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Francisco Defanti
Mestrando em Direito da Regulação. Pós-Graduado em Direito Societário e Mercado de
Capitais pela FGV Direito Rio. Graduado em Direito pela UERJ. Advogado do Escritório
Binenbojm, Gama e Carvalho Britto Advocacia.
Resumo: Há uma constatação prática de que certas funções devem ser alocadas no âmbito da competência
privativa da Administração Pública em razão da carga técnica envolvida. É possível falar, nesse sentido,
em uma reserva de administração, o que afasta até mesmo a competência do Poder Legislativo para tratar
da matéria. A partir dessa lógica, considerando a atuação regulatória do Estado, defende-se a existência
de uma “reserva de regulação”, como uma espécie do gênero “reserva de administração”. A regulação
é uma função de intervenção estatal na economia que pressupõe uma multiplicidade de instrumentos e
que se volta a lidar com áreas econômicas de ampla complexidade. Por isso, a literatura atribui aos entes
reguladores, em especial às agências reguladoras, uma autonomia diferenciada como um pressuposto
necessário para a atuação técnica do regulador. Sustenta-se que é a tecnicidade que ampara a existência
de uma reserva de regulação, entendida como um espaço de conformação decisório exclusivo dos entes
regulatórios e que deve ser insulado, dentro do possível, de efeitos políticos externos. Evidentemente,
a separação entre técnica e política às vezes é tênue, mas é possível afirmar que, em regra, o modelo
institucional das agências reguladoras é potencialmente adequado a lidar de forma mais eficiente com os
problemas concretos verificados no dia a dia do setor regulado.
Palavras-chave: Reserva de administração. Separação de poderes. Princípio da legalidade. Regulação.
Agências reguladoras. Técnica. Reserva de regulação.
1 Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Ação Direta de Inconstitu
cionalidade (ADI) nº 5.501, concedeu a liminar requerida pela Associação Médica
Brasileira (AMB),1 para suspender os efeitos da Lei nº 13.269, de 13 de abril
1
Na petição inicial, a AMB ressalta que há todo um procedimento técnico para aprovação de novos medicamentos
no Brasil e que, no caso da fosfoetanolamina (“pílula do câncer”), ter-se-ia alcançado apenas a fase de testes
pré-clínicos de pesquisa, motivo pelo qual sua produção e uso não poderiam ser autorizados ainda pela
Anvisa, “sob pena de prejuízos irreparáveis à sociedade brasileira e aos direitos constitucionais da vida,
dignidade da pessoa humana, saúde e segurança” (p. 8 da petição inicial). A autora da ADI pauta-se na
inconstitucionalidade da norma por violação ao dever do Estado de promover o direito à saúde (artigos 6º e
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Constatou-se, nessa linha, que o controle dos medicamentos deve ser realizado
com base em um aparato técnico especializado, que, no caso em questão, é titularizado
196 da CRFB/1988), considerando que “a permissão de uso de um medicamento cuja toxidade ao organismo
humano é desconhecida, indubitavelmente caracteriza risco grave à vida e integridade física dos pacientes
[...]” (p. 11 da petição inicial).
2
A concessão da liminar, na extensão em que fora requerida pela autora da ação, foi concedida por maioria do
Plenário do STF. No caso, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que ficaram
vencidos, votaram no sentido de conceder a liminar para dar interpretação conforme a Constituição, com
intuito de liminar os efeitos da autorização legal apenas para casos comprovados de pacientes terminais.
3
A referida lei autoriza, observadas certas condições, a “produção, manufatura, importação, distribuição,
prescrição, dispensação, posse ou uso da fosfoetanolamina sintética, direcionados ao uso de que trata esta
Lei, independentemente de registro sanitário, em caráter excepcional, enquanto estiverem em curso estudos
clínicos acerca dessa substância” (art. 3º, caput).
4
Disponível em: <http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/03/anvisa-volta-criticar-projeto-de-lei-que-libera-
pilula-do-cancer>. Acesso em: 03 ago. 2016.
5
A concessão da liminar foi embasada em alguns argumentos, entre os quais o fato de que “na elaboração
do ato impugnado, o Congresso Nacional, ao permitir a distribuição de remédio sem o controle prévio de
viabilidade sanitária, não cumpriu com o dever constitucional de tutela da saúde da população”, assim
como que “o registro ou cadastro mostra-se condição para o monitoramento, pela Agência fiscalizadora, da
segurança, eficácia e qualidade terapêutica do produto” (p. 5 do voto do Relator). No caso, ressalta o voto do
Relator, ao desconsiderar a exigência do registro, o legislador teria deixado de lado o dever constitucional de
implementar políticas públicas voltadas à garantia da saúde da população.
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6
Nesse sentido, confira-se: CYRINO, André Rodrigues. O poder regulamentar autônomo do Presidente da
República: a espécie regulamentar criada pela EC nº 32/2001. Belo Horizonte: Fórum, 2005.
7
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...]
VI - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem
criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; [...]”.
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8
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Edição brasileira. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret,
2002.
9
O princípio da legalidade administrativa está previsto no caput do art. 37 da Constituição:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: [...]”.
10
Para os defensores da ideia de universalidade da lei, confira-se: MALBERG, Raymond Carré de. La ley,
expression de la voluntad general: estudio sobre el concepto de la ley en la Constitución de 1875. Madrid:
Marcial Pons, 2011.
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11
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 100.
12
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense,
1967. p. 16-17.
13
O mesmo conceito é adotado por Celso Antônio Bandeira de Mello. Confira-se: BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. O poder regulamentar ante o princípio da legalidade. Revista Trimestral de Direito Público, n. 4. p. 72,
1993.
14
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 247.
15
Embora o presente trabalho se utilize de um ideal pragmático, não se preocupou neste momento em apresentar
essa escola, nem justificar sua escolha. De todo modo, para uma melhor compreensão do pragmatismo e sua
aplicação na seara do Direito Administrativo, confira-se: BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação,
regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador.
Rio de Janeiro: Fórum, 2016; e MENDONÇA, José Vicente Santos de. Direito constitucional econômico: a
intervenção do Estado na economia à luz da razão pública e do pragmatismo. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
16
Sobre a evolução do conceito clássico de separação de Poderes, confira-se: ACKERMAN, Bruce. Good-bye
Montesquieu. In: ACKERMAN, Susan Rose; LINDSETH, Peter L. (Org.). Comparative administrative law. Edward
Eugar Publishing, 2012.
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pensado como uma forma de limitar o arbítrio da função política. Não se trata
propriamente da divisão de Poderes, mas sim da divisão de funções elementares
entre: (i) a elaboração de normas jurídicas primárias, (ii) a execução das mesmas em
casos concretos e no desenvolvimento e fixação de políticas públicas específicas,
bem como (iii) a aplicação do direito, com pretensão de definitividade, no âmbito
de conflitos.
Essas funções, embora não de forma absoluta,17 tendem a ser concentradas
em um determinado órgão (in casu, respectivamente, Poder Legislativo, Poder Execu
tivo e Poder Judiciário), dentro de uma lógica de especialização funcional. Em verdade,
essa divisão de funções é um pressuposto necessário para a boa gestão da coisa
pública. Há uma ideia – constatada na prática – de que é mais adequado concentrar
funções específicas em um determinado órgão ou entidade. Fala-se, nesse sentido,
em um ambiente em que cada órgão ou entidade, de acordo com suas capacidades
institucionais, possa tomar – com certa exclusividade – decisões dentro da seara
de sua especialização.
Com relação ao escopo específico deste trabalho, cumpre tratar da divisão de
funções existente entre Poder Legislativo e Poder Executivo, o que passa por uma
necessária revisitação do dogma da universalidade temática da lei referido acima
(isto é: da vetusta ideia de que a lei poderia – e deveria – tratar de todas as matérias).
A função principal do Poder Legislativo envolve, de forma singela, a criação do
direito mediante edição de leis. Na lição de Miguel Seabra Fagundes, “pela função
legislativa o Estado edita o direito positivo posterior à Constituição, ou, em termos
mais precisos, estabelece normas gerais, abstratas e obrigatórias, destinadas a
reger a vida coletiva”.18 Assim, a lei deve veicular normas gerais e abstratas,19 que
criam direitos e obrigações a sujeitos indeterminados, durante toda a sua vigência,
dentro do espaço infraconstitucional.
17
“[T]ais funções não são, no Estado contemporâneo, exercidas com exclusividade por cada um dos chamados
‘Poderes’. Assim, apresentam-se como ‘exceções’ ao princípio, exemplificativamente, no caso brasileiro: (i)
o Legislativo julga (em caso de impeachment, o Senado Federal exerce a função de processar e julgar o
Presidente da República em crimes de responsabilidade, bem como Ministros de Estado, e comandantes das
forças armadas em crime de mesma natureza conexos com o do Presidente, cfr. art. 52, I da Constituição);
(ii) o Judiciário (como todos os outros Poderes) exerce funções administrativas (art. 96, I, da Constituição); (iii)
e – o que é mais relevante para este estudo – o Executivo legisla (através de Medida Provisória – MP, cfr. art.
62, da Constituição, e regulamentos, art. 84, IV e VI, da Constituição)” (CYRINO, André Rodrigues. O poder
regulamentar autônomo do Presidente da República: a espécie regulamentar criada pela EC n. 32/2001. Belo
Horizonte: Fórum, 2005. p. 36).
18
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário.7. ed., atualizada por
Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 6.
19
Segundo José Afonso da Silva, “[a] função legislativa consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais
e inovadoras da ordem jurídica, denominada lei, e cabe ao Poder Legislativo em cada órbita de governo da
estrutura federativa, na conformidade da distribuição constitucional de dependências. Decorre ela do princípio
da especialização funcional que foi sempre um princípio fundamental do ordenamento constitucional brasileiro”
(SILVA, José Afonso. O princípio da razoabilidade da lei. Limites da função legislativa. RDA, v. 220. p. 345-347,
abr./jun. 2000).
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Registre-se que outros Poderes também praticam atos administrativos, no que se enquadra usualmente dentro
das chamadas funções atípicas dos Poderes. No entanto, tal prática é da essência da atuação do Poder
Executivo.
21
Segundo Gustavo Binenbojm, “o princípio da reserva de lei significa que há determinadas matérias que só
poderão ser tratadas (com maior ou menor detalhamento) por lei, em sentido formal ou material, a depender
do que estabelece a Constituição” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos funda
mentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 148).
22
Para o Supremo Tribunal Federal, “[o] postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter,
à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de
explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de
terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais’. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre
determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e
a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a
noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário não apenas o direito de proferir a última
palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo,
por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições,
por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado” (STF, MS nº 23.452, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Celso de Mello, julg. 16.09.1999).
23
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Lisboa: Almedina, 2002. p. 733.
24
Tem-se, assim, conforme Arícia Fernandes Correia, “o exercício da função administrativa em seu conteúdo
essencial e concreto”, relacionado a “escolhas fundamentais destinadas à implementação de políticas públi
cas, que não poderiam ser substituídas pelo legislador, tampouco pelo órgão jurisdicional” (CORREIA, Arícia
Fernandes. Por uma releitura dos princípios da legalidade administrativa. 2008. Tese (Doutorado em Direito
Público) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008. p. 261).
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Essa lógica já foi encampada pelo STF no caso do tombamento, o qual correspon
deria a um típico ato de competência exclusiva do Poder Executivo, sendo vedado ao
Poder Legislativo suplantar tal função.25
A questão que se coloca é saber por que se deve conferir ao administrador
certos espaços de competência livre. A dúvida justifica-se por conta justamente das
preocupações apontadas pelos defensores de um legalismo estrito. Isto é: será que
abrir espaço para discricionariedade administrativa não poderia levar a uma perigosa
arbitrariedade?
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que, na verdade, não se está a
conferir ao administrador um total espaço de liberdade. A questão é que a referên
cia máxima deixa de ser a lei e passa a ser a Constituição. Nas palavras de Paulo
Bonavides, “se o velho Estado de Direito do liberalismo fazia o culto da lei, o novo
Estado de Direito do nosso tempo faz o culto da Constituição”.26 Em outros termos,
a legalidade dá lugar a uma ideia mais ampla de juridicidade.27
Em segundo lugar, a reserva de administração não significa um desprestígio
à lei formal. Até porque existem reservas de lei, tais como aquelas expressamente
previstas no texto constitucional. No entanto, quanto maior a tecnicidade necessária
para tratar de determinada matéria, menor deve ser a ingerência do Poder Legislativo
e maior o espaço de conformação do administrador. Na esteira do caso narrado no
capítulo I, nada impede que o legislador crie regras gerais e abstratas para tratar
dos trâmites necessários para aprovação de medicamentos no Brasil. No entanto,
considerando a especificidade desse setor, o mais adequado – o que, aliás, verifica-
se da lei de criação da Anvisa28 – é conferir à agência maior autonomia para normatizar
e para aplicar de forma concreta as diretrizes gerais (no que concerne à aprovação
de medicamentos, por exemplo).
O que se está a defender, em outros termos, é a superação de uma concepção
apriorística de que a lei pode tratar de qualquer matéria, para uma noção mais arejada
de atuação do Poder Público com vistas a lidar com cada caso. Ou seja, as soluções
devem ser pensadas para o caso concreto – especialmente diante da complexi
dade da evolução social e econômica –, sendo difícil pensar em regras abstratas
e genéricas que possam lidar com todos os problemas específicos. Nas palavras
de Sérgio Guerra, “as fórmulas abstratas da lei e da discrição judicial já não trazem
25
“[...] 5. O tombamento é constituído mediante ato do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação
ao direito de propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições, pena de violação
ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. [...] 7. Ação direta julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI nº 1.706, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros
Grau, julg. 09.04.2008, publ. 12.09.2008).
26
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 424.
27
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 131 et seq.
28
Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999.
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29
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas adminis
trativas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 70.
30
Registre-se que não se está afirmando que a Administração Pública brasileira consiga responder de forma
adequada aos anseios privados. O que se sustenta é que é ela a que possui maior potencial para tanto,
considerando a sua estrutura burocrática e técnica.
31
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 232. Confira-
se o que entende o autor: “Descortina-se, assim, a evidência de que o direito – tal como o divisou von
Ihering, em sua teoria organicista – necessita, como todo organismo vivo, estar em constante mutação,
impondo-se a superação do descompasso existente entre o ritmo de evolução das realidades sociais e a
velocidade de transformação da ordem jurídica. Nesse clima, a instabilidade de determinadas situações e
estados econômicos, sujeitos a permanentes flutuações – flutuações que definem o seu caráter conjuntural
–, impõe sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentos normativos de que deve lançar mão o
Estado para dar correção a desvios ocorridos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas
públicas que esteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade normativa de conjuntura,
via da qual se pretende conferir resposta à exigência de produção imediata de textos normativos, que as
flutuações da conjuntura econômica estão, a todo o tempo, a impor. A potestade normativa através da qual
essas normas são geradas, dentro de padrões de dinamismo e flexibilidade adequados à realidade, é que
denomino capacidade normativa de conjuntura. Cuida-se – repita-se – de dever-poder, de órgão e entidades
da Administração, que envolve, entre outros aspectos, a definição de condições operacionais e negociais, em
determinados setores do mercado”.
32
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 232.
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33
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitu
cionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 154.
34
Embora o enfoque central deste trabalho se volte à análise da literatura, cumpre destacar que a reserva
de administração encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Confira-se: “[...] O
princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em
matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o
Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo.
Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da
separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo
Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa,
quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder,
representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ‘ultra vires’ do Poder
Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de
suas prerrogativas institucionais” (STF, RE nº 427574 ED, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello. julg.
13.12.2011).
35
A ideia de pragmatismo adotada aqui é simples. Defende-se uma concepção de que os institutos jurídicos
devem ser interpretados (e repensados) à luz de constatações fáticas, casuísticas e consequencialistas.
O direito não pode se distanciar dos efeitos na vida real. Com o aumento da evolução tecnológica, essa
preocupação se torna ainda mais evidente, exigindo-se do Poder Público a adoção de mecanismos de resposta
cada mais céleres e técnicos.
36
Nessa linha, confira-se: CORREIA, Arícia Fernandes. Por uma releitura dos princípios da legalidade admi
nistrativa. 2008. Tese (Doutorado em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, 2008. p. 261.
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Não se pretende neste momento analisar a evolução e o surgimento do Estado Regulador. Para uma análise
mais detida sobre o surgimento deste modelo de Estado e suas principais características, confira-se: MAJONE,
Giandomenico. Do estado positivo ao estado regulador. In: MATTOS, Paulo Todescan Lessa (Coord.). Regulação
econômica e democracia: o debate europeu. São Paulo: Singular, 2006; e GUERRA, Sérgio. Aperfeiçoando
a regulação brasileira por agências: quais lições podem ser extraídas do sesquicentenário modelo norte-
americano?. In: Teoria do Estado Regulador. Curitiba: Juruá Editora, 2015.
38
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade e saneamento básico. Rio de Janeiro:
Renovar, 2011. p. 38 et seq.
39
O nome (Estado Regulador) pouco importa para a análise aqui proposta. O que importa é a ideia por trás
do conceito. O autor português Pedro Gonçalves, por exemplo, vale-se da expressão “Estado de garantia”,
cuja concepção se aproxima bastante da ideia de Estado Regulador como um modelo que fica no meio do
caminho entre Estado Liberal e Estado Social. Confira-se: “Enquanto sistema ou estrutura de realização do
bem comum, o modelo institucional do Estado de Garantia situa-se a meio do caminho, num ponto intermédio,
entre dois modelos extremados – o modelo de Mercado e o modelo de Estado – propondo a doutrina designá-lo
modelo de regulação.
Embora a formulação literal possa não o sugerir na íntegra, o novo modelo traduz o resultado de uma inte
ração e de uma partilha otimizada de tarefas e de responsabilidades entre as duas polaridades, rejeitando
a tendência totalitária e excludente em que se centram os dois primeiros modelos. O novo grau ou patamar
de responsabilidade pública de garantia procura promover a articulação entre os dois polos ou subsistemas
em que se divide uma comunidade politicamente organizada – Estado e Sociedade (Mercado) –, de modo a
preservar a racionalidade inerente de cada um deles e aproveitar as respectivas vantagens” (GONÇALVES,
Pedro. Reflexões sobre o Estado Regulador e o Estado Contratante. Coimbra: Coimbra Editora, 2013.
p. 53-55).
40
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 111.
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Reserva de regulação da Administração Pública
Definir o que venha a ser regulação não é uma tarefa simples, pois a ideia de
regulação não se enquadra, em princípio, em nenhuma das categorias tradicionais do
direito administrativo. Segundo Carlos Ari Sundfeld, o instrumental clássico (formado
por conceitos como serviço público x atividade privada, e poder concedente x poder
de polícia) é incapaz de lidar com as complexidades atuais e com o ordenamento
vigente. Por isso, “a figura da regulação é necessária à teoria do direito administrativo
brasileiro contemporâneo, que sem ela carece de categorias suficientes e adequadas
para bem compreender e organizar a operacionalização do direito positivo”. E mais,
“o uso da figura da regulação é o caminho para superar essa deficiência e gerar
reflexão nova”.41
Para Calixto Salomão, a regulação “engloba todas as formas de organização
da atividade econômica através do Estado, seja intervenção através da concessão
de serviço público ou o exercício do poder de polícia”. Assim, “o Estado está orde
nando ou regulando a atividade econômica também quando concede ao particular
a prestação de serviços públicos e regula sua utilização – impondo preços, quan
tidade produzida etc. – como quando edita regras no exercício do poder de polícia
administrativo”.42
A regulação é uma atividade com escopo alargado, que não se confunde
inteiramente com nenhuma das atividades específicas do poder de polícia adminis
trativa ou com as formas tradicionais de contratação pública. De fato, a regulação
é um passo adiante na forma de atuação típica do Estado, que passa a deter um
arsenal de instrumentos aptos a direcionar a atuação de um determinado campo
econômico. Esse arsenal, conforme ressalva Calixto Salomão, envolve instrumentos
típicos do direito administrativo. No entanto, o escopo da regulação é muito mais
complexo e diversificado do que isso.
Com efeito, a regulação envolve a integração de diversas funções, competindo à
entidade reguladora buscar sempre o equilíbrio do mercado regulado.43 Essa mesma
lógica é encampada pelo conceito de regulação proposto por Alexandre dos Santos
Aragão, que define regulação como:
41
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito público e regulação no Brasil. In: GUERRA, Sérgio (Org.). Regulação no Brasil:
uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2014. p. 117-118.
42
SALOMÃO, Calixto. Regulação da atividade econômica. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 14-15.
43
Segundo Alexandre Aragão, “A noção de regulação implica a integração de diversas funções: pressupõe que
um quadro seja imposto às atividades econômicas, devendo respeitar certo equilíbrio dos interesses das
diversas forças sociais presentes. Este quadro normativo é estabelecido por decisões gerais e abstratas,
constantes geralmente de regulamentos; pela aplicação concreta das suas regras; e pela composição dos
conflitos que dela advêm, dando lugar, nestas duas últimas hipóteses, a decisões individuais. Há, portanto,
três poderes inerentes à regulação: aquele de editar a regra, o de assegurar a sua aplicação e o de reprimir
as infrações” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo
econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 26-27).
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De igual forma, Floriano de Azevedo Marques Neto ressalta que essa multi
plicidade de funções é própria da atividade regulatória. Nessa linha, segundo o autor,
a partir do momento em que o Estado opta por regular, ele assume o compromisso
de “manejar todos os instrumentos necessários para, naquele setor da economia,
atingir as finalidades precípuas da regulação”.45 Realmente, o que legitima a atuação
do regulador é justamente a sua capacidade de combinar o equilíbrio do sistema
regulado com o atingimento de objetivos de interesse geral predicados para o setor.
Segundo Egon Bockmann Moreira, o direito da regulação é um conceito amplo,
que abrange “um conjunto de ações que visam a estabelecer parâmetros de conduta
econômica em determinado espaço-tempo”.46 Perceba-se que o conceito proposto
se vale do termo “ações”, e não de “normas jurídicas”, porque a regulação não se re
sume à técnica normativa. Para o autor, a regulação pode ser implementada segundo
(i) várias técnicas, por (ii) múltiplos sujeitos, ser oriundo de (iii) diversas fontes,
destinar-se a (iv) mais de um objetivo e deter (v) gamas variadas de intensidade.
As técnicas (i) podem ser divididas em duas categorias básicas: (a) gestão; e
(b) normativa. A gestão envolve o ingresso do regulador no mundo do ser de deter
minado setor econômico por meio da constituição de uma empresa para concorrer
com as demais. Nesse caso, a regulação dar-se-ia dentro da Economia. Daí porque
também é denominada de endorregulação. A regulação normativa, por sua vez, envol
ve a edição (ex ante) de normas (gerais e abstratas e/ou concretas). Tais normas
pretenderão disciplinar a conduta dos agentes econômicos por meio da fixação de
vantagens ou punições.
A análise dos sujeitos (ii) está relacionada à determinação de quem pode
(ou deve) concretizar ações e/ou normas que disciplinem a conduta econômica
de terceiros (no caso brasileiro, tanto pessoas de direito público como de direito
privado).47 Um dos principais sujeitos da atuação regulatória no Brasil são as agências
reguladoras, conforme se demonstrará no item seguinte.
44
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 40.
45
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime
jurídico. Belo Horizonte: Forense, 2005. p. 48.
46
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 112.
47
BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e
institucionais do direito administrativo ordenador. Rio de Janeiro: Fórum, 2016. p. 243 et seq.
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Reserva de regulação da Administração Pública
48
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 114.
49
MOREIRA, Egon Bockmann. Qual é o futuro do direito da regulação no Brasil?. In: SUNDFELD, Carlos Ari;
ROSILHO, André (Org.). Direito da regulação e políticas públicas. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 116.
R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017 157
Francisco Defanti
50
Em linhas gerais, há regulação por normas de comando e controle quando a estrutura normativa incidente
sobre o comportamento regulado faz uso do binômio prescrição-sanção. A conformação da conduta privada é
garantida pela previsão da sanção estatal em caso de infração.
51
A chamada regulação por incentivos opera por normas fundadas no binômio “prescrição-prêmio”. Em deter
minadas situações regulatórias, a aplicação de mecanismos normativos menos intrusivos à esfera de liberdades
dos agentes regulados pode se mostrar mais eficiente à obtenção dos resultados socialmente desejados, em
caráter autônomo ou complementar à regulação por normas de comando e controle. Nesse sentido, cabe ao
regulador conceber hipóteses normativas de estímulo ou indução voluntária de comportamentos, devidamente
acompanhadas de mecanismos econômicos de recompensa ou de geração de posições jurídicas de vantagem,
em caso de aceitação do trade off proposto no esquema regulatório.
Dentre os modelos utilizados de regulação por induções destaca-se o yardstick competition, na qual a estrutura
de incentivos é montada para que o prêmio varie de acordo com o desempenho real do agente regulado,
segundo padrões previamente estabelecidos. Já no benchmark regulation há incentivos ao agente regulado
com base em padrões de desempenho de uma firma eficiente hipotética. Outro exemplo de regulação por
indução é o price cap (preço máximo), muito utilizada em monopólios naturais, normalmente como alternativa
à regulação baseada na rate of return.
52
Para além dos modelos citados acima, o Estado tem ampla margem de apreciação empírica para planejar,
avaliar e efetuar a gestão pública de estratégias regulatórias. Um exemplo encontra-se no uso de empresas
estatais pelo Estado brasileiro, nos termos do art. 173, caput, da CRFB, com propósitos específicos de
influenciar o preço, a quantidade e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos no mercado.
Além disso, nada obsta que o Estado assuma participações acionárias minoritárias em sociedades para
estruturar o suporte de acesso a recursos financeiros (project finance) (o caso do BNDESPAR); ou que adquira
a condição de acionista minoritário com eventual detenção golden shares, como forma de assegurar algum
grau de ingerência em setores estratégicos (muito ocorrido com o processo de desestatização na década de
1990).
A realização de objetivos regulatórios em determinados mercados pode ocorrer também por meio de fomento
público, como a concessão de subsídios e subvenções financeiras, de forma a estimular ganhos de produ
tividade e a ampliação qualitativa ou quantitativa da oferta de produtos ou serviços, em prol do incremento da
concorrência (RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade e saneamento básico.
Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 20/21).
53
Embora não haja um consenso doutrinário acerca de quais sejam as falhas de mercados, é possível sintetizá-
las nas seguintes categorias, tal como proposto por Carlos Ragazzo: bens públicos, externalidades, mercados
não competitivos e assimetria de informação.
158 R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017
Reserva de regulação da Administração Pública
54
BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e
institucionais do direito administrativo ordenador. Rio de Janeiro: Fórum, 2016. p. 196.
55
Segundo Carlos Ragazzo, há quatro variáveis reguláveis principais: preço, entrada, qualidade e informação
(RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade e saneamento básico. Rio de Janeiro:
Renovar, 2011. cap. 3).
56
GUERRA, Sérgio. Regulação estatal sob a ótica da organização administrativa brasileira. In: GUERRA, Sérgio
(Org.). Regulação no Brasil: uma visão multidisciplinar. p. 378-379.
R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017 159
Francisco Defanti
“para que essa condição ocorra, não basta a separação entre regulador e operador.
É também necessária a separação entre regulador e governo, cujo fim é evitar a
politização das decisões”.57
Nessa linha, as agências reguladoras58 foram criadas para tomar decisões
estratégicas em setores econômicos específicos. Isto é: elas detêm, em tese, estrutura
(orçamento, funcionários, equipamentos, etc.) e formação (expertise e experiência)
voltadas a gerenciar determinado campo econômico (e.g., telecomunicações, energia,
transportes, petróleo, etc.).
Sob o ponto de vista da organização administrativa, as agências reguladoras
são caracterizadas como autarquias de regime especial, que integram a chamada
Administração Pública indireta. Ou seja, dentro da estrutura administrativa existente,
optou-se pela criação de novas entidades – com personalidade jurídica própria –, o
que se deu com base no fenômeno denominado de descentralização administrativa.
A lógica da descentralização administrativa – aqui sob a ótica dos entes
reguladores – tem o propósito de conferir a uma entidade específica (com alto
grau de autonomia) a função de tomada de decisões técnicas em um determinado
campo econômico. A grande justificativa para a descentralização está justamente
na tecnicidade que certos setores demandam do Poder Público.
Conforme destacado por Emerson Affonso da Costa Moura, o paradigma da
tecnicidade “tem aplicação no exercício da atividade administrativa sempre que o
emprego de conhecimentos especializados pelos seus agentes possa viabilizar,
entre as opções possíveis, aquela que conduza ao melhor resultado, objetivamente
considerado, na tomada de decisão”. Isso porque, “pelo prisma do fenômeno de
implantação de um modelo gerencial de administração pública, a adoção de funda
mentos científicos ou técnicos quando possível, antes de mera faculdade do agente
no exercício da discricionariedade administrativa, constitui um dever corolário da
eficiência e impessoalidade que deve permear a atividade administrativa”.59
Segundo Carlos Ragazzo, a descentralização administrativa configura uma
evolução sem paralelo na Administração Pública pós-moderna. Isso porque a defi
nição dos objetivos organizacionais tem a aptidão de auxiliar uma maior consciência
dos recursos (dentro da preocupação com os custos regulatórios verificada no
57
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas adminis
trativas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 94-95.
58
É importante esclarecer que as agências reguladoras não representam as únicas entidades ou órgãos
regulatórios possíveis dentro da estrutura brasileira. Há autarquias, como a Comissão de Valores Mobiliários,
o Banco Central do Brasil e a Superintendência Nacional de Seguros Privados, por exemplo, que desempenham
funções regulatórias com algum grau de autonomia. Além disso, regulação também pode ser exercida por
órgãos que integram a Administração Pública direta. O destaque que se confere às agências reguladoras
no texto se justifica apenas pelo fato de que elas representam, em tese, um modelo ideal de entidade
regulatória (isto é: que agregariam todas as qualificações necessárias para o exercício da função regulatória
com autonomia).
59
MOURA, Emerson Affonso da Costa. Agências, expertise e profissionalismo: o paradigma da técnica na
administração pública. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 254, p. 73-74, 2010.
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Reserva de regulação da Administração Pública
60
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade e saneamento básico. Rio de Janeiro:
Renovar, 2011. p. 57/59.
61
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 281.
62
BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 270/271.
63
Confira-se: BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 276-280.
R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017 161
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64
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 336.
65
Sobre o tema, confira-se: RANCHORDÁS, Sofia. Innovation-friendly regulation: the sunset of regulation, the
sunrise of innovation. 55 Jurimetrics J. 201-224, 2015.
66
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert; RODRIGUES, Eduardo Frade. Proporcionalidade e melhora regulatória: a
delegação dos serviços de táxi. FGV, 2013. Disponível em: <https://works.bepress.com/carlos_ragazzo/21/>.
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Reserva de regulação da Administração Pública
A regulação (e todo o aparato instrumental que vem com ela) envolve justa
mente um novo instituto jurídico necessário para viabilizar a busca pelo equilíbrio
sistêmico do mercado regulado. Como consequência, a reserva de regulação é uma
exigência prática, na medida em que, para que os entes reguladores possam exercer
de forma autônoma e técnica o seu mister, há necessidade de criação de espaços
“blindados” dos efeitos políticos do Governo (leia-se: da política).
Em outras palavras, assim como a reserva de administração, a reserva de
regulação envolve a existência de certos espaços de competência decisória exclu
sivos do regulador.68 Embora seja uma espécie de reserva administrativa, a reserva
regulatória é mais complexa por duas razões: (i) como demonstrado no item 4.1,
acima, a regulação pressupõe uma pluralidade de funções e instrumentos a cargo
do regulador, muito mais complexos do que as ferramentas clássicas da burocra
cia administrativa tradicional, o que abarca até mesmo a função normativa; e (ii)
por conta da elevada complexidade dos setores reguladores (e especialmente para
reduzir a assimetria de informação existente entre regulador e regulado, como se
verá adiante), as entidades reguladoras precisam de uma autonomia maior do que
as entidades típicas da estrutura administrativa piramidal.
A reserva de regulação, na forma como descrita neste trabalho, justifica-se
como uma forma de separar (ou ao menos tentar separar) as variáveis políticas
das variáveis técnicas. Essa noção extrai-se de uma necessária releitura do princípio
da separação de poderes (em sua concepção clássica). Segundo André Rodrigues
Cyrino, “uma concepção moderna de separação de Poderes deve estar ligada à exis
tência de órgãos profissionalizados insulados, em maior ou menor grau, da política”.
67
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas adminis
trativas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 101.
68
Isso não quer dizer, registre-se, que a atuação das entidades regulatórias não esteja sujeita a alguma forma de
controle. O que se está a afirmar é apenas que, dentro dos limites decisórios em que o regulador tem liberdade
para atuar, respeitadas as exigências constitucionais e legais (procedimentais e formais), deve-se respeitar a
decisão técnica por ele tomada.
R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017 163
Francisco Defanti
69
CYRINO, André Rodrigues. Direito constitucional regulatório: elementos para uma interpretação institucio
nalmente adequada da constituição econômica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 232.
70
Como destaca Gustavo Binenbojm, para se conceber a interpretação do direito pelos órgãos do Estado é
preciso levar em consideração alguns elementos institucionais importantes, a saber: “(i) a forma de atuação
(v.g. o julgamento de casos concretos ou a edição de normas de caráter abstrato e genérico); (ii) a composição
funcional, modo de provimento dos cargos e garantias (v.g. a expertise, a reputação dos servidores, o
provimento por concurso ou a legitimação democrática); (iii) a capacidade de aferição eficiente dos reflexos
sistêmicos de uma dada decisão, sobretudo quanto a seus aspectos econômicos; (iv) a habilitação, em
termos políticos, para a feitura de determinadas escolhas e estabelecimento de prioridades, como é o caso
das chamadas ‘escolhas trágicas’ de políticas públicas, tanto na vertente orçamentária como na da regulação
econômica e social” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais,
democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. p. 243).
71
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas
administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 101.
72
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de
Janeiro: Forense, 2013. p. 343.
73
“Com a regulação, a discricionariedade, antes praticada no âmbito operativo da prática de atos, logo se
expandiria para uma discricionariedade no âmbito operativo do manejo de processos, tornando-se uma
exitosa resposta multifuncional aos cada vez mais graves desafios postos pela crescente complexidade,
tecnicidade, mutabilidade e aceitabilidade social contemporânea, tudo com vistas a possibilitar a tomada
de decisão mais adequada para os problemas gerenciais enfrentados pela Administração Pública, tanto a
estatal como a extraestatal, o que vale dizer: para implementar soluções que incrementem a eficiência das
escolhas públicas com vistas à realização da boa administração” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo.
Discricionariedade administrativa das autoridades reguladoras e aplicação das normas punitivas. Revista de
Direito Administrativo, v. 254, p. 95-108, maio/ago. 2010).
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Reserva de regulação da Administração Pública
74
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime jurídico.
Belo Horizonte: Forense, 2005. p. 48-49. Quanto ao ponto, complementa o autor que, “por serem as agências
órgãos incumbidos dessa nova regulação, é essencial que ela reúna conhecimentos e especialidades sobre
o setor objeto da regulação. Isso decorre, desde logo, da característica da especialidade ou especificidade
da regulação acima exposta, pois o arcabouço de normas, princípios, conceitos e instrumentos, adequado à
intervenção regulatória num setor, não necessariamente será adequado à aplicação em outros”.
75
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime
jurídico. Belo Horizonte: Forense, 2005. p. 62.
76
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime
jurídico. Belo Horizonte: Forense, 2005. p. 62.
77
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Agências reguladoras independentes: fundamentos e seu regime
jurídico. Belo Horizonte: Forense, 2005. p. 63.
R. de Dir. Público da Economia – RDPE | Belo Horizonte, ano 15, n. 57, p. 143-169, jan./mar. 2017 165
Francisco Defanti
78
Como afirma Aragão, “[n]ão podemos, no entanto, ter a ingenuidade de achar que a tecnicidade é sempre
acompanhada da imparcialidade, já que, salvo em casos limites, o saber técnico pode perfeitamente ser
instrumentalizado em favor de diversos fins políticos”. Assim, “[d]evemos estar atentos inclusive para
os discursos de que, em razão de terem legitimidade democrático-representativa reduzida, as agências
reguladoras independentes desempenham funções meramente técnicas. Esta ideia pode, antes de realmente
legitimá-las, acabar encobrindo os verdadeiros problemas e soluções do seu déficit democrático” (ARAGÃO,
Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 323-325).
79
Segundo André Rodrigues Cyrino, “Realmente, existe, nos dias atuais, uma demanda por profissionalização
não só, como já ocorre, no Poder Judiciário, mas também em certos âmbitos da Administração Pública, o que
se tem dado, na prática, por meio da criação de entidades técnicas relativamente insuladas do debate político.
De fato, apesar de possuírem a capacidade de expressar as orientações normativas básicas de um grupo de
eleitores – o que é imprescindível à democracia –, os políticos, em muitos casos, simplesmente não têm tempo
nem expertise necessários para analisar todos os aspectos importantes da atuação estatal. A preocupação
deles tende a ser focada apenas quanto ao mérito das atividades do Estado, bem como de que forma isto
atingirá suas possibilidades eleitorais, podendo contaminar uma atuação profissionalizada, potencialmente
imparcial e sistêmica, que considere não somente as decisões angariadoras de votos, como também aquelas
antipopulares. Os políticos tendem a ter preocupações de curto prazo, voltadas para a obtenção de votos, ao
passo que a Administração profissionalizada tem mais incentivos para pensar a longo prazo” (CYRINO, André
Rodrigues. Direito constitucional regulatório: elementos para uma interpretação institucionalmente adequada
da constituição econômica brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 231/232).
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Reserva de regulação da Administração Pública
5 Conclusão
Como destacado ao longo deste trabalho, verificou-se, na prática, uma trans
ferência de funções do Poder Legislativo para o administrador (ou, nas palavras de
Sérgio Guerra, o paradigma jurídico passou da lei para o caso concreto, “para a
melhor solução, singular ao problema a ser resolvido”).80 Essa transferência justifica-
se por conta da alta complexidade dos setores econômicos e da inviabilidade do
Poder Legislativo de responder de forma adequada e célere às necessidades do
dia a dia dos administrados.
O princípio constitucional da legalidade administrativa não pode ser completa
mente descartado, mas ele precisa ser repensado diante da realidade econômica
e social atual. Como se viu, a reserva de administração surge como uma resposta
à superação do dogma da supremacia da lei (isto é: da vetusta concepção de que
a lei poderia e deveria tratar de todos os assuntos). Daí a noção, apresentada por
Eros Roberto Grau, de capacidade normativa de conjuntura, que deve ser titularizada
pela Administração Pública no que concerne a matérias ínsitas à sua competência
(especialmente no que concerne à edição de atos administrativos concretos).
Dando um passo adiante nessa lógica, a realidade também aponta para o
surgimento de uma espécie de reserva de administração, a que denominamos de
reserva de regulação.
Como visto, a atividade regulatória caracteriza-se pela multiplicidade de ferra
mentas colocadas à disposição do regulador, que tem o dever de apurar a existência
de falhas de mercado e de escolher e utilizar o instrumento mais adequado para o
caso concreto. Nessa análise, o regulador deve verificar a intensidade do instrumento,
à luz da variável regulada específica, observando, ainda, os custos envolvidos com
a adoção da medida escolhida. É esse o escopo da reserva de regulação, que envolve
espaços decisórios técnicos de competência privativa das entidades regulatórias,
sendo vedado ao Poder Legislativo, em princípio, imiscuir-se nessa seara.
É importante deixar registrado que o que legitima essa reserva de regulação
é o caráter predominantemente técnico que deve conduzir a atuação das entidades
reguladoras. De fato, a autonomia especial dessas entidades – traduzida aqui na
ideia de reserva de regulação – justifica-se na medida em que elas atuam de forma
insulada dos interesses políticos do governo. É obvio que essa divisão entre política
e técnica por vezes é tênue, havendo sérios riscos de captura do regulador (seja
por parte do Governo, seja por parte dos regulados), mas, do ponto de vista institu
cional, parece-nos que o modelo das agências reguladoras – se bem implementado
– é o que tem maiores chances de alcançar a finalidade precípua da regulação: a de
buscar o equilíbrio sistêmico do setor regulado.
GUERRA, Sérgio. Discricionariedade, regulação e reflexividade: uma nova teoria sobre as escolhas adminis
80
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Francisco Defanti
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