de eu ter comido uma data de chocolates
seguidos uns dos outros, e a minha mãe foi lá falar com o Dr. Martins e depois tive a falar consigo por
Psicólogo: Sim nas mulheres também mas não é tão significativo. E porque é que os homens perdem
cabelo mais rapidamente do que as mulheres?
Maria: Porquê?
Psicólogo: Tem a haver com as hormonas.
Carlos: Pois com as hormonas.
Maria: Com as hormonas?
Psicólogo: É os esterogéneos e a testosterona. Nós já falámos sobre isso.
Maria: (risos)
Psicólogo: Já falámos também que a menopausa e andropausa também está associado. Mais a nível físico
e intelectual já abordámos e outras questões sobre o envelhecimento?
(silêncio)
Eu: Vocês acham que estão mais calmos ou não desde que vieram para cá?
Maria: Eu, eu…
Renato: Nós estamos mais calmos é que a idade não perdoa!
Psicólogo: Já não dá para grandes aventuras, é isso?
Renato: Não, não já não dá.
Carlos: Não dá para grandes aventuras.
Psicólogo: E que coisas é que vocês faziam antes e agora já não conseguem fazer?
Renato: Ir para a praia por exemplo.
Psicólogo: E agora já foram para a praia?
Renato: É, para a praia para o campo.
Carlos: Dantes íamos à piscina.
Psicólogo: Mas isso tem a ver com a programação das actividades e com outras questões, porque como
eu vos informei, a piscina não tinha a água em condições.
Carlos: Estava avariada não é?
Psicólogo: Havia obras e estava muito suja. Que aventuras é que vocês faziam quando vieram para cá que
agora não conseguem fazer. Há alguma coisa que agora não conseguem fazer?
Maria: Não! Nós conseguimos fazer tudo na mesma.
Psicólogo: Tudo ao mesmo ritmo?
Renato: Eu faço tudo e mais alguma coisa.
Maria: E eu também faço tudo e mais alguma coisa!
Eu: E a Erica?
Erica: Os meus dias é a dobrar guardanapos para a TAP mulher!
Maria: (Risos)
Psicólogo: Já tem um grande historial de dobrar guardanapos, verdade ou não? Quantos milhares é que já
passaram por essas mãos?
Eu: Eu vou lembrar-me quando andar de avião.
Psicólogo: Este guardanapo foi dobrado pela Erica Marques!
Erica: Até já me dói isto aqui!
Psicólogo: Ai está outra consequência de tanto trabalho.
Erica: É é, estou mas é a ficar velha!
Psicólogo: Sabem o que é uma tendinite?
Carlos: É uma dor muito forte que apanha os braços e não só.
Renato: E as pernas também.
Psicólogo: Consequência de… muito trabalho desenvolvido ao longo dos anos.
Erica: Nem sei porque é que é tanto trabalho depois agente morre e deixa cá tudo!
Psicólogo: Porque é que vocês trabalham já agora?
Erica: É para sobreviver, porque agente não consegue sobreviver sem dinheiro, evidentemente!
Maria: É pelo dinheiro.
Renato: Claro!
Eu: Então vocês recebem assim tanto dinheiro que dê para sobreviver?
Maria: Agente recebe…
Erica: Aquele que nos faz falta.
Psicólogo: È o suficiente?
Maria: É!
Renato: Para mim é!
Psicólogo: E se vocês morassem sozinhos, acham que era o suficiente?
Erica: Mas é que agente não pode morar sozinhos!
Carlos: Tínhamos que ter a ajuda de alguém para nos ajudar.
Psicólogo: Vocês precisam de apoio também ao nível do dinheiro e da ajuda dos vossos familiares para
conseguirem sobreviver, verdade ou não?
Renato: É.
Psicólogo: O dinheiro que vocês têm não é suficiente?
Maria: Não!
Psicólogo: Quanto é que vocês recebem em média, normalmente?
Erica: Quanto é que agente faz? 15€ mais ou menos.
Psicólogo: E para que é que dará 15€?
Maria: Para irmos para o Algarve.
Psicólogo: É suficiente?
Maria: É.
Erica: Só dá para comprar um par de sapatos.
Renato: Ou um par de Pantufas!
Eu: E vocês pensam fazer as actividades que estão a fazer agora até quando?
Erica: Até quando Deus quiser.
Maria: Até quando Deus quiser.
Renato: Ora bem, é isso mesmo.
Eu: Sendo a idade da reforma até aos 65 anos, imaginem que vão fazer as mesmas actividades até aos 65
anos.
Renato: Oh! Ainda falta.
Maria: Ainda falta muito!
Eu: Acham que vão conseguir fazer estas actividades até aos 65 anos?
Maria: Aaaa, eu vou.
Psicólogo: Que actividades é que vocês fazem que procuram que vocês fiquem assim fortes?
Maria: É a ginástica. Natação.
Erica: Fisioterapia.
Psicólogo: São algumas que vos ajudam a ficar fortes…
Renato: Exactamente.
Psicólogo: …Para avançar até aos 65 anos, é isso?
Maria: É.
Renato: Vamos lá ver se chegamos lá!
Maria: É, havemos de chegar lá.
Psicólogo: Significa que estas actividades vos permitem ser ainda mais saudáveis.
Renato: Exactamente:
Psicólogo: Mais alguma actividade que vocês façam que …
Erica: Eu gostava da Hipoterapia.
Renato: Eu também.
Psicólogo: É uma reclamação que vocês fazem? Mas vocês sabem porque é que deixaram de ter
hipoterapia não sabem?
Erica: Olha porque não há papel!
Maria: Não há dinheirinho!
Psicólogo: Senhores! Estão muito fracos vocês! É da idade, já vi! Estamos aqui com este pessoal velho!
Renato: Vamos ficar velhos com certeza!
Eu: Todos vamos, sabem que envelhecer é um processo contínuo e por isso é que quando nós mostramos
aquelas fotografias da criança e de uma pessoa já muito velhinha, é um processo contínuo, pois quer a
criança quer a pessoa já muito velhinha está a envelhecer! Todos nós que aqui estamos, estamos a
envelhecer, todos os dias envelhecemos.
Psicólogo: É verdade nós estamos aqui a falar e o tempo está a passar!
Erica: Pois o tempo não volta para trás!
Maria: Temos que viver um dia de cada vez!
Renato: Também acredito nisso.
Eu: E falando gora na vossa família. Acham que a vossa família está a envelhecer?
(imagem 4)
Psicólogo: Mas aqui não! Uma das coisas que vocês são conscientes é que nós temos um código de ética
que diz que nunca se pode bater em nenhum utente e que vocês têm todo o direito caso isso aconteça de
vir falar com as pessoas responsáveis para analisarmos a situação. Seja colega seja monitor se já quem
for.
Carlos: Isso não tem a haver com o tratado de Genebra?
Maria: O meu pai um dia meteu-se nos copos, e bateu-me. E fiquei com o olho todo o negro.
Carlos: Eu também tenho uma coisa a dizer aos meus colegas.
Eu: Então diga Carlos.
Carlos: Uma vez isso também me aconteceu isso, em casa o meu pai vai para bater e a minha mãe põe a
mão à frente e é obvio que eu caí no chão. Eu contei isso ao seu tio e o seu tio acreditou naquilo que disse
a ele.
Psicólogo: Sim, não tinha porque não acreditar.
Eu: Antes de terminarmos gostava que reflectissem sobre a imagem que está exposta.
Carlos: Ele está a olhar para ela com um olhar muito terno.
Eu: O que é que vocês acham, será mãe e filho?
Carlos: É de certeza mãe e filho com aquele cabelo branco de certeza. A mãe está a olhar para o alto com
um ar muito coiso a ver se o filho diz alguma coisa a ela. E ele tem o cabelo branco e a mãe também.
Eu: Eles têm um ar de felizes ou infelizes?
Carlos: Felizes. Famílias felizes.
Maria: Sim.
Erica: Tá.
Eu: Obrigado pela vossa participação, os vossos contributos foram muito importantes.
Psicólogo: Obrigado então pela vossa participação, sim os vossos contributos foram muito importantes
Apêndice 11
Título: Transcrição das entrevistas às pessoas portadoras de Deficiência Mental
ENTREVISTA AO UTENTE 1
Associação…,
28 de Junho de 2007, 15h:15m
Eu: Olha para tu perceberes melhor, podemos dizer que quem é eterno vive para sempre.
Utente 1: Há… porque ai já não há dor, não há guerras não há ranger de dentes não há
nada, mulher! Porque aí é tudo sagrado, a bíblia sagrada é muito clara a esse ponto! Você
não conhece a Bíblia Sagrada?
Eu: … eu gostava que tu reflictas sobre quando tu ficares bem velhinha! E vamos deixar o
assunto da morte para depois!
Utente 1: Está bem! Deus queira eu e a Vera!
Eu: Sim todos nós! Mas eu gostava que não estivesses a pensar só na morte, é lógico que
quando ficamos bem velhinhos podemos morrer, mas eu não queria que essa fosse a tua
preocupação enquanto estamos a conversar.
Utente 1: Esta é uma preocupação de todos nós! Ai agente não sabe! Há quem não queira
ser velhinha!
Eu: É verdade!
Utente 1: Mas não há ninguém que nos mande falar!
Eu: Hoje podes falar! Em vez de irmos falar em grupo, hoje em vês de falarmos no global
vamos falar um bocadinho sobre ti, queres começar por onde?
Utente 1: Evidentemente, então cada caso é um caso!
Eu: E mais!
Utente 1: E não há outra como eu, não há não! Ai isso não há! (momento de silêncio)
Estou quase com 50 anos e já andei em vários colégios não é brincadeira nenhuma. Gosto
muito dos meus colegas…
Eu: Faz de conta que nós não nos conhecemos, nunca nos vimos, e tu tinhas que te
apresentar e falar um pouco sobre ti. Imagina que eu não sei nada sobre ti!
Utente 1: Risos
Eu: Então? Não eras capaz de me dizer nada? Ou eu tenho que desligar o gravador!
Utente 1: Não não é preciso. Eu fiz a minha 4.ª classe tinha 15 anos!
Eu: E mais!
Utente 1: Silêncio
Utente 1: Sim até aos seis anos. Então a minha mãe não lhe disse!
Eu: Já nem me lembro o que é que a tua mãe me disse, tenho falado com tanta gente! Mas
eu quero é que tu me digas, pode ser?
Utente 1: Eu também morei em Leiria, mas eu não me lembro bem. Morei em Turquel.
Eu: E porquê?
Utente 1: Porque foi os melhores anos da minha vida. Porque tinha mais calma e não
andava nesta adrenalina como ando aqui dentro da instituição, filha. Ai não andava não,
pois não, isto aqui é uma canseira da vida (risos). Fale com a Dr.ª Gabriela e fale com o Dr.
Martins que ele logo lhe diz ou com o Dr. Ricardo, isto aqui é assim mulher, isto é um lixo
que não presta para nada.
Eu: E então?
Utente 1: E eu quero me casar!
Eu: Tudo bem … se não queres falar do teu pai não falamos.
Utente 1: O meu pai morreu há quatro anos com um AVC de ataque e morreu no hospital
do Desterro, vai fazer 5 anos para o ano que ele vive no cemitério de Benfica! O meu pai
chamava-se Mário dos Santos Marques e a minha mãe chama-se Florinda. Eu nasci em
Leiria e o meu irmão nasceu na maternidade Alfredo da Costa e a mulher do meu irmão
nasceu em Almada.
Eu: Ainda há pouco estavas a dizer-me que não te consegues orientar sozinha. O que é
que isso quer dizer?
Utente 1: Então pois não, nem eu nem ninguém! Nós precisamos de alguém que ajude
agente a organizar-se. Que o nosso futuro seja se casar ou outra coisa, nós temos que ter
alguém que nos oriente na vida, porque a nossa vida não é brincadeira.
Eu: Então deixa ver se eu te percebi! Estavas a dizer-me que gostavas de te casar. Utente
1: Evidentemente!
Eu: Mas que precisavas de apoio da Associação por exemplo.
Utente 1: Pois evidentemente que preciso de alguém que me oriente, eu e todos! Não sou
só eu, são todos no geral mulher! Nós precisamos de ter alguém que nos oriente na vida.
Porque se agente não tiver isso nada conseguimos fazer nesta vida, é que é mesmo
impossível que agente faça alguma coisa desta vida!
Eu: Para tentar ajudar a Associação a perceber o que é que vocês querem para o vosso
dia de amanhã.
Utente 1: Evidentemente, então pois.
Eu: Então conta-me uma coisa. Tu desde que vieste para a Associação achas que estás
mais nova ou mais velha?
Utente 1: Então estou mais velhinha. Então pois estou, faço anos todos os anos e vou
crescendo mais depressa vou ficando mais velhinha.
Eu: E o que é que significa ficares mais velhinha! Que diferenças é que tu tens notado?
Utente 1: Canseiras! Como diz a bíblia sagrada que a nossa vida dos 60 aos 80 anos e o
que é que diz lá? Quem é forte, é canseira e robustez!
Eu: Então mas vamos pensar só em ti? O que é que tu tens notado de diferente em ti?
Utente 1: Então é canseira.
Eu: Óh … pensa lá bem no que me estás a dizer! Como é que a tua mãe te pegou os
cabelos brancos se quando ela tinha 18 anos tu ainda não eras nascida!
Utente 1: (risos) é que eu já nasci com cabelos brancos! (risos)
Eu: Ai que tu estás a enganar-me, tenho que ir pedir umas fotografias tuas!
Utente 1: (risos) eu estava a brincar consigo mulher!
Eu: Então vamos lá falar a sério. Olha para ti e para mim, quem é que tu achas que é
mais velho sou eu ou és tu?
Utente 1: Sou eu!
Eu: E porquê?
Utente 1: Porque eu nasci primeiro.
Eu: Como é que sabes, não sabes quantos anos é que eu tenho!
Utente 1: Então quando é que você faz anos?
Eu: Primeiro tens que me dizer quais são as diferenças que reconheces em nós?
Utente 1: Então, tem um tipo fino!
Eu: Há eu tenho um tipo fino! Muito obrigada! E mais?
Utente 1: È o que eu lhe disse, é isto (sussurrou) é esta vida rotineira, não é não gostar mas
quanto mais ando a correr mais me doem os ossos.
Eu: Claro que sei quem é o Daniel. E depois iam viver para onde?
Utente 1: Então para onde ele mora.
Eu: E depois nessa altura o que é que tu achas que era melhor para vocês os dois?
Utente 1: Eu sinceramente eu acho que era vivermos sozinhos, sem ninguém nos chatear!
Viver como o passarinho, filha.
Eu: Mas ainda há pouco me disseste que estavas na Associação porque precisavas de
apoio.
Utente 1: Então mas eu falava com o chefe e o chefe arranjava alguém para me lá ir apoiar
em casa, está a perceber.
Eu: … andas preocupada porquê? A tua mãe, achas que já está velha?
Utente 1: Evidentemente! Está cansada, é uma pessoa muito doente, tens problemas de
asma, tem joanetes. Nós temos uma vizinha que foi operada e depois ficou numa
cadeirinha de rodas, já viu a minha mãe ia tirar e depois ficava numa cadeirinha de rodas.
Tem três buracos na coluna.
Eu: E o que é que tu achas que acontece às pessoas bem velhas? Às pessoas idosas
àquelas que são muito mais velhas do que tu?
Utente 1: Vão para um Lar de São Cristóvão! Toda a gente vai!
Eu: Claro, mas tu se calhar não vais na mesma altura que a tua mãe!
UTENTE 1: Então hei-de ir na mesma altura que ela! Não eu sou mais nova!
Eu: É o que eu te estou a dizer. E quando a tua “mãe” não estiver por perto? Já pensaste
sobre isso? O que é que achas que vai acontecer?
Utente 1: Oh mulher vou viver com o …! Vou para casa dele.
Eu: Mas vocês tinham que ter dinheiro como é que faziam isso?
Utente 1: Trabalhamos aqui na Associação enquanto pudéssemos. Eu ainda me falta uns
aninhos para me reformar é só aos 65.
Eu: E tu achas que o dinheiro que aqui ganham chega para todas as despesas?
Utente 1: Então vou à assembleia da república e exponho o meu caso!
Eu: Mas quais? É que eu não conheço todos os trabalhos que vocês fazem?
Utente 1: Ó filha, então faço fisioterapia, depois natação, só quando estou com o período é
que não posso fazer, faço ginástica, hipoterapia, hidroginástica, eu gosto de fazer estas
coisas.
Eu: E quais é que tu achas que são os mais importantes para ti?
Utente 1: São todas, não tenho nenhuma que eu não goste eu gosto de todas.
Eu: E imagina daqui a uns anos, gostavas de continuar a fazer o mesmo ou gostavas de
fazer outras coisas?
Utente 1: Não há! Então o Dr. …, vê-se e deseja-se para arranjar coisas e mais coisinhas
para os miúdos, não há, mesmo que quisessem não há. Isto está péssimo dona Vera Bento.
Eu: Mas imagina que havia mais actividades, tu gostavas de fazer as mesmas ou gostavas
de fazer outras?
Utente 1: Eu gostava de fazer outras. Se houvesse, se não houvesse olha ficava na mesma.
Eu: Porque é que tu achas que a vida não deu para isso?
Utente 1: Então você não vê o telejornal!
Eu: Mas por ti, porque é que tu achas a vida não te deu essas oportunidades?
Utente 1: A vida está cada vez mais difícil, quanto mais desemprego mais fome há!
Eu: …, de tudo o que falámos aqui hoje neste bocadinho, achas que te sentes uma pessoa
feliz?
Utente 1: Eu sou à vista dos outros sou! Então não é? É verdade e é a realidade agente tem
que se conformar perante estas situações, evidentemente.
Eu: Mas ainda não me disseste quais são as coisas que te fazem feliz?
Utente 1: Oh mulher é caminhar todos os dias para aqui! Faz-me bem, porque me sinto
ocupada, gosto de me sentir útil e ocupada, evidentemente.
Eu: E se não fosses viver com o Daniel? Que outra hipótese colocas?
Utente 1: Mas ele quer ir viver comigo!
Utente 1: Olha então a culpa é do médico, foi a minha mãe fartou-se de se chatear com o
médico e o bandido do médico virou-se para o meu pai, hó Sr. Mário dos Santos Marques e
tem a coragem de dizer ao meu pai que eu não sobrevivia no hospital de Coimbra, hó Dr.
Vera. Isto não são coisas que se digam! Então isto admite-se eu salve-me e estou aqui viva
e activa e ainda tenho muito para dar! E tomara que muita gente fosse como eu! É verdade
eu não tenho papas na língua. Uma pessoa como eu não há! A Associação nunca mais vai
ter uma pessoa como eu. (risos)
Eu: E se a Associação um dia tivesse uma resposta para poderes ficar cá?
Utente 1: Eu não quero cá ficar já disse ao Dr. ….
ENTREVISTA AO UTENTE 2
Associação…,
26 de Junho de 2007, 19h
Hoje vamos falar um bocadinho sobre ti, queres começar por onde?
Eu: Porque é que achas que nunca foste trabalhar para fora da Associação?
Utente 2: Porque nunca me chamaram para ir lá para fora trabalhar, mas eu já tive noutros
sítios, já tive a trabalhar na carpintaria, já estive nos talheres, nos estofamentos, nos
quadros eléctricos e outras coisas, também fui moço de recados e eu gostava imenso. E cá
estou e sinto-me aqui também à vontade, sinto-me bem com os colegas, eu não posso
queixar-me dos meus amigos porque eu sou amigo deles, tenho aqui bastantes amigos e
não posso perder nenhum amigo meu porque eu gosto dos meus amigos, gosto dos meus
pais, gostos dos meus irmãos, gosto do meu sobrinho, gosto da minha família toda. Gosto
daquelas pessoas que me amam e que gostam de mim. Que me vêem na rua que gostam
também de mim, pessoas amigas.
Eu: …, tu já estás há alguns anos na Associação, e agora achas que estás mais novo ou
mais velho?
Utente 2: Eu acho que ainda estou novo.
Eu: Achas que estás mais novo do que quando vieste para a Associação?
Utente 2: Acho! Acho que estou um bocadinho mais novo, mas a vida é a vida, aos 50 é
que eu não sei como é que vai ser porque já só falta um ano.
Eu: Então e tu achas que estás mais novo do que quando tinhas 20 anos?
Utente 2: Não sei, talvez, mas ainda não tinha cabelos brancos!
Eu: E porque é que estás a ficar um bocadinho mais velho? Pensa lá que mudanças tens
observado em ti?
Utente 2: Quando era pequenino, ainda não era grande. Quando era pequenino ainda
andava no colégio moderno depois fui para o colégio Clapared, ai as coisas pronto
(silêncio e cabeça baixa)...
Eu: Olha …, agora que acabaste de me contar o teu percurso, neste momento estás mais
velho ou mais novo?
Utente 2: Estou mais velho!
Eu: E olhando-te ao espelho, vês outras diferenças para além dos cabelos brancos? Olha
para ti e para mim, quem é que tu achas que é mais novo?
Utente 2: (risos e apontou para mim)
Eu: Risos, é verdade sou eu! E porque é que achas que eu sou mais nova?
Utente 2: Porque se eu sou mais velho a Dr.ª Vera é mais nova.
Eu: Mas o que é que te fez dizeres que eu sou mais nova?
Utente 2: Porque não tem os cabelos brancos.
Eu: E mais…
Utente 2: Não tem rugas, não tem nada.
Eu: Costuma dizer-se que os mais velhos têm a sabedoria da vida! O que achas sobre
isso?
Utente 2: Pois é os mais velhos têm a sabedoria da vida!
Eu: E que conversas são essas? Já conversaste com a tua mãe sobre o envelhecimento?
Utente 2: Não. Não
Eu: Mas isso não significa que ela ainda está nova? Pensa lá no que me disseste que era
uma pessoa velha?
Utente 2: Pois, é uma pessoa que já tem uma certa idade, que já não consegue andar no
devido ritmo, que tem problemas em vários sítios que tem que os resolver e não os
consegue resolver. Que pode chegar aos 100 anos.
Eu: E a partir de que idade é que tu achas que uma pessoa já está velha?
Utente 2: Ai aos 89 anos, para ai.
Eu: Já pensaste que isso pode acontecer primeiro aos teus pais do que a ti?
Utente 2: Não, não foi assim muito tempo que eu tivesse a pensar.
Eu: Tudo bem …, não sabes o que te vai acontecer, mas já pensaste o que é que queres
para o teu futuro? O que é que queres para ti? Nós estamos todos a ficar mais velhinhos e
como tu me disseste começamos a perder capacidades, menos força, menos memória…
isto foi o que tu me disseste não foi?
Utente 2: Foi
Eu: Então imagina que nós vamos chegar lá e que tu também vais chegar a velhinho!
Utente 2: Pois claro!
Eu: Então fala-me lá um bocadinho sobre isso. O que é tu queres para o teu futuro?
Utente 2: Para o meu futuro queria que, ter um futuro melhor um futuro bom um futuro
agradável que se os pais dessem um bom futuro aos filhos é porque agente quer conversar
imenso e dessem mais atenção aos filhos como costumam dar, pois eu muitas vezes
também me metro em coisas que não me devo meter e não me posso meter em sarilhos
porque senão já sei como é o meu pai e a minha mãe comigo, isso é que é agora sobre o
futuro!
Eu: Onde é que tu gostavas de viver no futuro, na ausência da tua mãe e do teu pai?
Utente 2: Talvez numa casa lá fora. Aqui não gostava por exemplo. Ter pessoas que me
dessem uma ajuda.
Utente 2: Em várias coisas como arranjar-me como lavar-me como vestir-me, para me dar
um certo apoio.
Eu: Isso se calhar era um bocado difícil estares a viver sozinho lá fora e teres alguém
sempre para te ajudar!
Utente 2: Pois se calhar isso era um bocado difícil, depende daquele sítio onde as pessoas
possam vir a ter uma casa alugada por exemplo.
Eu: E se isso não fosse possível, tens consciência que essa opção é muito difícil para ti,
não tens?
Utente 2: Acenou que sim com a cabeça
Eu: Não havendo essa opção em que outro sitio e com quem é que gostavas de viver?
Utente 2: Pois podia ser difícil.
Eu: Imagina que tu tinhas que viver aqui na Associação, como é que gostavas de viver
aqui?
Utente 2: Ai é que.
Eu: E dos trabalhos que tu cá fazes quais são os que tu gostas mais?
Utente 2: Hoje por exemplo tive que limpar a casa de banho.
Eu: Isso é porque estás cá esta semana na residência, e durante o dia, quando vais para o
CAO 3, gostas dos trabalhos que fazes?
Utente 2: Gosto.
Eu: E nos outros dias, há tantos anos que cá estás que já fizeste imensas actividades até já
me contaste ainda à bocado que tiveste na carpintaria, que tiveste a fazer de moço de
recados, não foi? De todas as actividades que tu tens feito cá na Associação, quais é que
tu gostas mais?
Utente 2: É o remo. As outras é sempre a mesma coisa. Gosto mais do remo.
Eu: Mas quais é que tu achas que são mais importantes para ti? Para tu te sentires bem?
Utente 2: É a ginástica também. Gosto do que estou a fazer aqui, levar o lixo, pôr os
pratos, faz-me bem para eu me sentir mais independente.
Eu: Daqui a uns anos, gostavas de continuar a fazer as mesmas actividades ou gostavas
de fazer outras coisas?
Utente 2: Eu gostava de fazer outras.
Eu: De tudo o que falámos aqui hoje neste bocadinho, achas que te sentes uma pessoa
feliz?
Utente 2: Sou, sinto-me feliz!
ENTREVISTA AO UTENTE 3
Associação…,
26 de Junho de 2007, 18h
Eu: ainda há bocadinho falámos sobre todos e agora vamos falar um bocadinho sobre ti,
queres começar por onde?
Eu: Quem é que tu pensas que és?
Utente 3: Quem eu sou?
Eu: Sim, quem és tu? Fala-me sobre ti?
Utente 3: Eu sou uma menina que tenho 50 anos, vou fazer 51 para a semana.
Eu: És uma bela jovem!
Utente 3: Sou!
Eu: Então onde é que tu vives …?
Utente 3: Em Mira Tejo do outro lado do rio
Eu: E sempre viveste em Mira Tejo?
Utente 3: Sempre! Quer dizer tinha outra casa, em Sintra, tive em Sintra muito tempo e
Sintra naquela casa ao pé do autódromo do Estoril
Eu: E porque é que mudaram!
Utente 3: Porque a casa era muito cara e não havia dinheiro, a primeira casa foi nessa e o
homenzinho que nos, tinha um quintal bem grande e depois a minha sobrinha a mais velha
ia para lá e não conseguia dormir nem nada e nem lhe dava o sono nem nada e depois a
minha mãe tinha que ficar com ela.
Eu: Então se tens sobrinhas, significa que tens irmãos! Quantos irmãos tens?
Utente 3: Cinco, tenho cinco irmãos.
Eu: Fala-me lá um bocadinho sobre eles.
Utente 3: O mais velho está em Macau, depois sou eu depois é o meu irmão Carlitos
depois é o meu irmão Tó e depois é a minha irmã. Três rapazes e duas raparigas, ainda
estão todos vivos.
Eu: Olha e neste momento vives com quem?
Utente 3: Com a mãe.
Eu: Só com a tua mãe?
Utente 3: Só. Às vezes o meu irmão também vai lá este que tem a filha e fica lá a dormir
com ela e tudo, temos lá um sofá na sala que é sofá cama olha ele abre o sofá cama e fica
lá com ela. E tem a coisa lá no campismo, ela agora está com ele foi não sei para onde com
ele.
Eu: Se calhar foram de férias.
Utente 3: Foram de férias os dois. Como ela tinha férias da escola. Agora só vem sexta-
feira que vem. Diz que ela estava toda feliz lá com o pai. Já tinha arranjado amigas e tudo,
lá e tudo, ela é que ligou à minha mãe a contar isso.
Eu: Então e conta-me lá mais coisas sobre ti, já conheço a tua família e mais… apresenta-
te…
Utente 3: Haaaaa!!!
Eu: Tens dificuldade em falar sobre ti?
Utente 3: ééé
Eu: Podes dizer-me o que tu quiseres, imagina que eu sou tua amiga e nós nos
encontrávamos na rua, o que é que me contavas sobre ti?
Utente 3: Eu quando estava em Angola, uma vez fui para a escola que era lá ao pé de casa
e fui atropelada foi um tio meu que estava lá a trabalhar e que foi comigo para o hospital,
levei pontos aqui quer ver (levantou a calça para me mostrar a cicatriz)
Eu: Mas não me tinhas contado que tinhas vivido em Angola! Perguntei-te se sempre
viveste em Mira Tejo e tu disseste me que sim, explica lá isso melhor?
Utente 3: Não, vim lá de Angola
Eu: E vieste de Angola com quantos anos, sabes?
Utente 3: Com, com, 20 anos, vim fazer cá os 20
Eu: E sabes quantos anos têm os teus pais?
Utente 3: O meu pai tinha 70 a minha mãe tem agora 70, tinha 69 e fez agora 70 a minha
mãe.
Eu: Fez anos há pouco tempo a tua mãe?
Utente 3: Sim dia 29 de Novembro fez anos.
Eu: Então tu estavas-me a dizer que vieste viver para Sintra, e para a Associação
lembras-te com quantos anos vieste para a Associação?
Utente 3: Há, há, foi quando isto abriu, foi quando a Associação abriu.
Eu: Lembras-te quantos anos é que tinhas?
Utente 3: Era novinha ainda não tinha 50
Eu: Eras novinha?
Utente 3: Era
Eu: Então e quantos anos tens agora?
Utente 3: 50
Eu: Então e há quantos anos é que cá estás? Pensa lá comigo, se ainda não tinhas 50, 50
tens agora…
Utente 3: é, é
Eu: se já vieste há muitos anos atrás, tinhas que ter menos de 50 anos. Então quantos
anos tinhas, assim mais ou menos, pensa lá?
Utente 3: 48 ou 49
Eu: Há então estás cá ai há três anos?
Utente 3: Há 4 anos
Eu: Então, mas a Associação não abriu há 4 anos! A Associação abriu à 15 anos mais ou
menos.
Utente 3: Eu vim logo, assim que fiz os testes com o Dr. Martins, até eu e a minha mãe
fomos a Almada fazer os testes e depois passei e depois fiquei logo, vim logo quando isto
abriu, vim logo.
Eu: Eras nova?
Utente 3: Era
Eu: Já foi há muitos anos?
Utente 3: Foi
Eu: Então não tinhas quase 50, eras mais nova
Utente 3: Era
Eu: Bem me parecia (risos)
Utente 3: Eu quando era pequenina tinha 8 meses ou 15 tive uma meningite em pequenina,
parei de andar e falar, foi, foi uma meningite. Um burro de um médico, um estúpido de um
médico é que lá em Angola não me quis operar e depois olha… a minha avó que Deus
tenha disse sempre operem a miúda, operem a miúda porque a miúda salva-se, eles nunca
quiseram, nunca, a não ser a minha mãe, nunca quiseram, deixaram-me andar deixaram-me
andar e depois olha, só fiz a 4.ª classe à pouco tempo quando estava na CERCI é que fiz a
4.ª classe!
Eu: E achas que foi por causa da meningite?
Utente 3: Pois.
Eu: E o que é que a meningite te fez?
Utente 3: (suspirou)
Eu: Sabes?
Utente 3: Não sei.
Eu: E sabes porque é que estás na Associação? Pensa lá um bocadinho! Eu acho que tu
sabes!
Utente 3: Sei!
Eu: Então será porquê?
Utente 3: Porque a minha mãe já está com muita…
Eu: O que é que tem a tua mãe! Já tem muita idade é isso!
Utente 3: Já!
Eu: E mais?
Utente 3: E já não me pode aturar!
Eu: Mas porquê? És assim tão difícil de aturar?
Utente 3: Não.
Eu: Então conta-me lá o que se passa.
Utente 3: E depois aqui estou sempre com, não quero ir para a sal nem para o recreio e
depois a dona Ana Cristina está sempre a dizer-me: vai para o recreio, vai para o recreio, tu
também tens o direito de ir… e eu estou sempre a ajudá-la e em casa eu não faço a minha
cama.
Eu: Não ajudas a tua mãe?
Utente 3: Naaaaão!
Eu: Mas não ajudas porquê?
Utente 3: Porque ela é muito difícil de se fazer, é!
Eu: Então e não achas que a tua mãe precisa de ajuda!
Utente 3: Acho que precisa, mas custa-me muito a fazer, sim.
Eu: E ajudas nas outras tarefas?
Utente 3: Ajudo.
Eu: Mas se calhar a tua mãe tem que te pedir muito!
Utente 3: Eu às vezes como tenho a minha máquina e às vezes ela às vezes aquilo não quer
que eu a ajude.
Eu: Olha lá! E agora achas que estás mais nova ou mais velha desde que entraste para a
Associação?
Utente 3: Mais velha!
Eu: Então e porquê?
Utente 3: Olha, porque tenho mais idade.
Eu: Mais idade e mais, o que é que tu tens mais?
Utente 3: Mais cabelos brancos e com menos juízo
Eu: Tens menos juízo! Explica lá isso melhor?
Utente 3: Tenho (risos). Porque me dizem! O marido da monitora graça está sempre a
dizer-me tu estás com menos juízo, onde é que tu tens o juízo, está sempre assim!
Eu: E tu concordas com ele?
Utente 3: Eu não, eu não, eu não
Eu: E é só ele que te diz isso? Se calhar está a brincar contigo!
Utente 3: É… ele no outro dia disse, tu não vias sair, já me estava a dizer que eu não ia
sair com os outros, e eu a dizer-lhe vou sim senhora eu já estou ai inscrita.
Eu: Então mas tu fizeste alguma coisa?
Utente 3: Eu não, eu não fiz nada. E fui, estava inscrita e fui
Eu: Olha lá estávamos a falar sobre se tu eras mais nova ou mais velha. Já me disseste
que achas que está mais velha do que quando vieste para cá!
Utente 3: É!
Eu: Então olha lá para mim e para ti, quem é que tu achas que é mais velho sou eu ou és
tu?
Utente 3: Tu és mais nova!
terem rugas, também se calhar a tua mãe está a ficar mais cansada e já não consegue
fazer tão bem as actividades que fazia antes?
Utente 3: Não! Ela está ali para as curvas.
Eu: A tua mãe disse-te que queria morrer! E quando a tua “mãe” não estiver por perto?
Já pensaste sobre isso? O que é que achas que vai acontecer?
Utente 3: Já! Eu já lhe disse, quando ela não estiver por perto sabe o que é que eu vou
fazer? Sabe onde é que eu vou ficar? Em casa do, do, do…, pois vou para lá!
Eu: Então mas os pais do … também já estão a ficar velhinhos, também podem não estar
por perto muito mais anos!
Utente 3: (risos) Agente entende-se, agente entende-se, eu e ele entendemo-nos, é!
Eu: Então e acham que não precisam de ajuda?
Utente 3: Não! Eu, eu não não preciso!
Eu: E gostavas de ir viver com ele e deixar a Associação?
Utente 3: Eu gostava, aliás adorava ir viver com ele e deixar a Associação. Mas ele tem
sempre as as, aquelas coisas que ele tem e isso olha.
Eu: E tu sentias-te em segurança vivendo sozinha com ele?
Utente 3: Eu sentia!
Eu: Então e depois como é que vocês vivam, vocês não têm ordenado?
Utente 3: A gente trabalhávamos.
Eu: Ai era, ias trabalhar para onde?
Utente 3: A, lá para, para mulher-a-dias. Se ele não tivesse essas macacoas eu arranjava
trabalho, ai isso é que eu arranjava.
Eu: Vamos ver essa situação por outro lado, como essa hipótese é um pouco difícil de
acontecer, tu percebes porque é difícil não percebes?
Margarida: Pois, percebo!
Eu: Então vamos pensar na hipótese de tu não poderes ir viver com o …, porque o …
também vive com os pais dele e a hipótese da tua mãe já não estar cá estar longe, qual era
outra solução?
Utente 3: Ia viver para ao pé da minha irmã. Para a Suiça.
Eu: E tu já pensas-te no teu dia de amanhã?
Utente 3: Eu ia, se ela me paga-se a passagem eu ia. Deixava a Associação e ia para lá!
Eu: Era isso que tu querias?
Utente 3: Era, era isso que eu queria. Mas não posso deixar a Associação, porque tenho cá
os meus colegas, tenho cá a minha vida o que é que eu ia fazer para lá?
Eu: E isso também é importante para ti, não é?
Utente 3: Pois.
Eu: Então vamos lá medir as coisas!
Utente 3: Ou ia para Macau para ao pé do meu irmão, ou então não sei.
Eu: Mas pensa lá o que é que era melhor para ti? O que é que tu gostavas mesmo mais?
Utente 3: Eu gostava já de ir, sabe para onde para ao pé do meu irmão Zeca.
Eu: Ele vive aonde?
Utente 3: Em Macau.
Eu: E ele tinha condições para ficar contigo?
Utente 3: Ele, tinha, tinha condições. Ele até é tão meiguinho para mim tão meiguinho é o
irmão que eu gosto mais. Gosto gosto gosto, muito muito muito. Agora os outros, o meu
irmão … até faz pouco de mim. Da outra vez que ele estava lá quando ainda não tinha
arranjado casa nem emprego agora já arranjou, já saiu de casa e já foi para casa dele, já
levou as coisas dele todas, a planta dele que ele deixou lá em casa está enorme.
Eu: E os outros irmãos?
Utente 3: Eles não têm paciência nem vagar nem nada. O meu irmão … está a trabalhar.
Eu: Sabes se estás interditada? Sabes o que é estar interditada?
Utente 3: Não sei.
Eu: É a tua mãe quem decide por ti?
Utente 3: Eu tenho cá o meu dinheiro e agora nunca mais levei o dinheiro para casa nem
nada.
Eu: Então porquê?
Utente 3: Porque as monitoras, eu levava o dinheiro para casa e a minha mãe gastava-o
logo todo, comprava coisas para casa e tudo e eu nem o via, nem o via… gastava-o todo.
Eu: E tu queres esse dinheiro para quê?
Utente 3: Para ir para o Algarve
Eu: Mas se calhar esse dinheiro não chega para ir ao Algarve, achas que chega?
Utente 3: Chegou, para eu comprar uns gelados e isso. Chegou e sobrou até.
Eu: Então significa que um dia gostavas de ir viver com o teu irmão em Macau, se não
pudesses ir viver com o ….
Utente 3: É, pois se eu não pudesse ir viver com o …, gostava de ir viver para Macau.
Eu: E no Elo, gostas de estar na Associação?
Utente 3: Eu adoro, gosto mais de estar na Associação do que em casa. Em casa aborrece-
me, não tenho colegas lá nem nada, aborrece-me.
Eu: E gostas das actividades que fazes aqui?
Utente 3: Eu gosto.
Eu: Gostas! Quais é que tu gostas mais?
Utente 3: Gostava de ir andar a cavalo, eu adorava.
Eu: E mais, quais é que tu gostas mais, quais é que tu achas que são mais importantes
para ti?
Utente 3: Para mim, as mais importantes é ir à piscina, mas a monitora Lena Sardinha
nunca me deixa.
podia estar em casa a ver televisão a ver as minhas novelas nem nada e depois ele tirava-
me o comando e escondia-o. (começou a falar muito rápido e ofogante)
Eu: E porque é que ele era assim?
Utente 3: Quando ele morreu eu estava aqui, eu não soube que ele tinha morrido. Quando
o Dr. Martins me disse que ele tinha morrido eu chorei, chorei, chorei, chorei tanto tanto,
fartei-me de chorar, era meu pai e eu fartei-me de chorar. Fiquei com pena de não ir ao
funeral dele. (chorosa)
Eu: O Dr. Martins falou contigo, se calhar foi melhor para ti não achas?
Utente 3: Foi…
Eu: Olha ainda à pouco, depois mudas-te de assunto e acabas-te por não me contar que
coisas novas é que tu gostava de fazer? Já estás cansada destas?
Utente 3: É! Se eu tivesse dinheiro, sabe o que é que eu fazia? Eu ia à Suiça ver a minha
irmã, ia, eu ia à Suiça, ia ver a minha irmã, ver a minha irmã e os meus sobrinhos que vêm
cá poucas vezes. Ela mandou uma passagem para a minha mãe ir, mas a minha mãe como
estava sempre comigo, sempre, sempre, sempre, anda sempre comigo, e ela disse vou-te
mandar a passagem e mandou a passagem para lá, se ela tivesse cá deixado a passagem eu
tinha ido, ia para lá para o pé dela, ajudar a minha irmã a tratar dos meus sobrinhos, eu
conseguia, eu gosto tanto tanto dela, adoro-a, tenho tanta pena que ela esteja lá sozinha
com eles. Agora só vem em Outubro ou Novembro, vem cá passar uns dias. Ela tem lá a
vida dela, mas eu já disse à minha mãe quando ela vier eu não vou deixar ela ir, não vou,
não vou.
Eu: Mas a tua irmã tem a vida dela! Tal como tu que vens para a Associação!
Utente 3: Eu não vou deixar ela ir, não vou, não vou, não vou, olhe eu não vou deixar ela
ir… (a … exaltou-se demonstrando que esta é uma situação que a magoa) Olhe eu amarro-
a à cadeira!
Eu: Coitadinha da tua irmã, não acredito que sejas assim tão má!
Utente 3: Riu à gargalhada
Eu: Voltando às actividades, disseste-me que querias fazer outras actividades aqui na
Associação mas ainda não me contaste que actividades eram essas, pensa lá um pouco
sobre isso?
Utente 3: Hum, Hum, ir para a cozinha…
Eu: Gostas de cozinhar?
Utente 3: Sim, olhe eu sei fazer uma sopa de legumes sozinha, sim, sei fazer uma sopa de
caldo verde sozinha, sozinha. Da outra vez que estive na cozinha, aqui na residência,
descasquei as batatas e fiz muitas coisas e agora não me deixam ir para a cozinha porquê?
Não me deixam ir para a cozinha nem nada, eu cá queria ir para a cozinha! Nem me cortei
nem nada! Eu sei fazer as camas sozinha, ponho o lençol de baixo, entalo e faço sozinha.
Eu: Aprendeste aqui na Associação?
Utente 3: Sim. E sei passar a ferro. Sei.
Eu: Também aprendeste a passar aqui na Associação?
Utente 3: Não! Foi em Angola, com a Maria lavadeira. Tinha lá a Maria, que era uma
preta, e eu quando não tinha escola ia lá para a garagem, tinha um quintal bem grande e ela
lavava a roupa. A minha mãe punha um lençol grande lá de cima e depois atirava-a cá para
baixo e depois o meu irmão Carlitos andava de bicicleta e sujava os lençóis todos!
Malandro e depois ouve uma vez a Maria estava lá, e a minha mãe dizia sempre: Hó Maria
como é que tu estás? E ela dizia sempre: assim assim minha senhora (risos).
Eu: Olha, de tudo o que nós falámos aqui hoje e daquilo que falámos na sessão de grupo
anterior, tu és uma pessoa feliz?
Utente 3: Eu sou, eu sou!
Eu: Sim, sentes-te uma pessoa feliz?
Utente 3: Eu sinto-me!
Eu: E quais são as coisas que te fazem feliz?
Utente 3: A primeira coisa é ter saúde.
Eu: É! E mais?
Utente 3: E ser alegre. A minha avó que deus a tenha era tal e qual como eu, eu hei-de
trazer a fotografia da minha avó para a Vera ver.
Eu: Tu achas que és alegre?
Utente 3: Eu sou! Eu …. Não há mais uma pessoa mais alegre do que eu. Eu sou uma
pessoa tão alegre, tão alegre, ando sempre bem disposta, sempre. Sempre quando não me
chateiam, quando me chateiam chega-me a mostarda ao nariz e ninguém me atura.
Eu: Queres contar-me mais alguma coisa sobre este tema que temos estado a falar?
Utente 3: Silêncio…
Eu: Olha ainda outra coisa, gostas do teu quarto aqui na Associação?
Utente 3: Eu gosto, eu gosto do meu quarto aqui na Associação, adoro mais viver aqui do
que em casa!
Eu: E um dia se tivesses que viver aqui, o que é que tu achavas?
Utente 3: Eu achava bem! Eu achava! Os meu irmão … não tem paciência para mim,
nãããão, nem o meu irmão …, mais paciência tem o meu irmão … e a minha irmã …. Ela já
disse, disse-me assim: porque é que não vens cá para casa uns dias comigo. Eu se a minha
mãe não mandasse a passagem para lá eu tinha ido. Gostava de lá ir passar uns dias, uns
dias só! Só uns dias! Ela já me disse, que se eu for para lá vai ficar comigo a fazer uns
jogos.
Eu: Hó …, muito obrigado por teres conversado um bocadinho comigo, eu gostei muito de
te ouvir!
Utente 3: De nada (risos)
Utente 3: Eu dou tudo, mas quando me pisão os calos, olha é uma chatice, ficamos velhos
e tudo, não havia de haver velhice!
Eu: Achas que sim! Achas que a velhice é má?
Utente 3: Éééé, não havia de haver velhice! possa! Eu detesto a velhice, eu detesto!
Eu: Mas porquê?
Utente 3: Porque começamos a sentirmo-nos velhos e tudo! E às vezes….
Eu: … já começas a sentir-te velha?
Utente 3: Eu já!
Eu: O que é que sentes?
Utente 3: As pernas a falharem-me e tudo… e e e eu dantes ia sozinha para casa e agora é
a minha mãe que tem que me vir buscar, porque dei uma queda e fiquei com a cara toda
esmurrada…
Eu: E achas que isso tem a ver com a idade?
Utente 3: Pois! Eu acho que sim!
Eu: Obrigado novamente!
ENTREVISTA AO UTENTE 4
Associação..,
28 de Junho de 2007, 14h
Eu: Olá, na outra vez falámos em grupo, hoje vamos falar um bocadinho sobre ti, queres
começar por onde?
Eu: Fala-me um pouco sobre ti? Quem é que tu pensas que és? Quem és tu? Como é que
tu achas que és?
Utente 4: Eu sou um rapaz jovem e bom rapaz. Tenho 48 anos, 49, tive 17 anos noutro
sítio, depois aí por volta de uns 4 anos 5, 6, 7, não sabia o que era isto e uma vizinha nossa,
sabe, tenho uma vizinha que tem cá uma filha também aqui no CAO 2, e ela convidou-me
para vir ao … para ver isto como é que era, isto ainda nem era nada sequer. Havia aqui
uma, vamos lá ver, uma casa de madeira coladas e não sei que mais…
Eu: E conta-me mais coisas sobre ti?
Utente 4: Eu vim para aqui em 93.
Eu: E lembras-te quantos anos é que tinhas quando vieste para cá?
Utente 4: Haaaa! Isso pode perguntar à minha mãe.
Eu: Assim mais ou menos, já foi há muitos anos?
Utente 4: Não, não foi há muitos anos, que eu estou cá desde 93 portanto! Ai (suspirou)
93…
Eu: Antes de falarmos da Associação, vamos falar só mais um bocadinho sobre ti. Com
quem é que tu vives?
Utente 4: Com o meu pai e com a minha mãe.
Eu: E aonde é que vives?
Utente 4: Vivo aqui nos Olivais.
Eu: Sempre viveste nos Olivais?
Utente 4: Sim senhor. Nasci na Amadora mas vim viver para os Olivais.
Eu: E irmãos, tens irmãos?
Utente 4: Tenho só um.
Eu: Mais velhos, mais novos?
Utente 4: O mais velho já faleceu!
Eu: Há muitos anos?
Utente 4: Não foi assim há muitos anos! 1 de Janeiro. Era o mais velho. E ainda tenho um
irmão mais novo. Eu sou o do meio. O meu irmão mais novo se eu lhe pedir um livro ele
não se nega.
Eu: Dás-te bem com o teu irmão mais novo?
Utente 4: Dou!
Eu: Ele tem quantos anos, sabes?
Utente 4: Ele tem uns, faz anos em Dezembro no dia 5, 38 anos.
Eu: E o que é que tu gostavas, para o teu dia de amanhã já pensas-te sobre isso?
Utente 4: Não
Eu: Não pensaste. Então pensa lá comigo! O que é que tu querias para o teu futuro?
Utente 4: Queria uma casa! Um bom carro!
Eu: Mas tu já sabes que não podes conduzir.
Utente 4: Não, mas eu tenho uma carrinha Mercedes, mas quem conduz é o meu pai, só
que a carrinha está em meu nome.
Eu: Então carro já tens! Mas o que eu te estava a perguntar era: um dia se os teus pais
não estiverem cá onde é que tu queres viver? O que é que tu queres para ti?
Utente 4: Quero muita saúde e paz e sossego!
Eu: E como é que podes ter sossego?
Utente 4: É ninguém me chatear a cabeça.
Eu: E onde é que tens sossego, em casa ou aqui na Associação?
Utente 4: Em casa! Que é onde eu posso ter tudo. Quem me tira o meu quarto tira-me
tudo, com certeza que sim.
Eu: Então e já imaginaste chegar a casa e não estar lá os teus pais!
Utente 4: Tenho sempre gente em casa, o meu pai a minha mãe ou a minha vizinha. Posso
ficar com a minha vizinha que é muito minha amiga. Sim senhor.
Eu: Achas que podias ficar com ela bem?
Utente 4: Claro! Tem um terreno lá ao pé de nós e também tenho outro casal amigo que é
da Holanda. Se me pagassem a passagem eu ia lá passar umas férias.
Eu: Estavas a dizer-me que gostavas de ficar a viver em tua casa ou com a tua vizinha.
Utente 4: Sim.
Eu: E na Associação?
Utente 4: Na Associação só para trabalhar. Não venham cá mandar-me areia para os olhos
que isto para mim não me serve.
Eu: Então e porquê?
Utente 4: Porque isto aqui vai tudo pelo ar.
Eu: Achas isso?
Utente 4: Hó, hó! Já é assim, já temos pouco trabalho!
Eu: Olha e gostas das actividades que desenvolves aqui na Associação?
Utente 4: Gosto.
Eu: E tu queres continuar a fazer estas actividades por muito anos, ou queres mudar de
actividades?
Utente 4: Eu queria mudar de actividades, porque são sempre as mesmas.
Eu: E queres mudar de actividades porque tu também mudaste…
Utente 4: Exactamente.
Apêndice 12
Título: Análise de conteúdo das entrevistas realizadas aos familiares
A Deficiência Mental:
Familiar 1 (F1)
Bem a principio foi um choque muito grande (…) depois até aos seis anos foi mesmo difícil para mim e
para o meu marido coitadinho (…) só que depois ela já tinha seis anos e meio quando eu tive o outro
filho então já se atenuou um bocado a dor (…F1)
(…) quando a menina nasceu eu não soube logo logo que ela era deficiente só passado uns dias é que eu
comecei a ver que havia alguma coisa de diferente porque não pegava no peito e só gemia gemia gemia.
(F1)
Familiar 2 (F2)
(…) desde que o … nasceu que deu problemas começa por os olhos colarem, não era normal já naquela
época mesmo uma criança nascer e não abrir os olhos não sei. (F2)
(…) os médicos disseram sempre que o … não tinha nada. O pediatra que o acompanhava nessa altura
tinha dito aos meus pais que realmente era possível que houvesse ali realmente uma deficiência mas isto
ao fim de 6 anos (…F2)
Nos colégios não sei como é que está agora, mas na altura era fraquinho tudo, o Clapared talvez mesmo
a assim tenha sido o melhor. (F2) (…) já estava com quase com 20 e poucos anos e ele na CERCI já não
estava a fazer nada porque a CERCI estava naquela altura essencialmente ligada para a parte escolar
(…F2)
(…) na CERCI foi onde ele realmente começou a desembaraçar-se, aprendeu a ler e a escrever ainda que
mal, mas enfim, no Clapared e essencialmente comigo não vale a pena estar a dizer de outra maneira
porque foi comigo que ele aprendeu, números, contas nem a brincar é a falha maior de todas. (F2)
Familiar 3 (F3)
(…) fui dona de casa quase sempre, mas em certas alturas da vida precisei de sair um pouco de casa até
por causa da …, para sair e tal um bocadinho do ambiente de casa (F3)
Eu andava sempre a procurar coisas não é mas não havia grandes recursos (F3)
ai Teresa em Lisboa há colégios tão bons para ela e tal, vais lá, não havia nada de especial, mas aquilo
enfiou-se me na cabeça e eu não descansei enquanto ela não veio (F3)
Familiar 4 (F4)
sem ver e devagarinho lá foi recuperando porque ela tinha um quociente de inteligência alto que já foi
feito mais velhinha 12 15 anos. (F3)
Familiar 4
(…) já nasceu assim, creio ou quase que tenho a certeza que foi devido ao parto, prematuro, muito
fraquinho (…) (F4)
Eu também não sei bem (…) tendo esses papéis (…) venho aqui falar com a Associação para ver o que é
preciso mais. (F1)
Eu ainda não sou tutora por enquanto sou mãe, ainda não sou responsável legal (…) e agora é que
comecei a pensar porque a idade já começa a pesar um bocadinho e de um momento para outro posso ir-
me embora e ela ficar. (F1)
A … não tem autoridade, porque por exemplo a … vai às compras mas se a enganarem nos trocos ela
fica enganada porque não sabe fazer um troco (…) por exemplo na higiene na roupa, não sabe tratar
dessas coisas eu é que tenho que tratar de tudo, eu é que tenho que pôr tudo a jeito, porque ela não sabe,
não tem aquela noção (…F1)
Familiar 2 (F2)
Sou eu, o … já está interditado, sou eu a tutora. (F2)
A interdição foi feita através de uma advogado (…) o Dr. (…) fez uma avaliação, o … foi a uma junta
médica em que foi atribuído determinado quociente de deficiência (…) fomos ao tribunal, depois fomos
chamados todos com o juiz e o …o juiz fez umas perguntas ao … o Dr. orientou-as para o lado que
achava mais conveniente porque se fossem falar de automóveis ao Jorge ele não era dado por interdito
porque o Jorge sabe de automóveis o que eu imagino que não há para saber, o Dr. levou aquilo para os
números para as horas e não foi de forma alguma enganar, mas sim chamar a atenção para os pontos
necessários e que estavam em causa essencialmente, portanto foi-nos dada a interdição. (F2)
Foi um processo que no caso do … decorreu com relativa celeridade eu sei que houve ai casos muito
demorados para se resolver. (F2)
(…) mas é um choque, indiscutivelmente é um choque (…) mas o perigo que seria o … não estar
interditado é de longe muito maior do que qualquer sentimento pessoal de frustração (F2)
Possivelmente o meu filho mais novo (F2)
Familiar 3 (F3)
Já tenho tudo encaminhado da interdição dela, foi um bocadinho mais tarde do que devia ser (…), mas
de qualquer forma a responsável pela Margarida sou eu. (F3)
Nós tivemos aqui na Associação um esclarecimento muito valioso com um advogado, foi uma sessão
aberta a todos os pais, e ele disse que apesar de eu ser mãe se não tivesse nomeado a tutora oficialmente
não tinha direito de decidir certas coisas sobre a vida dela (F3)
Este meu filho que vive cá é o protutor (F3)
(…) por acaso falta-me fazer é no notário fazer uma declaração de que por minha morte a tutoria dela
fica entregue a Associação, porque por exemplo o protutor o que faz é levá-lo ao médico e acompanhá-la
e se ela tem uma doença vai para casa e o meu filho é bancário (…) não tinha tempo para fazer isso (…)
de maneira acho que a ideia do elo é criar um grupo de colaboradores que vão ocupar-se só disso porque
eu ainda tenho mais filhos mas há muitos casos aqui que são filhos únicos. (F3)
(…) acho que a justiça é entregar a parte da minha filha a Associação uma vez que ela esteja aqui e
embora o protutor possa sempre seguir as coisas e ver se as coisas estão bem geridas porque isso é
exigência do tribunal (F3)
Familiar 4 (F4)
Eu nunca entrei com os papéis para ser nomeado um tutor, para isso tenho que ir ao tribunal para que
isso aconteça, de facto nós gostávamos que ela fosse responsável pelo … e quer dizer que fosse uma
garantia para o futuro dele. (…) Ela e a Associação (…) ele já foi ele já está praticamente quer dizer
interditado, está interditado já desde, eu sinceramente nem sei bem. (F4)
É um problema vamos ter grandes dificuldades em arranjar ou nomear um novo tutor. Não temos
ninguém na família não temos ninguém. (F4)
O Envelhecimento
Envelhecimento de um filho
Familiar 1 (F1)
Tem graça nunca aprofundei isso nunca... quer dizer não sei, vou vivendo o dia a dia porque tem que ser
mesmo assim, agora talvez tenha pensado mais desde que o meu marido faleceu, quando éramos os dois,
não é dividíamos a carga pelos dois, não é agora sozinha tenho pensado mais (…F1)
Familiar 2 (F2)
(…) é uma preocupação também na medida em que eles envelhecem muito mais cedo. (F2)
(…) faz sempre impressão olhar para os nossos filhos e pensar neles como velhos (F2)
(…) isto é um problema que não existia dantes (…) porque eles antes morriam todos antes dos pais,
morriam todos muito cedo era muito raro passarem antes dos 20, 21, claro que hoje o meu filho já vai
fazer quase 50. (F2)
Familiar 3 (F3)
Olhe isso eu estou mais do que preparada não é, nós também não melhoramos com a idade e eles muito
menos, eles demoram muito mais tempo a envelhecer é engraçado que ela até aqui há uns anos ninguém
lhe dava a idade que tinha, ficavam admirados quando ela dizia que tinha 40 ou 45, mas também quando
começam caiem um bocadinho mais depressa foi isso que o Dr. … me disse (…F3)
Familiar 4 (F4)
O que eu vejo é que isso se aproxima cada vez mais rápido e que se evolui constantemente. (…) como é
que eu vejo o envelhecimento do … (…) que está a envelhecer precocemente. (F4)
(…) eu já nem falo do acumular de problemas é um problema no seu todo é um problema que abrange
tantas coisas que enfim… que incomodar não é o termo não é uma questão de incomodar é uma
situação, é um problema sem solução e como é um problema sem solução nós vamos embora e o que
será, o que será a partir daí?
Sinais de envelhecimento
Familiar 1 (F1)
Há para melhor, começamos logo por dizer que talvez não se nota, ela está mais calma, muito melhor,
então desde que está aqui no … então não tem comparação!
Ao nível físico ela de facto tem dificuldades coitada, nas pernas e também tem má circulação (…) está
muito pesada. Mas mental está melhor e até desde que o meu marido faleceu ela está muito mais meiga
mais carinhosa.
(…) qualquer coisa que ela se errite e que me deixe triste ela diz logo, pronto mãe não é nada já passou,
já passou! Revela que ela se preocupa imenso imenso imenso, preocupa-se muito comigo! (F1)
Ás vezes fala ai isto já é o peso da idade (risos), ai as minhas pernas já é o peso da idade! (…) às vezes
passava uma roupita a ferro agora tem sempre as pernas cansadas
Familiar 2 (F2)
(…) embora não se note grandes regressões em muitas coisas, há coisas que o Jorge já não dá a mesma
resposta, embora nunca fosse uma resposta brilhante essa resposta já começa a apresentar algumas
falhas, e portanto a deterioração há-de ser mais rápida até porque a diabetes também não ajuda é um
factor negativo (…) (F2)
(…) foi habituado a não ser o coitadinho mas sim mais uma pessoa da casa e portanto tem as suas
obrigações, (…)essas coisas começam a falhar há mais vezes em que se esquece (…)são coisinhas
pequeninas que nós vamos sentindo que já não é bem da mesma maneira, há esquecimentos mais que
não havia, são coisinhas pequeninas do dia a dia não é nada estritamente.
Familiar 3 (F3)
Ela vinha sozinha, até há poucos anos ela vinha e ia sozinha mesmo aqui para a Associação só que
depois ai à uns 5 anos mais ou menos começou a cair com facilidade, tropeçava não tem aquele instinto
de ir com as mãos ou qualquer coisa vai logo com a cara ao chão (…)
(…) noto no andar dela (…) mexia-se bastante mais. (…) ela caiu dois dias seguidos.
(…) o Dr. … disse não isto é demais não pode ser esta menina não anda mais sozinha quando sair da
sala alguém a leva pela mão, se não tropeça basta uma pedrazinha mais saída (…)
(…) mesmo quando ando com ela na rua nunca vai sozinha vai sempre com o braço dado ou com a mão
bem presa, já uma vez caímos as duas (risos) ela caiu e eu também. (sinal de duplo envelhecimento)
Está um bocadinho rabugenta às vezes, (…)
(…) ela saúde realmente é saudável(…) De maneira que o que eu noto mais nela é o andar assim um
bocadinho inclinada para a frente (…) há usa óculos, foi no ano passado em Agosto
(…) ela quer é estar sossegadinha
Familiar 4 (F4)
É que nós mesmos temos dado por isso vê-se que o … está a envelhecer precocemente (…) agora dá-me
a sensação que está cada vez mais lento, pergunta tudo
Parece-me que ele está (…) a demorar mais tempo a fazer as coisas que fazia já em certo tempo, muito
confuso, começa a fazer uma coisa e não a termina, se limpar o quintal deixa ficar o lixo deixa ficar
aquilo assim, quando dantes não. (…) é muito instável
(…) ele carece de muitos cuidados para além da deficiência mental que tem carece de outros problemas
de saúde tais como um problema hemorroidal bastante agravado e problemas no estômago (…)
O que penso fazer é quando eu falecer ela ficar aqui, e o meu marido antes de falecer já estava a par
Se não fosse aqui aonde é que ela devia ficar?! ao fim de semana acredito que os irmãos a venham
buscar (…) não é viável ela ir viver com os irmãos, podem eventualmente vir buscá-la ao fim de semana
dar um passeio, acho que é realmente o melhor para ela estar aqui com pessoas que são especializadas e
estão preparadas para lidar com eles e que a tratam bem e ela é feliz, passeia também (…)
O que diz a …? Há não se importa ela gosta de vir (…)
Familiar 4 (F4)
É uma pergunta muito difícil, não é fácil responder! Eu queria para o ... porque já se sabe que ele não
tem capacidade para se orientar.
que alguém se responsabilizasse por ele, mas queria que alguém tomasse conta dele até aos últimos anos
dele, que ele fosse uma pessoa cuidada por alguém e estimado enquanto fosse vivo.
O ideal seria um lar onde pudéssemos estar os três (…)
Familiar 4 (F4)
Eu não lhe sei responder a essa pergunta em concreto (…) acho que não há nada mais que vá fazer o ...
melhorar as suas capacidades. Se quer que lhe diga nem sei bem que actividades o ... faz cá na
Associação, sei que faz umas coisas manuais mas o grande problema é a falta de trabalho. Mas penso
que é importante actividades que mantenham as suas capacidades.
Apêndice 13
Título: Análise de conteúdo das entrevistas realizadas aos profissionais
A Associação
Objectivos da Associação
Profissionais Objectivos da Associação
Os objectivos da instituição desde o seu início, é dar apoio à pessoa com deficiência. O
grande objectivo dos pais foi criar uma instituição que desse apoio aos seus filhos, esse é o
grande objectivo desta casa. Tem havido algumas modificações ao longo destes anos, com
as quais eu partilho, que é realmente nunca deixarmos de responsabilizar a família.
Promovemos também o aconselhamento às famílias sobre as tutorias e o futuro dos seus
Assistente Social filhos para em vida os pais poderem escolher quem é que se vai responsabilizar pelos seus
(P1) filhos após a sua morte. E já temos aqui algumas que de facto já deixaram algum familiar
como tutor e não estão a utilizar a instituição.
O objectivo é que sejam institucionalizados o menor número possível de pessoas.
(…) a instituição surgiu exactamente para dar essa resposta é após a morte dos pais
A Associação tem como objectivo geral o apoio e a integração da pessoa com deficiência
mental jovem e adulta depois temos objectivos mais específicos que assentam um pouco
naquilo que é o nosso programa baseado nas 8 dimensões da qualidade de vida de Robert
Psicólogo Shalock. Estas 8 dimensões de qualidade de vida tocam necessariamente os aspectos do
(P2) bem estar físico bem estar material o bem estar emocional os direitos, desenvolvimentos
pessoal e social a inclusão social, autonomia a autodeterminação são os alicerces que a
Associação trabalha no sentido de conseguir maior qualidade de vida para as pessoas que
estão nesta instituição que são os nossos utentes.
Auxiliar de Acção O objectivo da instituição é nunca aos deixar parar. Se eles ainda puderem nem que seja ir
Educativa ver a rua, ir à avenida porque não?
(P3)
Ajudante de Lar
(P4)
não gostei muito daquilo que fazia e optei por uma nova área
Uma área que para mim atraiu-me imenso (…) e nesse sentido gostaria de experimentar
ainda e deram-me essa oportunidade de experimentar, necessariamente tendo em vista
Psicólogo alguma empregabilidade nesta área.
(P2) As motivações foram numa certa parte a vontade de conhecer mais profundamente a área
da reabilitação porque só conhecia num contacto esporádico com pessoas com deficiência
mental numa segunda vertente foi também pensar na possibilidade de integração
profissional (…)
As motivações, eu vou ser muito sincera (…) trabalhava noutra área que não tinha nada a
ver, completamente diferente e na altura sinceramente vim porque não tinha trabalho mas
Auxiliar de Acção depois embrenhei-me de tal maneira durante o curso, as vivências e fui conhecendo e ao
Educativa nível do curso fomos fazendo visitas e alguns hoje clientes da Associação fizeram com que
(P3) nós os conhecêssemos e às famílias e fiz um estágio de um mês e portanto foi-me
cativando, primeiro vim porque não tinha emprego mas depois gostei comecei a interessar
por tudo o que diz respeito a estas pessoas e a viver cada vez mais esta realidade.
Porque eu tenho uma ex-cunhada que trabalha aqui e eu vinha cá muitas vezes às galas,
vinha cá buscá-la e portanto já tinha assim um certo contacto com os utentes, (…) pronto
Ajudante de Lar
com os mais profundos não porque não ia às salas, mas pronto já tinha uma ideia disto
(P4) mais ou menos e depois como fiquei desempregada surgiu a oportunidade de vir para aqui
e eu vim.
Auxiliar de Acção (…) podia ter ensinado e ensinei mas também aprendi muito! O que é muito gratificante,
Educativa eu nunca pensei a priori quando vim trabalhar com esta população que eles me iam ensinar
(P3) alguma coisa, antes pelo contrário.
criam-se amizades a sério entre eles e entre nós e eles coisas que nós já não conseguimos
dizer pronto ali ficou o emprego e agora vamos para casa, ninguém consegue pelo menos
eu não consigo dissociar a minha vida em relação a esta população.
Ajudante de Lar Há sempre uma grande ligação entre nós da nossa parte para com eles e eles para
(P4) connosco.
Ajudante de Lar “tratar da higiene da alimentação, do bem-estar deles aqui na residência. É dar os banhos,
(P4) dar-lhes o jantar tratar das roupas, deitá-los levantá-los e pronto”
Ética e os Profissionais
Valores Éticos dos profissionais
Profissionais Valores Éticos dos profissionais
É fazer com que e isto tem sido uma luta que temos levado a cabo há alguns anos que é
fazer com que a generalidade dos trabalhadores os respeitem.
Temos um código de ética que vai pelo respeito pelos direitos e deveres e a partir daí
criámos um manual de utilização de CAO, manual de utilização também das moradias
É o respeito pelas pessoas com quem trabalho. Honestidade, sou sincera com as pessoas
digo o que tenho a dizer quando tenho a dizer, respeito as funções das pessoas, tanto
respeito uma pessoa que está no sector da limpeza como uma encarregada e também exijo
que me respeitem a mim. Em relação aos utentes, tenho muito carinho por eles e respeito-
os nas suas exigências e faço que junto da equipa exijo que exista esse respeito.
Um dos valores da Associação é que nós estamos aqui para lhes prestar um serviço, na
óptica do cliente, eles estão aqui, pagam para lhes prestarmos um serviço por isso temos
Assistente Social que lhes prestar um serviço com uma maior qualidade, temos que fazer avaliações do
(P1) serviço para melhorarmos as nossas respostas de outra maneira não vamos conseguir fazer
melhoramentos e modificações,
estou sempre muito atenta a este aspecto e se nós os tratarmos com o devido respeito
dentro das capacidades deles e com carinho e não devemos deixar que esta situação que
passe estes limites, porque elas aqui têm o trabalhos delas com estes utentes e não devem
estreitar muito as ligações, não deixar que deixe de ser profissional porque depois começa-
se a confundir tudo. Não quer dizer que não se sinta amizade, sente-se amizade sim!
Temos amizade temos mais simpatia por uns do que por outros porque todos nós somos
assim, mas temos que saber distinguir que estamos no nosso local de trabalho.
e exijo que elas os tratem com igualdade. Exijo que elas respeitem os “miúdos”, (risos)
isto de dizer miúdos é incorrecto mas de facto eles para nós são miúdos, se calhar é uma
forma mais carinhosa de os tratarmos.
Se for recorrer ao código deontológico da psicologia que ele existe, mas nós próprios aqui
na Associação temos um código ético e nesse código também temos identificado os
valores que devem nortear as acções dos profissionais da Associação.
Necessariamente quais é que são os valores que me parecem serem importantes quando
estamos a trabalhar com esta população e enquanto profissionais? O valor da igualdade
(…) a todos os níveis igualdade de tratamento que é fundamental não diferenciarmos, o
Psicólogo
valor da dignidade da pessoa enquanto pessoa humana também me parece ser um valor
(P2) fundamental tratarmos como seres humanos toda e qualquer pessoa, sendo conscientes dos
direitos e deveres que lhes assistem também é importante. Um dos outros valores é o
respeito o valor do respeito que eu apoio muito porque também me parece muito
importante nesta área e outros valores que necessariamente eu podia aqui começar a
debitar mas parece-me que estes são os essenciais são os de base para que depois sejam
desenvolvidas actividades com um maior rigor ético possível.
Em termos técnicos uma pessoa com deficiência mental é uma pessoa que em termos do
funcionamento da inteligência tem um défice e isso traduz-se em termos de adaptação ao
meio. deverá pelo menos ter défice a nível de 2 competências adaptativas
Em termos daquele palavreado do dia a dia a mim parece-me que são pessoas que têm
limitações que essas limitações se traduzem numa dependência um pouco maior do que
aquelas pessoas ditas normais, que precisa de um apoio mais personalizado
Psicólogo
(Profissional 2) (…) existem vários níveis de deficiência mental nomeadamente ligeira moderada grave e
profunda, (…) as pessoas que têm deficiência ligeira têm um trabalho muito mais exigente
que tem um cariz de produção e produtividade, tem essa diferença. As pessoas que têm
deficiência moderada têm um trabalho ocupacional útil em que desenvolvem um conjunto
de actividades mas que não são um conjunto de actividades que são obrigados a produzir
com prazos com quantidades tudo isso, necessariamente tem que haver essas diferenças.
(…) acho uma população bastante calorosa, bastante afectuosa
É à partida uma pessoa com dificuldades, principalmente cognitivos, podem ser físicos
também mas as mais associadas são as dificuldades cognitivas, que podem ter vários
graus, temos os profundos os moderados e os ligeiros
(…) os mais profundos que são aqueles que nem sequer conseguem reagir a estímulos
(…)os moderados que é a maioria de CAO e temos aqueles que são mais ligeiros ao nível
do CEP
Todos eles têm mais problemas cognitivos que é quanto a mim o que define a deficiência
Auxiliar de Acção
mental.
Educativa
(Profissional 3) Eles também têm potencialidades, eles sabem que têm deveres e direitos, sabem
perfeitamente que têm o dever de ser e trabalhar para o futuro e programar e fazer o seu
projecto de vida e pensar e exigir que sejam dadas todas as condições, eles têm essa noção
não são muitos os que têm mas alguns têm essa noção.
As características positivas, posso dizer-lhe tanta coisa, são pessoas sensíveis, amigos,
muito verdadeiros, são extremamente verdadeiros se gostam gostam se não gostam dizem
logo que não gostam não são hipócritas e são trabalhadores, são responsáveis coisa que às
vezes as pessoas não acreditam, quando falamos às vezes lá fora
É uma pessoa com menos capacidades que precisa de mais auxílio (…) praticamente em
todas as suas funções, porque até mesmo aqueles que nós consideramos autónomos são
Ajudante de Lar
autónomos até um certo ponto, podem ser autónomos no comer no vestir no calçar no
(Profissional 4) andarem aqui até apanharem transportes mas têm que ter sempre um acompanhamento
porque a cabeça deles há-de ter sempre uma falhazinha.
A problemática do Envelhecimento
(…) a mim parece-me que em termos de evolução de uma pessoa dita normal e de uma
pessoa com deficiência mental o processo de envelhecimento parece-me ser bastante
similar exceptuando casos como o Syndrome de Down, o Syndrome de Ruben Stain ou o
Syndrome de Williams
(…) obviamente que o processo de envelhecimento a nível físico é mais acentuado do que
em termos intelectuais
(…) depois não podemos generalizar o tipo de casos que aqui temos
(…) mas uma … que já caminha para os 50 anos, comparando com uma pessoa dita
normal, eles têm um conjunto de actividades que uma pessoa dita normal não tinha,
porque esta instituição possibilita-lhes uma mais fácil preparação do futuro e do
envelhecimento, procura através de um conjunto de actividades físicas pelo menos
Psicólogo
prepará-los para isso, para esse processo de envelhecimento pelo menos para que esse
(P2) processo de envelhecimento se atenue o máximo possível em termos de perda de
capacidade física naturalmente
(…) se traduz em termos de menor autonomia ao nível da própria locomoção e em termos
da própria medicação e têm dificuldades ao nível do apoio.
Potencialidades: o factor idade lhes permite ter uma maior experiência a todos os níveis
(…) reflecte-se mesmo em termos comportamentais há pessoas que pelo facto de terem 45
/ 50 anos procuram dar conselhos, aconselhar e serem os paizinhos e as mãezinhas dos
colegas mais novas e isso até nos ajuda.
(…) teoricamente deviam ser pessoas que em termos de gestão e controlo emocional
deviam ter mais capacidade mas o acto de serem pessoas com algumas limitações não têm
capacidade para gerir as emoções tão facilmente.
(…) eu inclusive tenho na minha sala a mulher mais velha da instituição com 54 anos.
Claro que agente nota, às vezes não queremos mas, dizemos ela ainda consegue, está
Auxiliar de Acção óptima mas nós vamos notando que todas as aprendizagens que eles fizeram ao longo
Educativa destes anos que tiveram que aprender desde o ABC, já se nota que chegaram ali e quase
(P3) que estagnaram,
(…) ou somos nós com os nossos olhos que não queremos ver ou não sei, mas acho que
ainda não se nota muito (…) pronto já faz as coisas mais devagar
(…) claro que vão para a educação física e vem a professora e diz: ai Bé fulano já não está
já tem… Claro nós também temos que ver que alguns já têm 50 e tal anos, pois está bem
mas nós vemo-los sempre jovens, alguns já se nota pronto já têm, a da minha sala diz: ai
já estou velha e cansada, pronto já há este tipo de respostas.
(…) outra que diz: já estou cansada estou a precisar de ir para a reforma, como ouvem
falar tanto da reforma eles dizem-me isso tudo: então já viu a nossa idade estamos na
idade da reforma, você também se vai reformar e nós também queremos, alguns têm essa
noção!
(…) já se vai notando diferenças é lógico que se notam algumas diferenças, mas
continuam a trabalhar e a fazer tudo o que faziam até aqui
(…) Pronto eles envelhecem mais cedo do que os ditos normais, eu acho que haverá
alguns que sim os outros não
(…) eu aqui há uns anos tinha a noção de que eles morriam novos, mas hoje chegamos à
conclusão que não os pais estão todos a morrer, concluo que eles terão a quase a mesma
vida quase que nós temos,
Eu noto já algumas diferenças (…) porque eles vão perdendo certas capacidades, vão
andando para trás ou seja tudo aquilo que as minhas colegas que já cá estavam lhes
ensinaram e eles tinham aprendido que agora começam a andar para traz.
(…) vão perdendo algumas capacidades ou seja a autonomia, aquilo que eles aprenderam
não quer dizer que tenham desaprendido mas já tem mais dificuldade em pôr em prática
aquilo que aprenderam e não precisam de ser muito velhos, porque isto é uma população
que eu acho, na minha opinião e por aquilo que tenho visto aqui que envelhece mais cedo
do que uma pessoa dita normal, digamos assim.
Ajudante de Lar (…) todas as coisas que eles aprenderam e que até tinham uma certa potencialidade para
(P4) fazer, com a idade vão desaprendendo, porque à coisas que eles faziam bem e agora por
exemplo já não fazem
As características positivas é que já têm muito mais experiência a tudo, (…) já sabem mais
como é que isto funciona, já têm a noção da avaliação, já sabem às vezes controlar-se mais
(…) estamos a falar dos autónomos (…) aqui nesta moradia (…) sentem-se assim às vezes
que sabem mais um bocadinho até que os outros não é, e então metem-se com aqueles que
não sabem fazer é assim o tipo de situações que surgem aqui.
(…) eles envelhecem devido às medicações e todos os problemas que levam a envelhecer
mais precocemente
vida procuramos olhar um pouco para essas questões do envelhecimento e ver que
respostas ele necessitará no futuro a médio e a longo prazo e precavermos e delinearmos
um projecto de vida consoante as necessidades que iram ter daqui por cinco dez anos nós
temos sempre esse cuidado.
Eu acho que as necessidades das pessoas mais velhas na área da deficiência mental, são
muito similares a uma pessoas dita normal,
(…) teremos que trabalhar acima de tudo o máximo a estimulação, estimulação a todos os
níveis, procurarmos que eles não entrem num conformismo numa acomodação (…)
trabalharmos também fundamentalmente a nível da própria integração social e obviamente
prepará-los para um futuro
(…) são duas ideias essenciais a integração, o preparar o futuro deles enquanto pessoa
mais envelhecidas na questão da tutoria e depois uma preocupação essencial ao nível do
bem estar físico necessariamente é uma preocupação que todos nós iremos ter na nossa
vida e que eles também deverão ter.
Auxiliar de Acção As necessidades que qualquer pessoa tem quando deixa de trabalhar e que deixa de fazer
Educativa as coisas que fazia. Apoio a todos os níveis, igual ao que os ditos normais vão precisar
(P3) quando chegam à velhice, isto pode ter a certeza!
Penso que eles também deviam estar mais um bocadinho no seu, estarem mais recatados,
terem o seu canto também para poderem descansar mais um bocadinho, eles coitados já
Ajudante de Lar dizem “ai estou tão cansado hoje”,
(P4)
(…) na maior parte deles daqui a uns anos não têm família, tirando aqueles que não têm
irmãos e que muitas vezes os irmãos não são as pessoas que mais os acompanham.
Auxiliar de
Acção Educativa
(P3)
(…) nós também temos que ver o lado da família que têm os seus filhos e a sua vida e é
um bocado complicado porque é o que eu digo eles há dias que agente é quase só para um,
porque requerem muita atenção basta qualquer desequilibro que tenham e é um bocado
difícil para a família no dia a dia do corre corre terem essa disponibilidade toda para com
eles
Ajudante de Lar
(P4) (…) cada vez mais os utentes ficam cá portanto aqueles que até há um tempo era raro
ficarem cá ao fim de semana, os pais cada vez vão tendo mais, precisam cada vez mais de
terem um bocadinho de descanso, porque já são muitos anos, por exemplo há aqui utentes
que já têm 50 e tal anos e não são os filhos mais velhos portanto logo ai os pais já terão
uma idade muito avançada.
termos dos tutores nessa família no âmbito familiar e se não houver procuramos outro tipo
de respostas que não seria desejável que passa-se pela instituição e que fosse a instituição a
tutora dessa pessoa, devemos sempre ver se há alguém mais independente e externa à
instituição para que pessoa mais rapidamente fazer uma avaliação independente.
(…) baseando-nos na boa experiência já existente em Espanha relativamente às delegações
tutelares, procurarmos uma resposta através de tutores voluntários para aqueles que não
tenham nenhuma resposta ao nível familiar, nenhum suporte familiar, iremos procurar que
tutores voluntários façam um trabalho a esse nível.
(…) respostas que procuram acima de tudo dar o maior bem estar e qualidade de vida possível a
estas pessoas.
(…) outra preocupação são os pais destas pessoas (…) para isso estamos a pensar fazer aqui um
lar, aqui mesmo próximo aqui ao lado no sentido de termos como prioridade os próprios pais para
que eles estejam mais próximos possíveis e que não haja uma perda de laços. Neste sentido
iremos tentar priorizar os pais dos nossos utentes e procurar que não se perca a ligação
(…) iremos reforçar os cuidados de enfermagem, em termos de saúde obviamente que não iremos
poder manter as respostas de saúde que temos presentemente, porque agora temos uma ida ao
médico penso que duas vezes por ano e análises também duas três vezes por ano e uma das coisas
que nós já identificámos como sendo algo importante e a rever é as questões do apoio médico e
de enfermagem, necessitamos de ter um apoio mais presente para eles e por isso iremos procurar
melhorar em termos das próprias acessibilidades das nossas residências, porque temos apenas 6 /
7 quartos no rés-do-chão, já temos 3 / 4 cadeiras de rodas mais umas ou outras dificuldades que
surjam no futuro ao nível da mobilidade, necessariamente também temos que rever as nossas
condições em termos das acessibilidades quer seja através da implementação de um elevador que
eu acho que seria o ideal.
(…) se calhar Lar não seria nome indicado, mas sim uma nova valência (…) não estou a vê-los a
vir para um CAO, mas se calhar uma valência porque não misturá-los durante o dia enquanto
puderem junto com os mais jovens que fossem entrar para o CAO e não estivessem segregados,
novos para um lado velhos para outro.
Criar uma valência que sim senhor mas com actividades dentro das possibilidades de cada um
(…) com as suas dificuldades físicas que é o que os vai deitar abaixo muito mais cedo, é o que
vai fazer com que deixem de estar activos, vai de certeza fazê-los parar mais cedo
Auxiliar de Criar uma estrutura é o que eu digo ou a instituição ou o Estado tem que criar estruturas
Acção Educativa precisamente para as pessoas de idade com deficiência que não há, nós aqui também não temos
(P3) porquê porque ainda não temos essa população mas que se pensa nisso pensa e a direcção e nós
muitas vezes também pensamos.
Não vamos fazer igual aos lares da 3.ª idade! Não queremos abrir um lar de 3.ª idade aqui dentro,
claro que um dia vai acontecer, mas entretanto…
Têm que ser criadas condições, como se criaram para os ditos normais, porque vão ter as mesmas
necessidades e os mesmos direitos que qualquer pessoa tem. E eles mais cedo, porque
fisicamente é mais cedo do que nós.
(…) a melhor resposta era fazer género de uma divisão tipo lar (…) porque já todos tinham as
mesmas actividades dentro das capacidades deles porque eram todos mais ou mesmos da mesma
idade (…) e depois haver actividades mais apropriadas, não é ficarem parados, mas terem uma
vida um bocadinho mais calma
Ajudante de Lar
(P4) (…) um sitio assim sem haver à mesma o corte com a família como agora existe não é fins de
semana virem buscá-los, levar virem visitar porque há pais que quando os filhos ficam cá de fim
de semana vêm cá à mesma passar um bocado com eles, mas aqui é diferente estão com ele
aquele bocado mas depois também têm o seu bocado para descansar.
Uma das filosofias que nós temos e que me parece que iremos manter é procurar que não haja
uma diferenciação de tratamento entre as pessoas com diferentes idades, ou seja diferenciar as
pessoas com sei lá 40 / 45 anos das pessoas com 18 anos.
Até é desejável que haja numa mesma sala pessoas com diferentes faixas etárias no sentido de
que haja uma estimulação mútua e uma aprendizagem contínua por parte de todos esses
elementos.
(…) nós iremos procurar acima de tudo manter as actividades que são desenvolvidas por todos
eles e obviamente termos o cuidado obviamente através de indicações médicas através da própria
família de prepararmos as pessoas um pouco mais envelhecidas
Nós iremos procurar acima de tudo é que estas pessoas com um pouco mais de idade
desenvolvam um conjunto de actividades no sentido de procurarmos que estejam mais aptas
Psicólogo possível ao nível físico, fazer mais fisioterapia procuramos que eles façam um pouco mais de
(P2) remo de natação, jacuzzi ginástica, interessa fazerem trabalhos mais de cariz físico no sentido de
os prepararmos pelo menos que o bem estar físico seja um bem mais e maior possível
Nós iremos procurar o máximo possível não ter pessoas envelhecidas estagnadas, sentadas à
espera que o dia passe (…)
(…) iremos procurar que eles não entrem num conformismo num comodismo, mas procurar
desenvolver um conjunto de actividades, manter o máximo possível as actividades que estamos a
desenvolver e adaptá-las mas nunca parar com nenhuma actividade, porque parar é morrer e
porque para eles também não é desejável que fiquem parados,
(…) todas as actividades que fazemos presentemente iremos tentar manter, no sentido de
melhorar e dar a maior qualidade de vida possível, logicamente que também temos que ter em
atenção a auto determinação de cada um deles o direito de poder escolher e se eles não se
sentirem capazes de fazer ginástica naturalmente que deve ser respeitado.
(…) enquanto eles conseguirem nós vamos tentar sempre que eles não parem…
(…) enquanto puderem vão sempre trabalhar e nós estamos cá precisamente para não os deixar
parar.
(…) acho que enquanto eles puderem e tiverem capacidades nem que sejam as mínimas
Auxiliar de capacidades faziam 50 peças agora fazem 20 ou 10, corriam um ginásio inteiro correm metade do
ginásio, mas correm ainda trabalham ainda levantam-se todos os dias a dizer que vêm para o
Acção Educativa trabalho é que eles não vêm para a escola, vêm para o trabalho eles sabem que são adultos
(P3) trabalhadores, uns dizem-se electricistas outros dizem-se sei lá, eles sabem que vêem para o
trabalho não vêm para a escola nem vêm para brincar, por isso é que isto ainda os move, eles têm
capacidade de ver que já não são crianças. Nós temos que manter isto até o mais tarde possível,
mesmo aqui dentro da Associação há uns poucos que já não trabalham, pronto mesmo esses que
já não conseguem vir a pé tem que haver uma cadeirinha de rodas e têm que vir a andar vamos
supor… temos que manter a actividade deles.
Ajudante de Lar (…) para mim eles têm todas estas actividades mas eu acho que às vezes já se torna um pouco
(P4) cansativo tanta actividade em relação a outros mais jovens, não é?
Apêndice 14
Título: Análise de conteúdo das entrevistas realizadas às pessoas portadoras de
Deficiência Mental
A minha identidade
Utente A minha identidade
Eu tenho que falar tenho que desabafar tenho que pôr a conversa em dia! Nós os deficientes temos que
nos apresentar tal e qual como nós somos, nós temos que mostrar ao mundo o que somos e o que é que
estamos aqui a fazer neste mundo! Porque muitas pessoas não nos conhecem porque têm medo de nós,
têm medo que agente seja tímidos e não é assim! Nós temos que dizer tudo o que vai dentro da alma
tudo o que vai dentro do nosso coração, o que é que está mal e o que é que está certo e o que é que está
errado, agente tem que dizer que agente existe! Nós temos que dizer o que é que agente está cá a fazer,
temos que dizer o que é que agente faz!
Eu: É verdade!
Utente 1: Mas não há ninguém que nos mande falar!
Eu: Hoje podes falar! Em vez de irmos falar em grupo, hoje em vez de falarmos no global vamos falar
um bocadinho sobre ti, queres começar por onde?
Utente 1: Evidentemente, então cada caso é um caso!
Eu: Exactamente …! Então fala-me lá um bocadinho sobre ti?
Utente 1: Quer que eu conte o quê?
Eu: O que tu quiseres!
Utente 1: Eu não sei do meu nascimento e a minha mãe nunca me contou!
Eu: E se eu te pergunta-se assim: quem és tu? O que é que tu me dizias?
Utente 1: Eu sou uma jóia de pessoa, ai sou sou!
Eu: E mais!
Utente 1: E não há outra como eu, não há não! Ai isso não há! (momento de silêncio) Estou quase
com 50 anos e já andei em vários colégios não é brincadeira nenhuma. Gosto muito dos meus
colegas…
Eu: Faz de conta que nós não nos conhecemos, nunca nos vimos, e tu tinhas que te apresentar e falar
um pouco sobre ti. Imagina que eu não sei nada sobre ti!
Utente 1: Risos
Eu: Então? Não eras capaz de me dizer nada? Ou eu tenho que desligar o gravador!
Utente 1 Utente 1: Não não é preciso. Eu fiz a minha 4.ª classe tinha 15 anos!
Eu: Sim! E sabes porquê?
Utente 1: Porque não podia fazer mais cedo. Andei três anos na segunda classe. Mas na quarta classe,
Meus Deus, tomara muitos fazer uma quarta classe como eu fiz.
Eu: Tiveste boas notas foi?
Utente 1: Fiz na escola 1 no campo de Santana é ao pé do jardim filha! Como quem vai para o
hospital dos capuchos, foi ai é que eu fiz a minha quarta classe!
Eu: E mais sobre ti?
Utente 1: Escovo sempre os dentes antes de deitar e levei a vacina a BCG lembro-me perfeitamente
da picada no braço e deram-me um torrão de açúcar.
Eu: Então chamas-te …! E tens quantos anos?
Utente 1: Eu, eu tenho 48, mas foram feitos este mês os meus 48 aninhos!
Eu: Onde vives?
Utente 1: Moro na Avenida de Angola n.º 67, 5.º esquerdo, é no Marquês de Pombal, moro em frente
do Banco Santander.
Eu: E sempre viveste aí?
Utente 1: Morei 15 anos ao pé do hospital de Santa Marta.
Eu: E mais!
Utente 1: Silêncio
Eu: Eu sei que moraste nas Caldas da Rainha, é verdade?
Utente 1: Sim até aos seis anos. Então a minha mãe não lhe disse!
Eu: Já nem me lembro o que é que a tua mãe me disse, tenho falado com tanta gente! Mas eu quero é
que tu me digas, pode ser?
Utente 1: Eu também morei em Leiria, mas eu não me lembro bem. Morei em Turquel.
Eu: Já moraste em muitos sítios!
Utente 1: Ai pá morei em todos esses sítios, Meu Deus, mas eu só penso quando é que eu vou voltar
lá.
Eu: E porquê?
Utente 1: Porque foi os melhores anos da minha vida. Porque tinha mais calma e não andava nesta
adrenalina como ando aqui dentro da instituição, filha. Ai não andava não, pois não, isto aqui é uma
canseira da vida (risos). Fale com a Dr.ª Gabriela e fale com o Dr. Martins que ele logo lhe diz ou com
o Dr. Ricardo, isto aqui é assim mulher, isto é um lixo que não presta para nada.
Eu: Não presta porquê?
Utente 1: Isto de viver dentro da cidade é como um viver em constante ... não presta, porquê! Não
presta filha não presta viver dentro da cidade. Então não vê...
Eu: Fala-me sobre ti? Quem é que tu pensas que és?
Utente 2: Eu sou o …, sou um rapaz com 49 anos, vou para os 50, sou um rapaz com uma certa, como
é que hei-de dizer, com uma certa vontade de falar com as pessoas, consigo por exemplo, porque eu é
a primeira vez que estou a fazer uma entrevista consigo. E acho que é giro as pessoas estarem a
conversar umas com as outras para as pessoas se entenderem uma com a outra, para falar sobre aquilo
que quiser falar sobre aquilo que quiser dizer, sobre aquilo que gosta de falar.
Eu: E mais, fala-me mais sobre ti.
Utente 2: Sou do signo escorpião, nasci em Novembro de 1957 no dia de Todos os Santos. Tenho dois
Utente 2
irmãos um irmão divorciado e uma irmã casada. O meu irmão tem um filho e eu sou tio do filho dele,
gosto muito dele é muito simpático, ele é meu sobrinho já há uma data de anos, quis ser tio dele, eu
sou tio dele, por isso é que eu me ofereci para ser tio dele. Eu disse à minha mãe que eu queria ser tio
dele e a minha mãe disse que eu podia ser tio dele.
Eu: E mais coisas sobre ti?
Utente 2: Tenho diabetes como sabe, é apareceu-me já há uns anos eu não estava à espera que isto me
aparece-se mas depois é que me apareceu. Foi horrível, nunca pensei vir a ter diabetes nunca pensei
nisso, uma situação que eu não estava à espera que acontece-se.
Eu: Quem é que tu pensas que és?
Utente 3: Quem eu sou?
Eu: Sim, quem és tu? Fala-me sobre ti?
Utente 3: Eu sou uma menina que tenho 50 anos, vou fazer 51 para a semana.
(…)
Eu: Então e conta-me lá mais coisas sobre ti, já conheço a tua família e mais… apresenta-te…
Utente 3: Haaaaa!!!
Eu: Tens dificuldade em falar sobre ti?
Utente 3: ééé
Utente 3 Eu: Podes dizer-me o que tu quiseres, imagina que eu sou tua amiga e nós nos encontrávamos na rua,
o que é que me contavas sobre ti?
Utente 3: Eu quando estava em Angola, uma vez fui para a escola que era lá ao pé de casa e fui
atropelada foi um tio meu que estava lá a trabalhar e que foi comigo para o hospital, levei pontos aqui
quer ver (levantou a calça para me mostrar a cicatriz)
Eu: Mas não me tinhas contado que tinhas vivido em Angola! Perguntei-te se sempre viveste em Mira
Tejo e tu disseste me que sim, explica lá isso melhor?
Utente 3: Não, vim lá de Angola
Eu: E vieste de Angola com quantos anos, sabes?
Utente 3: Com, com, 20 anos, vim fazer cá os 20
Eu: Fala-me um pouco sobre ti? Quem é que tu pensas que és? Quem és tu? Como é que tu achas que
Utente 4 és?
Utente 4: Eu sou um rapaz jovem e bom rapaz. Tenho 48 anos, 49,
Eu e a minha família
Utente Eu e a minha família
Eu: Vamos falar um pouco sobre a tua família, tens irmãos?
Utente 1: Tenho um, tenho e tenho uma cunhada que é do Seixal e as minhas sobrinhas. Uma das
minhas sobrinhas fez hoje oito dias que fez 11 anos. E um Pedro Miguel que tem uma cadelinha lá.
Eu: E tu gostas deles?
Utente 1: Gosto à minha maneira. Eles já têm a vida deles.
Utente 1 Eu: Com quem vives?
Utente 1: Vivo com a minha mãe e mais os hóspedes que estão lá em casa.
Eu: E o teu pai?
Utente 1: Então o meu pai! O meu pai morreu há quatro anos! Mulher não me fales do meu pai! Não
quero falar do meu pai criatura.
Eu: Tudo bem … se não queres falar do teu pai não falamos.
Utente 1: O meu pai morreu há quatro anos com um AVC de ataque e morreu no hospital do Desterro,
vai fazer 5 anos para o ano que ele vive no cemitério de Benfica! O meu pai chamava-se Mário dos
Santos Marques e a minha mãe chama-se Florinda. Eu nasci em Leiria e o meu irmão nasceu na
maternidade Alfredo da Costa e a mulher do meu irmão nasceu em Almada.
Eu: O teu irmão é mais novo ou mais velho do que tu?
Utente 1: É mais novo do que eu. Eu sou a mais velhinha! Quando ele nasceu tinha eu 6 anos e meio
quase 7 anos. Era muito crescidinha.
Eu: Sabes quantos anos tem a tua mãe?
Utente 1: Tem 72 vai fazer 73 dia 1 de Janeiro assinala o novo ano.
Eu: Com quem vives?
Utente 2: Com os meus pais. Os meus irmãos já estão um para cada lado, a minha irmã vive ali ao pé
de Santa Marta, a minha irmã trabalha em São José e o meu cunhado trabalha em Santa Marta. E ainda
tenho os meus primos a minha madrinha ainda, tenho a minha avó tenho mais primos.
Utente 2 (…)
gosto dos meus pais, gostos dos meus irmãos, gosto do meu sobrinho, gosto da minha família toda.
Gosto daquelas pessoas que me amam e que gostam de mim (…) Também tenho os meus primos,
tenho as minhas primas e todas estas coisas, eu sou assim, tenho os meus pais a minha avó os meus
irmãos...
Eu: Então se tens sobrinhas, significa que tens irmãos! Quantos irmãos tens?
Utente 3: Cinco, tenho cinco irmãos.
Eu: Fala-me lá um bocadinho sobre eles.
Utente 3: O mais velho está em Macau, depois sou eu depois é o meu irmão Carlitos depois é o meu
irmão Tó e depois é a minha irmã. Três rapazes e duas raparigas, ainda estão todos vivos.
Utente 3 Eu: Olha e neste momento vives com quem?
Utente 3: Com a mãe.
Eu: Só com a tua mãe?
Utente 3: Só. Às vezes o meu irmão também vai lá
Eu: E sabes quantos anos têm os teus pais?
Utente 3: O meu pai tinha 70 a minha mãe tem agora 70, tinha 69 e fez agora 70 a minha mãe.
Eu: Antes de falarmos do Elo, vamos falar só mais um bocadinho sobre ti. Com quem é que tu vives?
Utente 4: Com o meu pai e com a minha mãe.
Eu: E aonde é que vives?
Utente 4: Vivo aqui nos Olivais.
Eu: Sempre viveste nos Olivais?
Utente 4: Sim senhor. Nasci na Amadora mas vim viver para os Olivais.
Eu: E irmãos, tens irmãos?
Utente 4: Tenho só um.
Eu: Mais velhos, mais novos?
Utente 4 Utente 4: O mais velho já faleceu!
Eu: Há muitos anos?
Utente 4: Não foi assim há muitos anos! 1 de Janeiro. Era o mais velho. E ainda tenho um irmão mais
novo. Eu sou o do meio. O meu irmão mais novo se eu lhe pedir um livro ele não se nega.
Eu: Dás-te bem com o teu irmão mais novo?
Utente 4: Dou!
Eu: E os teus pais, sabes quantos anos têm?
Utente 4: O meu pai tem 79, não, agora a minha mãe faz no dia 26 de Julho 77, é isso.
Eu: Então o teu pai tem 79 e a tua mãe talvez 77…é assim?
A Associação
Entrada na Associação
Razão pelo qual estão na Associação
Satisfação por estarem na Associação
Utentes
Utente 1 Eu: Lembras-te quantos anos tinhas quando vieste para a Associação?
Utente 3: Era
Eu: Bem me parecia (risos)
(…)
Eu: E sabes porque é que estás na Associação? Pensa lá um bocadinho! Eu acho que tu
sabes!
Utente 3: Sei!
Eu: Então será porquê?
Utente 3: Porque a minha mãe já está com muita…
Eu: O que é que tem a tua mãe! Já tem muita idade é isso!
Utente 3: Já!
Eu: E mais?
Utente 3: E já não me pode aturar!
(…)
Eu: E na Associação, gostas de estar na Associação?
Utente 3: Eu adoro, gosto mais de estar na Associação do que em casa. Em casa aborrece-me,
não tenho colegas lá nem nada, aborrece-me.
Eu: E conta-me mais coisas sobre ti?
Utente 4: Eu vim para aqui em 93.
Eu: E lembras-te quantos anos é que tinhas quando vieste para cá?
Utente 4: Haaaa! Isso pode perguntar à minha mãe.
Eu: Assim mais ou menos, já foi há muitos anos?
Utente 4
Utente 4: Não, não foi há muitos anos, que eu estou cá desde 93 portanto! Ai (suspirou) 93…
Eu: De 1993 até 2007 já passaram alguns anos, já cá estás há quantos anos?
Utente 4: Já cá estou há 14 anos
Eu: Exactamente.
Utente 4: 2 de Fevereiro é o dia que eu entrei aqui.
A problemática do Envelhecimento
Noção de idade
Utente Noção da idade
Eu: Então conta-me uma coisa. Tu desde que vieste para o Elo achas que estás mais nova ou
mais velha?
Utente 1: Então estou mais velhinha. Então pois estou, faço anos todos os anos e vou
crescendo mais depressa vou ficando mais velhinha.
(…)
Utente 1
Eu: Então vamos lá falar a sério. Olha para ti e para mim, quem é que tu achas que é mais
velho sou eu ou és tu?
Utente 1: Sou eu!
Eu: E porquê?
Utente 1: Porque eu nasci primeiro.
Eu: …, tu já estás há alguns anos na Associação, e agora achas que estás mais novo ou mais
velho?
Utente 2: Eu acho que ainda estou novo.
Eu: Achas que estás mais novo do que quando vieste para a Associação?
Utente 2: Acho! Acho que estou um bocadinho mais novo, mas a vida é a vida, aos 50 é que
eu não sei como é que vai ser porque já só falta um ano.
Utente 2
Eu: Então e tu achas que estás mais novo do que quando tinhas 20 anos?
Utente 2: Não sei, talvez, mas ainda não tinha cabelos brancos!
Eu: Então? E os cabelos brancos podem ser reflexo de quê?
Utente 2: Velhice.
Eu: Hum, então se calhar não estás mais novo!
Utente 2: Pois não, estou a ficar um bocadinho mais velho.
Eu: Olha lá Utente 3 e agora achas que estás mais nova ou mais velha desde que entraste
para a Associação?
Utente 3
Utente 3: Mais velha!
Eu: Então e porquê?
Envelhecimento
Utente Definição e sinais de envelhecimento
Eu: … eu gostava que tu reflictas sobre quando tu ficares bem velhinha! E vamos deixar o
assunto da morte para depois!
Utente 1: Está bem! Deus queira eu e a Vera!
Eu: Sim todos nós! Mas eu gostava que não estivesses a pensar só na morte, é lógico que
quando ficamos bem velhinhos podemos morrer, mas eu não queria que essa fosse a tua
preocupação enquanto estamos a conversar.
Utente 1: Esta é uma preocupação de todos nós! Ai agente não sabe! Há quem não queira ser
velhinha!
Eu: Tu não queres ser velhinha?
Utente 1: Não o José Vital, mulher! E a mãe queria levá-lo quando ela morresse! Veja lá se
ele não está cá para as curvas mulher! Queria levá-lo para o Lar de São Cristóvão, que é o céu
mulher! A mãe disse na reunião ao Dr. Martins que o queria levar para o lar de São Cristóvão e
ele ainda anda aí.
(…)
Eu: E o que é que significa ficares mais velhinha! Que diferenças é que tu tens notado?
Utente 1: Canseiras! Como diz a bíblia sagrada que a nossa vida dos 60 aos 80 anos e o que é
que diz lá? Quem é forte, é canseira e robustez!
Eu: E é isso que tu tens sentido?
Utente 1: Evidentemente eu e toda a gente!
Utente 1
Eu: Então mas vamos pensar só em ti? O que é que tu tens notado de diferente em ti?
Utente 1: Então é canseira.
Eu: E mais? No teu aspecto exterior?
Utente 1: No aspecto exterior está bem, o problema é as pernas, as minhas perninhas, é varizes
e as caimbras aqui na anca. E tenho alergias também, ao polén. Estas coisas dantes não tinha
nada disto! Quando agente vai para velha é que nos aparece isto tudo! É verdade!
Eu: E esses cabelos brancos? Já tens cabelos brancos desde os 18 anos?
Utente 1: Não! Mas a minha mãe começou a ter cabelos brancos aos 18 anos, filha! Foi ela
que mos pegou!
Eu: Óh … pensa lá bem no que me estás a dizer! Como é que a tua mãe te pegou os cabelos
brancos se quando ela tinha 18 anos tu ainda não eras nascida!
Utente 1: (risos) é que eu já nasci com cabelos brancos! (risos)
Eu: Ai que tu estás a enganar-me, tenho que ir pedir umas fotografias tuas!
Utente 1: (risos) eu estava a brincar consigo mulher!
Utente 1: È o que eu lhe disse, é isto (sussurrou) é esta vida rotineira, não é não gostar mas
quanto mais ando a correr mais me doem os ossos.
Eu: Então a grande diferença que tu tens notado é sentires-te cansada!
Utente 1: Sim! Olha as minhas olheiras! Isto não é normal, eu qualquer dia vou tirar isto. Eu
não durmo de noite, penso nisto na Associação, evidentemente.
Eu: Então conta-me lá porque é que estás mais velho?
Utente 2: Porque já estou a ficar com cabelos brancos e cada vez que fico com mais já começo
a dizer “já estou velho, já estou velho”
Utente 2
Eu: Quais foram as mudanças que sentiste nos últimos anos?
Utente 2: Só se possa ter havido uma pequena diferença, não sei, mas…não sinto essa
diferença, agora sinto é esticões no corpo, sinto assim um esticão como se fosse uma batida
forte. E no outro dia senti um esticão aqui no braço direito nunca me aconteceu estas coisas
estar aqui o braço e ele levantar sozinho. E os diabetes que é a coisa mais triste, não posso
comer assim tantos doces.
Eu: E olhando-te ao espelho, vês outras diferenças para além dos cabelos brancos? Olha
para ti e para mim, quem é que tu achas que é mais novo?
Utente 2: (risos e apontou para mim)
Eu: Risos, é verdade sou eu! E porque é que achas que eu sou mais nova?
Utente 2: Porque se eu sou mais velho a Dr.ª Vera é mais nova.
Eu: Mas o que é que te fez dizeres que eu sou mais nova?
Utente 2: Porque não tem os cabelos brancos.
Eu: E mais…
Utente 2: Não tem rugas, não tem nada.
Eu: E diz-me! O que é que tu achas que é uma pessoa velha?
Utente 2: Uma pessoa que já tem muita idade para se mexer porque lhe custa muito a andar, as
dores da terceira idade, esses por exemplo coitados já não se mexem quase nada, muitos que
andam com bengala outros com cadeirinhas de rodas há outros que andam também com
andarilhos e há ai muita gente com esses problemas eu até já tenho visto muita gente a cegar
por causa disso.
Eu: E as coisas positivas?
Utente 2: Pois também têm muitas coisas positivas, tem que ser mais destacadas também.
Eu: Costuma dizer-se que os mais velhos têm a sabedoria da vida! O que achas sobre isso?
Utente 2: Pois é os mais velhos têm a sabedoria da vida!
Eu: Achas que já aprendeste mais ao longo destes anos?
Utente 2: Hum, não, para mim é difícil eu raciocinar uma coisa com a outra, mas há outros
raciocínios que eu deveria ter e eu não entendo.
Eu: E que conversas são essas? Já conversaste com a tua mãe sobre o envelhecimento?
Utente 2: Não. Não
Eu: Mais idade e mais, o que é que tu tens mais?
Utente 3: Mais cabelos brancos e com menos juízo
(…)
Eu: Então porque é que dizes que eu sou mais nova, quais são as nossas diferenças?
Utente 3: A sua é porque não tem o cabelo branco e eu tenho. As rugas (risos)
Eu: E mais? Sempre usas-te óculos?
Utente 3: Não! Não via bem as letras e depois a médica é que disse, eu fui à médica e o
oculista disse, tu tens que usar óculos porque tu não vês bem! E não via as letras até as
letrinhas pequeninas do jornal não via.
Eu: E isso foi há muitos anos?
Utente 3: Não foi há pouco tempo, há uns meses
Eu: E Achas que essa falta de visão veio com a idade?
Utente 3: Sim, é!
Eu: E o que é que veio mais com a idade? Como é que tu te sentes?
Utente 3: Eu sinto-me bem, não tenho nada, estou para durar e tudo.
Eu: E então o que é para ti uma pessoa velha?
Utente 3 Utente 3: Uma pessoa velha! É ter cabelos brancos e e e e e andar de bengala e tudo
(…)
Eu: E mais Utente 3?
Utente 3: Eu dantes não usava óculos, só há pouco tempo é que comecei a usar.
(…)
olha é uma chatice, ficamos velhos e tudo, não havia de haver velhice!
Eu: Achas que sim! Achas que a velhice é má?
Utente 3: Éééé, não havia de haver velhice! possa! Eu detesto a velhice, eu detesto!
Eu: Mas porquê?
Utente 3: Porque começamos a sentirmo-nos velhos e tudo! E às vezes….
Eu: Utente 3 já começas a sentir-te velha?
Utente 3: Eu já!
Eu: O que é que sentes?
Utente 3: As pernas a falharem-me e tudo… e e e eu dantes ia sozinha para casa e agora é a
minha mãe que tem que me vir buscar, porque dei uma queda e fiquei com a cara toda
esmurrada…
Eu: E achas que isso tem a ver com a idade?
A família
Eu: Olha conta-me outra coisa, e a tua mãe achas que já está velha?
Utente 4: A minha mãe com a idade que ela tem! O que é que se espera!
Eu: Quais são as diferenças que tu tens notado neles há uns anos para cá?
Utente 4: Muita coisa, mas o que é que se há-de fazer, eu nem sei a metade!
Eu: Achas que a tua mãe faz as mesmas tarefas como dantes?
Utente 4: Faz!
Eu: E achas que ela se cansa mais ou menos?
Utente 4: Cansaço, não, nunca vi!
Eu: E ela tem alguma doença?
Utente 4: Hó tem bem poucas!
(…)
Eu: já pensaste que os teus pais um dia podem morrer antes de ti?
Utente 4: Hó! Eu também posso morrer antes deles, ninguém sabe.
Eu: Claro que não, ninguém sabe mas a lei natural da vida é que é suposto que os nossos pais
morram antes de nós.
Utente 4: Claro!
As suas vontades …
Utente As suas vontades …
Eu: Mas porquê não gostas de vir para a Associação?
Utente 1: Eu queria que fosse alternado, não vir sempre para a Associação!
Eu: Então conta-me lá como é que tu querias fazer isso?
Utente 1 Utente 1: (risos) Então queria casar com o …? Sabe quem é?
Eu: Claro que sei quem é o Daniel. E depois iam viver para onde?
Utente 1: Então para onde ele mora.
(…)
Eu: E depois nessa altura o que é que tu achas que era melhor para vocês os dois?
Utente 1: Eu sinceramente eu acho que era vivermos sozinhos, sem ninguém nos chatear! Viver
como o passarinho, filha.
Eu: Mas ainda há pouco me disseste que estavas na Associação porque precisavas de apoio.
Utente 1: Então mas eu falava com o chefe e o chefe arranjava alguém para me lá ir apoiar em
casa, está a perceber.
Eu: Então e depois estavas lá em casa sozinha sem fazer nada?
Utente 1: Eu! Tinha sempre que fazer em casa!
Eu: Então e ficavam lá os dois todo o dia…
Utente 1: Em casa arranja-se sempre que fazer, as pessoas como eu como você arranjamos
sempre que fazer.
(…)
Eu: Então deixa ver se eu te percebi! Estavas a dizer-me que gostavas de te casar. Utente 1:
Evidentemente!
Eu: Mas que precisavas de apoio da Associação por exemplo.
Utente 1: Pois evidentemente que preciso de alguém que me oriente, eu e todos! Não sou só eu,
são todos no geral mulher! Nós precisamos de ter alguém que nos oriente na vida. Porque se
agente não tiver isso nada conseguimos fazer nesta vida, é que é mesmo impossível que agente
faça alguma coisa desta vida!
(…)
Eu: É o que eu te estou a dizer. E quando a tua “mãe” não estiver por perto? Já pensaste sobre
isso? O que é que achas que vai acontecer?
Utente 1: Oh mulher vou viver com o …! Vou para casa dele.
Eu: E tu achas que eras capaz de viver sozinha com o …?
Utente 1: Evidentemente se tivesse alguém que me orientasse.
Eu: Mas vocês tinham que ter dinheiro como é que faziam isso?
Utente 1: Trabalhamos aqui na Associação enquanto pudéssemos. Eu ainda me falta uns aninhos
para me reformar é só aos 65.
Eu: E tu achas que o dinheiro que aqui ganham chega para todas as despesas?
Utente 1: Então vou à assembleia da república e exponho o meu caso!
Eu: E achas que eles te davam alguma coisa!
Utente 1: Que remédio têm eles, então eles têm dinheiro para os almoços e para os jantares e não
têm dinheiro para ajudar os deficientes porquê? Os deficientes não são mais importantes que os
almoços e os jantares! Os deficientes deviam vir em primeiro lugar, então! Tem que ser assim,
não devemos ser marginalizados eles têm que ajudar, então!
Eu: Então era isso que tu gostavas para o teu futuro!
Utente 1: Evidentemente! Punham um monitor a apoiar-nos, na nossa casa.
Eu: E na Associação, gostas de estar na Associação?
Utente 1: Eu já disse ao dr. Martins que queria ir viver sozinha, eu não tenho papas na língua.
Eu gosto, não hei-de gostar porquê! Só quando me chateiam é que eu não gosto!
(…)
Eu: Queres dizer-me mais alguma coisa?
Utente 1: Já lhe disse o que é que eu queria. Quem é que não anseia por uma vida melhor quem
é que não quer ter filhos. Mas agente temos que nos sentirmos bem com a nossa alma, porque
nós temos um futuro e temos que viver um dia de cada vez. Não sabemos o que é que o futuro
nos reserva.
Eu: E se não fosses viver com o Daniel? Que outra hipótese colocas?
Utente 1: Mas ele quer ir viver comigo!
Eu: E os pais dele o que é que dizem?
Utente 1: Os pais deles que falem com o chefe, com o Dr. Martins e a minha mãe procure o Dr.
Martins, isto deve ser discutido na reunião quando eles cá vierem que discutam isso na reunião,
agente não tem a culpa de cá estar neste mundo, meu amor! Nem eu nem ele! Então!
(…)
Eu: E se a Associação um dia tivesse uma resposta para poderes ficar cá?
Utente 1: Eu não quero cá ficar já disse ao Dr. ….
Eu: Tudo bem …, não sabes o que te vai acontecer, mas já pensaste o que é que queres para o
teu futuro? O que é que queres para ti? Nós estamos todos a ficar mais velhinhos e como tu me
Utente 2 disseste começamos a perder capacidades, menos força, menos memória… isto foi o que tu me
disseste não foi?
Utente 2: Foi
Eu: Então imagina que nós vamos chegar lá e que tu também vais chegar a velhinho!
Utente 2: Pois claro!
Eu: Então fala-me lá um bocadinho sobre isso. O que é tu queres para o teu futuro?
Utente 2: Para o meu futuro queria que, ter um futuro melhor um futuro bom um futuro
agradável
Eu: Onde é que tu gostavas de viver no futuro, na ausência da tua mãe e do teu pai?
Utente 2: Talvez numa casa lá fora. Aqui não gostava por exemplo. Ter pessoas que me dessem
uma ajuda.
Eu: Precisavas de alguém que te ajudasse?
Utente 2: Pois.
Eu: E achas que precisas de ajuda em quê?
Utente 2: Em várias coisas como arranjar-me como lavar-me como vestir-me, para me dar um
certo apoio.
Eu: Isso se calhar era um bocado difícil estares a viver sozinho lá fora e teres alguém sempre
para te ajudar!
Utente 2: Pois se calhar isso era um bocado difícil, depende daquele sítio onde as pessoas
possam vir a ter uma casa alugada por exemplo.
Eu: E gostavas de viver sozinho ou com mais alguém?
Utente 2: Com mais alguém!
Eu: Com quem?
Utente 2: Com colegas meus por exemplo
Eu: E se isso não fosse possível, tens consciência que essa opção é muito difícil para ti, não
tens?
Utente 2: Acenou que sim com a cabeça
Eu: Não havendo essa opção em que outro sitio e com quem é que gostavas de viver?
Utente 2: Pois podia ser difícil.
Eu: Imagina que tu tinhas que viver aqui na Associação, como é que gostavas de viver aqui?
Utente 2: Ai é que.
Eu: Gostavas de viver aqui na Associação?
Utente 2: Eu gostava, mas é muito é muita coisa muita gente e depois é uma confusão. Pronto é
isso.
Eu: Olha então vamos falar sobre outro assunto
Eu: A tua mãe disse-te que queria morrer! E quando a tua “mãe” não estiver por perto? Já
pensaste sobre isso? O que é que achas que vai acontecer?
Utente 3: Já! Eu já lhe disse, quando ela não estiver por perto sabe o que é que eu vou fazer?
Sabe onde é que eu vou ficar? Em casa do, do, do… pois vou para lá!
Eu: Então mas os pais do ... também já estão a ficar velhinhos, também podem não estar por
perto muito mais anos!
Utente 3: (risos) Agente entende-se, agente entende-se, eu e ele entendemo-nos, é!
Eu: Então e acham que não precisam de ajuda?
Utente 3: Não! Eu, eu não não preciso!
Eu: E gostavas de ir viver com ele e deixar Associação?
Utente 3: Eu gostava, aliás adorava ir viver com ele e deixar a Associação. Mas ele tem sempre
as as, aquelas coisas que ele tem e isso olha.
Eu: E tu sentias-te em segurança vivendo sozinha com ele?
Utente 3: Eu sentia!
Utente 3
Eu: Então e depois como é que vocês vivam, vocês não têm ordenado?
Utente 3: Agente trabalhávamos.
Eu: Ai era, ias trabalhar para onde?
Utente 3: A, lá para, para mulher-a-dias. Se ele não tivesse essas macacoas eu arranjava
trabalho, ai isso é que eu arranjava.
Eu: Vamos ver essa situação por outro lado, como essa hipótese é um pouco difícil de
acontecer, tu percebes porque é difícil não percebes Utente 3?
Utente 3: Pois, percebo!
Eu: Então vamos pensar na hipótese de tu não poderes ir viver com o ..., porque o ... também
vive com os pais dele e a hipótese da tua mãe já não estar cá estar longe, qual era outra
solução?
Utente 3: Ia viver para ao pé da minha irmã. Para a Suiça.
Eu: E tu já pensas-te no teu dia de amanhã?
Utente 3: Eu ia, se ela me paga-se a passagem eu ia. Deixava a Associação e ia para lá!
Que actividades…
Utente Actividades preventivas do envelhecimento
Eu: Gostas dos trabalhos que fazes?
Utente 1: Eu gosto de dobrar guardanapos. Gosto de todos os trabalhos.
Eu: Mas quais? É que eu não conheço todos os trabalhos que vocês fazem?
Utente 1: Ó filha, então faço fisioterapia, depois natação, só quando estou com o período
é que não posso fazer, faço ginástica, hipoterapia, hidroginástica, eu gosto de fazer estas
coisas.
Eu: E quais é que tu achas que são os mais importantes para ti?
Utente 1: São todas, não tenho nenhuma que eu não goste eu gosto de todas.
Eu: E imagina daqui a uns anos, gostavas de continuar a fazer o mesmo ou gostavas de
fazer outras coisas?
Utente 1
Utente 1: Não há! Então o Dr. Martins, vê-se e deseja-se para arranjar coisas e mais
coisinhas para os miúdos, não há, mesmo que quisessem não há. Isto está péssimo dona
Vera Bento.
Eu: Mas imagina que havia mais actividades, tu gostavas de fazer as mesmas ou gostavas
de fazer outras?
Utente 1: Eu gostava de fazer outras. Se houvesse, se não houvesse olha ficava na mesma.
Eu: E que actividades é que tu achas que te iam fazer bem?
Utente 1: Todas. Mas eu gostava de ter uma vida mais calma. E ter dinheiro para me
poder governar, quem é que não gostava! Mas a vida não dá para isso! È uma tristeza mas
é a realidade!
Eu: E dos trabalhos que tu cá fazes quais são os que tu gostas mais?
Utente 2: Hoje por exemplo tive que limpar a casa de banho.
Eu: Isso é porque estás cá esta semana na residência, e durante o dia, quando vais para o
CAO 3, gostas dos trabalhos que fazes?
Utente 2: Gosto.
Eu: E quais são os trabalhos que tu gostas mais, conta-me lá?
Utente 2: Hum, (riso forçado)
Eu: Não gostas muito de fazer aqueles trabalhos, é isso?
Utente 2: É aqueles é! É que é sempre a mesma coisa, são sempre as mesmas tarefas,
devíamos fazer outras, é sempre lavar as casas de banho, por a mesa levantar a mesa por
talheres tirar talheres, levantar os pratos e pôr os pratos, lavar a loiça limpar, e essas
coisas.
Eu: Sim, e no CAO?
Utente 2 Utente 2: Hoje nem sequer fui para lá de manhã, tive cá a passar a semana e depois hoje
tive à tarde na oficina.
Eu: E nos outros dias, há tantos anos que cá estás que já fizeste imensas actividades até
já me contaste ainda à bocado que tiveste na carpintaria, que tiveste a fazer de moço de
recados, não foi? De todas as actividades que tu tens feito cá no Elo, quais é que tu
gostas mais?
Utente 2: É o remo. As outras é sempre a mesma coisa. Gosto mais do remo.
Eu: Mas quais é que tu achas que são mais importantes para ti? Para tu te sentires bem?
Utente 2: É a ginástica também. Gosto do que estou a fazer aqui, levar o lixo, pôr os
pratos, faz-me bem para eu me sentir mais independente.
Eu: E sem ser aqui na moradia?
Utente 2: Lá fora também gosto do artesanato, gosto imenso porque o artesanato é bonito.
(…)
Eu: Daqui a uns anos, gostavas de continuar a fazer as mesmas actividades ou gostavas
de fazer outras coisas?
Eu: De tudo o que falámos aqui hoje neste bocadinho, achas que te sentes uma pessoa
feliz?
Utente 2: Sou, sinto-me feliz!
Utente 2
Eu: E quais são as coisas que te fazem feliz?
Utente 2: Se calhar é eu conversar com os meus colegas, estar com os meus irmãos os
meus pais o meu sobrinho.
Eu: Olha Utente 3, de tudo o que nós falámos aqui hoje e daquilo que falámos na sessão
de grupo anterior, tu és uma pessoa feliz?
Utente 3: Eu sou, eu sou!
Eu: Sim, sentes-te uma pessoa feliz?
Utente 3: Eu sinto-me!
Eu: E quais são as coisas que te fazem feliz?
Utente 3: A primeira coisa é ter saúde.
Utente 3
Eu: É! E mais?
Utente 3: E ser alegre. A minha avó que deus a tenha era tal e qual como eu, eu hei-de
trazer a fotografia da minha avó para a Vera ver.
Eu: Tu achas que és alegre?
Utente 3: Eu sou! Eu …. Não há mais uma pessoa mais alegre do que eu. Eu sou uma
pessoa tão alegre, tão alegre, ando sempre bem disposta, sempre. Sempre quando não me
chateiam, quando me chateiam chega-me a mostarda ao nariz e ninguém me atura.
Eu: De tudo o que falámos aqui hoje neste bocadinho, achas que te sentes uma pessoa
feliz?
Utente 4: Eu não posso ser feliz, uma pessoa feliz não posso ser nunca, porque o que eu
tenho é tão grave tão grave, o que eu tenho das hemorróidas e com estes ataques de
epilepsia, epilépticos, às vezes dá-me um, tremo tremo fico todo branco, não posso mais…
já me deu dois aqui.
Eu: Achas que é por isso que não és uma pessoa feliz?
Utente 4: Claro que não, eu não posso ser feliz!
Eu: Então mas também tens momentos bons em que não tens ataques, por exemplo hoje
estás a conversar muito bem comigo.
Utente 4
Utente 4: Pois mas! Isto, não sei…
Eu: E o que é que poderia fazer-te feliz?
Utente 4: Sei lá!
Eu: Eu acredito que tu sabes, pensa lá um bocadinho. Nunca te fizeram esta pergunta?
Utente 4: Não.
Eu: Então estou eu a perguntar-te, podes contar-me o que é que te faria feliz?
Utente 4: Eu dou-me bem na água morna, água tépida, água pela cabeça a baixo. Amanhã
pelas 7horas txuuuu (imitou o barulho como se estivesse a tomar banho).
Eu: E mais coisas…
Utente 4: Arranjar uma rapariga!