Você está na página 1de 11

APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO

1
PREFÁCIO

A diversidade enorme de objectos e aspectos relacionados com o solo é de um lado um dos


factores mais atractivos do seu estudo. No outro lado, a grande complexidade destes
aspectos multidisciplinares e interrelacionados torna praticamente impossível a
compreensão total por individualidades. Portanto, num curso introdutório como o presente,
muitos assuntos importantes devem ser deixados de lado, ou receber menos atenção do
que merecem.

Esta mesma complexidade torna difícil de elaborar um texto compreensivo, e sistemático,


que trata os assuntos passo a passo, duma maneira lógica.

Estes apontamentos consistem de dois volumes. Neste primeiro volume optou-se por
começar com a discussão dos componentes básicos do solo, seguido pela discussão da
morfologia do solo, e das características químicas e físicas dos componentes e do material
do solo. No Volume 2 são tratados os factores e processos de formação do solo, seguida
por uma discussão da taxonomia (classificação) do solo, o levantamento de solos e a
avaliação de terras. Os elos de ligação entre estas partes estão na forma de comentários
curtos e referências entre os capítulos.

Os apontamentos formam a base para um curso que em grande parte seja autoexplicativa.
As aulas servirão principalmente para discutir as linhas gerais e os pontos considerados
mais difíceis; e também para ilustrar os textos, p.e. com slides.

Não seria possível apresentar estes apontamentos sem o apoio de bons textos básicos. Os
principais textos usados para o Volume 1 foram: Os apontamentos do Prof. Dr. H.A. de Wit
para as partes I (constituintes do solo) e III (química do solo); apontamentos da Universidade
Agrícola de Wageningen "Practical Soil morphology" (Van den Berg, 1986), para a Parte II
(Morfologia do Solo); a obra "Processos de transferência no sistema solo-planta-atmosfera
de Reichardt (1985), para a parte IV (Física do Solo).

Agradece-se neste lugar ao Monitor-estudante António Justino Samuel, pelo acabamento da


maioria dos gráficos, e à Dona Hanifa, secretária da DER (actualmente da directoria), pela
digitalização de alguns capítulos.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
2

Índice

INTRODUÇÃO

PARTE I. CONSTITUINTES DO SOLO

PARTE II. MORFOLOGIA DO SOLO

PARTE III. QUÍMICA DO SOLO

PARTE IV. FÍSICA DO SOLO

PARTE V. PROCESSOS NO SOLO

PARTE VI. CLASSIFICAÇÃO DO SOLO

PARTE VII. LEVANTAMENTO DE SOLOS

PARTE IX. AVALIAÇÃO DE TERRAS


APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
3
INTRODUÇÃO
No contexto agrícola destaca-se as seguintes "funções" dos
1. O QUE É SOLO
solos:
Todo mundo (pensa que) sabe o que é solo, mas poucos • O solo como armazém para entrada e saída de nutrientes para
conseguem definir ou mesmo descrever em termos claros este as plantas;
importante fenómeno natural. As definições mais comuns mostram • O solo como armazém para entrada e saída de água e ar no
que o solo é visto de muitos ângulos diferentes: sistema solo-planta-atmosfera;
• Do biólogo e agricultor: "O substrato natural para o cresci- • O solo como habitat de microorganismos, minhocas, insectos e
mento das plantas". pequenos mamíferos;
• Do geógrafo: "A manta solta da superfície terrestre". • O solo que providencia o meio para as plantas se fixarem sem
• Do geólogo: "A camada superficial meteorizada das rochas". cair;
• Do ecólogo: "O corpo natural que forma a interface entre
litosfera, biosfera e atmosfera". Muitas vezes o solo oferece condições que limitam o potencial
agrícola das terras. Isto está normalmente relacionado com algum
Cada uma dessas definições indica um ou alguns aspectos desbalanço numa das "funções" indicadas acima. Por exemplo:
importantes do solo, mas nenhum é completo. Talvez a melhor excesso de certos elementos químicos; a presença de camadas
definição dada até o presente é aquela do Soil Survey Manual compactas que inibam a entrada e saída livre de água e ar;
(Soil Conservation Service, 1951):
"A colecção de corpos naturais que ocupam partes da superfície A ocorrência de doenças ou pragas; ou o solo não oferece
terrestre, que constituem o meio para o desenvolvimento das condições adequadas para a penetração das raízes.
plantas e que possuem propriedades resultantes do efeito inte-
grado do clima e dos organismos vivos, agindo sobre o material de
3. A CIÊNCIA DO SOLO
origem e condicionado pelo relevo durante um certo período de
tempo".
A Ciência do Solo é uma ciência que se situa no ponto de
Esta definição incorpora todas as feições do solo indicadas nas
encontro das ciências Físicas (física, química), Biológicas
definições anteriores. Além disto, destaca que as características do
(botânica, zoologia, microbiologia, ecologia), Geológicas (minera-
solo são condicionadas não apenas pelo material de origem
logia, geologia, geomorfologia) e Agrárias (produção de plantas,
("rocha mãe"), mas que o solo é o resultado do efeito integrado de
nutrição vegetal, agrohidrologia, tecnologia e conservação de
clima, organismos, material de origem, relevo e tempo: os 5
solos).
factores de formação identificados por Jenny (1941). Cabe ainda
assinalar que esta definição refere aos solos como "corpos", i.e.
Muitas vezes divide-se a Ciência do solo em 2 ramos principais:
individualidades de três dimensões, caracterizadas não apenas
A Pedologia e a Edafologia.
pelos seus constituintes químicos e mineralógicos, mas também
pelo arranjo espacial destes constituintes, e as variações verticais
A Pedologia é a parte da Ciência do Solo que trata da origem,
e laterais. Um solo nunca pode ser identificado com uma única
morfologia, distribuição, mapeamento, taxonomia e classificação
amostra, muito menos se a amostra for perturbada. Tais amostras
dos solos. Divida-se em Pedografia, a descrição sistemática dos
podemos chamar de "material de solo".
solos e a Pedogênese, que estuda a origem dos solos.

A Edafologia é o estudo do solo sob o aspecto de sua


2. A IMPORTÂNCIA DO SOLO
utilização pelas plantas, incluindo o uso da terra pelo homem com
a finalidade de proporcionar crescimento às plantas.
Perguntando sobre o porquê da importância do solo, a resposta
é geralmente: "para a agricultura". Muitas vezes esquecemos que
Esta divisão é um pouco simplista; pois existem muitos ramos
o solo é o substrato para praticamente todas as nossas
que são difíceis de incluir nela. Uma outra maneira de encarar a
actividades. O solo como substrato fora do âmbito agrícola é de
Ciência do Solo é separar os ramos "puros", onde o solo está no
capital importância na construção, especialmente de canais de
centro de atenção; e os ramos "mistos", onde o solo é considerado
irrigação e drenagem, diques, barragens, estradas, edifícios
como uma parte dum sistema maior a ser estudado duma forma
grandes.
multidisciplinar:

Alguns usos concretos do material de solo fora do âmbito


Ramos "puros"
agrícola são:
O solo como base para construção e maneio (tecnologia do solo)
- fonte para material de construção (barro, cimento, tijolos);
O solo como substrato das plantas (edafologia)
- porcelana;
O solo como produto de formação (pedologia)
- vidro;
O solo como objecto de estudos básicos (química, física,
- fonte de energia (turfa, praticamente obsoleto)
mineralogia, biologia do solo)
- alguns minerais para uso industrial (caulinita, bentonita, gesso,
O solo como sistema estochástico multivariável no espaço e no
óxidos de ferro e alumínio).
tempo (geoestatística, GIS)
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
4
Ramos "mistos" O solo como parte do sistema ecológico global
O solo como sistema ecológico (eco-pedologia) - o solo como tampão para "gases de efeito estufa";
O solo para a agricultura sustentável (conservação do solo) Nos países industrializados:
O solo como parte dum sistema de produção O solo como depósito de lixo (poluição do solo)
- modelagem de processos solo-planta-atmosfera,
- avaliação de terras,
- análise de sistemas agrícolas;

PARTE I

CONSTITUINTES DO SOLO E CARACTERÍSTICAS DERIVADAS

1. AS TRÊS FASES DO SOLO


1.2 A fase líquida

O solo consiste de três fases: Em princípio todos os elementos que compõem a fase sólida e
1) A fase sólida, que consiste de matéria orgânica e material min- gasosa podem ocorrer na solução do solo. Porém, existem em
eral; formas e relações bastante diferentes. Os cations mais comuns
2) A fase liquida, que consiste de água com sais e compostos são Ca2+, Mg2+, K+, Na+, NH4+, Al3+ e H+. Elementos na forma de
orgânicos dissolvidos; anions mais comuns são SO42-, SiO44-, H2PO4-,HPO42-, NO3-, Cl-,
3) A fase gasosa, que consiste principalmente dos gases N2, O2 e HCO3- e CO32-. Ocorrem também "microelementos" (ou
CO2. "micronutrientes" que as plantas precisam em quantidades muito
pequenas), como Fe2+, Mn2+, Cu2+, Zn2+, MoO43- e H3BO3 (molécula
As interacções entre as três fases determinam as propriedades não dissociada).
físicas e químicas do solo. A fase gasosa fornece oxigénio para as
raízes, necessário para o metabolismo da planta. A planta extraí Em solos "neutros" com pH entre 6 e 7 os ions mais comuns na
água e nutrientes da fase líquida. A maioria das características solução do solo são: Ca2+ (Mg2+), HCO3-, (Cl-, SO42-); em solos
químicas do solo depende das interacções entre a fase líquida e a salinos Na+, (Ca2+, Mg2+) e Cl-, SO42- são dominantes. Em solos
fase sólida. alcalinos (pH> 8.5) dominam Na+, HCO3- e CO32-. Em solos ácidos
ocorrem também Al3+ e H+.

1.1 A fase gasosa N e P são nutrientes importantes que ocorrem na solução do


solo na forma de NO3- e H2PO4- (ou HPO42-) em concentrações
A Tabela I-1 mostra que a fase gasosa ou ar do solo tem uma
pequenas de 20-200 mg.l-1 e 0.1-1.0 mg.l-1 respectivamente.
composição bastante diferente do ar atmosférico.

Os cations presentes na água do solo ocorrem apenas


Tabela I-1. Composição do ar atmosférico e do
parcialmente na solução livre. Em solos não salinos a maior parte
solo.
fica adsorvido na superfície de partículas da fase sólida, que
ar atmosférico ar do solo costuma ter uma carga negativa (veja parágrafo 1.3.2 e Parte III).
Os anions ocorrem principalmente na solução livre do solo.
N2 79% 79%
O2 20.9% <20%
1.3 A fase sólida
CO2 0.03% >> 0.03%
A Tabela I-2 apresenta uma classificação dos elementos mais
comuns na fase sólida, baseada nas propriedades químicas e
mineralógicas.

Existe uma grande diferença em conteúdos de oxigénio e gás


carbónico. As raízes utilizam O2 para o metabolismo e excretam 1.3.1 Matéria orgânica
CO2. A percentagem de CO2 no solo pode ultrapassar 10%; neste
caso as plantas sufocam devido à falta de oxigénio. Esta situação A matéria orgânica consiste de resíduos vegetais e animais,
pode ocorrer quando o processo de difusão entre o ar no solo e o que ocorrem em vários estágios de decomposição. Se o material
ar atmosférico for limitado; o que pode ser causado por (1) estru- for decomposto e misturado com partículas de material mineral, de
turas densas (2) formação de crosta superficial que é impermeá- tal maneira que o reconhecimento do material original é impossível
vel; (3) humidade elevada no solo ou combinações destes fala-se de húmus. O húmus é um produto relativamente estável.
factores. Todas as formas de matéria orgânica têm uma função importante
no solo. O material não decomposto (cobertura morta, folhas)
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
5
Tabela I-2 Os elementos mais comuns da fase sólida no solo
Fase sólida
Matéria orgânica Matéria mineral
não ou bem sesqui-
parcialmente decomposta silicatos óxidos sais
decomposta (húmus)
(detritos)

cristalinos amorfos ferrihidrita bem moderadament pouco solú-


quartzo; piroxenas, alúmino-silica (amorfo); solúveis e solúveis veis
amfibolas, feldspatos, coloides goetita, NaCl, NaHCO3, CaSO4.2H2O CaCO3, MgCO3,
muscovita (primários); (alofanos) hematita, MgSO4.7H2O fosfatos

caolinita, haloisita, magnetita,


vermiculita, ilita, gibbsita

montmorilonita ('minerais de (cristalino)


argila', secundários)

protege a superfície do solo contra erosão pelo vento e água e 1.3.2 Material mineral
contra a radiação terrestre e irradiação solar, evitando flutuações
Existem vários métodos para classificar os componentes da
extremas de temperatura e humidade. Ainda funciona como fonte
fase sólida inorgânica. A Tabela I-2 faz isto com base na
de energia para uma grande parte da fauna do solo. A sua
mineralogia e nas propriedades físico-químicas. A Tabela I-3
mineralização (decomposição) é acompanhada da libertação
apresenta uma classificação baseada no tamanho das partículas.
gradual de nutrientes incorporados, principalmente N e P, mas
A maior parte desta Tabela é baseada no sistema da USDA
também K e Mg. O húmus consiste de polímeros complexos
(Departamentos de Agricultura dos Estados Unidos da América),
compostos de cadeias de carbono com muitos grupos activos
adoptada em muitos países inclusive em Moçambique (INIA, 1985)
como carbóxidos (-COOH), aminos (-NH2) e hidróxidos (-OH). Esta
e pela FAO. Recentemente a FAO (1990) revisou este sistema.
forma de matéria orgânica é estável e tem uma função importante
Desta revisão apenas a parte referente aos "elementos grosseiros"
como reserva de nutrientes na forma adsorvida, como mostra a
(> 2 mm) foi adoptada em Moçambique (INIA/UEM, 1995).
Figura I-1.
Minerais primários e secundários
As cargas negativas, que existem sob valores de pH elevados, Os minerais do solo fornecem nutrientes para as plantas.
podem ser compensadas por catiões como K+, Ca2+, Mg2+ e Portanto a fertilidade natural do solo depende em grande parte dos
Na+. Estes cations estão adsorvidos na superfície dos complexos tipos e quantidades de minerais presentes.
orgânicos por forças electrostáticas (não estão incorporados na Os tipos e proporções entre vários minerais no solo dependem do
estrutura molecular) e podem facilmente ser trocados por outros material de origem do solo: a "rocha mãe" (Ing: parent rock, parent
cations na solução do solo. Por isto chamem-se estes cations de material). Com base na sua génese podemos distinguir:
cations trocáveis (Ing: exchangeable cations). Sob valores de pH • Rochas ígneas e eruptivas
baixos (<5.0) os grupos -OH e -COOH continuam associados. • Rochas metamórficas
Como a carga negativa depende do pH do ambiente, esta carga é • Rochas sedimentares
denominada carga variável (variable charge). O húmus tem uma
superfície específica muito grande que pode exceder 800 m2.g-1. Estes três tipos de rochas formam a crosta terrestre. Rochas
Sob valores elevados de pH a densidade de cargas negativas está metamórficas podem ser derivadas de rochas ígneas ou de rochas
na faixa de 1-3.10-3meq.m-2. Consequentemente este material sedimentares. Durante o processo de metamorfose, os minerais
pode adsorver uma quantidade considerável de cations, assim presentes são transformados pelo processo de recristalização.
dando uma contribuição importante à capacidade de troca de
cations (CTC) (Ing: cation exchange capacity; CEC), i.e. a Todas as rochas contêm minerais primários (Ing: primary
"capacidade do complexo coloidal do solo em adsorver cations, minerals), i.e. minerais que não sofreram alterações químicas
expressa em meq/100g ou cmol (+) /kg" (veja Parte III). desde a deposição ou cristalização no magma fundido. As rochas
Então para 1 g de húmus encontra-se uma CTC de 800* (1 a 3) sedimentares também contêm minerais secundários (Ing:
*10-3 meq.g-1 = 0.8 a 2.4 meq.g-1 de húmus; o valor actual secondary minerals). Um mineral secundário é um mineral
dependendo do tipo de húmus e do pH. resultante da decomposição de um mineral primário ou da
reprecipitação dos produtos de decomposição de minerais
primários. Os íons envolvidos na formação de minerais
secundários podem ser fornecidos pela decomposição dos
minerais "in situ", mas também podem ter sido transportados
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
6

OH O-

pH alto

pH baixo
COOH COO-

Figura I-1 Adsorção de cations em complexos orgânicos

Tabela I-3 Classes de tamanhos de partículas de material de solo, segundo o sistema de INIA/UEM (1995)

blocos grandes > 60 cm


Fragmentos de rocha
Blocos 20-60 cm
coarse elements, ou Pedras 6-20 cm
rock fragments > 2 mm
cascalho grosseiro 2-6 cm
cascalho médio 0.6-2 cm
cascalho fino 0.2- 0.6 cm

areia muito grossa 1-2 mm


areia grossa 0.5-1 mm
areia
areia média 0.25-0.5 mm
sand 0.05 - 2 mm
Terra fina areia fina 0.1-0.25 mm
areia muito fina 0.05-0.1 mm
fine earth
limo (silte (B.)) 0.002-0.05 mm limo (silte (B.)) grosso 20-50 µm
<2mm silt = 2-50 µm
limo (silte (B.)) fino 2-20 µm

argila argila grossa 1-2 µm


clay <2 µm argila fina <1 µm

vertical ou lateralmente pela água no solo. O tipo de mineral 2. Sulfidos (P, S): pirita (FeS2), marcasita (FeS2), galenita (PbS; P)
secundário que é formado e a velocidade das reacções depende
de: (1) tipo e concentração de ions na solução do solo; (2) pH do 3. Sesquióxidos (geralmente S, raramente P): hematita (Fe2O3),
solo; (3) clima do solo: regime de temperatura e humidade; (4) magnetita (Fe3O4), gibsita (Al(OH)3), goetite (FeOOH),
factores biológicos ferrihidrita (amorfa).

A maioria dos minerais primários tem uma estrutura (micro) 4. Halogenitas (P/S): halita (NaCl), fluorita de cálcio (CaF2)
cristalina. Minerais secundários podem ter uma estrutura (micro)
cristalina ou amorfa.
5. Carbonatos (P/S): calcita (CaCO3), calcário (CaCO3) (##),
dolomita (Ca.Mg(CO3)2)
Exemplos de minerais primários (P) e secundários (S):
1. Elementos puros (P): diamante (C), ouro (Au), Pt, Ag, S.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
7
6. Sulfatos: Barita (BaSO4), gesso (CaSO4.2H2O), anhidrita Minerais de argila cristalinos
(CaSO4).
Os aluminossilicatos cristalinos contêm uma estrutura em que
os átomos de alumínio com grupos hidróxidos ocorrem numa
7. Fosfatos: Apatita [Ca3(PO4)2.Ca(OH,F)2], vivianita configuração octaédrica (Figura I-2a) e os átomos de sílica com
(Fe3(PO4)2.8H2O) são primários, AlPO4, FePO4 (secundários)
oxigénio numa configuração de tetraedros (Figura I-2b).
Basicamente os minerais consistem de uma camada de Al-
8. Silicatos (P/S): minerais que contém grupos SiO4-. Existem octaedros ligada com uma ou duas camadas de tetraedros de
muitos compostos com diferentes cations. Os silicatos são SiO4. Dois exemplos de diferentes minerais de argila estão nas
muito importantes para o solo em termos de fertilidade e Figuras I-3 e I-4.
propriedades físico-químicas (veja Parte II):

a) minerais primários com K, Na, Ca: feldspatos As estruturas na figura I-2 sugerem que os octaedros têm três
(tectosilicatos); ortoclase e muscovita (com K); albita (com grupos -OH- em excesso em termos de carga (3-); contudo deve-
Na); anortita (com Ca); se prestar atenção que há um outro átomo de Al no octaedro
b) minerais primários com Mg ou Fe: olivina (mesossilicato), "vizinho": os 6 grupos OH- estão "divididos" por 2 átomos de
augita e horneblendes (inossilicatos), biotita. alumínio. Os octaedros formam uma lamela de (Al(OH)3)n depois
c) minerais secundários com Al: Aluminossilicatos muitas da condensação/ligação de octaedros individuais. Uma distribuição
vezes chamados "minerais de argila" (Ing: clay comparável das cargas ocorre nos tetraedros de sílica: a
minerals)1. Há vários tipos como montmorilonita, caulinita, condensação dos tetraedros dá origem a uma outra camada ou
ilita, vermiculita cada tipo com geometria e/ou composição lamela com a fórmula (Si2O5)m.
diferente. Estes minerais também são chamados também
são chamados “filosilicatos” por causa de sua estrutura As lamelas de octaedros (O) e tetraedros (T) podem juntar-se
cristalina laminar. Aluminossilicatos amorfos chamam-se segundo os tipos TO (1:1; Figura I-3), TOT (2:1; Figura I-4) e
Alofanos. OTOT (2:2), que representam as estruturas básicas dos minerais
d) quartzo (SiO2), geralmente primário. É de argila. Os cristais básicos "TO" e "TOT" são chamados
electroestaticamente não estável na maioria dos solos, lâminas elementares de argila. A espessura destas lâminas
mas é muito comum, mesmo em solos fortemente elementares varia entre 7 Å (1 Årmströng=10-10m) (p.e. caolinita,
meteorizados, devido à sua grande resistência e à sua TO) e 10 Å (ilita, TOT) até 14 Å (montmorilonita TOT e clorita
ocorrência predominante na fracção areia. OTOT).

O conjunto das alterações físicas e químicas nas rochas, na Aparentemente os minerais de argila são eletroneutros, pois
superfície da terra (ou próximo) pelos agentes atmosféricos e que todas as cargas positivas são compensadas por cargas negativas
leva à destruição de minerais primários e formação de minerais Isto só poderia acontecer se as lâminas elementares tivessem uma
secundários chama-se meteorização, ou (no Brasil) extensão infinita. Na realidade haverá sempre algumas cargas nas
intemperismo. (Ing: weathering). margens das lâminas, que deverão ser compensadas por íons que

Figura I-2 (A) Octaedro de Al(OH)3; (B) Tetraedro de SiO4

1
. O termo "mineral de argila" pode referir em principio para qualquer partícula mineral na
fracção <2µm. No entanto, o uso do termo implica muitas vezes apenas os filossilicatos e
(nem sempre) os sesquióxidos.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
8
O valor de pH em que a carga do mineral é neutra chama-se
"ponto de carga zero" (PCZ); [Ing: zero point of charge: ZPC]. A
carga variável, dependendo do pH, é relativamente maior (+ 50%
da carga) para caulinita do que para montmorilonita (5-10% da
carga é variável). A razão disto é que as partículas de argila de
caulinita consistem de conglomerados grandes de cristais (TO)
elementares, interligados (fracamente) pelos O-átomos dos tetra-
edros e os grupos OH dos octaedros (Figura I-3). As partículas de
argila com montmorilonita consistem de poucos cristais (TOT),
ligados apenas pelas forças de "van der Waals". Minerais de Ilita
consistem de "pacotes" de 4 a 5 cristais (TOT) elementares.

Alguns dados indicativos de minerais de argila estão na Tabela


I-5. A importância das cargas variáveis e permanentes será mais
aprofundado na Parte II.
Figura I-3. Estrutura básica de caolinita.
Fonte: Fitzpatrik, 1986 Certos minerais do tipo TOT, inclusive montmorilonita, são
"expansíveis". Quando húmidos, moléculas de água podem
não fazem parte da rede cristalina. Além disto, durante a formação "entrar" facilmente entre os cristais elementares destes minerais,
dos minerais os cations Al3+ e/ou Si4+ nem sempre estão assim separando os e causando uma expansão do material
presentes/disponíveis em quantidades adequadas para formar
respectivamente octaedros e tetraedros. Nestes casos os ions Al3+ (Figura I-5A). Ao secar, esta água é liberada. Solos contendo
ou Si4+ podem ser substituídos por outros cations dum tamanho quantidades elevadas de minerais expansíveis podem apresentar
semelhante, sem ruptura ou modificação da estrutura cristalina do problemas de drenagem quando húmidos e mostram fendas
material. Este processo chama-se substituição isomorfa (Ing: grandes (até 5 cm de largura e 1 metro de profundidade) quando
isomorphic substitution). O termo "isomorfa" refere-se aos raios secos.
dos átomos que determinam o grau em que estes podem se
adaptar à rede cristalina (veja Tabela I-4). Os minerais do tipo 1:1 (TO) não são expansíveis porque a
ligação entre tetraedros e octaedros de lamelas opostas é
A substituição de um cation por outro com carga menor implica demasiadamente forte para poder separá-los ao humedecer.
uma deficiência de cargas positivas e, consequentemente, um No caso de ilita (tipo TOT, não expansível) trata-se duma situação
excesso igual (equivalente!) de cargas negativas. Cations como diferente: os cristais elementares são condensados em unidades
Ca2+, Na+ e K+ (que não podem substituir Al3+ ou Si4+ por não de 4 ou 5 cristais elementares com ions K+ nos espaços entre os
serem isomorfas; Tabela I-4) ocorrem na forma iónica em tetraedros opostos (Figura I-5B), compensando assim uma parte
quantidades equivalentes perto dos locais de substituição, assim da carga permanente (negativa) da superfície, que no caso de ilita
compensando as cargas negativas do mineral de argila que é causada por substituição isomorfa na camada dos tetraedros (Al
existem nas superfícies das lâminas elementares. A carga por Si).
negativa devida à substituição isomorfa é uma carga permanente Os ions de K+ (também NH4+) se adaptam muito bem a estes
(Ing: permanent charge). As cargas às margens dos minerais de espaços e são fortemente retidos.
argila, originadas da presença de grupos de OH- e O2- não
compensadas, são cargas variáveis, que podem ser negativas, Os zeolitos formam um grupo de aluminossilicatos cristalino de
neutras ou positivas, dependendo do pH e da concentração de estrutura diferente: a rede cristalina não é laminada, mas cubicular.
sais livres na solução do solo. Estes minerais têm uma superfície interior muito grande e também
têm uma carga negativa (variável) grande, às vezes maior que a
de montmorilonita. Estes minerais têm um papel importante para
O número de cargas aumenta ligeiramente com a concentração processos de purificação de água. Exemplos: Analcime, Chabarite.
de sais na solução do solo. A valores de pH elevados os grupos
AlOH (e SiOH) tornam se negativos:
Aluminossilicatos não cristalinos
OH- + -Al-OH ---> AlO- + H2O
Estes tipos de minerais são chamados de "alofanos" (Ing:
allophanes). Alofanos ocorrem principalmente em solos de origem
A pH baixo os grupos AlOH podem tornar se positivos pela
vulcânica. A composição química é aproximadamente
ligação dum extra ion H+:
Al2O3.2SiO2.H2O. Os alofanos têm uma carga variável muito
elevada (dependendo do pH); maior que montmorilonita. Sob
Al-OH ----> Al-OH2+
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
9
CTC da argila. Ao mesmo tempo isto pode causar a formação de
pequenos agregados (tamanho de limo ou areia fina), consistindo
de partículas de argila, cimentadas por sesquióxidos. Em casos
extremos isto pode dar ao material argiloso a sensação de textura
média, com consequências importantes para as propriedades
físicas do solo.

Carbonatos, sulfatos e sais solúveis

Os sais no solo ocorrem dissolvidos na solução do solo e/ou na


forma macro- ou microcristalina na fase sólida. Alguns tipos de sais
dissolvem bem, outros são pouco solúveis:
• Bem solúveis são sais de cloreto, nitrato e a maior parte de
sulfatos (anions) e de sódio e potássio (cations), por exemplo
NaHCO3, Na2CO3, MgSO4.7H2O.
• Moderadamente solúveis: CaSO4.2H2O (gesso), MgSO4.H2O,
CaHPO4
• Pouco solúveis; CaCO3, CaMg(CO3)2, MgCO3, fosfatos de
cálcio.
• meq ou mmol por litro de solução de solo, ou extracto de solo.
• conductividade eléctrica dum extracto de solo (saturado ou
Figura I-4. Estrutura básica de montmorilonita relação solo: água de 1:1, 1:2.5, 1:5.
Fonte: Fitzpatrick (1986)

condições de pH baixo há uma carga positiva (-> CTA)


considerável que se torna negativa (CTC) sob pH alto.

Tabela I-4 Tamanhos de ions que fazem parte dos minerais de argila
ion raio (Å) observações

Si4+ 0.41 Si4+ pode ser substituído por Al3+ no tetraedro


Al3+ pode ser substituído por Mg2+ ou Fe3+ no
Al3+ 0.50
octaedro
Fe3+ 0.64

Mg2+ 0.65

Zn2+ 0.70

Fe2+ 0.75

Ca2+ 0.94 Ca2+, Mg2+, K+ e Na+ ocorrem em locais fora do


cristal para neutralizar cargas negativas
Na+ 0.98
originadas pela substituição isomorfa. K+ fica
K+ 1.33 fortemente retida entre as lâminas de ilita e
muscovita

O2- 1.45 O2- ocorre nos tetraedros e octaedros das


laminas

Os (hidr)óxidos de ferro e alumínio podem ser considerados


Óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio sais praticamente insolúveis, mas estes já foram discutidos
separadamente na secção 'sesquióxidos'.
O conjunto destes minerais é chamado "sesquióxidos". Estes
minerais são dominantes em muitos solos de regiões tropicais
As concentrações de sais na solução do solo podem ser
húmidas, e são responsáveis pela cor vermelha ou amarelada
determinadas por vários métodos e podem ser expressos em
daqueles solos. As cargas destes compostos são relativamente
unidades diferentes:
pequenas e, em dependência do pH, podem ser negativas, nulas
- (m)g por 100 g ou por kg de solo seco, ou como percentagem;
ou positivas (veja Figura I-6). Os hidróxidos podem envolver/cobrir
- meq ou mmol por g ou 100 g de solo seco;
os minerais argilosos, formando revestimentos, e assim diminuir a
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
10

Tabela I-5 Características indicativas de alguns minerais de argila


Ilita Vermiculita Montmorilo- Caulinita Alofanos sesquióxidos
nita

Natureza (TOT) mica filossilicato filossilicato filossilicato TO; Al-silicatos não oxi (hidró-)
pedogênica, TOT, derivado TOT, 1/4 Al principalmente cristalinos; xidos de Fe e
principalmente de mica; K dos octaedros em solos comuns em Al. Comuns em
com K anidro trocado por substituído por fortemente detritos todos os
entre lamelas. cations Mg. Comum intemperizados vulcânicos ambientes;
Comum em hidrogenados. em clima sub- teores elevados
sedimentos Ocorre em humido e em solos
todos os solos mau fortemente
ambientes drenados intemperizados

Diâmetro de 0.1-2.0 µm 0.1 µm->2 mm 0.01-1.0 µm 0.1-5.0 µm 25-50Å 0.1-1 µm


partículas

forma flocos flocos flocos cristais hexago- agregados agregados <


irregulares irregulares e irregulares nais irregulares de 0.1 mm ou
pseudo- esferas ou revestimentos
hexagonais poliedros de partículas
<2 µm maiores

espessura (Å) das 10 10-14 10-20 7 - -


lâminas elementares

densidade (g.cm-3) 2.60 2.6 2.60 2.60 ±2.65 4-5.3

superfície específica 50-200 400-800 400-800 5-50 > 1000 20-150


(m2.g-1)

superfície exterior média grande grande pequena muito grande média

superfície interior pequena muito grande muito grande - muito grande -

carga variável pequena pequena pequena grande muito grande grande

coesão/plasticidade plástico m. plástico m. plástico p. plástico plástico não plástico


m. pegajoso m. pegajoso m. pegajoso p. pegajoso m. pegajoso não pegajoso

capacidade de moderada moderada elevada nenhuma baixa nenhuma


expansão

CTC (meq/100g) 15-40 150-200 80-150 1-10 -60 - +60 -8 - +8

outros fixação de K fixação de K adsorção de fixação de P fixação de P, fixação de P


compostos adsorção de
orgânicos compostos
orgânicos

LITERATURA ACONSELHADA

N. Brady: The nature and properties of soil (1974) p. 86 e.s.


A conductividade eléctrica (CE) é o método mais rápido e
barato, que indica a actividade total de sais na solução, mas não
J.B. Dixon & S.B. Weed (Eds): Minerals in soil environments. Soil
providencia informação detalhada quanto aos tipos de ions.
Science Society of America (1977).
Os sais formam um componente importante de muitos solos de
regiões (semi-) áridas, e em zonas costeiras. Carbonatos podem
E.A. Fitzpatrick: An Introduction to Soil Science, 2nd. Edition;
ocorrer também sob clima húmido, em solos relativamente jovens,
Longman Publ; 1986: página 15 e.s., Silicates.
formados em materiais ricos em calcário ou dolomita.

E.J. Kiehl, Manual de edafologia, Relações solo-planta. Editora


Agronómica CERES, São Paulo, 1979.
APONTAMENTOS DE CIÊNCIA DO SOLO
11

T T

H2O H2O H2O K


+
K
+ +
K

T T

O Al octaedro Al octaedro O

T T

(A) (B)

Figura I-5. (A) Moléculas de H2O entre cristais de montmorilonita; (B) Condensação de
+
cristais elementares de ilita pelos ions K , entre os cristais.
Capítulo 1: Composição geral do solo; 4. Porque os sais solúveis praticamente não ocorrem em solos de
Capítulo 5: Minerais de argila do solo. clima húmido? Dê uma excessão.

QUESTÕES 5. Calcula a CTC dos seguintes solos:


Solo 1: 10% de caolinita; 90% de areia; 3% de matéria
1. No parágrafo 1.2 afirma-se que N e P ocorrem na solução do orgânica.
solo em quantidades pequenas. Supondo um solo com Solo 2: 10% de montmorilonita; 90% de areia; 3% de matéria
200 mg.l-1 de NO3- e 1 mg.l-1 de HPO42-, e com densidade orgânica.
aparente (dap; massa por unidade de volume de material de Solo 3: 50% de caolinita; 50% de areia; 3% de matéria
solo não perturbado) de 1.25 kg.l-1 e 50% de água. Quanto orgânica;
seria a quantidade de P e N em solução expresso em kg.ha-1? Solo 4: 50% de montmorilonita; 50% de areia; 3% de matéria
Isto seria suficiente para a nutrição de uma cultura de milho que orgânica.
produz 10.000 kg/ha de grãos? Há outras fontes de N e P? Solo 5: 10% de caolinita; 90% de areia; 0.5% de matéria
orgânica.
2. a. Porque o Al3+ não ocorre em solos alcalinos? Solo 6: 10% de montmorilonita; 90% de areia; 0.5% de matéria
b. Porque o HCO3- não ocorre em solos ácidos? orgânica.
Solo 7: 50% de caolinita; 50% de areia; 0.5% de matéria
3. Parágrafo 1.3.1: O material orgânico não decomposto

Fe Fe Fe

pH alto pH alto
+ -
O OH2 +
O OH +
O O
+H -H

Fe Fe Fe

Figura I-6. Carga variável de Goetita.

(cobertura morta, folhas) protege a superfície do solo contra orgânica;


erosão pelo vento e água e contra a radiação terrestre e Solo 8: 50% de montmorilonita; 50% de areia; 0.5% de matéria
irradiação solar, evitando flutuações extremas de temperatura orgânica.
e humidade. Ainda funciona como fonte de energia para uma
grande parte da fauna do solo. O que você pode concluir sobre a importância do húmus para
a. Quais são os mecanismos de protecção da cobertura morta diferentes tipos de solos, para a adsorção de bases?
contra a erosão hídrica?
b. Porque pode ser importante proteger o solo contra a radiação 6. O tipo de mineral secundário que é formado e a velocidade das
terrestre? reacções depende de: (1) tipo e concentração de ions na
c. Dê exemplos de tipos de plantas e animais que usam o solução do solo; (2) pH do solo; (3) clima do solo: regime de
material orgânico do solo como fonte de energia. temperatura e humidade; (4) factores biológicos. Explique com
exemplos!

Você também pode gostar